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Sobre Mensagem

Foi em outubro de 1934 que saíram da tipografia os primeiros


exemplares de Mensagem, único livro de poesia em português
publicado em vida por Fernando Pessoa. O objetivo de escrever um
livro de poemas de índole nacionalista acompanhou, paralelamente a
outros projetos que não chegou a concretizar plenamente, quase toda
a vida literária de um escritor cujos contactos com a corrente
sebástico-messiânica do pensamento português — posteriormente
acrescentados com leituras espiritistas e esotéricas — datam dos
anos em que colaborou n'A águia. Em 1922, publicou pela primeira
vez, no n.º 4 da revista Contemporânea, o conjunto poético intitulado
«Mar Português», quase integralmente coincidente com o que viria a
ser a «Segunda Parte» de Mensagem.
Sabemos, por outros escritos de Pessoa, que ele não concebia o
seu grande poema nacionalista (nas suas próprias palavras, os textos
de Mensagem constituíam um único poema) como uma obra de índole
especificamente épica. Via-o antes como fusão dos modos lírico,
dramático e épico-narrativo. Também por isso, a leitura pessoana da
História de Portugal (ainda que nela ecoando a oposição dicotómica
grandeza/decadência, bem presente em Camões ou Oliveira Martins)
tem matizes próprias, que resultam da sua revisão esotérica e
iniciática dessa mesma história. Na realidade, paralelamente aos
factos e às figuras da história nacional, que têm também o seu lugar
no livro, Mensagem reflete uma outra realidade em que se
espelham os estudos esotéricos do poeta, nomeadamente os relativos
à Gnose, à Ordem Templária, à Cabala e à Fraternidade Rosa-Cruz.

ANTÓNIO APOLINÁRIO LOURENÇO, «Mensagem», in Biblos — Enciclopédia Verbo


das literaturas de língua portuguesa, voI. III, Lisboa, Verbo, 1999 (com adaptações).
O Sebastianismo
O Sebastianismo (mito sebástico ou mito do «Encoberto»), é
um mito messiânico originado no desaparecimento do rei D.
Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir em 4 de agosto de 1578, mas
que se alimenta de raízes profundas, nomeadamente o Bandarrismo
(profecias do sapateiro de Trancoso, Gonçalo Anes Bandarra, anterior
a D. Sebastião e cujas Trovas foram depois àquele rei adaptadas) e
ainda os mitos peninsulares do Encubierto, além de outras fontes do
profetismo judaico correntes por toda a Europa. Bandarra, nos meados
do século XVI (pelos anos 30 e 40), ao clamar pela vinda de «um chefe
que mande» e de um «salvador» que tire do mundo toda a «erronia»,
não está mais do que a fazer eco de uma atmosfera messiânica
relativamente generalizada, sobretudo em comunidades de forte
presença judaica.
O Sebastianismo virá a apropriar-se do Bandarrismo bem como, ao
longo do período de afirmação da Restauração (após 1640), de todos os
mitos e lendas que fortificassem a independência e um sentimento de
predestinação e de missão pátria (alicerçado no conhecido mito ou
milagre de Ourique, cuja batalha se situa em 1139-1140).
Nos anos subsequentes à derrota de Alcácer-Quibir, foi fácil fazer
acreditar em D. Sebastião «regressado», isto é, em falsos D. Sebastião.
A vontade de que D. Sebastião estivesse vivo, para garantir a
restauração da nacionalidade, o caudal de dúvidas e lendas acerca do
seu desaparecimento (um fugitivo da batalha houvera mesmo
afirmado que era o rei, e no próprio dia da batalha...), o fundo de
messianismo judaico (de que é forte componente o Bandarrismo) dão
corpo a este mito messiânico português que é o Sebastianismo,
uma «resposta» mítica do povo tiranizado, humilhado pela
independência perdida.
Nascido após a morte do pai, D. Sebastião fora, de resto, o
rei desejado. Desenvolvendo-se num contexto de perda da
independência, o Sebastianismo, alimentando-se do «mito do
Encoberto», transforma o Desejado no Encoberto.
O Sebastianismo transcende, porém, a figura de D. Sebastião.
Envolve, com traços sebásticos, muitas outras figuras da nossa
História. A vontade de que D. Sebastião estivesse vivo podia justificar
que durante algum tempo se esperasse por ele. A lenda popular do
aparecimento de D. Sebastião (retido na «Ilha Encoberta» ou em outra
parte, à espera da sua hora), numa manhã de nevoeiro, montado
num cavalo branco, atravessou séculos, como crendice popular de uns
quantos. Mas o mais importante não é este Sebastianismo restrito e
relativo a D. Sebastião ele mesmo; é o Sebastianismo em sentido lato, o
Sebastianismo transposto ou messianismo (quase julgado estrutural)
português, enchendo o «molde do Encoberto» (a expressão é de
António Sérgio), fazendo-se mesmo «tese» de interpretação do modo
de ser português e traço da cultura portuguesa. Em Frei Luís de
Sousa, Telmo é uma figura sebastianista.

ANTÓNIO MACHADO PIRES, «Sebastianismo», in Biblos — Enciclopédia Verbo


das literaturas de língua portuguesa, vol. IV, Lisboa, Verbo, 2001 (com adaptações).

O Quinto Império

Será o Padre António Vieira, entre nós, com a História do futuro, a


principal fonte de Pessoa [para a ideia de Quinto Império]. Teremos
ainda, para o caso do poeta, as Profecias de Bandarra, em cujas
trovas se fundam as leituras proféticas de D. João de Castro, António
Vieira e Pessoa. Abre-se com eles a esperança do mítico regresso do
Encoberto, o jovem monarca D. Sebastião desaparecido em Alcácer-
Quibir. Mas será Vieira a recuperar, a seu modo, a profecia de Daniel,
aludindo ao Quinto Império, «o Império consumado de Cristo debaixo
do nome de Quinto Império, seguindo-se à derrocada dos quatro
impérios dos Assírios, Persas, Gregos e Romanos».
Pessoa, ao escrever Mensagem, tem presente a memória profética
lusitana, histórica, religiosa e poética. A existência mítica do
Sebastianismo era a base mesma da sua credibilidade, pois o mito é o
universal, o eterno existente, que sai da sua latência por força do
imaginário coletivo que o transforma e atualiza: «O mito é o nada que
é tudo. / O mesmo sol que abre os céus.» Mensagem é a obra que
condensa a visão mítica e profética de um Quinto Império sonhado,
como no poema de 1934 «Vibra, clarim, cuja voz diz». Aqui, estrofe a
estrofe, se relê e revê a história mítica de um Portugal desejado (e
adiado). Da geração de Avis à perda do Rei-Menino, D. Sebastião,
celebra-se o «ser profundo» de um Portugal que é o mundo. «É a
hora!», proclama Pessoa, «aqui!». Por outras palavras, é ele quem
atualiza um mito fundador, o de uma pátria (da história e da alma) que
só ele, como um Super-Camões, um Super-Sebastião, pode ajudar a
erguer, a sair do Nevoeiro: «E, se o futuro é já presente / Na visão de
quem sabe ver / Convoca aqui eternamente / Os que hão de ser!» O
apelo é mágico: a todos «feitos num». E o Mistério é proclamado, para
que se aceite um Destino firme, ainda que oculto. Trata-se da visão de
um Portugal «feito Universo», uma pátria «universal perante a Cruz»
também ela universal e mítica, como o Deus Jesus com que acaba o
poema. Pessoa exprime, em Mensagem, o «sonho português» de ser
ele mesmo e mais, muito mais do que ele mesmo.

YVETTE CENTENO, «Quinto Império», in Fernando Cabral Martins (coord.),


Dicionário de Fernando Pessoa e do modernismo português,
Lisboa, Caminho, 2008 (com adaptações).
Primeira Parte: BRASÃO
I. OS CAMPOS

Primeiro

O dos Castelos
A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;


O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal,


O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.

Compreensão • Interpretação
1. Neste poema, a Europa é retratada como uma figura feminina.
1.1 Identifique os países do continente europeu aqui referidos
e as partes do corpo a eles associadas.
1..2 Interprete o facto de a figura feminina (Europa) estar
deitada.
2. Explique como, na primeira estrofe, se representa a importância
da civilização da Grécia Antiga para a Europa.
3. Indique onde pousam os cotovelos esquerdo e direito e interprete
o que representam esses lugares.
3.1 Explicite o que pode simbolizar o facto de a mão direita
«sustentar» o rosto.
4. Interprete o sentido da terceira estrofe do poema.
4.1 Comente a expressividade do adjetivo «fatal» (de fado) no
verso 10.
4.2 Identifique o recurso estilístico presente no verso 11 e
comente a sua expressividade. Ficha 20
5. Interprete a repetição do verbo «fitar», mostrando que há algo de
profético neste olhar.
6. Identifique o(s) temas(s) tratado(s) no poema.
Gramática
1. Identifique os referentes dos seguintes elementos: Ficha 14
a) «-lhe» (v. 3)
b) «Aquele» (v. 7)
c) «Este» (v. 8)
d) «se» (v. 9)
2. Identifique a função sintática dos seguintes
constituintes: Ficha 6
a) «recuado» (v. 5)
b) «a mão» (v. 9)
c) «em que se apoia o rosto» (v. 9)
d) «o rosto» (v. 9)
Escrita
1. Redija uma exposição bem estruturada, de duzentas (200) a
trezentas (300) palavras, sobre um momento ou um acontecimento
importante da História de Portugal. Realize uma investigação prévia
sobre o tema, prepare notas de leitura e planifique o texto. Ao redigir a
composição, identifique as fontes utilizadas (em rodapé ou numa
bibliografia) e cite-as corretamente. Manuscrito ou redigido em
computador, nunca se esqueça da necessária revisão final ao seu texto.

I. OS CAMPOS

Segundo

O das Quinas
Os Deuses vendem quando dão.
Compra-se a glória com desgraça.
Ai dos felizes, porque são
Só o que passa!

Baste a quem baste o que lhe basta


O bastante de lhe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar.

Foi com desgraça e com vileza


Que Deus ao Cristo definiu:
Assim o opôs à Natureza
E Filho o ungiu.

Compreensão • Interpretação
1. Explique o significado do primeiro verso, «Os Deuses vendem
quando dão.», relacionando-o com o segundo, «Compra-se a glória
com desgraça.».
2. Identifique o recurso estilístico presente nos versos «Baste a
quem baste o que lhe basta / O bastante de lhe bastar!» (vv. 5 e 6) e
explicite o seu valor expressivo. Ficha 20
3. Relacione o verso «Ter é tardar.» (v. 8) com a globalidade do
poema.
4. Aponte a razão por que, na terceira estrofe, é feita referência a
Cristo.
5. Tendo em conta as conclusões a que chegou na secção «Antes
de ler», estabeleça a relação entre o título e o conteúdo do poema.
Gramática
1. Indique o valor aspetual das formas verbais destacadas. Ficha
15
a) «Ter é tardar.» (v. 8)
b) «Assim o opôs à Natureza / E Filho o ungiu.» (vv. 11 e 12)

II. OS CASTELOS

Primeiro

Ulisses
O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo —
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,


Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.

Assim a lenda se escorre


A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.

Compreensão • Interpretação
1. Identifique o recurso estilístico presente no verso 1 e explicite o
seu valor expressivo. Ficha 20
2. Tendo em conta as conclusões a que chegou na secção «Antes de
ler», procure explicitar a relação que é estabelecida no poema entre o
«sol que abre os céus» (v. 2) e «o corpo morto de Deus / Vivo e
desnudo» (vv. 4 e 5).
3. Identifique o referente do pronome «Este» (v. 6).
4. Explicite o significado da segunda estrofe, relacionando-a com o
primeiro verso: «O mito é o nada que é tudo.»
5. Estabeleça a relação entre os versos «Assim a lenda se escorre / A
entrar na realidade / E a fecundá-la decorre.» (vv. 11 a 13) e a segunda
estrofe.
6. Tendo em conta a globalidade do poema, explicite a relação
realidade/morte e mito/vida que é estabelecida no texto.

II. OS CASTELOS

Sexto

D. Dinis
Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro1 consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.

Arroio2, esse cantar, jovem e puro,


Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho3 obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.

Compreensão • Interpretação
1. Relacione as informações que obteve sobre o rei D. Dinis e o
pinhal de Leiria na secção «Antes de ler» com os versos 1 e 2.
2. Identifique o recurso estilístico presente no verso «E ouve um
silêncio múrmuro consigo » (v. 3) e explicite o seu valor
expressivo. Ficha 20
3. Explique o significado da comparação entre «pinhais» e «trigo
[de] Império» (vv. 4-5).
4. Explicite o sentido dos versos 6 e 7: «Arroio, esse cantar, jovem e
puro, / Busca o oceano por achar;»
5. Indique o motivo por que a «fala dos pinhais» é associada a um
«marulho obscuro» (v. 8).
6. Tendo em conta a globalidade do texto — bem como as
conclusões a que chegou sobre a simbologia da noite na secção «Antes
de ler» —, procure interpretar o facto de o poema se desenrolar neste
período do dia.
Gramática
1. Para responder a cada um dos itens, selecione a única opção que
permite obter uma afirmação correta. Ficha 6
1.1 O constituinte «Na noite» (v. 1) desempenha a função
sintática de
(A) modificador da frase.
(B) modificador do grupo verbal.
(C) complemento oblíquo.
(D) modificador restritivo do nome.
1.2 O constituinte «O plantador de naus a haver» (v. 2) desempenha
a função sintática de
(A) complemento direto.
(B) complemento indireto.
(C) complemento oblíquo.
(D) sujeito simples.
1.3 O constituinte «jovem e puro» (v. 6) desempenha a função
sintática de
(A) complemento do nome.
(B) complemento do adjetivo.
(C) modificador apositivo do nome.
(D) modificador restritivo do nome.
1.4 O constituinte «o oceano por achar» (v. 7) desempenha
a função sintática de
(A) sujeito simples.
(B) complemento direto.
(C) complemento oblíquo.
(D) modificador do grupo verbal.
1.5 O constituinte «o som presente desse mar futuro» (v. 9)
desempenha a função sintática de
(A) complemento direto.
(B) predicativo do sujeito.
(C) sujeito simples.
(D) complemento indireto.
Escrita
1. Considere a afirmação: «A galeria dos heróis, que Deus sagrou
“em honra e em desgraça” para a nostalgia e demanda do Infinito (“O
mar sem fim é português”), está em Mensagem em função do futuro
que nebulosamente prenunciam. […] O passado, na lógica misteriosa
das nações, inclui o porvir.» (Jacinto do Prado Coelho, Diversidade e
unidade em Fernando Pessoa, Lisboa, Verbo, 1990).

1.1 Redija um texto expositivo, de cento e trinta (130) a cento e


setenta (170) palavras, em que se refira à conceção de D. Dinis,
em Mensagem, como uma figura heroica que tem como missão
cumprir o plano de Deus para Portugal. Não se esqueça de identificar
todas as fontes consultadas, em rodapé ou numa bibliografia. Quer o
texto seja manuscrito quer seja redigido em computador, preceda-o
sempre de uma planificação e, no fim, sujeite-o a uma cuidada revisão.
III. AS QUINAS

Quinta
Lima de Freitas, D. Sebastião, o Encoberto, pormenor (painel de
azulejos, 1996).

D. Sebastião, Rei de Portugal


Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte1 a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal2 está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem


Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta3 sadia,
Cadáver adiado que procria?

Compreensão • Interpretação
1. Identifique o sujeito lírico do poema.
1.1 Explicite a situação e/ou o momento em que o eu poético
profere o discurso.
1.2 Qual é a pertinência de o poema ser enunciado na primeira
pessoa?
2. Interprete a noção de «loucura» formulada por este poema.
2.1 Comente a repetição de palavras na expressão «Louco, sim,
louco, […]» (v. 1).
2.2 Caracterize esse eu poético que fala no texto.

3. Interprete o verso 3 à luz dos seus conhecimentos sobre a vida de


D. Sebastião.
4. Identifique o recurso estilístico presente no verso 5 e comente a
sua expressividade, tendo em conta a relação corpo/espírito. Ficha
20
5. Identifique o assunto tratado na segunda estrofe do poema.
6. Explicite o significado dos dois versos iniciais da segunda estrofe.
7. Interprete a interrogação retórica no fim do poema.
Gramática
1. Identifique a função sintática dos seguintes constituintes
presentes no poema de Fernando Pessoa. Ficha 6
a) «a» (v. 2)
b) «minha certeza» (v. 3)
c) «onde o areal está» (v. 4)
d) «me» (v. 6)
e) «sadia» (v. 9)
f) «que procria» (v. 10)

Segunda Parte: MAR PORTUGUÊS

II.

Horizonte
Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério1
Splendia2 sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa —


Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores;
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstrata linha.

O sonho é ver as formas invisíveis


Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte —
Os beijos merecidos da Verdade.

Compreensão • Interpretação
1. Explicite o contraste passado/presente que é estabelecido no
poema. Fundamente a resposta com citações textuais pertinentes.
2. Explique o significado simbólico do facto de o «Sul sidério» (v. 5)
resplandecer sobre «as naus da iniciação» (v. 6).
3. Indique o motivo por que as caravelas portuguesas são
designadas como «naus da iniciação» (v. 6).
4. Demonstre que na segunda estrofe há um movimento
progressivo de revelação da costa que se avistava no horizonte.
5. Explicite o significado do verso «Os beijos merecidos da
Verdade» (v. 18).
6. Identifique o recurso estilístico presente em «O sonho é ver as
formas invisíveis / Da distância imprecisa» (vv. 13 e 14) e explicite o
seu valor expressivo. Ficha 20
7. Relacione o poema com o seu título.

IV.
O Mostrengo
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse, «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tetos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo,
«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?


De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,


Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de temer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»
Compreensão • Interpretação
1. Tendo em conta as conclusões a que chegou na secção «Antes de
ler», procure formular uma hipótese para explicar o significado
simbólico da insistência no número três ao longo de todo o poema.
2. Explique a importância simbólica do facto de o mostrengo se
encontrar «no fim do mar» (v. 1, sublinhado nosso).
3. Indique o motivo por que esta figura surge «[n]a noite de breu»
(v. 2).
4. Considere os versos 3 e 4: «À roda da nau voou três vezes, / Voou
três vezes a chiar,».
4.1 Explique o efeito que é criado pelo facto de o mostrengo
descrever sucessivos movimentos circulares em torno da nau dos
portugueses.
5. Enuncie os sentimentos que o mostrengo manifesta em relação
aos portugueses.
6. Descreva a atitude que o homem do leme revela em relação ao
mostrengo na primeira e na segunda estrofes.
7. Identifique o recurso estilístico presente no verso «E escorro os
medos do mar sem fundo?» (v. 16) e explicite o seu valor
expressivo. Ficha 20
8. No poema, temos três vozes: a do sujeito poético, a do mostrengo
e a do homem do leme.
8.1 Explicite o valor simbólico do facto de, na terceira estrofe, a
voz do mostrengo desaparecer.
9. O último verso da primeira estrofe é retomado ao longo do
poema, à semelhança de um refrão. Explique o valor expressivo desta
repetição.
10. Interprete o comportamento do homem do leme antes de iniciar
o seu discurso final.
11. Explicite o significado simbólico do facto de o homem do leme
nunca ser identificado, relacionando-o com o discurso que esta
personagem profere na terceira estrofe.
Gramática
1. Classifique os deíticos destacados nos versos que se
seguem. Ficha 14
a) «Quem é que ousou entrar / Nas minhas cavernas que não
desvendo» (vv. 5-6)
b) «De quem são as quilhas onde me roço?» (v. 9)
c) «Quem vem poder o que só eu posso» (v. 13)
d) «aqui ao leme sou mais do que eu» (v. 20)
Escrita
1. Redija um texto de opinião, de duzentas (200) a trezentas (300)
palavras, em que se refira à importância da capacidade de superação
dos medos na vida do Homem.
Apresente dois argumentos que sustentem o seu ponto de vista,
ilustrando cada um deles com, pelo menos, um exemplo.
Quer o texto seja manuscrito quer seja redigido em computador,
preceda-o sempre de uma planificação e, no fim, sujeite-o a uma
cuidada revisão.

X.

Mar Português
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena


Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Compreensão • Interpretação
1. O poema apresenta uma reflexão sobre os Descobrimentos
marítimos portugueses.
1.1 Divida o poema em duas partes e explique o assunto
tratado em cada uma delas.
2. Identifique o recurso estilístico presente em «[…] quanto do teu
sal / São lágrimas de Portugal!» (vv. 1 e 2) e comente a sua
expressividade.
Ficha 20
3. Interprete a função da enumeração nos quatro versos finais da
primeira estrofe.
4. Explique o sentido da frase «Tudo vale a pena / Se a alma não é
pequena» (vv. 7 e 8).
5. Explicite o sentido dos versos 9 e 10.
6. Interprete os dois versos finais do poema.

Terceira Parte: O ENCOBERTO


I. Os Símbolos

Segundo

O Quinto Império
Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!


Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz —
Ter por vida a sepultura.

Eras sobre eras se somem


No tempo que em eras vem1.
Ser descontente é ser homem
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!

E assim, passados os quatro


Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro2
Da erma noite começou.

Grécia, Roma, Cristandade,


Europa — os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?

Compreensão • Interpretação
1. Nas duas primeiras estrofes do poema caracteriza-se uma atitude
conformista perante a vida.
1.1 Explicite a forma como o conformismo é apresentado
nessas estrofes.
1.2 Explique as consequências desse conformismo, segundo os
versos 8 a 10.
2. Interprete o verso «Ser descontente é ser homem» (v. 13).
3. Identifique o recurso estilístico presente nos versos 14 e 15 e
comente a sua expressividade. Ficha 20
4. Explique a referência aos «quatro tempos» (vv. 16 e 17),
relacionando-a com o conceito do Quinto Império.
5. Interprete os dois versos finais do poema.
Gramática
1. Selecione, de entre as hipóteses apresentadas, aquela que
completa corretamente cada uma das afirmações.
1.1 No verso «Triste de quem vive em casa» (v. 1), o verbo tem
um valor aspetual Ficha 15
(A) imperfetivo.
(B) iterativo.
(C) habitual.
(D) genérico.
1.2 O constituinte «com o seu lar» (v. 2) desempenha a função
sintática de Ficha 6
(A) modificador do grupo verbal.
(B) complemento do adjetivo.
(C) complemento oblíquo.
(D) modificador restritivo do nome.
1.3 O sujeito da frase «Vive porque a vida dura.» (v. 7) é
(A) simples.
(B) nulo indeterminado.
(C) nulo expletivo.
(D) nulo subentendido.

III. Os Tempos

Quinto

Nevoeiro
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.


Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!
Valete, Fratres.1
Compreensão • Interpretação
1. O poema dá conta da indefinição e da decadência de Portugal em
diferentes domínios.
1.1 Transcreva expressões ou versos que aludam a essa
indefinição e a uma crise nos domínios político, dos valores e da
identidade nacional.
1.2 Comente a expressividade das enumerações que iniciam as
estrofes 1 e 2.
1.3 Transcreva duas antíteses presentes no poema e comente a
sua expressividade.
2. Caracterize o estado de espírito do sujeito poético face à situação
da Pátria.
2.1 Explique porque se pode afirmar que esta composição
poética sobre a Pátria é um poema lírico.
3. Identifique o tom que domina o poema.
3.1 O tom altera-se na estrofe final. Identifique o tom do verso
final, «É a Hora!», e comente esta alteração.
4. Encontramos no poema um elevado número de vocábulos com
conotação negativa.
4.1 Transcreva algumas dessas palavras e comente a sua
expressividade.
5. Interprete o verso 10: «(Que ânsia distante perto chora?)»
6. Explique o sentido do verso final do poema: «É a Hora!»
7. Interprete o valor simbólico do nevoeiro, tendo em conta a
conotação negativa e positiva
que assume no poema.
Gramática
1. Selecione, de entre as hipóteses apresentadas, aquela que
completa corretamente cada uma das afirmações.
1.1 O travessão no fim do verso 4 serve para Ficha 25
(A) introduzir o discurso direto.
(B) reformular o que antes foi dito.
(C) contrapor uma ideia à que antes fora referida.
(D) introduzir o desenvolvimento da ideia anteriormente
referida.
1.2 A oração «que coisa quer» (v. 7) é uma Ficha 7
(A) subordinada substantiva completiva.
(B) subordinada substantiva relativa.
(C) subordinada adjetiva relativa explicativa.
(D) subordinada adjetiva relativa restritiva.
1.3 A locução conjuncional coordenativa «nem… nem» (v.
9) é
Ficha 5
(A) copulativa.
(B) adversativa.
(C) disjuntiva.
(D) explicativa.

Escrita
1. Elabore um texto de opinião bem estruturado, com um mínimo
de duzentas (200) e um máximo de trezentas (300) palavras, dando
conta da situação de Portugal (política, social e/ou económica).
Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois
argumentos e ilustre cada um deles com, pelo menos, um exemplo
significativo.
Quer o texto seja manuscrito quer seja redigido em computador,
preceda-o sempre de uma planificação e, no fim, sujeite-o a uma
cuidada revisão.

Sistematização de

conhecimentos
O IMAGINÁRIO ÉPICO
1. A natureza épico-lírica da obra
 A natureza épico-lírica de Mensagem assenta no facto de os
quarenta e quatro poemas que a compõem revelarem marcas de
ambos os domínios literários. O leitor reconhece um carácter
híbrido que resulta do cruzamento do género da epopeia e
do modo lírico, como se pode ver, por exemplo, em «O
Infante» (Segunda parte: Mar Português: I):
 No essencial, a dimensão épica destas composições emerge
quando elas tratam, frequentemente em esboço narrativo,
uma figura histórica importanteou um episódio grandioso do
passado. Como sucede nas epopeias, essas personalidades ou
esses acontecimentos são enaltecidos; a eles se atribui um
estatuto glorioso. Mais ainda, e de acordo com os códigos do
género épico, os poemas de Mensagem celebram os feitos,
as qualidades e os momentos maiores do passado pátrio.
Tal é o que sucede quando o Homem do Leme vence o
Mostrengo ou quando se fala nos sacrifícios dos portugueses para
conquistar o mar («Mar português»).
 A par da sua faceta épica, emerge
em Mensagem uma dimensão lírica, que se manifesta numa
vertente mais introspetiva dos poemas. Como é característico
deste modo literário, encontramos um sujeito poético que, no
seu discurso, dá conta do seu mundo interior, dos seus
sentimentos, das suas reflexões sobre Portugal e o seu
destino. Não raro, este eu poético parece assumir a voz de
todo um povo.

 Há poemas que denunciam esta sua natureza lírica: em muitos


casos, o discurso é assumido por uma figura histórica que
sintetiza a sua vida ou comenta o seu destino. Recorde-se
«Screvo meu livro à beira-mágoa» (Terceira parte: O Encoberto:
II. Os Avisos: Terceiro), em que o sujeito parece plasmar o
enunciador-autor de toda a obra. Tal sucede também com «D.
Sebastião, Rei de Portugal» (p. 131) ou com «D. Duarte, Rei de
Portugal» (Primeira parte: Brasão: III. As Quinas: Primeira).

Preparação para o Exame Nacional


GRUPO I

Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.


A

Leia com atenção o poema «Fernão de Magalhães»,


de Mensagem, de Fernando Pessoa.
Se necessário, consulte as notas.

Fernão de Magalhães (c. 1480-1521).

Segunda Parte: MAR PORTUGUÊS


VIII.

Fernão de Magalhães1
No vale clareia uma fogueira.
Uma dança sacode a terra inteira.
E sombras disformes e descompostas
Em clarões negros do vale vão
Subitamente pelas encostas,
Indo perder-se na escuridão.

De quem é a dança que a noite aterra?


São os Titãs2, os filhos da Terra,
Que dançam da morte do marinheiro
Que quis cingir o materno vulto —
Cingi-lo, dos homens, o primeiro —,
Na praia ao longe por fim sepulto.

Dançam, nem sabem que a alma ousada


Do morto ainda comanda a armada,
Pulso sem corpo ao leme a guiar
As naus no resto do fim do espaço:
Que até ausente soube cercar
A terra inteira com seu abraço.

Violou a Terra. Mas eles não


O sabem, e dançam na solidão;
E sombras disformes e descompostas,
Indo perder-se nos horizontes,
Galgam do vale pelas encostas
Dos mudos montes.

1. Tendo em conta a primeira e a segunda estrofes, explicite o


significado simbólico da dança que é descrita no poema.
2. Explique o sentido da terceira estrofe.
3. Indique o motivo por que, no fim do poema, as figuras são
descritas a dançar «na solidão» (v. 20).

Leia o excerto de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett. Se


necessário, consulte as notas.

ATO TERCEIRO
Cena I
MANUEL DE SOUSA, sentado num tamborete ao pé da mesa, o
rosto inclinado
sobre o peito, os braços caídos e em completa prostração de espírito
e de
corpo; num tamborete, do outro lado, JORGE, meio encostado para a
mesa,
com as mãos postas e os olhos pregados no irmão.

MANUEL — Oh, minha filha, minha filha! (Silêncio


longo.) Desgraçada filha, que ficas órfã!… Órfã de pai e de
mãe… (pausa) e de família e de nome, que tudo perdeste
hoje… (Levanta-se com violenta aflição.) A desgraçada nunca os
teve! Oh, Jorge, que esta lembrança é que me mata, que me
desespera! (Apertando a mão do irmão, que se levantou após
dele e o está consolando do gesto.) É o castigo terrível do meu
erro… se foi erro… crime sei que não foi. E sabe-o Deus, Jorge, e
castigou-me assim, meu irmão!
JORGE — Paciência, paciência; os Seus juízos são
imperscrutáveis. (Acalma e faz sentar o irmão; tornam a ficar
ambos como estavam.)
MANUEL — Mas eu em que mereci ser feito o homem mais infeliz
da terra, posto de alvo à irrisão1 e ao discursar do vulgo2?… Manuel de
Sousa Coutinho, o filho de Lopo de Sousa Coutinho, o filho do nosso
pai, Jorge!
JORGE — Tu chamas-te o homem mais infeliz da terra… Já te
esqueceste de que ainda está vivo aquele…
MANUEL — (caindo em si) — É verdade. (Pausa; e depois,
como quem se desdiz.) Mas não é, nem tanto: padeceu mais,
padeceu mais longamente e bebeu até às fezes o cálice das
amarguras humanas… (Levantando a voz.) mas fui eu, eu que lho
preparei, eu que lho dei a beber, pelas mãos… inocentes mãos!…
Dessa infeliz que arrastei na minha queda, que lancei nesse abismo
de vergonha, a quem cobri as faces — as faces puras e que não
tinham corado doutro pejo3 senão do da virtude e do recato… cobri-
lhas dum véu de infâmia que nem a morte há de levantar, porque lhe
fica, perpétuo e para sempre, lançado sobre o túmulo a cobrir-lhe a
memória de sombras… de manchas que se não lavam! Fui eu o autor
de tudo isto, o autor da minha desgraça e da desonra deles… Sei-o,
conheço-o; e não sou mais infeliz que nenhum?
JORGE — Vê a palavra que disseste: «desonra»; lembra-te dela e de
ti, e considera se podes pleitear4 misérias com esse homem a quem
Deus não quis acudir com a morte antes de conhecer essa outra agonia
maior. — Ele não tem…
MANUEL — Ele não tem uma filha como eu,
desgraçado… (pausa) uma filha bela, pura, adorada, sobre cuja
cabeça — oh, porque não é na minha! — vai cair toda essa desonra,
toda a ignomínia, todo o opróbrio5 que a injustiça do mundo, não sei
porquê, me não quer lançar no rosto a mim, para pôr tudo na testa
branca e pura de um anjo que não tem outra culpa senão a da origem
que eu lhe dei. […]
JORGE — Deus, Deus será o pai de tua filha.
MANUEL — Olha, Jorge: queres que te diga o que eu sei de certo, e
que devia ser consolação… mas não é, que eu sou homem, não sou
anjo, meu irmão — devia ser consolação, e é desespero, é coroa de
espinhos de toda esta paixão que estou passando… é que a minha
filha… Maria… a filha do meu amor — a filha do meu pecado, se Deus
quer que seja pecado — não vive, não resiste, não sobrevive a esta
afronta. […]
JORGE — (animando-o) — Ela não está tão mal; já lá estive hoje…
MANUEL — Estiveste?… Oh! Conta-me, conta-me: eu não tenho…
não tive ainda ânimo de a ir ver.
JORGE — Haverá duas horas que entrei na sua câmara e estive ao
pé do leito. Dormia, e mais sossegada da respiração. […] Doroteia e
Telmo… pobre velho, coitado!... Estavam ao pé dela, cada um de seu
lado… disseram-me que não tinha tornado a… a…
MANUEL — A lançar sangue?… Se ela deitou o do coração!… Não
tem mais. Naquele corpo tão franzino, tão delgado, que mais sangue
há de haver? Quando ontem a arranquei de ao pé da mãe e a levava
nos braços, não mo lançou todo às golfadas aqui no peito? (Mostra
um lenço branco todo manchado de sangue.) Não o tenho
aqui… o sangue… o sangue da minha vítima?… Que é o sangue das
minhas veias… que é o sangue da minha alma — é o sangue da minha
querida filha! (Beija o lenço muitas vezes.) Oh, meu Deus, meu
Deus! Eu queria pedir-Te que a levasses já… e não tenho ânimo. Eu
devia aceitar por mercê de Tuas misericórdias que chamasses aquele
anjo para junto dos Teus, antes que o mundo, este mundo infame e
sem comiseração, lhe cuspisse na cara com a desgraça do seu
nascimento. — Devia, devia… e não posso, não quero, não sei, não
tenho ânimo, não tenho coração. Peço-Te vida, meu Deus, (ajoelha e
põe as mãos) peço-te vida, vida, vida… para ela, vida para a minha
filha!… saúde, vida para a minha querida filha!… e morra eu de
vergonha, se é preciso; cubra-me o escárnio do mundo, desonre-me o
opróbrio dos homens, tape-me a sepultura uma loisa de ignomínia, um
epitáfio que fique a bradar por essas eras desonra e infâmia sobre mim!
… Oh, meu Deus, meu Deus! (Cai de bruços no chão…
Passado algum tempo, Frei Jorge se chega para ele, levanta-o
quase a peso, e o torna a assentar.)

ALMEIDA GARRETTE, Frei Luís de Sousa [edição da Quinta do Pinheiro], 1844a.


4. Enuncie os motivos por que D. Manuel de Sousa Coutinho
manifesta um profundo sentimento de culpa. Fundamente a resposta
através de transcrições textuais.
5. Explicite o doloroso conflito interior com que D. Manuel se
debate nesta cena por causa da sua filha.

GRUPO II
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta.

Escreva, na folha de respostas, o número de cada item e a letra que

identifica a opção

escolhida.
Leia com atenção o artigo de opinião.

Coragem Portugueses

Portugal está entorpecido à espera que o tempo passe. Mais uma


vez já que este é um fado recorrente.
Também é notável ouvir Fernando Nobre1 insistir que falta um
grande objetivo para Portugal. Desde logo porque, quando um país
tem um GRANDE objetivo, é melhor fugir porque vem aí uma ditadura
qualquer. O mundo é plural, as vidas são plurais, os objetivos são
múltiplos e diversos. Um país, livre e democrático, tem uma multitude
de objetivos que derivam da ação livre e empreendedora dos seus
cidadãos.
Aliás, esse é um dos dramas da vida política portuguesa. Cada vez
temos mais gente com lugares cativos a perorar sobre todos os
assuntos. A política local vai-se enchendo de ex. Ex-primeiros-
ministros, ex-presidentes, ex-líderes partidários, ex-ministros das
finanças, ex-banqueiros, ex-famosos e até ex-eternos-derrotados
como Freitas do Amaral que com a frequência do anticiclone dos
Açores é chamado a dar a sua opinião sobre os mais variados temas
e raramente diz alguma coisa digna de registo.
Recapitulando: o tempo está cinzento e o País está chato. E, no
entanto, há tanta coisa em que se podia ocupar este momento de
tédio. Ainda recentemente li um artigo muito interessante sobre o
futuro das cidades. O autor considera que a competitividade das
cidades assenta cada vez mais nas suas condições de mobilidade.
Mais e novos meios de transportes são fundamentais para diminuir
radicalmente a dependência do automóvel, do espaço totalitário que
ocupam e da energia poluente que consomem. As cidades cresceram
à volta das vias rodoviárias, dando primazia aos veículos e nunca aos
cidadãos. Está na hora de mudar de paradigma. Agora que tanto se
fala de renovação urbana, como contributo para a superação da crise,
talvez não fosse má ideia pensar também em novas formas de
circular, combinando os meios físicos e as plataformas digitais. Tanto
mais que muita da economia do futuro vai também passar por aí. A
mobilidade é um grande negócio, a par de grande serviço público, que
está por descobrir e montar.
Enfim, a cada momento da história está tudo por fazer. Só que a
maioria perde-se em discursos e lamentações, enquanto uns poucos
se empenham na difícil, mas muito gratificante, tarefa da realização
transformadora. É desses que fica a marca. E como dizia Almada
Negreiros, «um país é o conjunto de todos os defeitos e qualidades.
Coragem portugueses pois já só vos faltam as qualidades».

LEONEL MOURA, Jornal de negócios, 23 de dezembro de 2010.

1. A primeira frase do texto significa que o nosso país


(A) é torpe e espera por novos dias.
(B) está em estado dormente e espera que as condições
climáticas melhorem.
(C) está em estado dormente e espera que as condições
económicas e políticas melhorem.
(D) está em estado latente e espera que chegue outra época.

2. Segundo o autor deste texto de opinião, a ideia de um país ter


«um GRANDE objetivo» (ll. 4 e 5) não é boa porque
(A) traz forçosamente consigo uma ditadura.
(B) a atividade humana é múltipla e convida a ter vários
objetivos.
(C) faz com que os cidadãos dispersem as suas energias.
(D) devemos ter vários objetivos e objetivos pequenos.

3. Na frase «A política local se enchendo de ex.» (ll. 10 e 11),


o valor aspetual é
(A) imperfetivo.
(B) perfetivo.
(C) genérico.
(D) iterativo.

4. Nas linhas 10 a 15, encontramos


(A) um argumento.
(B) um contra-argumento.
(C) exemplos
(D) uma descrição.
5. No excerto «talvez não fosse má ideia pensar também em novas
formas de circular, combinando os meios físicos e as plataformas
digitais» (ll. 25 e 26), encontramos a modalidade
(A) deôntica com valor de permissão.
(B) deôntica com valor de obrigação.
(C) epistémica com valor de probabilidade.
(D) apreciativa.

6. A locução conjuncional «no entanto» (l. 16) é um mecanismo


de coesão
(A) anafórica.
(B) frásica.
(C) lexical.
(D) interfrásica.

7. Nas três primeiras frases do parágrafo final, defende-se que


(A) o País só avança com aqueles que constroem a realidade.
(B) a maioria dos portugueses se empenha na verdadeira
construção do País.
(C) o País se transforma por atos e por palavras.
(D) para o futuro ficam os homens dos discursos e os homens
que construíram o País.

8. Classifique a oração «já que este é um fado recorrente» (ll. 1 e 2)


9. Indique a função sintática do constituinte «nas suas condições
de mobilidade» (ll. 19 e 20).
10. Indique o valor da oração subordinada adjetiva
relativa «que está por descobrir e montar» (l. 29).

GRUPO III
«A coragem que vence o medo tem mais elementos de
grandeza que aquela que não o tem. Uma começa
interiormente; outra é puramente exterior. A última faz frente
ao perigo; a primeira faz frente, antes de tudo, ao próprio temor
dentro da sua alma.»

FERNADO PESSOA, Aforismos e afins, edição de Richard Zenith,


Lisboa, Assírio & Alvim, 2005.

Partindo desta citação de Fernando Pessoa, elabore um texto de


opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas (200) e um
máximo de trezentas (300) palavras, em que apresente uma reflexão
sobre a importância da coragem na vida do Homem.
Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois
argumentos e ilustre cada um deles com, pelo menos, um exemplo
significativo.

Observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada
por espaços em branco, mesmo quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /opôs-
se-lhe/). Qualquer número conta como uma única palavra, independentemente dos
algarismos que o constituam (ex.: /2016/).
2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados (entre duzentas e
trezentas palavras), há que atender ao seguinte:
— um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até
5 pontos) do texto produzido;
— um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.

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