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UNIESP-UNICAPITAL – CURSO DE PSICOLOGIA

CONCEITOS CENTRAIS DA OBRA REICHIANA


(MATERIAL DIDÁTICO DA DISCIPLINA “ABORDAGEM EM PSICOLOGIA REICHIANA”)

AILTON BEDANI

ÍNDICE
1. WILHELM REICH: ASPECTOS BIOGRÁFICOS
2. REICH: TEORIA DA VIDA E TEORIA DO CONHECIMENTO
3. POLÍTICA E SEXUALIDADE NA TRAJETÓRIA DE REICH: VIENA (1927–1930)
4. POLÍTICA E SEXUALIDADE NA TRAJETÓRIA DE REICH: BERLIM (1930-1933)
5. AS PESQUISAS ENERGÉTICAS REICHIANAS
6. COURAÇA CARACTERIAL E COURAÇA SOMÁTICA

1
1. WILHELM REICH: ASPECTOS BIOGRÁFICOS
Ailton Bedani

“Dediquei-me ao campo da psiquiatria como cientista natural. Esse interesse


foi ditado, em primeiro lugar, pela questão da energia. Já era assim em 1919”
(W. Reich, 26/08/1950).

Wilhelm Reich nasceu em 24 de março de 1897 em Dobrzynica, um povoado da


Galícia que pertencia ao então Império Austro-Húngaro (o povoado está situado, na atual
configuração geopolítica, entre o sudeste da Polônia e o oeste da Ucrânia). Logo após seu
nascimento a família se mudou para uma ampla fazenda em Jujinetz, na região da
Bukovina, outra província sob domínio austro-húngaro (a Bukovina faz parte, agora, da
Ucrânia). Três anos depois nasceu seu irmão, Robert.
Seu pai, Leon, agrônomo por formação, era judeu assimilado e tinha grande
apreço pela cultura alemã. Proibiu Wilhelm e Robert de falarem em iídiche, fez questão de
se comunicar em alemão com a família e não procurou introduzir os filhos na religião
judaica.
Em um diário que escreveu dos 22 aos 25 anos de idade ― intitulado, pelos
editores de sua obra, de “Passion of youth” (Paixão da juventude) ― , Reich caracterizou
o pai como um indivíduo bem humorado, amável e inteligente que, contudo, podia
facilmente se comportar de forma autoritária, explosiva e exigente; ele também teria sido
um livre pensador e “uma pessoa moderna”. De sua mãe, Cecilie, guardou a lembrança de
uma criatura doce, bondosa, modesta e bela; além de se sentir profundamente apegado a
ela, acreditava ser seu filho preferido (REICH, 1988).
Apesar das atitudes violentas do pai, Reich comenta que, entre seus 5 e 10 anos de
idade, o ambiente familiar era aprazível, excetuando-se incidentes corriqueiros. Além
disso, o casal Reich alcançara reconhecimento social: o marido era estimado em certos
círculos na cidade e a doçura da esposa tocava a todos.
Dos 6 aos 10 anos de idade, Reich recebeu, em sua própria casa, aulas particulares
que equivaliam à educação escolar; nessa fase ele apenas comparecia à escola para se
submeter aos exames regulares. Quando finalizou a educação elementar, aos 10 anos,
começou a se preparar para o exame de admissão do Gymnasium. Três preceptores, um
após o outro, foram contratados com o objetivo de habilitá-lo para as provas e instruí-lo
em todas as disciplinas exigidas em um ginásio de orientação germânica. Assim, entre
1907 e 1915, dos seus 10 aos 18 anos, frequentou uma escola alemã em Czernowitz, a
capital da Bukovina. Nas férias escolares, retornava a Jujinetz para ajudar o pai nas
atividades da fazenda.
Reich mostrou-se atraído, desde a infância, por biologia e ciências naturais. Em um
texto autobiográfico que redigiu aos 55 anos de idade, ele mencionou que a vida na
fazenda permitiu-lhe, dos 8 aos 12 anos de idade, colecionar borboletas, insetos e plantas
em um laboratório caseiro. Tais atividades podem ter determinado, como suspeitou o
próprio autor, seu futuro interesse por Ciências Naturais (ORGONE INSTITUTE PRESS,
1953).

2
Cecilie e um dos preceptores contratados tiveram um caso amoroso. Leon
descobriu o affaire e, alternando crises de violência e tentativas de reconciliação, tornou
extremamente difícil a existência da esposa, que acabou se suicidando em 1910. Leon
morreu quatro anos depois.
Logo após a morte do pai, Reich, entre 1915 e 1918, combateu na Primeira Guerra
Mundial. Em 1916, quando seu regimento parou em um vilarejo, ele teve um intenso
envolvimento amoroso com uma moça, envolvimento esse que marcou sua vida e obra.
Em 1952, trinta e seis anos após ter sentido, em plena guerra, o “verdadeiro significado do
amor” (REICH, 1990f, p. 88), ele resolveu escrever sobre o episódio (esse relato
autobiográfico apenas veio a público, porém, após a morte do autor). Contando então
com 55 anos de idade, decidiu que havia chegado o momento de registrar no papel as
intensas sensações vivenciadas naquele affaire, explicando, contudo, que designações
como “doce” e “flutuando no espaço” apenas traduziam aproximadamente o rápido
caso amoroso. Falando de si mesmo na terceira pessoa, relatou que “Ele não era apenas
um homem unido a uma mulher. Ele estava perdido na experiência. Não havia qualquer
linha divisória entre ele e a moça. Não havia a menor distinção experiencial entre os dois
organismos. Eram um organismo, como que unidos ou fundidos um ao outro. Nessa
unidade tudo fluía ou flutuava”. De acordo com Reich, todas as suas principais
descobertas científicas tiveram como base aquela experiência amorosa.
Retornando da guerra, Reich ingressou, em 1918, no curso de Medicina da
Universidade de Viena, graduando-se quatro anos depois. Na época em que frequentava
a universidade conheceu pessoalmente Sigmund Freud (1856-1939) e se encantou com a
teoria psicanalítica. Foi admitido na Sociedade Psicanalítica de Viena em 1920 e logo
começou a trabalhar como psicanalista.
Reich casou-se com Annie Pink (1902-1971) em 1922 (ela também se tornou
psicanalista). Dois anos depois nasceu a primeira filha do casal, Eva (1924-2008), e em
1928 a segunda, Lore.
Cursou especialização em medicina interna e, no período 1922-1924, deu
continuidade à pós-graduação estudando neuropsiquiatria. Nessa época, Reich estagiou
na Clínica Universitária de Psiquiatria e Neurologia, sob a coordenação de Julius Wagner-
Jauregg (1857-1940) (célebre neurologista que recebeu, em 1927, o Prêmio Nobel de
Medicina) e trabalhou, também, com pacientes psiquiátricos crônicos, tendo sido
supervisionado, durante um ano, por Paul Schilder (1886-1940), outro neurologista que
também viria a se tornar bastante reconhecido.
De 1922 a 1928, ocupou o cargo de Primeiro Assistente Clínico no Ambulatório
Psicanalítico de Viena (a instituição oferecia atendimento psicanalítico gratuito à
população economicamente desfavorecida) e, de 1928 a 1930, a função de Vice-Diretor.
No período 1924-1930, foi Diretor do Seminário de Técnica Psicanalítica (o grupo era
composto basicamente por jovens analistas interessados em lidar com diversos
problemas técnicos que se apresentavam na prática clínica).
No período 1919-1926, Reich desenvolveu suas primeiras teorias originais.
Entre 1919 e 1923, realizou estudos sobre o ritmo bioenergético do “impulso” (Trieb)
sexual, procurando agregar, ao conhecimento psicanalítico, postulações provenientes de
outras áreas (Filosofia, Biologia, Sexologia, Fisiologia, Fenomenologia). Essas pesquisas

3
abriram caminho para que ele formulasse, de 1923 a 1926, a “teoria do orgasmo”, que se
tornou o núcleo não apenas de sua primeira produção, mas também de toda a sua obra.
Seguindo um raciocínio energeticista e amparando-se na obra freudiana, Reich
buscou compreender e identificar a fonte de energia que alimentaria continuamente as
perturbações psíquicas. Esses estudos, realizados inicialmente no período 1922-1926,
resultaram na teoria da potência orgástica.
Sempre se pautando pela experiência clínica, Reich defendeu em 1923 a tese de
que o núcleo da neurose reside em uma insatisfatória descarga genital da excitação
sexual; as tendências pré-genitais, constatou, são determinantes nas patologias
neuróticas. A recuperação da “função genital”, por sua vez, propiciaria o
desaparecimento ou uma significativa diminuição dos sintomas neuróticos, como
procurou demonstrar em um artigo publicado em 1925 (“Weitere Bemerkungen ueber die
therapeutische Bedeutung der Genitallibido” - Observações complementares sobre o
significado terapêutico da libido genital). Foi nesse trabalho que ele lançou a ideia de
“potência orgástica”, considerando-a “crucial para a resolução do problema das
perturbações neuróticas da libido”, e ousando ainda afirmar que “nenhuma análise pode
ser considerada como terminada enquanto a potência orgástica genital não estiver
assegurada” (REICH, 1925/1975a, p. 210).
Em 1925 publicou, também, seu primeiro livro (Der triebhafte Charakter - “O caráter
impulsivo”) (REICH, 1975b). Tomando como referência os critérios diagnósticos
formulados pelos grandes alienistas da época e a literatura psicanalítica, Reich atendeu,
por três anos, pacientes que apresentavam acentuado comportamento antissocial, mas
que, rigorosamente falando-se, não se “encaixavam” facilmente nas categorias
psicopatológicas bem estabelecidas. Nesses “caráteres impulsivos” ele identificou
atitudes intensamente “regressivas”, indicativas de certas fases primitivas do
desenvolvimento mental, fases essas que não eram facilmente observáveis, in loco, em
neuróticos típicos. Procedendo a uma análise comparativa entre as “típicas neuroses com
inibição de impulsos” (histeria e neurose obsessiva) e os “caráteres impulsivos”, Reich
trabalhou no sentido de ampliar a compreensão da gênese, desenvolvimento e
funcionamento do ego, pois acreditava que “a dinâmica do ego é mais difícil de ser
compreendida do que a dinâmica do desenvolvimento sexual” (REICH, 1925/1975b, p.
237). Em sua opinião, a Psicanálise precisava aprimorar seu conhecimento a respeito das
etapas de evolução do ego, como fizera inicialmente em relação aos estágios do
desenvolvimento sexual.
Após ter adquirido uma razoável experiência clínica, Reich fundamentou ainda
mais suas ideias sobre a “potência orgástica” em obra escrita em 1926 e publicada no ano
seguinte (Die Funktion des Orgasmus - “A função do orgasmo”). A potência orgástica foi
então definida “fenomenologicamente” como a “aptidão de a personalidade e os afetos
estarem completamente absorvidos pela experiência genital, apesar de eventuais
conflitos pessoais” (REICH, 1927/1980b, p.15). Em sua autobiografia científica de 1942 —
“The function of the orgasm” — ele relembrou que um importante aspecto da potência
orgástica dizia respeito à possibilidade de o indivíduo, na experiência sexual, “entregar-se
ao fluxo da energia biológica sem quaisquer inibições.” (REICH, 1942/1989, p. 102).

4
Nos quatorze anos (1920-1934) em que participou do movimento psicanalítico,
Reich procurou extrair não apenas consequências teórico-clínicas e pedagógicas, mas
também implicações políticas da teoria freudiana da libido.
Prova disso foram os projetos de “sexologia política” — conhecidos como Sexpol
— que ele desenvolveu no período 1927-1934. Associando-se aos movimentos políticos de
esquerda (inicialmente em Viena e depois em Berlim), ele empreendeu, junto à população
proletária, um inovador “trabalho social” de esclarecimento sobre questões relativas à
sexualidade, engajando-se simultaneamente nas lutas pela liberalização do divórcio e do
aborto, não criminalização da homossexualidade e implantação de programas de
controle de natalidade. Nessa época ele se dedicou, também, a uma vanguardística
reflexão teórico-epistemológica, estabelecendo conexões entre as obras de Marx e Freud
e investigando a aplicabilidade da dialética materialista ao campo psíquico. Em sua
autobiografia política — People in trouble —, Reich relembrou que o movimento Sexpol,
com seus grupos comunitários de discussão sobre sexualidade e política, ganhou grande
proporção e alcançou milhares de pessoas (REICH, 1976b).
Dando-se conta que seu trabalho começara a se diferenciar fortemente da
Psicanálise, Reich fundou em 1928 a Economia Sexual, área de pesquisa que tinha como
objeto de estudo a modelação político-social das forças libidinais. Nessa época começou,
também, a estruturar uma nova abordagem clínica, a Análise do Caráter, como resposta
às limitações que afligiam a prática psicanalítica (limitações essas amplamente discutidas
no Seminário de Técnica que estava sob sua coordenação) e como rota terapêutica de
acesso à potência orgástica (fenômeno que ele vinha adotando, há certo tempo, como
referencial de cura no processo terapêutico).
Em 1930 mudou-se com a família para Berlim, em busca de um ambiente mais
propício para desenvolver suas proposições teórico-clínicas e atividades políticas. Robert,
seu único irmão, havia falecido em 1926.
Acusado de desviar, com suas discussões sexo-políticas, a atenção das massas,
Reich foi expulso em 1933 do Partido Comunista. No ano seguinte a cúpula da Sociedade
Psicanalítica o desligou de seus quadros, por conta de divergências de cunho político e
teórico que vinham se arrastando desde o final da década de 1920.
Com a ascensão de Hitler ao poder, Reich fugiu para a Dinamarca, depois para a
Suécia e, por fim, Noruega, onde se instalou em 1934. Annie Pink e Reich divorciam-se; em
1932 ele havia conhecido Elsa Lindenberg, que se tornou sua segunda esposa (esse
casamento perdurou até 1939).
Nesse “período norueguês” (1934-1939), Reich ensinou no Instituto de Psicologia
da Universidade de Oslo e estabeleceu as bases de sua segunda técnica terapêutica, a
Vegetoterapia Caractero-analítica, uma abordagem que contemplava as inter-relações
entre as defesas psíquicas e as cristalizações ou couraças defensivas somáticas,
decorrentes dos processos repressivos autoritários (implementados pela família, escola,
entre outras instâncias) próprios às sociedades capitalistas-patriarcais.
Dando continuidade, em Oslo, aos seus estudos de teor energético, ele formulou e
coordenou, também, dois projetos laboratoriais: os “experimentos biolétricos sobre a
sexualidade e angústia” (um estudo a respeito das variações da eletricidade periférica
corporal, em relação ao estado emocional do indivíduo) e os “experimentos bions” (uma
investigação microbiológica acerca de vesículas que, na visão reichiana, expressariam

5
estágios intermediários entre o inorgânico e o orgânico; esses experimentos deram
importante fundamento para as subsequentes pesquisas reichianas sobre o “orgone” e o
câncer).
Um pouco antes da irrupção da Segunda Guerra, Reich se mudou para os EUA, país
em que viveu de 1939 até sua morte. Foi também em 1939 que julgou ter detectado a
existência de uma energia biológica específica; aproximadamente um ano depois, chegou
à conclusão, por meio de uma série de experimentos, que aquela energia também se faria
presente na atmosfera e no cosmos. Nomeou essa “força primordial” de “energia orgone
cósmica” e criou a Orgonomia, campo de estudo voltado à pesquisa de uma ampla gama
de fenômenos orgonóticos que, no entendimento reichiano, manifestar-se-íam no micro
e macro cosmos, nos domínios do vivo e do inanimado.
Em 1942 fundou o Orgone Institute; no mesmo ano adquiriu uma ampla
propriedade no estado do Maine, batizando-a de Orgonon, “a casa da orgonomia”. Nos
EUA casou-se com Ilse Ollendorf (1909-2008) e, em 1944, nasceu Peter, seu terceiro filho.
Em 1949, Reich e colaboradores estabeleceram a The Wilhelm Reich Foundation “para
preservar os arquivos de WR”. Esse local sedia atualmente o Wilhelm Reich Museum.
Convicto de ter descoberto em 1939/40 — como consequência de um amplo
trajeto científico que, desde a década de 1920, vinha priorizando a questão “energética”
— uma “força” natural primária que se manifestaria simultaneamente nos domínios do
vivo e não vivo, Reich, ao longo dos dezoito anos em que viveu nos EUA, investigou
sistematicamente as manifestações do que julgava ser a energia orgone. Trabalhando
incansavelmente, procurou apontar a dinâmica e características (essencialmente não
redutíveis às leis da mecânica) do “orgone” e esforçou-se em descrever a perspectiva
metodológica (por ele denominada de Funcionalismo Orgonômico) mais adequada para
acessar e mapear seu objeto de estudo (o núcleo desse Funcionalismo Orgonômico ou
Energético era a tese de que determinados pares de funções orgonóticas estabeleceriam,
em um nível superficial, inter-relações dinâmicas entre si e, ao mesmo tempo, seriam
idênticas em um patamar mais profundo; tratar-se-ia de uma “simultaneidade de
identidade e variações”).
Em solo norte-americano, Reich também elaborou uma terceira abordagem
terapêutica (a Orgonoterapia) e coordenou o projeto multidisciplinar “Crianças do
futuro”, voltado à prevenção do encouraçamento em recém nascidos e crianças em seus
primeiros anos de vida.
Sistematicamente espionado pelo FBI desde que chegou aos EUA (e, durante
certo tempo, por outro órgão governamental, a Food and Drug Administration),
caluniado na imprensa (especialmente a partir de 1947) e por algumas entidades médicas,
envolto em complexas batalhas judiciais e sofrendo os efeitos de sua própria inocência e
teimosia, Reich acabou sendo preso em 1956. Nesse ano e, novamente, em 1960, grande
parte de seus escritos e alguns aparatos laboratoriais foram queimados por ordem
judicial (mas, apesar dessa atitude fascista, nenhuma produção foi perdida
definitivamente).
Em 3 de novembro de 1957, Reich foi encontrado morto, vítima de ataque
cardíaco, em sua cela em uma penitenciária da Pensilvânia.

(Ailton Bedani)

6
2. REICH: TEORIA DA VIDA E TEORIA DO CONHECIMENTO1

Ailton Bedani

Ao longo de sua obra, Wilhelm Reich (1897-1957) estabeleceu interfaces com várias
áreas do conhecimento: Sexologia, Psicanálise, Epistemologia, Pedagogia, Sociologia,
Biologia, Física, Meteorologia. Mais do que um adepto do ecletismo, ele se dedicou
especialmente a investigar, em diversos campos, as manifestações de um singular
processo energético. Na maturidade de seu trabalho, o autor costumava se definir a si
próprio como “um cientista natural, não um psicólogo e, claro, não um psicanalista.
Devotei-me ao campo da Psiquiatria como um cientista natural. Esse interesse foi ditado,
em primeiro lugar, pela questão da energia. Já era assim em 1919”.2
Em 1919, quando ainda cursava medicina na Universidade de Viena, Reich deu
início às suas pesquisas. A “energética” e os fundamentos epistemológicos da produção
científica são os temas que inauguraram sua obra e acabaram norteando toda sua
produção. O jovem universitário suspeitava “que a energia funciona ANTES de qualquer
massa; que não é a matéria, mas sim a energia que é primária; que a massa precisa ser
derivada, de alguma forma, da energia”.3 Apaixonado, também, por Biologia, ele colocava
a si mesmo, todo o tempo, a intrigante questão “o que é a vida?”. No decorrer de seus
diversificados estudos extracurriculares, identificou-se com concepções filosóficas que se
recusavam a assemelhar o funcionamento do vivo ao das máquinas e simpatizou com
teorias que especulavam sobre uma energia biológica específica; acreditava, no entanto,
que tais formulações precisavam alcançar status científico-natural. Convicto que a
elaboração científica é indissociável da crítica epistemológica, ele adotou, desde o início
de suas investigações, uma diretriz professada pelo filósofo Henri Bergson: teoria da vida
e teoria do conhecimento são “inseparáveis uma da outra”.4
Formalmente aceito, em 1920, como membro da Sociedade Psicanalítica, Reich,
por quatorze anos, procurou extrair consequências teóricas, clínicas, pedagógicas e
políticas da teoria freudiana da libido. Empreendendo, no âmbito do movimento
psicanalítico, uma série de pesquisas originais, ele elaborou, no período 1922-1926, a
teoria da “potência orgástica”, teoria essa que se tornou o eixo de sua obra: “potência
orgástica é a capacidade de se entregar ao fluxo da energia biológica, sem quaisquer
inibições; a capacidade de descarregar completamente, por meio de convulsões

1
Artigo publicado em junho de 2007 no Jornal da Unesp de Rio Claro (ano XXI – nº 223).
2
REICH, W. Man’s roots in nature. Orgonomic Functionalism: A journal devoted to the work of Wilhelm
Reich, Rangeley, Maine, v.2, 1990.
3
REICH, W. Orgonomic functionalism in non-living nature. Orgonomic Functionalism: A journal devoted
to the work of Wilhelm Reich, Rangeley, Maine, v.6, 1996.
4
BERGSON, H. L’evolution créatrice. In: Henri Bergson - Oeuvres. Paris: Presses Universitaires de France,
1984.

7
involuntárias e prazerosas do corpo, a excitação sexual acumulada”.5
Entre 1925 e 1933, Reich desenvolveu uma nova metodologia terapêutica (a
Análise do Caráter), procurando dar respostas a uma série de limitações que encontrara
na técnica psicanalítica. Quase que simultaneamente esforçou-se em estabelecer, no
período 1927-1933, conexões entre Psicanálise e Marxismo. Apoiando-se na concepção
freudiana de sexualidade, na noção de potência orgástica e, também, no materialismo
histórico e dialético de Marx e Engels, o autor agregou esse arsenal teórico-
epistemológico a um convívio direto e intenso com a população economicamente
desfavorecida. Atuando inicialmente em Viena (1927-1930) e depois em Berlim (1930-
1933), ele se esforçou em demonstrar, por meio de publicações e de um amplo trabalho
social, que política e sexualidade são domínios mutuamente dependentes.
Expulso, em 1933, do Partido Comunista e excluído, no ano seguinte, da Sociedade
Psicanalítica, Reich, ameaçado pelo nazismo, procurou guarida em vários locais e acabou
se exilando, em 1934, na Noruega. Nesse país ele ampliou sua metodologia terapêutica,
desenvolvendo, a partir de 1935, a Vegetoterapia Caractero-Analítica, uma técnica que,
além de contemplar os enrijecimentos caracteriais, levava em conta uma série de defesas
somáticas, decorrentes de profundas alterações no funcionamento bioenergético
autônomo. Em seu “período norueguês” o autor passou a se dedicar, também, a
experimentos laboratoriais. Ingressando no campo da Biofísica, Reich investigou o
“comportamento” de correntes bio-elétricas que se movem coligadas aos estados
emocionais do indivíduo; realizando experimentos na área da Biogênese, ele identificou
vesículas que expressam estágios intermediários entre o inorgânico e o orgânico. Essas
pesquisas permitiram que o cientista aprimorasse seu entendimento sobre a lógica que
rege o funcionamento do vivo e conduziram-no à detecção, em 1939, de um “novo” tipo
de energia que atua em estratos biológicos profundos. Logo em seguida, seus
experimentos levaram-no a crer que aquela singular energia, inicialmente observada em
seres vivos, fazia-se presente, também, na atmosfera. Nomeou, então, essa força básica
de “energia orgone cósmica” e fundou um novo ramo de pesquisas, a Orgonomia.
Vivendo nos EUA desde 1939, Reich dedicou-se, por quase duas décadas, a realizar
criteriosos experimentos e a descrever, em vasta literatura técnica, as manifestações da
energia orgone nos domínios do vivo e do não-vivo, no micro e macrocosmos; preocupou-
se, igualmente, em mapear a específica dinâmica dos fenômenos orgonóticos e em
integrar Orgonomia e Matemática. Suas pesquisas conduziram-no, em seu período norte-
americano, a áreas tão distintas como a Oncologia e a Meteorologia, posto que certas
disfunções da energia orgone podem ser observadas, no entendimento do autor, tanto
no câncer quanto nos processos de desertificação do planeta. Estabelecendo, agora, sua
terceira abordagem terapêutica, a Orgonoterapia, Reich, além de valer-se da experiência
advinda da Análise do Caráter e da Vegetoterapia, esforçou-se em integrar a investigação
laboratorial orgonômica, a elaboração metodológica e a prática clínica. Abrindo diversos
campos de estudos (Física-Orgone, Biofísica-Orgone, Pedagogia Orgonômica,
Orgonometria), o pesquisador continuou, no entanto, denunciando os sistemas

5
REICH, W. The function of the orgasm: Volume 1 of the discovery of the orgone — Sex-economic problems
of biological energy. Great Britain: Condor Book, 1989.
8
ideológicos que negam a vida e anestesiam, desde a infância, as capacidades críticas e as
forças emocionais-sexuais.
Sistematicamente monitorado pelo Federal Bureau of Investigation e, desde o final
da década de 1940, vítima de calúnias publicadas na imprensa e em revistas científicas,
Reich passou a ser investigado, também, por outro órgão governamental, a Food and
Drug Administration. Nos anos 50 o cientista acompanhou de perto a paranóica era
macartista, além de se ver envolvido em um intrincado processo judicial, que resultou em
sua prisão em 1957. Nesse mesmo ano ele faleceu, vítima de ataque cardíaco, em um
presídio norte-americano.
Meio século se passou desde a morte de Reich. Ainda são poucos, porém, os
estudos que procederam a uma reavaliação criteriosa de sua obra. Esse fato chama
atenção, pois a pesquisa reichiana oferece, a nosso ver, ferramentas ímpares para
refletirmos sobre nossa explosiva crise social e seus concomitantes problemas éticos e
ecológicos.

9
3. POLÍTICA E SEXUALIDADE NA TRAJETÓRIA DE REICH:
VIENA (1927–1930)6

[POLITICS AND SEXUALITY IN THE TRAJECTORY OF REICH: VIENNA (1927–1930)]

Ailton Bedani; Paulo Albertini

Resumo: Este estudo aborda o trabalho de cunho sexo-político que Wilhelm


Reich empreendeu em Viena, entre 1927 e 1930, quando ainda pertencia à
Associação Psicanalítica Internacional. Procurou-se, mais especificamente,
focalizar: a) a construção do engajamento social de Reich e as formulações
teóricas em que ele se apoiou; b) as propostas de intervenção social que
estiveram sob sua coordenação e sua filiação à perspectiva preventiva; c) o
confronto que o autor estabeleceu com a teoria cultural freudiana. Quatro
fontes de dados foram consultadas no material reichiano: os textos publicados
no período 1927-1930; os escritos que ele publicou anteriormente, contendo
noções utilizadas em sua produção sexo-política; trabalhos editados
posteriormente, nos quais o autor reavalia a etapa aqui considerada; e uma
entrevista concedida por Reich, em 1952, aos representantes dos Arquivos
Sigmund Freud. Ao final, as principais características da sexologia-política
reichiana, do período aqui estudado, são arroladas e discutidas.
Palavras-chave: pensamento reichiano; sexualidade; política, psicanálise.

Abstract: This study concentrates on the sex-political works undertook by


Wilhelm Reich in Vienna, between 1927 and 1930, when he was still a member of
the International Psychoanalytical Association. More specifically, we aim at
examining: a) the construction of Reich’s social engagement and the theoretical
apparatus he based himself upon; b) the proposals for social intervention under
his management, and his affiliation to the preventive perspective; c) the
confront promoted by the author with Freudian cultural theory. Four sources of
data were referred to among Reich’s works: the texts published in the period
between 1927-1930; the writings he had published earlier, containing concepts
used in his sex-political production; works edited afterwards, in which the author
reexamines the period we focused on; and an interview given by Reich, in 1952,
to the spokespersons of the Sigmund Freud Archives. At the end, the main
characteristics of Reich’s Sexology Political, from the period we analyzed, will be
listed and discussed.
Keywords: Reichian thought; sexuality; politics, psychoanalysis.

6
Artigo originalmente publicado em Encontro – Revista de Psicologia, vol. 11, n.o 14, jul-dez 2006, p. 62-77.
10
A sexologia política de Reich, dada sua originalidade e potencialidade, tem sido
alvo de vários estudos. Alguns autores dedicaram-se estritamente à intervenção sexo-
política reichiana [Palmier (1970), Buin (1972), Ollman (1972, 1979), Simonelli (2001),
Ramalho (2001), Albertini e Watrin (2003)], enquanto outros fizeram referências ao tema
ao investigarem diferentes aspectos da obra de Reich [Albertini (1994), Wagner (1995),
Matthiesen (2003), Albertini, Siqueira, Tomé, Machado (no prelo)]. O presente estudo
agrega-se, de alguma forma, a esse conjunto de trabalhos.
Em sua fase sexo-política, Reich buscou conjugar a intervenção de cunho social e a
reflexão teórica, esforçando-se em demonstrar que política e sexualidade são domínios
fortemente interligados e mutuamente dependentes. Dois momentos destacam-se nesse
percurso: a produção que o autor empreendeu em Viena (1927-1930) e a que levou a cabo
em Berlim (1930-1933). Iremos nos deter, aqui, exclusivamente na etapa vienense,
avaliando os eventos e idéias que marcaram a primeira etapa da sexologia política
reichiana. Procuraremos, mais especificamente, abordar os fatores que motivaram Reich
a participar, de 1927 à 1930, do movimento político-social em Viena, assim como as
propostas de intervenção por ele formuladas e suas críticas à abordagem freudiana.
Quatro levantamentos foram realizados, aqui. Investigou-se as idéias apresentadas
por Reich em seus textos freudo-marxistas do período 1927-1930; os conceitos que ele
formulou antes de 1927 e que foram integrados à sua sexologia política; as reavaliações a
que procedeu em etapas posteriores de sua obra; e o depoimento que o autor concedeu,
em 1952, aos representantes dos Arquivos Sigmund Freud.
O relato deste estudo foi organizado em quatro tópicos: no primeiro, o leitor
encontrará uma exposição sobre os eventos históricos que precipitaram o envolvimento
de Reich com a cena social vienense e as formulações teóricas que nortearam esse
engajamento; no segundo, as propostas de intervenção por ele efetuadas e a adoção da
perspectiva preventiva; no terceiro, o confronto com a teoria cultural freudiana; no
quarto, algumas considerações finais.

REICH: UM PSICANALISTA EM DIREÇÃO À CENA SOCIAL


Em outubro de 1920, quando ainda estudava medicina, Reich foi formalmente
aceito como membro da Associação Psicanalítica Internacional. Em 1922, ano de sua
formatura, passou a trabalhar na Policlínica Psicanalítica de Viena, uma instituição que
objetivava oferecer tratamento terapêutico às pessoas que não dispunham de recursos
financeiros para bancar o atendimento convencional. Nessa clínica psicanalítica popular
ele ocupou, de 1922 a 1928, o cargo de Primeiro Assistente e, de 1928 a 1930, o de Vice-
Diretor (Reich, 1942/1989). Dessa forma, como psicanalista iniciante e médico recém-
formado, Reich entrou em contato com a difícil condição existencial de indivíduos que
sofriam, simultaneamente, com sérios problemas psicológicos e com a pobreza material.
Ao relembrar essa experiência em uma autobiografia científica publicada em 1942,
The function of the orgasm (“A função do orgasmo”), Reich observa que, naquela espécie
de clínica social, os horários de atendimento estavam sempre superlotados. Um grande
contingente composto por industriários, funcionários de escritório, estudantes e
camponeses acorria à Policlínica, mas os psicanalistas, que trabalhavam gratuitamente na

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instituição, não conseguiam dar conta da demanda. Diante dessa realidade concluiu que
“a Psicanálise não é uma terapia de aplicação em grande escala. A noção de prevenção
das neuroses não existia ― e ninguém sabia o que dizer a respeito” (Reich, 1942/1989,
p.74-75, tradução nossa).
Sensibilizado com a realidade da Policlínica, Reich, no entanto, comenta que seu
trabalho sexo-político foi precipitado por um trágico acontecimento que transcorreu fora
do âmbito do consultório. Esse evento — que foi um verdadeiro marco em sua trajetória
— acha-se minuciosamente descrito na obra People in trouble (“Pessoas em
dificuldades”) (o manuscrito que deu origem ao livro foi inicialmente intitulado como
Menschen im staat; esse material sofreu revisões em 1944-45 e 1952, e veio a público pela
primeira vez nos EUA em 1953). Nesse texto autobiográfico, dedicado, sobretudo, ao seu
envolvimento político-social, o autor recorda com vivacidade os acontecimentos que se
sucederam, nas ruas de Viena, em 15 de julho de 1927. Nesse dia, pela manhã, um paciente
que viera para o atendimento informou-lhe que uma ampla greve havia eclodido e ele
resolveu, então, cancelar o atendimento e ir olhar o protesto.
As ruas de Viena, de acordo com os relatos de Reich, estavam tomadas por
dezenas de milhares de pessoas; na multidão ele identificou trabalhadores, crianças,
médicos e espectadores. Em dado momento presenciou, a poucos metros de distância,
uma cena marcante: policiais baleando friamente manifestantes pacíficos e desarmados;
como se fossem autômatos, os agentes da lei atiravam em seres humanos que, aliás,
pertenciam à sua própria classe social. Por que, perguntou-se Reich, alguns indivíduos
perdem o senso crítico e passam a agir como máquinas de destruição rígidas e
insensíveis?
O comportamento da multidão em relação aos atiradores também chamou sua
atenção. Reich observou que os policiais, montados a cavalo, avançavam devagar e ao se
aproximarem dos manifestantes, simplesmente abriam fogo. Porém, não notou nos
grevistas, numericamente muito superiores, qualquer revolta declarada ou atitude que
evitasse a matança (em dois dias, cerca de oitenta pessoas foram mortas). Por que,
indagou, as pessoas não reagiam?
Ao buscar respostas, Reich recorreu, inicialmente, a duas proposições freudianas:
a necessidade de o indivíduo renunciar a uma certa gama de impulsos e o conceito de
sublimação. Mas não se sentiu satisfeito com as respostas que encontrou. Pois, se a
civilizada e “inofensiva multidão” estava sublimando seus ímpetos agressivos, cabia
então ingadar: “Onde estava a sublimação dos impulsos ‘nos policiais’?” (Reich,
1953/1976, p.29, tradução nossa).
Reflexões desse gênero, motivadas pelo “curso prático de Sociologia” do dia 15 de
julho de 1927, fizeram com que Reich questionasse a leitura social de cunho psicanalítico;
ao mesmo tempo, saiu em busca de teorias que pudessem ampliar sua compreensão das
engrenagens sociais. Nessa empreitada, entrou em contato com a obra de Karl Marx,
sentindo-se fortemente impactado pelo pensamento do filósofo alemão. Após ler as cem
primeiras páginas de O Capital, no verão de 1927, chegou a conclusão que “Marx
representava para a Economia o que Freud havia significado para a Psiquiatria” (Reich,
1953/1976, p.53, tradução nossa).
Em Freud, julgava ter encontrado uma teoria que “demonstrava que as forças
inconscientes que controlam a ação e o pensamento humanos são, em última análise,

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forças instintuais biológicas” (Reich, 1953/1976, p.67, tradução nossa). Cabe pontuar que
Reich considerava a si próprio um cientista natural e que, ao longo de toda a sua
trajetória, referenciou-se por uma perspectiva energética (daí a ênfase às “forças
inconscientes” ou “forças instintuais biológicas”). Em sua opinião a Psicanálise, por levar
em conta a dimensão energética dos fenômenos mentais, aproximava-se da Ciência
Natural.
Nas obras de Marx, por sua vez, o autor deparou-se com uma análise dos
“processos e condições sócio-econômicos objetivos, independentes da vontade humana
consciente, determinantes de nossos pensamentos e existência” (Reich, 1953/1976, p.67,
tradução nossa). Fiel a sua orientação energética, interessou-se especialmente, ao
estudar a teoria marxista, pelo conceito de “força de trabalho viva”. Marx, ao analisar a
dinâmica da produção de trabalho, explicitou da seguinte forma essa noção:

Uma máquina que não serve ao processo de trabalho é inútil. [...] O


fio que não se emprega na produção de tecido ou de malha, é
algodão que se perde. O trabalho vivo tem de apoderar-se dessas
coisas, de arrancá-las de sua inércia, de transformá-las de valores-
de-uso possíveis em valores-de-uso reais e efetivos. O trabalho,
com sua chama, delas se apropria, como se fossem partes do seu
organismo, e de acordo com a finalidade que o move lhes empresta
vida para cumprirem suas funções (Marx, 1867/1974).

Reich ponderou que a “força de trabalho” (e também a sexualidade, como


veremos adiante) é abastecida continuamente por uma energia biológica. Vale mencionar
que, no decorrer de sua obra, o autor procurou investigar a específica natureza dessa
energia e sua coligação com os estratos profundos do funcionamento biológico. De seu
ponto de vista, mesmo Marx “em seus escritos filosóficos constantemente sublinhou que
o homem, com sua organização biológica, representa a derradeira precondição de toda a
história” (Reich, 1953/1976, p.71, tradução nossa).
A apreensão reichiana da teoria marxista não se restringiu, porém, ao conceito de
“força de trabalho vivo”. Em seus escritos e em seu trabalho prático, Reich incorporou
outras noções, inclusive de ordem epistemológica.
A teoria freudiana e a teoria marxista, observou o autor, são abordagens
cientificamente fundamentadas que representam significativos avanços nos campos da
Psicologia e da Sociologia. Haveria, perguntou-se, pontos de contato entre a Psicanálise e
as idéias de Marx e Engels? Seria possível identificar conexões entre esses sistemas de
pensamento sem incorrer em vulgarizações e distorções epistemológicas?
Suas respostas a essas questões apareceram em 1929 em Dialektischer
Materialismus und Psychoanalyse (“Materialismo dialético e psicanálise”), obra
fundamental, tanto no campo do freudo-marxismo quanto no conjunto da produção
epistemológica reichiana (utilizamos, aqui, uma tradução dessa obra para a língua
inglesa).
Ao sintetizar os princípios básicos do materialismo dialético de Marx e Engels, o
autor relembra que “a dialética não é apenas uma forma de pensamento; também ocorre
na matéria, independentemente do pensamento” (Reich, 1929/1972, p.27, tradução

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nossa). Na perspectiva dialético-materialista nenhuma “realidade” é estática ou perene;
tudo traz em si o germe de sua desaparição. O desenvolvimento ─ dos fenômenos
naturais, da sociedade e do psiquismo ─ resulta de contradições. Quando um conflito não
pode ser resolvido ou encaminhado a partir dos recursos de que dispõe um dado sistema,
as contradições “destroem o atual modo de existência e criam um novo, no qual novas
contradições podem eventualmente ocorrer e assim sucessivamente” (Reich, 1929/1972,
p.28, tradução nossa). As contradições nunca são absolutas, mas interpenetram-se
mutuamente; e o desenvolvimento dialético, ainda que evolua de forma gradual, pode
progredir em certos momentos por saltos. Tal processo de desenvolvimento é expressão
e conseqüência de uma dupla negação, a negação da negação ou síntese dos opostos.
Reich exemplifica esse último aspecto da dialética fazendo referência às
sociedades primitivas. No entendimento do autor, essas organizações sociais
apresentavam, originariamente, uma visão a favor da sexualidade que foi negada à
medida que se estabelecia a economia privada, transformando-se então em concepção
anti-sexual. Tal concepção, contudo, deveria ser novamente negada em “um estágio mais
avançado” (o socialismo), convertendo-se em “afirmação social e estrutural da
sexualidade” (Reich, 1929/1972, p.29, tradução nossa). Esse novo movimento afirmativo
expressaria a síntese, em um outro patamar, daquilo que foi inicialmente negado.
Analisando a “dialética do psiquismo” de um ponto de vista freudiano, Reich
retomou a idéia de que a criança vem ao mundo com um conjunto de necessidades e
correspondentes impulsos. Enquanto ser cultural, a criança passa a fazer parte não só da
sociedade próxima que é a família, mas também, indiretamente, da sociedade em geral;
uma relação recíproca se estabelece, então, entre a organização econômico-social e “os
instintos, ou ego, do recém-nascido” (Reich, 1929/1972, p.37, tradução nossa). Mas,
provavelmente, esse contexto dará origem a um antagonismo entre as necessidades
instintuais e a ordem social capitalista (representada inicialmente pela família e, depois,
pela escola): “Esta contradição produz um conflito que leva a uma mudança, e como o
indivíduo é o adversário mais fraco, a mudança ocorre no interior de sua estrutura
psicológica” (Reich, 1929/1972, p.38, tradução nossa).
No decorrer de suas tentativas de, por um lado, aplicar a “crítica sociológica à
psicologia de Freud” e, por outro, preencher a “lacuna na economia marxista” com o
conceito de estrutura caracterial (o caráter como instância psíquica depositária da
ideologia dominante), Reich fundou, em 1928, um novo ramo de pesquisas: a Economia
Sexual.
As bases da abordagem econômico-sexual remontam a investigações que o autor
empreendeu antes de se envolver diretamente com o movimento político. Priorizando o
prisma energético e fundamentando-se na obra freudiana, Reich, desde o início de seu
trabalho, buscou compreender e identificar a fonte de energia que alimentaria
continuamente as perturbações psíquicas. Amparando-se em sua experiência clínica,
defendeu a tese de que o núcleo da neurose reside em uma insatisfatória descarga
genital da excitação sexual. As tendências pré-genitais, constatou, são determinantes nas
patologias neuróticas.
A recuperação da função genital propiciaria o desaparecimento ou uma
significativa diminuição dos sintomas neuróticos, como Reich procurou demonstrar em
1925 no artigo Weitere Bemerkungen ueber die therapeutische Bedeutung der Genitallibido

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(“Observações complementares sobre o significado terapêutico da libido genital”;
recorremos, aqui, a uma tradução do artigo para a língua inglesa). Nesse trabalho o autor
lançou a idéia de “potência orgástica”, considerando-a “crucial para a resolução do
problema das perturbações neuróticas da libido” (Reich, 1925/1975, p.210, tradução
nossa), ousando ainda afirmar que “nenhuma análise pode ser considerada como
terminada enquanto a potência orgástica genital não estiver assegurada” (Reich,
1925/1975, p.214, tradução nossa).
Após ter atendido a um expressivo número de pacientes, fundamentou ainda mais
suas idéias em obra escrita em 1926 e publicada no ano seguinte ─ Die Funktion des
Orgasmus (“A função do orgasmo”; esse livro de 1927 não deve ser confundido com a
autobiografia científica de título semelhante, a que já nos referimos, publicada nos EUA
em 1942). A potência orgástica foi então definida “fenomenologicamente” como a
“aptidão de a personalidade e os afetos estarem completamente absorvidos pela
experiência genital, apesar de eventuais conflitos pessoais” (Reich, 1927/1980, p.15,
tradução nossa; consultamos, aqui, uma tradução do livro para a língua inglesa).
Reich enfatizou que o ponto de vista sexo-econômico não representava uma soma
mecânica de suas próprias teorias com as de Freud e Marx. A originalidade da Economia
Sexual reside no fato de essa orientação ter adotado a energética como referencial de
base, posto que a “função do prazer” e a “força de trabalho viva”, duas fundamentais
manifestações humanas, “têm origem na mesma energia biológica” (Reich, 1946/s.d.,
p.275).
Não se limitando, porém, aos âmbitos psicológico e bioenergético, a Economia
Sexual procurou contemplar, também, a esfera sociológica. Tendo como núcleo a noção
de potência orgástica, a perspectiva econômico-sexual deu especial atenção, sem dúvida,
às vicissitudes da energia bio-sexual ─ de que forma e em que quantidade essa energia é
represada (ou descarregada). Mas levou em consideração, igualmente, o fato de que as
sociedades autoritárias promovem e “lucram” com a contenção energética crônica, base
a partir da qual se desenvolvem, no entendimento do autor, as patologias neuróticas e a
submissão à ordem política dominante.

PROPOSTAS DE INTERVENÇÃO E ADOÇÃO DA PERSPECTIVA PREVENTIVA


O projeto de “suplementar, com a psicologia de massas, a visão puramente
economicista da sociedade contida na teoria socialista” (Reich, 1953/1976, p.10, tradução
nossa) e o desejo de entender “o papel desempenhado pelo fenômeno biofísico no
desenvolvimento da sociedade” (Reich, 1953/1976, p.37, tradução nossa), foram dois dos
fatores que aproximaram o autor, a partir de 1927, das organizações médicas e culturais
socialistas.
No próprio 15 de julho de 1927, o dia em que ocorreu o massacre dos grevistas em
Viena, Reich ingressou na esfera médica da Assistência aos Trabalhadores (uma das
organizações do Partido Comunista Austríaco) e, desde então, começou a participar não
só de atividades políticas, mas também de eventos esportivos, literários e filosóficos
organizados pelo movimento operário. Convencido de que apenas a experiência concreta
poderia abrir-lhe as portas do universo político-social, passou a desenvolver, junto às
organizações de orientação socialista, uma série de atividades que, em seu
entendimento, pertenciam ao campo da “higiene mental preventiva”. Se, como

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acreditava, muitas das patologias psíquicas decorrem da ordem social vigente, era
preciso, então, combater enfaticamente o capitalismo e desvelar suas engrenagens.
Para esse embate, Reich dispunha de uma poderosa arma: as carismáticas
palestras que proferia em locais tão diversos quanto universidades e fábricas. Já em sua
primeira conferência, dirigida a um grupo de estudantes socialistas, tentou integrar
Sociologia e Sexualidade discorrendo sobre “a miséria sexual das massas no capitalismo”.
Mas, ainda que estivesse filiado ao movimento psicanalítico, na época de sua militância
sexo-política, o autor chegou à conclusão que não fazia sentido discutir, em suas
apresentações públicas, conceitos de índole freudiana. Em entrevista concedida em 1952
aos representantes dos Arquivos Sigmund Freud, ele relembrou que “não se podia chegar
ao problema da higiene mental com idéias como a do complexo de Édipo. [...] Não faz
sentido. O que fazia sentido era a frustração, a frustração genital da população” (Higgins
& Raphael, 1967/1972, p.79, tradução nossa). Essa constatação levou-o a priorizar, em suas
palestras, temas mais “concretos”, tais como as dificuldades cotidianas relacionadas à
sexualidade e os problemas que os pais encontravam ao educarem seus filhos.
Na entrevista acima mencionada, Reich também comenta que não fundou o
“movimento de higiene mental”. O movimento de profilaxia das doenças psíquicas já
existiria a um bom tempo, mas o então psicanalista admite ter sido pioneiro ao denunciar
o “problema da prevenção das neuroses de massa”, “a neurose como um problema
social” (Higgins & Raphael, 1967/1972, p.76, tradução nossa).
Analisando o possível envolvimento do autor com o movimento de higiene mental,
Albertini et al. (no prelo) afirmam que, se por um lado, o médico Reich, “imbuído de
preocupações sanitárias na área da saúde mental, procurou higienizar a cultura de seus
males, principalmente no campo da sexualidade”, por outro, dificilmente pode ser
associado à orientação ideológica, presente no higienismo, de perpetuar a ordem social
dominante, posto que “buscou alcançar sua meta preventiva atribuindo responsabilidade
a essa ordem social e atuou no sentido de promover profundas alterações na mesma”.
O desejo de realizar um trabalho prático na área da saúde mental motivou Reich,
quatro outros psicanalistas, três médicos obstetras e um advogado a fundarem em Viena,
em 1928, a Sociedade Socialista para o Aconselhamento e a Investigação Sexual. Os
coordenadores do projeto partiram do princípio “de que a miséria sexual era
essencialmente causada por condições enraizadas na ordem social burguesa, miséria essa
que não podia ser eliminada completamente, mas podia ao menos ser atenuada mediante
a ajuda individual” (Reich, 1953/1976, p.107-108, tradução nossa). Tendo Reich como
diretor científico do projeto, a organização, que se associou ao Partido Comunista
Austríaco, cresceu rapidamente e seis centros de aconselhamentos foram criados em
Viena, cada um deles coordenado por um médico. Por meio de panfletos a população
ficava sabendo que especialistas em Sexologia se dispunham a dar aconselhamentos
gratuitos sobre problemas conjugais e sexuais, controle de natalidade, educação de
crianças e “higiene mental em geral”.
Reich relata que se dedicou intensamente a esse trabalho, investindo uma
considerável parcela de seus rendimentos e sacrificando, inclusive, a “posição burguesa”
e a fama que vinha adquirindo como médico e psicanalista em Viena. Porém, quando
observava a participação popular, que aumentava assustadoramente, sentia-se muito
empolgado, como afirmou em 1952 ao recapitular essa etapa de sua vida: “nunca

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esquecerei os rostos vivos, corados, os olhos cintilantes, a tensão, o contato” (Higgins &
Raphael, 1967/1972, p.80, tradução nossa).
De acordo com os registros do autor, em um ano e meio cerca de setecentas
pessoas foram atendidas nos centros de aconselhamento. Milhares freqüentaram as
conferências, discutindo problemas emocionais/sexuais e procurando respostas para as
mais variadas dúvidas, tais como: Qual deve ser a freqüência das relações sexuais? Como
uma mulher deve proceder quando o homem quer ter relações sexuais e ela, não? A
liberdade sexual não conduzirá à completa destruição da família? Pessoas com pouca
potência sexual podem se casar? É errado ter relações sexuais com mais de uma pessoa?
(Reich, 1942/1989).
O tipo de trabalho realizado nas clínicas, comenta Reich, era inédito, pois permitia
lidar, simultaneamente, com problemas relativos às neuroses, aos distúrbios sexuais e aos
conflitos cotidianos. Em seus escritos, palestras e consultas nas clínicas de
aconselhamento o autor procurava demonstrar, em linguagem clara, que as amarras
emocionais/sexuais e a perversa estruturação econômico-social capitalista se retro-
alimentavam.
Durante esse intenso trabalho social em Viena, Reich deu-se conta que os
problemas concernentes à sexualidade eram numerosos e acometiam a maior parte da
população. Na condição de psicanalista envolvido com questões sociais, ele vinha
tentando, das mais variadas formas, ajudar a população carente; análises estatísticas,
entretanto, revelavam os limites dos centros de aconselhamento. Constatou-se, na
época, que trinta por cento das pessoas respondiam bem aos conselhos e informações; o
contingente restante, porém, demandava tratamento terapêutico profundo, o que, por
natureza, exige muito tempo e dinheiro.
Gradualmente o autor percebeu que medidas circunstanciais, embora necessárias,
não bastavam para lidar com o amplo problema da “miséria econômico-sexual”. Essa
percepção levou-o, então, a refletir sobre a complexa questão da profilaxia. Como
implantar um trabalho social de prevenção à neurose? Por onde começar?
Na autobiografia científica The function of the orgasm (“A função do orgasmo”),
Reich, focalizando a perspectiva preventiva adotada ainda no final dos anos 20 em Viena,
citou três fontes para o “flagelo neurótico”: a) a formação autoritária de crianças
assentada em uma rígida moral e em métodos que visam inibir a espontaneidade e a
sexualidade na infância; b) as tentativas sociais de anestesiar as capacidades críticas e as
necessidades sexuais dos adolescentes; c) a infelicidade conjugal matizada pelo
casamento fundado na monogamia obrigatória e vitalícia. (Reich, 1942/1989)
No entendimento do autor a supressão da sexualidade das crianças e adolescentes
tem a função, em última instância, “de facilitar, para os pais, a imposição de que seus
filhos os obedeçam cegamente” (Reich, 1942/1989, p.224, tradução nossa). Ao incorporar,
por conta da intensa repressão paterna, a atitude de submissão, o jovem acabaria
desenvolvendo uma sujeição acrítica aos modelos sociais autoritários.
Além das práticas educacionais autoritárias, objeto de quatro trabalhos redigidos
entre 1926 e 1928 (ver Matthiesen, 2003), Reich abordou, em 1930, os problemas
vinculados ao casamento no texto Geschlechtsreife, Enthaltsamkeit, Ehemoral
(“Maturidade sexual, abstinência, moralidade conjugal”, escrito que foi inserido, em 1936,
em um livro mais amplo, Die Sexualität im Kulturkampf, o qual, por sua vez, foi revisado e

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republicado em 1945, nos EUA, como The sexual revolution; tomaremos como referência,
aqui, essa última edição). No âmbito de uma crítica enfática aos valores morais
burgueses, Reich propôs a distinção entre “relação sexual duradoura” e “casamento
compulsório”.
Em seu entendimento, a relação sexual duradoura não significa um envolvimento
necessariamente longo: “não importa se ela dura semanas, meses, dois ou dez anos”
(Reich, 1986, p. 125, tradução nossa). O que caracteriza esse tipo de relação é uma ligação
afetiva que se origina de experiências prazerosas em comum e um gradual aprendizado
das mútuas necessidades sexuais. É essa a base psico-sexual, de acordo com o autor, que
dá sustentação aos projetos do casal, tais como ter filhos e adquirir bens. Contudo, tal
estilo de relação também pode estar sujeito a turbulências. A diminuição do desejo sexual
(às vezes, apenas por parte de um parceiro) e o interesse por outras pessoas são fatores
que podem interferir na vida a dois, originando delicadas situações que demandam uma
saída “racional”, sexo-afirmativa, apesar das dificuldades (Reich, 1986).
Muito diferente da relação sexual duradoura, o casamento compulsório é
regulado, basicamente, pelo moralismo e por questões de ordem econômica; nesse
“matrimônio monogâmico obrigatório” o casal não mostra qualquer preocupação com a
qualidade de suas relações afetivas e sexuais, mesmo que essa atitude conduza a uma
renúncia ao prazer de viver.
Até o momento, neste tópico, focalizamos o trabalho de intervenção social
efetuado por Reich, com a criação da Sociedade Socialista para Aconselhamento e
Investigação Sexual, em 1928, e registramos algumas idéias centrais que permearam a sua
construção teórica. Numa observação panorâmica, nota-se o progressivo movimento de
um autor que buscou, cada vez mais, identificar e combater fatores sócio-culturais
capazes de potencializar as dificuldades humanas. Esse caminho, que apostava na
perspectiva preventiva e em profundas transformações sociais, acabou colidindo com a
visão freudiana presente no final dos anos 20. Vejamos, a seguir, esse embate.

O CONFRONTO COM A TEORIA CULTURAL FREUDIANA


Qual a posição freudiana frente à progressiva orientação preventiva adotada
por Reich, nos últimos anos da década de 20? Segundo a visão apresentada por Reich
na entrevista de 1952, Freud inicialmente acenou de forma positiva, mas depois se
opôs frontalmente.
Referindo-se, naquela entrevista, ao dia em que presenciou o massacre dos
manifestantes vienenses, à sua conseqüente decisão de participar ativamente da cena
social e ao apoio que, inicialmente, Freud lhe concedeu, Reich cita uma série de
valiosos dados históricos:
Foi isso [o massacre de 15 de julho de 1927] que me deu o
empurrão. Freud estava em Semmering, perto de Viena, na época,
e tenho uma carta em que ele pergunta se o mundo continuaria
girando depois daquilo. Pouco tempo depois, procurei-o e disse a
ele que queria começar a trabalhar em uma base social. Eu queria
me afastar das clínicas, do tratamento individual, e entrar na cena
social. Freud foi muito favorável. Ele via toda a questão social. É

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completamente absurdo quando, atualmente, as escolas de
psiquiatria de Washington e Horney dizem que Freud recusou-se a
considerar a sociologia (Higgins & Raphael, 1967/1972, p. 78).

Em um outro ponto, ainda discorrendo sobre o apoio freudiano, Reich recorda:


“Discuti os detalhes com Freud e ele foi entusiástico. Ele disse, ‘Siga em frente, apenas
siga em frente’”. (Higgins & Raphael, 1967/1972, p. 79). Pela seqüência da entrevista, é
difícil saber quais eram os “detalhes” que Reich discutia com Freud, e em que nível de
profundidade eles conversavam. De qualquer modo, a mensagem é clara: Freud tinha
alguma consciência a respeito dos rumos que o trabalho reichiano estava assumindo e,
em um primeiro momento, aprovou tal trabalho.
Contudo, os ventos freudianos favoráveis à nau social reichiana não sopraram por
muito tempo e uma profunda cisão ocorreu em 1929, mais especificamente no dia 12 de
dezembro, na casa de Freud, durante uma reunião do círculo íntimo psicanalítico. Nessa
ocasião, Reich, apoiando-se em mais de dois anos de trabalhos junto à população carente
de Viena, apresentou uma série de reflexões sobre a dimensão sociológica das neuroses e
a premente necessidade de medidas profiláticas. Segundo os dados apresentados em The
function of the orgasm (“A função do orgasmo”), essas reflexões envolveram as
seguintes questões básicas: Quais desdobramentos poderiam ser esperados da teoria e
da terapia de orientação freudiana? A intervenção psicanalítica deveria continuar se
limitando ao consultório particular? Que papel deveria assumir o movimento psicanalítico
no contexto social? Por que a sociedade produz neuroses em massa? (Reich, 1942/1989).
O autor recorda que, ao terminar sua exposição, a “atmosfera era fria”. Freud,
dessa feita, não teria se mostrado receptivo, incomodando-se, especialmente, com o
enfoque político dado aos problemas da neurose, à repressão sexual e à questão da
infelicidade das massas. Ao fundador da psicanálise não agradou, em absoluto, a idéia de
extrair conseqüências sociais da teoria da libido; após ouvir as explanações de seu
discípulo sobre a profilaxia das neuroses, ele teria enfaticamente afirmado que “a cultura
vem em primeiro lugar” (Higgins & Raphael, 1967/1972, p.45, tradução nossa).
Como entender essa aparente oscilação da posição freudiana? Uma hipótese a ser
levantada é a de que o apoio inicial ancorou-se nos aspectos clínicos/médicos do projeto
reichiano; em linhas gerais, tal apoio daria continuidade ao atendimento prestado à
população de baixa renda, nos moldes da Policlínica Psicanalítica de Viena. Já a
discordância de Freud, em relação às transformações sociais defendidas por Reich, são
mais fáceis de compreender. Afinal, a orientação freudiana, sobretudo em escritos do
período, vislumbram o conflito ─ intra-psíquico ou na relação do sujeito com a cultura ─
como algo inevitável. De acordo com essa perspectiva, a vida civilizada implica,
necessariamente, em uma certa restrição da felicidade. Em O mal-estar na cultura, obra
que Reich considerava como uma resposta à sua conferência de dezembro de 1929, Freud
afirma:
Como vemos, o que decide o propósito da vida é simplesmente o
programa do princípio do prazer. Esse princípio domina o
funcionamento do aparelho psíquico desde o início. Não pode

19
haver dúvida sobre sua eficácia, ainda que o seu programa se
encontre em desacordo com o mundo inteiro, tanto com o
macrocosmo quanto com o microcosmo. Não há possibilidade
alguma de ele ser executado; todas as normas do universo são-lhe
contrárias. Ficamos inclinados a dizer que a intenção de que o
homem seja “feliz” não se acha incluída no plano da “Criação”. [...]
Já a infelicidade é muito menos difícil de experimentar. O
sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio
corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo
pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de
advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com
forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de
nossos relacionamentos com os outros homens (Freud, 1930/1974,
p. 94/95).

Assim, enquanto Freud argumentava, em trabalhos como O mal-estar na cultura,


que a própria existência da civilização estava condicionada à presença da repressão e
da neurose, seu discípulo, por sua vez, seguia o caminho contrário. Para Reich, a
neurose e a infelicidade humana estavam, em ampla medida, diretamente relacionadas
à certos pilares da sociedade ocidental, tais como a família autoritária, as práticas
pedagógicas que impedem a expressividade sexual e emocional das crianças, o
estrangulamento da função genital na infância e adolescência e o matrimônio
compulsório.
Na biografia que escreveu sobre Sigmund Freud, Ernest Jones retrata ─ ainda
que em termos globais, não necessariamente em relação aos eventos focalizados
neste estudo ─ a atitude freudiana de aceno positivo, em um primeiro momento, e
depois, de discordância em relação às inclinações socialistas de Reich: “Freud o tinha
em alta conta no começo de sua carreira, mas o fanatismo político de Reich conduziu
tanto ao rompimento pessoal quanto ao científico” (Jones, 1979, p.736).
Já Reich, ao comentar, na entrevista de 1952, o confronto teórico com Freud,
afirmou que:

a grande pergunta era: ‘De onde vem essa miséria?’ E aqui


começaram as dificuldades. Enquanto Freud elaborou a sua teoria
da pulsão de morte, que dizia ‘a miséria vem de dentro’, eu fui ao
encontro das pessoas onde elas estavam. (Higgins & Raphael,
1967/1972, p.42, tradução nossa).

Em síntese, Reich não duvidava que a cultura contemporânea fundamentava-se


na repressão sexual, mas indagou se tal supressão ocorria em toda e qualquer
sociedade e se ela era realmente inevitável. Sem deixar de supor que a luta da
humanidade por uma vida melhor seria árdua, ele depositava esperanças, porém, na
ação conjunta de dois recursos: a pesquisa científica (que permitiria compreender
racionalmente os empecilhos individuais e sociais a uma atitude afirmativa em relação

20
à vida e à sexualidade) e o trabalho sócio-político (que conduziria, de maneira prática,
às transformações sócio-culturais necessárias).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em linhas gerais focalizamos, nesta investigação, o progressivo engajamento
social reichiano, verificado em Viena, de 1927 a 1930. Neste período o autor, na
condição de membro da Associação Psicanalítica Internacional, procurou articular
psicanálise e marxismo, formulou propostas práticas de intervenção social e acabou
por entrar em sério, e definitivo, conflito com Freud. Alguns pontos, contudo, ainda
merecem ponderações.
Quanto ao campo conceitual, se atentarmos para a maneira específica pela qual
Reich, em sua Economia Sexual, buscou aproximar as idéias de Freud e de Marx,
veremos que ele privilegiou aspectos energéticos presentes na psicanálise e no
marxismo. Como já foi destacado, o autor adotou, como um importante referencial em
suas pesquisas, o conceito de “forças inconscientes” (para a esfera psíquica) e o
conceito de “força de trabalho viva” (para o universo da produção). Essa orientação
está afinada com a postura de cientista natural, por ele assumida desde os seus
escritos iniciais (Bedani, 2004).
Dada essa profunda identificação do autor com as ciências naturais, é possível
ainda supor que ele concebeu todo o seu envolvimento sócio-político como uma forma
de trabalho científico. Desde o momento em que ingressou na Psicanálise, ele
acreditava estar praticando ciência; ao atuar na esfera social, não seria diferente.
Dessa perspectiva Reich não teria “deixado a psicanálise” para adentrar a militância
política, mas sim, teria dado continuidade, com sua atuação social, a um fazer científico
tão rigoroso e ético quanto o que vinha desenvolvendo no campo clínico.
Mas ao articular psicanálise e marxismo e, simultaneamente, implantar suas
propostas de reforma sexual no campo político, o autor acabou perdendo a aprovação
de Freud. Ao apresentar ao círculo psicanalítico, em dezembro de 1929, suas idéias
sobre a profilaxia das neuroses, Reich apartou-se definitivamente de seu mestre, fato
esse que, certamente, não favorecia suas atividades sócio-políticas em Viena.
Em 1930, Reich mudou-se para Berlim, em busca de uma maior ressonância para
suas idéias sexo-políticas e clínico-terapêuticas. A Alemanha vivia, então, momentos
dramáticos, com as forças de esquerda lutando acirradamente contra a ameaça
nazista. Na efervescente Berlim, Reich ingressou no Partido Comunista Alemão, deu
continuidade ao seu trabalho sexo-político e envolveu-se visceralmente na luta contra
o fascismo. Deixemos, contudo, esse assunto para uma próxima oportunidade.

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23
4. POLÍTICA E SEXUALIDADE NA TRAJETÓRIA DE REICH: BERLIM (1930-1933)7

[POLITICS AND SEXUALITY IN THE TRAJECTORY OF REICH:


BERLIM (1930-1933)]

Ailton Bedani; Paulo Albertini

RESUMO

Este artigo aborda o trabalho de cunho sexo-político que Wilhelm Reich


empreendeu em Berlim, entre 1930 e 1933. Procurou-se destacar, aqui, quatro
aspectos: a) o projeto reichiano de agregar em uma única organização,
conhecida como SEXPOL, diferentes grupos alemães que debatiam questões
relativas à sexualidade; b) as publicações de conotação sexo-política nas quais o
autor e seus colaboradores focalizaram temas relacionados à infância e à
adolescência; c) as análises reichianas a respeito da função social da repressão
sexual; d) os estudos que Reich elaborou, do ponto de vista da Sexologia Política,
a respeito do nazifascismo. Três fontes de dados foram consultadas: as principais
publicações de orientação sexo-política que Reich trouxe a lume no período
1930-1933; relatos autobiográficos e uma entrevista em que o autor, na
maturidade de sua obra, reavaliou sua participação política na Europa; os
trabalhos de alguns comentadores que analisaram a produção freudo-marxista
reichiana.

Palavras-chave: Pensamento reichiano; Sexualidade; Política; freudo-marxismo;


Psicanálise.

ABSTRACT

This study focuses on the sex-political work undertaken by Wilhelm Reich in


Berlin, between 1930 and 1933. Four aspects have been chosen to be exposed
here: a) the Reichian project of joining together in a single organization, known
as SEXPOL, diverse German groups that discussed issues relating to sexuality; b)
the publications of sex-political connotation in which the author and his
collaborators focused on themes related to childhood and adolescence; c)
Reichian analysis dealing with the social function of sexual repression; d) the
studies elaborated by Reich, by the light of Political Sexology, focused on Nazi-
Fascism. Three sources of data were consulted: the main sex-political works by
Reich published during the period 1930-1933; autobiographical reports and an
interview in which the author, in the mature days of his work, reassessed his
political participation in Europe; the works by some of the commentators who
examined Reich's Freudo-Marxian production.

Keywords: Reichian theory; Sexuality; Politics; Freudo-Marxism; Psychoanalysis.

7
Originalmente publicado em:
BEDANI, Ailton; ALBERTINI, Paulo. Política e sexualidade na trajetória de Reich: Berlim (1930-1933). Arquivos
Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro , v. 61, n. 2, ago. 2009 . Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-
52672009000200003&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 26 out. 2014.
24
No período 1927-1933, o médico e então psicanalista Wilhelm Reich (1897-1957)
envolveu-se visceralmente com o movimento político de esquerda. Atuando inicialmente
em Viena (1927-1930) e, depois, em Berlim (1930-1933), o autor desenvolveu uma ampla
teorização de conotação freudo-marxista e coordenou diversos trabalhos de intervenção
social, apoiando-se na visão de que política e sexualidade são domínios interligados e
indissociáveis.

Esta pesquisa focaliza as atividades de intervenção social empreendidas por Reich


entre 1930 e 1933, período em que residiu na cidade de Berlim. Procuramos avaliar aqui,
mais especificamente: a) o projeto, elaborado por Reich, de formar uma ampla
organização que congregasse grupos interessados em problematizar politicamente a
questão da sexualidade; b) o trabalho sexo-político dirigido às crianças e aos
adolescentes; c) os estudos que o autor empreendeu a respeito da função social da
repressão sexual; d) a tentativa reichiana de compreender o irracionalismo fascista.

Consultamos, nesta investigação, três fontes de dados: as principais publicações


em que Reich abordou, no período 1930-1933, temas relacionados à sexologia política;
relatos autobiográficos e uma entrevista em que o autor reavaliou sua participação
política na Europa; os trabalhos de alguns comentadores que analisaram a produção
reichiana de conotação sexo-política.

Este estudo está dividido em seis seções. Inicialmente, a título de introdução,


sintetizamos os dados acerca do primeiro estágio da produção freudo-marxista reichiana
(o período 1927-1930). Passando a nos dedicar especificamente ao nosso objeto de
estudo (a produção sexo-política reichiana em Berlim, entre 1930 e 1933), focalizamos, em
um segundo momento, um projeto formulado por Reich, conhecido como SEXPOL, que
objetivava reunir em uma única organização diversos grupos alemães que discutiam a
temática da sexualidade. Na terceira parte deste trabalho, resgatamos algumas
produções em que o autor e seus colaboradores abordaram, do ponto de vista da
Sexologia Política, temas concernentes à infância e à adolescência. Na quarta seção do
artigo, apresentamos sucintamente as análises reichianas a respeito da função social da
repressão sexual, indicando certas interfaces que Reich estabeleceu com os trabalhos de
Malinowski. Na quinta parte, recuperamos algumas análises e críticas que Reich
endereçou ao irracionalismo fascista, e os conflitos que o autor vivenciou com o Partido
Comunista Alemão e com a Associação Psicanalítica Internacional. Na última seção,
apresentamos algumas reavaliações de Reich a respeito de suas atividades sexo-políticas
e procedemos a uma breve discussão acerca da atualidade das ideias freudo-marxistas
reichianas.

SÍNTESE DA PRIMEIRA ETAPA DA SEXOLOGIA POLÍTICA REICHIANA

Antes de nos determos no trabalho sexo-político empreendido por Reich na


Alemanha, entre 1930 e 1933, cabe mencionar, a título de introdução, alguns dados que, a
nosso ver, permitirão que o leitor se situe melhor em relação aos temas centrais do
presente artigo. Tendo em vista essa breve contextualização, indicaremos, logo abaixo,

25
um dos eixos teóricos da obra de Reich (a teoria da potência orgástica) e resumiremos as
ideias e projetos que marcaram, na Viena do período 1927-1930, a fase inicial da produção
freudo-marxista reichiana.

Reich foi admitido como membro da Associação Psicanalítica de Viena em 1920,


antes mesmo de se graduar em Medicina (a formatura ocorreu em 1922). A partir de 1923,
ele passou a defender a tese de que o núcleo das neuroses reside em uma insatisfatória
descarga genital da excitação sexual. Um processo terapêutico bem-sucedido deveria
restabelecer, a seu ver, a ''potência orgástica''. Esse conceito foi amplamente
desenvolvido por Reich em um livro publicado em 1927, Die Funktion des Orgasmus (A
função do orgasmo) e sinteticamente definido, na maturidade da obra do autor, da
seguinte forma:

[...] potência orgástica é a capacidade de se entregar ao fluxo da energia biológica,


sem quaisquer inibições; a capacidade de descarregar completamente, por meio de
convulsões involuntárias e prazerosas do corpo, a excitação sexual acumulada (REICH,
1942-1989, p. 102, tradução nossa).

Além de atuar em consultório privado, Reich também trabalhou, de 1922 a 1930, na


Policlínica Psicanalítica de Viena, uma instituição que oferecia tratamento terapêutico às
pessoas que não dispunham de recursos financeiros para bancar o atendimento
convencional. Nessa clínica psicanalítica popular ele pôde observar, de forma vívida, a
difícil condição existencial de indivíduos que sofriam simultaneamente com sérios
problemas psicológicos e com a pobreza material (REICH, 1942-1989).

Em 1927, Reich ingressou no movimento de esquerda, motivado, especialmente,


pela profunda indignação que sentira, em 15 de julho daquele ano, ao presenciar o
assassinato, pelas forças policiais, de grevistas vienenses que protestavam pacificamente.

Buscando, inicialmente, respostas para a barbárie que observara nas ruas de Viena
e procurando, depois, uma compreensão científica da dinâmica social, Reich avaliou que a
teoria psicanalítica, elucidativa no que tange à vida inconsciente, deixava a desejar
quando se voltava para a análise dos fenômenos sociais. Nas obras de Marx, porém, ele
acreditou ter encontrado uma apreensão mais efetiva dos ''processos e condições
socioeconômicos objetivos, independentes da vontade humana consciente,
determinantes de nossos pensamentos e existência'' (REICH, 1953-1976, p. 67, tradução
nossa). Interessado em contemplar a interface indivíduo-sociedade, o autor publicou, em
1929, um estudo fundamental no campo da literatura freudo-marxista, Dialektischer
Materialismus und Psychoanalyse (Materialismo dialético e Psicanálise), texto em que
buscava estabelecer articulações e identificar aspectos conflitantes entre as ideias de
Freud e Marx.

Pautando-se pela teoria da potência orgástica, inspirando-se em alguns


referenciais energetistas que encontrara nas obras de Freud e Marx e valendo-se do
materialismo histórico e dialético, Reich fundou, por volta de 1928, um novo ramo de
investigações, a Economia Sexual (REICH, 1942-1989).
26
Investindo na tese de que ''a miséria sexual era essencialmente causada por
condições enraizadas na ordem social burguesa'' (REICH, 1953-1976, p. 107-108, tradução
nossa) e almejando ir além da pesquisa teórica, o autor e alguns colegas fundaram, em
1928, a Sociedade Socialista para Aconselhamento e Investigação Sexual, uma organização
que se propunha a oferecer informações gratuitas sobre problemas conjugais e sexuais,
controle de natalidade, educação de crianças e ''higiene mental em geral''. Trabalhando a
partir de uma perspectiva higienista que apostava na prevenção das doenças psíquicas
(CÂMARA, 1999; RAMALHO, 2001; ALBERTINI et al, 2007), o projeto cresceu rapidamente
e seis centros de aconselhamento foram criados em Viena. De acordo com o relato
reichiano, no período de um ano e meio os centros prestaram atendimento a
aproximadamente setecentas pessoas, e milhares participaram de palestras que
abordavam problemas emocionais/sexuais (REICH, 1942-1989).

Gradualmente o autor se deu conta, entretanto, que a intervenção pontual, apesar


de seus aspectos benéficos, não era suficiente para lidar com a ampla ''miséria
econômico-sexual''. Em busca de um programa profilático, Reich identificou, no final da
década de 1920, três fatores que determinavam, a seu ver, o ''flagelo neurótico'': a) a
rígida moral autoritária a que recorriam os educadores, para coibir a espontaneidade e
inibir a sexualidade na infância; b) os mecanismos sociais que visavam amortecer as
capacidades críticas e as necessidades sexuais dos adolescentes; c) a monogamia
obrigatória e vitalícia que, muitas vezes, resultava em uma devastadora infelicidade
conjugal (REICH, 1942-1989).

A partir de um contato direto e quotidiano com o proletariado vienense (inclusive


com a juventude), o autor acabou chegando à conclusão geral que a supressão da
sexualidade das crianças e adolescentes tinha a função, em última instância, ''de facilitar,
para os pais, a imposição de que seus filhos os obedecessem cegamente'' (REICH, 1942-
1989, p. 224, tradução nossa).

Reich (1986) estabeleceu, também, diferenciações entre ''relação sexual


duradoura'' (um envolvimento que não é refém de um prazo preestabelecido,
encontrando sustentação no carinho que nasce das experiências prazerosas em comum e
no aprendizado das mútuas necessidades sexuais) e ''casamento compulsório'' (um
envolvimento vitalício, regulado basicamente pelo moralismo e por questões de ordem
econômica, sem qualquer preocupação do casal com a qualidade de suas relações
afetivas e sexuais).

De acordo com o relato reichiano, Freud viu com bons olhos, em um primeiro
momento, o trabalho realizado nas clínicas de aconselhamento (HIGGINS; RAPHAEL,
1967-1972). Reich comenta, porém, que não tardou para que ocorresse uma profunda
ruptura entre ele e o fundador da Psicanálise. A cisão efetivou-se durante uma reunião na
casa de Freud, em 12 de dezembro de 1929, quando Reich, apoiando-se em mais de dois
anos de atividades com a população carente de Viena, apresentou uma série de reflexões
sobre a dimensão político-sociológica das neuroses e a urgente necessidade de se adotar
medidas profiláticas. Convicto de que a sociedade estava produzindo neuroses em massa,

27
o autor acreditava que a intervenção psicanalítica deveria ultrapassar os limites do
consultório particular e assumir, claramente, um papel transformador no contexto social
(REICH, 1942-1989).

Freud teria ficado, naquela reunião de dezembro de 1929, profundamente


incomodado com a perspectiva política com a qual Reich estava abordando o tema da
neurose, o problema da repressão sexual e a questão da infelicidade das massas. Após
ouvir as explanações de seu discípulo sobre as consequências sociais da teoria da libido e
a premente necessidade de uma profilaxia das neuroses, Freud afirmou enfaticamente,
de acordo com as reminiscências do Reich maduro, que ''a cultura vem em primeiro
lugar'' (HIGGINS; RAPHAEL, 1967-1972, p. 45, tradução nossa).

Experienciando, em Viena, um conflito direto com Freud e alimentando,


provavelmente, a expectativa de que encontraria, em Berlim, psicanalistas mais
receptivos às suas teorias clínicas e sexo-políticas, Reich mudou-se, em setembro de 1930,
para a Alemanha. Porém, antes de deixar a cidade em que vivera por mais de uma década,
ele se reuniu com Freud (foi a última vez que se encontraram), insistindo na diferenciação
entre ''família natural'' e ''família compulsória'' e reafirmando a importância da profilaxia
das neuroses. Freud teria então dito a Reich, em tom irritado, que suas teorias nada
tinham a ver com a orientação básica da Psicanálise (HIGGINS, RAPHAEL, 1967-1972).

BERLIM: SEXPOL E ASCENSÃO DO NAZISMO

Interessado na realização prática de suas ideias, Reich deu continuidade, na


Alemanha, ao trabalho sexo-político. Residindo em Berlim entre 1930 e 1933 e filiado ao
Partido Comunista Alemão, o autor participou ativamente de manifestações contra o
nazismo e continuou se envolvendo em projetos de cunho social (além de se dedicar à
clínica em consultório privado e à produção teórica no campo da técnica terapêutica).

Beneficiando-se do aprendizado obtido nos grupos de discussão vienenses, Reich,


durante sua estadia na Alemanha, chegava a proferir duas palestras por semana, como
relata em sua autobiografia política, People in trouble (Pessoas em dificuldades),
publicada originalmente em 1953. No tenso clima da Alemanha do início da década de
1930, o autor fazia conferências em diversas organizações filiadas ao movimento de
esquerda, como, por exemplo, na Associação dos Médicos Socialistas, instituição na qual
discorreu, para cerca de duzentos médicos e estudantes, sobre o tema da profilaxia das
neuroses. Na Escola dos Trabalhadores Marxistas, entidade que distribuía seus escritos por
toda a Alemanha, ele coordenou cursos sobre Marxismo e Psicologia e Sexologia (REICH,
1953-1976, p. 139).

Nas palestras em que se dirigia aos proletários alemães, o autor costumava focar,
de forma franca, temas cotidianos e prementes, tais como o problema da moradia, os
dilemas religiosos e a atitude negativista dos educadores em relação à sexualidade das
crianças: ''Nós abordávamos as questões econômicas do ponto de vista das necessidades
humanas e não, como faziam os economistas marxistas, a partir das teorias econômica ou

28
histórica, que não interessavam em nada às massas'' (REICH, 1953-1976, p. 140, tradução
nossa).

Mas, de acordo com os escritos de Reich, esse estilo de abordagem não era a regra
entre os militantes mais instruídos dos partidos de esquerda; tais militantes, como
relembra o autor em People in trouble, geralmente prendiam-se a formalismos e a
excessivas teorizações, adotando uma postura que não favorecia o acesso à grande
massa proletária e aos seus problemas quotidianos. A ideologia nazista, por sua vez,
recorria a meios mais acessíveis. Fazendo uso de uma linguagem carregada de moralismo
e manipulando com maestria o anseio de felicidade das massas, o fascismo angariava
cada vez mais adeptos (REICH, 1953-1976).

Consciente do avanço do nazismo e do perigo que essa ideologia representava,


Reich continuou apostando na força transformadora da sexologia política. O autor
comenta que, na Alemanha do início da década de 1930, havia cerca de oitenta
organizações que trabalhavam com questões relativas à sexualidade. Professando
orientações muito distintas e não raramente rivalizando entre si, tais organizações teriam
chegado a reunir um número significativo de participantes que nem mesmo os grandes
partidos haviam conseguido angariar (cerca de 350. mil pessoas, de acordo com as
estimativas reichianas). Na opinião de Reich, esses grupos produziam algum avanço
social, mas evitavam temas cruciais, tais como os dilemas da adolescência; além disso,
não dispunham de uma ''concepção de base sobre sexualidade e muito menos sobre
orientação sociopolítica''. Ocorreu-lhe, então, a ideia de agregar o maior número possível
daquelas organizações, a partir de ''um esforço conscientemente dirigido'' (Reich, 1953-
1976, p.151, tradução nossa). O projeto foi levado adiante e criou-se uma associação que
deveria ser dirigida por Reich, ''por outros dois médicos, por um deputado do Parlamento
Alemão (Reichstag) e pelos dirigentes da IFA - Interessengemeinschaft für Arbeiterkultur
[Comunidade de Interesses para uma Cultura dos Trabalhadores]'' (Matthiesen, 2003, p.
114). Com o apoio do Partido Comunista Alemão, deu-se em 1931 o primeiro congresso da
Associação Alemã para uma Política Sexual Proletária. O encontro, a julgar pelos relatos
reichianos, reuniu oito organizações que representavam vinte mil pessoas. Reich comenta
que não tardou para que outros grupos se associassem ao projeto, e para que novos
fossem criados. Segundo o autor, surgiu, assim, um movimento chamado SEXPOL, que
teria crescido rapidamente, chegando a contar com quarenta mil participantes.

Em suas memórias, Reich menciona que, nos grupos existentes em várias regiões
da Alemanha, pessoas de diferentes classes sociais e orientações ideológicas expunham
seus dilemas sexuais/emocionais, ávidas por respostas. Por outro lado, a questão da luta
de classes e outros temas caros aos dirigentes comunistas eram cada vez menos
debatidos: ''As pessoas queriam simplesmente conselhos práticos e ajuda sobre suas
dificuldades conjugais, criação dos filhos, distúrbios sexuais e crises morais de
consciência'' (REICH, 1953-1976, p. 154, tradução nossa).

O autor relata que, inicialmente, o Partido Comunista Alemão viu com bons olhos a
grande força de atração exercida pela SEXPOL. Com o decorrer do tempo, porém, líderes

29
partidários passaram a boicotar o movimento, acusando a orientação reichiana de dar
mais valor à política sexual do que à política econômica. Apesar dessas críticas, Reich
continuou o seu trabalho, treinando alunos para participarem das atividades nas
organizações e produzindo escritos de orientação sexo-política, tendo como uma de suas
preocupações centrais as dificuldades emocionais e sexuais vivenciadas por crianças e
adolescentes (REICH, 1953-1976).

A Repressão Sexual na Infância e na Adolescência

Ao trabalhar com a população proletária, Reich ficou impressionado com as


grandes dificuldades que os adolescentes vivenciavam na esfera sexual. Resolveu
escrever, então, um texto didático que contemplasse, de maneira franca, os principais
problemas sexuais e conflitos que os adolescentes experienciavam sob a égide do
''Estado burguês''. Em janeiro de 1932 finalizou Der sexuelle Kampf der Jugend(O
combate sexual da juventude), um pequeno livro que aborda o funcionamento do
aparelho reprodutor, os métodos anticoncepcionais, as doenças venéreas, a tensão
sexual e sua descarga. Mas que analisa, também, a ''significação da vida sexual do
adolescente no capitalismo'', questionando: ''Que ligação há entre a ordem social
capitalista, a sua ordem sexual e a maneira como é tratada a sexualidade da juventude?
Qual é a significação da repressão sexual da juventude?'' (REICH, 1932-1975, p. 133).

Na avaliação do autor, os adolescentes estavam imersos em uma intensa crise


social de valores. Na própria classe operária, de acordo com a leitura reichiana, fazia-se
atuante a tradicional moralidade burguesa com seu ideal de abstinência sexual na
adolescência; ainda que essa lógica moral tolerasse as práticas eróticas que elevavam ao
máximo a excitação, proibia, contudo, que a tensão se diluísse em uma entrega orgástico-
genital. Ao mesmo tempo, novos valores morais, estilos de comportamento e
concepções de mundo irrompiam velozmente, como sinalizavam os movimentos
artísticos de vanguarda, as revolucionárias descobertas científicas, a onda de impacto
produzida pela Revolução Bolchevique, a luta pelos direitos sociais da mulher, as
formulações da Psicanálise e a franqueza com a qual as questões sexuais começavam a
ser abordadas.

Reich (1986, p. 119, tradução nossa) notou, porém, que os novos e revolucionários
valores associados às mudanças político-culturais não eram absorvidos com facilidade.
Comparando os jovens ''de hoje'' (décadas de 1920 e 1930) aos da ''virada do século'' (do
XIX para o XX), afirmou:

Os adolescentes de hoje carregam um fardo infinitamente mais pesado do que a


juventude na virada do século. Esta última ainda podia ser completamente reprimida; mas
hoje, todas as forças da adolescência estão irrompendo. Porém, a juventude carece tanto
de suporte social quanto de capacidade estrutural para lidar com essas forças.

O autor logo constatou que a vida sexual do adolescente no sistema capitalista era
repleta de contradições e problemas de difícil solução. Acionada interna ou
externamente, a supressão da excitação na adolescência podia resultar nas mais variadas
30
patologias neuróticas; mas a satisfação dos impulsos sexuais também não era algo
simples, pois esbarrava em inúmeros problemas de ordem social. O que fazer?

[...] sem uma solução básica para a questão da educação sexual de crianças e sem
uma resolução para os problemas da contracepção e da moradia, um apelo acrítico aos
adolescentes no sentido de terem relações sexuais seria tão irresponsável e prejudicial
quanto a exigência de abstinência (REICH, 1986, p. 118, tradução nossa).

Antes de publicar seus estudos sexo-econômicos sobre a adolescência, Reich


distribuiu, entre os jovens, um texto preliminar que retornou repleto de sugestões
(mesmo sendo criticado pelo Partido Comunista, o autor era tido em alta conta por
grupos de jovens que politizavam a questão da sexualidade). A versão final do livro foi
então submetida aos burocratas de Moscou, que consideraram o texto de boa qualidade,
mas não julgaram sensato se responsabilizarem por sua publicação. Outra editora,
''menos oficial'', deveria, segundo os avaliadores russos, publicar a obra, mas mesmo essa
proposta não vingou. Diante de tais dificuldades, Reich decidiu fundar sua própria
editora, por meio da qual publicou, em 1932, Der sexuelle Kampf der Jugend (com uma
tiragem de dez mil exemplares), além de dois trabalhos produzidos por um grupo de
profissionais treinados em educação sexo-política: DasKreide-Dreieck (O triângulo de giz,
um conjunto de histórias para crianças, fundamentado na Economia Sexual) e Wenn dein
Kind dich fragt (Quando teu filho te pergunta, um compêndio para mães, a respeito das
dúvidas das crianças sobre sexualidade)1.

Antes da publicação de Das Kreide-Dreieck, os autores acharam por bem ler o


texto para um grupo de crianças, a fim de observar a reação delas. O material foi
apresentado a uma turma de aproximadamente oitenta crianças, de 8 a 12 anos de idade,
que, como recorda Reich, ouviram a leitura com extrema atenção e ''rostos iluminados''.
A narrativa tratava de questões associadas à sexualidade, mas não fazia qualquer
referência a métodos contraceptivos; esta e outras questões, contudo, não passaram
despercebidas aos jovens ouvintes: '''Por que não nos ensinam como se evita ter filhos?'.
'Isso nós já sabemos', retorquiu um menino a rir. 'O que é uma prostituta?', perguntou um
terceiro, 'não se falou disso na história''' (REICH, 1933-s.d., p. 187).

Ainda que o trabalho sexo-político estivesse chegando a grupos de crianças e


adolescentes, Reich perseguia, continuamente, uma questão básica: por que a
expressividade emocional e a sexualidade são reprimidas, de forma tão autoritária, desde
os primeiros anos de vida?

A Função Social da Repressão Sexual

Interessado em investigar se a repressão aos impulsos sexuais, especialmente


durante a infância, representava um fenômeno universal, Reich passou a estudar, entre o
final da década de 1920 e início da de 1930, uma série de trabalhos antropológicos. Qual é
a atitude, perguntou-se o autor, das ''culturas primitivas'' em relação à vida sexual?

31
No decorrer de suas pesquisas, ele entrou em contato com as obras do
antropólogo inglês Bronislaw Malinowski (1884-1942), um crítico das formulações
psicanalíticas que viam no complexo de Édipo um fenômeno determinante na
organização de toda e qualquer sociedade. Autor de ampla pesquisa de campo a respeito
da organização social e da vida sexual dos nativos das ilhas Trobriand (um arquipélago
que faz parte da Papua-Nova Guiné, na Oceania), Malinowsky chegou a conclusão, por
meio de seus estudos antropológicos comparativos, que o drama edipiano estava
exclusivamente relacionado à família patriarcal e à moral sexual repressiva do final do
século XIX e início do século XX.

Para o antropólogo inglês, as normas e restrições vigentes em cada sociedade


devem ser estudadas em seus específicos contextos socioeconômicos: ''é preciso
investigar as relações recíprocas entre os influxos biológicos e sociais e, renunciando a
uma afirmação da validade geral do complexo de Édipo, estudar separadamente cada
tipo de cultura a fim de estabelecer seu 'específico complexo'correspondente''
(MALINOWSKI, 1926-1963, p. 267, tradução nossa). No caso dos trobriandeses era
fundamental considerar que formavam uma sociedade matrilinear, na qual ''a
descendência, o parentesco e todas as relações sociais são fixadas legalmente, tomando-
se como referência exclusiva a mãe'' (MALINOWSKI, 1929-1983, p. 30).

Em 1932, Reich trouxe a público Der Einbruch der Sexualmoral (A invasão da


moral sexual), um estudo sobre a origem sociológica da moralidade negadora da
sexualidade. Uma segunda edição dessa obra, revista e ampliada, foi publicada por Reich
em 1935. No início da década de 1950 o autor procedeu a outra revisão, de caráter
conceitual e terminológico; o livro ganhou, então, o título The invasion of compulsory
sex-morality, tendo sido publicado, nos EUA, em 1971. Com a intenção de apresentar o
pensamento e o vocabulário utilizados por Reich em sua fase sexo-política, iremos
recorrer, logo a seguir, a uma tradução norte-americana feita a partir da edição de 1935.

Valendo-se das investigações de Malinowski sobre a sexualidade dos habitantes


das ilhas Trobriand, Reich afirma não ter identificado, na cultura trobriandesa, quaisquer
sinais de perversões sexuais ou neuroses. De acordo com a interpretação reichiana, as
crianças pertencentes àquela cultura apresentavam uma vida sexual espontânea,
contínua, sem qualquer ''período de latência''; os adolescentes exerciam sua sexualidade,
sem qualquer restrição, em locais especialmente destinados a eles; e o ''casamento'',
voluntariamente monogâmico, podia ser facilmente dissolvido a qualquer momento.

As pesquisas do antropólogo inglês deixavam claro, no entendimento de Reich,


que cultura e moralidade sexo-afirmativa podem coexistir; demonstravam, também, que
importantes interditos sociais (como, por exemplo, a proibição do incesto) não são, em si
mesmos, obstáculos a uma saudável regulação sexo-econômica. As sociedades
patriarcais, por sua vez, anestesiariam as manifestações vitais desde a infância, gerando
uma condição existencial apática que prepara o terreno para a escravização econômica e
a incrustração psíquica dos valores antissexuais.

32
Fundamentando-se em diversos estudos etnológicos, Reich procurou avaliar, de
uma perspectiva econômico-sexual, as diferenças existentes entre as sociedades
matriarcais e as sociedades patriarcais. O autor estava, certamente, familiarizado com a
teorização marxista acerca dos estágios socioeconômicos pelos quais teria passado o
Ocidente nos últimos dois ou três milênios - comunidade primitiva, escravismo,
feudalismo, capitalismo (o socialismo e o comunismo seriam as próximas etapas). Sem
negar essas divisões, Reich operou, como analisa Ollman, ''com uma periodização
baseada em desenvolvimentos sociossexuais, cujos três principais estágios são o
matriarcado, o patriarcado (que abarca a totalidade da história registrada) e o
comunismo'' (OLLMAN, 1972, p. xxiii, tradução nossa). A partir dessa perspectiva, o autor
identificou, na evolução das primitivas sociedades matriarcais para as patriarcais e, destas
últimas, para ''a fase capitalista do patriarcalismo'', o surgimento da moralidade sexo-
negativista. Em suas palavras:

Na história da humanidade a ordem sexual (em certa correlação com os interesses


econômicos produtivos da sociedade) transformou-se, de sua condição natural de
afirmação e suporte da economia sexual humana, em uma ordem sexualmente repressiva
e renegadora, que induz a um estilo de vida que se opõe à economia sexual. Este evento
histórico esteve diretamente associado à transformação da sociedade matriarcal em
sociedade patriarcal, e do comunismo primitivo em sociedade de empresa privada. A
repressão sexual é desconhecida na sociedade natural, assim como não pode ser
identificada em qualquer organização natural dos seres vivos. A empresa privada e o
nascente patriarcado criaram todos os interesses econômicos que culminaram na base
social para a moralidade sexo-negadora e a consequente economia sexual humana
alterada (REICH, 1935-1972, p. 238, tradução nossa).

O Irracionalismo Fascista

Residindo em Berlim entre 1930 e 1933, Reich acompanhou de perto a ascensão do


nazismo. Hitler chegou ao poder respaldado por milhões de votos, ainda que muitos
marxistas julgassem que a Alemanha apresentava todas as precondições econômicas
necessárias para uma revolução social. Apesar do intenso trabalho de conscientização
realizado pelos partidos de esquerda e organizações de classe, a plataforma nazista
alcançou amplo reconhecimento popular. Por que, perguntou-se Reich, a proposta
socialista, com seus ideais de liberdade e igualdade, foi subjugada pela ideologia fascista?
Tomando por base o contato próximo que estabeleceu com a grande massa de
proletários e desempregados, as pesquisas que empreendeu no campo da Economia
Sexual e um sistemático estudo, iniciado em 1930, do ideário nazista, o autor procurou
responder àquela pergunta fundamental por meio da obra Massenpsychologie des
Faschismus (Psicologia de massas do fascismo), publicada em 1933.

A psicologia de massas reichiana propôs-se a estudar os ''processos psicológicos


típicos 'comuns' a uma camada social, a uma classe, a um grupo profissional etc.'' (REICH,
1933-1974, p. 19-20), deixando de lado as diferenças individuais. No decorrer de suas
pesquisas, o autor percebeu que o indivíduo médio é portador, em sua estrutura

33
caracterial, de uma profunda cisão entre tendências ''revolucionárias'' e ''reacionárias''.
Por um lado, o sujeito deseja significativas mudanças sociais e aspira à felicidade nos
âmbitos cultural e sexual; por outro, carrega em sua estrutura uma milenar moral
autoritária, patriarcal e sexo-negativa que o torna apático e temeroso de se
responsabilizar por seu próprio destino. Entorpecido, desde cedo, pela família autoritária
e inserido em um sistema social que suga sua ''força de trabalho viva'', o indivíduo, apesar
de seus anseios libertários, acaba apoiando justamente a classe que o explora: ''a inibição
sexual modifica estruturalmente o homem economicamente oprimido, de tal modo que
ele age, sente e pensa contra o seu interesse material. O que equivale a uma assimilação à
burguesia'' (REICH, 1933-1974, p. 34).

O fascismo, na visão de Reich, é a manifestação coletiva, em momentos de crise


econômica e social, das contradições presentes na estrutura caracterial do homem
médio. Abordando essa complexa questão em sua autobiografia científica The function
of the orgasm(A função do orgasmo), publicada em 1942, o autor comenta: ''Na verdade,
Hitler nada mais representava do que a expressão da trágica contradição entre o anseio
por liberdade e o medo real da liberdade'' (REICH, 1942-1989, p. 236, tradução nossa).

As análises que Reich endereçou ao fenômeno do fascismo não agradaram,


porém, a cúpula do Partido Comunista Alemão. Uma frase presente na abertura de
Massenpsychologie des Faschismus - ''A classe operária alemã acaba de sofrer uma grave
derrota [...]'' (REICH, 1933-1974, p. 5) - teria irritado particularmente os dirigentes
comunistas alemães, tornando ainda mais tensa a relação entre o autor e a direção do
partido, de orientação stalinista.

Em 21 de novembro de 1933, o Partido Comunista Dinamarquês (o médico-


psicanalista estava tentando se refugiar em Copenhague, mas não pertencia à
agremiação) em concordância com o Partido Comunista Alemão (que havia sido extinto
em março) publicou uma nota comunicando a expulsão de Reich; entre os motivos
apontados, constam: comportamento antipartidário, criação de uma editora sem
aprovação do Partido, publicação de um livro contrarrevolucionário (REICH, 1953-1976, p.
200). Quanto à publicação em questão, o autor fez as seguintes ponderações por volta de
1939: ''Organizações surgem e desaparecem; conceitos válidos têm um desenvolvimento
e um futuro. Hoje, Psicologia de massas do fascismo é um livro reconhecido na luta
contra todo tipo de autoritarismo'' (REICH, 1953-1976, p. 204).

A relação entre Reich e o meio psicanalítico também se tornara, desde o final da


década de 1920, como mencionamos no início deste artigo, conflituosa: diferenças
teóricas, metodológicas e políticas evidenciaram-se pouco a pouco. O autor considerava a
teoria da libido como um dos pilares da obra freudiana, mas, em sua avaliação, a
tendência geral, entre os psicanalistas, era a de relegar o conceito de ''energia sexual'' a
um segundo plano, o que implicaria, dentre outros efeitos, uma ''descientifização'' da
Psicanálise. Além disso, Reich passou a criticar veementemente o conceito freudiano de
pulsão de morte, e suas propostas no campo da técnica terapêutica começaram a se
distanciar da metodologia clínica psicanalítica.

34
Em agosto de 1934, realizou-se em Lucerne, na Suécia, o 13o Congresso
Internacional de Psicanálise. De acordo com os relatos de Reich, foi durante esse evento
que se concretizou sua expulsão da Associação Psicanalítica Internacional (IPA)2.Como
vimos logo acima, o autor vinha criticando aspectos do pensamento freudiano e a pouca
atenção que, a seu ver, os psicanalistas estavam dando à perspectiva energética. Mas,
como analisa Wagner, a exclusão de Reich do movimento psicanalítico deveu-se, muito
mais, ao incômodo que sua militância política suscitou na cúpula da IPA, no delicado
momento da ascensão de Hitler ao poder:

Não há dúvida de que Reich pertencia ao grupo de psicanalistas que situava o


conflito humano na fronteira entre indivíduo e sociedade. E que ele e outros
representantes dessa facção sofreram, além da perseguição nazista (como praticamente
todos os representantes da psicanálise), uma outra perseguição, e esta vinha de dentro
da própria instituição psicanalítica. Além de Reich, outros psicanalistas de esquerda foram
orientados, pelas instituições psicanalíticas a que estavam filiados, a abandonar a
militância política (WAGNER, 1995, p. 60).

Em janeiro de 1933, com a ascensão de Hitler ao poder, Reich precisou fugir de


Berlim. Seus livros foram incinerados publicamente e ele estava sendo procurado pelas
forças policiais nazistas. Após um período de peregrinação, em busca de um país em que
pudesse se estabelecer, o autor mudou-se para a Noruega em 1934, vivendo em Oslo por
aproximadamente cinco anos. Em 1939, um pouco antes da eclosão da Segunda Guerra
Mundial, Reich imigrou para os Estados Unidos da América, país em que passou os
últimos dezoito anos de sua vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao rever, na maturidade de sua obra, o período em que militou politicamente na


Europa, Reich revelou que sempre tivera desconfianças em relação ao movimento de
esquerda em Viena e Berlim: ''Nunca acreditei realmente que os socialistas e comunistas
estivessem aptos a resolver os problemas emocionais humanos'' (REICH, 1953-1976, p. 10,
tradução nossa).

Em suas autocríticas da década de 1950, ele admitiu, também, ter incorrido em


dois erros. O autor considerou como seu primeiro erro estratégico a tentativa de buscar
apoio político-partidário para os projetos sexo-econômicos do período 1927-1933: ''teria
sido melhor se eu tivesse limitado o movimento, nos primeiros dez anos, à criação de
clínicas'' (HIGGINS; RAPHAEL, 1967-1972, p. 81, tradução nossa). Reich acreditava ter
cometido um segundo deslize quando desconsiderou as barreiras caracterológicas e
estruturais à liberdade: ''era um erro acreditar que bastava falar para as pessoas a
respeito das neuroses e da felicidade para que elas fossem capazes de compreender e
mudar'' (HIGGINS; RAPHAEL, 1967-1972, p. 45-46, tradução nossa). Em virtude desses
''erros'', o autor quis dar, em 1952, um aviso aos ''futuros movimentos de higiene
mental'':

35
Nunca procedam de maneira política! As pessoas ficarão muito entusiasmadas a
respeito. Irão vibrar. Irão se inflamar. Mas as suas estruturas não as acompanham. [...] A
discrepância existente entre aquilo que um ser humano quer, aquilo com o que sonha,
aquilo que intelectualmente considera como verdadeiro e bom e aquilo que ele realmente
pode fazer, ou seja, o que a sua estrutura, a estrutura de caráter de fato lhe permite
realizar, é um grande problema em higiene mental (HIGGINS, RAPHAEL, 1967-1972, p. 82,
tradução nossa).

Apesar da decepção vivenciada com a política partidária, Reich (1953-1976, p. 8,


tradução nossa) não abandonou, nas etapas posteriores de seu trabalho, as
preocupações de índole social: ''O político em mim morreu, mas o médico trabalhador, o
cientista pesquisador e o sociólogo não apenas permaneceram, mas, até agora,
realmente sobreviveram ao caos social''. Prova disso foi a fundação, em 1949, do
Orgonomic Infant Research Center, uma instituição multidisciplinar dedicada ao
desenvolvimento infantil. Fundamentado na ''Orgonomia'' (vocábulo utilizado por Reich
para indicar a totalidade de sua obra e para designar a ciência que estuda as
manifestações da ''energia orgone'', uma força primária e primordial que o autor julgava
ter detectado nos domínios do vivo e do não-vivo), o Centro de Pesquisas Orgonômicoda
Infância tinha por objetivo averiguar detalhadamente e prevenir distúrbios emocionais em
recém-nascidos e crianças pequenas.

O autor, em suma, continuamente criticou, ainda que de distintas perspectivas, as


ideologias negadoras da vida, buscando, sempre que possível, integrar suas teorias a
projetos de cunho social.

Mas no que se refere estritamente ao trabalho reichiano de conotação freudo-


marxista, é inevitável indagar se essa experiência do período 1927-1933 pode fornecer
elementos para se pensar intervenções sociais em nossa atualidade. Trata-se de tarefa,
sem dúvida, sedutora, mas que antes de tudo exige, a nosso ver, uma reflexão a respeito
de um dos fundamentos da produção reichiana: a perspectiva científico-natural. Reich
sempre declarou simpatia pelos referenciais de cunho científico que detectou nas obras
de Marx e Freud, e foi como cientista que afirmou ter participado do movimento de
''higiene sexual''. Mesmo os pressupostos especificamente reichianos - a teoria da
potência orgástica, a Economia Sexual, o conceito de couraça do caráter - foram tingidos
por essa concepção cientificista, orientação esta que, aliás, perpassa a globalidade de sua
obra (BEDANI, 2007). Em suma, a política, para o Reich do período aqui considerado, era
ela própria uma forma de exercício da ciência natural.

Assim, avaliamos que antes de qualquer transposição do trabalho sexo-político de


Reich para nossa contemporaneidade, faz-se necessário considerar as singulares
condições históricas em que aquele trabalho se desenvolveu, os valores associados à
perspectiva científico-natural e as implicações decorrentes da intersecção entre Política e
Ciência.

36
Contextualizações desse gênero permitirão, certamente, apreciar sob uma nova
ótica a Sexologia Política de Reich e examinar, a partir de necessidades e parâmetros mais
atuais, temas sem dúvida fundamentais, tais como a crítica do autor à visão freudiana de
cultura, as formulações teórico-epistemológicas a que chegou em sua tentativa de
associar as obras de Marx e Freud e a questão, tão contemporânea, da defasagem
existente entre a irrupção de novos valores e o conservadorismo caracterial.

REFERÊNCIAS

ALBERTINI, P.; SIQUEIRA, F. Z.; TOMÉ, L. A.; MACHADO, T. L. Reich e o movimento de higiene
mental.Psicologia em estudo, v. 12, n. 2, maio-ag., 2007, p. 393-401.

BEDANI, A. Energética e epistemologia no nascimento da obra de Wilhelm Reich. 2007. 176 f. Dissertação
(Mestrado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

CÂMARA, M. V. de A. Para além do claustro bipessoal: proposições teóricas para uma psicoterapia grupal
de base reichiana. 1999. 193 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social e da Personalidade) - Instituto de
Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.

HIGGINS, M.; RAPHAEL, C. (Org.). Reich speaks of Freud. New York: Condor Book, 1967-1972.

MALINOWSKI, B. Estudios de psicologia primitiva. El complejo de edipo. Tradução Von Haselberg. Buenos
Aires: Editorial Paidos, 1926-1963.

______. A vida sexual dos selvagens. Tradução de Carlos Sussekind. Rio de Janeiro: Ed. Francisco Alves,
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Matthiesen. S. Q. A educação em Wilhelm Reich - Da psicanálise à pedagogia econômico-sexual. São Paulo:


Editora Unesp, 2003.

______. Organização bibliográfica da obra de Wilhelm Reich: bases para o aprofundamento em diferentes
áreas do conhecimento. São Paulo: FAPESP/Annablume, 2007.

OLLMAN, B. Introduction. In: REICH, W. Sexpol - Essays 1929-1934. New York: Vintage Books, 1972.

RAMALHO, S. Psicologia de massa do fascismo: Reich e o desenvolvimento do pensamento crítico. 2001.


280 f.Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2001.

REICH, W. The imposition of sexual morality. Tradução Anna Bostock, Tim DuBose e Lee Baxandall. In:
______. Sexpol - Essays 1929-1934. New York: Vintage Books, 1935-1972.

______. Psicologia de massa do fascismo. Tradução J. Silva Dias. Porto: Publicações Escorpião, 1933-1974.

______. O combate sexual da juventude. Tradução Jorge Silvano. Porto: Dinalivro, 1932-1975.

______. People in trouble. Volume two of the emocional plague of makind. Tradução Philip Schmitz. New
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______. The sexual revolution. Toward a self-regulating character structure. New York: Farrar, Straus and
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37
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______. Psicologia de massas do fascismo. Tradução Maria da Graça M. Macedo. São Paulo: Ed. Martins
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RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. Revista da Sociedade Wilhelm Reich
do Rio Grande do Sul, v. 2. n. 2, p. 4-14, dez. 1998,

WAGNER, C. M. Freud e Reich - Continuidade ou ruptura?São Paulo: Summus Editorial, 1995.

1 Em português, um valioso material sobre o acervo bibliográfico de Reich pode ser encontrado em
Matthiesen (2007).
2 Ver, também, sobre o assunto, o enfoque da psicanalista e filha de Reich, Lore Reich Rubin (1998).

38
5. AS PESQUISAS ENERGÉTICAS REICHIANAS8

Ailton Bedani

O próprio Reich, que acreditava que seu trabalho se inseria no campo da ciência
natural, realçou, aos 53 anos de idade, o papel determinante da dimensão energética em
sua obra. Em uma palestra proferida em 26 de agosto de 1950, ele deixou claro que sua
preocupação com o tema da energia remontava à fase inicial de seu trabalho:

Sou antes de tudo um cientista natural, não um psicólogo e, claro, não um


psicanalista. Dediquei-me a todo o campo da psiquiatria como cientista
natural. Esse interesse foi ditado, em primeiro lugar, pela questão da
energia. Já era assim em 1919 (REICH, 1990b, p. 50, tradução nossa).

Em 1919, Reich estava iniciando o curso de medicina na Universidade de Viena (a


formatura ocorreu em 1922) e aproximando-se da psicanálise (em outubro de 1920 ele foi
aceito como membro da Associação Psicanalítica de Viena, antes mesmo de terminar a
graduação universitária) (REICH, 1942/1989). Foi também por volta de 1919-20 que o autor
formulou a hipótese que direcionou toda a sua obra, ao conjecturar que os fenômenos
naturais estariam assentados, em derradeira instância, em um peculiar processo
energético. Na base dos eventos naturais deveria agir, cogitou o jovem Reich, uma
energia primária ou primordial, anterior à matéria. Uma energia que seria, em si, livre de
massa, mas que, de alguma maneira, poderia gerar unidades materiais (REICH,
1950/1990d).
Quando contava com aproximadamente 50 anos de idade, o autor relembrou que
sua “antiga suposição de 1920” continha três aspectos: a) “que a energia funciona ANTES
de qualquer massa”; b) “que não é a matéria, mas sim a energia que é primária”; c) “que
a massa precisa ser derivada, de alguma forma, da energia” (REICH, 1996a, p. 13, tradução
nossa, grifo do autor).9
O Reich estudante de medicina e psicanalista não se limitou, porém, a conjecturar
a respeito de um processo energético primário que se manifestaria na natureza
inorgânica e que, por suas características fenomênicas, não se acomodaria às
determinações mecano-materialistas; ele também mostrou simpatia pelo conceito de

8
Extraído de: BEDANI, A. A relação entre sensação e produção de conhecimento na obra de Wilhelm Reich.
2013. 212 f. Tese (Doutorado) — Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
9
Veremos mais à frente que o autor, em determinado momento de sua produção, julgou ter objetivado
laboratorialmente essa energia pré-massa ou primária. No que tange especificamente às especulações do
jovem Reich a respeito de uma energia primordial anterior à matéria, cabe mencionar que elas dificilmente
se coadunariam, como demonstramos em outro trabalho (BEDANI, 2007a), com os rumos teóricos e
experimentais que a Física vinha adotando no final do século XIX e início do século XX. A ideia de uma
energia fundante que antecede a matéria (ou à equivalência massa-energia) certamente soaria, ao meio
científico, como uma visão metafísica da natureza. Além disso, a Física vinha evitando caracterizar a energia
como uma coisa ou substância, procurando muito mais mensurá-la e quantificá-la do que especular sobre
sua essência, ao passo que Reich, ao se referir a uma energia primária, tinha em mente uma entidade física
concreta ou um fenômeno natural cujas propriedades poderiam ser observadas laboratorialmente, e não
apenas uma relação de equivalência numérica.
39
energia biológica específica, energia essa que seria praticamente idêntica ou, ao menos,
estaria diretamente associada ao fenômeno da vida (REICH, 1942/1989). Frequentemente
sugerida pelos filósofos e cientistas vitalistas, essa singular energia não se assemelharia,
no entendimento daqueles estudiosos, às formas de energia investigadas pela Física e
apresentaria uma dinâmica inacessível à lógica mecanicista.
Entre os autores que defendiam a existência de uma energia corporal específica
estava o biólogo austríaco Paul Kammerer (1880-1926), professor de Reich na
Universidade de Viena e influência teórica marcante na produção reichiana (BEDANI,
2007a). Um trecho da obra Allgemeine Biologie, publicada por Kammerer em 1915, retrata
com nitidez a diretriz teórica que encantou o jovem Reich e, como veremos mais à frente,
determinou sua obra:

Se, transgredindo os limites do aceitável, eu precisasse finalmente afirmar o


que julgo ser o mais provável — uma crença científica não comprovada e,
até o momento, não passível de comprovação —, teria então que dizer: a
existência de uma força vital específica parece-me inteiramente plausível!
Uma energia que não é calor, eletricidade, magnetismo, energia cinética
(inclusive oscilação e radiação), nem energia química, nem um amálgama de
algumas ou todas essas energias, mas uma energia que pertence
especificamente àqueles processos naturais que chamamos ‘vida’. O que
não significa que sua presença se restrinja àqueles corpos naturais que
denominamos de ‘seres vivos’, mas que ela também se faz presente, pelo
menos, no processo de formação dos cristais. Por isso, uma designação
mais adequada para ela, a fim de se evitar mal-entendidos, poderia ser
‘energia formadora’ ao invés de ‘energia vital’. Essa ‘energia formadora’ não
apresenta qualquer propriedade suprafísica, embora nada tenha em
comum com as energias físicas conhecidas até o momento. Não seria uma
misteriosa ‘enteléquia’ (Aristóteles, Driesch), mas sim, uma ‘energia’ natural
autêntica, associada aos fenômenos da vida, criação e modificação de
formas, assim como a energia elétrica está associada aos fenômenos
elétricos e a energia química às transformações químicas. Acima de tudo,
estaria sujeita à lei da conservação de energia e, sob certas circunstâncias,
poderia se converter em outras formas de energia, da mesma forma que,
por exemplo, o calor pode ser convertido em energia cinética e vice-versa
(KAMMERER, 1915, citado em REICH, 1948/1973e, p. 9, tradução nossa).10

Reich, que tinha como centro de suas preocupações, desde o início da década de
1920, a complexa e intrigante questão “O que é a vida?” (REICH, 1942/1989, p. 22,
tradução nossa), via certo sentido nas proposições vitalistas acerca de uma energia
biológica específica ou força criadora, mas se incomodava profundamente com o fato de
tais proposições jamais alcançarem sólida comprovação experimental e serem, por isso,
frequentemente tachadas de especulação metafísica ou espiritualista. Por se opor a
“qualquer concepção metafísica acerca da natureza” (REICH, 1950/1990d, p. 4, tradução
nossa), ele acreditava que apenas a ciência natural teria, eventualmente, condições de
validar as proposições energéticas vitalistas:
10
Cabe lembrar, ainda, que certa perspectiva vitalista também se fez presente no trabalho de dois outros
autores que marcaram a produção reichiana: o filósofo francês Henri Bergson (1859-1941) e o biólogo e
filósofo alemão Hans Driesch (1867-1941) (BEDANI, 2007a).
40
A ideia de uma força criadora que governa a vida parecia irrefutável.
Contudo, ela não ganharia aceitação enquanto não se tornasse tangível,
descritível e manejável concretamente. A aplicabilidade prática era
considerada, com razão, o objetivo supremo da ciência natural (REICH,
1942/1989, p. 24, tradução nossa).

O interesse de Reich pela questão energética permeou, também, sua participação


no movimento psicanalítico entre 1920 e 1934. Na opinião do autor, conceitos freudianos
como libido e impulso (Trieb), ainda que carecessem de objetivação laboratorial,
poderiam estabelecer alguma interface entre a psicanálise e a ciência natural. Em diversas
oportunidades, ele reconheceu que a noção psicanalítica de energia sexual foi
fundamental na primeira etapa de sua produção, contribuindo para suas pesquisas
sexológicas, clínicas e sociológicas. Esse reconhecimento pode ser observado, por
exemplo, em uma entrevista que o pesquisador concedeu em 1952 ao The Sigmund Freud
Archives. Reich então esclareceu que havia simpatizado com a teoria da libido não por se
sentir “especialmente partidário do sexo no sentido usual do termo”, mas sim, porque tal
teoria expressaria “um princípio científico natural concernente à quantidade de energia e
ao funcionamento objetivo” (HIGGINS; RAPHAEL, 1972, p. 122, tradução nossa). Partindo
do pressuposto de que a ciência natural não poderia prescindir da referência energética,
ele era da opinião que, com a teoria da libido a psicologia teria se vinculado à ciência
natural “pela primeira vez na história da ciência” (p. 126, tradução nossa, grifo do autor).
A teoria da potência orgástica, gradualmente elaborada pelo autor no período
1922-1926 e um dos pilares de sua obra, é um exemplo de pesquisa reichiana que recebeu
forte influência da noção de libido. Trabalhando, no estágio inicial de sua produção, como
médico-psicanalista em Viena, Reich pautou suas primeiras investigações clínicas pela
ideia de que haveria uma fonte de energia alimentando continuamente as perturbações
psíquicas. Em 1923, defendeu a tese de que essa fonte ou núcleo da neurose residiria em
uma estase (estagnação ou acúmulo) da excitação sexual, estase essa que, a seu ver,
seria predominantemente gerada por uma insatisfatória descarga genital da libido.
Impossibilitada de escoar genitalmente, a excitação acabaria tomando rotas pré-genitais,
as quais, ainda que trouxessem algum alívio momentâneo, intensificariam em última
instância o complexo e desgastante quadro neurótico. A experiência clínica teria
demonstrado a Reich, contudo, que a recuperação da “função genital” (REICH,
1942/1989, p. 110, tradução nossa) poderia propiciar o desaparecimento ou a significativa
diminuição dos sintomas neuróticos. Pois, para o autor, o aparelho genital seria o
mecanismo mais eficaz para a descarga das tensões sexuais acumuladas.
Em 1924, durante um congresso psicanalítico, e no ano seguinte por meio de um
artigo — “Weitere Bemerkungen ueber die therapeutische Bedeutung der Genitallibido”
(Observações complementares sobre o significado terapêutico da libido genital)11 —, o
jovem pesquisador lançou o conceito de potência orgástica, considerando-o crucial para a
resolução das “perturbações neuróticas da libido” (REICH, 1925/1975a, p. 210, tradução

11
Consultamos aqui uma tradução desse artigo para a língua inglesa — “Further remarks on the therapeutic
significance of genital libido” (REICH, 1925/1975a).

41
nossa) e ousando ainda afirmar que nenhuma análise poderia ser considerada como
terminada enquanto a “potência orgástica genital” (p. 214, tradução nossa) não estivesse
assegurada.
Após ter atendido um expressivo número de pacientes, fundamentou ainda mais
suas formulações em obra escrita em 1926 e publicada no ano seguinte, Die Funktion des
Orgasmus (“A função do orgasmo”).12 A potência orgástica foi então definida
“fenomenologicamente” como a “aptidão” de a personalidade imergir plenamente na
“experiência genital”, “apesar de eventuais conflitos pessoais” (REICH, 1927/1980b, p.15,
tradução nossa).
A capacidade psíquica de experienciar “a plena entrega genital” (REICH,
1942/1989, p. 175, tradução nossa) seria inseparável da dimensão bioenergética da
experiência orgástica, como esclareceu o autor em sua autobiografia científica:

Potência orgástica é a capacidade de se entregar ao fluxo da energia


biológica, sem quaisquer inibições; a capacidade de descarregar
completamente, por meio de convulsões involuntárias e prazerosas do
corpo, a excitação sexual acumulada (REICH, 1942/1989, p. 102 tradução
nossa).13

Opondo-se, desde o início de seu trabalho, às teorias sexológicas de sua época que
consideravam as potências eretiva e ejaculatória, assim como a sensibilidade e
lubrificação vaginais, como critérios suficientes para uma relação sexual satisfatória
(REICH, 1925/1975a, 1927/1980b), o autor, fundamentando-se em ampla pesquisa clínica,
procurou demonstrar que algo mais precisaria se associar àqueles fenômenos para que o
indivíduo experienciasse um profundo alívio da tensão sexual. Esse algo se manifestaria
certamente, a seu ver, em indivíduos “orgasticamente potentes” (REICH, 1942/1989, p.
105, tradução nossa), ou seja, em indivíduos em que a “função genital” (p. 110, tradução
nossa) teria a capacidade de concentrar a excitação sexual proveniente do corpo e
desencadear, em seguida, convulsões orgásticas involuntárias. Essas convulsividades de
natureza orgástica seriam indissociáveis de um concomitante sentimento de entrega e
substancializariam, na visão reichiana, a experiência sexual satisfatória, com plena
descarga da excitação acumulada.

12
A obra Die Funktion des Orgasmus, que veio a público em Viena no ano de 1927, não deve ser confundida
com a autobiografia científica de Reich, The function of the orgasm, publicada nos EUA em 1942; essa
autobiografia faz referências à obra de 1927, mas vai além, pois abarca duas décadas de pesquisas
reichianas. Recorremos aqui a duas versões norte-americanas de Die Funktion des Orgasmus: Genitality – In
the theory and therapy of neurosis (REICH, 1927/1980a), que não reproduz exatamente o livro original, posto
que o autor, ao revisar a obra na década de 1940, introduziu significativas alterações no texto; e The
function of the orgasm (REICH, 1927/1980b), uma tradução feita diretamente do original.
13
A teoria freudiana da libido contribuiu para diversas outras formulações do primeiro estágio do trabalho
de Reich, sobre as quais não discorreremos aqui, posto que pretendemos retomar, das pesquisas reichianas
sobre os processos energéticos, tão somente os aspectos necessários para avançar no entendimento do
tema da sensação. Cabe registrar, no entanto, que o ponto de vista econômico freudiano marcou forte
presença nos primeiros estudos de Reich sobre a teoria da técnica terapêutica — consubstancializados no
livro Charakteranalyse (“Análise do caráter”) (REICH, 1933/1969) — e em suas produções freudo-marxistas,
como se pode observar, por exemplo, na obra Massenpsychologie des Faschismus (“Psicologia de massas do
fascismo”) (REICH, 1933).
42
A maior parte da humanidade, no entanto, padeceria, segundo o cientista, de
impotência orgástica, condição patológica que, por carecer daquele algo, abarcaria desde
a completa apatia erótica (com eventuais sintomas de impotência eretiva ou
insensibilidade vaginal) até as relações sexuais em que a diminuta satisfação (ou mesmo a
plena insatisfação) seriam a regra (REICH, 1942/1989).
Fiel à sua perspectiva científico-natural, o autor se propôs a investigar
laboratorialmente aquele ‘algo mais’ (o fator que precisaria se associar ao âmbito
fisiológico para propiciar a experiência da potência orgástica), em um período em que sua
vida e obra se entrelaçavam com dramáticos acontecimentos históricos. Morando em
Berlim quando Hitler chegou ao poder, Reich, crítico ferrenho do nacional-socialismo,
precisou deixar a Alemanha por conta da perseguição nazista. Expulso em 1933 do Partido
Comunista Alemão (realizando, desde 1927, estudos de cunho freudo-marxista e
desenvolvendo, junto às organizações de esquerda, projetos sociais de orientação sobre
sexualidade, ele foi acusado pelos burocratas do partido de dar mais atenção à política
sexual do que à política econômica), Reich também deixou de ser reconhecido, em 1934,
como membro da Associação Psicanalítica (por conta de seus posicionamentos políticos e
de suas críticas a certos aspectos do pensamento freudiano). Após uma peregrinação em
busca de abrigo, o cientista exilou-se na Noruega, vivendo nesse país no período 1934-
1939. Tendo a oportunidade de utilizar um laboratório do Instituto de Pesquisa da
Universidade de Oslo, Reich pôde, enfim, integrar os seus estudos clínicos e sociológicos
à investigação experimental. Pautando-se por pesquisas de época sobre a eletrofisiologia
dos fluidos corporais, o cientista suspeitou que o ‘algo mais’ deveria ser um fenômeno de
natureza elétrica e pôs-se a investigar, entre 1934 e 1936, as variações da bioeletricidade
da pele e mucosas em função da condição emocional do indivíduo, especialmente em
relação aos estados de prazer e angústia (REICH, 1937/1982b, 1942/1989).14
Custeando de seu próprio bolso a construção de um oscilógrafo, Reich utilizou o
aparelho para mensurar o potencial bioelétrico periférico em sujeitos que eram
submetidos ora a estímulos agradáveis, ora a estímulos desagradáveis. Entre suas
descobertas, ele constatou que, em indivíduos que seriam orgasticamente potentes, o
potencial elétrico de uma dada região aumentava quando (e exclusivamente) o sujeito da
pesquisa experienciava uma sensação de prazer (se a estimulação não fosse
acompanhada de uma impressão agradável, o instrumento não acusava aumentos de
potencial). Por outro lado, estímulos desagradáveis (angustiantes, desconfortáveis,
dolorosos) produziam, de acordo com as observações de Reich, uma diminuição da
bioeletricidade da pele. Ao investigar laboratorialmente, por exemplo, a ereção peniana,

14
Nesses experimentos é possível constatar a influência determinante do médico e patologista austríaco
Friedrich Kraus (1858-1936). Em resenha escrita em 1927 para a “Internationale Zeitschrift für
Psychoanalyse” (IZP), Reich, estabelecendo relações entre as ideias de Kraus e a teoria psicanalítica, já
cogitara, como explica um comentador, que a “libido somática de Freud é idêntica à carga bioelétrica do
corpo” (NASSELSTEIN, 2007) [a resenha foi intitulada “Kraus, Prof. Fr.: Allgemeine und spezielle Pathologie
der Person, klinische Syzygiologie, besonderer Teil I: Tiefenperson” (Kraus, Prof. F.: Patologia geral e
específica do indivíduo. Syzigiologia clínica. Em especial, a parte 1: A pessoa profunda”) e publicada na IZP,
XIII(3), p. 338-339, 1927]. Em sua autobiografia de 1942, Reich, entre outras referências a Kraus, comentou:
“Valendo-se de experimentos pioneiros, Kraus, médico internista em Berlim, verificou que o corpo é
governado por processos elétricos, compondo-se de incontáveis ‘superfícies fronteiriças’ entre as
membranas e os fluidos eletrolíticos, fluidos esses que apresentam diferentes densidades e composições”
(REICH, 1942/1989, p. 273, tradução nossa).
43
ele relatou que apenas havia elevação da carga bioelétrica do órgão quando a
tumescência era acompanhada de sensações eróticas: “O pênis pode ficar totalmente
ereto sem que haja um aumento de potencial. A elevação do potencial está sempre
associada a sensações subjetivas de prazer e vice-versa” (REICH, 1937/1982b, p. 84, tradução
nossa, grifo do autor).15
Calcado nesses experimentos e em sua experiência clínica, Reich julgou ter
identificado uma ‘fórmula do orgasmo’ sequenciada em quatro tempos. A experiência
orgástica, na visão reichiana, iniciar-se-ia com a intumescência ou tensão mecânica dos
tecidos, especialmente dos órgãos genitais; essa turgescência seria seguida, na ausência
de condições patológicas, de um aumento da carga bioenergética na periferia corporal;
ocorreria então a descarga orgástica dessa energia perifericamente acumulada, por meio
de convulsões involuntárias da musculatura; por fim dar-se-ia o relaxamento mecânico,
com refluxo dos fluidos corporais. Em suma: tensão mecânica > carga bioenergética >
descarga bioenergética > relaxamento mecânico (REICH, 1942/1989, 1948/1973e). No
âmbito dessa abordagem bioenergética, o autor também caracterizou o orgasmo como
um processo de expansão (intumescimento e carga) e contração (descarga e
relaxamento) (REICH, 1950d).
A alternância entre expansão e contração, por sua vez, não se limitaria, de acordo
com as pesquisas de Reich, ao fenômeno orgástico. Ela se manifestaria, também, em
certas funções corporais globais e em órgãos específicos, fazendo-se especialmente
visível na pulsação cardíaca e na peristalse intestinal. Dessa perspectiva, o orgasmo
humano expressaria tão somente uma variação do mais amplo fenômeno orgânico da
tensão > carga > descarga > relaxamento (a especificidade do orgasmo residiria em sua
descarga, caracterizada por contrações do tipo rítmico-convulsivas).
O cientista acreditava, ainda, que o processo a quatro tempos iria além da biologia
humana e poderia ser facilmente observado, por exemplo, no movimento pulsátil —
expansão (tensão-carga) e contração (descarga-relaxamento) — das águas-vivas (REICH,
1950d) e outros animais: “Nos moluscos do mar por mim observados, a alternância entre
expansão e contração era extremamente evidente” (REICH, 1938/1979, p. 20, tradução
nossa). Pareceu-lhe, em suma, que aquele específico agenciamento de funções mecânicas
e bioenergéticas (sintetizado como expansão-contração) teria raízes filogenéticas
profundas, representando um fator regulador essencial no domínio da vida.16

15
Dois pesquisadores reichianos — Byron Braid e Robert A. Dew — refizeram os experimentos bioelétricos
e publicaram, em 1988, os resultados de suas investigações. Apesar de algumas pequenas discrepâncias em
relação às pesquisas bioelétricas reichianas, eles afirmaram ter confirmado “muitas observações e
conclusões” (BRAID; DEW, 1988, p. 17, tradução nossa) relatadas por Reich. Ao longo desta tese,
voltaremos a examinar esses experimentos biolétricos, pois foram fundamentais para a formulação das
proposições sensorialistas reichianas.
16
Partindo do pressuposto (como veremos em detalhes, mais adiante) de que haveria uma camada
biológica filogeneticamente arcaica, comum a unicelulares e multicelulares e regulada pelo princípio da
expansão-contração, Reich, ao se referir a esse primitivo nível de funcionamento, empregava o termo
expansão no sentido de dilatação ou alongamento e o termo contração no sentido de encolhimento ou
fechamento, sem que essa retração denotasse, necessariamente, algum tipo de disfunção. Para o autor, o
fenômeno da contração-expansão em seres vivos indicaria, em suma, duas direções básicas: “tendência
para se tornar esférico” e “tendência para se tornar alongado” (REICH, 1934/1982a, p. 44, tradução nossa).
44
Sem jamais desconsiderar os fatores psíquicos associados à experiência do
orgasmo humano, o autor insistiu, entretanto, que a convulsão orgástica deveria ser vista
como um “fenômeno elementar natural” (REICH, 1934/1982c, p.19, tradução nossa, grifo
do autor) de caráter “transpsicológico” (REICH, 1951/1973b, p. 290, tradução nossa, grifo
do autor), ou seja, um fenômeno que tomaria raízes no funcionamento básico da matéria
viva. Por isso, considerou legítimo afirmar que sua “fórmula do orgasmo” expressaria, em
última instância, uma “‘fórmula da vida’” (REICH, 1950/1990e, p. 7, tradução nossa).
O cientista, em suma, chegou à conclusão, em um primeiro momento, que a
vivência orgástica, do ponto de vista bioenergético, poderia ser reduzida a um processo a
quatro tempos: tensão mecânica > carga bioenergética > descarga bioenergética >
relaxamento mecânico. Partindo dessa fórmula do orgasmo ou processo expansão-
contração, Reich, empreendendo outras pesquisas, julgou ter descoberto, em um
segundo momento, que aquela sequência quaternária também se manifestaria em certas
funções orgânicas globais e em cada órgão do corpo. E pareceu-lhe, por fim, que a
alternância entre expansão e contração não se faria presente apenas no fenômeno do
orgasmo ou no funcionamento dos órgãos, mas representaria, também, um princípio
filogenético mais amplo, ao qual ele denominou de fórmula da vida.
Dirigindo-se cada vez mais para o campo da ciência natural, Reich, desde suas
averiguações eletrofisiológicas, não mais se afastou da investigação experimental,
exercendo-a, juntamente com outras atividades (atendimento clínico, reflexão
sociológica, estudos epistemológicos, projetos de índole social), até o término de sua
produção. No final de 1935, na sequência de seus estudos laboratoriais sobre as
modulações da bioeletricidade, ele deu início a uma série de experimentos
microbiológicos, motivado por várias indagações. Procurando aprofundar seus estudos
sobre o encadeamento tensão > carga > descarga > relaxamento, Reich julgou
fundamental averiguar em que medida os seres unicelulares estariam submetidos àquele
processo quaternário, pois assim ele poderia obter dados que, ou trariam comprovações
adicionais ou o obrigariam a reavaliar o grau da generalidade de sua fórmula da vida
(REICH, 1938/1979); caberia inclusive pesquisar, ponderou o autor, se aquele fenômeno a
quatro tempos seria relevante na própria origem ou formação da vida (REICH,
1953/1976b). Ele pretendia investigar, ainda, se sua formulação quaternária permitiria
estabelecer alguma interface entre o domínio do vivo e o do não vivo, posto que nesse
último também se manifestam processos de carga e descarga elétricas, e de tensão e
relaxamento mecânicos. O autor, em suma, indagava: “De que forma se constitui a linha
fronteiriça entre o vivo e o não vivo? Há uma nítida demarcação? Há transições?” (REICH,
1950/1990e, p. 7, tradução nossa, grifo do autor).
Tendo em mente o caráter expansivo ou dilatador do fenômeno da tensão > carga,
o cientista, a partir de 1936, submeteu diversos tipos de substâncias (carbono
pulverizado, grama, terra, areia, entre outras) a processos de intumescimento ou
inchação. Simplesmente depositando o material em meio aquoso ou, mais
frequentemente, esterilizando os preparados (certas substâncias eram até mesmo
incandescidas) e inserindo-os em meios de cultura, o autor pôs-se a acompanhar, por
meio de potentes microscópios óticos, o processo de desenvolvimento da mistura ou o
“efeito desintegrador” promovido pela combinação de “aquecimento e intumescimento”
(REICH, 1938/1979, p. 115, tradução nossa). Procedendo a pacienciosas observações, Reich

45
acreditou ter identificado, nas culturas, a presença de singulares vesículas microscópicas.
Tais vesículas, de acordo com as observações do autor, surgiam mais rapidamente
quando a substância-base (por exemplo, grama ou pó de carbono) sofria aquecimento, e
ele as interpretou como resultado da decomposição, dissociação ou desintegração do
material intumescido/expandido (fosse ele de origem orgânica ou inorgânica). Nomeando
essas vesículas de bions, o cientista insistiu em seu caráter “especificamente biológico”
(REICH, 1948/1973e, p. 15, tradução nossa), procurando indicar, assim, que os bions seriam
dotados de propriedades vitais que os diferenciariam da matéria inanimada que está
exclusivamente sob o efeito de forças mecânicas.
Reich afirmou ter observado nas vesículas bionosas uma evidente motilidade
espontânea (de origem interna) que se expressaria como um movimento pulsatório ou
alternância entre expansão e contração (nessa propriedade pulsátil o autor teria
encontrado uma comprovação adicional de sua fórmula da vida). Os bions manifestariam,
mais propriamente, um caráter “bioenergético” (REICH, 1948/1973e, p. 27, tradução nossa,
grifo do autor): por um lado, eles se comportariam como “vesículas de energia”, dada sua
pulsatilidade de natureza interna e seu potencial para atrair e absorver outras vesículas,
entre outras características; por outro, seriam semelhantes a uma típica célula, posto que
apresentavam membrana, conteúdo líquido e, às vezes, “um núcleo pequeno e
fortemente refrativo” (REICH, 1952/1992d, p. 9, tradução nossa).
Em diversas oportunidades, o cientista definiu os bions como “formas
transicionais entre a matéria viva e a matéria não viva” (REICH, 1948/1973e, p. 15, tradução
nossa, grifo do autor). Para chegar a essa conclusão, ele se apoiou em suas perseverantes
observações, que, às vezes, se estendiam por meses e anos.
Reich teria notado, em um primeiro momento, que os bions se desprendiam,
pouco a pouco, das substâncias intumescidas (as vesículas eram mais facilmente
visualizáveis, de acordo com os relatos reichianos, quando a substância-base sofria
aquecimento antes de ser submetida ao intumescimento no caldo de cultura). Mas o
autor também afirmou ter notado — valendo-se de observações in loco e de filmagens
das culturas — que os preparados continham, por vezes, não apenas vesículas individuais,
mas também “‘aglomerados de bions’” (REICH, 1952/1992d, p. 10, tradução nossa). Após
passarem por alguns estágios de desenvolvimento, esses agrupamentos de vesículas
poderiam, por sua vez, dar origem, a julgar pelos estudos reichianos, a certos organismos
unicelulares, tais como amebas e paramécios.
Por meio de fotos e filmes o autor procurou registrar o desenvolvimento daqueles
bions ou vesículas transicionais: seu surgimento nas bordas da substância intumescida,
sua motilidade interna e deslocamento no meio de cultura, sua tendência a se aglutinar e,
por fim, a transformação dos aglomerados bionosos em seres unicelulares (REICH,
1938/1979, 1948/1973e). Para o cientista, o bion seria essencialmente um elemento
fronteiriço (dado que as vesículas nasceriam da dissociação da matéria morta ou da
matéria inorgânica e teriam potencial, sob certas condições, de propiciar a formação de
seres vivos unicelulares) e representaria a “unidade de funcionamento elementar de toda a
matéria viva” (REICH, 1948/1973e, p. 15, tradução nossa, grifo do autor).17

17
Essa nossa exposição sobre os experimentos bions precisa ser vista como um resumo bastante sintético.
Como os abordamos de maneira bastante panorâmica, não pudemos examinar importantes detalhes
técnicos envolvidos na pesquisa, nem resgatar as lutas teóricas que o autor travou com biólogos da época
46
Em janeiro de 1939, uma assistente do laboratório de Reich, em Oslo, pretendia
demonstrar a um observador o processo de produção de bions a partir de terra, mas se
enganou e submeteu areia do mar à incandescência. Disso teria resultado uma cultura de
bions diferente das que o autor vinha encontrando, a começar pela grande dimensão das
vesículas, que mediriam “entre dez e quinze micra” (REICH, 1948/1973e, p. 82, tradução
nossa). Chamou a atenção do cientista, também, o fato de as vesículas de bions de areia
produzirem manchas em placas fotográficas, inflamações oculares nos observadores das
culturas, manifestações luminosas em ambientes escuros, entre outros fenômenos. Esses
eventos sugeriam, ponderou o autor, a presença de algum tipo de radiação (testes
demonstraram, na época, que não se tratava de radiação nuclear). Reich dedicou-se,
então, a construir um aparato que possibilitasse acumular e isolar aquela radiação, para
melhor estudar seus efeitos.
Observações e experimentos realizados em seu laboratório sugeriam que a
matéria orgânica absorvia a radiação em pauta, e a matéria inorgânica a refletia. Tendo
em vista esses indicadores, o cientista construiu, para tentar confinar a radiação, uma
caixa com paredes internas de metal e revestimento externo de material orgânico (a
radiação que não fosse refletida ou ‘devolvida’ para dentro da caixa pelo metal, seria, ao
menos parcialmente, retida ou absorvida pela camada exterior, minimizando assim sua
perda). Após depositar, no interior do aparato, cerca de uma dúzia de culturas de bions
de areia, o autor e seus colaboradores teriam efetivamente observado, segundo os
comunicados reichianos, diversos fenômenos luminosos que se assemelhariam a
“vapores azulados em movimento, riscos brilhantes amarelo-esbranquiçados e pontos de
luz” (REICH, 1948/1973e, p. 91, tradução nossa). Esses fenômenos representariam, no
entendimento do cientista, importantes manifestações objetivas da singular radiação
emanada pelos bions de areia do mar. O autor relatou, no entanto, logo ter percebido
que aqueles mesmos sinais luminosos também surgiam, ainda que com intensidade
menor, nas caixas acumuladoras que não haviam recebido as culturas de bions de areia.
Sentindo-se intrigado, ele se perguntava “de onde vem a radiação?” (p. 92, tradução
nossa, grifo do autor).
Em agosto de 1939, Reich se mudou para os EUA, desenvolvendo suas pesquisas
nesse país até sua morte em 1957. Durante uma viagem ao Maine, no verão de 1940, ele
pôs-se a olhar o céu noturno e, para sua surpresa, acreditou ter visualizado “o mesmo

(esforçando-se em demonstrar a veracidade de suas formulações), nem apontar as diversas aberturas


investigativas geradas, na produção reichiana, pelos experimentos em pauta (como os estudos de Reich a
respeito do câncer). Cabe pontuar, porém, que o autor deixou relatos amplos e pormenorizados sobre
esses experimentos, tendo-os realizado durante vários anos. Vale mencionar, ainda, que em 1937 Reich
enviou uma cultura de bions a Académie des Sciences, em Paris, a qual designou um cientista para averiguar
o material. Esse cientista reconheceu a presença, na cultura, de movimentações típicas de seres vivos, mas
propôs que Reich publicasse, na Académie, apenas uma parte de suas análises (deixando de lado suas
hipóteses bioelétricas e outras confirmações do experimento que teriam surgido na época), seguida de
uma interpretação redigida pelo examinador. Discordando dessa interpretação e julgando que a publicação
não retrataria a complexidade teórica e técnica de suas pesquisas, o autor não aceitou o convite (REICH,
1948/1973e). Mais recentemente, pesquisadores reichianos vêm reproduzindo os experimentos bions,
relatando, em publicações técnicas, terem comprovado as descobertas reichianas (Cf. CAREY; DUNLAP,
1988). No entanto, os estudos de Reich sobre os bions ainda aguardam, a nosso ver, um debate mais
extenso que leve em conta não apenas as questões técnicas associadas à reprodutibilidade laboratorial,
mas também os pressupostos teórico-metodológicos do experimento e sua significação em relação à
história da biologia.
47
tremeluzir delicado e lampejante, com pontos e riscos de luz” (REICH, 1948/1973e, p. 92,
tradução nossa) que observara frequentemente em seu aparato de acumulação.
Subsequentes averiguações e experimentos o levaram a concluir que a caixa em questão,
construída inicialmente para isolar a radiação bionosa, sempre exibia os característicos
fenômenos luminosos (mesmo na ausência dos bions de areia) porque o aparato estaria
retendo, na verdade, uma radiação ou energia proveniente da própria atmosfera.18
Bastante atento e sensível àqueles específicos sinais luminosos desde que montara as
caixas acumuladoras, Reich, em suma, teria notado uma semelhança entre as
manifestações que observara no aparato e na atmosfera.
Amparando-se em outra série de pesquisas laboratoriais, o autor julgou contar
com dados experimentais suficientes para postular que a radiação que teria emanado da
cultura de bions de areia, os efeitos luminosos que teriam se apresentado no aparato de
acumulação (contendo ou não preparados bionosos) e os fenômenos cintilantes que
teriam sido visualizados na atmosfera apresentavam propriedades comuns e remetiam a
uma mesma energia. Denominando-a de energia orgone e fundando um campo de
pesquisas para estudá-la — a Orgonomia —, o cientista mostrou-se convicto, a partir de
1940, que a radiação ou energia em questão agiria nos domínios do vivo e do não vivo e
seria fundamentalmente distinta dos processos energéticos descritos pela Física (REICH,
1948/1973e). Até o final de sua produção, ele empreendeu volumosas e diversificadas
pesquisas a respeito da energia orgone, procurando caracterizar suas propriedades
básicas, pontuar suas diferenças com outras formas de energia (tais como a
eletromagnética, térmica e nuclear), estudar suas principais manifestações nos campos
do vivo e do não vivo e demonstrar seu papel terapêutico.
Com o propósito, como comentamos anteriormente, de facilitar nossa caminhada
pelo tema da sensação na obra reichiana, mencionaremos, logo a seguir, algumas
propriedades que Reich julgou identificar na energia orgone. Não poderemos, porém, nos
aprofundar no tema, por três razões.
A primeira razão diz respeito ao fato de que não é possível avaliar de forma
detalhada as intricadas rotas investigativas e as formulações da fase orgonômica
reichiana (1939-1957) sem se proceder ao resgate de temas técnicos pertencentes a
diversas áreas do conhecimento, tais como Eletromagnetismo, Meteorologia, Astrofísica,
Biologia Evolutiva, Microbiologia, Bioquímica, além da História da Ciência e
Epistemologia, pois o autor, em suas pesquisas sobre a energia orgone, esbarrou de uma
forma ou de outra nessas disciplinas, travando, não raramente, acirradas batalhas
teóricas e experimentais com cientistas de sua época. Situar as proposições orgonômicas
em relação a tais setores do conhecimento é uma empreitada que, apesar do vasto
material redigido pelo próprio autor a esse respeito, extrapola nossos propósitos e
possibilidades, aqui.
A segunda dificuldade está associada ao fato de que um exame da orgonomia
reichiana requer não apenas o detalhado resgate das pesquisas experimentais do autor,
mas também, de sua específica concepção epistemológica acerca da dinâmica e
interligação das funções naturais. Reich deu à forma mais elaborada dessa concepção o

18
Em 1940, Reich passou a denominar o aparato de “acumulador de energia orgone” (ORGONE INSTITUTE
PRESS, 1953, p. 5, tradução nossa).
48
nome de Funcionalismo Orgonômico ou Funcionalismo Energético e procurou
demonstrar que seu funcionalismo teria sobrepujado diversas limitações que as visões de
mundo mecano-materialistas e espiritualistas imporiam à investigação científica. O autor
se interessou profundamente, ao longo de sua obra, pela epistemologia da produção
científica e é tão íntima a associação que ele estabeleceu, em seu próprio trabalho, entre
teoria e método, que se torna praticamente impossível dissociar o percurso experimental
reichiano de suas sustentações epistêmicas. Avaliar essa retroalimentação entre pesquisa
científica e pesquisa epistemológica (ainda que Reich tenha, também nesse caso, redigido
textos específicos sobre o assunto) é outra tarefa que transcende o escopo do presente
estudo. O máximo a que chegaremos, no quinto capítulo desta tese, será o exame de um
aspecto específico do programa epistemológico reichiano: o que diz respeito ao papel da
sensorialidade na produção do conhecimento científico.
Há, por fim, um terceiro fator dificultando uma análise mais precisa das
formulações orgonômicas: a escassez de estudos críticos que contemplem, tanto o atual
estágio de desenvolvimento da Orgonomia, quanto as críticas sérias a ela. A história da
pesquisa em Orgonomia conta, em sua primeira fase, com uma grande quantidade de
trabalhos publicados por Reich ao longo de quase duas décadas, nos quais ele descreveu
detalhadamente suas teorias gerais, experimentos laboratoriais e pressupostos
epistemológicos. Vários desses estudos foram reproduzidos, após o falecimento do
autor, por alguns grupos reichianos que, em suas publicações, relatam frequentes
confirmações das proposições orgonômicas (Cf. HUGHES, 1982; BAKER, 1985). Tais
replicações permanecem, no entanto, vinculadas, em sua maior parte, a instituições
estritamente reichianas (que, bravamente, vêm mantendo a investigação viva), mas ainda
não foram alvo de um amplo debate científico-acadêmico que contemplasse as possíveis
provas laboratoriais acerca da energia orgone e suas bases epistemológicas. Isso se deve,
em boa parte, às duras críticas que a Orgonomia vem recebendo desde seu nascimento,
empreendidas basicamente, em nossa opinião, por dois grupos. O primeiro grupo se
caracteriza por rechaçar a priori as teorias orgonômicas; considerando-as uma completa
insanidade, esse grupo se recusa, de imediato, a reconhecer qualquer status científico nas
provas experimentais descritas por Reich e não vê sentido, portanto, em replicar os
experimentos. O outro grupo, por sua vez, chega mais perto das formulações
orgonômicas, mas as questiona enfaticamente a partir de critérios científicos e
epistemológicos gerais (como certas diretrizes básicas da Física e Biologia atuais),
julgando que os dados experimentais ofertados por Reich para comprovar a existência da
energia orgone são duvidosos ou mesmo equivocados; do ponto de vista desses críticos,
os fenômenos nos quais o autor teria reconhecido evidentes manifestações de uma
energia especial poderiam ser facilmente explicados por meio das formas conhecidas de
energia ou outras proposições de caráter físico e/ou químico.
Pode-se dizer, em suma, que as formulações da Orgonomia fazem parte, hoje, de
um quadro bastante complexo, que engloba os relatos redigidos pelo autor e seus
colaboradores no período 1939-1957, a replicação de boa parte desses experimentos por
grupos reichianos, as críticas (com maior ou menor fundamentação) a respeito da energia
orgone e a escassez de estudos orgonômicos (experimentais e epistemológicos) em
instituições gerais de pesquisa. Apesar da complexidade envolvida, uma análise detalhada

49
desse contexto permitiria, a nosso ver, ultrapassar seja a crítica rasteira, seja a adesão
cega. Não temos, porém, possibilidades de empreender tal pesquisa aqui.19
Feitas essas ressalvas, destacaremos, a seguir, algumas características que o
cientista acreditou ter identificado na energia orgone. Nosso objetivo, dadas as razões
acima apresentadas, não é o de empreender uma discussão crítica sobre as asserções
orgonômicas reichianas, mas sim, introduzir alguns conceitos indispensáveis para um
melhor entendimento do tema da sensorialidade na obra do autor.
Da diversificada investigação orgonômica reichiana, selecionamos quatro tópicos:
a) A diferenciação entre processos energéticos primários e secundários.
Experimentos laboratoriais teriam indicado a Reich que os processos orgonóticos (tais
como os que teriam se evidenciado nas caixas acumuladoras, anteriormente descritas)
ocupariam todo e qualquer espaço físico (REICH, 1992a, 1948/1973e). O cientista se sentiu,
assim, autorizado a falar em “energia orgone cósmica” (REICH, 1951/1973b, p. 173,
tradução nossa) ou “força criativa primordial” (p. 283, tradução nossa). Suas pesquisas
teriam lhe indicado, inclusive, que as formas de energias descritas pela Física, assim como
a matéria inanimada e, até mesmo, a matéria viva emergiriam, por meio de “complicados
processos de diferenciação”, dessa “energia cósmica primordial” (REICH, 1949/1973c, p.
99, tradução nossa). Estabelecendo uma diferenciação entre processos energéticos
primários (as forças orgonóticas) e secundários (as formas tradicionais de energia)
(REICH, 1952/1992d), o autor acreditava (e tentou demonstrar laboratorialmente) que
determinados fenômenos físicos, tais como a eletricidade estática e o eletromagnetismo,
derivariam de um fator mais amplo e primordial, a energia orgone cósmica (REICH,
1944/1991a, 1944/1992b). Convicto que os processos orgonóticos agiriam, também, em
seres vivos, o autor reavaliou seus experimentos bioelétricos, interpretando, agora, os
potenciais elétricos da pele como uma variação ou manifestação secundária da energia
orgone atuante no organismo humano (REICH, 1952/1991b).20
b) O fenômeno da pulsação. A integração de distintas pesquisas — o estudo do
sistema nervoso autônomo, a observação dos pulsos internos e do deslocamento
espacial dos bions, as averiguações laboratoriais (em caixas e salas acumuladoras) e em
campo aberto (como no topo de montanhas), a análise de certos fenômenos
atmosféricos (tais como auroras boreais e furacões) e astrofísicos (especialmente,
galáxias espirais), entre outras investigações — teriam revelado ao autor que a energia
orgone se propagaria, em seu estado mais básico, de forma pulsátil. Essa pulsatilidade se
expressaria, mais precisamente, por uma conjugação de dois tipos de movimentos:
movimento espiralado (função onda) e movimento de contração-expansão (função

19
Reich tinha poucas esperanças de que o meio científico revisse com isenção suas elaborações
orgonômicas, pois, a seu ver, a maior parte dos pesquisadores padeceria de uma crônica formatação
mecanicista. Essa rígida formatação distanciaria os cientistas das manifestações profundas da vida (tais
como a convulsão orgástica) e, consequentemente, os impediria de compreender a lógica investigativa que,
partindo do estudo do orgasmo, teria conduzido à descoberta de uma energia primordial, atuante nos
domínios do vivo e do não vivo (REICH, 1949/1973c). Retomaremos, mais adiante, esse posicionamento
reichiano.
20
A concepção reichiana a respeito da natureza pode ser claramente observada em uma nota que o autor
inseriu, em 1952, em um de seus diários. Lê-se nessa nota que o universo, quando encarado funcionalmente,
revelar-se-ia “pleno de energia, pulsando em variados ritmos, sempre em estado de desenvolvimento e
mudança”. Esse cosmo seria “funcional”, pois seu comportamento não se acomodaria nem à lógica
“mecanicista”, nem a qualquer concepção “mística” (REICH, 1999, p. 248, tradução nossa).
50
pulso). Uma representação gráfica do fenômeno seria a de um ponto que contrai-
expande enquanto trafega de modo espiralado pelo espaço; a esse respeito, o autor fez a
seguinte anotação em seu diário, em 26 de novembro de 1948: “Pulsação funciona
SIMULTANEAMENTE em suas variações, pulso e onda” (REICH, 2012, p. 24, tradução
nossa, grifo do autor). A pulsação orgonótica21 também alcançaria, de acordo com as
pesquisas do autor, o domínio do vivo, sofrendo então reconfigurações impostas pelos
limites materiais próprios a cada criatura vivente. A pulsatilidade orgonótica poderia ser
identificada em diversas manifestações, tanto da esfera orgânica, quanto da esfera
inorgânica, como, por exemplo, na aurora boreal — fenômeno que apresentaria “um
caráter lento, ondulatório, por vezes pulsátil, semelhante a ondas” (REICH, 1951/1973b, p.
241, tradução nossa) —, na movimentação dos vermes — animais em que se visualizaria
com facilidade “ondas pulsatórias de excitação” (p. 204, tradução nossa) propagando-se
da cauda em direção à cabeça — e, com especial nitidez, na peristalse intestinal.
c) A função de superposição. No entendimento do cientista, o indivíduo humano
deveria ser visto como um “fragmento especialmente organizado da energia orgone
cósmica” (REICH, 1951/1973b, p. 176, tradução nossa) e como um “sistema de energia, não
apenas como psiquismo” (REICH, 2012, p. 44, tradução nossa). Interessado em localizar
os fatores que coligariam o humano à natureza, ele insistiu que essa identidade não
poderia ser buscada, por exemplo, nas complexas funções de pensamento e linguagem.
Também não poderia ser buscada na fórmula quaternária tensão > carga > descarga >
relaxamento, pois esse sequenciamento seria exclusivamente válido, segundo o autor,
para os seres vivos, não podendo ser estendido ao domínio inanimado (apesar de haver,
na natureza não viva, fenômenos de tensão e carga, e de descarga e relaxamento
mecânicos, o encadeamento progressivo das quatro funções ocorreria exclusivamente na
esfera do vivo). O autor localizou aquela identidade ou “princípio de funcionamento
comum” (REICH, 1950a, p. 175, tradução nossa) em um fenômeno por ele denominado de
“superposição cósmica” (título, também, de obra publicada pelo autor em 1951 — Cosmic
Superimposition); podendo ocorrer no âmbito do humano e da natureza em geral, a
superposição seria o fator comum ou unificador que Reich procurara por um longo
período. Analisando, tanto no micro quanto no macrocosmo, a forma de interação dos
fluxos orgonóticos, o cientista acreditou ter descoberto que, sob certas condições,
correntes ondulares de energia orgone podem se atrair, estabelecendo uma
superposição e consequente fusão (por meio de experimentos, ele procurou demonstrar,
também, que a matéria, em suas diferentes configurações, estaria continuamente
emergindo a partir desse processo de fusão ou superposição cósmica). Em seres
humanos, a experiência da potência orgástica representaria uma importante expressão
da “superposição e fusão bioenergética de dois sistemas orgonóticos” (REICH,
1951/1973b, p. 181, tradução nossa). No domínio macroscópico o fenômeno seria bem
retratado pelas nebulosas espirais, cuja forma e disposição de seus braços levou o autor a
supor que elas poderiam ter se originado da atração de correntes orgonóticas cósmicas
espiraladas e de sua superposição; a própria Via Láctea, como lembrou o cientista, é uma
galáxia espiral (REICH, 1951/1973b).

21
Cabe realçar que o autor diferenciou entre pulsação, pulso e onda; a pulsação seria uma função mais
ampla, da qual derivariam o pulso (contração-expansão) e a onda (propagação espiralada).
51
d) A propriedade de movimento espontâneo. A julgar pelos estudos e experimentos
reichianos, a energia orgone seria, antes de tudo, automovente ou ‘espontânea’. Como
apontou um comentador, Reich via no “movimento espontâneo” uma das
“características mais básicas” (BAKER, 1997, p. 9, tradução nossa) da energia orgone.
Essa capacidade de mover-se por si mesma e, assim, prescindir, para sua motilidade, da
ação de quaisquer forças externas a ela, seria especialmente evidente no estado livre de
massa (ou primário) da energia orgone. Para o autor, tal propriedade do automovimento
teria sido repassada, por assim dizer, aos seres vivos e mesmo à atmosfera do planeta
(REICH, 1951/1973b), mas, nesses casos, a ‘espontaneidade’ da pulsação orgonótica não
ficaria completamente imune às determinações físico-químicas. Juntamente com a já
mencionada diferenciação entre a energia primária (a energia orgone) e as energias
secundárias (os tradicionais processos energéticos), o autor também insistiu na distinção
entre energia orgone livre de massa e energia orgone coligada à massa. Julgando ter
comprovado, a partir de uma série de experimentos, que as estruturas materiais nada
mais seriam do que energia orgone condensada, e que as criaturas vivas e a atmosfera
representariam uma combinação entre energia orgone congelada (ou seja, a massa) e
funções orgonóticas que teriam se mantido em fluxo, o autor procurou demonstrar que a
propriedade do automovimento continuaria existindo, ainda que com limitações, em
sistemas em que a matéria desempenha importante papel (REICH, 1951/1973b). Haveria,
na visão do autor, uma dependência recíproca ou mútua influência entre elementos
estruturalizados (massa) e as funções orgonóticas que teriam preservado certa
capacidade de automovimento (BAKER, 1987). As funções vegetativas autônomas e as
auroras boreais seriam dois exemplos de automovimento, circunscritos, porém, por
estofos materiais.
Sempre buscando por fatores de base ou denominadores comuns de distintos
territórios (micro e macrocosmo, vivo e não vivo), o autor identificou diversas outras
propriedades na energia orgone e haveria, inclusive, muito mais a dizer em relação às
características acima descritas. Mas não seguiremos adiante, dado o caráter meramente
introdutório de nossa apresentação sobre o percurso reichiano no campo da energia.
Voltemos, agora, à questão do protoplasma. Afinal, a pesquisa reichiana, como o próprio
autor admitiu, teve como ponto de partida e linha condutora “a função da pulsação
orgástica do plasma” (REICH, 1949/1973c, p. 5, tradução nossa, grifo do autor).

52
6. COURAÇA CARACTERIAL E COURAÇA SOMÁTICA22

Encouraçamento caracterial

Uma das principais preocupações de Reich ao longo de quase toda a sua


produção, residiu em compreender como se formariam os mecanismos defensivos à
“motilidade vegetativa livre” (REICH, 1935/1973d, p. 314, tradução nossa) e decifrar as
razões sociais desse amortecimento dos “impulsos vegetativos” (REICH, 1942/1989, p.
332, tradução nossa). Para designar o mecanismo associado a essa paralisia da “energia
vegetativa” (REICH, 1935/1973d, p. 294, tradução nossa), ele empregou, desde o início de
sua carreira, os termos charakterliche Panzer (couraça do caráter) e Panzerung
(encouraçamento), além de outros, correlatos (REICH, 1933/1969). 23
Ao que tudo indica, o autor se referiu à couraça pela primeira vez em um artigo
publicado em 1922 — “Zwei narzißtische Typen” (Dois tipos narcisistas) —, quando, no
primeiro estágio de sua obra, trabalhava como psicanalista em Viena. No texto em apreço
ele fez menções à “couraça narcísica” (REICH, 1922/1976a, p. 147, tradução nossa),
designando com essa expressão as tenazes resistências que determinados pacientes
impunham ao trabalho terapêutico. Em 1927, em uma apresentação intitulada “Zur
Technik der Charakteranalyse” (Sobre a técnica da Análise do Caráter), posteriormente
integrada ao livro Charakteranalyse - Technik und Grundlagen für studierende und
praktizierende Analytiker (“Análise do Caráter – Técnica e fundamentos para estudantes e

22
Extraído de: BEDANI, A. A relação entre sensação e produção de conhecimento na obra de Wilhelm Reich.
2013. 212 f. Tese (Doutorado) — Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
23
Cabel lembrar que Reich elaborou três abordagens clínico-terapêuticas. Quando ainda participava do
movimento psicanalítico, o autor desenvolveu, entre 1925 e 1933, sua primeira metodologia clínica, um
conjunto de procedimentos denominado Análise do Caráter. Partindo do pressuposto de que a estrutura de
couraça seria composta por uma camada superficial (os traços de caráter rígidos), uma camada
intermediária (os impulsos secundários contidos pela capa defensiva superficial) e uma camada profunda
(os ímpetos ‘sélficos’ sufocados pelos traços de superfície e pelos impulsos secundários), Reich, por meio
de seu método caractero-analítico, procurava, sobretudo, tornar consciente as principais resistências
caracteriais de seus pacientes. A experiência clínica teria lhe indicado que esse processo, de sistemática
aproximação do paciente com suas defesas superficiais crônicas (os traços de caráter que funcionariam
como bloqueio direto à convulsão orgástico-plasmática), propiciaria a irrupção terapêutica dos impulsos
secundários (o custoso esforço neurótico, na forma da crueldade e sadismo, para acessar a camada
profunda), e que esses impulsos intermediários, por sua vez, abririam gradualmente caminho, quando
examinados terapeuticamente, para os ímpetos primários (consubstancializados na experiência da potência
orgástica). Tendo início por volta de 1935, a segunda abordagem reichiana, a Vegetoterapia, além de levar
em conta os traços caracteriais rígidos, passou a considerar, na intervenção clínica, certas atitudes
somáticas cronificadas, situadas na superfície corporal, que também atuariam como mecanismos de
contenção dos impulsos secundários e primários. Na esteira das pesquisas reichianas sobre a energia
orgone, iniciadas em 1939-1940, surgiu a Orgonoterapia, terceira e última abordagem formulada pelo autor.
A orgonoterapia continuou pautando-se pela técnica da persistente identificação das defesas (caracteriais e
somáticas), mas, além de se beneficiar da experiência teórico-metodológica adquirida com as duas
abordagens que a antecederam, ela pôde contar, como insistiu o autor, com um entendimento mais claro a
respeito das forças orgonóticas corporais e de sua peculiar lógica de funcionamento (a pulsação orgonótica
organísmica em sua dinâmica ‘funcional’, ou seja, não mecânica, automovente, ‘espontânea’). As três
abordagens, no entanto, centravam-se no trabalho sistemático com as defesas rígidas e adotavam como
critério de cura o fenômeno que o autor denominou de convulsão orgástica do plasma.

53
analistas praticantes”), ele se referiu ao Charakterliche Panzerung (encouraçamento
caracterial) como um “mecanismo de defesa compacto” que alcançaria desde “estímulos
provenientes do mundo exterior” até a dinâmica da “libido” (REICH, 1933/1969, p. 62,
tradução nossa). Essa couraça caracterológica — também denominada pelo autor, em
seu período psicanalítico, de couraça narcísica ou couraça do Eu (Ich) — atuaria como um
arraigado, automatizado e exaustivo sistema de proteção ao contato do indivíduo com
conteúdos psíquicos que, embora fundamentais para a integridade psicológica, seriam
por demais angustiantes ou de difícil metabolização (REICH, 1933/1969).
Ao impedir o contato com certa gama de sentimentos desprazerosos, a couraça
privaria o indivíduo de relevantes (ainda que dolorosas) experiências, assim produzindo
uma grave limitação de sua flexibilidade ou “mobilidade psíquica” (REICH, 1933/1969, p.
253, tradução nossa); em outras palavras, o amortecimento se expandiria e, não se
restringindo aos conteúdos psíquicos desconfortáveis, acabaria minando, também, a
percepção do prazer.
O cientista insistiu, porém, que a couraça não deveria ser vista como um
mecanismo estático, posto que em situações pouco agradáveis ela se acentuaria e em
situações prazerosas se suavizaria, como se os “interesses libidinais e de outros
gêneros”, comportando-se à maneira de pseudópodos amebóides, se lançassem em
direção ao mundo ou se retraíssem. A diferença entre a estrutura de caráter “orientada
em direção à realidade” (realitätstüchtiger) e a estrutura de caráter “neurótica” residiria,
justamente, no “grau de mobilidade do caráter” (REICH, 1933/1969, p. 166-167, tradução
nossa). A primeira estrutura conseguiria, diante de situações difíceis ou desprazerosas,
fechar-se (protegendo-se) e, depois, voltar a se abrir (flexibilizando as defesas), ao passo
que o sujeito neurótico apresentaria, continuamente, um endurecimento caracterial
crônico. A couraça, no entanto, não seria um acidente ou acontecimento fortuito; ela
teria, como indicou o autor em seu Charakteranalyse, origem social:

A couraça de caráter se desenvolve como resultado crônico do conflito


entre as exigências dos impulsos (Triebansprüchen) e as frustrações que o
mundo exterior impõe àquelas exigências; sua força e razão de ser nascem
do conflito atual entre o impulso (Trieb) e o mundo exterior. A expressão e
a soma destas imposições exteriores na vida dos impulsos (Triebleben) [...]
formam uma unidade histórica. Isso se torna imediatamente evidente
quando pensamos em conhecidos tipos de caráter, tais como o ‘burguês’, o
‘funcionário’, o ‘proletário’, o ‘açougueiro’ etc. O lugar em que se forma a
couraça é o Eu (Ich), precisamente aquela parte da personalidade que se
situa na fronteira entre a dinâmica dos impulsos (Triebhaften)
biofisiológicos e o mundo exterior (REICH, 1933/1969, p. 167, tradução
nossa).

Em seus escritos orgonômicos o autor continuou indicando as causas sociais da


couraça. Em Cosmic Superimposition (“Superposição Cósmica”), Reich ponderou que
seriam, essencialmente, as influências socioeconômicas — encarnadas na “estrutura
familiar” e na “religião mística”, entre outras instâncias — que reproduziriam a couraça
“em cada geração de recém-nascidos”. Afetados por normas autoritárias desde a

54
infância, os indivíduos encouraçados acabariam forçando “seus próprios filhos a se
encouraçarem” (REICH, 1951/1973b, p. 288, tradução nossa).24
Os estudos de Reich sobre o fenômeno do encouraçamento o levaram a
estabelecer, no período 1928-1934, uma formulação que se tornou central em sua obra,
norteando todas as suas pesquisas clínicas, sociológicas e laboratoriais. Trata-se da
diferenciação entre “impulsos primários” e “impulsos secundários”. Em diversas
oportunidades, o cientista salientou que os impulsos primários diriam respeito aos
“desejos e necessidades genitais naturais, socialmente fecundos”, ao passo que os
secundários remeteriam aos “impulsos perversos, frustrados, cruéis, obscenos,
infecundos” (REICH, 1953/1975c, p. 97, tradução nossa). Para o autor, os impulsos
secundários não seriam próprios da natureza humana, mas passariam a fazer parte dela
quando o sujeito sofre (em culturas autoritárias) uma massiva supressão social de seus
ímpetos primários (REICH, 1945/1973f); a repressão social incorporar-se-ia, então, à
estrutura caracterial do indivíduo, assumindo a função moralística inicialmente
desempenhada pela sociedade. O autor também salientou que os impulsos primários
gerariam “um ‘sentimento de satisfação’, isto é, uma redução objetiva no nível de
energia”, enquanto os impulsos secundários não produziriam “qualquer satisfação no
cerne do organismo” (REICH, 1950/1990d, p. 18, tradução nossa). O protótipo do impulso
“primário”, “natural”, “socialmente efetivo” e amplamente satisfatório seria, no
entendimento reichiano, a convulsão orgástico-plasmática, e o protótipo do impulso
“secundário”, “cruel”, “improdutivo” (REICH, 1953/1975c, p. 97, tradução nossa) seria a
destrutividade sádica.25

24
Em Cosmic Superimposition, Reich, sem negar a influência das ideologias autoritárias na formação da
couraça, cogitou sobre outro fator, bastante primitivo, que poderia ter dado origem ao processo de
encouraçamento. Tal hipótese deveria ser tomada, segundo as recomendações do autor, como algo mais
do que mera especulação, “posto que fundamentada em experiência clínica recente e abundante”, mas
não como uma cogitação com potencial prático, por não oferecer “qualquer caminho novo para lidar com o
problema”. Dentro desses limites, o cientista ponderou sobre a possibilidade de a couraça humana ter
surgido em tempos imemoriais ― ou no “longínquo passado do desenvolvimento humano” (REICH,
1951/1973b, p. 288, tradução nossa) ―, quando o “animal humano” (p. 282, tradução nossa) teria passado a
raciocinar sobre suas próprias sensações vegetativas, sobre a “capacidade de perceber a si mesmo” e,
inclusive, sobre a própria ação perceptiva (p. 293, tradução nossa). A experiência clínica, especialmente no
trabalho com pacientes esquizofrênicos, levou o autor a suspeitar que aquela espécie de metapercepção
teria gerado, por alguma razão, um profundo temor, de forma que o “ser humano”, “pela primeira vez na
história de sua espécie, começou a se encouraçar contra o medo e o assombro interiores” (p. 293, tradução
nossa). De maneira semelhante à centopeia da fábula, que, ao começar a se deslocar, “ficou paralisada”
quando começou a “pensar” a respeito de qual de suas pernas moveria em primeiro lugar, em segundo
lugar e assim sucessivamente, seria bem provável, na opinião do autor, que, “ao tentar compreender a si
mesmo e a corrente de sua própria energia, o ser humano interferiu nela; ao fazer isso, começou a encouraçar-
se e, dessa forma, a se separar da natureza” (p. 294, tradução nossa, grifos do autor).
25
Para Reich, especialmente em sua fase norte-americana, uma importante, se não uma das principais
funções da cultura consistiria em proteger os impulsos por ele denominados de primários. Desse ponto de
vista, a potência orgástica, acontecimento emblemático, na perspectiva reichiana, do conjunto dos
impulsos primários, expressar-se-ia plenamente caso não houvesse repressões autoritárias. Mas, cabe
indagar, até que ponto o indivíduo humano, tão visceralmente articulado aos seus signos culturais, pode
experienciar, de forma tão direta e imediata, tais funções profundas? O autor teria recaído, cabe indagar
também, em um instrumentalismo pragmático que, simplificando excessivamente a dinâmica cultural,
tenderia a reduzi-la a facilitadora ou desfavorecedora dos impulsos primários? As proposições reichianas
trazem à tona tais questionamentos e eles mereceriam, a nosso ver, análises mais aprofundadas, que
extrapolam, porém, o escopo do presente trabalho.
55
Temerosas das capacidades críticas e do espírito transformador que brotariam das
forças vegetativas, as sociedades autoritárias, em busca de dominação econômico-
ideológica, se esforçariam em sufocar, na visão do autor, os ímpetos primários. Mas,
como a “repressão dos impulsos biológicos primários” (REICH, 1946a, p. vii, tradução
nossa) geraria uma ampla gama de sentimentos secundários, as organizações autoritárias
precisariam, também, reprimir essa “camada antissocial perversa” (p. viii, tradução
nossa) da estrutura de couraça. O resultado final desse processo seria a constituição de
um terceiro nível — uma camada superficial, consubstancializada em traços de caráter
modelados pela ideologia dominante e completamente distanciados do “cerne biológico”
(p. vii, tradução nossa) do indivíduo. Esses traços de superfície cumpririam dupla função:
por um lado, garantiriam ao indivíduo alguma aceitação nas esferas sociais afinadas com a
ideologia dominante, posto que eles refletiriam e perpetuariam os valores autoritários;
por outro lado, barrariam, visando alguma manutenção da vida cotidiana, a irrupção dos
impulsos secundários (os quais, contudo, poderiam escapar, por exemplo, na forma de
sintomatologias neuróticas ou de algum tipo de crueldade social) e dos ímpetos
primários. O encouraçamento apresentaria, assim, três níveis: a camada profunda ou dos
impulsos primários; a camada média ou dos impulsos secundários; e a camada superficial
ou dos traços de caráter (impulsos, eles também, no entendimento reichiano) validados
pelo poder autoritário.
Esse processo de encouraçamento não se limitaria, porém, à esfera psíquica; ele
também atingiria o terreno somático.

Encouraçamento somático

O autor comentou que, em 1929, passou a compreender, por meio de sua


experiência clínica e estudos sociológicos, que o “conflito básico na doença psíquica” —
“a contradição insolúvel entre o anseio de prazer e a frustração moralística do prazer” —
poderia deixar profundas marcas no âmbito muscular. O intenso embate psíquico entre
“sexualidade e moralidade” (ou, entre os impulsos primários e sua repressão social)
poderia alcançar a “profundidade biológica do organismo” (a função plasmático-
vegetativa), manifestando-se como uma oposição entre “a excitação agradável e o
espasmo muscular” (REICH, 1942/1989, p. 259, tradução nossa, grifos do autor).26
A autoritária supressão social dos impulsos primários resultaria, no plano
somático, em acentuadas contrações musculares ou em uma combinação de hipertonias
e hipotonias. O paciente portador do “típico caráter compulsivo”, por exemplo,
apresentaria uma “rigidez muscular geral”; em outros casos clínicos a rigidez poderia
estar “pareada com uma flacidez (hipotonia)”, flacidez essa que não refletiria, em
absoluto, “um estado de relaxamento” (REICH, 1935/1973d, p. 341, tradução nossa).

26
Cabe mencionar que a concepção reichiana de que haveria, no ser humano encouraçado, uma produção
energética interna e contínua que esbarraria e seria alterada, em situações patológicas, por uma couraça
literalmente construída na periferia (ou membrana) corporal foi inspirada, como o próprio Reich
reconheceu, nos conceitos, apresentados por Friedrich Kraus, de pressão interna e tensão de membrana
(REICH, 1942/1989).
56
A repressão autoritária enraizar-se-ia, mais precisamente, em configurações ou
grupos musculares que, de forma automatizada, entrariam em ação para amortecer o
incremento dos impulsos primários e a expressão dos secundários:

Todos os nossos pacientes relatam que, na infância, passaram por períodos


em que aprenderam a suprimir seus impulsos de raiva, angústia e amor por
meio de certas manobras que influenciam o funcionamento vegetativo
(prender a respiração, tensionar os músculos abdominais etc.) (REICH,
1942/1989, p. 300, tradução nossa).

A esses padrões somáticos automáticos, cristalizados, defensivos, que


começariam a se estruturar na infância, o autor nomeou de “couraça muscular”. Assim
como a couraça de caráter, a couraça muscular consumiria ou diluiria a angústia de
destruição (o forte temor em relação aos próprios impulsos destrutivos) e,
especialmente, a angústia orgástica (o pânico em relação à excitação orgástico-
plasmática), à custa, porém, de um arrefecimento da vitalidade vegetativa: “a rigidez
somática representa a parte mais essencial do processo de repressão” (REICH, 1942/1989,
p. 300, tradução nossa).
Além de enfatizar que o espasmo muscular crônico, automatizado e defensivo (ou
até mesmo a arraigada hipotonia) expressaria “a faceta somática do processo de
repressão e a base para sua contínua perpetuação”, o autor também esclareceu, em sua
autobiografia científica de 1942, que a couraça corporal não se configuraria a partir de
músculos isolados, mas sim, por meio de grupos musculares que pertencem a uma
“unidade funcional”. Na supressão de um impulso de choro, por exemplo, não seria
apenas o lábio inferior que se tornaria tenso, “mas toda a musculatura da boca e maxilar,
assim como a musculatura correspondente da garganta”; a repressão alcançaria, em
suma, “todos os órgãos” que se constituem como “uma unidade funcional no ato de
chorar” (REICH, 1942/1989, p. 302, tradução nossa). No entendimento do autor a couraça
de caráter e a couraça muscular seriam “funcionalmente idênticas” (p. 329, tradução
nossa), pois, ainda que de naturezas distintas, revelar-se-iam análogas no que concerne à
ação de bloquear a irrupção dos impulsos primários ou secundários.
O cientista fez questão de esclarecer, em seus textos metodológicos do período
orgonômico, que a couraça, a despeito de seu rígido automatismo, não seria, em si
mesma, uma formação estática, mas sim o resultado de um “equilíbrio dinâmico de forças
opostas”. Longe de se parecer com uma “parede de concreto”, o encouraçamento se
assemelharia, muito mais, a dois automóveis que, colocados frente a frente com os
motores acionados, não conseguiriam se mover, por estarem “agindo um contra o outro
com a mesma força” (REICH, 1950/1990d, p. 21, tradução nossa). Um impulso se oporia a
outro (por exemplo, a emoção angústia se contraporia à emoção raiva), constituindo-se
um sistema de força e contra força que, a primeira vista, pareceria parado: “O
encouraçamento é a única função humana conhecida que se caracteriza pela
imobilidade” (REICH, 1949/1973c, p. 48, tradução nossa). A imobilidade, rigidez,
endurecimento da couraça nada mais seria, assim, do que o resultado de forças
contrapostas que impedem o movimento, gerando uma condição de “motilidade
congelada” (REICH, 1950c, p. 59, tradução nossa).

57
Na introdução que Reich redigiu ao seu Biographical Material, publicado quatro
anos antes de seu falecimento, pode-se observar a importância crucial que o conceito de
couraça assumiu no conjunto de suas reflexões:

Por meio de seu encouraçamento corporal, o animal humano apartou a si


mesmo de sua origem biológica e, dessa forma, apartou-se também de sua
origem cósmica, desenvolvendo uma estrutura instintual que funciona
essencialmente de maneira irracional. O resultado disso é o caos atual de
nossa civilização, ao qual o ser humano apenas pode reagir com angústia e
horror (ORGONE INSTITUTE PRESS, 1953, p. 2, tradução nossa).

Ainda que considerasse o encouraçamento como uma espécie de patologia


epidêmica, Reich tentou encontrar meios terapêuticos e desenvolver projetos sociais que
propiciassem alguma flexibilização da couraça.

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