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Categoria de apresentação: Relato de Experiência – Vivência em Educação

FALAS E OLHARES PROTAGONIZADOS POR QUEM NÃO APRENDE: AS


DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DE NOSSOS
ALUNOS

Camila Fernanda da Silva


Programa de Pós-Graduação em Educação
Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP/Campus de Marília
Financiamento: CNPq
E-mail: camilanandasilva@gmail.com

INTRODUÇÃO
Constantemente, no contexto acadêmico e escolar, ouvimos falar que muitos
alunos não aprendem. Todavia, ainda que se ouça falar muito sobre esses alunos,
ditos com dificuldades de aprendizagem, em nenhum ou em raros os momentos,
existe a preocupação de ouvi-los, uma vez que temos a prática social e cultural de
desconsiderar o que as crianças e adolescentes têm a nos dizer, sobretudo, aqueles
rotulados por algum motivo, deixando-os calados diante de uma realidade social da
qual também fazem parte.
Considerando os estudos referentes à construção do conhecimento social, a
partir da epistemologia genética piagetiana, apresentamos dados de uma pesquisa
que objetivou investigar as representações de estudantes, com queixas de
dificuldades de aprendizagem, sobre o aprender e o não aprender.
A construção do conhecimento social, embora menos explorada por Piaget
(1896-1980), vem sendo alvo de trabalhos no contexto internacional (ENESCO et
al.,1995; DELVAL, 2002; DELVAL, 2007; RODRIGUEZ et al., 2008) e nacional
(ARAÚJO, 2007; CANTELLI, 2009; SARAVALI et al., 2012). Nesses estudos, observa-
se: 1) o longo processo percorrido pelos indivíduos ao se apropriarem das informações
provenientes do meio social, isto é, apesar de se tratar de um conhecimento
socialmente difundido, ele é reorganizado pelo próprio sujeito (MONTEIRO;
SARAVALI, 2013; SARAVALI; SILVA, 2014); 2) as crenças específicas elaboradas, ao
longo do desenvolvimento, sobre diferentes noções sociais (TREVISOL, 2002;
OTHMAN, 2006); 3) a semelhança dessas crenças entre sujeitos de diferentes
contextos (AMAR et al., 2006; ARAÚJO; GOMES, 2010); 4) as implicações

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pedagógicas decorrentes da observância dos aspectos envolvidos na construção do
conhecimento social (TORTELLA, 1996; SARAVALI, 1999; BORGES, 2001;
GUIMARÃES 2012); 5) as relações entre a construção do conhecimento social e
outros aspectos do desenvolvimento, entre eles, os mecanismos cognitivos (MANO,
2013). Esses trabalhos sempre nos mostram a perspectiva dos indivíduos sobre essas
questões e, em específico, dão voz a crianças e adolescentes sobre diversos
conteúdos da realidade social.
Analisar as crenças que são construídas acerca das noções sociais, na
perspectiva piagetiana, é considerar a influência do meio social, porém, sem
negligenciar o aspecto fundamental de significação e interpretação que cabe a cada
sujeito. Dessa forma, o papel de interpretação exercido a partir das solicitações sociais
é que permitirá a atribuição de um sentido às questões sociais.
A esse respeito, Delval (2002) explica que na busca pela compreensão dos
fenômenos sociais, percorremos três grandes níveis, denominados de níveis de
compreensão da realidade social. Num primeiro nível, que se estenderia até por volta
dos 10-11 anos, os sujeitos se baseiam sempre nos aspectos mais visíveis das
situações em questão, desconsiderando processos ocultos e subjacentes, tão comuns
em questões sociais. No segundo nível, que ocorre por volta dos 10-11 anos até os
13-14 anos, os sujeitos começam a levar em conta aspectos não visíveis das questões
analisadas e tem-se início a consideração de processos que devem ser inferidos, pois
estão inicialmente ocultos. Enfim, num terceiro nível, que se inicia aos 13-14 anos,
observa-se que os sujeitos estão de posse de mais informações sobre o meio social,
mas aqui conseguem relacioná-las e integrá-las num sistema mais coerente.
Uma questão que faz parte do cotidiano de estudantes e que é a maior função
da instituição escolar refere-se à aprendizagem e aos seus problemas. As relações
que os estudantes estabelecem em seu cotidiano escolar, bem como todas as
vivências que experienciam em relação ao seu próprio desenvolvimento cognitivo,
moral, social e afetivo estão carregadas de significados e interpretações pautados no
sucesso ou no fracasso da aprendizagem. Podemos dizer que estas questões se
impõem, de maneira ainda mais ampliada, para aqueles alunos que têm sucessivas
experiências de insucesso ao aprender.
Ao discutirem sobre a importância de se conhecer como os estudantes pensam
o aprender, Grácio, Chaleta e Rosário (2007) afirmam que analisar e debater nas
salas de aula as concepções dos alunos sobre o tema é uma higiene educativa que
deveria apoiar qualquer intervenção. Para os autores, a compreensão do aprender, na

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perspectiva dos protagonistas do processo, permite estudar e agilizar o fenômeno da
aprendizagem, bem como fundamentar ações educativas que promovam um
pensamento mais profundo e um controle maior sobre a própria aprendizagem.
Sem dúvidas, o reconhecimento da criança como construtora de significados e
de representações ímpares sobre o mundo em geral é de fundamental relevância para
entendermos as relações estabelecidas em diferentes situações e momentos da
infância e juventude, como por exemplo, a experiência de aprender, processo tão
central em sua vida (ARROZ; FIGUEIREDO; SOUSA, 2009) e os vínculos construídos
no ambiente escolar, um dos contextos de socialização mais importantes e influentes
para moldar o desenvolvimento humano ao longo da vida (LADD; BUHS; TROOP,
2002).
Defendemos que investigações como esta que dão voz aos protagonistas de
uma determinada situação, podem colaborar significativamente para o fortalecimento
de um campo da pesquisa que muito tem a contribuir para a compreensão dos
processos de ensinar e, principalmente, de aprender. Além disso, se almejamos um
sistema de ensino eficaz e, de fato, favorável ao desenvolvimento de nossos
estudantes, devemos começar a ouvi-los e, sobretudo, a valorizar suas concepções,
uma vez que antes de se investir em melhorias e transformações educacionais, é
essencial perceber o que os principais envolvidos nesse contexto entendem por
aprendizagem, assim como suas causas, consequências ou possíveis problemas.

OBJETIVOS

Nesta pesquisa, com base nos trabalhos da Epistemologia Genética de Piaget


(1979) e nos estudos sobre o conhecimento social de Delval (2002), objetivamos
investigar como se constituem e evoluem as ideias infanto-juvenis acerca da não
aprendizagem, buscando compreender, por exemplo, como são consideradas as
questões e os diferentes fatores envolvendo o aprender/não aprender.
Considerando a maneira como analisam e interpretam as questões envolvendo
a aprendizagem e seus problemas, a partir da perspectiva piagetiana sobre a
construção do conhecimento social, objetivamos, dar voz a alunos com queixas de
dificuldades de aprendizagem. Pretendemos avaliar como crianças e adolescentes
percebem, ao longo do seu desenvolvimento, o aprender e o não aprender.
Chamamos a atenção de se conhecer como crianças e jovens percebem as
questões envolvendo a não aprendizagem à medida que os dados obtidos podem

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orientar os professores, coordenadores pedagógicos, diretores e escolas a
trabalharem com tais questões, principalmente, com os alunos que não aprendem por
algum motivo.

MÉTODOS

A pesquisa foi apresentada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa


local. Todos os sujeitos entregaram os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido
assinados pelos responsáveis. Os participantes foram entrevistados individualmente,
fora da sala de aula, numa sala destinada a esse fim. Todas as entrevistas foram
gravadas em áudio e posteriormente transcritas para análise. Cada entrevista teve
duração aproximada de 30 minutos e a duração total da coleta de dados foi de
aproximadamente dois meses. Os diálogos estabelecidos nas entrevistas, bem como
os desenhos são identificados com a abreviação dos nomes dos sujeitos, seguida da
idade em anos e meses entre parênteses. Cabe lembrar que as falas das crianças e
dos adolescentes participantes foram registradas literalmente na forma coloquial com
que se comunicavam com a entrevistadora. A fim de facilitar a exposição dos trechos
das entrevistas, neste texto, optamos por transcrever a fala dos sujeitos participantes
em itálico.
Trata-se de um estudo evolutivo transversal baseado no método clínico-crítico
piagetiano (PIAGET, 1979). A pesquisa teve abordagem qualitativa e a análise dos
dados foi realizada mediante a interpretação das respostas dadas pelos sujeitos que
indicam níveis de compreensão da realidade social (DELVAL, 2002).
Participaram desta pesquisa 40 escolares entre 06 e 16 anos de escolas
públicas de uma cidade no interior do estado de São Paulo, indicados por seus
professores como alunos com dificuldades de aprendizagem. Como se trata de um
estudo evolutivo, a faixa etária escolhida abrange um longo período do
desenvolvimento na intenção de observar possíveis diferenças e/ou avanços, bem
como evoluções na maneira como as crianças e adolescentes respondem às
questões. O número de participantes e a divisão foram definidos com base nas
orientações de Delval (2002) e correspondem ao que segue: 10 sujeitos de 06 anos,
10 de 09 anos, 10 de 12 anos e 10 de 16 anos.
A primeira parte do trabalho, após a seleção dos participantes, consistiu na
elaboração de um desenho. Os alunos eram convidados a criarem um desenho numa
folha de sulfite dividida ao meio: em uma das metades a proposta era de que o sujeito

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desenhasse uma pessoa que aprende e na outra metade uma pessoa que não
aprende, em seguida o sujeito deveria explicar o que fez. Esse instrumento teve como
objetivo observar como os participantes representavam, por meio de expressões
gráficas, o aprender e o não aprender nas/para as pessoas.
A aproximação desse universo e de como ele é visto pelos alunos, é, muitas
vezes, realizada por meio da utilização de desenhos (OSTI; BRENELLI, 2009). Visca
(1984), em seu clássico trabalho sobre técnicas projetivas psicopedagógicas, utilizou-
se do desenho para avaliar como os alunos poderiam se relacionar com diferentes
aspectos do cotidiano escolar, tais como a relação entre ensino e aprendizagem, a
interação com os colegas, a rotina escolar, os papéis assumidos na escola etc. Dessa
forma, por meio da representação e das explicações que os estudantes apresentavam
sobre suas produções, era possível compreender melhor diferentes questões que
compõem o contexto da aprendizagem. De acordo com Osti e Brenelli (2009):

A partir da análise do desenho da criança, podemos conhecer


quais representações participam do ambiente da sala de aula,
quais os vínculos os alunos estabelecem com o aprender e
quais as circunstâncias dentro das quais se opera essa
construção do conhecimento. (p. 41)

Nos estudos e pesquisas sobre a construção do conhecimento social, o uso


de desenhos e de imagens tem se mostrado uma técnica eficiente que desencadeia
discussões e reflexões sobre elementos que podem permanecer ocultos numa
entrevista clínica (MONTEIRO; SARAVALI, 2013). Delval (2002) sinaliza que ao
verbalizar e explicar suas produções, os indivíduos trazem à tona novos elementos,
exemplos e comentários que dificilmente apareceriam num exame clínico comum.
Esclarecemos que assim como Osti e Brenelli (2009), não tivemos a
pretensão de medir a inteligência dos participantes da pesquisa e, tampouco,
objetivamos avaliar aspectos emocionais ou maturacionais dos mesmos através do
desenho, mesmo porque tal técnica não nos permitiria tal feito. Na verdade, nosso
objetivo com a utilização do desenho agregado às falas dos sujeitos foi o de não
esgotar as possibilidades de expressão da s crianças e adolescentes, com a finalidade
de evitar reducionismos que retiram ou mascaram a aquilo que os sujeitos têm a dizer
(ARROZ; FIGUEIREDO; SOUSA, 2009), principalmente, quando as opiniões
expressas têm a ver com sua própria realidade.
O segundo instrumento utilizado foi a análise de uma história envolvendo uma
situação de não aprendizagem em sala de aula. No que se refere à utilização desse

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tipo de instrumento de coleta de dados, destacamos que “As histórias permitem
colocar o sujeito em uma situação e interrogá-lo sobre ela. ” (DELVAL, 2002, p. 92).
O objetivo do segundo instrumento, foi verificar como os sujeitos viam as
possibilidades de ação docente e o papel da escola na situação de não aprendizagem
proposta. A história utilizada é a seguinte: “O aluno Marcelo (de idade igual a do sujeito
a ser questionado), não consegue aprender as lições que a professora ensina. Todos
os dias ele não consegue copiar a matéria da lousa, não entrega as lições de casa e
não resolve os problemas propostos pela professora. O que você acha dessa
situação? O que você acha que está acontecendo com essa criança? Quem poderia
ajudá-lo? E a escola? E a professora? Por que será que ele não aprende? O que você
acha que a professora poderia fazer? O que você acredita que deve ser feito? E se ele
não aprender o que vai ocorrer? Você conhece alunos assim? Como eles são? O que
acontece com eles? Como você se sente diante de situações assim? ”.
Relembramos que Piaget explorou o uso de histórias em seus estudos sobre a
moralidade (PIAGET, 1994). Sobre o método empregado e a utilização do
interrogatório sobre as histórias, o autor afirma que ao apresentar uma história ao
sujeito e levá-lo a falar e a julgar a mesma, objetiva-se analisar “[...] não as decisões
da criança nem mesmo as lembranças de suas ações, mas a maneira pela qual avalia
esta ou aquela conduta. ” (PIAGET, 1994, p. 95).
As respostas dos sujeitos, nos dois instrumentos, foram interpretadas e
agrupadas conforme os níveis de compreensão da realidade social, estabelecidos por
Delval (2002).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As respostas dos sujeitos, nos dois instrumentos, foram interpretadas e


agrupadas conforme os níveis de compreensão da realidade social, estabelecidos por
Delval (2002). O autor define a existência de três maneiras distintas de se interpretar o
mundo social, que evoluem ao longo do desenvolvimento. Esses níveis foram
considerados aqui para a análise dos elementos trazidos pelos alunos sobre o
aprender e o não aprender.
No primeiro nível, encontrado até os 10-11 anos, os sujeitos se baseiam
sempre nos aspectos mais visíveis das situações em questão, desconsiderando
processos ocultos e subjacentes, tão comuns em questões sociais. Há dificuldades em

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coordenar perspectivas diferentes, bem como em perceber a existência de conflitos.
Há, portanto, uma compreensão parcial da realidade.
Observamos que os alunos, cujas respostas foram inseridas nesse nível,
explicam, por exemplo, a situação problema do personagem da história de uma
maneira bastante simples e superficial, bem como parecem desconsiderar aspectos
externos ao próprio indivíduo, mas que podem interferir em sua aprendizagem. Assim,
o não aprender está sempre e somente vinculado a um esforço pessoal ou à
indisciplina. As soluções apresentadas são sempre simples, bastando ao aluno tornar-
se mais disciplinado e/ou motivado. Quando outras pessoas são envolvidas, suas
ações também são quase lineares, assim aos mestres basta ensinar, aos pais basta
conversar, etc.
De acordo com nossa análise, a maior parte dos sujeitos, dos mais novos aos
mais velhos, centraram suas justificativas sobre o não aprender nos aspectos mais
evidentes e superficiais das situações, como os fatores disciplinares e motivacionais.
Os dados apontaram que a maioria dos participantes possui dificuldade em refletir
sobre a temática e tendem a culpabilizar o aluno que não aprende, não conseguindo
considerar diferentes fatores e elementos.
Acreditamos que tal fato seja decorrente da situação de aprendizagem dos
próprios sujeitos que por apresentarem algum tipo de dificuldade para aprender e não
compreenderem ao certo o motivo para tal fato, tendem a reproduzir falas prontas e
genéricas, muitas vezes recorrentes nos discursos de professores, pais etc.
Destacamos que 90% da amostra foi classificada segundo o nível I de compreensão
da realidade social. Alguns exemplos dos diálogos estabelecidos após o desenho e a
história:

Diálogo estabelecido após o desenho: VIC (9;7) – Por que essa pessoa aprende, por
que ela consegue aprender? Porque ela estuda e obedece a professora. Todo mundo
que estuda e obedece a professora aprende? Aprende. [...] Por que essa pessoa não
aprende? Porque ela faz bagunça, não quer aprender nada. Quem faz bagunça, não
aprende? Não. Só quem faz bagunça que não aprende? É só..

Diálogo estabelecido após o desenho: GLO (12;2) – O que você acha que está
acontecendo com o Marcelo? Ele fica fazendo baderna dentro da sala de aula. Por
que ele não aprende? Porque não presta atenção nas coisas e não fica quieto. Quem
pode ajudar o Marcelo? A professora. O que a professora pode fazer para ajudar?

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Ajudar ele fazer as atividades. E a escola, o que poderia fazer? Ter outra professora
também. Como assim? Ah... ía ajudar ele em todas as matérias. Passar algumas
coisas mais fácil pra ele aprender [...]

No segundo nível, que se estende dos 10-11 anos aos 13-14 anos, há o início
da consideração de aspectos não visíveis das questões sociais e começa a aparecer a
percepção de processos que devem ser inferidos, pois estão inicialmente ocultos. Os
conflitos são melhores compreendidos, embora a coordenação de diferentes pontos de
vista seja algo ainda difícil de ocorrer. As respostas desse nível começam a considerar
o papel do professor de forma mais crítica. Dessa forma, o aluno pode não aprender
porque o professor não ensina bem. Não se justifica mais a aprendizagem somente
por fatores sempre e apenas inerentes aos próprios alunos.
Ressaltamos apenas 10% da amostra, tanto em relação ao desenho como na
história, respondeu de forma mais abrangente como o problema do não aprender
poderia ser solucionado e encarou o conflito da não aprendizagem como um
fenômeno social que traz ao indivíduo influências sociais, como o previsto para o nível
II de compreensão da realidade social. Alguns exemplos:

Diálogo estabelecido após o desenho: IGO (16;11) – [...] E essa outra pessoa que
você desenhou, por que não aprende? Não sei [...] Pode ser o professor, o jeito que a
pessoa ensina. Tem pessoa que tipo você errou numa coisa, ela vai te ensinar e é
muito grossa. Fala que você é meio que burro. Aí, por exemplo, se fosse comigo, eu
não ía aprender com uma pessoa dessa, ía ficar meio assim de aprender [...]

Diálogo estabelecido após o desenho: ANA (12;10) – O que está acontecendo com o
Marcelo? Ele não deve tá prestando atenção [...] Pra ele aprender tinha que parar e
pensar no que ele tá perdendo, pra professora ajudar também. Tem professor que é
relaxado e fica falando que esse aluno não tem mais jeito, só que ele tem [...]

No terceiro nível, cujo início ocorre por volta dos 13-14 anos, observa-se que
os processos ocultos, bem como as diferentes possibilidades de uma mesma situação,
passam a ser considerados. Os sujeitos estão de posse de mais informações sobre o
meio social, mas aqui conseguem relacioná-las e integrá-las num sistema mais
coerente. “Os sujeitos se tornam muito mais críticos em relação à ordem social

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existente, emitem juízos sobre o que é certo e o que não é e propõem soluções
alternativas” (DELVAL, 2002, p.231).
Não encontramos entre nossos dados, respostas que pudessem se
enquadradas nessa forma de compreender a realidade social. Saravali et al. (2012)
que não trabalharam com sujeitos com queixas de dificuldades de aprendizagem,
explicam que o nível III é uma ampliação considerável das variáveis envolvidas, bem
maior que no nível II. Nesse sentido, no nível III, há inúmeras razões para que um
aluno não aprenda e fatores mais complexos são apresentados, como, por exemplo, a
exclusão escolar e social. Há também várias possibilidades de intervenção e os
sujeitos apontam, às vezes, na mesma resposta, a escola, a professora, a família,
outros profissionais e os amigos, como possíveis agentes. Aparece o início dos
acordos sociais, ou seja, o estabelecimento de compromissos entre aqueles que
desempenham seus papéis sociais (SARAVALI et al., 2012).
A seguir, a tabela 1 apresenta a distribuição dos sujeitos pelos níveis de
compreensão da realidade social.

Tabela 1. Distribuição dos sujeitos por faixa etária e por nível de compreensão da
realidade social
IDADES
NÍVEL
6 9 12 16 TOTAL %
Nível I 90,0
10 10 9 7 36
Nível II
- - 1 3 4 -
Nível III - - - - - -
Fonte: Elaborada pela autora.

CONCLUSÃO

Podemos observar que de nossa amostra, somente 10% dos participantes se


apresentaram no nível II de compreensão da realidade social e nenhum no nível III.
Tal fato pode nos falsear a dizer que isso ocorre porque estamos falando de alunos
com queixas de dificuldades de aprendizagem e por isso essa construção não ocorreu
de forma plena.
Dessa forma, esses indivíduos permanecem com ideias bastante
rudimentares sobre questões sociais, em específico sobre um conteúdo bastante
familiar – a aprendizagem e a não aprendizagem. Se assim permanecerem, suas

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representações do mundo social podem manter-se simplistas, carregadas de
preconceitos e estereótipos, sem permitirem uma reflexão mais abrangente dos
fenômenos.
Essa maneira de enxergar as questões envolvendo o aprender e o não
aprender, mais aparente e rotulante, influencia como os estudantes se relacionam com
essas questões quando as mesmas se aplicam aos colegas e quando se aplicam a si
próprios. Assim, culpabilizar sempre o próprio o aluno por uma situação de não
aprendizagem é um raciocínio que influenciará a análise que poderão fazer de si
mesmos.
Assim, o campo de estudos sobre o conhecimento social no contexto
brasileiro é ainda carente de explicações mais detalhadas sobre como esses
processos ocorrem. Essas explicações são elementos essenciais para se pensar o
cotidiano escolar e o trabalho para a construção de uma noção social.
Nesse sentido, estudos que dão voz às crianças e aos adolescentes podem
nos ajudar a entender em que as experiências escolares influenciam na construção do
autoconceito dos estudantes, isto é, de que forma estes são afetados pelas
percepções negativas que possuem de si mesmos como alunos ou como membros de
um grupo social (ELBAUM; VAUGHN, 2003).
Assim, defendemos que investigações deste teor podem colaborar
significativamente para o fortalecimento de um campo da pesquisa que muito tem a
contribuir para a compreensão dos processos de ensinar e, principalmente, de
aprender. Conforme apontam Arroz, Figueiredo e Sousa (2009), quando se almeja um
sistema de ensino eficaz e, de fato, favorável ao desenvolvimento dos estudantes, é
necessário ouvi-los e, sobretudo, valorizar suas concepções, uma vez que antes de se
investir em melhorias e transformações educacionais, é essencial perceber o que os
principais envolvidos nesse contexto entendem por aprendizagem, assim como suas
causas, consequências ou possíveis problemas.
Com certeza, práticas pedagógicas coerentes com o desenvolvimento do
aluno devem considerar as características da construção do conhecimento social. A
escolha de atividades, bem como a forma de desenvolvê-las deve caminhar no sentido
de solicitação de reflexões e ações sobre os conteúdos da realidade social, evitando-
se a priorização da transmissão de informações e a passividade.
Sem dúvidas, faz-se urgente transpormos a realidade que está posta e
avançarmos na compreensão de que nossos alunos apenas se tornarão cidadãos, em
sua essência, críticos e reflexivos, à medida que transformarmos nossa prática de

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ensino, embasados num processo verdadeiramente construtivista em que o sujeito
tem oportunidades de experienciar ações desafiadoras, organizar, estruturar e
formular explicações a partir do vivido.
Da mesma maneira, o abandono de metodologias transmissivas poderia
possibilitar maneiras mais humanas de se ensinar e aprender, em que as questões
emocionais e afetivas sejam valorizadas e os alunos tenham mais espaço para refletir
e discutir sobre problemas e situações que lhes afetam.
Uma prática pedagógica fundamentada no princípio de que para se
desenvolver e aprender o sujeito precisa ser desafiado a agir sobre o meio, com
certeza, levaria nossos alunos a uma aprendizagem mais significativa. Assim, ao
professor caberia ensinar de uma forma mais humana que não se limita pura e
simplesmente à reprodução de modelos prontos, mas sim que permite ao sujeito
avançar em seu processo de desenvolvimento com oportunidades reais de elaborar e
fazer perguntas, colocar em prática suas escolhas e preferências, “[...] pensar com
liberdade, refletir com autonomia e, sobretudo, inventar tendo por limite o horizonte. ”
(BECKER, 2011, p. 226).
Com certeza, embasar-se em tal perspectiva para pensar a prática docente
exige, principalmente, envolvimento e disposição por parte do professor que deverá
buscar formas de trabalho em que o sujeito não está limitado a ouvir o que o professor
tem a dizer, mas ao contrário, tem possibilidades efetivas de interagir e agir no/sobre o
meio que o cerca e da qual faz parte e de se desenvolver em termos psíquicos,
cognitivos, intelectuais, sociais e afetivos.
Enfim, defendemos a atualidade desta pesquisa e a relevância de sua
realização por entendermos que as informações aqui contidas podem contribuir
significativamente com as discussões no campo educacional referentes à
aprendizagem e, principalmente, a não aprendizagem que, por vezes, é tão mal
compreendida em nosso meio.

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