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Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa

Mestrado em Crítica, Curadoria e Teorias da Arte


Estudos Avançados de História de Arte I – Prof. Dra. Margarida Calado

KUNSTWOLLEN
Breve estudo da sua origem e desenvolvimento

por
Leonor Neves da Costa Luis dos Reis

2017
ÍNDICE

Introdução .............................................................................................................................3

1. Alois riegl: breve biografia ..............................................................................................4

2. As origens do kunstwollen

2.1. A Estética de Hegel ................................................................................................7

2.2. O Positivismo de Thausing .....................................................................................8

2.3. Hildebrand e a questão da percepção .....................................................................9

3. Kunstwollen

3.1. Definição e redefinição .........................................................................................12

Conclusão ..............................................................................................................................19

Fontes e bibliografia ..............................................................................................................20

1
«É a consciência de que o discurso é historicamente determinado que faz de Riegl um dos
fundadores da história da arte como disciplina; é também esta consciência que faz deste
discurso uma ferramenta tão útil, hoje, quando queremos fazer frente ao derrotismo
apocalíptico do “pós-modernismo”. É esta consciência que fez W.Benjamin saudar Riegl
como seu igual.»

Yve-Alain Bois

2
INTRODUÇÃO

A originalidade do pensamento de Alöis Riegl, que se forma a partir de um novo olhar sobre os
elementos mais básicos da obra de arte, sobre o seu desenvolvimento e motivação, encontrando
um meio-termo uma metafísica hegeliana e um formalismo rigoroso, é da maior importância no
estudo desta disciplina; contudo, é também frequentemente e injustamente, mal-interpretado.

O kunstwollen, enquanto pedra basilar do seu pensamento, assume-se como o foco central deste
trabalho e que é aqui tratado na sua língua original, mesmo correndo o risco de, como avisa
Benjamin Binstock, se tornar um significante transcendente sem um significado1.

A tradução deste termo, e sua consequente interpretação, têm sido tema de debate entre
académicos e filósofos desde que 1893, ano em que Riegl o usa pela primeira vez em Stilfragen;
as suas várias traduções conduzem a leituras distintas com propósitos também eles distintos.

A opção de manter o termo na sua língua original advém do próprio propósito deste trabalho
que se caracteriza, não como um ensaio, mas como um exercício de recolha e de sistematização
de ideias e opiniões. Não se pretende aqui elaborar uma nova definição, propor uma nova
tradução ou sequer estabelecer uma nova leitura sobre o tema, mas tão-somente traçar, da forma
mais sucinta e objectiva possível, o seu percurso enquanto ideia fundamental da historiografia
da arte.

O corpo do trabalho inicia-se com uma breve biografia de Aloïs Riegl, a que se seguem duas
partes de desenvolvimento: as origens do kunstwollen, onde são abordadas brevemente aquelas
que concluímos ser as principais influências de Riegl no desenvolvimento do kunstwollen – A
Estética de Hegel, o Positivismo de Thausing e a questão da percepção de Hildebrand, e uma
segunda parte onde tentaremos definir o termo kunstwollen e o seu desenvolvimento nas obras
de Riegl entre 1893 e 1902.

1
Benjamin Binstock, Prefácio de Historical Grammar of the Visual Arts, p. 14

3
1. ALOIS RIEGL (1858 – 1905): breve biografia

Nascido em Linz, Áustria, a 14 de Janeiro de 1858, Aloïs Michael Riegl começa por estudar
Direito na Universidade de Viena, em 1875, contudo, dois anos mais tarde, muda para o curso
de História, onde tem como professores, nomes como Robert Zimmermann, Marx Budinger ou
Franz Bertano.

Entre 1875 e 1878, Riegl afirma-se como membro activo do Clube de Leitura de Estudantes
Alemães em Viena, mais conhecido por Leseverein; local de debates e palestras políticas e
filosóficas, com a introdução dos pensamentos de, entre outros, Schopenhauer e Nietzsche, “as
experiências de Riegl neste clube”, como sugere Cordileone “foram bem mais importantes do
que qualquer encontro académico que teve nos anos antes de entrar para o Instituto de História
em 1881.2” A importância do Leseverein é ainda maior quando sabemos que o seu fim em 1878
coincide com a mudança de Riegl do curso de Direito para o de Historia, contrariando os desejos
da sua família; e embora as razões que motivaram esta mudança não sejam claras, é inevitável
estabelecer uma relação entre os dois acontecimentos.

Em 1881 Riegl entra então para o prestigiante Instituto Austríaco de Investigação Histórica
(IÖG), especializando-se nas ciências auxiliares da história (paleografia, diplomática, heráldica,
história de arte e linguagem). A preferência pelos métodos positivista e empírico, em detrimento
da metafisica hegeliana formam “as fundações do seu trabalho como historiador de arte.3”.
Também marcante foi o exemplo de Thausing e o seu esforço de profissionalização da
disciplina.4

A relação de grande proximidade com a prática museológica defendida pelo Instituto foi
fundamental na prática do próprio Riegl que, entre 1884 e 1897 trabalhou como curador adjunto

2
CORDILEONE, Diana Reynolds – Aloïs Riegl in Vienna 1875–1905: An Institutional Biography, p. 26
3
Ibid. p. 49
4
Moriz Thausing (1838-1884) – professor de história de arte de Riegl no IOG, foi uma das figuras mais importantes
da Escola de Viena. “Com a sua ênfase na primazia dos factos históricos da arte, e a sua distinção entre juízos
estéticos e históricos da arte, Thausing foi provavelmente o primeiro a definir os princípios básicos de uma história
de arte positivista que tinha dominado a prática até então”, RAMPLEY, Matthew – The Vienna School of Art
History: Empire and the Politics of Scholarship, p. 50

4
de têxteis no Museu Austríaco de Arte e Industria, função que iria conjugar mais tarde com o
ensino universitário a tempo parcial na Universidade de Viena. No Museu, segundo, Henri
Zerner, Riegl desenvolveu uma perícia excepcional na descrição e análise de padrões complexos
graças à sua minuciosa tarefa de catalogar carpetes orientais. Este seu intenso envolvimento
com as artes decorativas, e em particular, com os têxteis levou à publicação de uma série de
contribuições especializadas neste período5.

Riegl publica o seu livro Stilfragen (Questions of Style: foundations for a History of Ornament)
em 1893. Esta obra que “ocupa uma posição-chave no desenvolvimento do trabalho e
pensamento de Riegl” é “o resultado da sua actividade como curador de têxtis no Museu de
Arte e Industria de Viena” 6.

Em 1897, Riegl pede uma licença do Museu para escrever o manuscrito de Historische
Grammatik der bildenden Künste (Historical Grammar of the Visual Arts) que ficará conhecido
como primeira versão. Acaba por sair do museu e, ainda em 1897, torna-se professor a tempo
inteiro, uma função que irá manter até 1902. Em 1898 prepara uma palestra na Universidade de
Viena, cujas notas constituem a segunda versão deste livro, que só será, contudo, publicado na
sua totalidade, em 1966, mais de 60 anos após a sua morte.

Enquanto professor, a sua produtividade, bem patente na publicação de alguns dos seus livros
mais importantes, como Die spätrömische Kunstindustrie (Late Roman Art Industry) em 1901,
no qual, traça o desenvolvimento da história das artes visuais da arte do Egipto e da Grécia
antiga até ao início da idade média, propondo uma das aplicações mais radicais da nova técnica
formalista de análise pictórica, ou Das holländische Gruppenporträt (The Group Portraiture of
Holland), no ano seguinte, onde introduz o papel do espectador, numa clara fuga ao formalismo,
não invalidou a profunda “falta do contacto com os originais” que sentia, chegando a afirmar
“que tinha perdido a sua profissão.” 7

5
ZERNER, Henri – (prefácio) Silfragen p. 11
6
Ibid.
7
BURNS, Robert M.- Historiography: Critical Concepts in Historical Studies Ideas, p. 269

5
Voltaria contudo à prática museológica, precisamente em 1902, ano em que deixa o ensino uni-
versitário para assumir o cargo de Director da Comissão Imperial para a Preservação dos Mo-
numentos; nessa função, publica em 1903 o importante ensaio Der moderne Denkmalkultus,
sein Wesen, seine Entstehung (O Culto Moderno dos Monumentos), “geralmente visto como o
inicio da abordagem moderna aos monumentos” 8, e cuja teoria baseada no valor comemorativo,
histórico e de idade, seviu de base a uma legislação que nunca conseguiu que fosse aprovada.

Morre em 1905 vítima de cancro, aos 46 anos de idade.

8
LANPRAKOS, Michele - Riegl's Modern Cult of Monuments and the Problem of Value, p.420

6
2. AS ORIGENS DO KUNSTWOLLEN

2.1. A ESTÉTICA DE HEGEL

A relação do pensamento de Riegl com Hegel revela uma curiosa dicotomia; por um lado Riegl
rejeita a estética (e por consequência Hegel) como fundadora da construção da história de arte,
mas simultaneamente, afirma a impossibilidade de evitar Hegel na discussão desta problemática.

São muitos os elementos hegelianos na obra de Riegl, que derivam do modelo de


desenvolvimento dialético do filósofo alemão, nomeadamente a “compreensão de como a
mente, a consciência, se desenvolve historicamente.” 9

A tensão dialética entre o sujeito e o objecto que governa a dinâmica do desenvolvimento


histórico, que será uma das premissas fundamentais para o desenvolvimento do kunstwollen
deriva também de Hegel, assim como os ideais de percepção, óptico/subjectivo e
háptico/objectivo.

Segundo Benjamin Binstock, “Riegl reconhece a visão essencial de Hegel sobre a conexão
entre cultura e história”, como aliás reconhece que não é pela sua “inevitável procura de
uniões” que falha a sua construção da história de arte, mas pela sua noção do Espírito como guia
da arte. Riegl bebe da dialética de Hegel e por isso mesmo muitas são as leituras demasiado
literais que lhe são feitas, e que resultam, invariavelmente, numa compreensão metafisica do
seu discurso, algo que o próprio autor recusa, sendo, precisamente, esta recusa de uma estética
especulativa, na qual a arte, como defendia Hegel, seria um momento na realização do Espírito,
que se revela como uma diferença fundamental entre os dois.

Diferem também na questão da concepção do propósito da arte pois enquanto que Hegel vê na
representação do absoluto, o seu verdadeiro propósito, Riegl, não lhe determina qualquer pro-
pósito especifico, apesar de afirmar a sua intencionalidade e a consciência que a motiva. Se-
gundo Binstock, “Riegl não aborda a obra de arte como um meio de transmitir uma mensagem

9
Binstock, Historical Grammar of the Visual Arts, prefácio pág. 25

7
(o quê), ao invés, interpreta o conteúdo cultural e histórico dos elementos formais ou visuais
(como)”.

Apesar de todos os elementos derivados de Hegel que facilmente identificamos na sua obra, e
na própria construção do kunstwollen, Riegl irá basear-se sobretudo num método de análise
formal para construir a sua teoria do desenvolvimento histórico da arte.

2.2. O POSITIVISMO DE THAUSING

Os estudos de Riegl no Instituto Austríaco de Investigação Histórica apresentam-se como uma


das influências mais marcantes no seu desenvolvimento como historiador de arte, no qual a
instrução rigorosa nos métodos empirista e positivista está bem patente.

O director do Instituto, Moritz Thausing, a quem fizemos referência no primeiro capítulo,


assume-se, sem dúvida como uma das figuras mais marcantes da instrução positivista de Riegl.

A sua visão relativamente ao papel do historiador de arte, que defendia, devia estar limitado a
uma observação de factos, rejeitando por completo considerações e terminologias de ordem
estética, e daí, qualquer análise dedutiva, “O melhor tipo de história de arte que posso imaginar
é aquele onde a palavra belo não tem lugar.”10 Aqui encontramos a primeira de muitas
influências em Riegl, precisamente, na recusa da “beleza” como elemento normativo da análise
histórica das obras11. Como resultado dessa recusa do julgamento estético, e profundamente
influenciado pela análise formal de Giovanni Morelli12, o método de Thausing passava então

10
Cit. por RAMPLEY. Matthey – The Vienna School of Art: Empire and the Politics of Scholarship, p. 33
11
Vd. p. 17
12
Giovanni Morelli (1816-1891) – historiador de arte com formação em medicina, era “critico dos historiadores de
arte que estavam dependentes das fontes textuais, defendia o envolvimento directo com as obras”, “(…) aplicou
um método experimental que consistia na observação incisiva das formas do corpo humano, específicas da
matéria”(RAMPLEY, Matthew – The Vienna School Art History, p. 34)

8
pela examinação precisa do próprio objecto, que considerava mais importante e mais fiável do
que os documentos, nos quais se baseava o método positivista.13

Em Riegl, observamos essa atribuição do papel central ao objecto ao qual é feita uma análise
formal rigorosa, que não contempla o exercício do julgamento estético; Riegl considerava,
contudo, essencial, uma outra análise, que segundo ele punha, erradamente, em causa o seu
estatuto positivista, uma vez que se tratava de uma análise à experiência estética do objecto.14

Riegl acabaria assim por abandonar o positivismo como método estrictamente científico e
indutivo, defendendo uma visão mais abrangente para a história de arte, como se pode
comprovar com a seguinte passagem de Stilfragen: “Aquilo que tem até aqui sido divido,
mantido em separado, deveria ser unido e tido em consideração sob um único ponto de vista.”15

2.3. HILDEBRAND E A QUESTÃO DA PERCEPÇÃO

Em 1893, o escultor alemão Adolf von Hildebrand publica o livro Das Problem der Form in
der Bildenken kunst (The Problem of Form in Painting and Sculpture), com o objectivo de
explorar a relação entre as formas tridimensionais e a sua aparência como percepção visual e as
suas consequentes implicações na representação artística16. Inspirado pela psicologia da
percepção pós-herbatiana e pelo contacto com o pintor Hans von Marees e com o teórico Konrad
Fiedler, Hildebrand tentou formular uma norma estética com bases científicas que os artistas
pudessem aplicar na concepção das suas obras.

13
“A nossa disciplina é baseada em primeiro lugar, na examinação precisa do objecto de arte, …uma examinação
e comparação contínuas, semelhantes às nossas ciências mais reais, as ciências naturais” (Cit. por CORDILEONE,
Diana – Alois Riegl in Vienna, p. 57)
14
“Era considerado científico evitar qualquer tipo de estética, e restringir-se àquilo que era, supostamente,
puramente factual (…) contudo, era impossível evitar colocar monumentos individuais numa relação de qualquer
tipo entre eles, assim como operar constantemente com julgamentos de valor (bom, mau, medíocre). A estética
como prática estava assim a ser utilizada, apesar de tal ser negado pelo bem da cientificidade putativa” – Aloïs
Riegl Cit. por. RAMPLEY, Matthey – The Vienna School of Art History, p. 44
15
Alois Riegl Cit. Por RAMPLEY, Matthew – The Vienna Schood of Art History, p. 39
16
HILDEBRAND, Adolf von - The Problem of Form in Painting and Sculpture, p.17

9
A partir da teoria pós-herbartiana da percepção, na qual “o olho projecta uma imagem plana na
retina e que uma imagem a três dimensões é construída a partir das várias percepções
17
individuais a duas dimensões” , Hildebrand sugere dois tipos de percepção a que chamou
“visão próxima” e “visão distante”. A primeira refere-se a uma visão cumulativa, na qual a
mente sintetiza as várias sensações fragmentadas dos objectos, enquanto a segunda compreende
o objecto na sua totalidade de uma maneira simultânea, mas à qual, contudo, falta a articulação
tridimensional da forma que a “visão próxima” permite. Perante o antagonismo das duas visões,
Hildebrand defende a necessidade de estabelecer uma relação entre as impressões
bidimensionais e a sensação da forma espacial do objecto, sugerindo a arte, como o único
veículo possível para esta reconciliação.

Será então a partir destes conceitos de “visão próxima” e “visão distante” que Riegl irá formular
os seus termos “háptico” e “óptico” que iremos estudar em mais detalhe no próximo capítulo.

Por agora, interessa-nos focar nas semelhanças e nas diferenças que se impõem entre ambos; e
aqui detectamos uma diferença fundamental na definição da “visão próxima” ou “háptica”, em
Riegl, para quem a proximidade ao objecto, e consequentes restrições do movimento ocular,
resultam numa compreensão, não tridimensional como Hildebrand defendia, mas
bidimensional, uma vez que as sombras que produzem o efeito de profundidade, desaparecem.18

Já em relação à “visão distante” ou “óptica”, e apesar de concordar com a bidimensionalidade


que Hildebrand lhe atribui, Riegl defende a existência de dois tipos distintos de representação
no plano: uma que é literalmente plana, e outro que cria uma ilusão óptica que resulta numa
superfície subjectiva.19.

Constatamos, assim, que a grande influência da teoria de Hildebrand na formulação do método


de análise de Riegl, não invalidou a necessidade de modelação de certas definições; é, no
entanto, na finalidade da sua aplicação que nos deparamos com a maior diferença entre os dois,
pois ao passo que a intenção de Hildebrand, como já aqui referimos, era formular uma normal
estética de base científica, Riegl procurava apenas usar a psicologia da percepção como

17
IVERSEN, Margaret - Aloïs Riegl: Art History and Theory (1993), p. 73
18
Ibid, pp. 73-76
19
IVERSEN, Margaret - Aloïs Riegl: Art History and Theory (1993), pp- 76

10
fundamento para a pluralidade de estilos20 que identificava ao longo da história de arte, e cuja
análise o levaria à concepção do seu kunstwollen.

20
Ibid, pp. 76

11
3. KUNSTWOLLEN

3.1. DEFINIÇÃO E REDEFINIÇÃO

Desde que o termo Kunstwollen foi usado pela primeira vez, apesar de vagamente, em
Stilfragen, em 1893, o seu sentido mudou e a sua utilização, já mais frequente, em Die
spätrömische Kunstindustrie e Das holländische Gruppenporträt, de 1901 e 1902,
respectivamente, acompanhou a mudança teórica fundamental que ocorreu no pensamento de
Riegl entre aquelas publicações. É precisamente nas suas últimas obras que Riegl apresenta o
Kunstwollen como a chave do seu método de análise formal que lhe vai permitir estabelecer um
desenvolvimento histórico da arte.

Stilfragen (1893)

Em 1863, Gottfried Semper21 publica o livro Der Stil (Style), onde defende a função, o material
e a técnica como os factores determinantes do estilo da obra de arte. Trinta anos depois, Riegl,
publica o seu Stilfragen (Questions of Style) em jeito de diálogo com a obra de Semper, a quem
cita por diversas vezes ao longo do livro. A crítica ao materialismo é, contudo, mais dirigida aos
sub-semperianos22, que haviam reduzido as teorias de Semper a doutrinas formulaicas, do que
propriamente a Semper que simplesmente defendia esse papel determinante do material, sem,
no entanto, fazer dele uma verdade absoluta aplicável a todas as obras de arte. Este materialismo,
tal como alias, a interpretação mimética que reduz a ornamentação vegetal a uma mera
transcrição das formas da natureza, que Riegl também critica, têm em comum a separação da
produção da arte ornamental da sua história.23

21
Gottfried Semper (1803-1879) - Arquitecto, teórico e arqueólego, foi importante na recuperação do gosto pela
arquitectura renascentista. A sua visão da “forma determinada pelos materiais” defendida no primeiro volume de
Der Stil levou a que o seu nome ficasse invariavelmente, e injustamente, associado a um materialismo puro;
contudo, as suas considerações relativamente ao carácter determinante do contexto social ou económico para a
determinação do estilo, faziam parte do terceiro volume da obra, que nunca chegou a ser publicado. (Fonte:
Dictionary of Art Historians)
22
Termo usado por Riegl para denominar, negativamente, os seguidores de Gottfried Semper
23
ZERNER, Henri - prefácio Problems of Style: Foundations for a history of ornament, p. 12

12
Riegl rejeita aquilo que considera ser “os equivocos (…) da alegada natureza ahistórica dos
estilos”, defendo, assim, uma interconexão entre o desenvolvimento histórico e o artístico, na
qual as obras de arte são o resultado de um “impulso artístico particular” que, como diz Riegl,
“procurou sempre, inabalavelmente, transcender as limitações técnicas” 18 . Foi, precisamente,
este impulso artístico particular ao qual Riegl deu o nome kusntwollen sem, contudo, e como
nota Margaret Olin, lhe atribuir um conceito rigorosamente definido24. De facto, Riegl faz uma
única referência ao kusntwollen neste livro,

“Decerto que o momento técnico desempenha…um papel, mas de maneira nenhuma o


papel principal que lhe é atribuído pelos seguidores da teoria técnica e material das
origens. O impulso não veio da técnica, mas de uma motivação específica (kunstwollen).
Houve um desejo de criar uma imagem da natureza em material morto, e a técnica
necessária para tal foi depois inventada.”25

As duas preocupações centrais de Riegl quando escreveu Stilfragen eram: em primeiro lugar,
demonstrar a autonomia e a liberdade do impulso estético do homem, e em segundo lugar,
estabelecer a continuidade de uma narrativa histórica, onde, por consequência, diz Henri Zerner
“os métodos de filologia ou criticismo histórico da tradição positivista26 estavam directamente
operativos.27”

A irreversibilidade desta narrativa histórica sugere o carácter determinista da sua teoria do


impulso artístico, que Riegl irá posteriormente defender em Die spätrömische Kunstindustrie.

“Em oposição à percepção mecânica da natureza da obra de arte, eu apresentei, pela


primeira vez, no meu Stilfragen, uma abordagem teleológica que reconhece a obra de
arte como resultado de um kunstwollen definido e intencional que se impõe à função, ao
material e à técnica.”28

24
OLIN, Margaret – Forms of Respect: Alois Riegl's Concept of Attentiveness, p.. 286
25
RIEGL, Alois - Problems of Style, Foundations for a history of ornament
26
Enquanto aluno do Instituto Austriaco de Investigação Histórica, Riegl assimilou o método filológico baseado
na edição crítica de textos na tentativa de estabelecer um texto original, chamado Urtext, que é deduzido através
do uso de analogias entre as várias versões do texto, tornando-se uma reconstrução gramatical. (Adi Efal - Figural
Philology: Panofsky and the Science of Things)
27
ZERNER, Henri, prefácio Problems of Style: Foundations for a history of ornament, p. 13
28
Alois Riegl Cit. por BINSTOCK, Benjamin – prefácio Historical Grammar of the Visual Arts, p. 14

13
Para Olin, esta é uma tentativa de Riegl de ressuscitar um conceito ao qual, acrescenta, “não
tinha qualquer razão para reivindicar prioridade”, defendendo que o seu uso em Stilfragen
sugere uma abordagem causal, sem intenção de determinar um conceito de desenvolvimento
teleológico. 29

Die spätrömische Kunstindustrie (1901)

“Não nos podemos continuar a concentrar em obras de arte individuais ou em espécies


de arte individuais, mas na análise e compreensão mais claras dos elementos com os
quais uma coroa verdadeira e unificadora da estrutura teórica da história de arte será
construída”30

Segundo Allister Neher, apesar da mudança no pensamento de Riegl entre as suas três obras que
referimos anteriormente, podemos identificar dois aspectos que se mantém inalterados no uso
do termo kunstwollen. O primeiro é que ele continua a ser utilizado em oposição à teoria
materialista do desenvolvimento artístico; ao que já tinha afirmado na obra anterior, Riegl
acrescenta aqui que os materiais e as técnicas são por assim dizer “meros coeficientes
conflictuais [da obra de arte]” 31. De facto, uma das ideias mais marcantes de Riegl é a da
continuidade evolucional como desenvolvimento artístico interno, e essa é a noção no qual
baseia toda a sua obra, e à qual se irá manter sempre fiel. O outro aspecto comum nestas obras
é o de que “o Kunstwollen deve ser entendido em relação à constituição formal das obras de
arte”, o que significa que este impulso está ligado aos aspectos formais da obra de arte, que,
assim, constituem o objecto do procedimento critico que se impõe.

Esta abordagem formalista de Riegl não exclui, contudo, outro tipo de preocupações,
nomeadamente de ordem social, cultural e técnica que, como diz Riegl, “desempenham,
constantemente, um papel na história de arte”, embora sempre subordinadas à constituição
visual da obra de arte.

29
Margaret Olin Cit. por BINSTOCK, Benjamin – prefácio Historical Grammar of the Visual Arts, p. 15
30
Alois Riegl Cit. por IVERSEN, Margaret - Aloïs Riegl: Art History and Theory (1993), p. 210
31
Alois RIegl Cit. por WOOD, Christopher (introdução) in PANOFSKY – A perspectiva como forma simbólica,
p. 11

14
“O carácter deste impulso é sempre determinado pelo que podemos chamar a
concepção do mundo num determinado momento (novamente no sentido mais amplo do
termo), não apenas na religião, filosofia, ciência mas também no governo e na lei.32”

Desenvolvido historicamente, o kunstwollen revela-se, segundo Riegl, no “contorno e cor, no


plano e no espaço” 33, remetendo-se, então, exclusivamente, para o plano da expressão, da
aparência visual das obras. Por sua vez, a constituição visual das obras é estabelecida pelos
termos opostos háptico/óptico que definem diferentes modos de apreensão perceptual.34 Esta
apreensão corresponde, por seu lado, à relação perceptual que o ser humano tem, em
determinado período, com o mundo; uma relação não fisiológica, mas atitudinal, que difere de
época para época.

É, então, em Die spätrömische Kunstindustrie, que Riegl estabelece esta ligação directa entre as
transformações estilísticas e as alterações no modo de apreensão do mundo; esta ligação vai
levá-lo ao entendimento da história da arte como um processo de desenvolvimento contínuo que
progride de uma concepção háptica para uma concepção óptica das coisas.

Sucintamente, no modo de representação háptico, que Riegl identifica, por exemplo, na arte
Egípcia, “os objectos são representados de uma maneira que enfatiza ao máximo uma
apresentação destes como objectos unificados, isolados sobre um plano”, o que, em termos
visuais, se traduz em contornos duros e bem marcados contra um plano liso. Este modo de
representação corresponde a uma visão marcadamente antropomórfica, na qual se viam se a si
próprios como corpos isolados e os elementos externos a si como igualmente individuais e
distintos.35

Na arte clássica grega reconhecem-se já alterações neste modo de representação, na qual a


aplicação de sombras permite aos objectos sobressaírem, sem, contudo, comprometerem a
unidade háptica da superfície. É, no entanto, somente no Romano tardio que a percepção háptica
é totalmente substituída pela percepção óptica:

32
RIEGL, Alois – Late Roman Art Industry, p. 231
33
Ibid,, p. 225
34
NEHER, Allister - Riegl, Hegel, Kunstwollen, and the Weltgeist, p. 10
35
Ibid, p. 8

15
“Este plano já não é háptico porque contém interrupções conseguidas através de
sombras fundas; é, pelo contrário, óptico – colorido, pelo que os objectos parecem
distantes de nós e pelo que se fundem, também, no seu ambiente. A percepção dos
objectos que caracteriza esta terceira fase da arte da antiguidade é, então,
essencialmente óptica e, é, em particular, distante, representada na sua forma mais pura
na arte do Império Romano tardio.36”

Das holländische Gruppenporträt (1902)

Tal como fizemos referência na biografia de Riegl, algumas páginas acima, esta obra é marcada
pela introdução de um elemento dissonante no seu discurso formalista: o papel artístico do
espectador.

Interessa então compreender o papel que Riegl atribui ao espectador nesta obra, de forma a
podermos compreender em que medida é que este elemento interfere não só na concepção da
obra de arte, mas principalmente, na concepção do kunstwollen.

“As teorias psicológicas de E.H.Gombrich e outros introduziram o espectador como


uma entidade psicológica abstracta. Este espectador psicológico, apesar de se manter
aparentemente apolítico, põe em risco a unidade circunscrita da obra. Em Riegl, a
introdução do espectador foi mais abertamente formal. Ele usou a confrontação literal
do espectador com a obra de arte no espaço, como a base da sua nova estratégia de
análise pictórica.37”

Para Olin, a interpretação formal desta introdução, que aceita a dependência do espectador como
uma “ameaça à coerência artística”, propondo, em seu lugar, uma interpretação narrativa.

Em Das holländische Gruppenporträt, Riegl baseia-se na pintura holandesa do séc. XVII, em


particular no retrato de grupo, cuja popularidade na sua época, e consequente rejeição no séc.
XIX, Riegl atribuía, em ambos os casos, ao confronto directo com o espectador que impele a
sua atenção; para Riegl, é essa confrontação, a relação entre o espectador e a obra que constituiu

36
Cit. por NEHER, Allister – Riegl, Hegel, Kunstwollen, and the Weltgeist, p. 8
37
OLIN, Margaret – Forms of Respect: Alois Riegl’s Concept of Attentiveness, p. 286

16
a história de arte, o que a ser verdade, como nota Olin, faria deste o seu primeiro livro de história
de arte. 38

O “contorno e a cor no plano e no espaço” que Riegl apresentara no seu livro anterior como
constituindo a essência da arte, surge neste livro como “concepção pictórica, forma e cor”; a
concepção pictórica termo que designa “a concepção do tema pelo artista, concretizado na
representação” 39, é aqui separada dos seus elementos formais, e considerada enquanto elemento
artístico independente, que, segundo Olin, nos remete para uma relação especificamente
psicológica entre as personalidades envolvidas na obra, incluindo o espectador, sendo que o
sucesso desta relação vai conferir à obra a sua coerência externa.

Esta questão torna-se, então, pertinente para a definição de kunstwollen que temos estamos a
tentar estabelecer nesta obra, porque aqui, as questões de conteúdo, “a colocação da figura, as
suas posturas, a direcção dos seus olhares e a sua qualidade de atenção” são vistas como
expressões do kunstwollen holandês.

Com tudo aquilo que foi aqui dito, há uma série de ideias que podemos afirmar relativamente à
natureza do kunstwollen. Em primeiro lugar, um dos aspectos que identificamos, não só nestes
três livros, mas em toda a obra de Riegl, é a questão da extensão da sua análise a outras formas
de arte, como o ornamento ou as artes aplicadas que considerava expressão do kunstwollen tão
válidas como a pintura ou a escultura, e, ainda, fins para belas-artes, não segundo ele, não se
esgotavam na beleza.

Esta pluralidade de estilos e, por consequência, de percepções, evita o chamado “Ponto de


Arquimedes”, o tal ponto de referência que serve de base para uma determinada argumentação.
O kunstwollen não assume esse carácter unívoco, pelo contrário; ele assume-se como
simultaneamente objectivo, subjectivo, relativo e histórico, podendo ser visto como empírico,

38
OLIN, Margaret – Forms of Attentiveness, p. 286
39
Ibid, 287

17
objectivo ou transcendente,40 e, no entanto, diz Riegl: “Temos no kunstwollen a nossa única
certeza”41

40
LAND, Karen – Chaos and Cosmos: On the Image in Aesthetics and Art History, p. 152
41
Cit por. NEHER, Allister - Riegl, Hegel, Kunstwollen, and the Weltgeist, p. 11

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CONCLUSÃO

Tal como afirmámos na introdução deste trabalho, o seu objectivo era fazer um levantamento
das origens do kunstwollen e, de forma sucinta, do seu desenvolvimento dentro da obra de Riegl,
de maneira a tentar chegar a uma compreensão objectiva e o mais fidedigna possivel
relativamente ao carácter desta noção.

Naturalmente que o resultado, como não poderia deixar de ser, peca por uma simplificação de
conceitos e pensamentos extremamente complexos; mas esse era um risco inevitável, face à
pretensão de expor ideias tão opostas ou relações tão subtis como aquelas que aqui foram
nomeadas, em menos de vinte páginas.

Por outro lado, esta multiplicidade de conceitos, de influências e de paradoxos são um reflexo
da própria complexidade desta ideia e da personalidade de Riegl qie, enquanto historiador,
procurou, incessantemente, procurar respostas concretas para a concretização das suas ideias.

Independentemente das muitas incertezas, nomeadamente quanto ao próprio estatuto deste


“ideal” de Riegl, não há qualquer dúvida quanto à importância da sua obra na afirmação da
história de arte como disciplina independente e intrinsecamente humana, que por consequência
está em constante desenvolvimento.

A abertura da história de arte a outras formas de arte e a outras culturas e épocas tidas como
“menores” ou “inferiores”, é mais uma prova da sua procura de pontes, de ligações entre a arte
e a pluralidade da experiência humana, e o exemplo de uma clara promoção daquilo a que hoje
chamamos “pluralismo cultural” e que está tão enraizado na nossa sociedade.

A sua recusa, sistemática, de uma metodologia ou de qualquer tendência hermenêutica, fosse


metafísica, positivista, materialista, formalista, determinista, historicista, conferem-lhe um
estatuto verdadeiramente original e moderno, de quem procurou sempre libertar-se das
imposições do seu contexto e manter-se fiel a si próprio e, acima de tudo, ao objecto artístico.

Por tudo isto, e pelo muito que nos faltou aqui dizer, Riegl merece ser considerado como um
dos pais da história de arte e do próprio pensamento artístico moderno.

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FONTES E BIBLIOGRAFIA

Monografias:

 BURNS, Robert M. – Historiography: Critical Concepts in Historical Studies Ideas,


Vol. III. Nova Iorque: Routledge, 2006. ISBN: 0-415-32080-1

 CORDILEONE, Diana Reynolds – Aloïs Riegl in Vienna 1875–1905: An Institutional


Biography. Surrey: Ashgate, 2014. ISBN: 978-1-4094-6665-9

 IVERSEN, Margaret – Aloïs Riegl: Art History and Theory (Londres, The MIT Press,
cop. 1993). ISBN: 0-262-09030-9

 LANG, Karen Ann - Chaos and Cosmos: On the Image in Aesthetics and Art His-
tory. Nova Iorque: Cornell University, 2006. ISBN: 978-0-8014-4166-0

 PANOFSKY, Erwin – A Perspectiva como Forma Simbólica. Lisboa: Edições 70.


ISBN: 972-44-0886-8

 RAMPLEY, Matthew – The Vienna School of Art History: Empire and the Politics
of Scholarship, 1847-1918. Pennsylvania: The Pennsylvania State University Press,
2013. ISBN: 978-0-271-06158-0

 RIEGL, Aloïs – Group Portraiture of Holland, The. Introd. de Wolfgang Kemp; trad.
de Evelyn M. Kain e David Britt. Los Angeles: The Getty Research Institute for the
History of Arts and Humanities, 1990. ISBN: 0-89236-548-X

 RIEGL, Aloïs – Historical Grammar of the Visual Arts. Introd. de Benjamin


Binstock; trad. de Jacqueline E. Jung. Nova York: Zone Books, 2004. ISBN: 1-890951-
45-5

 RIEGL, Aloïs – Problems of Style: Foundations for a History of Ornament. Introd.


e notas de David Castriota; pref. de Henri Zerner; trad. de Evelyn M. Kain. Nova Jersey:
Princeton University Press, 1992. ISBN: 0-8071-1706-4

20
 WOOD, Christopher S. - The Vienna School Reader: Politics and Art Historical
Method. Nova Iorque: Zone Books, 2000. ISBN: 1-890951-14-5

 WOODFIELD, Richard – Framing Formalism: Riegl's Work. (Nova Iorque:


Routledge, 2001. ISBN: 90-5701-312-6

Artigos:

 NEHER, Allister – Riegl, Hegel, Kunstwollen, and the Weltgeist, RACAR: revue d'art
canadienne / Canadian Art Review Vol. 29, No. 1/2 (2004), pp. 5-13

 OLIN, Margaret – Forms of Respect: Aloïs Riegl’s Concept of Attentiveness

Outras publicações:

 HARRIS, Karsten – Hegel’s Introduction to Aesthetics (Yale University, 2009)

Recursos na internet:

 Dictionary of Art Historians – Gottfried Semper [Em linha]. [Consult. 15 Jan. 2017]
Disponível na WWW: URL: https://dictionaryofarthistorians.org/semperg.htm

 LANPRAKOS, Michele - Riegl's Modern Cult of Monuments and the Problem of Value
[Em linha]. [Consult. 20 Jan. 2017] Disponível na WWW:URL:
https://www.academia.edu/9524023/Riegls_Modern_Cult_of_Monuments_and_the_Pr
oblem_of_Value

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