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A ortotanásia e o Direito Penal brasileiro
Maria Elisa Villas-Bôas

Resumo: Nos dias atuais, ante a intensa evolução biotecnológica, é possível prolongar
artificialmente a existência de um doente, ainda que a medicina não lhe possa oferecer
nenhuma expectativa de cura ou mais conforto nesse fim de vida prolongado. Este trabalho
discute os novos aspectos médicos e jurídicos que influenciam as intervenções no final da vida
humana, investigando a existência da possibilidade lícita de deixar que o doente morra, sem
que sejam utilizados os modernos recursos de prolongamento vital, em face da legislação penal
brasileira. A principal conclusão obtida é que a restrição de recursos artificiais não é crime se
eles não representam benefício efetivo para o enfermo e se são unicamente condições de
obstinação terapêutica. A indicação ou contra-indicação de uma medida é decisão médica, que
deverá ser discutida com o paciente e sua família, para garantir a dignidade da pessoa humana
em final de vida.

Palavras-chave: Eutanásia. Ortotanásia. Distanásia. Direito Penal brasileiro. Final de vida.

Houve um tempo em que nosso poder perante a Morte


era muito pequeno. E, por isso, os homens e as mulheres
dedicavam-se a ouvir a sua voz e podiam tornar-se sábios
na arte de viver. Hoje, nosso poder aumentou, a Morte
foi definida como inimiga a ser derrotada, fomos possuí-
dos pela fantasia onipotente de nos livrarmos de seu
Maria Elisa Villas-Bôas toque. Com isso, nós nos tornamos surdos às lições que
Pediatra, bacharel, mestra e ela pode nos ensinar. E nos encontramos diante do peri-
doutoranda em Direito pela
Universidade Federal da Bahia go de que, quanto mais poderosos formos perante ela
(UFBA), membro do Comitê de (inutilmente, porque só podemos adiar...), mais tolos nos
Ética em Pesquisa do Hospital
São Rafael/Monte Tabor, Bahia tornaremos na arte de viver.
Rubem Alves
O médico

Há momento para tudo debaixo do céu e tempo certo


para cada coisa: tempo para nascer e tempo para mor-
rer. Tempo para plantar e tempo para colher.
Eclesiastes 3: 1-2

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É antiga a interferência humana no acerca de sua definição precisa1, 2. Atual-
momento da morte, mas ganhou especial mente, o conceito mais prevalente relacio-
relevância em face da intensa evolução na a expressão com a antecipação da morte
biotecnológica ocorrida na segunda meta- de paciente incurável, geralmente terminal e
de do século XX. Nos dias atuais, é pos- em grande sofrimento, movido por compai-
sível prolongar artificialmente a existência xão para com ele 3. A necessidade de que a
de um doente, ainda que a medicina não conduta eutanásica seja precedida por um
lhe possa oferecer nenhuma expectativa pedido do interessado é questão polêmica
de cura ou mais conforto nesse fim de e bastante relevante nos tempos atuais,
vida prolongado. em razão da crescente valorização da auto-
nomia e da liberdade individual.
Neste texto, discute-se, à luz do Direito
brasileiro, em especial do Direito Penal, se Em relação ao sofrimento incontrolável e
existe a possibilidade lícita de deixar que o à condição de terminalidade, é algumas
doente morra, sem que sejam utilizados os vezes preconizado que esse sofrimento não
modernos recursos de prolongamento precisa ser físico, admitindo-se também o
vital, ou se a conduta de omitir ou suspen- sofrimento moral do tetraplégico, o sofri-
der esses recursos configura eutanásia, mento por antecipação do portador de
delito de homicídio em nosso ordenamen- Alzheimer ou o sofrimento presumido do
to jurídico. indivíduo em estado vegetativo persisten-
te, que declarara previamente preferir a
A hipótese defendida é a de que a restrição morte a tal situação. A noção de antecipar
de recursos artificiais não é crime se eles ou provocar a morte é hoje um dos aspec-
não representam benefício efetivo para o tos mais lembrados do conceito, servindo
enfermo sendo, unicamente, condições de para diferenciar a eutanásia da ortotanásia
obstinação terapêutica. A indicação ou (ou limitação terapêutica), em que não se
contra-indicação de uma medida é decisão antecipa a morte, deixando-se, sim, de
médica, que deverá ser discutida com o procrastiná-la indevidamente.
paciente e sua família, para garantir a dig-
nidade da pessoa humana em final de Tomando-se os elementos do suposto
vida. conceito de eutanásia, é possível classifi-
cá-la das mais diversas formas, o que con-
Eutanásia, ortotanásia, distanásia tribui para dificultar sua definição preci-
sa, pois varia conforme a classificação
Dentre os conceitos atualmente relaciona- adotada. Assim, é possível classificar a
dos com a intervenção humana no final eutanásia quanto ao modo de atuação do
da vida, a eutanásia é, sem dúvida, o mais agente (eutanásia ativa e passiva); quanto
conhecido. Ainda assim, sobejam dúvidas à intenção que anima a conduta do agente

62 A ortotanásia e o Direito Penal brasileiro


(eutanásia direta e indireta, também cha- indicação ou não-indicação de uma
mada de duplo efeito) e quanto à vontade medida, conforme a sua utilidade para o
do paciente (voluntária e involuntária); paciente, optando-se conscienciosamen-
quanto à finalidade do agente (eutanásia te pela abstenção, quando já não exerce a
libertadora, eliminadora e econômica), função que deveria exercer, servindo
dentre classificações menos difundidas. somente para prolongar artificialmente,
sem melhorar a existência terminal.
No que diz respeito à forma de atuação do
agente (ou ao modo de execução), divide- Mesmo sem indicação formal, certas
se a eutanásia em ativa, quando decorren- medidas podem ser mantidas a pedido do
te de uma conduta positiva, comissiva; e próprio paciente, quando ele deseja tal
passiva, quando o resultado morte é obti- prolongamento, considerando importan-
do a partir de uma conduta omissiva. te viver esses momentos ainda que
Note-se que as condutas médicas restriti- aumentem seu sofrimento. Em certos
vas não devem ser confundidas com a casos, quando o paciente já não tem a
eutanásia passiva, embora seja praxe fun- capacidade de decidir e quando a falta de
di-las. A eutanásia passiva, bem como a indicação deve ser comunicada à família,
ativa, tem por busca de resultado promo- para fins de retirar o suporte, pode ocor-
ver a morte, a fim de, com ela, pôr termo rer que a mesma solicite a manutenção
aos sofrimentos. Apenas difere no meio fútil por um tempo determinado, a fim,
empregado, que é uma ação numa e uma por exemplo, de aguardar a chegada de
omissão noutra. Nas condutas médicas um parente que deseja vê-lo antes da
restritivas, o desejo não é matar, mas sim morte, já a caminho.
evitar prolongar indevidamente a situação
de esgotamento físico – o que caracteriza Mesmo a pedido da família as medidas
a ortotanásia. não devem ser mantidas indefinidamen-
te, pois isso implicaria agressão desneces-
Embora sutil, a distinção entre eutaná- sária ao paciente, o que não é objetivo
sia passiva e ortotanásia tem toda rele- nem dever médicos. Somente o próprio
vância na medida em que responde pela indivíduo pode fazer a opção pelo sofri-
diferença de tratamento jurídico propos- mento adicional, considerando-o válido,
to: a ilicitude desta e a licitude daquela. apesar de medicamente fútil. No sentido
Na eutanásia passiva, omitem-se ou sus- da possibilidade de omissão/suspensão,
pendem-se arbitrariamente condutas que Franco e Stocco 4 citam o mestre portu-
ainda eram indicadas e proporcionais, guês Figueiredo Dias, sem remissão à
que poderiam beneficiar o paciente. Já as obra, entendendo que a vida só deve ser
condutas médicas restritivas são lastra- prolongada artificialmente sem indicação
das em critérios médico-científicos de se essa for a expressa vontade do doente.

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No mesmo sentido, Santos adverte: o tica não-profissional. Nenhum médico é

médico (e só ele) não é obrigado a intervir obrigado a iniciar um tratamento que é ine-
no prolongamento da vida do paciente além ficaz ou que resulta somente no prolonga-
do seu período natural, salvo se tal lhe for mento do processo do morrer. Aliviar a dor e
expressamente requerido pelo doente .
5
o sofrimento é considerado um dever médico,
mesmo quando as intervenções implicam
Não há, portanto, que se identificar gene- que a vida pode ser abreviada como conse-
ricamente eutanásia passiva e ortotanásia . qüência 6 .
A ortotanásia, aqui configurada pelas
condutas médicas restritivas, é o objetivo Daí a preferência pela expressão condutas
médico quando já não se pode buscar a médicas restritivas para indicar atos de
cura: visa prover o conforto ao paciente, ortotanásia, em vez de equipará-los à cha-
sem interferir no momento da morte, mada eutanásia passiva, negativa ou por
sem encurtar o tempo natural de vida omissão, em que, como ocorre na forma
nem adiá-lo indevida e artificialmente, ativa, abrevia-se propositalmente a vida
possibilitando que a morte chegue na do paciente, a fim de pôr termo mais pre-
hora certa, quando o organismo efetiva- coce a seu sofrimento.
mente alcançou um grau de deterioração
incontornável. Outra classificação de particular interes-
se no momento é a que diz respeito à
Todavia, é comum que com a intenção intenção do agente, dividindo a conduta
de defender a descriminação da ortota- de eutanásia em direta e indireta ou de
násia termine-se por defender que a duplo efeito.
eutanásia passiva – qualquer conduta de
omissão e suspensão de suporte artificial, Casos há em que o paciente, sobretudo o
mesmo útil – seja considerada lícita, sem oncológico em fase terminal, sofre dores
que se faça referência à intenção do lancinantes, somente controláveis com
agente ou à indicação médica dos recur- doses cada vez mais elevadas de drogas
sos suspensos. Decisões de não-trata- analgésicas e sedativas. Nesses pacientes,
mento, de omissão ou de suspensão de a dose terapêutica – necessária para o
suporte vital fútil não são nem devem ser arrefecimento da dor – aproxima-se cada
considerados atos de eutanásia, mas de vez mais da dose que leva à morte (por
exe rcício médico regular. paralisação do aparelho respiratório, por
exemplo). A esse risco acresça-se o fato de
Nesse sentido, Pessini e Barchifontaine que o uso freqüente dessas medicações
advertem: iniciar ou continuar um trata- impregna o organismo, enfraquecendo-o,
mento que é medicamente fútil ou que não além de reduzir, por seu efeito, a consciên-
preveja um efeito benéfico é considerado prá- cia do paciente durante o uso.

64 A ortotanásia e o Direito Penal brasileiro

Diz-se haver eutanásia de duplo efeito maneira definitiva de acabar com a dor.
quando a dose utilizada com o fito de dar Imagine-se que na eutanásia direta o pen-
conforto ao paciente termina por apressar- samento orientador da ação seja: é preciso
lhe a morte, embora a intenção fosse ape- promover a morte do doente para tirar-lhe a
nas minorar o sofrimento. Note-se que a dor. Ao passo que na eutanásia indireta ou
vontade do agente, nesse caso, é livrar o de duplo efeito a idéia seja: é preciso tirar
doente da dor, mas sem a intenção de a dor do paciente, ainda que isso aumente

tirar-lhe a vida para esse fim. Ocorre, seu risco de morte nesse momento. A morte
entretanto, que por se tratar de dor inten- é, nesse último caso, não a terapêutica em
sa, requerendo altas doses de medicação si, mas o efeito colateral da terapêutica
analgésica potencialmente letal – como os indicada e utilizada na única dose sufi-
opióides, dos quais é exemplo a morfina –, ciente para a obtenção do efeito desejado:
pode ocorrer que a medicação venha a a analgesia. O evento morte não é o que
provocar a morte mais precocemente do se busca nessa circunstância, ainda que
que o curso natural da patologia o faria. conhecido o fato de ser conseqüência pos-
Importante destacar que o consentimento sível da droga em uso.
do paciente ou – se não puder consentir
– o de sua família, adequadamente infor- Em que pese o fato de uma primeira aná-
mados dos riscos da medicação adotada, é lise jurídico-penal conduzir à impressão de
imprescindível, já que a sedação da dor é que a eutanásia de duplo efeito encerra
direito do paciente, mas ele pode preferir uma conduta de dolo eventual (assume-se
suportar a angústia física a sofrer o risco o risco da morte, a fim de praticar o ato
de ver encurtado seu período vital ou se visado de reduzir a dor) ou, ao menos, de
ver privado de consciência pelo uso de culpa consciente ou com representação
sedativos em seus momentos finais. A (afasta-se mentalmente a idéia de que o
dose não deve ser tal que torne a morte evento indesejado possa ocorrer, embora
uma certeza imediata, mas a menor possí- se o saiba possível), a eutanásia de duplo
vel para a produção da analgesia. efeito é aceita com relativa tranqüilidade.
Sabendo-se que toda medicação traz em si
A eutanásia de duplo efeito é também cha- algum efeito colateral, não parece devido
mada eutanásia indireta , pois a morte é impor a dor sem controle ao ser humano
efeito indireto da conduta, resultado cola- no final da vida, quando há medicação
teral, não buscado. Sua intenção precípua capaz de aliviá-lo, ainda que aumentando
é retirar a dor. Distingue-se, assim, da o risco de apressar o desfecho letal pela
eutanásia direta praticada sob a forma da gradativa intoxicação.
ministração de drogas em dose letal, quan-
do a intenção imediata do agente é a pro- Tal perspectiva é aceita até mesmo pela
moção da morte daquele que sofre, como Igreja Católica. Em seu discurso sobre a

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anestesia, em fevereiro de 1957, o Papa estar do doente em seus momentos finais 8 .


Pio XII 7 afirmava que se a administra- Assim, em regra, verificada a ausência de
ção dos narcóticos causa, por si mesma, animus necandi na prescrição da droga,
dois efeitos distintos, a saber, de um lado, que se destinava tão-somente a aliviar a
o alívio das dores e, do outro, a abreviação dor, a conduta se torna impunível.
da vida, é lícita . Porém, Horta lembra
que no duplo efeito é necessário ponderar Paralelamente à definição de eutanásia,
se entre os dois efeitos existe proporção outros conceitos relativos à intervenção
razoável, de modo que as vantagens de humana no momento da morte são deve-
um (analgesia) compensem os riscos do ras importantes para uma tomada de posi-
outro (possível piora da debilidade ou ção coerente, no que tange às condutas
aceleração da morte). médicas no final da vida. Se, de modo
geral, pode-se dizer que a eutanásia é a
eutanásia
Há autores que consideram a de morte antes de seu tempo, a distanásia é,
duplo efeito como forma de ortotanásia. por sua vez, a morte depois do tempo; e a
Outros, rechaçam o uso do termo eutaná- ambas se contrapõe a ortotanásia: a morte
sia para essa conduta, preferindo conside- no tempo certo.
rar que a morte dela resultante correspon-
de a um efeito indesejável de uma medica- A ortotanásia tem seu nome proveniente
ção necessária. Mantivemos a denomina- dos radicais gregos: orthos (reto, correto) e
ção de eutanásia de duplo efeito, por já ser thanatos (morte). Indica, então, a morte a
tradicional e de entendimento corrente. seu tempo, correto, nem antes nem depois.
Embora a consideremos efetivamente Na ortotanásia, o médico não interfere no
mais próxima da ortotanásia do que do momento do desfecho letal, nem para
homicídio piedoso em si, seguimos a cor- antecipá-lo nem para adiá-lo. Diz-se que
rente majoritária ao considerar a ortota- não há encurtamento do período vital,
násia como consistente em condutas de uma vez que já se encontra em inevitável
não intervenção prolongadora, onde se esgotamento. Também não se recorre a
situam as condutas médicas restritivas 7 . medidas que, sem terem o condão de
reverter o quadro terminal, apenas resul-
Tem-se, in casu, um conflito de interesses tariam em prolongar o processo de sofrer
entre o risco da antecipação de morte e morrer para o paciente e sua família.
indesejada e o dever de aliviar a dor, con- Mantêm-se os cuidados básicos.
tribuindo para a dignidade do ser humano
que padece de doença incurável. Ante a Conforme comentado, é comum existir a
ponderação entre a certeza do sofrimento confusão entre ortotanásia e eutanásia
intenso e o risco da aceleração de morte passiva, em virtude da posição de não
próxima e inevitável, opte-se pelo bem- interferência médica. Muitos autores as

66 A ortotanásia e o Direito Penal brasileiro

apontam como sinônimas, mas esse não é A ortotanásia se efetiva mediante condu-
o entendimento mais preciso, haja vista tas médicas restritivas , em que se limita o
que a eutanásia passiva é a eutanásia uso de certos recursos, por serem medica-
(antecipação, portanto) praticada sob a mente inadequados e não indicados in
forma de omissão. Nem todo paciente em casu – nomenclatura adotada por Lara
uso de suporte artificial de vida é terminal Torreão 10 . Outros autores preferem a
ou não tem indicação da medida. A euta- denominação limitações de tratamento ,
násia passiva consiste na suspensão ou indicando a omissão ou não oferta de
omissão deliberada de medidas que seriam suporte vital, sua suspensão ou retirada e
indicadas naquele caso, enquanto na orto- as ordens de não reanimar 15 .
tanásia há omissão ou suspensão de medi-
das que perderam sua indicação, por resul- Mais do que atitude, a ortotanásia é um
tarem inúteis para aquele indivíduo, no ideal 1,2,16 a ser buscado pela Medicina e
grau de doença em que se encontra. pelo Direito, dentro da inegabilidade da
condição de mortalidade humana. O
No sentido de enfatizar essa distinção, penalista Guilherme Nucci 17 , define orto-
Azevedo define eutanásia passiva como o tanásia quando deixa o médico de ministrar
ato de provocar deliberadamente a morte de remédios que prolonguem artificialmente a
um paciente por omissão; porém deixar de vida da vítima (sic), portadora de enfermida-
prover um tratamento fútil não seria propria- de incurável, em estado terminal e irremediá-
9

mente um ato de eutanásia . Também Lara vel, já desenganada pela medicina, ao que
Torreão pretere a expressão eutanásia pas- acrescentamos: quando esses remédios ou
siva. Para essa autora, ao se suspender ou medidas já não representam benefício para o
omitir medida considerada extraordinária, paciente. Por tudo isso, Verspieren 18 critica
fútil ou desproporcional não se intenta firmemente a confusão com o termo euta-
expressamente matar (intuito que ela násia passiva, o que, segundo ele , colocaria
aponta como indissociável da eutanásia), no mesmo plano uma conduta direcionada a
mas tão-somente deixar de prolongar arti- matar e a interrupção ou abstenção de um
ficialmente a vida que definha 10 . Em sín- tratamento de manutenção da vida que se
tese, na eutanásia passiva suspende-se ou mostra desproporcionado.
omite-se a medida, a fim de matar; na
ortotanásia, a fim de não protelar o sofrer A prática da ortotanásia visa a evitar a dis-
em vão. No sentido da equiparação entre tanásia que é, por sua vez, a morte lenta e
as duas medidas, pode-se citar, entre sofrida, prolongada, distanciada pelos
outros autores, Élida Sá, Maria Helena recursos médicos, à revelia do conforto e
Diniz, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo da vontade do indivíduo que morre. Decor-
Pamplona e Maria de Fátima Freire de re de um abuso na utilização desses recur-
Sá 11, 12, 13, 14 . sos, mesmo quando flagrantemente infru-

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tíferos para o paciente, de maneira despro- de todos os recursos protelatórios existen-


porcional, impingindo-lhe maior sofri- tes, mesmo quando sumamente cruentos
mento ao lentificar, sem reverter, o pro- e contra-indicados. Não há um dever de
cesso de morrer já em curso. sobrevida artificial .

Quando isso é feito à revelia do paciente A distanásia corresponde à obstinação ou


ou como forma de obter vantagens econô- encarniçamento terapêuticos. O termo
micas pela utilização de medidas dispen- tratamento fútil (ou futilidade terapêutica )
diosas e desnecessárias, pela manutenção advém do inglês medical futility e é mais
inútil em unidades de terapia intensiva utilizado nos países anglo-saxônicos, espe-
(UTI) ou simplesmente para que, por vai- cialmente nos Estados Unidos da Améri-
dade profissional, não se admita o fracasso ca. Obstinação terapêutica , por sua vez, é a
das tentativas terapêuticas e a evidente nomenclatura adotada pelos países euro-
iminência da morte, defende-se aqui que peus e se origina do francês l'acharnement
essas condutas podem encontrar enqua- thérapeutique (também traduzido como
dramento típico, uma vez que represen- encarniçamento terapêutico ), expressão sur-
tam lesão à integridade física do paciente. gida na década de 50 para indicar o com-
Tal característica pode ser atribuída ao portamento médico que consiste em utilizar
intervencionismo desnecessário, além do processos terapêuticos cujo efeito é mais
cerceamento de sua liberdade, ao mantê- nocivo do que os efeitos do mal a curar, ou
lo indevidamente no isolamento de uma inútil, porque a cura é impossível e o benefí-
UTI, mediante, quiçá, o estímulo a falsas cio esperado, menor que os inconvenientes
esperanças, quando se sabe tratar de um previsíveis 1, 2, 20 .
doente irrecuperável, cujos momentos
finais poderiam ser melhor e mais tran- Suspender tratamentos fúteis não é encur-
qüilamente vividos ao lado da família, tar o tempo de vida, é deixar de alongá-lo

constrangendo-o a passar por um sofri- artificial e indevidamente, maltratando o


mento a que a lei não o obriga. Nesse sen- paciente, sem lhe gerar benefício com isso.
tido, é peremptória a lição de Palmer: sub- O acréscimo de dias ou horas a uma exis-
meter o paciente a uma degeneração antina- tência que se tornou um ônus e uma tor-
tural, lenta e muitas vezes dolorosa, apenas tura para o indivíduo, por vezes contra sua
por ser tecnicamente possível, não só é inci- vontade, quando o organismo já se encon-
vilizado e sem compaixão para o paciente e tra em falência global e irremediável, não
sua família, mas também violação da liber- pode ser visto como benefício ou dever
dade individual 19 . médico. Na definição adotada por Bor-
ges 21, a obstinação terapêutica é uma prá-
O direito à vida não inclui o dever de adiar tica médica excessiva e abusiva decorrente
indefinidamente a morte natural, pelo uso diretamente das possibilidades oferecidas

68 A ortotanásia e o Direito Penal brasileiro

pela tecnociência e como fruto de uma teimo- reão24 , em consonância com a definição
sia de estender os efeitos desmedidamente, adotada pela Organização Mundial da
em respeito à condição da pessoa doente . Saúde (OMS), são as ações empregadas no
paciente terminal com o objetivo principal de
O fato de os recursos existirem não os melhorar a sua qualidade de vida . Não só o
torna obrigatórios em todos os casos, mas paciente terminal, mas todos os enfermos,
apenas naqueles para os quais estão efeti- indistinta e incontestavelmente, fazem jus a
vamente indicados como terapêutica pro- esses cuidados.
porcionalmente útil e benéfica. Nesse mesmo
sentido, Roxin adverte que inexiste um dever Quando se fala em omissão ou suspensão
jurídico de manter a qualquer preço a vida do suporte vital , geralmente se quer aludir
que se esvai. Medidas de prolongamento da ao desligamento ou à não introdução de
vida não são obrigatórias, pelo simples fato aparelhos de ventilação mecânica e à omis-
de que sejam tecnicamente possíveis 22. Na são ou interrupção do uso de drogas que
mesma ótica, Carvalho aponta: esses pro- estimulam o funcionamento cardíaco
gressos trouxeram consigo a obstinação tera- (vasoativas). É possível incluir-se também
pêutica, na medida em que a superveniência a ordem de não reanimar. Menos freqüen-
da morte passa a ser vista como fracasso temente, discute-se a omissão de métodos
médico e a vida tende a ser perseguida e pro- dialíticos nos casos de vítimas de falência
longada indefinidamente, a todo custo. .. renal, a não introdução de antibióticos em
Não se pode esquecer jamais que a pessoa caso de infecções e, ainda mais raramente,
humana não é um objeto, um meio, mas um a suspensão da nutrição e da hidratação
fim em si mesmo e como tal deve ser respei- providas por meios artificiais. A Pontifícia
tada 23. A ciência e seus recursos devem Academia das Ciências recomenda que a
existir para o bem do homem, e não o nutrição e a hidratação façam parte dos
inverso. cuidados paliativos – que passam a se
denominar, então, cuidados básicos – e
Os cuidados paliativos, por sua vez, são não devem ser suspensas por estarem liga-
sempre devidos, pois correspondem à prote- das ao respeito devido no lidar com o ser
ção inafastável à dignidade da pessoa, como humano, à sua dignidade, posição acatada
atitude de respeito pelo ser humano. Por por muitos profissionais e estudiosos do
cuidados paliativos entendem-se os cuidados Direito.
que visam ao conforto do paciente, sem

interferir propriamente na evolução da Todavia, há outras posturas, como as de


doença e de que são exemplos a analgesia e Beauchamp 25 e Hooft 26, que se manifes-
outras medicações sintomáticas, a higieni- tam a favor da suspensão da nutrição pro-
zação, a atenção devida à pessoa e à família vida por via artificial em determinadas
naquele momento de dificuldade. Para Tor- situações, nas quais seria considerada des-

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proporcional em face da gravidade do A omissão e a suspensão de suporte vital,


paciente, quando mesmo processos relati- no âmbito das chamadas condutas médi-
vamente simples dessa ordem acarretas- cas restritivas, implicam na restrição de
sem profundo e incontornável incômodo. determinados tratamentos, indicados
Para esses pacientes a morte está tão imi- como conduta médica quando se observa
nente que possivelmente advirá em conse- que o seu uso já não representa vantagem
qüência da patologia, antes mesmo que os para o paciente, apenas prolonga o lento
efeitos da inanição pudessem se tornar processo de morrer. Elas versam sobre
fatais. O argumento tem procedência, medidas que se revelam desproporcionais,
bem como os critérios apontados por esses de forma que sua introdução ou conti-
autores para a suspensão, mas cumpre nuidade somente constituiriam obstina-
destacar que são casos excepcionais e que ção terapêutica. Isso não significa, de
a regra deve ser a manutenção de tais cui- modo algum, atitude de descaso com o
dados, ditos ordinários. paciente, de desatenção com a família
nem de arbitrariedade médica, devendo
Considera-se, portanto, que a alimenta- ser alvo de discussão acurada com a equi-
ção e a hidratação são necessidades per- pe e todos os envolvidos.
manentes e inarredáveis da condição
humana. Sem o seu provimento, o resul- Por fim, observação relevante é a de que não
tado morte é certeza e conseqüência ine- se pode falar em condutas médicas restriti-
vitável. A suspensão de outros mecanis- vas para a pessoa em morte encefálica, pois
mos artificiais, embora possa, de fato, nessa hipótese, em que a morte já sobreveio,
acarretar a morte como conseqüência caso se trate de potencial doador de órgãos
direta e mesmo previsível de sua interrup- e tecidos as condutas médicas interventivas
ção, não é certeza tão inflexível e, se vier atendem ao objetivo de preservar o organis-
a ocorrer, teria como causa mortis a pato- mo para a doação; e, caso se trate de não-
logia que demandou o referido auxílio doador, não mais cabe qualquer intervenção
artificial e que já não responde aos demais médica no indivíduo morto, sendo indevida
tratamentos. Na suspensão da nutrição sua manutenção artificial.
ou da hidratação, a causa da morte é a
inanição ou a desidratação provocadas A ortotanásia e o Direito Penal
pela atitude médica. Se a intenção é pro- brasileiro
curar um meio infalível de provocar a
morte do paciente, mais digno seria apli- As regras sociais mais básicas são defini-
car-lhe uma injeção letal, em vez de enfra- das pelo Direito. Em seu âmbito, o míni-
quecer propositalmente seu corpo durante mo do mínimo ético é dado pelo Direito
dias, negando-lhe esses cuidados, até que Penal. O Código Penal brasileiro de 1940
sobrevenha a morte. precede a revolução tecnológica da segun-

70 A ortotanásia e o Direito Penal brasileiro


da metade do século XX e não tinha como aplicação da noção de não-maleficência ,
prever expressamente hipóteses dessa qual seja: a de que, quando a atuação
ordem. É a interpretação promovida pelos médica já não for capaz de acrescentar
atuais aplicadores do Direito que dará as benefícios efetivos ao paciente, é mister,
respostas. Para isso, faz-se mister recorrer ao menos, não lhe aumentar os sofrimen-
a outras fontes, que não apenas o forma- tos, mediante atuação indevida e obstina-
lismo legal. da para tão-somente prolongar impositi-
vamente a existência terminal.
Importante recurso nessas circunstân-
cias tem sido a bioética, com sua maior O fato de um paciente não possuir indica-
capacidade de adaptação ao novo e sua ção de medidas extraordinárias ou consi-
rede de princípios que vem sendo cons- deradas desproporcionais não significa que
truída desde a década de 70, servindo, se deva ter menos atenção com seu bem-
nas situações em tela, para nortear o estar. Os cuidados básicos (medidas de
profissional no que tange a como se por- paliação, higiene, alimentação e hidrata-
tar diante do paciente em final de vida e ção) devem ser mantidos, como medidas
os limites de uso de seus recursos biotec- proporcionais que são e direitos interna-
nológicos disponíveis. cionalmente reconhecidos aos indivíduos
enfermos. Esse tipo de procedimento vem
Juridicamente, discute-se se as condutas sendo freqüentemente discutido, como
médicas restritivas são hipóteses de homi- apontam os seguintes documentos, entre
cídio privilegiado (equiparando-as, por- outros:
tanto, à eutanásia), omissão de socorro
ou mero exercício regular da profissão. • Recomendação 779/1976, Conselho
Veja-se que o fato de os recursos existirem Europeu: Direitos dos doentes e mori-
não os torna, automaticamente, de apli- bundos;
cação obrigatória. Os recursos terapêuti- • II Concílio Ecumênico do Vaticano,
cos são indicados ou não conforme o 1980: Declaração sobre a eutanásia;
benefício que representem para o interes- • Comunicado de Tóquio, Cúpula Glo-
sado. O direito à vida não implica uma bal de Comissões Nacionais de Bioéti-
obrigação de sobrevida, além do período ca, 1998;
natural, mediante medidas, por vezes des- • Recomendação 1.418/1999, Conselho
gastantes e dolorosas, colocando em séria Europeu: Proteção dos direitos huma-
ameaça a dignidade humana do doente. nos e da dignidade dos doentes incurá-
Muitas vezes, a adoção de tais medidas veis e terminais;
extrapola o que deveria ser para seu bene- • V Assembléia Geral, Pontifícia Acade-
fício e entra na esfera da mera obstinação mia da Vida, 1999: A dignidade da pes-
terapêutica. Portanto, é válida, aqui, a soa que está morrendo;

Revista Bioética 2008 16 (1): 61 - 83 71


• Parecer 63/2000, Comitê Consultivo co que deixa de reanimar paciente viável,
Nacional de Ética da Saúde e Ciências sem consulta ao mesmo ou à família, por
da Vida da França: Final de vida, ter- sentir-se penalizado ante a vida limitada
minando a vida, eutanásia. que o paciente leva; por fim, o médico
que deixa de reanimar paciente terminal,
É perceptível que também a população após discutida com a equipe, a família e o
brasileira passa a demandar tais preocupa- paciente a ausência de perspectivas da
ções, ciosa por tomar a si o controle de medida.
seu final de vida, a despeito da medicali-
zação do morrer, observada no último Antes de discutir as situações apontadas,
século. convém distinguir duas categorias de
omissão: a omissão própria – de que é
No Brasil, o Código Penal vigente pune, exemplo a omissão de socorro – e a omis-
em seu artigo 121, parágrafo 1º, ainda são imprópria, exemplificada pelo homicí-
que com pena menor, o homicídio impe- dio por omissão. A omissão própria de
lido por relevante valor moral – identifi- que trata o artigo 135 do Código Penal
cado, segundo a exposição de motivos do (omissão de socorro) ocorre quando o
próprio Código, com a eutanásia, quando agente, podendo prestar assistência sem
esse valor é a compaixão pelo sofrimento risco pessoal à criança abandonada ou
do enfermo. Não esclarece, porém, os extraviada, à pessoa inválida ou ferida, ao
limites do entendimento do que seja esse desamparo ou em grave e iminente peri-
matar alguém , o que cabe à doutrina e à go, deixa de fazê-lo ou, não sendo possível
jurisprudência especificar. É fato que ela realizá-lo sem risco, deixa de pedir socor-
pode se dar por ação ou omissão. Além ro à autoridade pública que o possa pres-
disso, outros tipos penais também podem tar. O Estatuto do Idoso – Lei 10.
tangenciar a matéria. Quais os limites 741/2003 –, em seu artigo 97, prevê o
entre eles e a conduta atípica, que não tipo de omissão de socorro referente à
ofende o Direito? falta de assistência ao idoso. O delito em
questão é apenado com detenção de um a
Tomem-se quatro situações: primeira, o seis meses, pena que pode ser aumentada
médico que deixa de reanimar paciente em 50% se da omissão resulta lesão corpo-
viável porque a família está inadimplente ral de natureza grave; e triplicada, se resulta
com o hospital; segunda, o visitante de a morte.
paciente do leito vizinho que, assistindo a
mal-estar súbito e grave do indivíduo ao Observe-se que a omissão de socorro
lado, deixa de chamar o médico para não exige que o agente seja dotado de
socorrê-lo, acompanhando, impassível e nenhuma obrigação de agir específica,
curioso, o desfecho letal; terceira, o médi- trata-se de um dever geral de solidarie-

72 A ortotanásia e o Direito Penal brasileiro

dade. Essa circunstância é o elemento ser ele carente de recursos, exempli gratia ,
dade. Essa circunstância é o elemento ser ele carente de recursos,
de distinção entre a omissão própria e a ou por desejar a liberação do leito.
omissão imprópria. Nos crimes omissi-
vos impróprios, impuros, espúrios, pro- Dentre os exemplos descritos, tem-se a
míscuos ou comissivos por omissão, o omissão de socorro na hipótese do visitante
agente responde não só pela conduta de que deixa de pedir auxílio em prol do doen-
se omitir, mas também pelo resultado, te agonizante. No primeiro caso (do médi-
salvo se este não lhe puder ser atribuído co que deixa de aplicar as manobras de
por dolo ou culpa 27. Se assim não for, reanimação indicadas porque o paciente
estar-se-á aceitando a presunção absolu- está inadimplente), entendemos existir
ta do resultado, com base apenas no omissão imprópria, gerando homicídio por
nexo presumido, o que seria criar res- omissão, uma vez que se tratava de pacien-
ponsabilidade objetiva na omissão. Nesse te viável, ou seja, com indicação para a
caso, o nexo e a conseqüente responsa- medida, e ter o médico agido com dolo de
bilidade decorrem da lei, quando o agen- omissão, não justificado por nenhum móvel
te está por ela obrigado a tentar impedir piedoso. Se o elemento subjetivo foi a culpa
o resultado 28 . – a negligência na avaliação do doente –
ter-se-á o delito de homicídio culposo.
Paulo Daher Rodrigues 29 segue a lição de
Aníbal Bruno ao entender que quando o Na hipótese do médico que, apiedado com
médico interrompe cuidados terapêuticos por a falta de qualidade de vida do doente,
serem já inúteis, falta-lhe o dever jurídico deixa de prover-lhe cuidados vitais indica-
para agir, não se motivando aí qualquer dos, tem-se uma situação de eutanásia
punição . No mesmo sentido, posicionam- passiva, um homicídio por omissão, privi-
se Élida Sá 30 – sua omissão (do médico) legiado pela motivação compassiva do
não caracteriza ato delituoso, face à ausên- agente 32 . Já no último caso, verifica-se
cia de dever jurídico, se a saúde era objetivo típica ortotanásia, que, segundo entende-
inalcançável – e Paulo José da Costa mos, não configura omissão própria nem
Júnior 31 – não há dever jurídico de prolon- imprópria, mas sim um atuar dentro da
gar uma vida irrecuperável. boa prática profissional. Nesse sentido,
temos as lições de Paulo Daher Rodrigues33
Veja-se que, nesses casos, existe a consciên- e Aníbal Bruno 34 : há quem veja ainda uma
cia da conduta adotada, assentada sobre hipótese de eutanásia na atitude do médico
base coerente de justificação científica e que se abstém de empregar os meios terapêu-
visando ao conforto e ao bem do próprio ticos para prolongar a vida do moribundo.
enfermo. Diverge, portanto, da mera Mas nenhuma razão obriga o médico a fazer
negligência ou da motivação econômica durar por um pouco mais uma vida que
de quem deixa de atender o paciente por natural e irremediavelmente se extingue, a

Revista Bioética 2008 16 (1): 61 - 83 73

não ser por solicitação especial do paciente. por omissão), pode-se tornar conveniente
Da mesma maneira, Santos 35 : nestes casos a edição de norma permissiva específica
não existe uma omissão de socorro em senti- nesse sentido, de modo que se possa aferir
do penal, pois o enfermo não se acha em mais facilmente sua atipicidade, ante a

situação de abandono ... e, por outro lado, apuração dos dados clínicos registrados
tratando-se de incuráveis, uma assistência em prontuário. Essa tem sido a tendência
extremada seria ineficaz para impedir a dos anteprojetos de reforma da Parte Espe-
morte que se acerca. Nestes casos se fez tudo cial do Código Penal, desde 1984.
o que era possível fazer... A obrigação agora
passa a ser de cuidado, de paliação, de A ortotanásia nos anteprojetos de
conforto, não mais de tratamentos agres- reforma do Código Penal e leis
sivos e não promissores. Engrossam tais locais
fileiras o penalista alemão Claus Roxin 22 .
Em ponto de vista contrário advogam O tratamento penal de questões relativas
Paulo Queiroz 36 e Fernando Capez 37. ao final de vida tem sido alvo de discussões
e propostas de mudança em sua aborda-
Duas observações derradeiras, também gem legal no Direito brasileiro desde
pertinentes ao tema, dão conta de que, 1984, quando da reforma da Parte Geral
primeiro, tanto na omissão de socorro do Código Penal de 1940, iniciando-se
quanto da eutanásia passiva, o elemento um movimento por modificações também
subjetivo será necessariamente o dolo, a na Parte Especial. Desde então, tem-se
vontade de não socorrer . Por fim, Mirabe- sugerido mudanças variadas, que vão da
te 38 vem lembrar que não se pode imputar isenção de pena para a eutanásia, desde
ao médico a morte decorrida da ausência que realizada por médico – com o consenti-
de tratamento específico, não disponível mento da vítima, ou, na sua impossibilida-
no hospital, se ele em tudo o mais agiu de, de ascendente, descendente, cônjuge ou
em conformidade com a lex artis , não se irmão, para eliminar-lhe o sofrimento, ante-
tendo conseguido a transferência para cipa a morte iminente e inevitável, atestada
outra unidade mais equipada. por outro médico (1984) –, até a afirmação
da atipicidade da ortotanásia: não constitui
Entendemos, em resumo, que mesmo na crime deixar de manter a vida de alguém, por
legislação atual a ortotanásia (consistente meio artificial, se previamente atestado, por
nas condutas médicas restritivas) não é dois médicos, a morte como iminente e inevi-
crime, mas sim decisão de indicação ou tável, e desde que haja consentimento do
não indicação médica de tratamento. Para doente ou, na sua impossibilidade, de ascen-
evitar dúvidas provocadas pela aproxima- dente, descendente, cônjuge ou irmão – em
ção prática com a conduta de eutanásia redação de 1994, que se reproduziu quase
passiva (homicídio privilegiado, comissivo similarmente em 1998 e 1999.

74 A ortotanásia e o Direito Penal brasileiro

Nota-se, porém, multiplicidade de falhas O fato de que as propostas de reconheci-


na abordagem do tema. Se, de um lado, a mento da atipicidade da ortotanásia são,
redação atual peca por ignorar a vontade na verdade, tentativas de esclarecer dúvi-
do enfermo, enfatizando tão-somente a das, de ratificar o caráter permitido dessa
motivação do agente, a redação proposta conduta e a natural inexistência de um
em 1984 facilita demais a conduta – o dever legal de manter artificialmente –
que contrasta com os cuidados exigidos na por vezes contra a vontade daquele que
legislação holandesa, belga e australiana deveria ser o beneficiário dessas inter-
(essa, vigente por apenas um ano) em rela- venções – a vida que se esvai inexorável.
ção à assistência do enfermo que pleiteava Porém, ao fazê-lo de maneira confusa

tal solução final. termina-se por aumentar as dúvidas ao


invés de dissipá-las, razão pela qual se
Ao tratar da ortotanásia os projetos não defende a vantagem de um esclarecimen-
têm alcançado consenso, sobretudo no to hermenêutico, de interpretação da
que tange ao representante legal em caso legislação vigente, a fim de tornar evi-
de incapacidade do paciente, sendo que a dente a não punibilidade das condutas de
redação de 1998 acrescentou o compa- limitação terapêutica, quando não indi-
nheiro, esquecido em 1994, e a redação cadas as medidas de prolongamento arti-
de 1999 alterou a ordem dos autorizados ficial do processo de morrer.
a decidir, sugerindo existir uma hierarquia
entre eles, o que é de difícil apuração, Isso, naturalmente, há que ser sopesado
senão no caso concreto. As três versões criteriosamente, considerando o quadro
mantêm a falha de não esclarecer que a clínico do paciente, suas expectativas,
omissão ou suspensão das medidas que ouvindo-o e à sua família, bem como à
sustentam artificialmente a vida seja pra- equipe multidisciplinar que deve assisti-lo,
ticada por médico, no que fica a dever, por recordando-se que a desistência do curar
exemplo, ao artigo 128 da legislação atual, não afasta, de modo algum, os cuidados e
que, ao prever as possibilidades de aborto atenções devidos ao enfermo e seus fami-
legal, determina tal providência, elevando liares.
o grau de segurança do permissivo.
Em favor da idéia de que a ortotanásia já
Os projetos de 1998 e 1999 mantinham é legal em nosso sistema, tem-se o fato
a eutanásia como delito, porém com de que, à luz da norma constitucional
nuanças novas, também suscetíveis de crí- segundo a qual somente a União pode
ticas, mas, ao menos, com o mérito de legislar sobre matéria penal, a Secretaria
distinguirem a provocação da morte das de Saúde do Estado de São Paulo publi-
circunstâncias em que simplesmente se cou, no fim da década de 90, uma Carti-
abstém de tentar inutilmente adiá-la. lha dos Direitos do Paciente 39 cujo item

Revista Bioética 2008 16 (1): 61 - 83 75

32 determina que o enfermo tem direito efetivamente úteis ao atendimento de seus


a uma morte digna e serena, podendo optar interesses e necessidades pessoais.
ele próprio (desde que lúcido), a família ou
responsável, por local ou acompanhamento Em sentido semelhante (pró-ortotanásia e
e, ainda, se quer ou não o uso de tratamen- contra a eutanásia passiva, em distinção já
tos dolorosos e extraordinários para prolon- defendida), o Código de Ética do Hospital
gar a vida. Brasileiro 42 , orienta em seu artigo 8º: O
direito do paciente à esperança pela própria
Também em São Paulo, o artigo 20 da vida torna ilícita – independente de eventuais
Lei 10.245 prevê que são direitos dos sanções legais aplicáveis – a interrupção de
usuários dos serviços de saúde do Estado: terapias que a sustentem. Excetuam-se,
VII – Consentir ou recusar, de forma livre, apenas, os casos suportados por parecer
voluntária e esclarecida, com adequada infor- médico, subscritos por comissão especial-
mação, procedimentos diagnósticos ou tera- mente designada para determinar a irrever-
pêuticos a serem nele realizados. XXIII – sibilidade do caso, em doenças terminais.
Recusar tratamentos dolorosos ou extraordi-
nários para tentar prolongar a vida. XXIV A proposta aqui exposta é a de que assim
40

– Optar pelo local de morte . Consideran- deve ser entendida a atual legislação, de
do-se a constitucionalidade dessa norma, maneira que não seja preciso reforma penal
vigente há quase dez anos, é de se consta- para libertar os pacientes de uma indevida
tar que não trata de matéria penal e, por- obstinação terapêutica. As condutas médi-
tanto, a opção pelo local da morte e a cas restritivas – ortotanásia, portanto –
recusa terapêutica não se inserem na esfe- devem ser decisões médicas, em discussão
ra do homicídio e de sua vedação legal. com o doente e sua família, pois não repre-
sentam encurtamento do período vital,
Acerca da recusa terapêutica, deve-se mas o seu não prolongamento artificial e
observar o artigo 15 do Código Civil de precário. Com isso, não se quer dizer que
2002 41, que a consagrou entre os direitos sejam condutas juridicamente insidicáveis
da personalidade. O fato de o permissivo (não suscetíveis de avaliação) já que, nos
legal falar em ausência de risco de vida termos da Constituição Federal, nenhuma
para o exercício da recusa não pode ser lesão ou ameaça de lesão deve ser excluída
considerado intransigentemente, haja da apreciação judicial. Quer-se dizer, sim,
vista que inexiste procedimento absoluta- que uma vez questionada a conduta e veri-
mente isento de riscos. O que se destaca ficada a efetiva futilidade da terapêutica
nessa norma é exatamente o novo pano- suspensa, não se há de falar em homicídio,
rama de valorização da autonomia do sequer privilegiado, tratando-se de ato em
indivíduo, em face do risco de abuso de plena consonância com o espírito legal e
recursos biotecnológicos, nem sempre constitucional brasileiros.

76 A ortotanásia e o Direito Penal brasileiro

Por fim, breve menção há de ser feita à lução sequer era necessária. Ela não "per-
Resolução 1.805/06 do Conselho Federal mite" nada. Só ratifica o já permitido.
de Medicina (CFM). Cumpre assinalar, Vem, apenas, dirimir algumas das dúvidas
nessa senda, que referendando a interpre- mais comuns dos médicos, no lidar com
tação ora defendida – qual seja, a de que pacientes em final de vida, ao assentar a
as condutas de ortotanásia são lícitas em conclusão – algo óbvia – de que ninguém é
nosso ordenamento – o CFM publicou, obrigado a morrer intubado, usando dro-
em novembro de 2006, a citada resolu- gas vasoativas e em procedimentos dialíti-
ção, assim ementada: Na fase terminal de cos numa UTI. O Direito não pode nem
enfermidades graves e incuráveis é permitido tem porque obrigar a isso. A interpretação
ao médico limitar ou suspender procedimen- sistemática da Constituição, notadamente
tos e tratamentos que prolonguem a vida do no que tange à dignidade humana, não cri-
doente, garantindo-lhe os cuidados necessá- minaliza o fato de se optar por morrer em
rios para aliviar os sintomas que levam ao casa, ou sob cuidados que mais se aproxi-
sofrimento, na perspectiva de uma assistên- mem dos domiciliares, como, aliás, sempre
cia integral, respeitada a vontade do pacien- se morreu.
te ou de seu representante legal .
O direito à vida não envolve um dever de
Desde o início essa norma tem sido alvo sobrevida artificial a qualquer custo. Não
de críticas por setores jurídicos, a nosso se trata de antecipar o tempo natural de
ver infundadas, culminando com sua sus- vida, mas de vivê-lo até seu termo espon-
pensão liminar em 2007. Por todo o dito, tâneo. A resolução do Conselho Federal
parece-nos claro que a abstenção ou a reti- de Medicina não tem intuito suicida ou

rada de tratamentos eminentemente homicida, mas salvaguarda, apenas, a


fúteis, segundo avaliação médica e do pró- recusa à tecnologia, quando já não se
prio interessado, não ofende a qualquer mostre benéfica. Não se trata de suspen-
das leis penais em vigor, as quais, por defi- são arbitrária ou utilitarista de recursos
nição, são exceção dentro do universo per- úteis a pacientes terminais, mas de análi-
mitido de condutas. Já se disse que a ciên- se de sua falta de efetividade no caso con-
cia e a tecnologia não podem ser punição creto, permeada pelo diálogo e informa-
ao doente que nasceu no tempo presente, ção ao paciente e à família, mantendo-se
sobretudo quando se considera que trata- todo o apoio necessário ao conforto dos
mentos e medicações efetivamente neces- mesmos. Assim expressou a resolução,
sários sequer são disponibilizados a todos com percuciência e bom senso. Assim
os que realmente deles precisam. não o veda a lei ou a Constituição. Pelo
contrário. O que pretende a ortotanásia,
Sua suspensão liminar tampouco tem con- defendida na Resolução CFM 1.805/06,
seqüências de fato. Porque, a rigor, a reso- é a proteção à intimidade, à privacidade,

Revista Bioética 2008 16 (1): 61 - 83 77

à autonomia lícita, à dignidade mesma. pode requerer a omissão ou a suspensão de


Não se antecipa a morte, mas se a permi- recursos médicos excessivos e despropor-
te vir a seu tempo. Pensamento distinto cionais (condutas médicas restritivas ou
somente favorece a distanásia, e não a limitações terapêuticas) que apenas pro-
vida em si 43 . longam a vida terminal, sem melhorá-la,
às custas de majoração do padecer do
Considerações finais doente, que se vê manipulado desnecessa-
riamente, sob a justificativa de que, com
Ante o exposto, torna-se possível inferir isso, conserva-se-lhe a sobrevivência, em
alguns posicionamentos sobre o tema: a verdadeiro processo de distanásia (morte
suspensão dos recursos que mantêm arti- procrastinada com sofrimento), verificada
ficialmente o equilíbrio orgânico no morto na obstinação terapêutica ou na institui-
encefálico não é eutanásia nem qualquer ção de tratamento fútil.
espécie de delito contra a vida, haja vista
que se trata de paciente morto e não ter- A ortotanásia se distingue da eutanásia
minal. Na hipótese de pacientes terminais provocada por omissão (eutanásia passi-
cuja doença se encontra em fase que já va), na qual a intenção de matar é direta,
não responde a qualquer tratamento cura- recorrendo-se, para tanto, à suspensão ou
tivo, de forma que a morte é evento ine- omissão de medidas que ainda são indica-
vitável, com ou sem a instituição de tera- das e úteis para o paciente que sofre, mas
pêutica, num prazo de três a seis meses, que não se encontra em estado terminal
(segundo define o American College of ou que ainda poderia delas se beneficiar.
Physians ), considerou-se que a vida não Nas condutas médicas restritivas da orto-
deve ser mantida a qualquer custo, contra tanásia o tratamento é inútil e, por isso,
a vontade de seu titular. Isso não significa não indicado.
relativizar o significado e a importância
da vida, pois não se fala em um suposto Tem-se por ponto relevante o fato de que
direito de interrupção da existência, mas a eutanásia indireta ou de duplo efeito é
sim na ausência de obrigação jurídica de pacificamente aceita como lícita, já que
submeter ou de ser submetido a todas as se obedecia adequadamente ao dever de

medidas disponíveis, quando confirmada sedar a dor, por exemplo, utilizando-se


uma enfermidade terminal. Trata-se de da menor dose possível para a consecu-
aceitar a ortotanásia e não de legitimar a ção desse fim.
eutanásia.
Convém distinguir o homicídio cometido
A ortotanásia (morte no tempo certo, sem por omissão (o qual pode equiparar-se à
antecipação artificial nem abuso de recur- eutanásia passiva, se executado com moti-
sos científicos que a adiem inutilmente) vação piedosa, fazendo jus ao privilégio

78 A ortotanásia e o Direito Penal brasileiro

legal) da ortotanásia e da omissão de fere o Direito, pois atua em seu regular


socorro. Observa-se que, no homicídio exercício profissional de agir em favor do
por omissão, tem-se delito comissivo por paciente (para se mencionar causa de
omissão ou omissivo impróprio, quando o justificação consignada no Direito posi-
agente tinha o dever jurídico de proteger a tivo), levando-se em conta que o trata-
vítima do resultado. Na omissão própria mento suspenso já não fazia efeito con-
não se verifica esse vínculo. Na ortotaná- tra a doença de base nem servia ao con-
sia, existe uma decisão médica cientifica- forto do enfermo. A morte que acaso daí
mente respaldada, no sentido da não indi- decorra não terá sido antecipada nem
cação de medidas, por serem comprovada- provocada pelo médico se sua decisão
mente fúteis no caso em tela. ocorreu dentro dos trâmites profissionais
e amparada por avaliações especializadas.
Mesmo nos moldes legislativos atuais, Nesse caso, a morte veio a seu tempo, já
defende-se o entendimento de que pro- que a medicina apenas poderia, artificial,
longar artificialmente o período vital con- dolorosa e precariamente, protelá-la.
tra a vontade do interessado é constrangi-
mento ilegal, pois não há obrigação jurí- Parece, pois, que a eutanásia não é uma
dica de se submeter a todas as interven- demanda da sociedade brasileira, a qual
ções possíveis para esse acréscimo. Obser- não se encontra preparada para tal nível
va-se que leis esparsas, sobretudo em São de ingerência no final da vida, o que pode-
Paulo, já adotam posições favoráveis à ria abalar a confiança na relação médico-
ortotanásia, permitindo entender que paciente, além de representar maior risco
regulam uma situação lícita. Assim, a de intervenções por motivações escusas,
alteração legal teria por função somente exigindo controle rigoroso dessas condu-
esclarecer a licitude das condutas de orto- tas, a exemplo do que se verifica no mode-
tanásia, razão por que precisa ser revista lo holandês, onde a autorização legal para
em seu teor, com o escopo de não repre- a eutanásia foi precedida de cuidadosas
sentar novas fontes de dúvidas, em vez de pesquisas e requisitos precisos, como a
assentar soluções. realização exclusiva por médicos, com o
preenchimento de relatório e comunica-
Nesse contexto, mais relevante do que a ção ao Ministério Público, favorecendo a
alteração da lei penal – alvo de projetos verificação da consonância legal.
desde 1984, porém com notáveis falhas
em seu teor e que somente representaria O fato de se restringirem medidas para
o esclarecimento da licitude dessas con- a manutenção artificial da vida, quando
dutas – faz-se mister a uniformização fúteis, não estará, de maneira alguma,

interpretativa de que a conduta do médi- associado com o descaso com o paciente


co que restringe a terapêutica fútil não e suas necessidades, mas, tão-somente,
Revista Bioética 2008 16 (1): 61 - 83 79

com a mudança de foco: da tentativa de mos do artigo 146 do Código Penal


curar para o cuidar. Propõe-se, assim, brasileiro (constrangimento ilegal), se
que: não configurar infração mais grave;
f) Caso o enfermo se encontre definiti-
a) A eutanásia permaneça como delito vamente inconsciente, decidirão por
privilegiado, podendo-se acrescentar, ele o cônjuge ou companheiro(a),
como sugerem os anteprojetos de 1998 ascendentes, descendentes ou irmãos,
e 1999, nova causa de diminuição de dando-se preferência à opinião de pes-
pena, quando, além da motivação pie- soa por ele indicada previamente ou
dosa, tiver o sujeito ativo cedido a ins- das pessoas que eram responsáveis por
tância da vítima em grande sofrimen- seu cuidado e que com ele conviviam
to; mais proximamente, como melhores
b) A morte decorrente do uso de medica- tradutores de sua vontade, salvo fla-
ção indicada e necessária para aplacar grante disparidade com os interesses
a dor do indivíduo enfermo, sem que do paciente, situação em que deverá
tenha havido a intenção de matar, não ser nomeado curador para esse fim;
constitui crime, devendo, entretanto, g) Nas decisões a serem tomadas, devem-
ser o risco previamente discutido com se levar em consideração, se houver,
o paciente e sua família; diretrizes antecipadas expressadas pelo
c) Quando se tratar de paciente termi- doente quando era capaz, nos moldes
nal, o ordenamento deve considerar dos artigos 1.857, parágrafo 2º, e
indubitavelmente afastado o caráter 1.861 do Código Civil de 2002, como
criminoso – desde a tipicidade – da manifestações de vontade previamente
conduta do médico que, dentro da boa consignadas, visando a orientar o
prática, omitir ou suspender medida modo como deseja ser tratado em caso
fútil e meramente protelatória, ouvido de incompetência futura para autoge-
o doente e sua família, bem como rir-se, desde que compatíveis com a
amparado por equipe especializada, legislação e modificáveis pelo interes-
ainda que dessa conduta advenha a sado a qualquer tempo. Serão essas as
morte em razão da doença; mais confiáveis balizas, aptas a propi-
d) O médico que não obedecer aos requi- ciarem uma morte digna, dentro da
sitos que autorizam a ortotanásia escala de valores abraçada pela pessoa
sujeitar-se-á às penas do delito privile- enferma;
giado, se agiu movido por compaixão, h) A recusa terapêutica é um direito do
assim como o leigo que o fizer, mesmo paciente adulto e capaz, que não pode
se presentes tais requisitos; ser obrigado a fazer uso de recursos
e) A distanásia intencionalmente impin- tecnológicos em que não vislumbra
gida será passível de punição, nos ter- benefício.

80 A ortotanásia e o Direito Penal brasileiro


Artigo adaptado da dissertação de mestrado em Direito Público, defendida pela autora em 17 de março de
2004, sob o título Da eutanásia ao prolongamento artificial: aspectos polêmicos da disciplina jurídico-
penal do final de vida , aprovada pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal da
Bahia e publicada na íntegra pela Editora Forense, em 2005.

Resumen

La ortotanasia y el Derecho Penal brasileño


En los días actuales, en frente de la intensa evolución biotecnológica, es posible prolongar
artificialmente la existencia de un enfermo, aún que la medicina no pueda ofrecer ninguna
expectativa de cura o más conforto en ese fin de vida prolongado. Ese artículo discute los nuevos
aspectos médicos y jurídicos que influencian las intervenciones al final da la vida humana,
investigándose la existencia de posibilidad lícita de dejar que el enfermo muera, sin que sean
utilizados los modernos recursos de prolongamiento vital, delante la legislación penal brasileña.
La principal conclusión lograda es que la restricción de recursos artificiales no es crimen si ellos
no representan beneficio efectivo para el enfermo y caso de que sean únicamente condiciones de
obstinación terapéutica. La indicación o contra-indicación de una medida es decisión médica, que
deberá ser discutida con el paciente y su familia, para garantizar la dignidad de la persona
humana en final de vida.

Palabras-clave: Eutanasia. Ortotanasia. Distanasia. Derecho penal brasileño. Final de vida.

Abstract

The acceptance of natural dead at terminal case in Brazilian Criminal Law

Nowadays, after the occurrence of big technological advances in medical area, it is possible to
prolong an ill person's life artificially, although Medicine cannot give him hope of cure or health.
This study discusses the new medical and legal situations that interfere with the interventions in
the end of human life. The point is to decide if there is any possibility of licitly letting terminally ill
people die, without employing the modern resources for prolonging life or if the withdrawal of
these resources constitutes homicide in Brazilian criminal law. The main conclusion is that the
therapeutic limitation to medical action is not a crime if there is medical futility, preventing any real
benefit to the patient. The prescription of a medical resource is a medical decision, but it must be
debated with the patient and the patient's family in order to protect the dignity of human life.

Key words: Euthanasia. Acceptance of nautal dead at terminal case. Dysthanasia. Brazilian crimi-
nal law. End-of-life.

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secao=23&tmp_topico=biodireito

Recebido: 11.4.2008 Aprovado: 22.4.2008

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