Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
Fundação
Em novembro deste ano, mais precisamente no dia 22, comemoram-se os cinqüenta anos do
Clube da Madrugada. Na atualidade, o nome talvez não diga nada às novas gerações. Entretanto,
esse grêmio de escritores e artistas realizou o mais importante movimento cultural do Amazonas. A
ele pertenceu a melhor geração literária de nosso estado.
Para homenagear o Madrugada desenvolveremos, a partir deste domingo, uma série de cinco
artigos sobre sua vida. Hoje, trataremos do contexto político e literário no momento de sua
fundação. Nos próximos textos, escreveremos sobre as tendências líricas e ficcionais, comentando
alguns livros de grande importância.
* * *
Dos escombros da Segunda Guerra Mundial surgiu uma literatura desencantada com o
mundo. Tal fenômeno é compreensível, haja vista a insensatez e a brutalidade do conflito.
Uma tendência intimista e espiritualista invade então a poesia. O reencontro com o próprio
eu e a busca de valores transcendentais equivaliam a uma reorganização do mundo e a valores
distantes da materialidade, da ganância, da destruição.
No Brasil, os poetas que enveredaram por tal caminho constituíram um grupo que ficou
conhecido como Geração de 45. Em geral, os livros didáticos apontam esse instante de nossa
literatura como o 3º. momento do Modernismo. Cremos que essa caracterização não corresponde à
verdade, em virtude de os artistas do período – salvo as inevitáveis exceções – terem novamente
“fechado” a poesia, ou seja, a métrica, a rima e as formas fixas, como o soneto, voltaram a ser
intensamente praticadas.
É nesse esquema que se pode inserir o Clube da Madrugada. Melhor dizendo: o Madrugada
é a Geração de 45 no Amazonas.
Quem se debruça sobre a história literária local nota um intenso vazio após o ciclo da
borracha. Enquanto o Modernismo se firmava em São Paulo e fazia adeptos em todo o País,
varrendo o ranço parnasiano, em nosso Estado o tradicionalismo criara raízes. Entre 1922, data da
Semana de Arte Moderna, e 1954, ano em que raiou a “madrugada” em nossas letras, apenas dois
livros de relevância tinham sido publicados dentro da nova estética literária: os “Poemas
amazônicos”, de Pereira da Silva (1927), e os “Ritmos de inquieta alegria”, de Violeta Branca
(1935). De resto, o marasmo, o apego fanático ao Parnasianismo e, mais raramente, ao Simbolismo,
estilos de época já então sepultados pela História.
O Clube da Madrugada teve, portanto, esse indiscutível mérito: o de atualizar nossa
literatura, colocando-a para caminhar em simultaneidade com a do restante do País. À parte isso, os
livros editados revelaram poetas inspirados. Considerando a produção “madrugadense” em sua
totalidade, constatamos que ela está bem acima da média, com alguns momentos especialíssimos,
em que o lirismo atinge píncaros nunca dantes alcançados no Amazonas.
Visto a cinqüenta anos de distância, podemos perceber que o Clube fez uma grande
renovação. Isso, certamente, jamais passou pela cabeça daqueles jovens que, certa madrugada, junto
ao lago da Praça da Polícia, criaram, quase por divertimento, uma agremiação literária. A atitude é
explicável: era uma forma de, agrupados, se protegerem da indiferença do meio, hostil a tudo em
que vislumbrasse o verniz da cultura.
Segundo o que se lê no livro “Clube da Madrugada: 30 anos”, de Jorge Tufic, dentre os
membros mais conhecidos ali estavam, no momento do “fiat lux”, Farias de Carvalho e Luiz
Bacellar, que foi, provavelmente, quem sugeriu o nome para a entidade. Um nome por sinal
felicíssimo, pois Madrugada expressava não só a hora em que se decidiu fundar o Clube, como,
metaforicamente, o novo tempo que surgia. Madrugada é, na poesia, um signo positivo, pois
designa a novidade. Ela é o prenúncio de uma outra e renovada manhã que vai nascer, de uma nova
era que se inaugura.
Dez foram os fundadores, segundo ainda o registro de Tufic. Alguns abandonaram a
trajetória do grêmio literário: foram para outras atividades culturais ou profissionais, apeando-se do
bonde da história. Porém, a esse núcleo inicial, à novidade que se instalava, agregaram-se, ao longo
do tempo, outros jovens interessados em arte: além do próprio Jorge Tufic, tivemos Alencar e Silva,
Antísthenes Pinto, L. Ruas, Elson Farias, Arthur Engrácio, Francisco Vasconcelos, Carlos Gomes,
Ernesto Penafort, Alcides Werk, Max Carphentier, Astrid Cabral (a segunda voz feminina de nossa
literatura) e tantos outros.
1954 foi realmente um ano especial em nossa história. Em outubro, o trabalhista Plínio
Ramos Coelho ganhara as eleições para o governo do Estado, derrotando velhas oligarquias
incrustadas no poder. Um mês depois, os ventos da renovação se transferiram da política para a
literatura. Começava o vendaval que destruiria o passado.
A POESIA MADRUGADA
A apoteose poética para o Clube aconteceu em 1959, quando Luiz Bacellar ganhou o Prêmio
Olavo Bilac, instituído pela Prefeitura do Rio de Janeiro, então capital do Brasil, com o livro
“Frauta de barro”. Entretanto, há uma grande produção de obras de extrema qualidade, como, por
exemplo, “Lunamarga”, de Alencar e Silva, que será objeto de atenção em nosso próximo artigo.