Sunteți pe pagina 1din 31

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

DISCIPLINA: DIREITO, POLÍTICAS PÚBLICAS E MEIO AMBIENTE

PROFESSOR: DR. CARLOS ALBERTO LUNELLI

POLÍTICAS PÚBLICAS E PATRIMÔNIO CULTURAL,

RESGATE DA HISTÓRIA E AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE DE UM POVO:

Estudo de caso em cidades turísticas da Serra Gaúcha

Andiara Flores1

Queli Mewius Boch2

RESUMO: A preservação do meio ambiente histórico e cultural de uma localidade,


comunidade, cidade, região deve ser incentivada na atual sociedade -
independentemente da evolução da sociedade frente à globalização ou frente ao
mercado de consumo descontrolado - através de políticas públicas que visem
manter viva a história e identidade de seu povo colonizador, no intuito de evitar
dissipar a geração antecedente. Os valores que integram a proteção do patrimônio
histórico e cultural estão presentes no ordenamento jurídico brasileiro, com previsão
constitucional, infraconstitucional e legislações esparsas, as quais juntamente com
os conselhos de políticas culturais, o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional), o instituto do tombamento e do inventário, buscam tutelar e
fiscalizar a proteção que merece o patrimônio cultural de bens, imóveis, culturas e
identidades de um povo. E, a fim de elucidar a importância da preservação do
patrimônio cultural, a pesquisa analisará sua efetividade na atual sociedade de
hiperconsumo que vivenciamos, com ênfase às cidades turísticas da Serra Gaúcha,
demonstrando que a busca incessante pelo consumo nestas cidades, “vendendo

1
Graduada em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Mestranda em Direito pela
Universidade de Caxias do Sul (UCS), bolsista CAPES, membro do Grupo de Pesquisa Direito
Público e Meio Ambiente, certificado pela UCS e inserido no Diretório de Grupos de Pesquisa do
CNPq. Advogada.
2
Graduada em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Pós-Graduada em Processo Civil
pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Pós-Graduada em Processo do Trabalho pela
Universidade de Caxias do Sul (UCS), Mestranda em Direito pela Universidade de Caxias do Sul
(UCS). Advogada.
felicidade” aos turistas, acaba, na grande maioria das vezes, por deixar de lado ou
esquecer por completo a questão da preservação do meio ambiente histórico e
cultural daquela cidade ou região, em razão da modernidade exigida pelo atual
mercado de consumo.

PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio cultural material; tutela e previsão legal; políticas


públicas.

ABSTRACT: The preservation of the historic and cultural environment of a locality,


community, city or region… might be motivated in the actual society in which we’re
inset, regardless of society evolution faced the globalization or the wanton
consumption of the market, through public politics that drive to keep alive the history
and identity of the colonizer people aim of avoiding dissipate the antecedent
generation. The values that integrate the historical and cultural heritage protection
are presents in our Brazilian juridical law with constitutional, infra-constitutional, and
sparse legislation forecast, which together with the cultural politician council, the
IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - National Institute of
Historical and Artistic Heritage), the Institute of declaring and of inventory, look for
guardianship and control the protection that the cultural goods, real state, cultures a
people identity deserves. And in order to clarify the importance of the cultural
heritage preservation, the research will evaluate the effective in the actual society of
bigger consumption that we’ve been facing, with emphasis to the touristic cities of
Serra Gaúcha (South of Brazil), presenting that the continuing search for the
consumption in these cities, “selling facilities” to the tourists, finally, in the great
majority of times, to leave by side or entirely forget the question of preservation of the
historic and cultural environment of that city or region, caused by the modernity
demanding for the actual consumption market.

KEYWORDS: Material cultural heritage; guardianship and legal prevision; Public


politics.

SUMÁRIO: Introdução; 1. Identidade e bens culturais; 2. Previsão legal e tutela do


patrimônio cultural material; 3. Os conselhos de políticas culturais e o IPHAN; 4.
Tombamento e inventário; 5. Estudo de caso em cidades turísticas da Serra Gaúcha;
Considerações finais; Referências Bibliográficas.

2
INTRODUÇÃO

Diante do fenômeno da globalização que tornou o mundo sem fronteiras,


miscigenando as raças e suas tradições, torna-se deveras importante resgatar a
história e afirmar a identidade cultural de um povo.

Neste aspecto, a atuação do poder público através de políticas públicas e de


atividades de seus órgãos especializados na área patrimonial cultural, mostra-se de
suma importância, com vista à tutela e à proteção do patrimônio cultural, através dos
institutos jurídicos dispostos nas legislações federais, estaduais e esparsas, bem
como através de órgãos e institutos competentes para tanto.

A necessidade de preservação do patrimônio histórico e cultural enseja


questionamentos relevantes, como por exemplo, de quem é a responsabilidade por
manter preservado o patrimônio cultural? Quais são os meios e formas disponíveis
para tornar um imóvel como integrante do patrimônio cultural? Quem e o que define
o que deve fazer parte do patrimônio cultural? Qual a legislação que regulamenta a
proteção a esses bens? Entre outras questões que surgem ao aprofundar o estudo a
respeito do tema.

Na intenção de estudar a preservação do patrimônio cultural na prática, far-


se-á um estudo de caso nas cidades turísticas da Serra Gaúcha, Gramado e Bento
Gonçalves, nas quais em razão de seu grande potencial turístico, é latente que o
mérito econômico e a especulação imobiliária fomentam grandes interesses políticos
e de pequena parcela da sociedade, perdendo-se, por outro lado, a cada dia, a real
história dos povos antecedentes que colonizaram e construíram aquelas cidades.

O referido trabalho se fundamenta pela importância de manter preservado o


meio ambiente histórico e cultural de uma cidade, região, comunidade, em razão
deste resguardar as memórias históricas de um povo, suas origens, seus costumes,
e, em especial, para chamar a atenção dos administradores públicos, da
necessidade de se implantar políticas públicas de turismo integradas ao patrimônio
histórico e cultural, com o fim de não deixar cair no esquecimento a memória
histórica do povo que colonizou aquelas localidades.

3
1. IDENTIDADE E BENS CULTURAIS

As características de um determinado grupo, com suas crenças, ritos, mitos e


experiências comuns formam particularmente a sua identidade. Além disso, a
identidade de um grupo forma-se através de traços culturais não apenas próprios
desse grupo, mas também absorvidos de outras culturas passando a fazer parte da
identidade local. A partir das diferenças nos traços culturais é que a identidade se
reconstrói.3

Exemplo disso deu-se no período de colonização, onde ocorreram as


miscigenações das culturas entre os povos do novo continente e os colonizadores,
no qual os nativos eram obrigados a absorver em grande parte a cultura dos
conquistadores, perdendo assim, elementos de sua identidade, tanto na sua forma
de trabalho, nas vestimentas, na culinária e igualmente nos seus cultos religiosos,
passando a fazer parte da nova identidade local miscigenada.

A cultura popular local, por ser oriunda das relações profundas entre a
comunidade do lugar e o seu meio (natural e social), simboliza o homem e seu
entorno, implicando um tipo de consciência e de materialidade social que evidencia
o grau de afeição ou apego a um lugar; esse é um fator de extrema importância para
o desenvolvimento local, posto que permite a configuração da identidade do lugar e
de sua população. Portanto, a valorização da cultura popular contribui para que a
sociedade fortaleça a individualização e a auto-estima diante do outro, numa busca
de desenvolvimento originário de sua própria criatividade e conforme os seus
valores, porque é por intermédio da cultura que o indivíduo e a sociedade interagem
com o mundo à sua volta.4

Segundo Teixeira e Dall’agnol5, para entender a formação da identidade nos


indivíduos e como ocorre o processo de identificação desse junto com o ambiente,
faz-se necessária uma discussão considerando uma divisão temporal. Desta forma,
a análise classifica a formação da identidade em três períodos de tempo: épocas

3
TEIXEIRA, Paulo Roberto; DALL’AGNOL, Sandra. A globalização como elemento de influência na flexibilização e
fragmentação da identidade cultural. In: NORA, Paula; PUGEN, Bianca. Diálogos. Caxias do Sul: Lorigraf, 2008. Página 138-
139.
4
KASHIMOTO; Emília Mariko; MARINHO, Marcelo; RUSSEFF, Ivan. Cultura, Identidade e Desenvolvimento Local:
conceitos e perspectivas para regiões em desenvolvimento. Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 4,
p. 35-42, Mar. 2002. Disponível em: http://www3.ucdb.br/mestrados/RevistaInteracoes/n4_marcelo.pdf. Acesso em: 21 nov. 09.
Página 36.
5
TEIXEIRA, Paulo Roberto; DALL’AGNOL, Sandra. Op. cit. p. 140.
4
pretéritas, modernidade e pós-modernidade, a fim de compreender a evolução do
processo de formação da identidade em diferentes momentos históricos.

Para Graça e Ribeiro Teixeira, o relevo cultural da paisagem interfere como


meio de formação do indivíduo em uma correspondência entre o grupo social, no
qual se forma e se explica sua personalidade, e o ambiente que garante um
equilibrado desenvolvimento do seu amadurecimento psíquico-físico.6

Nas épocas pretéritas, a formação da identidade era um processo limitado e


efetivamente fixo, pois os grupos sociais conviviam somente com pessoas da
mesma etnia ou região. Por esse motivo, sua identidade permanecia unificada e
estável.7

No período da modernidade, a identidade passa a ser percebida como uma


construção social que pode ser alterada e que se manifesta na constituição de
grupos religiosos ou políticos ou nos papéis dos indivíduos, como a relação com o
professor ou com os pais. Os deslocamentos, as informações e os meios de
comunicação começam a permitir que as pessoas tenham acesso aos lugares mais
distantes. Nesse momento, os limites e as fronteiras vão se tornando menores, pois
a tendência aparente é a convergência de processos, sistemas e pessoas,
proporcionada pelo avanço da tecnologia. Quando essa está à disposição da
população, é capaz de mediar contatos entre culturas diversas, modos de vida
diversificados, expandindo a possibilidade de encontro e, às vezes, confronto com o
diferente.8

O período da pós-modernidade é caracterizado pela fragmentação. As


pessoas não têm mais os mesmos comportamentos por toda a vida; a cada
momento, assumem posturas distintas conforme as circunstâncias e os grupos
sociais que se encontram. Esse atual contexto da sociedade é resultado do avanço
das tecnologias de informação e comunicação que facilitam a massificação da
sociedade de consumo. As pessoas, a fim de manterem uma identidade na qual se
sintam seguras, reúnem-se em grupos sociais que têm os mesmos símbolos, como
marcas de roupas, ideologias políticas ou religiosas ou gostos musicais. Nesse caso,

6
GRAÇA, Cristina Seixas; TEIXEIRA, Marcia Regina Ribeiro. Meio ambiente e patrimônio cultural nacional. In: FREITAS,
Vladimir Passos de (Org.). Direito ambiental em evolução, nº 2. Curitiba: Juruá Editora, 2004. P. 34 à 48. Página 44.
7
TEIXEIRA, Paulo Roberto; DALL’AGNOL, Sandra. Op. cit.; p. 140.
8
Ibidem.; p. 140-141.
5
o conceito de identidade se refere ao sentimento de pertencimento a uma
comunidade imaginada, na qual os membros, não necessariamente, precisem se
conhecer, mas partilham das mesmas referências, como história e cultura.9

Neste sentido, denota-se que a globalização interfere tanto na flexibilização


quanto na fragmentação identitária de um determinado grupo social pelo fato de que,
através de freqüente contato com o outro, ocorrem trocas culturais que se refletem
na hibridização cultural. Não apenas a globalização interfere nas identidades, mas
também pode haver influências internas que fragmentam os traços identitários. A
globalização trata de uma das influências externas que também interferem nas
identidades culturais.10

Atualmente, a globalização não é mais considerada um risco às identidades,


pois hoje, através das tecnologias de comunicação e dos deslocamentos, cada vez
mais eficientes, as possibilidades de ocorrerem encontros são ilimitadas, por esse
motivo as identidades estão em constante processo de reconstrução, sendo assim
dinâmicas. O grande desafio do momento contemporâneo é atingir uma estabilidade
prudente entre a manutenção das identidades locais e o desenvolvimento
necessário para sua inserção nos processos econômicos.11

Assim, o patrimônio ambiental, natural e cultural, é elemento fundamental da


civilização e da cultura dos povos, e a ameaça de seu desaparecimento é
assustadora, porque ameaça o desaparecimento da própria sociedade. Enquanto o
patrimônio natural é a garantia de sobrevivência física da humanidade, que
necessita do ecossistema – ar, água e alimentos – para viver, o patrimônio cultural é
garantia de sobrevivência dos povos, porque é produto e testemunho de sua vida.
Um povo sem cultura ou dela afastado, é como um grupo sem norte, sem
capacidade de escrever sua própria história e, portanto, sem condições de traçar o
rumo de seu destino.12

9
TEIXEIRA, Paulo Roberto; DALL’AGNOL, Sandra. Op. cit.; p. 141.
10
Ibidem.; p. 143.
11
Ibidem.; p. 143.
12
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens culturais e sua proteção jurídica. 3ª edição. Curitiba: Juruá, 2005.
Página 16.
6
Neste sentido, Sparemberger e Kretzmann13 se referem ao multiculturalismo
enfatizando a necessidade que se reconheça a plurietnicidade e a pluriculturalidade
que está presente na formação da maioria dos Estados, o que vem justificar a
afirmação de que os Estados não possuem uma composição homogênea e, com
isso, o reconhecimento e a tutela de todos os grupos presentes em sua formação é
imprescindível para que a dignidade humana seja realmente protegida e respeitada.

Muitas conseqüências podem advir da falta de possibilidade de valoração


desses bens culturais, e a principal delas é a perda desse patrimônio como
referência para as gerações futuras.14 Graça e Ribeiro Teixeira acreditam que, para
enfrentarmos o contato efetivo com o fenômeno da globalização, precisamos
implantar estruturas jurídicas, sociais e educacionais de formação e informação mais
fortes, mais justas, pois só assim estaremos prontos para uma convivência mais
harmônica com outras culturas, sem que fiquemos ameaçados de perder a nossa
memória, as nossas raízes, e nos tornemos tão-somente um país de fachada para
visitação pública, onde os seres aqui viventes sejam fragmentados nas políticas
públicas, na história, na cultura, no ser e nada possamos legar às gerações
futuras.15

No que se refere à questão cultural de lugares e construções, além dessa


compreensão extensiva a preservação do meio ambiente cultural, também tem
significado em âmbito mais reduzido, de caráter individual ou pertencente a um
pequeno grupo, pequena comunidade, que corresponde a sentimentos pessoais,
experiências vividas, nem sempre passíveis de expressão, sendo que esses valores
somente estarão abrangidos pela proteção legal, quando estiverem difundidos na
comunidade.16

O que une estes bens em um conjunto, formando-os patrimônio, é o seu


reconhecimento como reveladores de uma cultura determinada, integrante da cultura
nacional. Entretanto, com ou sem técnica jurídica, com ou sem reconhecimento
jurídico, o conjunto de bens materiais e imateriais que garantem ou revelam uma

13
SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes; KRETZMANN, Carolina Giordani. Antropologia, multiculturalismo e Direito: o
reconhecimento da identidade das comunidades tradicionais no Brasil. In: COLAÇO, Thais Luzia (org). Elementos da
Antropologia Jurídica. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 93 à 124. Página 95.
14
GRAÇA, Cristina Seixas; TEIXEIRA, Marcia Regina Ribeiro. Op. cit.; p. 43.
15
Ibidem.; p. 48.
16
MARQUES, José Roberto. Meio Ambiente Urbano. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 2005. Página 48.
7
cultura são patrimônio cultural daquela cultura. Se o direito é capaz de criar normas
protetoras, impondo ao Estado sua proteção, é outra coisa. Cumpre ao povo
detentor ou reconhecedor dessa cultura, a sua proteção, o que inclui exigir do
Estado atos concretos nesta direção.17

Assim, apesar de a sociedade transformar-se de forma acelerada devido à


globalização, torna-se imprescindível tutelar os bens culturais no intuito de manter
viva a identidade de um povo; haja vista que a sua supressão dissipa a geração
antecedente, e que em muitos casos, nem sequer deixam meros rastros.

Imprescindível mencionar que para que a proteção do patrimônio cultural se


efetive, é necessário o incremento do processo de educação ambiental e de
conscientização da comunidade, local e nacional. A partir de uma reflexão ampla
acerca da memória e de sua relação com a qualidade de vida, o passado pode ser
observado como um bem para o futuro. O patrimônio cultural subsidia ações de
divulgação dos conhecimentos, para reflexão e formação de consciência social,
visando ao conhecimento da realidade local e regional e à promoção de recursos
humanos.18

2. PREVISÃO LEGAL E TUTELA DO PATRIMÔNIO CULTURAL MATERIAL

A Constituição Federal de 1988 em seu art. 225 buscou tutelar o meio


ambiente não só no seu aspecto natural, mas também no artificial, do trabalho e no
cultural, sendo este último objeto de estudo.

Segundo o autor José Afonso da Silva19 esta conclusão é alcançada pela


observação do art. 225 da CF/88, que utiliza a expressão “sadia qualidade de vida”,
optando o legislador constituinte por estabelecer dois objetos de tutela ambiental:
“um imediato que é a qualidade do meio ambiente, e outro mediato, que é a saúde, o
bem-estar e a segurança da população, que se vêm sintetizando na expressão da
qualidade de vida”.

17
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Op. cit.; p. 47.
18
KASHIMOTO; Emília Mariko; MARINHO, Marcelo; RUSSEFF, Ivan. Op. cit.; p. 41.
19
SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Ambiental. São Paulo: Malheiros, 1994. Página 54.
8
Assim, conclui-se que a definição de meio ambiente é ampla, não se
restringindo apenas ao meio natural (solo, água, ar, fauna e flora), mas também
abrangendo o aspecto artificial (espaço urbano construído), do trabalho e o cultural
(patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico).

Portanto, a Constituição Federal coloca em mesma escala de igualdade a


proteção dos valores históricos e culturais e o meio ambiente como um todo.20

Especificamente quanto ao meio ambiente cultural, seu conceito está previsto


no art. 216 da CF/88 que faz referência aos bens que traduzem a história de um
povo, sua formação, sua cultura, portanto, os próprios elementos identificadores da
sua cidadania.21

O art. 216 da Constituição Federal e o art. 221 da Constituição Estadual


descrevem os bens que constituem patrimônio cultural brasileiro como os bens de
natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores
de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços


destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,


arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Os incisos do art. 216 formam apenas uma lista exemplificativa, de tal forma
que o legislador constitucional, não pretendendo esgotar uma rica e dinâmica
realidade, deixou em aberto a possibilidade de construção de novos tipos de bens
culturais. Assim, qualquer bem pode vir a integrar o patrimônio cultural brasileiro,
desde que seja portador de referência à identidade, à ação, à memória dos

20
MUKAI, Toshio. Temas atuais de Direito Urbanístico e Ambiental. 1ª ed. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2007. Página 155.
21
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009. Página 22.
9
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos termos do caput do art.
216.22

O § 1º do art. 216 da Constituição Federal e o art. 222 da Constituição


Estadual, descrevem o dever do Poder Público, com a colaboração da comunidade,
na promoção e proteção do patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento e desapropriação, entre outras formas de
acautelamento e preservação.

Nesse mesmo sentido Graça e Teixeira23 ressaltam que, em regra, o Estado


deverá junto com a comunidade dar ênfase à proteção desse patrimônio cultural,
distinguindo as formas de promovê-la, mediante inventários, registros, vigilância,
tombamento e desapropriação, sem prejuízo de outras formas de acautelamento e
preservação, que serão expostos nos próximos itens.

Ademais, o § 1º do art. 222 da Constituição Estadual também prevê que os


proprietários de bens de qualquer natureza tombados pelo Estado receberão
incentivos para preservá-los e conservá-los, conforme definido em lei.

As autoras ainda enfatizam o vasto campo da proteção ao meio ambiente


cultural existente no Direito internacional. Esta tutela tem sido efetivada
especialmente através da Convenção celebrada com a UNESCO na Conferência
Geral das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura de 1972,
regulamentada pelo ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto 80.978/77. Visando
dar efetividade a essa convenção, é de grande relevância o cadastramento do bem
cultural considerado de valor universal excepcional na Lista de Patrimônio Mundial
Cultural e Nacional que passará por um processo de aferição dessa qualidade
através de uma comissão técnica, para posteriormente ser julgada sua inclusão no
rol daqueles merecedores da proteção específica da organização internacional.24

A Constituição Federal prevê no art. 215 que a lei estabelecerá o Plano


Nacional de Cultura, de duração plurianual, ou seja, de 04 anos de previsão
orçamentária, visando o desenvolvimento cultural do País e à integração das ações

22
RODRIGUES, José Eduardo Ramos. A evolução da proteção do patrimônio cultural – crimes contra o ordenamento
urbano e o patrimônio cultural. In: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de (Org.). Temas de Direito Ambiental e Urbanístico.
São Paulo: Max Limonad, 1998. Página 210.
23
GRAÇA, Cristina Seixas; TEIXEIRA, Marcia Regina Ribeiro. Op. cit.; p. 41.
24
Ibidem.; p. 40.
10
do poder público que conduzem, entre outros, à defesa e valorização do patrimônio
cultural brasileiro.

O art. 223 da Constituição Estadual prevê que o Estado e os Municípios


manterão, sob orientação técnica do primeiro, cadastro atualizado do patrimônio
histórico e do acervo cultural, público e privado, bem como, que os planos diretores
e as diretrizes gerais de ocupação dos territórios municipais disporão,
necessariamente, sobre a proteção do patrimônio histórico e cultural, previsto no
parágrafo único do referido artigo.

Complementa Fiorillo25 que para que um bem seja considerado como


patrimônio histórico é necessário à existência de um nexo vinculante com a
identidade, a ação e a memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira.

A Constituição Federal outorga em seu art. 23 a competência comum da


União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na proteção dos
documentos, das obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, dos
monumentos, das paisagens naturais notáveis e dos sítios arqueológicos; além de
impedirem a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de
outros bens de valor histórico, artístico ou cultural.

No art. 24 a Constituição Federal prescreve que compete à União, aos


Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre a proteção do
patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; e da responsabilidade
por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico.

Quanto aos municípios, em seu art. 30, inciso IX, previu competir a eles a
promoção da proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação
e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Da mesma forma, prevê a Lei Federal 10.257/2001, conhecida por Estatuto


da Cidade, em seu artigo 2º, XII26 como diretriz geral a “proteção, preservação e

25
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Op. cit.; p. 300.
26
Art. 2º. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade
urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
[...]
11
recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico,
artístico, paisagístico e arqueológico”.

Deste modo, percebe-se que os valores que integram o patrimônio histórico e


cultural estão presentes no nosso ordenamento jurídico, o que lhes proporciona
proteção de caráter constitucional.

3. OS CONSELHOS DE POLÍTICAS CULTURAIS E O IPHAN

O Conselho Nacional de Política Cultural - CNPC é um órgão colegiado


integrante da estrutura básica do Ministério da Cultura. Este órgão tem como
finalidade propor a formulação de políticas públicas, com vistas a promover a
articulação e o debate dos diferentes níveis de governo e a sociedade civil
organizada, para o desenvolvimento e o fomento das atividades culturais no território
nacional. O CNPC é composto por representantes do Governo Federal - do
Ministério da Cultura e de outros ministérios -, dos estados e municípios, das
diversas áreas artísticas e do setor de preservação do patrimônio cultural.27

São competências do Plenário do CNPC, dentre outras, acompanhar e


fiscalizar a execução do Plano Nacional de Cultura; estabelecer as diretrizes gerais
para aplicação dos recursos do Fundo Nacional de Cultura; apoiar os acordos para a
implantação do Sistema Federal de Cultura e aprovar o regimento interno da
Conferência Nacional de Cultura.28

O Conselho Estadual de Cultura está previsto no art. 225 da Constituição


Estadual, visando à gestão democrática da política cultural, e terá as funções de:

(...)

I - estabelecer diretrizes e prioridades para o desenvolvimento cultural do


Estado;

II - fiscalizar a execução dos projetos culturais e aplicação de recursos;

III - emitir pareceres sobre questões técnico-culturais.

XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico,
paisagístico e arqueológico.
27
Conselho Nacional de Política Cultural. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/cnpc/. Acesso em: 11 dez. 09.
28
Ibidem.; Disponível em: http://www.cultura.gov.br/cnpc/.
12
Parágrafo único - Na composição do Conselho Estadual de Cultura, um
terço dos membros será indicado pelo Governador do Estado, sendo os
demais eleitos pelas entidades dos diversos segmentos culturais.

Em âmbito estadual, o Conselho de Cultura do Rio Grande do Sul é um órgão


colegiado, com atribuições normativas, consultivas e fiscalizadoras, tendo como
principal finalidade promover a gestão democrática da política cultural do Estado.
Estas atribuições, de natureza constitucional, encontram-se definidas no art. 225 da
Constituição do Estado. Sua organização, funcionamento e atribuições estão
regulamentadas pelas Leis 11.289, de 23 de dezembro de 1998 e 11.707, de 18 de
dezembro de 2001.29

No mesmo grau de importância do Conselho Nacional de Política Cultural e


do Conselho Estadual de Cultura, deve estar a previsão de Conselhos Municipais de
Cultura, de caráter consultivo e deliberativo, a fim de que possam fiscalizar o
patrimônio cultural local, em consonância com a legislação federal e estadual.
Todavia, poucos são os municípios que dispõem desse conselho, ficando assim a
mercê do Estado ou da União a fiscalização quanto a manutenção do patrimônio
cultural, o que muitas vezes sequer ocorre, imperando o poder discricionário dos
órgãos públicos municipais de acordo com interesses locais, políticos e econômicos.

Além dos Conselhos acima mencionados, torna-se imprescindível destacar o


papel do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, criado ao
final dos anos 30. A criação do organismo federal de proteção ao patrimônio foi
confiada a intelectuais e artistas brasileiros ligados ao movimento modernista. Era o
início do despertar de uma vontade que datava do século XVII em proteger os
monumentos históricos.30

A criação da Instituição obedece a um princípio normativo, atualmente


contemplado pelo artigo 216 da Constituição da República Federativa do Brasil, que
define patrimônio cultural a partir de suas formas de expressão; de seus modos de
criar, fazer e viver; das criações científicas, artísticas e tecnológicas; das obras,
objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações

29
Conselho Estadual de Cultura. Disponível em: http://www.conselhodeculturars.com.br/. Acesso em: 11 dez. 09.
30
IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br. Acesso em: 11
dez. 09.
13
artístico-culturais; e dos conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. A Constituição também
estabelece que cabe ao poder público, com o apoio da comunidade, a proteção,
preservação e gestão do patrimônio histórico e artístico do país.31

Há mais de 60 anos, o IPHAN vem realizando um trabalho permanente e


dedicado de fiscalização, proteção, identificação, restauração, preservação e
revitalização dos monumentos, sítios e bens móveis do país.32

Inicialmente o foco de atenção do IPAHN passou mais para o tombamento de


grupos de prédios no lugar de prédios individuais, caracterizando-se pela proteção
de núcleos e centros históricos. O rápido crescimento urbano e a industrialização
fizeram com que o IPHAN olhasse mais atentamente para uma nova política de
preservação para grandes centros. Outras questões como o crescimento do turismo
e a poluição também já eram contempladas pelo IPHAN. No litoral, onde o turismo é
mais desenvolvido, o IPHAN percebeu mais estragos no patrimônio do que outras
cidades onde o turismo não era tão forte.33

O trabalho do IPHAN pode ser reconhecido em cerca de 21 mil edifícios


tombados, 79 centros e conjuntos urbanos, 9.930 mil sítios arqueológicos
cadastrados, mais de um milhão de objetos, incluindo acervo museológico, cerca
de 834.567 mil volumes bibliográficos, documentação arquivística e registros
fotográficos, cinematográficos e videográficos, além do Patrimônio Mundial.34

Este Patrimônio é administrado por meio de diretrizes, planos, instrumentos


de preservação e relatórios que informam a situação dos bens, o que está sendo
feito e o que ainda necessita ser realizado. O IPHAN preocupa-se em elaborar
programas e projetos, que integrem a sociedade civil com os objetivos do Instituto,
bem como busca linhas de financiamento e parcerias para auxiliar na execução das
ações planejadas.35

31
IPHAN. Op. cit.; Disponível em: http://portal.iphan.gov.br.
32
Ibidem. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br.
33
BERNDT, Angelita; BASTOS, Rossano Lopes. IPHAN e suas mudanças desde sua criação. Anais do VIII Congresso Ouro
Preto. Minas Gerais, Brasil 3 a 8 de novembro de 1996. Disponível em:
http://www.abracor.com.br/novosite/congresso/Anais%20do%20VIII%20Congresso.pdf#page=18. Acesso em: 22 mar. 10.
34
IPHAN. Op. cit.; Disponível em: http://portal.iphan.gov.br.
35
Ibidem.; Disponível em: http://portal.iphan.gov.br.
14
No Rio Grande do Sul fazem parte do patrimônio histórico as cidades de
Antônio Prado e Porto Alegre.

Os inventários disponibilizados integram o Sistema Nacional de Informações


Culturais, do Ministério da Cultura/MinC, atendendo aos compromissos assumidos
no Fórum de Ministros da América Latina e Caribe de implementar o Sistema de
Informações Culturais na América Latina e Caribe/Siclac.36

Foram escolhidos seis sistemas para, numa primeira etapa, serem


disponibilizados via Internet. O primeiro deles é a Consulta dos Bens Culturais
Procurados, e tem sido utilizado como instrumento de apoio, num esforço conjunto
entre IPHAN, ICOM e Interpol, na luta contra o tráfico ilícito de bens culturais. Os
outros cinco, desenvolvidos com o apoio do Ministério da Cultura, são: o Sistema de
Gerenciamento de Patrimônio Arqueológico, o Inventário Nacional de Bens Imóveis
em Sítios Urbanos Tombados, o Guia dos Bens Tombados, o Acervo Iconográfico e
a Rede Informatizada de Bibliotecas do IPHAN. Todas essas bases de dados estão
acessíveis para pesquisa podendo ser consultadas a partir do nome do bem, de seu
estado de origem, de palavras chaves como: categorias dos bens, nomes populares,
etc.37

Assim, percebe-se que além de regramento federal constitucional para


proteção do meio ambiente histórico e cultural, também dispomos de Conselhos de
Políticas Culturais engajados em ações que tenham por objetivo a preservação,
fiscalização e manutenção do patrimônio histórico de uma cidade, localidade ou de
um povo.

4. TOMBAMENTO E INVENTÁRIO

A Constituição Federal ao consignar, em seu art. 5º, XXII, a garantia ao direito


de propriedade, limitou o poder do Estado no campo econômico. Assegurou a
propriedade privada sem torná-la, entretanto, intangível sob a ótica do Poder

36
IPHAN. Op. cit.; Disponível em: http://portal.iphan.gov.br.
37
Ibidem.; Disponível em: http://portal.iphan.gov.br.
15
Público, pois previu e regulamentou as hipóteses de ingerência estatal nos bens de
domínio particular, quando necessária para o bem comum.38

A norma constitucional do direito de propriedade, porém, está vinculada ao


bem-estar social, conforme podemos observar no inciso XXIII do art. 5º, que dispõe:
“A propriedade atenderá a sua função social”. Ainda classifica a Carta Magna, em
seu art. 170, II e III, a propriedade privada e sua função social como princípio da
ordem econômica, impondo sanções para o caso de não ser este observado,
principalmente em relação às propriedades imóveis urbanas e rurais (arts. 182-
191).39

Como bem explica Maluf, ao mesmo tempo em que a propriedade é


regulamentada como direito individual fundamental, releva-se o interesse público de
sua utilização e de seu aproveitamento adequados aos anseios sociais.40

Neste sentido, a Constituição criou formas de proteção, como o inventário, o


registro, a vigilância, e possibilita a criação, pelo Poder Público, de outros modos de
proteção. Claro, isto dependerá de lei regulamentadora, tendo em vista que na
sistemática atual apenas é possível a proteção efetiva e direta por via de
tombamento ou desapropriação.41

Assim, podemos conceituar como bens tombados aqueles que constituem o


patrimônio histórico, artístico, etc., que se constituam em imóveis ou móveis, cuja
conservação seja de interesse da cultura nacional, quer por sua vinculação a fatos
memoráveis da história, quer por seu excepcional valor artístico, que são inscritos no
Livro do Tombo e, posteriormente, averbados, quando imóveis, no Cartório de
Registro de Imóveis competente.42

O Decreto 25/37 é um verdadeiro Código do Tombamento de bens culturais.


Como lei de tombamento, é completa. Trata do processo, dos efeitos e do direito de
preferência do Estado, estabelece penalidades e define o órgão estatal de
proteção.43

38
MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva, 1997. Página 77.
39
MALUF, Carlos Alberto Dabus. Op. cit.; p. 77.
40
Ibidem.; p. 77.
41
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Op. cit. p. 64-65.
42
MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. Página 120
43
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Op. cit. p. 67.
16
O referido Decreto estabeleceu regras necessárias à efetivação do
tombamento em bens móveis ou imóveis, sítios naturais ou arqueológicos que
tenham valor histórico, turístico, ecológico, estético, sacral, natural, objetivando
preservá-los para as gerações futuras. Pela leitura do texto legal, se depreende que
o ato de tombar é o registro de coisas ou fatos referentes a uma especialidade, cuja
finalidade é a sua preservação, mediante a fiscalização do poder público,
submetendo-se inclusive à limitação administrativa, para edificar, alterar e
modificar.44

O Decreto 25/37 admitia como bem integrante do patrimônio histórico e


artístico apenas bens inscritos num dos quatro livros do Tombo, que criava. Com
este dispositivo, o ato de tombar era criador, constitutivo do bem cultural, no velho
decreto. Este dispositivo foi mudado pela Constituição de 1988, que não exige o ato
do tombamento para reconhecer um bem integrante do patrimônio cultural brasileiro.
Ao contrário, estabelece que o tombamento é mero instrumento de proteção, juntos
a outros, embora o mais importante. Dito de outra forma, depois da Constituição de
1988 não é mais necessário que um bem seja tombado para ser preservado,
embora sejam fortes as conseqüências do tombamento.45

Em verdade, o tombamento pode ser determinado: por lei, seja Federal,


Estadual ou Municipal, forma que nos parece mais eficaz, pois apresenta maior
garantia de ser efetivado o registro, dada a desnecessidade de submeter o bem
tombado ao processo definido no Decreto 25/37, isto porque o texto legislativo
conterá todas as condições técnicas de aferir sua importância cultural, determinando
de logo sua inscrição no livro do Tombo próprio, podendo ser modificado tão-
somente por ato legislativo; por ato do Poder Executivo – regido pela Lei 6.292/75,
submetido a uma série de estudos, a pareceres de Conselhos Consultivo, e,
portanto, muito mais flexível e questionável a sua eficácia.46

A Lei 6.292/75, que exigiu para o tombamento a homologação ministerial, na


prática exige que todos os tombamentos vão ao Conselho e, após sua apreciação,
subam ao Ministro para homologação. Sendo assim, para a esfera federal o
Conselho será ouvido em todos os casos de tombamento. É claro que legislações

44
GRAÇA, Cristina Seixas; TEIXEIRA, Marcia Regina Ribeiro. Op. cit.; p. 41.
45
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Op. cit. p. 67-68.
46
GRAÇA, Cristina Seixas; TEIXEIRA, Marcia Regina Ribeiro. Op. cit.; p. 42.
17
estaduais e municipais não precisam utilizar este modelo, podem alterá-lo inclusive o
procedimento. O que é fundamental para a legalidade do processo é a abertura do
contraditório que, mesmo nos processos administrativos, é garantia constitucional.47

O art. 5º do Decreto 25/37 se refere ao tombamento dos bens pertencentes à


União, aos Estados e aos Municípios, sendo este feito de ofício. Já os bens
pertencentes à pessoa natural ou à pessoa jurídica de direito privado, se fará
voluntária ou compulsoriamente, nos termos dos arts. 6º a 9º da legislação supra.

Quanto aos efeitos do tombamento nos bens pertencentes à União, aos


Estados ou aos Municípios, o art. 11 prescreve que só poderão ser transferidos de
uma à outra das referidas entidades. Enquanto que o art. 12 preceitua que a
alienabilidade dos bens de propriedade de pessoas naturais ou jurídicas de direito
privado, no caso de transferência de propriedade deverá o adquirente, dentro do
prazo de trinta dias, fazê-la constar do registro, ainda que se trate de
transmissão judicial ou causa mortis. Quando a hipótese for de deslocação dos
bens, o § 2º do referido artigo menciona que deverá o proprietário, dentro do mesmo
prazo inscrevê-los no registro do lugar para que tiverem sido deslocados.

Importante ressaltar o art. 17 do Decreto 25/37, o qual prevê, in verbis:

Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas,
demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou
restauradas, sob pena de multa de cinqüenta por cento do dano causado.

Além disso, o art. 18 impõe restrições às construções vizinhas que:

Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e


Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer
construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar
anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o
objeto, impondo-se neste caso a multa de cinqüenta por cento do valor do
mesmo objeto.

Não dispondo o proprietário do bem tombado, recursos para proceder às


obras de conservação e reparação que o mesmo requerer, este deverá levar ao
conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade

47
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Op. cit.; p 94.
18
das mencionadas obras, nos termos do art. 19 e parágrafos, para que se provenha
as obras necessárias a expensas da União ou providenciará para que seja feita a
desapropriação da coisa. Havendo desídia do poder público, o § 2º do artigo supra
mencionado garante ao proprietário requerer que seja cancelado o tombamento do
bem.

O art. 20 do Decreto 25/37 menciona o instituto da vigilância, sendo dever


estatal ser vigilante pela conservação do bem tombado, tendo o direito de
inspecioná-lo sempre que achar conveniente. O inventário, o tombamento, o
registro, a desapropriação, outras formas, como declaração de interesse, inscrição,
etc., são encontráveis na literatura e legislações nacionais e estrangeiras, mas
vigilância parece ser apenas a obrigação de estar atento, não corporificando um
instituto jurídico, salvo se o entendermos como o poder de polícia da Administração
em fiscalizar a adequação do exercício do direito de propriedade em relação aos
ditames de proteção.48

O referido Decreto também garante ao poder público no art. 22, o direito de


preferência em face da alienação onerosa de bens tombados, pertencentes a
pessoas naturais ou a pessoas jurídicas de direito privado, tornando nula a
alienação realizada com violação a este dispositivo.

Tão importante quanto o tombamento, temos o instituto do inventário.


Reconhecido pela Constituição, o inventário é uma forma de proteção que carece de
lei reguladora. Independente da lei os órgãos públicos responsáveis pela
preservação dos valores culturais podem e devem promover o inventário dos bens,
para ter uma fonte de conhecimento das referências de identidade de que fala a
Constituição em vigor.49

Uma lei que regulamente o inventário não necessita estabelecer o seu


procedimento mas, os seus efeitos. É necessário estabelecer que conseqüências
advirão para o bem incluído em inventário. A rigor, já existem inventários de bens
culturais.50

48
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Op. cit.; p. 64-65.
49
Idem.; p. 104.
50
Ibidem.; p. 104.
19
É evidente que a própria existência do inventário tem, como conseqüência, a
preocupação sobre o bem e o reconhecimento de que ele é relevante. Desta forma,
o inventário pode servir de prova nos processos de ação civil pública. Sua realização
criteriosa estabelece a relação dos bens culturais portadores de referência de
identidade, cujo efeito jurídico é, no mínimo, prova da necessidade de sua
preservação, em juízo ou fora dele.51

Cabe ressaltar, entretanto, que diante da amplitude que a expressão


patrimônio cultural engloba, tanto de bens e direitos de caráter não econômicos, a
dificuldade em alcançar um valor pecuniário em face de sua importância histórica e
intelectual é flagrante, alcançando muitas vezes valores economicamente
52
inestimáveis.

Temos que o princípio do poluidor pagador inserido no Direito Ambiental, não


exige inicialmente a reparação econômica do dano, mas sim, a sua restauração ao
status quo ante. E havendo dano ao patrimônio cultural, torna-se difícil a apuração
do equivalente em pecúnia.53

De igual modo as ações coletivas, como a Ação Popular, o Mandado de


Segurança Coletivo e a Ação Civil Pública são instrumentos processuais adequados
também para que seja requerido o tombamento de um bem cultural, promovendo
dessa maneira a proteção integral ao patrimônio ambiental globalizado em face do
respeito à coisa julgada erga omnes.54

O direito ambiental evoluiu para compilar a proteção penal do patrimônio


cultural em uma legislação especial, estando hoje inserida na Lei 9.605/95, nos arts.
62 a 65 que revogou os arts. 165 e 166 do Código Penal.55

Justamente em proveito da essência das pessoas humanas abarcadas por


nossa Constituição Federal e visando a sua dignidade concreta que se garantiu a
tutela jurisdicional judicial em decorrência de qualquer ameaça ou mesmo lesão ao
meio ambiente cultural brasileiro.56

51
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Op. cit.; p. 104.
52
GRAÇA, Cristina Seixas; TEIXEIRA, Marcia Regina Ribeiro. Op. cit. p. 43.
53
GRAÇA; TEIXEIRA. Op. cit. p. 43.
54
Ibidem.; p. 42.
55
Ibidem.; p 43.
56
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Princípios do Direito Processual Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009. Página 62.
20
5. ESTUDO DE CASO EM CIDADES TURÍSTICAS DA SERRA GAÚCHA

A presente pesquisa trará ainda a análise de casos específicos de


preservação e/ou necessidade de preservar o patrimônio histórico e cultural nas
cidades turísticas da serra gaúcha, tratando especificadamente das cidades de
Gramado e Bento Gonçalves. Nestas cidades, o turismo e o hiperconsumo são
responsáveis por gerir a grande parte da sua economia, uma vez que os turistas, na
busca pela “felicidade”, procuram nestas cidades saciar seus diversos desejos
pessoais, psicológicos... que lhes proporcionarão a priori sensação de conquista,
status, felicidade e prazer, fazendo com que retornem a estas cidades, sempre que
sentirem necessidade de renovar essas sensações de bem-estar.

O turismo pode ser considerado hoje como um dos ramos que mais cresceu
nos últimos anos em todo o mundo, em razão de ser uma fonte de geração de
empregos (diretos e indiretos), de crescimento econômico, de flexibilidade, de
expansão e de vultuosos lucros.

O pesquisador Jacques Wainberg57 afirma que “o turismo é hoje a maior


indústria existente” porque segundo os dados da OIT, nos últimos anos, a renda
auferida por essa atividade superou a do petróleo, a das montadoras de veículos, o
dos equipamentos de telecomunicações, têxteis e de todos os demais serviços.

Para a autora Rita de Cássia Ariza de Cruz58 entre os tipos de


empreendimentos existentes, o turismo se destaca como algo peculiar porque nele
“o consumidor-turista tem que se deslocar até o produto a ser consumido, o ‘lugar
turístico’ que sofre transformações para poder atender a essa atividade”.

É nesse contexto que surgem as cidades turísticas, pólo atrativo de


consumidores que buscam comodidades, lazer, momentos de prazeres imediatos,
sensações de bem-estar, enfim tudo aquilo que saia da rotina diária e que os
distanciem de suas vidas cotidianas.

As cidades turísticas giram sua economia no turismo, necessitando ofertar ao


seu público alvo – turistas/consumidores - inúmeros atrativos, dentre os quais se

57
WAINBERG, Jacques. O movimento turístico. Olhadelas e suspiros em busca da singularidade alheia. In: GASTAL, S.
e outros (orgs). Turismo na pós- modernidade (dês) inquietações. Coleção Comunicação. N. 25. Porto Alegre: EDIPUCRS,
2003, p. 11.
58
CRUZ, Rita de Cássia Ariza de. Turismo, território e o mito do desenvolvimento. Vol. 3. N. 1. jan-jun 2000, p. 21.
21
destacam as diversas ofertas de consumo, como por exemplo, bons restaurantes,
hotéis, lojas de vestuário, artesanato, chocolate, vinhos, pontos turísticos, eventos,
entre outros.

É evidente que há uma estreita ligação entre o patrimônio cultural e o turismo.


É tão importante para atrair turistas a existência de exuberante patrimônio cultural
quanto a exuberância natural. Desta forma, as cidades ou regiões bem dotadas de
bens culturais são, via de regra, pontos turísticos. Neste entendimento, a Lei
6.513/77, que dispõe sobre a criação de áreas especiais e de locais de interesse
turístico, considera de interesse turístico os bens de valor histórico, artístico,
arqueológico ou pré-histórico e as manifestações culturais e etnológicas e os locais
onde ocorram. Esta lei foi regulamentada pelo Decreto 86.173/81.59

Nem sempre a declaração de interesse turístico, porém, é fator positivo para


os bens culturais e para a cultura de um povo. O fato de esta declaração facilitar o
aporte financeiro para conservação, manutenção e eventual restauração de bens
pode não compensar a perda cultural propriamente dita, com a deturpação de
manifestações, transformação dos ritos em espetáculos, alterações de uso e
desgaste causado pela visitação e curiosidade dos turistas.60

Quanto às cidades turísticas da Serra Gaúcha analisadas na pesquisa


(Gramado e Bento Gonçalves), destaca-se que ambas possuem um forte aspecto
histórico e cultural em razão de sua colonização típica italiana e alemã, bem como
por fazerem parte de uma das rotas mais visitadas pelos turistas nacionalmente.

A cidade de Gramado (RS) é conhecida como uma das cidades que tem a
melhor estrutura turística do Rio Grande do Sul e é, hoje, um dos principais destinos
turísticos do Estado e do Brasil, estando entre as quatro cidades mais visitadas no
Brasil. O município que tem em torno de 32 mil habitantes, conforme dados da
Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul61 atrai anualmente cerca
de 2,5 milhões de turistas, conforme registros da Associação e Cultura de Turismo
de Gramado62, especialmente durante os meses de julho, agosto, novembro e

59
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Op. cit.; p. 73.
60
SOUZA FILHO. Op. cit.; p. 73.
61
Fundação de Economia e Estatística do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em
http://www.fee.tche.br/sitefee/pt/content/resumo/pg_municipios.php. Acesso em: 07 de agosto, 2009.
62
Associação de Cultura e Turismo de Gramado. Disponível em http://www.culturaeturismo.com.br/noticias/noticias.php.
Acesso em: 07 de agosto, 2009.
22
dezembro, épocas em que, além do frio intenso do inverno ou do verão ameno com
lindas hortênsias floridas, ocorrem os dois eventos mais conhecidos da cidade:
Festival de Cinema e Natal Luz. Outros conhecidos atrativos desta cidade são a
comodidade oferecida pelos hotéis e pousadas, a gastronomia sofisticada, o clima
frio, a vegetação, a arquitetura padronizada e moderna, os eventos culturais,
artísticos e gastronômicos, que a tornam um referencial turístico e cultural.

Já a cidade de Bento Gonçalves (RS), situada entre vales e montanhas da


serra gaúcha, a 125 km de Porto Alegre (RS), com cerca de 102 mil habitantes,
conforme dados da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul63
cada vez mais se aprimora em oferecer aos milhares de turistas que a visitam
durante todo o ano o que existe de melhor na região, guardando em suas raízes as
tradições e costumes legados pelos seus imigrantes italianos. A cidade oferece a
seus visitantes cantinas de vinhos rudimentares, adegas de vinhos familiares e
vinícolas de grande porte, além da arquitetura centenária, vegetação de plátanos,
araucárias, belos parreirais, belezas naturais, gastronomia, música e dança de seus
descendentes64.

Deste modo percebe-se que as cidades turísticas, em especial as da serra


gaúcha, são locais estimuladores do hiperconsumo, uma vez que estruturadas com
este propósito, sempre visam satisfazer todos os anseios do seu visitante –
consumidor em potencial – proporcionando-lhe momentos de prazer e vendendo-lhe
a sensação de “felicidade”.

Assim, tanto a cidade de Gramado (RS) como a de Bento Gonçalves (RS),


investem em políticas que fazem com que o turista se sinta bem, consiga desfrutar
de momentos de prazeres imediatos, com bons passeios turísticos, de lindas
paisagens, excelente gastronomia, rede hoteleira de alto padrão e inúmeras opções
de comércio. Todos estes itens acumulados fazem com que seja estimulado o
hiperconsumo nestas cidades, e não só de bens materiais, como também
psicológicos, comportamentais e subjetivos.

63
Fundação de Economia e Estatística do Estado do Rio Grande do Sul. Op. cit.; Disponível em
http://www.fee.tche.br/sitefee/pt/content/resumo/pg_municipios.php.
64
Revista Turismo. Disponível em http://www.revistaturismo.com.br/passeios/bentogoncalves.htm. Acesso em: 07 de agosto,
2009.
23
Todavia, o que se questiona é, estas cidades, na medida em que
proporcionam ao turista tudo aquilo que o mercado de consumo moderno exige,
conseguem também preservar seu patrimônio histórico e cultural, inclusive
aproveitando-o como fonte de turismo?

E, é neste ponto que merece destaque a pesquisa nestas cidades turísticas,


integrantes da serra gaúcha, as quais são conhecidas por sua típica imigração
italiana e alemã em Gramado e imigração italiana em Bento Gonçalves, ambas
registradas em suas arquiteturas, gastronomia, costumes...

Especificadamente quanto à cidade de Gramado (RS), o que vêm se


percebendo nos últimos anos, é que sua arquitetura típica italiana e alemã, com
seus conhecidos chalés de madeiras, estão dando lugar a prédios modernos,
amplamente disputados pela especulação imobiliária. Como exemplo disso,
encontramos a atual Avenida Borges de Medeiros, recentemente reestruturada e
modernizada (inauguração em 2008), a qual pouco vislumbra a existência das
moradias dos antigos colonizadores (chalés), tendo a maioria destas sido
substituídas por prédios de alvenaria, com inúmeras lojas comerciais e
apartamentos bem localizados.

Atualmente, uma das únicas moradias centenárias que restam intactas no


município de Gramado, na principal avenida da cidade (Borges de Medeiros), trata-
se da antiga moradia do Major José Nicoletti, um dos primeiros políticos a se
estabelecer na localidade, quando Gramado ainda era Distrito de Taquara. A
residência que se encontrava há muito tempo fechada, foi recentemente, em outubro
do corrente ano (2009), adquirida pelo Município para o fim específico de ali instalar
um museu na cidade. Os descendentes receberam em troca pela transferência do
imóvel, uma outorga do direito de construir em valor equivalente a avaliação do
imóvel, permitindo assim que eles transfiram para outro imóvel, seu ou de terceiros,
os índices construtivos que seriam permitidos no terreno transferido ao município65.

Assim, ao mesmo tempo em que Gramado oferece aos seus visitantes, uma
requintada rede hoteleira, excelente rede gastronômica, diversos pontos turísticos,
comércio exaustivo e inúmeros eventos focados ao turismo, vêm oferecendo
também uma moderníssima arquitetura, deixando no esquecimento a preservação
65
Jornal de Gramado. Disponível em www.jornaldegramado.com.br. Acesso em 30 de novembro, 2009.
24
da arquitetura de suas imigrações italianas e alemãs, que retratavam a história de
sua comunidade, ao passo que são raríssimas as casas, chalés que ainda restam
integralmente preservadas na área urbana do município, especialmente na área
central, pois as poucas que restam, encontram-se totalmente reformadas,
mantendo-se quando muito a fachada e ainda com um toque de “arquitetura
moderna”.

Muito embora esteja previsto nos Princípios e Diretrizes do Plano Diretor da


cidade de Gramado, especificadamente no art. 10, inciso VI66 e art. 12, inciso II67, a
“preservação e recuperação do patrimônio natural, cultural, material e imaterial como
elementos fundamentais da identidade histórica e cultural do município”, conforme
muito bem destacou o professor Adir Ubaldo Rech, em sua obra A exclusão social e
o caos nas cidades68, o que se constata na realidade é que apenas no interior de
Gramado é que ainda é possível ter acesso às arquiteturas típicas italianas e
alemãs, o que é proporcionado aos visitantes, através de passeios turísticos pelo
interior do município, a exemplo, o passeio nas comunidades de Linha Bonita, Linha
Nova, Furna, Marcondes, Serra Grande, entre outras comunidades rurais.

Já no que diz respeito à cidade de Bento Gonçalves, outra cidade turística da


serra gaúcha, percebe-se que esta mantém mais presente a imigração típica italiana
em sua arquitetura local, uma vez que as utilizam para pontos turísticos da cidade,
retratando a história de sua comunidade.

A cidade de Bento Gonçalves também tem previsto em seu Plano Diretor, no


art. 11, inciso II69, como diretriz social a preservação de seu patrimônio histórico e
cultural70.

66
Art. 10. São Princípios a serem observados na aplicação das normas do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI)
do município de Gramado:
[...]
VI – a preservação do patrimônio natural e criado.
67
Art. 12. São diretrizes gerais do município de Gramado:
[...]
II – preservar, utilizar, promover e recuperar o patrimônio natural, cultural, material e imaterial, como elementos fundamentais
da identidade histórica e cultural do município e instrumentos de cumprimento da diretriz fundamental.
68
RECH. Adir Ubaldo. A exclusão social e o caos nas cidades. Caxias do Sul: Educs, 2007, p. 192/193.
69
Art. 11. São diretrizes gerais sociais do município de Bento Gonçalves:
[...]
II – Preservar o patrimônio histórico e cultural, bem como delimitar e conservar espaços que constituíram a história do
município em momentos marcantes do desenvolvimento na zona urbana e rural.
70
RECH. Adir Ubaldo. Op. cit.; p. 195.
25
Como exemplos desta preservação na cidade de Bento Gonçalves podemos
citar a manutenção e conservação do trem a vapor na cidade, com realização de
passeio turístico entre Bento Gonçalves, Garibaldi e Carlos Barbosa; as vinícolas
com arquiteturas italianas antigas localizadas no Vale dos Vinhedos; as inúmeras
casas com arquiteturas típicas italianas construídas há mais de cem anos
encontradas no Caminho das Pedras, dentre as quais se destacam a Casa de Pedra
da Família Bertarello Ferrari, o Artesanato dos Ferri, a Casa Vanni e a Cantina
Colonial Strapazzon, entre outras. Inclusive no tocante a essas casas antigas
encontradas no Caminho das Pedras, destaca-se a tramitação junto a Assembléia
Legislativa do Estado do RS do Projeto de Lei nº. 40/2009, do Deputado Jerônimo
Georgen, que postula seja declarado como integrante do patrimônio histórico e
cultural do Estado do Rio Grande do Sul o roteiro Caminhos de Pedra localizado nas
Linhas Palmeiro e Pedro Salgado, entre os municípios de Farroupilha e Bento
Gonçalves71.

Importante frisar ainda, que em 1997 foram inventariados na sede e interior


do município de Bento Gonçalves cerca de 400 imóveis passíveis de tombamento.
Mas, apesar disso apenas oito são tombados atualmente, sendo que o patrimônio
arquitetônico histórico do município está resumido aos imóveis do Santuário Santo
Antônio, do Museu do Imigrante, da Igreja Metodista, da Prefeitura, da Secretaria
Municipal da Fazenda, das três casas da estação férrea, do prédio onde funciona o
Banco Santander e da casa que sedia o Cartório Garcez72.

É imprescindível que as cidades turísticas da Serra Gaúcha mantenham a


preservação de seu patrimônio histórico e cultural, já que refletem a história dessas
comunidades típicas italianas e alemãs, em sua grande parte. Elas podem ainda
aproveitar referidos patrimônios como fonte para o turismo, sem ter, assim, a
necessidade de excluí-los em razão de apresentar uma moderna arquitetura ao
mercado de consumo.

A fim de demonstrar a importância de certos bens históricos, o autor


Marques73, cita um caso ocorrido na comarca de Sertãozinho no ano de 1995, em
que o juiz Álvaro Luiz Valery Mirra em ação civil pública, declarou o valor cultural de

71
Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em www.al.rs.gov.br. Acesso em: 07 de agosto, 2009.
72
Jornal Integração da Serra. Disponível em www.integracaodaserra.com.br. Acesso em: 07 de agosto, 2009.
73
MARQUES, José Roberto. Op. cit.; p. 46.
26
um imóvel, na qualidade de bem de relevante interesse histórico, proibindo seus
proprietários de realizarem “alterações, reformas ou demolição, que
descaracterizassem o referido imóvel”.

Desta forma, pelas análises acima postas, o meio ambiente cultural pode
estar representado por uma edificação isolada ou pelo conjunto de edificações de
uma cidade que reflita as origens, a formação ou os costumes de um povo, devendo,
portanto, ser preservado independentemente de ter ou não foco para o turismo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A preocupação com a preservação e manutenção do patrimônio cultural,


visando resgatar a história e afirmar a identidade de um povo, merece ser objeto de
efetivas políticas públicas, capazes de conscientizar a população e poderes públicos
da verdadeira importância de manter viva a história de gerações passadas para
conhecimento das presentes e futuras. O patrimônio cultural é elemento fundamental
da civilização e da cultura dos povos, não podendo correr o risco de desaparecer,
sob pena de submergir com ele a própria sociedade.

Nosso ordenamento jurídico está bem amparado por legislações de força


constitucional e infraconstitucional, que visam à preservação e fiscalização do
patrimônio cultural, estando contemplado na Constituição Federal de 1988, na
Constituição Estadual do RS, na Lei de Crimes Ambientais, em Decretos que
regulamentam questões ligadas ao direito internacional e no Estatuto da Cidade, que
prevê em suas diretrizes gerais a obrigatoriedade de sua preservação a nível
local/municipal, como um dos instrumentos à garantia de cidades sustentáveis.

A proteção do Patrimônio Cultural também encontra apoio nos Conselhos de


Políticas Culturais que tem o condão de formular políticas públicas capazes de
promover a articulação e o debate dos diferentes níveis de governo (federal,
estadual e municipal) e a sociedade civil organizada, para o desenvolvimento e o
fomento das atividades culturais no território nacional. Da mesma forma temos o
27
IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e os institutos jurídicos
do Tombamento e Inventário de Bens, através dos quais é possível a identificação
legal de bens que merecem fazer parte do patrimônio histórico e cultural e
consequentemente sua preservação para as gerações presentes e futuras.

E, no intuito de trazer um pouco de prática à pesquisa, realizou-se um estudo


de caso de preservação e/ou necessidade de preservar o patrimônio histórico e
cultural, em duas cidades turísticas da serra gaúcha: Gramado e Bento Gonçalves,
nas quais foi possível identificar que ambas tem como ponto central de sua
economia o turismo, que consequentemente, desencadeia um mercado de
hiperconsumo. Nas cidades turísticas em geral, se busca demonstrar aos turistas
e/ou potenciais consumidores, uma imagem de “felicidade” que será encontrada nos
inúmeros passeios turísticos, visitas ao comércio, restaurantes, hotéis, entre outros,
todos eles, adequados a mais alta modernidade, visando sempre “impressionar” o
visitante. De fato, com isso, as cidades turísticas atingem seu fim, pois realmente os
turistas saem impressionados com a beleza das mesmas, com as construções
modernas, com os eventos que são verdadeiros espetáculos, com a culinária
ofertada, entre outros atrativos oferecidos, o que de fato nada tem-se a opor, pois
visível o progresso, o que é extremamente necessário para toda e qualquer cidade,
quiçá cidade que gira sua economia no turismo.

Todavia, por outro lado, a grande parte destas cidades na busca incessante
de “modernizar-se” para o turismo, esquece quase que totalmente de preservar o
meio ambiente histórico e cultural nesses centros ou regiões, o que é uma lástima.

Perceber essa conseqüência significa preocupar-se em adotar políticas


setoriais de turismo integradas às de planejamento urbano, turístico e patrimonial,
que atendam aos interesses das comunidades locais e não exclusivamente dos
turistas, a fim de que prevaleça o interesse coletivo e o bem-estar social, resgatando
o espaço vivido do cidadão, articulando políticas de preservação do patrimônio
histórico e cultural da cidade, uma vez que este constitui-se como uma forte
referência da memória histórica daquela comunidade, podendo estabelecer fortes
relações materiais e vínculos afetivos.

28
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em


www.al.rs.gov.br. Acesso em: 07 ago. 09.

Associação de Cultura e Turismo de Gramado. Disponível em


http://www.culturaeturismo.com.br/noticias/noticias.php. Acesso em: 07 ago. 09.

BERNDT, Angelita; BASTOS, Rossano Lopes. IPHAN e suas mudanças desde


sua criação. Anais do VIII Congresso Ouro Preto. Minas Gerais, Brasil 3 a 8 de
novembro de 1996. Disponível em:
http://www.abracor.com.br/novosite/congresso/Anais%20do%20VIII%20Congresso.p
df#page=18. Acesso em: 22 mar. 10.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm. Acesso
em: 11 dez. 09.

BRASIL. Decreto-Lei nº 25/37. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-
Lei/Del0025.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del0025.htm. Acesso
em: 11 dez. 09.

Conselho Estadual de Cultura. Disponível em:


http://www.conselhodeculturars.com.br/. Acesso em: 11 dez. 09.

Conselho Nacional de Política Cultural. Disponível em:


http://www.cultura.gov.br/cnpc/. Acesso em: 11 dez. 09.

CRUZ, Rita de Cássia Ariza de. Turismo, território e o mito do desenvolvimento.


Vol. 3. N. 1. jan-jun 2000.

29
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental. São Paulo:
Saraiva, 2009.
_____. Princípios do Direito Processual Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009.
_____. Estatuto da Cidade Comentado. Lei 10.257/2001 – Lei do Meio Ambiente
Artificial. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

Fundação de Economia e Estatística do Estado do Rio Grande do Sul.


Disponível em http://www.fee.tche.br/sitefee/pt/content/resumo/pg_municipios.php.
Acesso em: 07 ago. 09.

GRAÇA, Cristina Seixas; TEIXEIRA, Marcia Regina Ribeiro. Meio ambiente e


patrimônio cultural nacional. In: FREITAS, Vladimir Passos de (Org.). Direito
ambiental em evolução, nº 2. Curitiba: Juruá Editora, 2004. P. 34 à 48.

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Disponível em:


http://portal.iphan.gov.br. Acesso em: 11 dez. 09.

Jornal Integração da Serra. Disponível em www.integracaodaserra.com.br. Acesso


em: 07 ago. 09.

KASHIMOTO; Emília Mariko; MARINHO, Marcelo; Russeff, Ivan. Cultura,


Identidade e Desenvolvimento Local: conceitos e perspectivas para regiões em
desenvolvimento. Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 4, p.
35-42, Mar. 2002. Disponível em:
http://www3.ucdb.br/mestrados/RevistaInteracoes/n4_marcelo.pdf. Acesso em: 21
nov. 09. Página 41.

MARQUES, José Roberto. Meio Ambiente Urbano. Rio de Janeiro: Forense


Universitário, 2005.

MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 2004.
_____. Temas atuais de Direito Urbanístico e Ambiental. 1ª ed. Belo Horizonte:
Ed. Fórum, 2007.
30
RECH. Adir Ubaldo. A exclusão social e o caos nas cidades. Caxias do Sul:
Educs, 2007.

Revista Turismo. Disponível em


http://www.revistaturismo.com.br/passeios/bentogoncalves.htm. Acesso em: 07 ago.
09.

RIO GRANDE DO SUL. Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível


em: http://www.al.rs.gov.br/prop/Legislacao/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso
em: 11 dez. 09.

SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes; KRETZMANN, Carolina Giordani.


Antropologia, multiculturalismo e Direito: o reconhecimento da identidade das
comunidades tradicionais no Brasil. In: COLAÇO, Thais Luzia (org). Elementos da
Antropologia Jurídica. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 93 à 124. Página
95.

SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Ambiental. São Paulo: Malheiros,
1994.

SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens culturais e sua proteção
jurídica. 3ª edição. Curitiba: Juruá, 2005.

TEIXEIRA, Paulo Roberto; DALL’AGNOL, Sandra. A globalização como elemento de


influência na flexibilização e fragmentação da identidade cultural. In: NORA, Paula;
PUGEN, Bianca. Diálogos. Caxias do Sul: Lorigraf, 2008.

WAINBERG, Jacques. O movimento turístico. Olhadelas e suspiros em busca da


singularidade alheia. In: GASTAL, S. e outros (orgs). Turismo na pós-
modernidade (dês) inquietações. Coleção Comunicação. N. 25. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2003.

31

S-ar putea să vă placă și