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Na prática corrente, tudo que foi estabelecido de maneira apropriada por uma
autoridade legislativa é chamado “lei”. Mas só algumas dessas leis, no sentido formal da
palavra - e hoje em dia geralmente apenas uma proporção muito pequena - são leis
substantivas (ou “materiais”), que regulam as relações entre indivíduos ou entre indivíduos e
o Estado. Em sua grande maioria, as assim chamadas leis são, antes, instruções baixadas pelo
Estado para seus funcionários, relativas à maneira pela qual eles devem conduzir o aparelho
governamental e os meios de que dispõem.
Evitar a confusão entre esses dois tipos de decisão, 480 confiando as tarefas de
estabelecer normas gerais e de emitir ordens para a administração a diferentes órgãos
representativos e submetendo suas decisões à judicial review independente, a fim de que
nenhum deles ultrapasse suas atribuições.
Embora possamos desejar que os dois tipos de decisão sejam controlados
democraticamente, não quer dizer que deveriam estar nas mãos da mesma assembléia. 481 As
disposições presentes contribuem para impedir que se perceba que, embora o governo tenha
de administrar os meios colocados à sua disposição (incluindo os serviços de todos aqueles
que foram contrata dos para executar suas instruções), isto não significa que ele deveria
administrar igualmente as atividades dos cidadãos pnvados.
O que distingue uma sociedade livre de uma sociedade não livre é que, na
primeira, cada indivíduo tem uma esfera privada reconhecida, claramente distinta da esfera
pública, e o cidadão privado não está sujeito a qualquer ordem, mas deve obedecer somente às
normas que são igualmente aplicáveis a todos.
No passado, o homem livre vangloriava-se de que, desde que se mantivesse nos
limites das leis conhecidas, não tinha necessidade de pedir a permissão de alguém ou de
obedecer às ordens de alguém. É duvidoso que qualquer um de nós possa dizer o mesmo hoje.
O segundo principal atributo que deve ser exigido das verdadeiras leis é que sejam
conhecidas, claras e imutáveis (contribuiu para a prosperidade do Ocidente).
Mas o grau de imutabilidade e clareza da lei deve ser julgado pelas disputas que não são
levadas ao tribunal, pois o resultado se torna previsível tão logo se examine a posição legal.
São os casos que nunca chegam aos tribunais, e não os que são julgados, que constituem a
medida desses atributos da lei. A tendência moderna de exagerar esta falta de imutabilidade
e clareza é parte da campanha contra o Estado de Direito.
A questão essencial é que as decisões dos tribunais possam ser previsíveis, e não que todas
as normas que as determinam possam ser expressas em palavras. Pretender que as ações dos
tribunais estejam de acordo com normas preexistentes não significa insistir em que todas
essas normas sejam explícitas, enunciadas de antemão. Pretender isto seria, na verdade, lutar
por um ideal inatingível.
Existem “normas” que não podem jamais ser expressas explicitamente. Muitas serão
reconhecíveis somente porque conduzem a decisões coerentes e previsíveis e serão
conhecidas por aqueles que por elas se pautam como, no máximo, manifestações de um
“senso de justiça”.
Muitos dos princípios gerais dos quais as conclusões dependem estarão apenas implícitos no
corpo da lei formulada e terão de ser descobertos pelos tribunais. Esta, entretanto, não é uma
peculiaridade do raciocínio legal. Provavelmente, todas as generalizações que podemos
formular dependem de generalizações que se encontram em um nível ainda mais elevado,
que não conhecemos explicitamente, mas que, não obstante, governam o funcionamento de
nossas mentes.
4 Generalidade e Igualdade (P. 224)
Uma lei pode ser perfeitamente gerai no que se refere apenas às características
formais dos indivíduos afetados 487 e, no entanto, criar cláusulas diferentes para diferentes
classes de pessoas. Uma classificação desse tipo, mesmo no conjunto de cidadãos totalmente
responsáveis, é claramente inevitável.
O ideal de igualdade perante a lei visa a oferecer iguais oportunidades a
indivíduos ainda desconhecidos, mas é incompatível com a possibilidade de beneficiar ou
prejudicar de maneira previsível indivíduos conhecidos.
Diz-se às vezes que, além de ser geral e aplicável igualmente a todos, a lei do
Estado de Direito deve ser também justa.
O ideal da supremacia da lei exige que o Estado faça valer a lei sobre os cidadãos
- e que isto seja seu único monopólio - ou deva obedecer à mesma lei, sofrendo assim as
mesmas limitações que qualquer cidadão. 491 É o fato de todas as leis se aplicarem
igualmente a todos, até aos governantes, que torna improvável a adoção de normas opressivas.
A doutrina da separação dos poderes precisa ser vista como parte integrante do
Estado de Direito. As normas não devem ser elaboradas tendo em vista casos particulares,
nem devem os casos particulares ser decididos à luz de algo que não seja a norma geral -
ainda que essa norma possa não ter sido formulada e, portanto, tenha de ser descoberta. Isso
exige juízes independentes que não estejam preocupados com os fins temporários de governo.
A questão principal é que as duas funções devem ser executadas separadamente por dois
órgãos coordenados antes que se possa determinar se a coerção deve ser usada em casos
determinados.
O Estado de Direito exige que o Executivo, em sua ação coercitiva, seja limitado
por normas que digam não apenas quando e onde ele pode usar a coerção, mas também de que
maneira fazê-lo. O único modo de garantir que isto ocorra é tornar todas as ações desse tipo
sujeitas à judicial review.
Que as normas que limitam o governo devam ser criadas pelo legislador comum
ou que esta função deva ser delegada a outro organismo é, no entanto, uma questão de
conveniência política. 492b Isto não diz respeito diretamente ao princípio de supremacia da
lei, e sim à questão do controle democrático do governo.
6. Os Limites do Poder Discricionário na Área Administrativa (p. 226)
Isso nos traz à questão que nos tempos modernos se tornou crucial, ou seja, os
limites legais do poder discricionário na área administrativa. É esta a “pequena fenda pela
qual, com o tempo, a liberdade de todos pode esvair-se”.
A análise desse problema tem sido prejudicada pela falta de clareza na definição
do termo “poder discricionário”. A questão dos poderes discricionários, no que concerne
diretamente ao Estado de Direito, não é um problema de limitação dos poderes de certos
agentes do governo, mas de limitação dos poderes do governo como um todo. É um problema
que diz respeito a toda a esfera de ação da administração em geral (p. 227).
No Estado de Direito, o indivíduo e sua propriedade não são objeto de
administração pelo governo, não são um meio a ser usado para os fins deste. É somente
quando a administração interfere com a esfera privada do cidadão que o problema do poder
discricionário se torna relevante para nós; e o princípio da supremacia da lei significa, com
efeito, que as autoridades administrativas não devem ter poderes discricionários nesta área.
Ao agir dentro do princípio da supremacia da lei, os órgãos administrativos terão
freqüentemente de exercer o poder discricionário. Esse, entretanto, é um poder discricionário
que pode e deve ser controlado pela possibilidade de novo julgamento da substância da
decisão por um tribunal independente. Isso significa que a decisão deve decorrer das normas
da lei e daquelas circunstâncias às quais a lei se refere e que podem ser conhecidas pelas
partes interessadas.
A esta altura, o leitor que quiser entender como a liberdade pode ser preservada no
mundo moderno deve estar preparado para refletir sobre uma questão legal aparentemente
sutil, cuja importância crucial geralmente não é apreciada. O que o Estado de Direito exige é
que o tribunal tenha poder de decidir se a lei dispõe sobre determinada ação de uma
autoridade. Em outras palavras, em todos os casos em que a ação administrativa interferir na
esfera privada do indivíduo, os tribunais devem ter o poder de decidir não apenas se
determinada ação foi infra vires ou ultra vires mas também se a essência da decisão
administrativa foi a exigida pela lei. Somente nesse caso se pode impedir o poder
discricionário na área administrativa(P.228).
Entretanto, é da essência do Estado de Direito que o cidadão e sua propriedade
não sejam, nesse sentido, meios à disposição do governo. Em todos os casos em que a coerção
deve ser usada apenas de acordo com normas gerais, a justificativa de cada ato específico de
coerção deve advir de tal norma. Para garantir isso, deve haver uma autoridade cuja função
seja apenas a implementação das normas e não de quaisquer objetivos temporários do governo
e que esteja investida da função de julgar não apenas a legalidade da ação de outra autoridade,
mas também se tal ação estava prevista pela lei.
Sob o império da liberdade, a esfera livre do indivíduo inclui todas as ações que
não são limitadas explicitamente por uma lei geral. As maiores ameaças à liberdade humana
provavelmente ainda estejam por vir.
Para que as Declarações de Direitos não sejam meras formalidades, devemos
reconhecer que sua intenção era proteger o indivíduo contra todas as violações a sua liberdade
e, portanto, devemos pressupor que elas contenham uma cláusula geral preservando da
interferência governamental as imunidades que os indivíduos desfrutaram de fato no passado.
Em última instância, essas garantias legais de certos direitos fundamentais nada
mais são do que parte das salvaguardas da liberdade individual que o constitucionalismo
proporciona e elas não podem dar maior segurança contra as violações da liberdade pelo
legislativo do que as próprias constituições. Como vimos, elas podem apenas dar proteção
contra ações imprevidentes e apressadas da legislação corrente e não podem evitar nenhuma
supressão dos direitos pela ação deliberada do legislador supremo. A única salvaguarda contra
isso é a consciência clara dos perigos por parte da opinião pública. Tais cláusulas são
importantes principalmente porque imprimem na consciência do público o valor desses
direitos individuais e os tornam parte de um credo político que o povo defenderá mesmo
quando não entender totalmente seu significado (p. 230).
6. “Liberdade de Contrato”
3. Positivismo Legal
Há em muitos países sinais nítidos de uma reação contra os acontecimentos das últimas duas
gerações. Estes são talvez mais evidentes nos países que foram submetidos a regimes
totalitários e conheceram os perigos decorrentes do relaxamento dos limites aos poderes do
Estado (p. 257).
PARTE III
A Liberdade no Estado Previdenciário
2. As Razões do Declínio
O marxismo foi liquidado no mundo ocidental pelo exemplo soviético. Mas,
durante muito tempo, relativamente poucos intelectuais compreenderam que aquilo que
acontecera na Rússia fora a decorrência natural da aplicação sistemática do programa
socialista tradicional (p. 259).
A crescente convicção de que uma organização socialista da produção seria muito
menos produtiva do que a iniciativa privada; a constatação ainda mais manifesta de que, ao
invés de levar ao que fora concebido como um grau maior de justiça social, ela implicaria
nova ordem hierárquica, ainda mais arbitrária e inevitável do que jamais se observara, e a
evidência de que, ao invés da maior liberdade prometida, implicaria o surgimento de um novo
despotismo.
O fator que mais contribuiu para desiludir os intelectuais socialistas foi talvez seu
crescente temor de que o socialismo levaria à extinção da liberdade individual. Embora a
asserção de que socialismo e liberdade individual são conceitos mutuamente excludentes
fosse rejeitada por eles com indignação sempre que invocada por algum adversário, 613 614
causou grande impacto ao ser expressa em poderosos termos literários por um membro do
círculo intelectual (p. 259).
A expressão é por vezes utilizada para definir qualquer Estado que assume outras
funções, além da manutenção da lei e da ordem. Mas, embora alguns teóricos tenham exigido
que as atividades do governo se limitem à manutenção da lei e da ordem, isto não se justifica
pelo princípio da liberdade. Somente as medidas coercitivas do governo precisam ser
estritamente limitadas (p. 261).
A razão pela qual muitas das novas atividades previdenciárias do governo
constituem ameaça à liberdade é que, embora apresentadas como mera prestação de serviços,
representam na verdade um exercício do poder coercitivo do governo e sua realização
depende do fato de o governo outorgar a si mesmo direitos exclusivos em certos campos de
atividade(p. 262).
Veremos que alguns dos fins do Estado previdenciário podem ser realizados sem
prejuízo da liberdade individual, embora não necessariamente pelos métodos que parecem os
mais óbvios, sendo, portanto, os mais populares; que outros podem também ser realizados até
certo ponto, embora com um custo bem maior do que as pessoas imaginam ou estariam
dispostas a pagar, ou apenas lenta e gradualmente, à medida que a riqueza cresce; e que,
finalmente, há outros - particularmente caros aos socialistas - que não podem ser realizados
numa sociedade que almeja preservara liberdade individual (p. 262).
A diferença, portanto, está entre a garantia de uma renda mínima igual para todos
e a garantia de uma renda específica, que se supõe que um indivíduo mereça. Esta última está
estreitamente relacionada à terceira principal ambição que inspira o Estado previdenciário: o
desejo de usar os poderes do governo para assegurar uma distribuição mais uniforme ou mais
justa dos bens. Na medida em que isto significar que os poderes coercitivos do governo serão
empregados para garantir que determinados indivíduos recebam determinadas coisas, exigirá
um tipo de discriminação e um tratamento desigual de diferentes indivíduos, o que é
totalmente incompatível com uma sociedade livre. Esse é o Estado previdenciário que tem por
objetivo a “justiça social” e que se torna, “basicamente, um redistribuidor de renda”. Tal
Estado está fadado a regredir ao socialismo e a seus métodos coercitivos e essencialmente
arbitrários (p.263)
CAPÍTULO XVIII
Sindicatos Trabalhistas e Emprego
1. A Liberdade de Associação
A maioria das pessoas, entretanto, conhece tão pouco a realidade dos fatos, que
ainda apóia as aspirações dos sindicatos, na crença de que eles estão lutando pela “liberdade
de associação” , quando na verdade a expressão perdeu seu significado e o problema
essencial, agora, é discutir a liberdade de escolha individual entre ingressar ou não em um
sindicato (p. 269).
Nunca é demais enfatizar que a coerção que os sindicatos têm hoje o direito de
exercer, contrariamente a todos os princípios de liberdade no âmbito da lei, é antes de tudo
coerção sobre os companheiros de trabalho. Qualquer que seja o verdadeiro poder coercitivo
que os sindicatos conseguem ter sobre os empregadores, será conseqüência desse poder
fundamental de coagir outros trabalhadores (p. 271).
6. As Limitações à Coerção
Embora seja talvez impossível proteger o indivíduo contra todo tipo de coerção
exercida pelos sindicatos, enquanto a opinião geral a tem como legítima, a maioria dos
estudiosos do assunto concorda que bastariam relativamente poucas e, aparentemente, no
início pequenas mudanças na lei e na jurisprudência para produzir alterações de grande
alcance e provavelmente decisivas na situação ora existente.
O requisito essencial é garantir a verdadeira liberdade de associação e considerar a
coerção ilegal, seja quando empregada a favor da organização, seja quando usada contra ela,
pelo empregador ou pelos empregados (p.278).
7. Alternativas
CAPÍTULO XIX
A Previdência Social
Este programa, do modo como foi definido, implicaria alguma coerção, mas
apenas a coerção destinada a impedir uma coerção maior sobre o indivíduo no interesse de
terceiros; e isto se justifica tanto pelo desejo das pessoas de proteger-se contra as
conseqüências da miséria extrema do seu próximo, quanto pela intenção de se obrigar o
indivíduo a prover mais efetivamente a suas necessidades (p. 286).
2. Tendências Recentes