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O Carapuceiro

(2006)
O CELULAR & O FRIO CHICABON DA SOLIDÃO

Bom dia flor do dia, bom dia velho diário surrado de rotinas, amores e
fiascos, bom dia edições fracasso, buenos dia meu inferno conhecido.
Bom dia Grambel, inventor da ansiedade fixa e profeta da ansiedade
móvel.
Querido diário, comprei um celular novo. Disse ao moço: “por favor, o
mesmo número, pois sou frila na vida e preciso que me passem encomendas,
costuras para fora, entende?”.
Sem problema, disse o moço fino trato.
Pronto. Levo o septuagésimo aparelho para casa _vivo a perdê-los,
quebrá-los, sabotá-los...
Quase uma semana sem o aparelho. Checo. E nécaras de recados.
Nenhuma chamada.
Passo quase três dias com o celula. Ninguém telefona ao coroné,
latifundiário do ar. O bicho mudo como um paralelepípedo. Nem ex-sogra. Nem
o SPC, nem o gerente, nem o Serasa.
O desprezo de Godard é pouco.
À margem do rio piedra sentei e llorei...
Llorando, llorando, cantei com o Roy Orbison em castelhano.
Passou boi, passou boiada e o mudinho nada.
[pra variar tambem estava de notebook quebrado _a tela virou um
Pollock de cristal líquido!]
Volto para casa chutando as tampinhas do abandono na sarjeta.
O frio chicabon da solidão derrete no queixo.
Somente a solidão, essa pantera, foi minha companheira inseparável,
recito Augusto, nosso corvo-mor.
Canto o ébrio, cisco no galinheiro do óbvio.
E o mudinho... Caralho!
Não nasci pra Greta Garbo.
Entonces não me agüento e ligo para mim mesmo...
Com voz de diva, com voz lânguida de musa da Carençolândia.
O mudinho cada vez mais pedra.
Ufa, acabava ali o segredo e o charme de um cavalheiro solitário e
esquecido, acabava ali o ermitão dos tempos modernos.
O moço de fino trato havia me presenteado com um celula de número
novo. Depois te passo, senhorita Simpson.

HAI KAI

o sentimento de posse

apressa mais ainda

a ejaculação precoce
NINGUÉM RESISTE A UMA D.R.R

Até este exato momento em que cato milho aqui na velha Remington
enferrujada pelo sal da sobrevivência ou do diletantismo borratcho, já são nove
casais amigos o número de vítimas da rinha amorosa do Reveillon. Sim, velho
Norman Mailer, os casais acertam no baço da ruína durante a fumaça de fogos
das festas finais. Haja nego na lona ou zonzo nas cordas depois que a fumaça
da pólvora assenta sobre o lombo de Iemanjá e ganha os mares nunca dantes.

Ora, se uma D.R. [a mitológica discussão de relação inventada por Zeus e Exu]
já é bronca no varejão dos lares, imaginem o sururu de uma D.R.R., que vem a
ser uma D.R.Retrospectiva, aquela em que se passa em revista a antologia de
merdas do ano todo, a latrina do amor, o poleiro de todas as papagaiadas, as
sabotagens, os atentados, as torturas à moda Condoleezza Rice com os
soldados no Iraque?!

Em sendo uma D.R.R.R, então, donde a retrospectiva é engatada no vagão do


R puxado pela Maria-fumaça do Ressentimento... danou-se! É fúria cega, é La
Fura dels Baus e todo sangue do caos que houver nesse ringue de galos
cegos.

<...enquanto mando estas mal-traçadas para o mimeógrafo a álcool, máquina


da reprodutibilidade técnica dos meus vexames & ressacas, chega aqui, às
oiças, o informe do décimo segundo casal amigo que fuçou na pocilga do ritual
de passagem.>

Mas se depois de tantos “RRRRR” rangendo com raiva entre os dentes


[bruxismo típico de Dê-Erres], o amor irromper em uma trepada homérica
paudurescente, nada ainda está de tudo perdido...

A corda amorosa será esticada até pelo menos o vagão do próximo R, que vem
a ser mais temerosa e maldita das tempestades, pior do que o ódio em
Shakespeare e os chifres da normalidade em Nelson Rodrigues, pior que São
João e todos os seus Apocalipses.

Donde a sigla assombrosa se arrasta e assim é inscrita no teto dos lares:


Discussão de Relação Retrospectiva do Ressentimento Remexido... E assim
"erres" ad infinitum.
FÁBULAS ECONÔMICAS -I

Dois miseráveis, sobras das sobras do lúmpen, conversavam e faziam planos


para 2006. Diálogo ouvido agorinha, aqui na Baixada do Glicério, centro
nervoso dos restos humanos de SP:

_Compadre, viu que a balança comercial brasileira encerrou 2005 com


superávit recorde de US$ 44,76 bilhões?
_Eita porra!, não me diga, compadre.
_Ora, ora, só de exportações foram US$ 118,3 bilhões...
_ O que significa que importamos apenas US$ 73,5 bilhões!!!
_Perfeito, compadre, você amanheceu bom de conta este ano!
_Tenho que ficar por dentro das boas notícias da economia, compadre!
_Mais uma talagada de pinga, compadre!
_Feliz ano novo, compadre!
_Passa a garrafa, compadre!

DUAS OU TRÊS COISAS QUE SEI SOBRE ELA

lá dentro, léguas submarinas, uma aventura ainda maior do que a tua, pobre e
amado Julio Verne, segredos e algas com infinitas variações degustivas, mas
sem frescuras, com gosto, muito gosto, devoção, decência, loucura, a lingüinha
de cima segue contra vento e maré entre plantas carnívoras, verdes mares
bravios, enquanto isso cardumes delirantes se deslocam até o juízo da moça,
provocando-lhe um estrago nos miolos enquanto outra língua avança, tanto
pode ser de rapaz como de outra rapariga, os mistérios marinhos ao infinito,
comum de dois, ali mais embaixo, pero como se voltássemos para o princípio,
um coralzinho levemente mais áspero, quase arrecifes, experimente agora um
dedo mais profundo, deixe o grelhinho a balançar como no trapézio do cérebro,
outros peixes iluminados irão se esconder por um tempo, descanso no céu da
boca do(a) dono(a) da língua, ai que preguiça, dirão os pestes, uma vez que as
arraias hedonistas já intercedem, chamando-os para a festa aqui embaixo,
pedagogia do gozo, clamam, desçam dessa boca-istmo, golfo, aos vossos
lugares, os mares da moça, o preparo do gozo etc, e o moço ou a gazela da
língua, enquanto sobem um pouco e respiram, avistam, rentes às suas
comovidas retinas, os sargaços na areia entre os ilíacos, ossinhos-âncoras,
como rochas que dividem as praias de angra, os sargaços são os pentelhos
mais lindos da buceta, seus mistérios marinhos e um mar de histórias e coisas,
ali embaixo sou náufrago e pirata, ali, mulher, sou teu Robinson Crusoé e
outros tantos perdidos da história, ali, se fôlego marinho tivesse, vixi, moraria
por toda a vida, até pousaria para uma bela foto da national geographic, bem
enxerido, bem na hora em que meu amor gozasse, zolhinhos de peixe-morto
para as câmeras da amostragem, ah, porra, te amo sempre como se fosse até
debaixo d´água.
MISS CORAÇÕES SOLITÁRIOS ESTÁ DE VOLTA

Depois dos mais histéricos pedidos, depois de ameaças de suicídios à base de


overdoses de Frontal com Domecq, barbitúricos com Drury´s, depois de roletas
russas de grossíssimo calibre e gritos lancinantes à Kim Novak na Golden
Gate...

Depois de pulsos cortados e vinis furados de Elvis Costello, Roberto das


antigas, lupicínicos arranhões da agulha sobre os sulcos das dores mais
profundas, Odair José [“mande pelo menos um telegrama/ dizendo que me
ama...”, como entoa na madruga o amigo Bruno Torturra...], Velvet, Nick Cave,
e Leonardo Cohen[I can't forget but I don't remember what]...

Ufa!

Depois de todas as dores de corno que não curam com cachaça ou morfina,
Miss Corações Solitários, cigana-mor das cólicas andaluzas, bálsamo dos
almodovares corazones... pegou o seu helicóptero vermelho-sangue, ao qual
se refere apenas como “o colibri rubro a serviço dos deuses”, e aqui se
encontra, na redação deste Carapuceiro, no último subsolo da rua Augusta, no
fundo do casarão do Saravejo, a serviço dos farrapos humanos.

Primeira cartinha, sem mais delongas:

Redentora e fecunda Miss C., não é a primeira nem a última vez que lhe
escrevo esses lacrimosos garranchos, provas da minha vida de m... ah, de
merda mesmo, pronto, falei o que todo mundo aqui já sabe desde que provei o
mingau da inconveniência de haver nascido... Ah, Miss C., não busco mais a
cura, preciso apenas de uma resposta, à nível de uma aposta aqui entre as
balzacas do bairro dos Aflitos, atrás do campo do Náutico, essa outra desgraça
da minha existência!. Gloriosa Miss C., qual a coisa mais difícil dessa vida: 1)
Parar de fumar?; 2)parar de beber?; 3)parar de amar? Ansiosa pela sua luz,
Madá do MADA.

RESPOSTA:

Querida consulente, envelhecida em barris de Jerez, eu diria, no auge da


minha antologia de ressacas monstras, que parar de beber é a luta mais vã;
parar de fumar só quando parar de fuder _o que fazer?, a não ser baforar o
king size da desilusão depois da foda meia-boca aqui de casa?; parar de
amar? Ah, mulherzinha, esse povo do MADA está a carecer é de um bom
tanque de roupa suja ou um corte de cana da Zona da Mata pernambucana,
sob o chicote do latifúndio da Casa Grande, essa outra praga que teima em
não morrer. Mas vamos com calma... Cariño, Miss C. Solitários.

APROVEITEM A RÁPIDA PRESENÇA DA MADAME EM NOSSA TENDA


ESCREVAM TAMBÉM COM SUAS DÚVIDAS E PROBLEMAS. SE TEM PRA
HOMEM? SIM, OS BOFES DA CARENÇOLÂNDIA TAMBÉM PODEM
O FUTURO É MULHER

Sim, tudo é verdade, velho Welles, vivemos de um punhado de janeiros para cá


uma sensacional reviravolta nos modos & modinhas das meninas. Dificilmente
encontramos, nas nossas metrópoles, uma gazela, ali na flor dos seus 20, 20 e
pouquinho, que não seja, pelo menos bi-curious, como anotam nos seus perfis
do orkut.

Sim, as raparigas em flor hoje em dia são naturalmente bissexuais, lindamente


bissexuais, tranqüilamente bissexuais. Se vão continuar ou não, ai é assunto
para o profeta, não para o apanhador de costumes que vos buzina nesta
segundona sem-lei.

E não é questão de moda não. Já foi. Agora é tudo muito bossa-nova, tudo
muito natural. A coisa mais comum é perder uma gazela para outra. É vê-las,
mesmo com algum desassossego n´alma, na dúvida entre um cara e uma
semelhante. Mas o mesmo desassossego que nos visita quando os cabelos
viram interrogações a nos perguntar se ficamos com essa ou aquela, isso ou
aquilo.

O primeiro a me alertar para o caso foi o amigo Alex Antunes. É mesmo, à


vera, tanto faz, Reinaldão Moraes. Elas se divertem e se fodem amorosamente
com moças e rapazes. Agora mesmo, no início da madruga, escuto aqui da
alcova a linda fuzarca que elas fazem no bar ao lado, na Sinuca acima do
Ibotirama, esquina da Fernando de Albuquerque com a Augusta, pânico dos
bons em SP.

São muitas, centenas que se renovam como aves migratórias, moderninhas,


quase todas com muita classe. Vez por outra quebram o pau, mas como
qualquer casal que perde os óculos da sensatez e desce ao inferno da
moralidade... acontece.

Como são lindas e nos batem no catecismo das rezas orais...

E não falo por aquele velho chiclê-macho da tara de vê-las, fêmeas em brasa,
a foder. O lindo é avistá-las de mãos dadas ou trocando rápidas carícias de
rua, desafiando os olhos de quem só vai enxergá-las um dia quando for
justamente trocado por uma dessas desafiadoras costelas.
NA LINHA DO CORAÇÃO E DA VIDA

Vejo aqui na linha do coração um amor mal-resolvido", soprou este mago que
vos lê a sorte e sina. A mocinha, uma deusa balconista ali dos arredores da
praça Patriarca/SP, assanhou as sobrancelhas. "Ele vai voltar pra mim?",
avexou-se em saber.
"O infeliz te ama muito, mas é cheio de dúvidas e nove-horas, sabe como são
essas coisas", tergiverso, na moral, enquanto afago, carinho esotérico com
fundo levemente erótico, a mão direita -uma mão espadulada, conforme meus
conhecimentos prévios de quiromancia.
A minha primeira consulente, na tenda improvisada no viaduto do Chá, sai
comovida, esperançosa. Falar em amor mal-resolvido é golpe certeiro para
qualquer alma penada. A consulta gratuita, "dumping" na concorrência cigana e
baiana, atraiu os passantes. De graça, nego entra na fila até para ouvir o dia da
morte.
O segundo foi chegando como quem chega do bar. Ótimo. Nada mais fácil do
que prever o futuro de um ébrio. "Todo mundo crê em alguma coisa; eu, por
exemplo, creio que vou tomar um uísque", recepciono a criatura, ajambrando
um boutade de Grouxo Marx. "Me leva com vossa pessoa, então", soluça o
rapaz, fino, bom humor. Com uma alma bêbada, melhor aplicar as cartas. Ele
saca mais rápido e vai logo traçando o baralho, como se fôssemos disputar um
truco. Começou a dar trabalho. Decido então o seu destino: dou-lhe umas
moedas para tomar uma cerveja. Ele arreda, feliz, feliz...
Próximo. Outra rapariga em flor. Mão cônica. Lindos dedos. Passeio na linha
da sua vida suavemente. Agora a esquerda, para ler o passado. A direita de
novo. Ela apreensiva. O medo da mocinha diante do mago. "Você quer mesmo
que eu diga tudo que li aqui, passado, presente, futuro?" Titubeou. "Será, meu
Deus!?", diz. "Está nas suas mãos", amplifico o mistério, com voz de
G.K.Chesterton. "É muita desgraça assim?", treme. "Nada mais, nada menos
do que a vida, meu amor", amacio. "Me solta, melhor ir embora", ela tira a mão,
que eu ainda acariciava...
As ciganas ao lado só miravam a minha banca de mercadorias e futuros. Uma
delas, Carmem de Itapevi, olhos capitus, foi com a minha cara. "Vou te ensinar
como se lê uma mão de verdade", disse, rindo do meu jeito leso e picareta.
Decifrou num instante a minha sina amores "perros". "Você sabia que está
muito próximo de encontrar a mulher da sua vida?", faz suspense. "Acabo de
encontrar", gracejei. "Não brinque com o destino", ela atalha. "Verdade", insisti.
"É uma moça que tu já conheces, e muito, com quem foi, acabou, voltou, foi de
novo...” deu o serviço clicheroso, fudeu, passou. E um lance de búzios jamais
abolirá o silêncio, como diz o velho Acaso com os dedos coçando para jogar
novos dados.
CLIENTE MORTO NAO PAGA

O pombo-correio _ou será o corvo postal de Edgar Allan Poe?_ insiste em


deixar na minha casa o diabo de um envelope mal-assombrado. Sempre a
mesma mensagem, mala direta do outro mundo, marketing da velha corcunda
da foice: "Venda de jazigos. Promoção por tempo limitado. Invista na sua
tranqüilidade".
Basta pegar o envelope que já começo a sentir dores estranhas, batedeiras e
palpitações.
"Deixar tudo para a última hora sempre significa pagar mais", alardeia o folder
do terror. "O cemitério do Morumbi fica em uma das áreas mais nobres da
cidade, com excelente localização e fácil acesso, integrado de forma
harmoniosa ao lado de prédios e construções sofisticadas."
Ah, bom, que alívio, que maravilha ser engavetado em uma das áreas "mais
nobres" de São Paulo! Luxo e riqueza em um ambiente cinco estrelas.

Mas, de tanto insistirem com a mala direta do além, decidi procurar aquele
"investimento diferenciado", como dizia o folder. Saí em busca dos corretores
de plantão no "stand de venda". Planos facilitadíssimos. Até dez vezes para
pagar. Jazigos a partir de R$ 9.500, fora as gavetas, fora a taxa de
manutenção anual. "Ótima localização, bairro chique", dizia uma vendedora. Só
faltou dizer que me daria o céu, meu bem, como na canção do Rei e no livro de
Ivana Arruda Leite.
"Um investimento que só valoriza", insistia, como estivesse vendendo um
terreno de frente para o mar de Angra.

Uma prosa pra lá de macabra. Uma moça tão linda e negociando com uma
"commoditie" dessas, pensei. Vai chegar em casa e dizer ao namorado:
"Benhê, vendi 12 túmulos hoje, veja que maravilha!" Papo mais excitante, né?
Mas, antes de fechar o negócio, fiz uma última pergunta:
"Escuta, meu amor, esse plano funerário tem alguma carência?"
A musa gótica sorriu da minha inocente indagação e respondeu:
"Imagina, querido, você pode usar o jazigo assim que fechar o contrato. A partir
de amanhã cedo..."
Cliente morto não paga. Me vi ali, tristão no ataúde. Lembrei de uma velha
reportagem, em parceria com o fotógrafo Fred Jordão, assombrações do Recife
Velho, quando me fiz de morto, dentro de um caixão e tudo, para denunciar a
máfia dos "papa-defuntos". Gonzolenda das antigas.
Sim, mas como eu ia dizendo, voltei ao mocó na dúvida se fechava ou não o
negócio. Debaixo da porta, mais uma mala direta do além. Eu me lembrava da
corretora e seu olhar de Tânatos. Tão bela e tão sem Eros. Ah, só compraria se
ela me garantisse um velório igual ao do Bertrand, o sujeito do filme "O Homem
que Amava as Mulheres". Que lindas aquelas viúvas, vestes negras, luvas s

Sobre mãos macias e o veludo existencialista velando o coração de um cão


vadio!
O HOMEM QUE TINHA CIÚMES DA TELEVISÃO

Ciúme, o inferno do amor possessivo, como naquele filme francês.


Ciúmes, ciúmes de você, como na lírica do Rei Roberto.
Já vi de quase tudo em matéria de barraco. Vi, vivi, e confesso que bebi
e quebrei, controles remotos, óculos no teto, como um castigo imposto pelos
deuses gregos... ceguei-me, celular no mato, sapatos aos mares, Iemanjá, por
favor devolva-me, amém.
“Tenho ciúmes até, da roupa que tu vestes”, como na canção das
antigas.
Mas, distintas damas & cavalheiros, nunca tinha visto nada comparável
ao ciúme do nosso Maria, Antônio Maria, pernambucano, letrista, radialista,
narrador de futebol, melhor cronista brasileiro sobre o amor de todos os
tempos.
Da turma rara dos passionais MC _Mestre de Cerimônias do amor de
muito, do amor demais.
Rubem Braga era grande, mas perdia tempos com sabiás, Maria não, ia
direto às duas coisas que interessam na curta existência: a boemia e as
mulheres.
Nem se compara: Maria melhor que Braga, mesmo sem querer entrar
nessas ondas.
Maria morreu disso.
De tanto amar.
Tinha ciúmes até da televisão, como conta Danuza no seu livro de
memórias, “Quase tudo” _imagina se tudo fosse mesmo contado?!.
Achava que os atores ou apresentadores estavam a flertá-la. Tinha
ciúmes dele mesmo, da própria sombra rechonchuda, mais de 100 kg de
sentimentalismo, lirismo a correr nas veias carregadas de álcool,
possessividade e colesterol.
Nunca houve um homem como Antônio Maria.
Nunca se sabe por qual motivo uma mulher deixa um mancebo por
outro. É algo mais misterioso do que a Santíssima Trindade, os milagres de
Fátima e o boato da cheia de Tapacurá, a barragem que abastece o Recife,
que fez da cidade o mesmo efeito Orson Welles da invasão fictícia de Vênus à
terra.
Nunca se sabe por qual motivo uma mulher deixa um homem por outro.
Pode ser por qualquer coisa. O mais são teses e objetos pontiagudos que o
destino parafusa nas nossas testas.
Ah, as dores do mundo.
E o velho Maria morreu de quê?
Do coração, claro, pouco mais de quarent´anos. E digo mais: ninguém
morre do coração por problemas congênitos ou falta de regulamentos, como
chegaram a dizer à época.
Só o amor de verdade mata um homem forte como aquele. Gordura e
estrago nunca matou ninguém nessa vida, o mais são frios, discutíveis e
garranchosos diagnósticos médicos sobre a fria laje final da existência.
TEMA DA REDAÇÃO: MINHAS FÉRIAS

Minhas férias, como nas redações do ginário das antigas. Minhas pequenas
férias, blend de maresia & labuta hedonista, como o projeto “bispo sardinha
catequizando o Brasil até ser devorado pelas índias, deus te oiça, amém” _
como doravante denomino a peregrinação de lançamentos do meu catecismo
de pornodevoções, saravá meu pai!

Próximas paradas: Fortaleza, Salvador, BH e Londrina... mas antes muito


pânico em SP, como é de lei e preciso.

Minhas férias, a volta ao Recife, o vento da rua da Aurora, a mais linda do


mundo, segundo G Freyre. Minhas férias, os caldinhos todos: feijão, sururu,
fava, ostra... Minhas férias, os amigos que um dia e a radiola de ficha do bar
Central tocando Erasto, Eddie e Homero, o Junkie, hit entorpecido do Mundo
Livre... Minhas férias e a inauguração de um novíssimo bar, o bravo Capitão
Lima, digno de um porre de Corto Maltese.

Minhas férias e Wander Wildner na sua gloriosa excursão “10 anos bebendo
vinho” e me pagando bohêmias de trigo geladíssimas diante dos olhos de
pitomba das boyzinhas recifenses.

Minhas férias e Renato L & seu duplo Joazinho caminhador, destilados


beatnicks...

Minhas férias e a menina de piercing nos lábios de mel e vestido psicodélico da


porra, como mesmo se chamava a diva morena? Por essa eu andaria vinte mil
léguas submarinas.

Minhas férias e os sets alucinantes dos novos filmes de Paulo Caldas e Cláudio
Assis. Minhas férias e a gréia com Homero e Chinaman, novos amigos da
porra.

Minhas férias,velho Jordane, e os tubarões do Recife criando um clima sem pé


nem cabeça.

Minhas férias e as más notícias que nos chegam do reino da Carençolândia...

Minhas férias e a musa tricolor, boyzinha do Arruda...

Minhas férias e o amigo Azoubel solto na buraqueira.

Minhas férias e a menina que tá escrevendo uma ficção sobre o acaso e a


escolha para se atravessar as pontes da Veneza dos pobres.

Minhas férias, meus bares/meus mares... e muito nado no seco que essa é
mesmo a grande arte de um pirata, um homem falsificado desde o berço!
ZOLHINHOS DE LAIKA

Nada mais lindo em uma mulher do que aquela fração de segundos em


que a gente a flagra olhando bobamente para o infinito. Sem mirar pessoas
mares paisagens horizontes.
Olharzinho perdido de Laika, a cadela russa que subiu ao espaço a
bordo do Sputnik.
Laika perdida no espaço mira o nada, mundo sem fim.
E se o olhar for ligeiramente vesgo, zolhinhos tortos, meu deus.
Como a moça daquele romance japa de uma Tóquio de jazz mais ligeiro
& Keroauc, by Haruki de Murakami.
Nada como um olhar vesgo e chapado sob aflitas sobracelhas.
A existência fora de foco, lusco-fusco da porra.
Naquela fração de segundos, o desexistir, o coração debaixo da língua
para impedir as mais inúteis falas.
E minha Laika mira o infinito da janelinha do Sputnik. Voltará viva do seu
espaço?

ALGUMAS RECEITAS DE CRÔNICAS

Algumas saem fáceis, menina, como aquelas de Rubem Braga, como uma
polaroid, uma pose digital, olha o passarinho, diga xis, um sabiá teimando
contra o barulho da metrópole, fáceis como beijos roubados de mulheres
difíceis, na dança, na pista, uma moleza, como empurrar bêbado em ladeira,
como Vinícius no elogio de uma saboneteira, como descer para um café ou
uma cerveja aqui na esquina da Augusta, como quem costura para fora,
mesmo sabendo quanto custa a mais-valia da musa da encomenda, mesmo
sabendo que na vida não tem almoço de graça, muito menos sobremesa,
mesmo sabendo que a vida não é café pequeno, mesmo sabendo que no
fundo da xícara, na borra mais árabe, o desenho do futuro, Etelvina, é obscuro,
o jogo do bicho, Etelvina, ainda não permite o teu luxo.
Algumas, menina, são crônicas de britadeiras, saem na marra, à força,
furando o asfalto para tirar uma florzinha de nada, a peleja do escriba com o
lirismo que não chega nunca, as chagas abertas, croniquinha raquítica, só o
fiapo de narrativa, sem sustança, sem tutano, coisinha sem graça,
metalingüística, a crônica sobre a crônica falta de assunto.
Algumas vêem ao mundo para confundir a audiência, são crônicas-
travestis, arte dos cronistas transgêneros... Pois é, menina, a gente não sabe
se é um conto, uma rápida elegia expressionista, um poema em prosa, sabe-se
lá, menina, mas mesmo não sendo nada já nasceram crônicas.
Algumas, não têm jeito, eram apenas notícias, que o dedógrafo teimou
em decepar as aspas, minha menina, e enfeitar o naturalismo como pôde,
coitado.
Algumas, menina, são para ninar as moças nas sestas, como as de
Antônio Maria, sabia?
Algumas são de costumes, e até ficam como registros históricos,
crônicas de épocas, já ouviu falar em João do Rio?
Algumas já nasceram crônicas de rua, como a grande arte de chutar
tampinhas, como os sem-teto e malacos, como os bambas das sinucas das
antigas, aí já estamos em João Antônio, manja?
Algumas são do amor louco, menina, como aquelas do velho Charles, o
safado catando milho na Remington, menina, com aquela outra menina na
praia, gaivotas quase a bicar-lhe os peitos, como no cinema.
Algumas, minha adorável criatura, minha menina sem nome, são como
aquelas, lembra, quando me conheceste, lembra, quando pela primeira vez,
lembra, lindamente me deste?

IRACEMA, A VIRGEM DOS LÁBIOS DE ALUGUEL

Do reconhecimento de uma Iracema contemporânea. Os lábios têm mais gloss


que o mel de todos os favos do jati. O perfume francês de camelô supera, de
longe, a baunilha que recendia no bosque como seu hálito de rapariga precoce.
O graúna foi descolorido, pelo menos nas pontas; algumas têm panos brancos
nas costas. Sim, continuam encantadoras. Os estrangeiros babam nos tristes
tropiques. Os gringos poderiam chamá-las de jambo-girls, doideira cruel.Elas
fazem trotoir na praia homônima, adonde são louvadas pelas mesmas lentas
ondas. Lá vêm as meninas de todas as origens e mestiçagens, da gruta do Ipu,
dos sertões, dos Inhamuns, dos vizinhos Piauís, das sustanças dos pequis do
Araripe, da ferrugem praieira de todas as vizinhanças, vêm com o vento, como
cisco, como “bascui”, tangidas pelos redemoinhos das carências e
circunstâncias. “Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras,
senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de Iracema”, assim rezou a
prosa alencarina, rosário futuro das sinas. Agora eles, os príncipes encantados
de sempre, compram ainda mais em conta, nem pagam o pedágio da
simbologia das tribos, não bancam os rituais da entrega, simplesmente
estragam, devoram, levam.“Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta.
Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.” Além
muito além daquela favela que ainda hoje azula de fome sob a sombra da elite
de merda... nasceu Iracema, a virgem dos lábios de aluguel.

AMORES LÍQUIDOS OU COM OU SEM AÇÚCAR

- Você toma com ou sem açúcar?


Era tudo que tinham para conversar naquela manhã.
- Com açúcar.
Como ele tomava sem açúcar, açúcar não tinha.
Nem adoçante.
Ela pegou a xícara na mão, com gosto, reclamou que logo naquele dia estava
com a pior das suas calcinhas _é bege!, não gosto, mas tive que usar essa por
causa do vestido semi-transparente_, algo assim ela disse.
-É ótimo sem açúcar!
Os dois haviam dançado e beijado na pista na boate. Ou no clube, como
chamam.
Não haviam trocado uma só palavra, não careciam, não são poetas, não se
ouve o que se fala nestes lugares, melhor ainda.
-Saco esse tal de minimal techno – ela, viciada no gênero, disse também para
agradá-lo. –Plip-plop,plip-plop a noite inteira.
Nunca mais se viram.
Ela nunca mais tomou café com açúcar, mas só lembrou do cara anteontem
porque estava se achando um tanto quanto dadeira demais da conta e foi
passar a régua na coivara de homens para saber com quantos ficara naquele
semestre letivo.
Todos com camisinha, ufa, que alívio, duas brochadas fenomenais, petite mort
que é bom apenas uma que valesse ser lembrada.
Na oportunidade de tal contagem, ela também lembrou da falta mínima de
gentileza dos mancebos: apenas 33,3% deles lhe ofereceram café-com-ou-
sem-açúcar. 66% deles disseram “A GENTE SE VÊ!”, como se ela se
importasse com isso.
Os que foram na sua casa e ficaram até de manhã saíram de banho tomado e
sorrisos de sucrilhos. E ela disse a todos, civilizadamente, como o corvo do tio
Edgar A. Poe: “NEVER MORE”.

CATALOGANDO AS D.Rs [DISCUSSÕES DE RELAÇÃO]

D.R. Kurosawa – Uma discussão lenta, imagens lindas, arrozais sob


montanhas, silêncios que falam coisas, uma peleja quase em ideogramas.

D.R. MPB - Indecifrável e incompreensível como o “zum de besouro


ímã” do verso do Djavan. Muita onomatopéia e nem uma idéia os males da
D.R. são.

D.R. Erística _ Como na corrente homônima herdada dos gregos, a arte


de triunfar no barraco oral mesmo sem ter razão.

D.R. Roberto Carlos - Detalhes tão pequenos de nós dois que você
teima em não esquecer.

D.R. punk-rock _ Três acordes e vai cada um pro seu lado, dormir na
casa da mãe, de um(a) amigo (a), hotel, flat, amante, homeless...

D.R. Paulo Coelho _ Depois de “Onze minutos” de sexo, o barraco


sempre começa com uma parábola bíblica ou uma lenda árabe.

D.R. Bartleby _ “Prefiro não discutir”, diz uma das partes, repetindo o
mantra do escriturário do livro homônimo de Melville.

D.R. free-style _ É a discussão rimada, estilo rap, passionais MC´s:


“Assim você me afunda/ com esse pé-na-bunda/ com essa insensatez.../ meu
barquinho já naufraga/bossa nova é uma praga/veja só que a vida fez!”
D.R. brechtiana _ A arte de enfrentar o público, seja num botequim seja
numa festa, com o distanciamento do personagem, como se dissessem do
palco, a cada golpe, “não é nada disso que vocês estão pensando, controlem-
se”.

D.R. Abaporu ou D.R. arte moderna _ Típica discussão sem pé nem


cabeça, que para nenhum dos dois interessa.

D.R. metalingüística _ A D.R. da D.R., tipo roteiro de Kauffman


(“Adaptação”, o filme), exercício das cabeças requentadas ou das mentes
ressentidas.

O AUTOR ATIROU-SE AOS MARES NUNCA DANTES

Mulheres homéricas, jovens crumbianas, amantes platônicas, papagaios


flaubertianos, amigos-amigos e supostos inimigos, parto qual um decidido
Corto Maltese, para uma missão nos mares nunca dantes. Tal missão vos
aliviará dos crochês diários deste papiro, bom dia diário, próximo post nem
deus sabe quando _mas também pode ser a qualquer instante, mensagens de
garrafas iemanjás são surpreendentes. Logo eu, tão acostumado a braçadas
no seco [meus bares/meus mares] largo-me atlântico adentro em busca de um
rei-coxo que na distância se perdeu. Resta-me cavalgar por toda noite, numa
estrada colorida, tomar a vida como açoite, e na volta eu que te conte, mil e
uma noites atrevidas, danou-se. Estarei singrando mares, senhores, em busca
de um tesouro da juventude. Na volta eu narro, pois, as vinte mil léguas
submarinas possíveis. Pena que não há chance de ser uma travessia mata-
mata, bem ao estilo Conrad da existência, saca?. Imagina! É algo tão brega,
ora direis, de fato perdeste o senso, ô Francisco, e ainda assim tás se achando
o próprio Gulliver, ai coitado, muito me admira tal luxo e coragem! Fui e na
volta serei outro homem, pois, como me soprou o mago ali da Augusta, a gente
não se banha duas vezes no vasto oceano da picaretagem.

DA ARTE DE PEDIR

Uma das maiores virtudes de uma fêmea é arte de pedir.


Como elas pedem gostoso.
Como elas são boas nisso.
Resistir, quem há de?
Um simples “posso pegar essa cadeira, moço?” vira um épico. É o jeito
de pedir, o ritmo da interrogação, a certeza de um “sim” estampado na covinha
do sorriso.
Pede que eu dou.
Pede todas as jóias da Tiffany´s, minha bonequinha de luxo!
Estou pedindo: pede!
Eu imploro, eu lhe peço todos os seus pedidos mais difíceis.
Pede a bolsa de cerejas da Louis Vuiton, pede o shopping inteiro, pede a
Daslu.
Pede que compro nem que seja no camelô.
Não me pede nada simples, faz favor.
Já que vai pedir, que peça alto. Você merece.
Como é lindo uma mulher pedindo o impossível, o que não está ao
alcance, o que não está dentro das nossas posses.
Podemos não ter onde cair morto, mas damos um jeito, um truque, um
cheque sem fundos.
Até aqueles pedidos silenciosos, quando amarra a fitinha do Senhor do
Bonfim ou de Nossa Senhora do Carmo no braço, são lindamente barulhentos.
Homem que é homem vira o gênio da lâmpada diante de uma mulher
que pede o impossível.
Ah, quero o batom vermelho dos teus pedidos mais obscenos.
Quero o gloss renovado de todas as vezes que me pede para fazer um
pedido, assim, quase sussurrando no ouvido: “Amor, posso te pedir uma coisa?
Posso mesmo?”
Um castelo na Inglaterra?
Sim, eu dou na hora.
Sim, eu opero o milagre.
Como no pára-choque, o que você pede chorando que não faço
sorrindo?!
Pede, benzinho, pede tudo.
Que eu largue a boemia,pare de beber e me regenere???
Pede, minha nega, que o amor tudo pode.
Mesmo as que têm mais poder de posse que todos nós não escapa de
um belo pedido.
Com estas, as mais poderosas, tem ainda mais graça. Elas pedem só
por esporte, o que não lhes comprometem a pose e muito menos a
independência.
Não é questão de poder ou dinheiro.
O charme e o que importa é o pedido em si, o romantismo que há
guardado no ato.
Os melhores cremes da Lancôme? Vou a Paris agora. Estou pronto.
Eu lhe peço: me pede.
Não pede mimos baratos, pede atenção, por exemplo, essa mercadoria
tão cara ao mundo das moças. Pede, sou o senhor de todas as tuas
demandas.

SUNSHINE OU O VERÃO SOB O SOL DE ASTÚRIAS


Tendência do verão em sp, fazer o quê nesse micro-ondas sem maresia, mas
ainda a melhor cidade pra quem-NÃO-nasceu-com-a-vida-ganha passar
qualquer estação sem passar fome ou vergonha, tendência, tendência,
tendência, pamonha, pamonha, pamonha, tendência aliás criada neste brog-
bronha, aê bródi: piscina de motel de tardezinha ou de manhã de domingo
antes do almoço nu Biu. De casalzinho ou de turma, suruba-lounge, pagode-
pool, com microsistem ou i-pod amplificado. Perfect Day, velho Lou Reed,
perfect possível. O recorte do sol, sauna e teto, solar automático, contra-plongé
para ver bichos de nuvens e contar helicópteros como quem conta estrelas, ora
direis, o retângulo do sol quadrado, o antiCarandiru como movimento
romântico, moto-perpétuo da invenção da existência além da geografia e do
gozo. Piscina de motel a nossa bora-bora, velho e bom Coppola, do fundo do
coração possível, do raso da existência Catarina, o deserto por dentro meu
nego, nossas vinte mil léguas submarinhas em cinco simples braçadas no
seco.

DO ATO DE PULAR A CERCA COMO CELEBRAÇÃO NOS LARES

Que os acasalamentos e amancebos dos pombais humanos não se


desmanchem no ar diante de uma simples fissura no barro que liga as vossas
costelas; que o olímpico gesto de saltar o arame farpado dos lares seja até
celebrado como renovação eucarística e sangue novo para phodas magistrais.

[do catecismo de pornodevoções]

DEPOIS DAQUELA FOTO

q hora esse povo escreve? Queres saber mesmo a resposta a uma velha
indagación de rubem fonseca, chegada a nós envelhecida em barris de
bálsamo [via Marçal Aquino] nas noites brancas? Nem o vento sabe a
resposta, como diria o brodi Sidney sheldon _lembra aquela capa foda do clube
do livro, joca rrrrr terrones??? O vento e suas interrogações sob redemoinhos.
Todos as capas do clube do livro eram assim. Na lata. Metáfora é coisa de
heterossexual enrustido, pois pois. Que hora esse povo escreve ficamos
devendo, mas que after hours esse povo bebe e se prepara para o verbo,
agora sabemos. Com testemunha ocular da história. Reparem como nosso big
brother é muito mais divertido e muito mais século XIX. O fla^neur está vivo
desde que inventaram a luz ele´trica na paris dos mil e novecentos e tantos.
Medo das trevas hoje ainda não temos. Mas se queres saber mesmo q hora
esse povo não escreve, adentre a taverna desse sítio tão estranho quanto a
floresta de Laura Palmer
http://colorsplash.zip.net/
Tudo obra do olhar blow up de Isabel Santana. Sim, há um crime depois de
cada 3X4.
HOMEM-LAXANTE

Na saúde, na doença, na TPM... E muito mais ainda na prisão de ventre.


Prova de devoção maior não há. Do que viver de perto este drama,
seguir todos os passos da costela amada, na pista, na vida, no WC. O carinho,
o cafuné, o chamego, o homem-laxante com a nega onde a nega estiver.
Existem mulheres de todos os naipes, mas elas se dividem basicamente
em duas classes: as que cagam bem e as que têm certas dificuldades.
Os machos também assim se organizam, segundo Garcia Márquez,
enfezado nato, entre os que evacuam fácil e os que se enfezam ao extremo. .
O temor feminino diante do trono exige atenção redobrada do macho.
Melhor, valiosa leitora, não esconder essa pequena agonia diária. Ponha o
tema na roda. Melhor ainda, meu rapaz, é você antecipar-se, assim que notar,
pelos sinais exteriores de enfezamento _aquele riso sem graça e a sobrancelha
com medo da vida_ que a amada carece de maiores dengos, cuidados,
delicadezas.
Ou sinais vindos das prateleiras das farmácias: Cascara sagrada,
Ducolax, Tamarine... “Ameixas, ame-as ou deixe-as”, como no hai-kai de
Leminski, também são bons indícios para despertar nossos trabalhos de
Hércules.
Vale todo esforço. Tive uma morena, por exemplo, jambo-girl da margem
esquerda do Capibaribe, que só conseguia quando eu a acompanhava ao
banheiro, e ficava ali, sentado, contando-lhe pequenas histórias, fábulas
inventadas no embalo free-style. Eu sentava em um banquinho de criança, de
modo a ficar à sua altura... Quando menos via, lá estava o sorriso destravado
nos seus lindos beiços grossos. Era como um gol em final de partida, uma
celebração, uma festa ao som pós-tudo da descarga... Eu ainda pedia que ela
mirasse a merda, suas sobras completas. Quem olha as suas fezes, dizia a
minha mãe, cria-se sem o menor pecado da inveja. Lição mais sábia.
Outro bom conselho, que deixamos aqui de graça, é o da voz da
experiência de “Tia Julia e o Escrevinhador”, livro de Vargas Llosa: “Para dores
de amor, nada melhor do que leite de magnésia(...). Na maior parte das vezes,
os chamados males de amor, etcétera, são distúrbios digestivos, feijões duros
que não digerem, peixe estragado, entupimento. Um bom purgante fulmina a
loucura do amor.”

A NUVEM ÓBVIA DE NICOTINA DE UMA MULHER QUE LINDAMENTE


FUMA

Foi assim que começamos nossa história. Se breve ou não, pouco


interessa, disse ele. E leu um trecho de Bataille para a moça, que acendia um
cigarro e perguntava, solene, se podia fumar na sua casa. Achou o isqueiro, ela
riu, daqueles isqueiros de sex shop, presente de aniversário de amigo que o
identifica com o tema mais óbvio: SEXO.
Não se sabe o motivo, não chovia, melancolia não havia, nada
acontecia, o coração nem doía mas eles ouviam Tom Waits, vê se pode, como
se fossem seres nublados & obscuros, como naquele tempo em que ele
morava sob tempestades do Centro-Oeste,Brasília, entende?
Vê que passagem, ele lia:
“Suas meias de seda preta subiam acima do joelho. Eu ainda não tinha
conseguido vê-la até o cu (esse nome que eu sempre empregava com Simone,
era para mim o mais belo entre os nomes do sexo). Imaginava apenas que
levantando o avental, contemplaria a sua bunda pelada.”
Ela voava com a fumaça do cigarro por cima dos edifícios de São Paulo
e nem percebia o que ele lia. Ou gostava dele ao ponto de ficar bem tranqüila,
zen, ali na dela, ou estava noutra, bem longe, sinto muito minha pobre
narrativa, mas não há como saber o que rola além da nuvem óbvia de nicotina
de uma mulher que lindamente fuma.
O gato bolinou com os tacos soltos da sala e aquilo o fez recordar o
Último Tango, o da manteiga minha nega, lembra?.
Havia no corredor um prato de leite para o gato, ai já é Bataille sendo
roubado por este escriba batedor de carteiras, imagens, metáforas.
- Caguei para metáforas – disse ela, indie desaforada da porra,
enquanto desenganchava sua mochilinha vermelha das costas.
Ele prosseguiu sua leitura, afinal de contas ela só fumava com uma
arrogância de atriz de nouvelle vague:
- Os pratos foram feitos para a gente sentar – disse Simone. – Quer
apostar que eu me sento no prato?
- Duvido que você se atreva – respondi, ofegante.
- Fazia calor. Simone colocou o prato num banquinho, instalou-se à
minha frente e, sem desviar dos meu olhos, sentou-se e mergulhou a bunda no
leite. Por um momento fiquei imóvel, tremendo, o sangue subindo à cabeça,
enquanto ela olhava meu pau se erguer na calça. Deitei-me aos seus pés.Ela
não se mexia; pela primeira vez, vi sua “carne rosa e negra” banhada em leite
branco. Permanecemos imóveis por muito tempo, ambos ruborizados.
De repente, ela se levantou: o leite escorreu por suas coxas até as
meias. Enxugou-se com um lenço, por cima da minha cabeça, com um pé no
banquinho. Eu esfregava o pau, me remexendo no assoalho. Gozamos no
mesmo instante, sem nos tocarmos.”

ERA UMA VEZ UM VERÃO, ESTAMOS AI


Não há nada de novo sob o sol e todo verão tem suas coqueluches,
fetiches, fracassos, modos & modinhas. Coqueluche, aliás, hoje atende pelo
batismo de “hype”, essa nomeação ridícula da pia batismal do império do
efêmero fashion, vilge!.
O verão é hora de listas. Comecemos a nossa pelas coisas que mal
chegarão à quarta de cinzas. Categoria “já deu o que tinha que dar”: Bruna
Surfistinha. Seu livro vendeu horrores, o enredo do seu samba de patricinha
que virou garota de programa, garota de blog, é razoável e tem lá o seu
interesse... Mas chega!
Preferimos as putas de verdade, as que já nascem com a luz vermelha
acesa na pupila e na alma, as vocacionadas como freiras, Teresas filósofas,
não as patricinhas que fazem da difícil vida fácil uma brincadeira erótico-
neoliberal para comprar roupas de grife.
Não há nada de novo sob o sol: vem ai os Rolling Stones com o
estardalhaço de todas as exclamações.
EXTRA, EXTRA, EXTRA!
Por favor, senhor tipógrafo, letras garrafais para esta grata surpresa.
Os meninos do Rolling Stones!!!
É a grande novidade do verão carioca!!!
Mais exclamações, por favor, tio Nelson!!
Como se não bastasse, lá vem também o U2, a banda boazinha e
católica, a banda do papa, como batizou, décadas atrás, o meu amigo Renato
L, o rapaz do bonezinho preto, velho lobo do mar, beatnick de responsa.
Filas, filas, filas, tsunamis gente no seco, Stones & U2, promoções de
celulares, ai meu Deus quanta bobagem. Mais deselegante do que o verão
oitentão dos fios dentais.
Ainda bem que teve o Iggy Pop, ainda no friozinho de São Paulo, este
sim, um senhor roqueiro de com honra as calças apertadas. Aliás a entrevista
do cara na Trip tá foda. Ainda bem que veio também o Elvis Costello,
cantando aquela, bem metafísica, do boyzinho com um problema no coração.
Só faltou o Roy Orbinson, com o seu choro de verdade, como aquela do filme
de David Lynch, sabe?
Uma coisa linda: é o verão dos vestidos. Uns tão psicodélicos quanto
as pílulas do doutor Timothy Leary. Quantas princesas e suas sandálias a
desfilar realezas, a pisar machucando com jeitinho nossas almas cachorras.
Outra decência é mandar ficha na radiola, no Central ou no Capitão
Lima (Recife, a cidade!!!) pra dançar o baile do grande Erasto e seu belo
disco, vôte. Betinha vem cá, vem cá, vem cá, ô peste, ô feba do rato, ô febe
tife.
Só no paletó de linho branco e no sapato bicolor de bico fino...
Outra trilha para flanar por ai? A do filme “Flores Partidas”, do Jim
Jamursch, coisa de classe.
E lembrem-se: o verão, como a vírgula, não nasceu para humilhar
ninguém. Vamos a la playa com o corpinho que temos, seja você uma gazela,
seja você uma boterinha mais linda. Afinal de contas, como diz o Roberto e
repete o joinha China, nos shows do Delrey, com aquela dancinha alma
sebosa do pega-moça: “Coisa bonita, coisa gostosa/ quem foi que disse/ que
tem que ser magra/ para ser formosa”.
MODINHAS MOMESCAS

Purpurina, glitter, tule, meia arrastão... Que bonito é o mulherio


mobilizado em busca da fantasia de carnaval. Não se fala em outra coisa entre
elas. Vão nos mercados populares, no comércio de rua, nas alamedas, largos
e camboas. Uma insanidade, como diz minha amiga D.
Seja no mercado de São José, na 25 de Março, São Joaquim ou no
Saara...
Alalaô, ôôô, para ela mesma, D., eu abro alas e aspas: “No fundo, não
passamos de uma cambada de ´bibas´ que esperam o carnaval pra soltar a
franga”.
Coisa linda, linda, linda. Se for para brincar no “I love cafusú”, do
Recife/Olinda, é um deus-nos-acuda. Haja classe e safadeza juntas. Style no
último!
Se for homem simplifique a modinha, minimalize o animal que existe
dentro de você: vá de urso, amigo, urso manhoso, pé de lã na maciota da
neve e da lama dos tristes trópicos.

AI DE QUALQUER UM QUE SE METE COM O AMOR, COPACABANA (UM


CONTO)

ai de nós Copacabana diante do cadáver gelado de uma amor sempre em


chamas, diz ele; chegaram os homens do IML, botas, luvas brancas, sofridos,
assépticos, rostos de xilogravuras; levaram o nosso amor assim que ela
pronunciou a palavra mágica: cadáver!!!!, típico de aprendizado de psicanálise
jardim-de-infância ou sopro primário de deuses fracos; tinha sede de morte; eu
fome de viver, pau duro etc, diz o cara; cadáver para eles era uma ordem
pública da polícia semântica, mesmo depois de tantos enterros dentro do
cemitério marinho da nossa própria casa, ele diz a prosa; taí um serviço que
funciona! se um cadáver numa noite de verão chuvosa dispensa até mesmo os
serviços dos homens de botas, luvas, segue sozinho pela avenida atlântica,
como quem não quer mais nada, como nem precisa tomar o rumo do cemitério
são joão baptista; como quem não mais se encanta com as fantasias de olhos
bem fechados, como quem teve o epitáfio pré-datado faz tempo; ainda bem
que neguei, diz ele, o último beijo no asfalto, como quem nega pôr as digitais
num crime que é mais de um do que de outro, supõe-se com ajuda do amigo
Dashiell Hammett; recolham-se os corpos, pois, eles se entenderam, eles são
os culpados, as almas não, as almas nunca, as almas irão simplesmente vagar
à procura de desculpas, sorry, foi bom, acontece, foi mau, olha o divã, vista a
roupa meu bem, nossas almas não prestam, são incomunicáveis, cachorras
que não valem um funk, almas vagabundas, dizem em uníssonos os justos na
cidade dos amores de pés-juntos, vista a roupa meu bem e vamos nus causar.

BLOOMSDAY FORA DE ÉPOCA OU O SELO JAGUAR DE QUALIDADE

Nada como fazer um teste de fogo com um profissa-profissa, bamba entre os


bambas do ofício. Nada como pôr o fígado e o esqueleto em prova com um
cara que tem milhagem no assunto. Tira-teima de resistência para saber se
estávamos aptos para a festa da carne, evoé Baco, dedinhos para cima,
passos trôpegos, eu entorno e os paralelepípedos que ficam bêbados.

Fuerza na peruca, rapazes!, agora é quase.

Foi nessa vibe-viborowa que colei na Mercearia São Pedro para o nosso
Bloomsday fora de época, uma micareta alcoólica com Ele, o homem, o mito, o
fígado de ouro, o bravo herói da resistência carioca Sérgio de Magalhães
Gomes Jaguaribe, Jaguar, o fundador da Banda de Ipanema, o Neruda do pé-
sujo, autor do clássico “Confesso que bebi”, o garoto de todas as fuzarcas.

Os promoters do Bloomsday dos cachaceiros não poderiam ser outros. Sim, os


escribas e exs canalhas líricos _agora alvejados por cupidos cegos_ Ronaldo
Bressane et Bruno T Nogueira. Já chegaram naquele compasso, chamando
Jesus de Genésio ou quase isso. Jaguar, mais de sete décadas de arremesso,
inteiro, se não me falha a amnésia, claro.

Iniciamos os trabalhos sob a supervisão e mecenato hepático de Marquinhos, o


cara, o Mindlin da Merça. Haja Boazinha e Germana _só gosto de cachaça
com nome de mulher, a queda e o seu duplo.

E mr. Jaguares na moral da guerra, no sossego, enquanto nego lá já pedia


penico, saquinho de vômito, muita calma nessa hora, pede a aeromoça,a
aeromoça linda pede calma, ambulância...

Menos Marcelino Freire, que tem um segredo, além da sustança do angu de


Sertânia no sangue: de quando em quando, durante as bebedeiras épicas,
chupa um picolé _baunilha?_ para matar, de cara, a rebordosa.

Joca Reinerrrs, primo da Charlize Theron, que graça de menina!!!, ainda fez um
quatro, mesmo embriagado pelos fermentados de um amor encorpado.

E ao final todos os fígados enfileirados ganharam o selo Jaguar de qualidade


para brincar com respeito o tríduo momesco.

-E não tinha mulher nesse encontro, tio? Ah, tinha, até que tinha, mas só
mulher dos outros.

[a cobertura completa do evento figadal está no http://www.fakerfakir.biz/ ]

A MARCHINHA QUE VIROU HAI-KAI

não me leve a mal

vou beijar-te agora

já é carnaval!!!!
A MULHER E O GARÇOM, OU SEJA, AS MELHORES COISAS DESSE
MUNDO

Numa mesa de bar, claro.


Se não, não teria graça. Eu nem contaria.
Confesso que bebi,seu Jaguar.
Deus deveria parar o cronômetro, como um juiz de basquete, quando a
vida não tivesse como locações a cama ou o botequim.
Mas nada é tão justo assim.
Numa mesa de bar. Exterior, calçada, noite.
A nega indaga:
“Por que será que garçom só decora nome de homem?”
A nega é mulher do amigo Jotabê, compadre.
De mulher de amigo também não sei sequer o batismo, o sagrado nome.
Vê se pode uma coisa dessas!
Garçom só decora nome de homem?
Arrisco uma tese, PhD de pé-sujo. Com ajuda da amiga Ana Weiss, a
linda do lado.
O bar é minha UFPE, meu Centro de Artes, minha UFPR, minha
universidade católica, meu doutorado da USP, minha filosofia, minha cachaça,
minha cátedra, minha nota de rodapé, minha escolástica...
Desde o “Robertão 70”, onde eu bebia no Recife com Evaldo Costa, ao
som do Rei e sob às vistas do sósia-proprietário, grande homem tragicamente
assassinado.
A tese, sem mais torresmos mentais: ora, homem confia e trata bem o
garçom, faz favor.
O garçom é o cúmplice, o ombro amigo, o divã que anda e traz o Freud,
o Lacan engarrafado.
Mulher contesta.
Mulher é que confere as contas.
Mulher é Procom, homem é fraude e festa.
Mulher acha que o garçom é aquele quarto árbitro que sempre levanta a
placa do acréscimo, na beirada do campo, pedindo mais tempo, mais uma
saideira.
Seu garçom faça o favor!
Garçom é a encarnação do anjo da guarda dos machos.
Garçom mantém o respeito e guarda a sete chaves o batismo das
nossas melhores costelas.
Num bar, a simples pronúncia do nome de uma mulher já é o maior dos
pecados. Ele sabe.
E se for mulher dos outros, meu Deus, cem anos de inferno.
Não há a menor réstia de machismo, minhas queridas, nessa elipse de
gravata borboleta. Não é falha. O garçom não vos chama pelo nome por
excesso de zelo, omissão sagrada, amém.
Garçom está além do bem e do mal, acima de homem e de mulher,
garçom é a ONU da existência, mais uma, faz favor, e pergunta ai ao freguês
de lado de quanto o meu time apanhou!
MISS CORAÇÕES SOLITÁRIOS RESPONDE

Diante de apelos e mais apelos de almas penadas, rapazes sensíveis,


raparigas sadomasoquistas, boyzinhas no viço e balzacas de todos os caritós,
está de volta Miss Corações Solitários. Para quem não lembra, M.C. Solitários
é uma cigana da Andaluzia que hoje habita um quintal do Capibaribe e, com a
sua poderosa entidade, socorre machos & fêmeas à beira de um ataque de
nervos... ou simplesmente portadores do inapagável (sic) fogo nas entranhas,
como diria aquele menino de nome Pedro Almodóvar.

Às cartas, pois, que as almas aflitas ja bafejam a nuca da elevada


cigana:
***

Mui amada e necessária M.C. Solitários, eu ganhei de presente de uma


amiga um singelo livro chamado o “O kama sutra do sexo oral” e gostaria
imensamente de aplicar umas lições em um rapaz que estou conhecendo
melhor. Como dar um “beijo negro” nele sem o guri me interpretar mal? Como
“preparar o terreno”, se é que tu me entendes? Como proceder? Socorra-me, ô
meu analgésico genérico de todas as horas. Ass. Eu profundo e ou outros eus,
Alto do Boqueirão, Curitiba.

Resposta: Ora, ora, tolinha, a lição que pedes, como quase tudo nessa
vida, está numa canção do Roberto, a grande educação sentimental de
nosotros. Repare direitinho, está tudo lá, em Cavalgada, escuta só: “Usar meus
beijos como açoite/ E a minha mão mais atrevida”. Depois o bofe ainda vai
cantar feliz, como naquela música de Otto: “Dedo de Deus tocou em mim...”
Mas vai com delicadeza, que é mais gostoso, como se dizia ontem no bloco
das Virgens de Olinda. Cariño, tua M.C. Solitários

**
Privilegiada e abençoada M.C. Solitários, serei breve, pois o meu
problema é um pouco pesado para me expor assim em público. Acontece que
meu marido se recusa a bater em mim, por mais que peça, clame, rogue aos
céus, chore aos seus pés, implore. E sem apanhar, normal que sou, não faço
amor direito, não faço amor que preste. Que fazer para despertá-lo? Tem jeito,
sábia cigana? Ass. Justine, Consolação, São Paulo (SP).

Resposta: Minha criança, esse camarada se “androginou”, como diz o


lírico samba de Luiz Ayrão. Esses homens estão perdidos, a tal da crise do
macho, já ouviste algo sobre? Não servem nem mais para nos esquentar as
faces com os estalidos de uns bons e sugestivos tapas. Pra mulher apanhar
hoje em dia só freqüentando aulas de boxe como sparring. Na alcova, jamais.
Uma lástima. Nem pagando a gente consegue. Ficou tudo tão metrossexual,
tudo tão politicamente correto que nem mesmo no sertão a gente encontra
mais um Virgulino para nos dar uns tabefes no toitiço. Filha minha, te
aconselho: largue esse traste. Se homem que não bate em mulher fosse bom
eu tinha me casado com Mahatma Ghandi. Cariño, M.C. Solitários.
[se estás aflita(o), escreves também para a cigana. As missivas serão
encaminhadas à tenda por este carapuceiro]

A VIDA É TRÁGICA SIMPLES E LINDA COMO UM PEDIDO DE ARROZ À


GREGA

Sim, claro que ela é linda e tem os zolhinhos saltados para além do próprio
juízo, vistosa, gostosa, charme e bons pisantes, calçado bico decente, uma
coisa, faz é tempo, desde aquele aniversário, vestidinho verde num
apartamento de Santa Cecília/Higienópolis, libra, rock, e para o bem e para o
mal eu via uma certa máscara nouvelle vague, sabe? O aparente do aparente,
como na leitura da vida pelos judeus. Mas eis que depois de algum diálogo,
nada mudou muito, virtualidade, eita, platonismo, algodão doce da existência,
como criança que vê bichos nas nuvens, e ela lá com suas heranças
amorosas, como as nossas coisas/todas que enroscam e paralisam. Mas eis
que vamos ao sujinho, madruga pós-Bortolotto, nosso único e verdadeiro
dramaturgo, que nos acompanha noites brancas com ou sem Deus, e ela,
gestos solenes como uma deusa, pede: MOÇO, COM ARROZ À GREGA!
Nada mais comovente do que uma mulher que assim solicita, arroz à grega,
um clássico, e ensaia o garfo como quem cutuca a própria humanidade,
ervilha, cenoura e outros verdinhos possíveis, repete, amor, a vida é sempre à
grega, trágica, a vida ao mesmo tempo é simples como o pedido dela, como
esse pedido a humaniza... e eis que ela me devolve de presente a surpresa e
manda embalar para a viagem o que sobrou da asa e da coragem e agora
estou eu aqui, lição de coisas, lambendo os beiços, gloss-baudelaire, já é,
promessa de felicidade, graça alcançada de quem acredita na beleza.

NÃO SE MORRE DE AMOR NOS TRÓPICOS

Sossega, nega, não se morre de amor nos trópicos. A morte amorosa é uma
invenção dos que hibernam como ursos da Sibéria ou cinzentos donzelos
alemães...

O tio tenta uma filosofia de consolação para a amiga que sofre e pena entre a
Angélica e Augusta como se fosse num inferno verde de fitzcarráldica fábula
babilônica labiríntica, danou-se! a menina nas asas da hipérbole-helicóptera.

Te juega, nega, aqui não se morre disso. Se o jovem Werther aqui fosse
nascido, até choraria um tanto o seu infortúnio, mas já já algum vagabundo
passaria na sua casa e eles iriam tomar um ele & ela (caldinho com cachaça)
na Várzea ou no Pina, freguesia do Recife, iam tirar uma onda na barraca de
Jesus ou no seu Rainha, na mesma cidadela invicta, iam tomar uma com
Franciel, pura ingresia da Bahia, lá nas beiradas do mercado de São Joaquim,
na frente daqueles garajaus com bodes pretos e galinhas idem, além dos
gabirus na lama dos currulepes que ali dançam aos pés dos bêbados, seres
com ou sem asas para trabalhos de macumba, como reza o manual de
zoologia daquele cego portenho da gota.
Sossega, preta, roga uma praga neste peste e pronto, cai de novo na lama
milagrosa do hedonismo. E se a vida atropelar, de nuevo, na mesma curva,
anota a placa, menina, e arrisca no bicho.

OU QUASE

Acabei de enfiar o dedo na tecla del apagando idéias de merda como suposto
ex fumante que mente para si mesmo pra mais quem interessa a fábula com
filtro de esopo o misantropo que apaga o post como o cambista que apaga a
pule do jogo.(...) reticências como na morte a crédito do velho céline, sabe?... e
é isso

PASSATEMPO OU WANDER WILDNER NA PRÓXIMA TERÇA

Buenos dias, senhoras & senhoritas, acabei de chegar do show de Wander


Wildner, e nesta linda aurora e neste lindo aroma do meu jardim particular de
delícias artificiais, vos cumprimento, minha sina toda terça de março, de
sãopaulo, show de Wander wildner, pelo menos é o que intuio, às tuias de
imagens contrabandeadas, eu sei, W.W, que eu ando bebendo demais,você já
me disse, eu sei que eu ando nadando no seco, sou quase um alcoólatra, você
já nos disse, caçoando da própria canção, cançoneta de bucetas, canção de
amigos trovadores DAS ANTIGAS, MAS EU PRECISO catar lindos peixinhos
nos ladrilhos das calçadas para te entregar, meu amor, ELA, sem
compromisso, como naquele tempo que a gente tomava ácido, só um quartinho
cada um, e ia beber cerveja e sakê gelado no japonês de Ted na rua pinheiros,
te alembras como ontem tudo era quintal de certezas?

Infelizes dos que não nadam no seco da existência e não catam lambaris de
mosaicos, giz, SASHIMIS DESENHADOS NA PAREDE PRA GENTE PULAR
NA PONTE FEITO KAMIKAZES-PAREDEXS, trombadinhas de rodapés, jogo
de amarelinha de meninas tontas que trocaram calçadas por celulares; salve os
que acreditam nos mares, oceanos brancos e vermelhos; os outros terão
apenas o reino sem volta das decepções sem troca e sem cura dos homens
sem hedonismo, os homens que irão morrer orgulhosos dos vermes que lhes
cutucam os cus neoliberais, CUS DE JUDAS e lombrigosos e THE END,
problemas de vocês.
VIVER É NADAR NO SECO [OU BREVE COMENTÁRIO A RESPEITO DE
VIRGILIO PIÑERA]

De manhã, todas as manhãs, de ladinho, e a luz do rio iluminando primeiro a


metade da bunda, depois a outra, palavra alguma, e os canos dentro das
paredes, paredes de areia e marisco [num se pode pregar sequer um anjo de
klee falsificado] anunciam a água que agora quase não falta mais no prédio;
aquela fúria encanada a desperta para o sexo como uma poça com vitória régia
para uma índia; ela, a mulher que cheira a maré, diz, agora, mais e mais, e o
rio se enche aos poucos pela vontade das tábuas, o rio vem nas beiras como
eu na morena, a cortina é pouca para o sol que se multiplica, um sol para cada
vivente ainda é apenas um bico de luz nestas plagas, plagas cujas retinas já
beberam o colírio pouco da existência, existência maconhosa da porra; viver de
brisa talvez, seja nossa sina, encanar vento para vender aos capitalistas; de
manhã, todas as manhãs, os contos de cortazar ali na cabeceira, aquele da
garrafa atirada ainda na pré-maré da narrativa, como era mesmo o nome da
heroína que poderia ser o nome da nossa filha?; e eu, todos os cafés sem
jornais, discutindo o conto como se dele fosse possível saber algo; ora, ora,
quem sabe de coisíssima nessa vida toda feita de lodo que escorrega e nos
faz, quase sempre, voltar a nada no seco?

DEPOIS DAQUILO TUDO -BLOW-UP

Leio na madruga o amado António Lobo Antunes, a “Ordem Natural das


Coisas”, pois. E o escriba portuga mais foda diz assim, vê se pode: “Ainda hoje,
meu amor, estendido na cama à espera do efeito do valium, me sucede como
nas tardes de verão em que me deitava, à procura de fresco, num bairro de
jazigos destroçados...”

Não me deito deitar já não posso, quase aurora, pois ela vaga no juízo como
objetos de madeira sobre as enchentes, adiaria essa madruga que estivemos
tão colados para sempre, até esquecemos códigos e amizade e ensinei-lhe
beijos públicos, fragmentos do discurso do namoro, ajudamos sem culpa os
mendigos e, pasmem, um tal de Roberto Carlos _teria sido a recompensa
divina?_ avisou ao garçom que havia pago a nossa conta.

Os beijos no auto, o auto da barca do inferno lá no fundo da vila, teus peitos e


tua buceta nos meus dedos todos, mais lindos dizeres, e agora, como fica? O
gatinho de coleira da mesma vila correu para os meus braços como quem diz
algo, ele disse-me assim, tenha pena de mim, vá embora.

HAI-KAI NADA MÉTRICO ROUBADO DO NOTICIÁRIO

o brasil é tao fuleiro...

que o culpado, senhores,

não é o mordomo, é o caseiro!


ESTAVA ESCRITO NAS TÁBUAS DA MARÉ

A mulher que cheirava a maré me esperava na janela linda vestida de brisa e


vivendo de. Aquela boca iracemosos lábios gostosos uma vida toda glam &
gloss. Botas de boxeur e Valentina tatuada nas costas. Pernas longas de quem
pedala na bicicleta dos meus óculos verdes gigantes hiperbólicos. O
Capibaribe se juntava ao Beberibe para formar o Atlântico sem choro nem
despedidas nos seus olhos. O cheiro de bolacha sete-capas atravessava os
rios e molhava-se nas nossas xícaras derretidas na fome de viver e de
merendas vespertinas. O ritmo da nossa foda era o compasso das águas que
vazavam dos rios para o oceano e vice-versa. Quando a maré encheu eu me
perdi dentro de você como uma agulha que cose descuidada e perde-se entre
o vestido e a pele e percorre as veias responsáveis pelo sangue da dor de
existir. Era um filme entorpecido sobre os segredos do amor. Mas quando voltei
para mim reparei que... de tanto carinho que fiz no seu rosto, nas suas costas,
de tanto scratch na sua bundinha toda minha, de tanto carinho, como num
bolero de desespero, de tanto carinho perdi o desenho das mãos, as
impressões digitais, o rumo, a linha da vida.

OS PERNILONGOS, O SADOMASOQUISMO E A CRÔNICA FALTA DE


ASSUNTO

Peste de pernilongos em são paulo, digo, peste de muriçoca, como na prosódia


da minha terra lá de cima do mapa, nuvens de pernilongos atacam os braços e
pernas de pele bem tratada das mocinhas dos afluentes todos de Piratininga,
não há repelente que dê jeito, pá, mato uma, pá, mato duas muriçocas
sentadas bem na bundinha dela... já que não tem a brigada sanitarista, que
venha a brigada sadomasoquista!

Pânico em SP, nuvens de pernilongos abalroam helicópteros, uma China de


muriçocas para 10 milhões de paulistanos; noves fora as mocinhas de sangue
mais doce e burguês, uma centena de insetos para cada um de nós... faço
sentinela aqui na bundinha, eterna vigilia, e mato mais três, pá, ela finge que
está a dormir e põe a mão dentro da calcinha... sinto que mexe levemente
apenas um dedo, meu Deus!

Além das boas palmadas, as nuvens de pernilongos guardam outras tantas


utilidades amorosas. Para os que estão iniciando o namoro, por exemplo, ainda
com a falta crônica de assunto... Seus problemas acabaram: agora ficam a
matar muriçoca um no outro. Não carecem de conversa. Apenas de pontaria e
comentários politizadíssimos sobre o descuido da prefeitura.

Mais um pernilongo, agora um bem safado, no lado esquerdo da bundinha


mais linda desse mundo. Pá. Ela aperta mais ainda a mão dentro da calcinha,
solta uma onomatopeiazinha de nada, quase como se um barulho mínimo de
um mariposa que aterrissa numa lâmpida adonirânica falando a língua de Juó
de Bananére, la divina increnca de um barbiere, poeta e giurnalista escriba
universale.
A MULHER QUE FAZ CHOVER GRANIZO - CAP. III DO PEQUENO NOVELO

Abaixava lesadamente a persiana para a sagrada sesta durante a chuva


sagrada e vespertina..., quando avisto Sherazade/Sevérine a subir a íngreme
escadinha do hotel aqui da vizinhança da Augusta. Um austero sr. de bigodes e
óculos à Fernando Pessoa a segue com a calma dos homens de 60 ou mais.
S. alcança o último degrau e se vira para trás, ciente de que estou a vê-los.
Minutos depois, ela abre a cortina de pano anos 70 justamente da janela que
está ao alcance das minhas retinas enevoadas de narrador possível. O homem
põe a camisa branca no cabide com zelo e método de quem carece voltar para
os negócios contábeis. S. vem até a janela novamente e molha num piscar de
olhos os seus peitos na tempestade. Seus cabelos estão presos. Os céus
gozam granizo.

CAP. II - PETITE MORT E VIDA SEVÉRINE OU TODO HOMEM TEM


DIREITO A UMA CATHERINE DENEUVE

Sherazade antes à tarde do que de noite [”amor depois do crepúsculo faz


escuro e é para amadores!”, dizia e ria e ria e ria, meu Deus!] era a petite mort
e vida Sevérine. Dava para muitos, mas só narrava as aventuras para este que
vós conta, que, para obter esse privilégio abriu mão do próprio gozo com a
formosa dama. À noite, para dizer que não fazia nada, a Sherazade da Augusta
tecia um manto com seu interminável novelo de lã entre um cliente e outro. Ali
na esquina da Haddock com a Matias Ayres. Para não embaralhar suas tardes
preferidas com as suas noites de cartão de ponto, envelhecia as feições com
neve nos cabelos e folhinhas de calendários sobre os olhos. Era a mais
vaidosa entre todas as mulheres.

MIL E UMA TARDES EM HOTEIZINHOS BARATOS -CAP I

Era uma vez uma rapariga devota, masoquista, religiosa, que parava o tempo,
mil e uma tardes em hotéis baratos, cortininhas de pano fulero balançando , era
uma vez só para escapar do tédio, ou seja, da morte amorosa, sendo assim o
referido tédio o correspondente à morte de fato que tanto temia Sherazade,
como me sopraria num sonho, dia desses, um escriba mexicano, cavaleiro
andante, galope elegante, armado de arcos, liras & elipses. Era uma vez uma
rapariga que subia lindamente os degraus dos hoteizinhos baratos, das
espeluncas do centro, dos motéis mais singelos, só para escapar da morte do
tédio, pois o amor é vespertino e só viaja pelo acostamento.

[siga-me neste pequeno novelo diário de emblemáticos 7 capítulos dando conta


das aventuras e desventuras da Sherazade da rua Augusta e de todas as
freguesias do desejo e da fome de viver]
BOM DIA NOITE DE QUALQUER DIA

E caminhava semelhante à noite. Eita que agora dei pra roubar, de ouvido, sem
aspas, platônico, até versos da Ilíada e imitar os passos dos bêbados das
antigas, que classe, rapaz. Bom dia noite que me entende e me entrega a
senha da existência. Se a noite é uma criança eu sou da pedofilia desde
criancinha, meu velho e bom Antônio Maria. A senha pra renovar mais uma
noite como o portal da passagem do calendário lunático. Não para sempre,
lugar que não existe, mas para renovar mais uma noite no cartão de ponto dos
bares, meus bares meus mares e meus nados sincronizados no seco, como
Moisés sobre as águas, cada um faz o que pode, meus lambaris nos mosaicos,
meus beijos nos pezinhos cobertos de esmaltes. Bom dia noite, estou amando
os erres rrrrrrrrrrrrrr arrrrastados de uma paulistana que atira doces vocábulos
como quem mira de metralhadora meu coração como alvo, quanta elegância
nas mulheres de São Paulo, a praia aqui é o bazar do Herchcovitch [sic, vixi,
oxi] nunca escrevo correto esse batismo. Eu caminho como quem dá bom dia à
noite, bom dia lua cheia que deixa as mulheres mais doidas, bom dia botas de
mulheres lindas que pisam asfaltos,lábios e pistas, beijos avulsos de amores
molhados de tão líquidos, bom dia domingo que me guarda fanhoso como os
radinhos de pilhas futebolísticos dos porteiros de domingos, bom dia meu dia
possível, e que o sol leve meu cachorrinho imaginário, minha cachorrinha
Laika, para passear no espaço, enquanto certamente estarei sonhando contigo,
sonhos de domingo, minha cadela mais linda do meu acertado naturalismo-
realismo infinitamente barroco, lezama-me, lima, meu santo lesado do pau oco.

CAP.VI. MEPHISTOS A ESMO COM SEUS CHURRASQUINHOS DE GATO

Sherazade da Augusta conta histórias para que os ladrões de almas e carteiras


pelo menos adiem os seqüestros-relâmpagos dos Faustos de tal sítio e
entretidos como Mephistos passeiem a esmo com seus churrasquinhos de
gatos quais chicletes de caninos, assim seja amém, Sherazade sabe ser uma
saia de mulher quase Zelig, transparente, ciganosa, ad perpetuuuuum, a fazer
o que pode para agradar os homens e a eles devolver o mal que sai da boca e
da buceta com os seus próprios hálitos, Sherazade é contra o mundo
asséptico e até acha que os eucaliptos buchechosos podem matar a força do
beijo pré-alcova. Sherazade agora é zen e fundamentalista, aqui, agora, ela
mesma uma das 35 virgens e meia às quais terão direito os homens meia-
bomba que se atreverem a buliçá-la.
SHERAZADE E O TESOURO DISPUTADO NOS QUINTAIS DO SARAJEVO -
CAP. V

Dois homens sonharam ao mesmo tempo na mesma noite com o mesmo


tesouro, botija de ouro que estaria enterrada num porão da rua Augusta, ali nas
vizinhanças do underground Sarajevo; mesmo desconfiados, os dois pobres
homens, que já haviam tentado de tudo na vida, partiram, ainda com os sonhos
colados como remela aos olhos, para a mina do mapa. Lá chegaram no mesmo
instante, como se tivessem partido no mesmo teletransporte, esse milagre do
desejo e da vontade. Esbarraram na mesma porta. Lentamente ergueram as
vistas e postaram-se sobrancelha a sobrancelha. De tão parecidos, a essa
altura já não mais sabiam quem era um e quem era o outro. Recorreram aos
sinais particulares para se moverem com as próprias pernas àquele quintal
áureo. Quando lá chegaram... Sherazade os esperava enquanto tesouro. Os
egos de machos rolaram ao chão em épica batalha. No embate foram ficando
ainda mais parecidos, de modo que o suor comum moldava ainda mais a
semelhança em avançado processo de mimetismo. S. ria daquela peleja inútil
dos homens, que mesmo envelhecidos em barris de bálsamo, continuam
infantis e iguais ad infinitum. De tão iguais os negos viraram pó... E daquelas
duas costelas, S. fez um homem só.

CAP IV - DA RIQUEZA DO MÉTODO

S. já amou demais. Não guarda rancor ou ressentimento, apenas quer os


homens de outro jeito, assim, assado, como os iluministas na brasa e no
espeto das fêmeas tupinambás. Assim como os bispos nos caninos dos caetés
de Coruripe. Ela aprecia o estilo ímpar que cada um escolhe para ser
devorado. Goza, mas principalmente finge o gozo para deixar as vítimas
orgulhosas do processo do desejo. Sim, há requintes de perversão até o último
cílio. Ao sétimo encontro, o máximo permitido com o mesmo homem, S. o
sodomiza lindamente para torná-lo mais hombre ainda. E ri sozinha depois
enquanto arruma o batom no espelho. O próximo, por favor, o próximo!

O QUE TEM NO COPO VERMELHO?*

“Decifra-me ou te devoro”, foi logo berrando a Esfinge, num grego das antigas,
“o que tem no copo vermelho, meu filhooooooo?”

Eu mal escapara das garras dos tubarões de Boa Viagem, “benvindo ao Recife,
na próxima te pego, meu nego”, dissera o monstro dos mares com seus dentes
afiados capazes de fazer dos surfistas meras criaturas esquisitas sem pé nem
cabeça _como uma história mal contada.
Aquela voz que saía de dentro do copo gigante e vermelho me deixava sem
saída. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, prevalecia o adágio
naquela manhã de 30 graus.

As ruas vazias, como se o copo gigante tivesse engolido a cidade. Havia um


barulho de multidão dentro dele. Havia quase uma metrópole lá dentro, a
sensação era essa.

O copo que bebeu a cidade.

Vejo algo como se fosse a ponta dos dedos de um mulher, unhas e mãos
vermelhas, tentando sair do copázio. Pelo barulho, alguém tenta puxá-la pelos
pés, como se dissesse: o copázio repete a vida lá fora, quando uma criatura
tenta subir, vem alguém e lhe puxa a perna.

Agora ensaia-se o motim, percebe-se. Mas será por que somente as fêmeas
tentam a fuga?

Tento ganhar tempo com a Esfinge. O tic-tac do relógio como num quiz show
de auditório fuleiro.

Arrisco a minha cabeça quando avisto uma ex-afilhada de Balzac que põe só a
cabeça de fora do copo. Havia rejuvenescido pelo menos umas duas décadas
meia. De balzaquiana a rapariga em flor. Mas quando ia respondendo, outro
evento me choca: minha sobrinha Alice, de seis anos, já portava lindos e
maduros cabelos brancos.

Quando ia dizendo “é uma fon...”

Repensei. Não, não pode ser uma fonte da juventude depois do ocorrido com a
Alice menina. É algo mais sofisticado em matéria de maquinaria do tempo.
Parece o Castelo dos Cárpatos, de Julio Verne... Ou seria a Ilha do Doutor
Moreau habitada pelos homens invisíveis de G.H. Wells?

Não, certamente não seria tão óbvio, muito menos estaria ligado tal copo a
livros fantásticos ou sonhos.

Uma arte de Duchamp ressuscitado? Nem de perto.

A brisa marinha, num pitaco dos deuses, assobia-me uma canção que ouvi há
muito no rádio. Epa. Tá quente.

O relógio marcava os últimos segundos possíveis para a resposta.

Arrisco, dona Esfinge: é sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de
ar!

Ufa! Escapei de mais essa! A Esfinge recolhe a sua bocarra de caninos


brancos. De lambuja, ainda faço uma graça à moda de Gertrude Stein: o copo
vermelho é apenas um copo vermelho, um copo vermelho, um copo vermelho.
COM O REI POR MARES NUNCA DANTES

Sim, estive com o Rei. Não poderia esconder de vocês essa bela
aventura. Aventura sim senhor. Não estive com o Rei num lugar qualquer. O
encontro deu-se em alto mar, num cruzeiro pelo Atlântico, costas do Rio e de
São Paulo.
O Rei está muito bem, mandou lembranças, obrigado, praticamente livre
do seu TOC, o transtorno obsessivo compulsivo que tanto perturbou o seu
juízo. O Rei faz uma chapinha besta para eliminar os caracóis dos seus
cabelos.
Faz e assume.
As afilhadas de Balzac vão à loucura quando o Rei aparece. As lindas
vovôs gritam histéricas como as mais gasguitas das ninfetas. Mulher é tudo
louca, sopra a brisa chamada Lacan.
As canções que você fez pra mim.
Eu te proponho, nós nos amarmos...
Se um outro cabeludo aparecer...
Vou cavalgar por toda a noite...
As flores do jardim da nossa casa...
Meu cachorro me sorriu latindo...
Vista a roupa meu bem, e vamos nos casar...
Quem nunca deu aquele amasso no portão ao som do Rei?
Quem nunca lavou o carro no domingão, suburbanos corações, ao som
do disco novo do Rei?
Quando, você se separou de mim, quase a minha vida teve fim... Chorei!
Acompanhei Roberto para uma reportagem da revista “Trip” que está
nas bancas. Corra, Lola, corra, que já está esgotando. Se perder, apareça, te
dou a minha.
O importante é que emoções eu vivi.
Até a Lady Laura, a mãe do Rei, eu conheci de perto. “Me leva pra casa,
Lady Laura, me conta uma história, Lady Laura”.
Só lembrava de Maria do Socorro, a minha mãe, brava sertaneja. Um dia
a levo num cruzeiro. Eta marzão!
Perguntei ao Rei: Amor só de mãe?!
Claro que não, disse, com aquela risada, bicho, de sempre.
O inimitável Roberto.
Um colega perguntou sobre sexo. “É importante, bicho”, lacônico, e de
novo aquela risadinha de todos os tempos.
Até “negro gato” Roberto cantou no show do transatlântico.
Com o Rei pelos mares nunca dantes.
Eu tenho tanto para lhe falar, mas com palavras não sei dizer, como é
grande o meu amor por você!
O Rei aparecia a madrugada no cassino. Caça níquel. Bati o Rei na
roleta.
E sabe quem também estava com ele, o Miele, lembram? Foi mestre de
cerimônias de um karaokê com as canções do Roberto. Também fez o seu
showzinho de velhas piadas e muita bossa.
Não adianta nem tentar me esquecer...
É, amigo Pasquale, os erros tantos do meu português ruim.
O importante é que ereções eu viviiiiii!
A SHERAZADE DA AUGUSTA FINALMENTE LEVA O MAR DE HISTÓRIAS
AO SERTÃO -É O FIM

Sherazade diz “vamos simbora que o novelo acabou, sete homens, sete
capítulos, sete noites subtraídas de mil e uma”, entra num táxi e começa a
contar a história do seu ultimo gozo, como o coração dele batia, o pulso, a
tatuagem de Corto Maltese nas costas, homem forte, a viagem, e conta com tal
suspense e gosto que ao chegar ao destino o taxista diz “ah não, me conta
mais, num pára, agora não, pelo amor de Deus, me conta”, e segue com o auto
pela pista afora, sem destino, só para ouvi-la, ela narra a do homem que de
tanto amar se transforma no gênio da lâmpada tão-somente para fazer todos
os gostos e desejos da amada, ela conta do outro cabrón que virou jardineiro
só para cultivar as próprias flores que levaria todos os domingos para a amada
_ele não via sentido em deixar outros homens tocar em nada, terra, estrume,
borboletas, que encantasse a sua moça!_, ela conta do rapaz que furou os
seus próprios olhos depois de ter gastado os olhos com a coisa mais linda da
sua vida, a nova amada, ela conta, ela conta, e o auto larga-se na cosmopista
entre o sonho e a vida, ela embeleza tanto aquele homem forte ao volante que
o vê como pássaro a voar como delicadíssimo passarinho, “ah o poder infinito
das narrativas”, ela ri ao vento, com um certo orgulho, e o auto num pára mais
nunca, já já atravessará os desertos, o São Francisco, o raso da Catarina, os
rastros de Lampião, o recôncavo já se foi, ali na frente a Pedra Bonita, mais
adiante o Recife, a nova Amsterdã, a rua da Aurora, e sobe a serra da russa, o
cheiro de abacaxis e tristezas descascadas, passa por Bezerros, oficina de J.
Borges, as máscaras dos papangus, carne de sol nos varais como as roupas
das almas que vagam, o asfalto como testemunha e miragem, um
derramamento de contos pelo agreste, ai meu deus, a noite já cai sobre as
cidadezinhas que dormem guardando seus homens de outras narrativas
estrangeiras, as cidadezinhas sem nome, as histórias como gasolina da
existência, e já já o azul desfocado dos olhos de Jorge Luis Borges choverá
nos olhos do violeiro cego os labirintos do mar que o sertão tanto merece.

LESTE O ESTRANGEIRO?

Toda vez que se ouve “leste O Estrangeiro”?, velho Camus, é sinal de


que o sexo está latente e por acontecer, mesmo que uma das partes não tenha
lido o voluptuoso livro, pouca importa, o certo é que nunca um volume tão
ligado à morte serviu tanto de senha para a festa da carne como este.
Nunca um livro comeu tanta gente com os olhos que a terra há de comê-
los.
No “Árido Movie”, a película barroca e genial de Lírio Ferreira, é tiro-e-
queda. Assim no cinema como na vida, roteiros, roteiros, roteiros, velho e bom
Hilton Lacerda. E lá está O Estrangeiro, quartinho de hotel agreste, donde o
Homem do Tempo, o galego que retorna para tanger as moscas do pai morto,
indaga miss Soledad: “Leste O Estrangeiro?”, ou algo assim, senhor Camus.
Corta.
Eles fodem lindamente.
Qual seria o mistério de tal livro?
A peleja de Eros X Tanatos sob o escaldante sol sem Deus?
BUCETA COM CACHAÇA E TIRA-GOSTO DE ALMA

Ninguém sabe o porquê, mas houve, é tanto que ele rasgou a meia, a meia-
calça dela, a meia do prefácio do frio, todinha, e derramou cachaça nas coxas
e mordeu, mordeu, mordê-la era destino, pernas dantes apreciadas, e botou a
meia no bolso do casaco, guardou como quem guarda uma anotação de
precioso conto, o capote, o nariz de Gogol, como se fosse a “orientação dos
gatos”, de Cortazar, guardou a meia como memória do gosto, e saiu daquele
bar, seu mar, donde muito nadado no seco havia, e atravessou a rua como o
mar vermelho de Moisés, aos seus pés, e dali se destinaram a um hotel do
centro, e fez-se escuro, e o resto, o fim, foi narrado por um cego, que nem viu
quando ela derramou aguardente na própria buceta, na ladeira do umbigo, e
ele loucamente a sorvê-la, as duas coisa que mais gostava na vida: vem,meu
bem, me bebe como se um gozo engarrafado te causasse a maior das
quedas, o fim, o precipício, a agonia das mãos no dia seguinte sem mais tê-la.

DEBAIXO DOS CARACÓIS DOS SEUS CABELOS

Minha amiga Gigi, Miss Gi, torrou uma grana no salão metido a chique, ora, era
aniversário do bofe, queria fazer bonito, mostrar para a ex dele, aquela piranha,
que era mais ela, mostrar para a sogra, sempre do contra, que tava podendo,
que sai debaixo, que sai da frente, que debaixo dos seus cabelos, mil e uma
noites, chega de caracóis, e histórias para contar, aí, aí, vai encarar, sou mais
eu, madeixas, ame-as ou deixe-as, e dá-lhe a alisá-las, no ferro em brasa, uma
beleza, via só as pontas, nervosa no espelho, meu Deus, vou arrasar com
aquela vaca, capricha, capricha, dizia para a cabeleireira, o ferro em brasa,
como quem ferra um boi, fuerza en la peruca, os fios na estica, capilares
corazones, Miss Gi toda-toda, arrasô a fofa, tá meu bem, passar bem, a chapa
quente, aquele movimento em “s”, para cima, para baixo, adeus meus cachos,
supresa mais linda, niver do bofe, desgosto para a ex, veneno para a sogra,
capricha fulaninha, fuerza na tomada, 220 volts esta noite, Gigi sai uma
lindeza, o ventilador sopra no teto, vê-se na sala toda-espelho, Narciso perde
nessa hora, o mundo é todo inveja, cabelo ao vento... peruas jovens reunidas,
Miss Gi torra toda a grana, tudo vale a pena quando alisa-se até a alma, sai
toda empolgada, sai à rua como uma estrela, passos de modelo, ate que o
sonho vira pesadelo, como anuncia o homem do tempo: uma chuvinha, uma
chuvinha, uma chuvinha... uma garoa de frente fria acaba com o orgulho de Gi
e sua caprichada chapinha!
TOCA OUTRA VEZ, TOM WAITS

tempo mais frio e rrrrain dogs, com todos os dentes e errrrres


para morder a lua, volta à vitrola,
ela chega como o coelho de Alice que foi brincar de páscoa;
linda de vermelho;
nossas angústias se aquecem neste inferno, tempos de
assassinos, mas apenas aqui dentro;
chega de barricadas, chega de chutar cachorros, danem-se as
ratazanas com suas caixas registradoras;
chega de andar sobre as águas com pranchas de ácido;
esta noite, blody Mary, esta noche a calmaria dos mares...
esta noite é agora, baby, e passa sempre bem veloz.

HISTÓRIAS DE AMOR ME ARRANCAM LÁGRIMAS, CABRÓN

Nos anos 80, no Recife, inaugurei um serviço especial de “poemas


de amor sob encomenda”, que eu apelidei carinhosamente de “Miss Corações
Solitários”, como no livro de Nathanael West, que acabara de ler. Marketing da
necessidade de um escriba só o couro e o osso, que olhava a sua própria
sombra magra e tinha medo. A estratégia foi um sucesso. Depois de um
anúncio nos classificados do “Diário de Pernambuco”, eu não dava mais conta
dos pedidos e passei a terceirizar sonetos e acrósticos, tarefa fácil na terra de
Manuel Bandeira, Joaquim Cardozo, Alberto da Cunha Melo, João Cabral,
Carlos Pena Filho...
Ajudei a começar romances, reatar namoros, dar esperanças, iludir
“boyzinhas”, parabenizar amadas, encorajar amantes, suspirar viúvos,
incendiar mancebos e reacender o fogo de lindas afilhadas de Balzac.
A felicidade não se compra, como já nos avisou o cinema, mas que
amealhei algumas patacas, amealhei. Aquele quarto coletivo de pensão num
velho sótao da Barão de São Borja tremeu!
Recife virou uma festa, melhor do que a Paris de Hemingway.
O motivo dessa croniqueta, no entanto, não é o de ficar apenas
mascando o chiclete da nostalgia e do pobrismo. Nada disso. O motivo é de
arrepiar. E se chama Marina Cavalcante. Pernambucana de Olinda, hoje
habitante do bairro de São Matheus, na zona leste de São Paulo, tinha 20 anos
quando me encomendou uma prosa-poética para o namorado.
Agora com 39, viu este mal-assombro que vos escreve no programa
de TV do Lobão e do Tas _o “Saca-Rolha”, que passa no canal 21 de SP_ e
me procurou para contar a sua história. “Ele, Roberto, achava que eu o traia,
por isso pedi o poema sobre a minha fidelidade, pra fazer ele chorar, lembra?”
ela pergunta. Claro que não recordo. Eram tantos casos. O poeta Jaci Bezerra,
velho amigo e testemunha ocular da história, que o diga.
E aí, conta logo, menina: “Ele, Roberto, acreditou em mim, vivemos
um lindo amor por cinco anos, o amor da minha vida, por isso a minha
felicidade de achar o sr. na televisão, pra agradecer, tanto tempo depois”.
Homem que é homem chora bonito, chora mais alto. Não me contive
com o episódio. Marina casou com outro cabrón aqui em São Paulo, hoje está
separada, e diz que não esquece o motivo daquele velho texto. Bela história a
dela. Deu até vontade de retomar as encomendas, as costuras para fora, hoje
restritas ao gutenberguismo de jornais e revistas.
Bom saber que a minha melopéia punk-brega comoveu até um
macho à moda antiga, mas do tipo que ainda manda flores, caso do grande
amor de Marina. É, velho amigo platônico Kurt Vonnegut, como no seu
repetitivo mantra de "Matadouro 5", COISAS DA VIDA.

CINE DELÍRIO APRESENTA:

Num traveling maluco da paudurescência matinal minha câmera fixou-se em


você. Você mesma, sim, você ai de vermelho, sua orelha não coçou, menina?,
se liga! Num traveling havia percorrido, câmera velozzzzzz da porra, o bairro, a
dama do cachorrinho, as coxas das noites anteriores, o olhar vesgo de Laika
perdida no espaço, miss Soledad suada numa pista, os peitos naquele táxi, as
pegadas depois dos conhaques, a musa do expresso Oriente... Até que a
câmera fixou o obscuro objeto de desejo, você dizia “somos muito amigos,
Xico”, eu dizia, na minha pose de ator treinado no Actor´s Stúdios do Crato:
vamos estragar essa amizade!

O LAR DOCE LAR DE UM MACHO-JURUBEBA

Noves fora o “homem de predinho antigo”, aquela criatura que adora um


pé-direito alto, um sofá de época e uma luz indireta, o macho solteiro é um
desastre no capítulo decoração. Tem lá o seu sofá velho, a sua tv, uma cama
barulhenta, três ou quatro panelas _sem cabo_ encarvoadas pelas minas
germinais do tempo, e copos de requeijão, muitos copos de requeijão, alguns
deles ainda com um pedaço do papel do rótulo. Se brincar, o cara coleciona
também os velhos copos de geléia de mocotó, um primor de utensílio “vintage”,
vixe!, TENDÊEEEENNNCIA!!!
E quando a fofa, toda fina e fresca, nova namorada, nova qualquer-
coisa, chega lá no “muquifo” com a sua garrafa de champanhe?! Procura,
procura as taças, para fazer uma graça com o marmanjo, as borbulhas de amor
se desmancham no ar antes da efervescência...
O jeito é beber Veuve Cliquot em copo de extrato de tomate. Quem
mandou apaixonar-se por um macho-jurubeba autêntico, que vem a ser
justamente o avesso do metrossexual, aquele mancebo da moda que se
lambuza de creminhos da Lancôme e decora o loft, sim, ele mora num loft ou
algo do gênero, de acordo com as tendências da revista “Wallpaper”, argh!!!
“Uó-o-qué, rapaz, seje homi”, diria meu amigo Rinaldo, pai de uma
deliciosa cria da sua costela, lá no sítio Acauã, de Chã Grande, agreste do
Pernambuco mais pernambucano e mais para dentro.
Pior é quando ela tenta mudar tudo. E põe aquele seu quadro caríssimo
e de grife numa sala que não tem nem mesmo um sofá que preste!
Um desastre.
A fofa, toda metida a besta, não desiste nunca. Ai presenteia o bofe
_sim, ela está doida e perdidinha pelo cabrón!_ com uma batedeira prateada
ultramoderna com 600 funções, que nunca será usada nem pra juntar uma
gema com uma clara. Ai fica aquela batedeira high-tech fazendo companhia
aos três pratos chinfrins e aos garfos tortos _como se o Uri Geller, aquele
parapsicólogo que aparecia no “Fantástico” das antigas, tivesse jantado por lá
ou feito faxina na área.
Ela começa a revirar geral, um deus-nos-acuda, numa casa onde
ninguém havia mudado, caro Lirioboy, sequer uma planta de lugar, vê se
pode!?. O reino vegetal, aliás, é outro ponto fraco do macho solteiro. Jarros,
flores? Nem de plástico.
Na casa do homem solteiro típico, a utilidade triunfa sobre a estética. O
cúmulo do utilitarismo. Sofá da tia-avó vira cama, como diz a minha amiga D.,
co-autora dessa crônica. A cama vira sofá, a rede vira sofá e cobertor, o
cobertor vira cortina preso à persiana...
A falta de cortina é outra marca registrada do desmantelo do cavaleiro
solitário. Quando muito, papel-filme.
Abajur? De jeito maneira. Tosco no último, ele não tem cultura de luz
indireta, nem nunca terá, esqueça.
Outro traço de personalidade do macho solteiro: tudo que chega até a
cozinha vira tupperware _aquelas embalagens plásticas de lasanha comprada
pronta, caixinha de entrega de comida chinesa ou japonesa, potes de sorvete...
Melhor assim do que as frescuras do ex da minha amiga D., a mesma
rapariga acima citada. Ela entrou na casa dele e logo ouviu a advertência, em
altos brados: “Não pisa de salto no meu carpete de madeira!”
“Nooooosssssa!,” arreganharia a bocarra o velho Costinha, se vivo
fosse. Vilgi, oxeeeeeee, vôte, eita!

DESCIDA AOS SUBTERRÂNEOS DE BABEL

As separações nos levam vinis e livros e isso é lindo, de alguma forma ficamos
lá sob agulhas que nos tocam como boleros e sob os olhos da ex que nos lerá
nas suas entrelinhas; os amigos não nos devolvem nossos livros, e isso é
melhor ainda, pois os amigos são para toda a vida, os amigos podem levar
nossa estante inteira, é bom que os livros andem, passeiem, se desmanchem,
copulem com outros volumes, sintam o gozo masoquista com outras traças
desconhecidas; igualmente lindo é quando reencontramos esses coisos que já
passaram pelos nossos sentidos e olhos; parecem mulheres ou grandes
amigos que não vemos há tempos, que bom, me dá um beijo, como vai você, a
vida tem lhe tratado bem, o que tem feito?

Numa visita que fiz ontem aos subterrâneos de babel, tive um alumbramento
desses atrás do outro; logo de cara dei com “Prosa do Observatório”, Cortázar,
e dele mesmo, mais adiante, amassei, como quem amassa uma antiga
namorada, “Orientação dos Gatos”... E haja aqueles livrinhos da coleção
“Cantadas Literárias”, sabe “Porcos com Asas”, aquela delícia de putaria e
política? Da mesma Brasiliense, que nos alumbrou tanto nos 80, catei com
gosto “Mulheres”, do velho Bukovski, enquanto “Luna Caliente”, do Mempo
Giardinelli, da Olho da Rua/LPM, já dançava nas minhas lentes verdes...

Que lindo estrago, um gozo atrás do outro, paudurescência livresca da porra, e


nessa pisada “Os Subterrâneos” do caminhante Kerouac, Boris Vian vem
simbora, Lobo Antunes!, que classe, “Lua na Sarjeta”, vixe, “Patuléia”, afe!, e
até Tchinguiz Aitmátov, com sua “a mais bela história de amor do mundo”
_Louis Aragon foi quem disse... “A Ilha no Espaço” de Osman Lins, O Buda de
Borges e Cesário Verde aos montes... Carpentier, Carpentier, Carpentier como
aeróbica para o meu pobre corpinho barroco... e R. L. Stevenson só pra
lembrar que continuo bem moço.

[aviso aos caminhantes: os subterrâneos de babel, ou Galeria dos Livros, é o


sebo que fica ali na passagem da Consolação, na frente do Belas Artes, sob os
cuidados de Silas e Adriano, mestres do ramo]

COM VOCÊS, ANTÔNIO MARIA

Ciúme, o inferno do amor possessivo, como naquele filme francês.


Ciúmes, ciúmes de você, como na lírica do Rei Roberto.
Já vi de quase tudo em matéria de barraco. Vi, vivi, e confesso que bebi
e quebrei, controles remotos, óculos no teto, como um castigo imposto pelos
deuses gregos... ceguei-me, celular na parede, sapatos aos mares, Iemanjá,
por favor devolva-me, em dobro, novos passos, outros rumos, maresia, amém.
“Tenho ciúmes até... da roupa que tu vestes”, como na canção das
antigas.
Mas, distintas damas & cavalheiros, nunca tinha visto nada comparável
ao ciúme do nosso Maria, Antônio Maria, pernambucano, narrador de futebol,
melhor cronista brasileiro sobre o amor de todos os tempos.
Da turma rara dos passionais MC _Mestre de Cerimônias do amor de
muito, do amor demais.
Rubem Braga era grande, mas perdia tempos com sabiás, Maria não, ia
direto às duas coisas que interessam na curta existência: a boemia e as
mulheres.
Nem se compara: Maria melhor que Braga, mesmo sem querer entrar
nessas ondas.
Maria morreu disso.
De tanto amar.
Tinha ciúmes até da televisão, como conta “Quase tudo”, o livro de
Danuza.
Achava que os atores estavam a flertá-la. Tinha ciúmes dele mesmo, da
própria sombra rechonchuda, mais de 100 kg de sentimentalismo, lirismo a
correr nas veias carregadas de álcool, possessividade e colesterol.
Ah, as dores do mundo, romances russos.
E o velho Maria morreu de quê?
Do coração, claro, pouco mais de quarent´anos. E digo mais: ninguém
morre do coração por problemas congênitos ou falta de regulamentos, como
chegaram a dizer à época.
Só o amor de verdade mata um homem forte como aquele. Gordura e
estrago nunca mataram ninguém nessa vida, o mais são frios, discutíveis e
garranchosos diagnósticos médicos.
Aos bares, pois, beber e cantar a canção de Antônio Maria: "Ninguém
me ama/ ninguém me quer/ ninguém me chama de Baudelaire..."

A GENTE SE VÊ... HAHAHAHAHAHAHA

“A gente se vê.” Pronto, phodeu, eis a senha para o nunca mais, o


“never more” do corvo do tio Edgar A. Poe.
A gente se vê. Corta para uma multidão no viaduto do Chá.
A gente se vê. Corta para uma saída de estádio lotado em dia de
decisão do campeonato.
A gente se vê. Corta para “onde está Wally”.
Nada mais detestável de ouvir do que essa maldita frase. Logo depois a
porta bate e nem por milagre.
Jovens mancebos, evitem essa sentença mais sem graça. Raparigas em
flor, esqueçam, esqueçam.
Melhor dizer logo que vai comprar cigarro, o velho king size filtro do
abandono. Melhor dizer que vai pra nunca mais. Melhor o silêncio, o telefone
na caixa postal, o telefone desligado, o desprezo propriamente dito, o desprezo
on the rock´s, o adeus de rodoviária, que é o adeus mais demorado.
A gente se vê uma ova, uma porra. Seja homem, troque de palavras,
use o código do bom-tom e da decência. A gente se vê é a mãe, ora, ora.
Como canta o Rei, use a inteligência uma vez só.
Esse “a gente se vê” deveria ser proibido por lei. Constar nos artigos
constitucionais, ser crime inafiançável no Código Penal.
A gente se vê é pior do que a gente se esbarra por ai. Pior do que deixar
ao acaso, que jamais abolirá a saudade, que vira uma questão de azar e sorte.
Melhor dizer logo “foi bom, meu bem, mas não te quero mais”. YO NO
TE QUIERO MAS, como na camiseta mexicana da Theodora. Dizer foi bom
meu bem e pronto, ficamos por aqui, assim é a vida, sempre mais para curta do
que longa-metragem.
A gente se vê é a bobeira-mor dos tempos do amor líquido e do sexo
sem compromisso. A gente se vê é a vovozinha, ora!
Seja homem, diga na lata.
Não engane a moça, que a nega é fino trato, que não merece desdém.
A fila anda, jogue limpo.
A gente se vê. Corta para uma multidão no show do U2. A gente se vê.
A gente se vê. Corta para a festa do Círio de Nazaré. A gente se vê. Corta para
a festa do Morro da Conceição. A gente se vê. Corta para o dia de Iemanjá em
Salvador. A gente se vê. Corta para o reveillon na praia de Copacabana.
A gente se vê. Então aproveita e vai olhar se eu estou naquela esquina
do Pacaembu, na saída do jogo de ontem do Corinthians, eita, e foda-se!
PELO DIREITO SAGRADO À BROCHADA

Gazelas insinuantes aproveitam as nuvens de testosterona que


encobrem a noite dos bares e distribuem folhetos contra a “disfunção erétil”
_pois é, nem mesmo a velha e humaníssima brochada escapou dos chatos
politicamente corretos. Uma piadinha bêbada aqui, uma cantada grosseira
acolá, e lá seguem as moças na pregação cívico-priápica. O panfletinho azul
nem toca no nome da pílula milagrosa. Nem carece.
Mal as fofoletes adentram o botequim e a nossa mesa, enfeitada por
um magote de cabra safado de Pernambuco e do Ceará, ataca de “Capim
Novo”, o clássico da disfunção erétil de todos os tempos: “Esse negócio de
dizer que droga nova/ muita gente diz que aprova/ mas a prática desmentiu...”
Nossa canção de protesto toma conta do ambiente. Um belo fuzuê. “O
doutor disse/ que o problema é psicológico/ não é nada fisiológico/ele até me
garantiu...”, emendamos. “Certo mesmo é o ditado do povo/ pra cavalo velho/ o
remédio é capim novo”. A música de Luiz Gonzaga e José Clementino toca
fogo na noite paulistana, longe, muito longe das fogueiras juninas, dos exus,
cratos, santanas dos cariris, juazeiros, salgueiros, florestas dos navios... minha
doce geografia afetiva.
Pianinho, pianinho, como dizia Benito de Paula. Silêncio no ambiente. Aí
começa um debate de altíssimo nível. Com participação das gazelas, dos
garçons, do tirador de chope... Este mal-diagramado que vos sopra o cangote
soltou uma tese na mesa, que teve seus contestadores, mas acabou vingando
de alguma forma: pelo direito sagrado à brochada _sim é com ch mesmo e não
com x. A demasiadamente humana brochada. Pelo direito de falhar, pelo direito
de ouvir um lindo “relaxa, querido, isso acontece...”
Tempos chatos estes da felicidade química a qualquer custo. Como diz
uma amiga curitibana, linda afilhada de Balzac, hoje em dia as mulheres não
sabem mesmo se são o motivo daquele sexo inspirado ou se tudo não passa
de mais um milagre da pílula. Acabou aquele suspense, hitchcockianismo do
amor, diante da possibilidade de um retumbante fracasso na cama. Acabou o
orgulho da moça em fazer funcionar algo aparentemente leso e morto.
Com as tais das drogas novas, o camarada é capaz de ficar excitado até
num velório. Morte de parente próximo. Qualquer coisa que se bula é motivo
para o assanhamento mais íntimo. Um desassossego dos diabos.
Esse paraíso artificial só faz sentido para os bons velhinhos. Ai
aplaudimos. As autoridades poderiam até distribuir umas drágeas por ocasião
do pagamento das aposentadorias. Seria o fim geral do fastio. Nada de “vovô
viu a uva”. Coisa das antigas. “Vovô viu o Viagra”. Esta sim seria a nova
aliteração didática das cartilhas infantis.
QUEM RESISTE A UMA CPI DO AMOR E DO SEXO???

Uma amiga entrou na caixa postal do correio eletrônico do marido.


Um desastre.
Entre cantadas e semi-cantadas ou apenas bobagens virtuais, entrou
em desespero, gritou, berrou, discutiu a relação por uma quinzena, e quase
acaba com aquela vida sob o mesmo teto até então reconhecida no seu grupo
de amizade como exemplar, ahhhh.
O marido tinha algum caso para valer? Não. Algum namorico mais a
sério? Nada. Havia transado com alguém e comentava que foi bom? Nécaras.
Tudo espuma flutuante e virtual, sem lastro de verdade.
Mas foi o bastante para uma baita crise.
Por estas e por outras é que não é nada recomendável quebrar o sigilo
postal do companheiro ou da fofolete que te aquece neste inverno...
Ora, quem, entre nós, resistiria a meia hora de quebra do sigilo amoroso
ou sexual?
Como na arrecadação de recursos para campanhas eleitorais, todo
mundo, até mesmo no mais escondido dos conventos de devotas beneditinas,
já teve o seu “caixa 2” do desejo. Em pensamentos, atos ou omissões.
Em telefonemas, emails ou declarações bêbadas.
Ninguém resiste a meia hora de quebra de sigilo. No amor, somos todos,
em alguma ocasião, corruptos. Em maior ou menor grau, todos damos nossas
“pisadas de bola”.
Menos naquela hora em que a paixão por alguém nos toma 100% do
cérebro e a febre amorosa é capaz de quebrar termômetro. Depois passa.
Nosso destino é pecar, como disse o pudico Nelson, padrinho espiritual
deste cronista. Por estas plagas, até a virtude prevarica.
Às sextas-feiras,então,já repararam como o cheiro de pecado toma
conta dos bares e é mais forte até do que o odor que vem dos ralos e bueiros?
Quem, entre nós, machos & fêmeas, resistiria a uma CPI do amor ou do
sexo?
Este cronista ficaria rico, na pele de um camelô de álibis. Ah, as lindas e
impagáveis fraquezas da carne.
As despesas com jantares à luz de vela denunciariam os amantes pelo
cartão de crédito ou no extrato para simples conferência. Os porteiros de
prédios e motéis seriam os mais perseguidos dos depoentes. Seria um inferno.
A melhor amiga ou o melhor amigo, estas instituições supostamente
vestais, também seriam convocados a depor. Na CPI do amor sobraria até para
o entregador de pizzas, que também sabe muito sobre os segredos de alcova.
Os repórteres investigativos, entonces, estariam fodidos, tanto roubam
na nota das firmas como no que dizem às minas.
Nosso destino é pecar, pois!!!
Assim como o das pedras é o de serem atiradas, o mais é capitalismo
selvagem e moralismo de terceira. Atire a primeira manchete aquele que nunca
roubou no amor ou na nota, seja um boy ou seja um magnata!
PELA DEVOLUÇÃO DO NOSSO 171 DO AMOR

Amigos machos, amigas fêmeas, amigos gays, amigas lésbicas, amigos


transexuais, operadas, amigos de todas os naipes e naturalezas... Sabem de
uma coisa que acho massa, o máximo, nos tais tempos que correm em la
carreteira da existência? A apropriação do discurso masculino por parte das
mulheres, já notaram? Não chega a ser propriamente um plágio, mas é uma
beleza, quase, quase!
E nos interessa sobretudo a enganação-mor, o clássico dos clássicos da
nossa principal desculpa. Aquela usada desde priscas eras, saca?
Então dois pontos para acochambrar os parafusos da memória: “Estou
confuso, não é culpa sua, você é ótima, mas acho que não vou lhe fazer bem
nesse momento, bla-bla-bla-bla”.
Haja enganação, nove horas, truque, fraude...
Já ouviram esse fragmento do discurso nada amoroso, né?
Pra completar: “Você merece algo melhor!!!”
Repito, era um clássico das desculpas dos machos. A nossa maior falta
de vergonha na cara. Agora, faz favor, bote um “o” no lugar do “a”.
Pronto.
Sim, agora ouvimos a mesma ladainha da boca das moças, o mal é o
que sai de onde menos esperamos, poxa!
Já faz tempo que essa desculpa _ “ESTOU CONFUSA...”_ só sai da
boca delas.
Não faz mal, quantas vezes não usamos do mesmo artifício, da mesma
falta de argumento, tá legal, eu aceito o fingimento...
Mas por favor, crias das nossas costelas, devolvam o meu caô, o meu
171, o meu agá, a minha enganação-mor, a minha forma de me livrar mais
fácil e, de preferência, de forma indolor.
Encanta-me o avanço das mulheres em todos os campos, só é
desnecessário o quase plágio dos nossos discursos. Vocês não carecem disso,
vocês são mais sofisticadas, lindas e labirínticas.
“Estou confusa...”
Isso era apenas coisa de macho frouxo, não de elegantes
mademoiselles. Tudo bem que vocês, belas raparigas, avancem em tudo, mas
não careciam furtar logo o pior dos nossos defeitos.
Somente nesta última semana, deparei-me com quatro amigos
sorumbáticos e macambúzios, perdidos pelos bares, buscando salvação no
divã dos garçons e no pileque. Todos vítimas do “eu estou confusa, não é culpa
sua... nhenhenhén etc”
Devolvam o nosso discurso picareta, façam-me favor!
Nosso 171 de volta!
Já!
Pronto, acabou!

NÃO TENTE INVENTAR NA PRIMEIRA NOITE

Existem várias maneiras de arruinar aquela grande noite. A noite dos sonhos, a
noite do meu bem, como canta Dolores Duran. Uma delas, além da ansiedade
que estala no corpo feito aqueles taxímetros dos fuscas das antigas, é tentar
reinventar a roda, digo, o sexo, como se fosse possível recriar o Kama Sutra.

Conselho de amigo, melhor, conselho de vítima. Não tente reinventar o Kama


Sutra nas primeiras noites. Ao contrário do que supunha a lindeza do lirismo de
Manuel Bandeira, as almas até podem se entender desde o primeiro flerte, os
corpos não.

Não tente reinventar o Kama Sutra nas primeiras noites... A dramaturgia da


cama não é para amadores. O sexo é uma coisa tão séria que só deveria ser
feito pelos devassos, pelos afilhados do Marquês de Sade. Não é qualquer
donzelo que resiste às firulas da alcova, a ginástica das pernas, à coreografia
dos braços e ao bate-coxa.

A verdadeira pornografia é a intimidade. Ai sim, quando neste nirvana,


Bandeira volta a ter razão: podemos até dispensar as almas, pois os corpos já
se entendem. Vale o verso, entonces: “Se queres sentir a felicidade de amar,
esquece a tua alma”.

Com esse sexo cheio de pernas e mil e um malabarismos, coisa de quem


assimilou das lições taradas da revista “Nova” ou do circo de Soleil, você pode
levar o seu parceiro a uma bela câimbra ou contusão mais séria. Coitado, ele
pode ter que fumar aquele cigarro pós-coito em uma clínica ortopédica ou em
um milagroso massagista japonês.

Se bem que outro dia, combalido pela falta de potássio e de um sexo mais
selvagem para a idade, tive um câimbra que fez o maior sucesso com uma
moça. A perna ficou dura, dei uma mexida lá meio sem querer, dor da porra, e
me consagrei. Afilhada do velho Marquês, a rapariga achou que se tratava do
mais nobre e desconhecido segredo de alcova.

DRAMA CASEIRO

Faxineira, diarista, empregada doméstica ou qualquer funcionária do lar


de um homem solteiro é sempre uma beleza. Um carinho, um zelo, botões
repostos nas camisas, roupa cheirosa, cama, mesa e banho, tudo no capricho.
Elas trabalham assoviando o sucesso da hora, o hit do rádio, apesar da vida
nada fácil. Aí basta o mancebo arrumar um xodó, um rolo, um cacho, uma
costela... para aquele humor desmanchar-se aos poucos.

As duas criaturas normalmente não se entendem, gênios difíceis. Quem


paga somos nós, porcos chauvinistas, que não teremos mais aqueles botões
repostos na camisa colorida _aquela mesma, caríssimo Paulinho da Viola, que
cobria a minha dor, na canção “Para um amor no Recife”.

Uma não repõe os botões por despeito e protesto contra a nova


inquilina; outra não zela por razões ideológicas, ora, não pode incentivar o
machismo.
Duas mulheres sob o mesmo teto, a menos que você seja um poderoso
sultão, é jogo duro. Seja sogra, diarista, tia, mãe, irmã... E quando as TPM´s
coincidem? Vixe, fica tudo tão difícil quanto atravessar o Mar Vermelho. E
quando não batem os signos?
O xodó tira um móvel de um canto, a diarista muda uma planta de
lugar...
A diarista esquece a teia de aranha, o xodó faz um apocalipse...
O xodó implica, a diarista começa a falar bem da sua ex, com quem
também fazia uma batalha sem trégua.
Até o fatídico dia do juízo final: “Ou ela ou eu!”.
As duas dizem quase em uníssono.
Pior é quando você, jovem mancebo, fica na dúvida.
Largar a zelosa funcionária de dez anos? Desgostar a costela que pode
te aquecer neste inverno?

DA NECESSIDADE DE UM GAY NA VIDA DE UM MACHO E MUITO MAIS


QUE ISSO, ACHO

Nada como um gay nas nossas pobres existências sobre a terra, essa
passagenzinha de nada, velho e bom Kardec.
Sim, um gay de verdade, com toda a sua riqueza de alma.
Agora falando sério: um gay é tudo em nossas vidas.
Duas ou três coisas que deveríamos saber mesmo sobre eles: toda
grande mulher tem um gay como principal e inseparável amigo; festa sem gay
não decola, não emplaca, não orna; o mundo sem estas alegres criaturas teria
muito menos delicadeza e graça.
Festa sem gay não tem liga, nossas mulheres sem eles não são as
mesmas...
São sentenças bíblicas. Deveriam constar de lei federal, nas tábuas de
Moisés, em todos os testamentos.
Você já viu uma festa sem gay animada? Também não.
A pista não pega fogo, as mulheres não têm com quem fuxicar sobre o
modelito da perua de vermelho... Seja forró, o velho e amado roque, música
eletrônica ou um sambinha esquema novo.
Seja em Nova York ou no Crato.
A mesma lição da festa perfeita vale para a amizade das nossas
gazelas. Mulher sem um amigo gay nos arredores não tem graça. Com um gay
como melhor amigo, ela fica mais inteligente, mais bem-humorada, mas
faceira, acerta a roupa que veste, pinta o cabelo pra sair da rotina, o diabo-a-
quatro.
E você, cabrón, enquanto a amada vai ver o filme-cabeça com a biba
amiga, ainda pode ficar em casa curtindo tranqüilamente aquele Santos x
Atlético/PR, aquele Fortaleza X São Paulo, aquele Figueirense X Palmeiras.
Ora, nada melhor para nos livrar daquele filme iraniano, paquistanês,
taiwanês, chinês...
Uma beleza, uma mão-na-roda essa união. Sem esquecer, claro, que
você, cabrón, também terá um grande amigo, normalmente brilhante, para
quebrar um pouco a rotina da testosterona à milanesa do boteco.
E você ainda pode aquendá-lo, vez por outra, com uma graça do tipo
“rapaz, amigo gay para mim é homem...”

FRAGMENTOS DE UM BARRACO AMOROSO

Sim, homem é frouxo, só usa vírgula, no máximo um ponto e virgula;


jamais um ponto final.
Sim, o amor acaba, como sentenciou a mais bela das crônicas de Paulo
Mendes Campos: “Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova,
depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos
parques de ouro onde começou a pulsar...”
Acaba, mas só as mulheres têm a coragem de pingar o ponto da caneta-
tinteiro do amor. E pronto. Às vezes com três exclamações, como nas
manchetes sangrentas de antigamente, SANGUE, SANGUE, SANGUE!!!
Sem reticências...
Mesmo, em algumas ocasiões, contra a vontade. Sábias, sabem que
não faz sentido prorrogação, os pênaltis, deixar o destino decidir na morte
súbita.
O homem até cria motivos a mais para que a mulher diga basta, chega,
é o fim!!!
O macho pode até sair para comprar cigarro na esquina e nunca mais
voltar. E sair por ai dando baforadas aflitas no king-size do abandono, no
Continental sem filtro da covardia e do desamor.
Mulher se acaba, mas diz na lata, sem metáforas.
Melhor mesmo para os dois lados, é que haja o maior barraco. Um
quebra-quebra miserável, celular contra a parede, controle remoto no teto,
óculos na maré, acusações mútuas, o diabo-a-quatro.
O amor, se é amor, não se acaba de forma civilizada.
Nem no Crato...nem na Suécia.
Se ama de verdade, nem o mais frio dos esquimós consegue escrever o
“the end” sem uma quebradeira monstruosa.
Fim de amor sem baixarias é o atestado, com reconhecimento de firma e
carimbo do cartório, de que o amor ali não mais estava.
O mais frio, o mais “cool” dos ingleses estrebucha e fura o disco dos
Smiths, I Am Human, sim, demasiadamente humano esse barraco sem fim.
O que não pode é sair por ai assobiando, camisa aberta, relax, chutando
as tampinhas da indiferença para dentro dos bueiros das calçadas e do tempo.
O fim do amor exige uma viuvez, um luto, não pode simplesmente pular
o muro do reino da Carençolândia para exilar-se, com mala e cuia, com a
primeira criatura ou com o primeiro traste que aparece pela frente.
E vamos ficando por aqui, pois já derrapei na curva da auto-ajuda como
uma Kombi velha na Serra do Mar... e já já descambarei, eu me conheço, para
o mundo picareta de Paulo Coelho. Vade retro.
INDECÊNCIAS NADA MAIS

Ai vem você e diz assim: não vem mais com aquelas coisas,
provocações, sexo, sabe, nossas perversidades de sempre, te peço,
encarecidamente, duas vias, papel caborno da burocracia da
existência, carimbo, guichês, filas que andam, como se a quentura dos
seres assim esfriasse, como se tomássemos o antitérmico do amor e
da lenha das nossas sortes; aí donde eu: oxi, foste tu que começaste
nas todas vezes últimas; eu sei, mas só te aviso, sabe; não; que
sentido fazes?; e se ele soubesse daquele beijo na boca?, na frente do
povo?, te daria um murro; ah, não se bate num homem de óculos em
seus domínios; e foi na boca mas só raspou o gloss, nada de garganta
profunda; lábios que eu beijei, né questão de posse, só merecimento
por antiguidade, serviços prestados, usucapião do teu coração que por
mim, só por vício, nem mais por amor, ou agora é que será, ainda bate.

O CHOVE-NÃO-MOLHA DOS AMORES LÍQUIDOS


É namoro ou amizade? Rolo, cacho, ensaio de amor, romance ou pura
clandestinidade?
“Qualé, rapá?!”, indaga a nobre gazela. E o homem do tempo nem chove
nem molha. Só no mormaço, só na leseira das nuvens esparsas.
No tempo do amor líquido, para lembrar o título do ótimo livro de
Zygmunt Bauman sobre a fragilidade dos encontros amorosos, é difícil saber
quando é namoro ou apenas um lero-lero, vida noves fora zero...
Cada vez mais raro o pedido formal de enlace, aquele velho clássico:
“Você me aceita em namoro”?
Suspense, velho Alfred!
O amor e as suas malasartes.
O amor será sempre dirigido por Hitchcock.
“Quer namorar comigo?”
No tempo do “ficar”, quase nada fica, nem o amor daquela rima antiga.
Alguns sinais, porém, continuam valendo e dizem muito. O ato das
mãozinhas dadas no cinema, por exemplo, ainda é o maior dos indícios.
Mais do que um bouquet de flores, mais do que uma carta ou um email
de intenções, mais do que uma cantada nervosa, mais do que o restaurante
japonês, mais do que um amasso no carro, mais do que um beijo com jeito,
daqueles que tiram o gloss e a força dos membros inferiores.
Mais até do que um jantar à luz de velas, que pode guardar apenas um
desejo de sexo dos dons Juans que jogam o jogo jogado e marketeiro.
O cinema, além da maior diversão, como diziam os cartazes de
Severiano Ribeiro, é a maior bandeira.
Nada mais simbólico e romântico.
Os dedos dos dois se encontrando no fundo do saco das últimas
pipocas...
Não carecem uma só palavra, ainda não têm assuntos de sobra.
Salve o silêncio no cinema, que evita revelações e precoces besteiras.
Ah, os silêncios iniciais, que acabam voltando depois, mas voltando sem
graça, surdo e mudo, eterno retorno de Jedi. Nada mais os unia do que o
silêncio, escreveu mais ou menos assim, com mais talento, claro, Murilo
Mendes, outro monstro entre os nossos líricos.
Palavras, palavras,palavras...
Silêncio, Silêncio, silêncio...
Dessas duas argamassas fatais o amor é feito e o amor é desfeito.
Simples como sístole e diástole de um coração que ainda bate.

PELA VOLTA DAS DENTUCINHAS

Denúncia: estão acabando com as dentuncinhas. Essa moda de tudo quanto


é arame e aparelho nos dentes não passa mais nunca. E agora não é mais
artigo de luxo para crianças e adolescentes de classe média. Empestou de vez
o país.

Tem criatura que mal possui dentes e já pendura lá os ferrinhos.

Propaganda eleitoral gratuita urgente: estão acabando com o charme das


dentucinhas. Toda sala de aula tinha sua dentucinha, toda repartição, toda rua,
todo clube, todo cabaré, toda casa de tolerância que se prezasse...

Esses milagres da ortodentia limaram uma espécie mais do que graciosa.


Exceto a reposição hormonal, ventilador em cápsula capaz de atenuar a
quentura senegalesa da menopausa, esses avanços da modernidade não
caem bem para as moças.

Já já eliminam de vez o charme das estrias, e todas as mulheres ficam


iguais, bundas iguais, peitos do mesmo tamanho, lábios de branquinhas com
recheios artificiais para imitar a lindeza da mestiçagem...

Falar em estria -agora que já aprendi a diferenciá-la de celulite-, como se


constitui num tesão, numa fissura à parte, aquelas listrinhas. Talvez eu tenha
herdado esse gosto da pornochanchada nacional, do tempo em que as
mulheres gostosas eram demasiadamente humanas e fartas. Como Sônia
Braga a ser encoxada no lotação, a ceder gostoso no capinzal dos arrabaldes.

Mas o que está em jogo agora, companheiros, é o fim das dentucinhas. Uma
lástima, uma tragédia da anatomia brazuca. Vocês lembram como eram
especiais os beijos das dentucinhas? E os dengos orais das dentucinhas?
Triste correção. Isso é o que chamávamos antigamente de um tremendo crime
vulgar.
SOBRE A ASMA AMOROSA

Não há mais dúvidas: quanto mais beira o verossímil, com gritos lancinantes na
noite, como assimilamos do cinema, mais fingido é o tal do orgasmo. Nunca é
condizente com a nossa performance e suor. Os melhores e mais
recompensadores orgasmos guardam o bom preceito da educação dos
gemidos.

Por mais megalomaníaco que seja Vossa Senhoria, recomendo que não
acredite naquelas algazarras, feiras amorosas, sacolões do sexo, capazes de
fazer os vizinhos pularem da cama só de inveja. Aquela gritaria toda, meu caro,
só vale para provocar um problema dos mais graves. Deixará o casal que mora
do outro lado da parede em pé de guerra, uma vez que a mulher, atenta à lição
de gozo comparado, vai exigir mais, muito mais, mais e mais, e mais um
pouquinho ainda, do seu colega de prédio ou de rua. E o pior é que os gritos
lancinantes só costumam ocorrer quando o gozo não passa de teatro, puro
teatro, falsidade ensaiada, estudiado simulacro, como canta a deusa La Lupe.

O gozo desesperado costuma ter origens variadas (falar nisso, por que
ninguém cita mais W. Reich, meu ídolo da lira dos 20 anos?!).

O gozo desesperado, retomemos, costuma ser resultado de algum curso mais


digerido de teatro amador, formação em escola com viés jesuítica, leitura
errada dos Actors Stúdio, dietas à base de alcachofra, audiências tardias das
onomatopéias do Led Zeppelin ou falta de homem propriamente dita.

As melhores gazelas educam cedo os gemidos. Em vez de gritos que parecem


mais apropriados para momentos de sequestro-relâmpago, a boa moça
sussurra e balbucia safadezas no cangote do amado. Mais vale um dos 3.000
verbetes catalogados no Dicionário do Palavrão, do mestre pernambucano
Mário Souto Maior, do que os decibéis selvagens dignos de uma boa multa do
programa Psiu!, a campanha oficial contra o barulho na cidade de SP. As
melhores não se desesperam. Já imaginou Ava Gardner em desespero? Nem
com Frank Sinatra, a quem enlouqueceu todos os sentidos. E não me venha
dizer que isso seja frigidez, frescura ou algo da linha.

Uma coisa é a gritaria, quase um SOS, incêndio do Joelma ou sinistro urbano


do gênero. Outra é a gemedeira gostosa, fungada sentida, fogo nas entranhas,
calor na bacurinha, quase um decassílabo a cada descida, lirismo sem fôlego,
asma do amor.
TEORIA DO CAFA

O cafajeste ou é um doce cafajeste, um cafajeste lírico, poético, romântico,


decente... Ou é muito risível. Não há outra saída para este animal. Ou tem a
manha ou torna-se caricato na primeira piscadela.

Ou é Paulo Cesar Pereio ou apenas um ensaio de Didi Mocó Sonrisal. Didi é


gênio, ora, mas é macaco de outro galho. O cafajeste amador é uma piada.
Quer traçar todas e a nenhuma se devota. Blefe. Não sabe, nem nunca
procurou saber, que no amor e no sexo, não existe mensalão nem milagre.

O cafa poético não é nada óbvio. Sabe, inclusive, que nem só de gostosas vive
o homem. É capaz de devotar-se àquela mulher que ninguém dá nada por ela.
E de repente descobre que trata-se de um sexo sem precedentes, um vulcão
nunca dantes despertado para as artes da alcova.

O cafa amador parece vestir-se sob encomenda de uma figurinista. Camisa


aberta, corrente, falsa malandragem, cafuçu de araque, essas coisas. E
sempre um pé no metrossexualismo ou na tendência. No cafa romântico
qualquer peça lhe cai bem, pois a ciência da sua pegada está no olho e no
drinque caubói, claro.

O doce cafajeste entra no saloon e não atira para todo lado. Não gasta balas à
toa. Sempre escolhe um alvo. O caricato e amador gasta as balas do colt até
com as mulheres dos amigos, embora não tenha arma para matar sequer uma
formiga.
O falso cafa é só “garganta”. Transando ou não transando,diz que transou, e
espalha a lenda urbana. Seu caminhãozinho não perde a viagem... Mas areia
que é bom de verdade... O cafajeste romântico é discreto.

Acredita sobretudo, e caso a caso, na arte da conquista, na devoção pura e


simples. Nem que seja por uma noite apenas e nada mais. Diante dele, toda
mulher se sente uma deusa, uma Vênus. O canalha amador faz falsas
promessas. O cafa romântico, predador evoluído, sabe que a fêmea moderna
pode muito bem estar querendo _estarei gozando, como diria uma profissional
gerúndica do telemarketing!!!_ apenas sexo.

O cafa caricato se acha. O doce cafa sabe que hoje está por cima e amanhã
pode muito bem estar por baixo _mas que seja, pelo menos, de uma bela
moça, claro.
No catecismo do cafa romântico, não há nojinhos nem proibições. O amador é
asséptico e limpinho.

O cafa sexy, senhores, se pudesse, voltava para o útero por dentro da mulher
mais linda da cidade, como na crônica do amor louco do velho safado Charles
Bukowsky.
O amador se contenta, muitas vezes, com um sexozinho virtual no Messenger.
Sem cheiros, sem odores, nada visceral. Ele ainda não sabe, como soprou aqui
mil vezes o passarinho Kac, que para curar um amor platônico é preciso uma
bela trepada homérica.
DA DEVASSIDÃO COMO POLÍTICA DA FÊMEA... [REPUBLICADO A
PEDIDOS]

a purificação de uma mulher só é possível na medida em que ela resolve


ser uma devassa, como entre o povo tártaro;
devassa no sentido de não temer o despudor nem a língua salivante da
inveja;
devassa como política libertária; como entre os negros do Rio Gabão e
da Costa da Pimenta, que entregavam suas mulheres aos próprios filhos, a
melhor das bênçãos;
como no reino de Judá;
só a lascívia embeleza uma fêmea;
só mesmo os povos embrutecidos pela superstição, reza o marquês,
pode acreditar no contrário;
e acreditar no contrário é ir contra a nossa própria natureza.

DA GENEROSIDADE DO MARIDO COMPLACENTE

A grandeza de ofertar a sua mulher a outrem, como destemida prova de


amor e hedonismo, e vê-la gozar lindamente, num recreio perverso dos
deuses; mas não se trata, velha classe média, da diversão careta, como nas
medíocres & mercenárias casas de swing. [Do "Catecismo de Devoções,
Intimidades & Pornografias", publicado pela Editora do Bispo]

VOU ME ENTORPERCER BEBENDO VINHO, VELHO WANDER

Tava aqui batucando o “Jornal da Morte”, um romance à


queima-roupa, meio jornalismo lítero-qualquer-coisa, literatura de
oportunidade, pulp-fiction de verdade, cujo título é do samba-sangue-
sangue-sangue cantado por Roberto Silva & Nação Zumbi... Tava aqui
batucando e eis que acabou o combustível, frio da porra, desci para
comprar vinhos argentinos, media noche, a R$ 10, 12, 13, 14,90 se
muito, e vinhos ótimos, a menos que você seja um escroto que cheira a
rolha, um escroto feito o Renato Machado...
Mas ao descer do prédio-vilazinha aqui da Fernando de
Albuquerque quase cá Augusta...
Sempre um perigo nos ronda.
O perigo da hora não é o PCC, nem a escrota da polícia...
A da vez parece a de 2.046, Os Segredos do Amor de Wong
Kar-wai, aliás... parece mais aquela dos vestidos do alfaiate mãos-de-
tesouras estilosas, platonismo seda javanesa da porra, do curta que
encaixado em “Eros”, sabe?
Uma puta quase à minha janela com os vestidos mais lindos do
universo. Sim, duas ou três coisas me interessam: pés-sujos, álcool e
estilo.
Sempre trato mui bem minha vizinhança, oi, como vai, que tal,
que passa, buenas noche, conheço as putas, pago cerveja para alguns
ladrões, do jogo, bem sabes.
Mas aquela mulher, com aquele vestido...
Voltei com o meu carregamento novo de vinho, ela estava ainda
mais linda, a mais linda da cidade, como pode?, o Iboti quase às
moscas, ela pisando a fria passarela da existência...
Aqui em casa, ela fez o Fashion-Week de verdade, Fashion-
Week de cu é rola, estilo é outra coisa, estilo é Hemingway e amor
gostoso e delicado e para siempre, o amor de muito, o amor que te
espera com a elegância das calçadas!

PLONGÉ, CONTRA-PLONGÉ, O NOSSO CINEMA DO AMOR

Nada como aquela olhadinha que ela dá quando lá embaixo.

Ainda e pra sempre, da série “detalhes tão pequenos de nós dois”. A


vida se resume a observar, microscópio de eros, rei Roberto e velho Nelson, a
mulher e o seu drama.

Nada como aquela olhadela, sobrancelhas assanhadas, mirando lá de


nossos países baixos cá para cima do nosso cocuruto alumbrado.

Tão lindamente sacana, ah, que nega a minha nega, derreto-me como
manteiga!

Ela quer saber se estou gostando, claro que estou mortinho ali no pré-
gozo. Tem um orgulho, “vê como faço bem feito e com gosto”, ali naquela
olhadinha plongé, contra-plongé, depende de quem vê...

Como eu gosto, ela diz, posso?


Aperto com força os seus cabelos, resvalando numa fração de segundo
para um carinho no rosto, lado esquerdo, com o lado B da mão e dedos,
quiromancia e mistérios.

Ela desce lá naquele cantinho fronteiriço, desenha a história do olho com


riscos da língua em círculos, lambe a última costura da minha pobre existência,
nirvaniza-me, petite mort, e assina nossos batismos lindos com lambidas
góticas, assim como quem escreve inocentemente na areia, coraçãozinho
flechado, e o nome de quem aposta, como se o amor fosse um jogo do bicho.

Não resisto a olhadinha lá de baixo, vem cá, estou longe e perto, meu
amor, tudo em volta está deserto, tudo certo, como na canção do 2 e 2 são
cinco. Como nosso universo é tão perfeito aqui na cama, só na cama, lá
embaixo, na cama zen, japão do amor, horizontalizo-me, para sempre, viro
réptil, nunca mais me levanto, nunca mais me levanto e ando, odeio meus
Lázaros internos, agora eu quero mais é nadar no seco, melhor jeito de
navegar aos teus pés, e de vez em quando, quer saber?, afundo as mãos nos
arrecifes e te dou um peixinho, como aquele do conto de Virgílio Piñera, que
aprisiono nas profundezas sujas das nossas existências.

TRILOGIA SUJA DE SAMPA, MERCEARIA & F # 4 NA ÁREA


Haja lama e lua na sarjeta. Uma superquarta lítero-boêmia-humorística em SP.
Preparem fígados e almas.

Hoje tem o lançamento da revista Mercearia, uma publicação de luxo da


Mercearia São Pedro, a já tradicional sede da ABLB, Academia Brasileira das
Letras Bêbadas. Fino um boteco com uma puta revista, né, mecenas
Marquinhos? No primeiro número, só monstros da escrita e do traço, como
Sérgio Sant´Anna, Joca Reiners Terron, Marcelino Freire, André Kitagawa,
Soninha, Torrero, Juvenal Ramos, João Gabriel, Ivana Arruda Leite, Keops
Ferraz, João Cabral de Melo Neto, André Sant´Anna, Helder Santos e este
perna-de-pau que vos fala. A tertúlia lançamentística começa às 20h, na
Rodésia, 34, Vila Madalena.

Enquanto isso, pertíssimo dali, e logo às 19h, no glorioso bar futebolístico São
Cristóvão [Aspicuelta, 533, na mesma citada VIla], Allan Sieber bota em vossas
mãos a F # 4, agora publicada pela Conrad. Tem uma entrevista foda com
Fausto Wolf e desenhos do próprio Sieber, Leo, Fabio Zimbres, Rafael Sica,
Langer (sim, tem argentino na F) e a inimitável lenda urbana Schiavon!

Mais tarde um pouquito, ali das 22h por diante, na mesma Vila Madalena,
Clarah Averbuck, Alex Antunes e este escriba que vos sopra a nuca
apresentam a sensacional Trilogia Suja de Sampa. Não,não é sarau. É
prosódia beat contemporânea, free style, jazz de letra, enfim, lama falada e
nado sincronizado no seco. É festa. Tem o próprio Alex e Alessandro Psycho
nas picapes. Adonde essa zona toda? No Studio SP, puta lugar bacana – r.
Inácio Pereira da Rocha, 170.
Nos vemos logo mais nesse verdadeiro Triângulo das Bermudas de atrações e
cachaça. Vou de vermelho e branco. Pra quem não me conhece, serei aquele
mal-diagramado abraçado a uma linda garrafa de Germana!

QUANDO AS MULHERES ACORDAM

Impagável uma mulher quando acorda. Nada mais lindo e misterioso do que
uma mulher acordando. Do que uma mulher antes das 10 da manhã, como
uma vez vi umas fotos num livro de arte inglês, pelo que me lembro ou sonho.
Uma mulher e suas verdades nos olhinhos que se espantam com o mundo
como uma criatura que acaba de sair do útero, o maior dos sustos, o maior dos
assombros da existência.

Umas têm um mau humor tremendo, meu Deus, te deixam acuado,são


capazes de te xingar, espezinhar, te maldizer, para depois te amar ainda mais,
meu rapaz.

Outras acordam paranóicas com os cabelos, tenham caracóis, segredos, ou


sejam lisos, loiros ou negros. Ainda mais se for no começo do amor, do caso,
do namoro, do ensaio de qualquer ajuntamento. Estas nos deixam na cama e
correm para o espelho. Tudo por uma rápida conferência de Narciso. Se acham
que estão “horríveis”, naquele jeito, como naquele hiperbólico julgamento, dote
tão feminino, te abandonam por horas no banheiro... E voltam as mais lindas
desse mundo.

Existem aquelas que não estão nem ai, estas são raras, acordam e te
presenteiam com aquele sorriso, como se tivessem sonhado com a
possibilidade do nirvana ao teu lado, cria da tua costela, como canta o outro
Chico, uma beleza essa menina!

Os mistérios de uma mulher quando acorda são muitos.

Umas simplesmente silenciam, no máximo um monossílabo, isso quando são,


por alguma razão, indagadas. Elas têm dúvidas, ainda não sabem se amam ou
não amam, elas ainda guardam velhas heranças amorosas,nódoas nos lençóis
e na blusa, tudo bem, amigo Vonnegut, coisas da vida.

Algumas acordam assustadas, como se dissessem, “que besteira eu fiz, nunca


mais eu bebo”, meu Deus.

Outros te mandam embora antes da aurora, para dormir o sono dos justos, leve
como a pena do ganso no travesseiro, o sono que livra de pesos na
consciência e possíveis laços imediatos. Certíssimas, essas moças, sábias
moças.

Adoráveis aquelas que mantêm a posição de “conchinha”, embora os motores


da cidade já ronquem, apesar de todos os despertadores, todos os celulares.
Ests são plácidas, jamais submissas.
Existem aquelas que acordam e põem logo uma música, uma música de
acordo com o clima. Se tem sol, rock´n´roll, se faz frio, jazz, algo cool... Se o
dia está cinza, toca aquela, que diz assim, como não quer nada, uma porrada,
“ah insensatez, que você fez, coração mais sem cuidado...”

Nada mais lindo e misterioso do que uma mulher acordando, seus gestos, a
dramaturgia, o arranque para a vida ou a inércia nos teus braços.

Os barulhos de uma mulher acordando, a música dos ossos se espreguiçando,


os gerúndios tantos das ações e silêncios, o chuveiro ao longe a nos dizer
tantos desejos e coisas, meu Deus, aquela água já escorre linda e faz pocinhas
líricas nas saboneteiras...

Quantas dúvidas e quantas certezas acordam juntas quando uma mulher


acorda.

COMO SE ESCREVESSE UMA CARTA DE AMOR EM UM EDIFÍCIO EM


CHAMAS

Primeiro exercício:

... como na lição do velho Jota Cheever, amigo platônico incrível, mas
sem exercícios de estilo [ou perobices de gênio], ora, caray, aqui vale a
cremação e os degraus do desespero, aqui vale a escada inútil, aqui vale o
fogo nas vestais, nas vagabas e na mulher-abismo, como se escrevesse com
sangue e gasolina o próprio incêndio, e ainda sobrasse fogo para o isqueiro do
idílio, o último cigarro, o último gole, o último suspiro de Caryl Chessman, como
se escrevesse uma carta de amor expressionista, depois daquela festa, uma
missiva certeira, como um tiro de marido traído, uma escrita-réptil, sem deixar
rabos, uma carta ridícula, brega, como todas as outras, selada ao cuspe da
derradeira punheta, a carta ali, no lambuzo da existência, longe do alcance da
maldita, na febre do rato, na peste bubônica, na urgência de quem extrai uma
bala, alojada no osso de um crânio cuidado frágil.

TRILOGIA SUJA DE SAMPA, PARTE II

Hoje, quarta-feira, 14, pós-ressaca patriótica e pré-feriadon, rola a segunda


parte da sensacional e inimitável Trilogia Suja de Sampa. Das 22h até beber a
luja na sarjeta. Clarah Averbuck, Alex Antunes e este escriba que vos sopra a
nuca comandam o espetáculo mais enlameado da cidade. Atenção senhores
bardos e senhoritas musas: não,não é sarau. É prosódia beat contemporânea,
free style, jazz de letra, enfim, lama falada e nado sincronizado no seco. É
festa. E hoje o tema é quente: Drogas & Criação. O convidado especial da
noche é Alexandre Matias, grande hombre do ramo. Na
discotecagem, Alessandro Psycho e Matias, o próprio. Adonde? No Studio SP,
um lugar do caralho, como cantaria meu amigo Wander. Fica ali na r. Inácio
Pereira da Rocha, 170, vida madalena, pois pois. Todos lá e dá-me viño que a
vida é nada.
PELA VOLTA DA CARTA DE AMOR

A carta escrita à mão, com local de origem, data, saudações, motivos,


despeço-me por aqui, papel pautado, pelos Correios, portadores ou menino de
recados. A carta, como canta o rei Roberto, escreva uma carta de amor, e diga
alguma coisa por favor.

Pela volta da carta de amor.

Chega de emails lacônicos e apressados. Debruce a munheca sobre o papiro e


faça da tinta da caneta o seu próprio sangue.

Não temas a breguice, o romantismo, como já disse o velho Pessoa, travestido


de Álvaro de Campos, todas cartas de amor são ridículas, e não seriam de
amor se ridículas não fossem.

A carta, mesmo com todas as modernidades e invencionices, ainda é o melhor


veículo para declarar-se, comunicar afinidades e iniciar um feitio de orações.

O que você está esperando, vá ali na esquina, compre um belo papel e


envelopes, e se devote. Se tiver alguma rusga, peça perdão por escrito, pois
perdão por escrito vale como documento de cartório.

Se o namoro ainda não tiver começado, largue a mão dessas cantadas baratas
e internéticas e atire a garrafa aos mares. Uma boa carta de amor é irresistível.
Mas não vale copiar aqueles modelos que vêm nos livros. Sele o envelope com
a língua, como nas antigas, lamba os selos, esse pré-beijo dos lábios da futura
amada.

De novo Pessoa, para encorajá-los mais ainda: “As cartas de amor, se há


amor, têm de ser ridículas”.
Às moças é consentido, além dos floreios e da caligrafia mais arrumadinha, a
reprodução de um beijo, com batom bem vermelho, ao final, perto da
assinatura.

Uma carta, até mesmo de amizade, deixa a gente comovido, como a que
recebi outro dia de Fábio Victor, escriba e amigo do Recife que habita a velha e
fria Londres.

Que os amigos,e não apenas os amantes, se correspondam, fazendo dos


envelopes no fundo do baú as suas histórias de vida.

Pela volta da carta, que já é por si só uma maneira devota, um tempo que se
tira, sem pressa, para dedicar-se a quem se gosta. Pela volta da carta, pois o
que se diz numa carta é de outra natureza, é o bem-querer em tom solene.

O que você está esperando, meu amigo, minha amiga, largue esse cronista de
lado e debruce-se sobre a escrivaninha. Uma mesa de bar ou de um café
também são bons lugares para assentar as suas mal-traçadas linhas.
Um namoro, romance ou cacho somente à base de emails não se sustenta,
mais parece uma troca de ofícios, “venho por meio desta”, uma troca de
protocolos, mensagens comerciais. Um amor sem uma troca de cartas, nem
que seja bem rápida, ainda não é amor... O que você está esperando? Vamos
lá, cabrón, adelante chica, papel, tinta e derramamento, faz favor!

DAS MULHERES ARTISTAS E DAS MULHERES "NORMAIS"

Do amor e das tantas malasartes a sabotá-lo. Seja uma atriz do mundo


Antunes ou Zé Celso, uma DJ pós-tudo, uma escritora industrial, uma chef que
se acha a própria artista da fome, uma tradutora do grego, a moça do cinema-
cabeça, a mina do canto lírico ou uma musa residente do botequim predileto...
As mulheres possíveis e os seus ensaios de amor. Aquelas que
enfeitiçam, assanham... e nos deixam a chupar, alta madrugada, o frio
chicabon da solidão. Melhor amar uma mulher normal, uma honesta
enfermeira, como aquela, jamais entregue às artes, e que ainda salva vidas.
Ou aquela bióloga que estuda as propriedades antiofídicas da Mata Atlântica.
Ah, uma balconista, suburbanos corações, ah uma jambo-girl das margens do
Capibaribe!
Do amor e das moças da classe artística. Donde aqui se narram
pequenos episódios, crimes exemplares alvejados contra o coração deste e de
outros mancebos próximos, todos vítimas do mesmo infortúnio:
A terra, o homem, a luta - Depois de um reencontro antropofágico na
cumeeira do Teatro Oficina, ali quase lambendo estrelas bilaquianas, nunca
mais nécaras, nada, cadê minha bela afilhada de Artaud?... Ensaios d´”Os
Sertões” de quase dez horas, e o cabra na tocaia na esquina fria do Bixiga, o
uísque e o seu duplo, a esperá-la... E a alucinação do álcool nos faz virar um
coronel Moreira Campos, o “corta-cabeças”, vontade de invadir aquela nova
Canudos e seqüestrá-la, como o mais civilizado republicano da praça.
O tio e a escrevinhadora - Enquanto ela entretém o populacho, eu vivo
uma mexicanização na pele... Drama, lágrimas, um tiozinho Werther,
quarent´anos, envelhecido em barris de carvalho.
A garganta profunda e o homem-gargarejo - Nem a bula milagrosa de
Ovídio, no volume “Os Remédios do Amor”, serviu de bálsamo ou analgésico
para o infeliz. A estudante de canto lírico o deixou apenas com um zumbido ao
longe, mesmo que ele estivesse ali, pertinho, na fila do gargarejo.
O Ulysses-mané e os monólogos de Onan - Depois de uma transa
homérica, a tradutora de grego, sereia assassina, deixou o amigo na mão... de
Platão.
A Valentina de Crepax e suas botas que machucam - Vestia-se tão bem,
mas tão bem, que jamais me deixou despi-la.
A chef, a fome atávica e o amante - Sua fusion food nunca foi para o
meu bico. Carrego o peso do amor a quilo.
DA SOCIEDADE DOS AMIGOS DO CRIME E DE ALGUNS DOS SEUS
MANDAMENTOS

Só nos resta uma saída honrosa a esta altura da balbúrdia que toma conta do
mundo: inscrevermos nossos batismos na velha Sociedade dos Amigos do
Crime. As regras são quase as mesmas, com algumas poucas atualizações da
crônica de costumes dos tempos do marquês. Vale sobretudo o artigo
segundo: “O indivíduo que queira ser admitido na sociedade deve renunciar a
toda espécie de religião, submetendo-se a provas que constarão seu desprezo
por esses cultos humanos e seu quimérico objeto. O mais leve retorno de sua
parte a tais asneiras implicará sua exclusão imediata.” Lembremos também o
artigo 12º:“Nos horários consagrados ao prazer, todos os irmãos devem estar
nus e misturar-se uns com os outros, gozando indistintamente...”

DECÁLOGO DO BOÊMIO

1) É de bom-tom sempre guardar o nome dos garçons, afinal de contas é no


ombro deles que vais chorar, ao som de “Nervos de Aço”, a inevitável,
acachapante e humaníssima dor de corno.

2)Na saúde e na doença, a culpa será sempre do tira-gosto, ah, aquela


calabresa, aquele torresmo, aquela azeitona me fez mal à beça... Jamais a
culpa será da cachaça ou do uísque.

3)Boemia é como futebol, é ritmo de jogo, seqüência; se você a larga por uns
dias, ela te pega na volta, mesmo que peças,suplicante, a tua nova inscrição.

4)A divisão do tempo da prosa, na mesa de um bar, deve obedecer ao seguinte


critério: 50% sobre mulheres,40% sobre futebol e 10% sobre as ressacas
monstruosas, a nostalgia precoce das quedas. E que venham as próximas.

5) Procures sentar sempre nas primeiras mesas do botequim, se possível na


calçada, pois todos os dias, alguma mulher irada sai de casa, revoltada com o
consorte, e diz assim: “Hoje eu vou dar para o primeiro que encontrar”. Se bem
colocado, este primeiro serás tu, bravo boêmio.

6) Direito máximo do consumidor boêmio: desde que o freguês não se


incomode com água e sabão nos pés, poderá ficar no recinto até a descida do
portão de ferro.

7) É livre o “pindura”, data vênia, para fregueses com mais de cinco anos de
casa, como reza a lei do usucapião.

8) Meu bar/meu mar... É permitido nadar no seco.

9)Andem sempre com o endereço e os seus nomes completos pendurados na


correntinha do pescoço.

10) No país da impunidade, a saideira é como a lei, existe para ser


desobedecida. Seu garçom faça o favor!!! Mais uma!!!
O SEU ORGULHO NÃO VALE NAAADA!

Por ti chorei lágrimas de rodoviária, lágrimas com poeira de estrada perdida,


lágrimas e poeira que viraram maquiagem de lama, tijolos d´alma, emendei
lotações e fronteiras, gastei botas, máscaras, joelhos... e contei passos de
crimes & castigos, por ti esperei em hotéis baratos do centro, porta aberta, mão
no pau e faca no peito, por ti bebi como uma mosca caricata de boteco, cheirei,
fumei, fiz lirismos chinfrins em guardanapos, sempre começando assim “por ti”
etc e algum verbo que representasse um esforço da porra ou o mais puro
exibicionismo de uma dor tão gasta que nem já combinava mais com os meus
drinques caubói nem muito menos com as minhas elegantes vestes rotas da
mendicância, ah, o seu orgulho não vale uma canção triste de Roberto
Carlos,não vale mais a trilha sonora, Elvis Costello, please, não cante mais
para ela aquela velha faixa.

O AMOR COMEÇA NO PARAÍSO E TERMINA NA CONSOLAÇÃO

[velha crônica republicada a pedidos]

A moça chora no metrô.


Por que chora aquela moça?
Sempre acho que todo choro é ou deveria ser por amor, que me perdoem a
pobre rima que reverbera aqui embaixo, nos subterrâneos, underground, tantas
linhas depois daquela criatura deslizar o inferno rolante, lá no primeiro batente,
e cair aqui, passos que conto como o rapaz do crime russo, degraus que ignoro
para esquecer o tamanho da queda, deus, vixe.
Dela?
Quase nos meus braços, quem terá caído?
Posso tão bem sentir aquele baque, terei descambado eu ou o meu alvo
móvel?
Uma grande dívida nunca nos põe a chorar de verdade. Por um familiar,
choramos diferente. Desemprego? Não. Se não teríamos um Tietê, um
Capibaribe, um Paraíba, um São Francisco a cada segunda-feira, cada
esquina, lágrimas que manchariam a tinta dos classificados e seus
quadradinhos lógicos, portas na cara, quem sabe da próxima, projeto ilusões
perdidas...
A moça tenta não soluçar, mas soluça. Terá discutido a relação, a velha d.r., à
boca da estação Paraíso? Veste roupa de trabalho sério, e chora. Daqui a
pouco estará sentada na sua cadeira de secretária, exímia, bilíngüe, a serviço
do capital da avenida Paulista.
Mas por enquanto chora a moça do metrô e é o que nos importa. Se não for
por amor, eu morra. Terá levado um pé-na-bunda? Terá visto o casamento pelo
binóculo do sr. Nelson Rodrigues?
Perdoa-me por me traíres?
Estação Consolação.
Salta a moça que chora no trem veloz.
Sempre há uma criatura a chorar no ônibus, também, ou again, dores pra
amolecer o asfalto, sopra minha amiga Claudia Leal, que sempre pensa
oferecer um ombro, um olhar de conforto, na linha Campinas/São Paulo.
O amor é sempre assim, começa no paraíso e termina na consolação.
Como no metrô.
A mesma CL desconfia: quem chora em público acaba de chegar ao terminal
da dor, o ponto final da cura, baldeação, vírgula, pausa, descanso, pastel,
caldo-de-cana, refresco, desamor.

DA CARNE ROSA E NEGRA BANHADA DE LEITE

Foi assim que começamos nossa história. Se breve ou não, pouco


interessa, disse ele. E leu um trecho de Bataille para a moça, que acendia um
cigarro e perguntava, solene, se podia fumar na sua casa. Achou o isqueiro, ela
riu, daqueles isqueiros de sex shop, presente de aniversário de amigo que o
identifica com o tema mais óbvio: SEXO.
Não se sabe o motivo, não chovia, melancolia não havia, nada
acontecia, o coração nem doía mas eles ouviam Tom Waits, vê se pode, como
se fossem seres nublados & obscuros, como naquele tempo em que ele
morava sob tempestades do Centro-Oeste,Brasília, entende?
Vê que passagem, ele lia:
“Suas meias de seda preta subiam acima do joelho. Eu ainda não tinha
conseguido vê-la até o cu (esse nome que eu sempre empregava com Simone,
era para mim o mais belo entre os nomes do sexo). Imaginava apenas que
levantando o avental, contemplaria a sua bunda pelada.”
Ela voava com a fumaça do cigarro por cima dos edifícios de São Paulo
e nem percebia o que ele lia. Ou gostava dele ao ponto de ficar bem tranqüila,
zen, ali na dela, ou estava noutra, bem longe, sinto muito minha pobre
narrativa, mas não há como saber o que rola além da nuvem óbvia de nicotina
de uma mulher que lindamente fuma.
O gato bolinou com os tacos soltos da sala e aquilo o fez recordar o
Último Tango, o da manteiga minha nega, lembra?.
Havia no corredor um prato de leite para o gato, ai já é Bataille sendo
roubado por este escriba batedor de carteiras, imagens, metáforas e frases de
amigos encachaçados.
- Caguei para metáforas – disse ela, indie desaforada da porra,
enquanto desenganchava sua mochilinha vermelha das costas.
Ele prosseguiu sua leitura, afinal de contas ela só fumava com uma
arrogância de atriz de nouvelle vague:
- Os pratos foram feitos para a gente sentar – disse Simone. – Quer
apostar que eu me sento no prato?
- Duvido que você se atreva – respondi, ofegante.
- Fazia calor. Simone colocou o prato num banquinho, instalou-se à
minha frente e, sem desviar dos meu olhos, sentou-se e mergulhou a bunda no
leite. Por um momento fiquei imóvel, tremendo, o sangue subindo à cabeça,
enquanto ela olhava meu pau se erguer na calça. Deitei-me aos seus pés.Ela
não se mexia; pela primeira vez, vi sua “carne rosa e negra” banhada em leite
branco. Permanecemos imóveis por muito tempo, ambos ruborizados.
De repente, ela se levantou: o leite escorreu por suas coxas até as
meias. Enxugou-se com um lenço, por cima da minha cabeça, com um pé no
banquinho. Eu esfregava o pau, me remexendo no assoalho. Gozamos no
mesmo instante, sem nos tocarmos.

CONCERTO PARA CORAÇÕES AFLITOS E OUTRAS BALADAS DO


DESASSOSSEGO

Nick Cave clama "Do You Love Me" no clipe gravado no Love Story, Tom Waits
recita "Rain Dogs" na praça Roosevelt, uma canção brega no rádio do táxi, tire
o seu sorriso do caminho, suba a Consolação comigo, que eu vou chorar com
Wander Wildner.
Derramo lágrimas de vinho barato, choro as dores novas e faço iê-iê-iê do
amor que perdeu o prazo de validade, já foi tarde. Flâneur ordinário, sigo o
caminho do cemitério e imito de forma caricata os passos dos vagabundos que
sofrem nos romances russos. Até que me deparo com o trovador punk, que
canta no porão da rua Piauí as desventuras de ratos e homens.
"Estoy subindo las montanhas da guarda/.../ y tiengo um páraquedas para te
salvar/ porque trago um pára-quedas em mi corazón", manda W.W.
Mesmo os que não derramam lágrimas alcoolizadas, choram de alguma forma
no show. De lá não se sai ileso, mesmo o mais empedernido dos machões.
W.W. nos faz lembrar, com o seu punk brega, que somos caras carentes,
desajustados habitantes da imensa Carençolândia que é a existência; nos faz
rir das nossas assombrações, da nossa tara pela vizinha, da empregada de
Guadalajara que um dia trabalhou para Elvis nos seus tempos de seresteiro.
O show deixa patente que a vida não é mesmo bossa nova. A vida ou é punk
ou é brega. E W.W., como poucos, sabe fazer labaredas ao juntar essas duas
correntes. Um show para quem não tem medo de cair, para quem domina a
arte de nadar no seco.

[O serviço: Estréia hoje, dia 6 de julho, quinta-feira, o show SUB VERSÕES no


Café Camalehon, rua Piauí, 103, Higienópolis, SP. Neste espetáculo solo o
baladeiro punkbrega apresenta as suas versões para as músicas que mais
influenciam sua carreira. O repertório inclui de Sex Pistols (Lonely Boy) até
Bruno & Marrone (Dormi na Praça), passando por Rolling Stones (Out of Time),
Ramones (I love You), Graforréia Xilarmônica (Amigo Punk) e Iggy Pop
(Candy). É a irreverência do bardo sulista esquentando a noite paulistana! –
Dá-me vinho que a vida é nada!]
DOS SACRIFÍCIOS (?) DO AMOR ETC

Tudo é possível nos floridos inícios de namoros, cachos, romances,


acasalamentos etc. Tudo na base do “ora direis, ouvir estrelas”. Vale tudo.
Fazemos os 12 trabalhos de Hércules assobiando. Carregamos, sem suar, a
pedra que tanto pesou sobre o velho Sísifo. O que você não me pede chorando
que eu não te faça sorrindo. Uma amiga acaba de me contar aqui, durante
umas cervejas, o seu último sacrifício do gênero: fez uma interminável trilha
pelo mato, daquelas que deixam até o mais caminhador dos ianomâmis no
bagaço. Tudo pelo bofe. Para completar, o rapaz, um Apolo, segundo ela, é
vegetariano radical. “Olhos azuis!!!”, ela gasta as exclamações. O mais é
impublicável. Vegetariano sectário. Carne nem pensar. E ela ama uma bisteca,
um cordeiro, uma picanha, um galeto de padaria ou de esquina. Nada de
bebida alcoólica. E ela adora uma boemia.Lá vai então a nossa “sedentária
ativista”, como ela se define, na mais íngreme das trilhas. Haja mata atlântica.
Quatro minutos depois ela já passava mal. Um inferno verde de Dante. Achava
que iria morrer.“Ele pegou e ficou segurando a minha mão”, derrete-se a nega
qual manteiga de garrafa, manteiga da terra Ah, uma cerveja! Os sacrifícios
dos capítulos iniciais da paixão, do amor ou do possível amor.O pior,
brincamos, é que ele não come nada que tenha rosto _eis a moral dos
vegetarianos. E a minha amiga, é bom que se diga, tem um rosto lindo, lindo,
lindo. Um espetáculo de rapariga! Além de trilha, o cara também faz yoga.
Pronuncia-se afrescalhadamente com o “o” fechado, yôôôôga! O que me fez
lembrar de um amigo, caruaruense de boa cepa que habita São Paulo há
tempos, que começou a fazer yoga (olha o biquinho do “ô” fechado!) por causa
de uma mulher que frequentava a tal aula. Sacrifícios do amor, ora veja. Faz-se
de tudo na paixão roxa. Meu amigo Fraguinha, por exemplo, odeia comida
japonesa. Na semana passada empanturrou-se dos sashimis mais exóticos por
causa de uma gazela. “Adooooro tudo do mundo oriental”, derramava-se o
canalha. “Tóquio é uma maravilha, estive lá no ano passado; na próxima a
gente vai juntos”, mentia o adorável carioca. Tudo é possível no momento de
bater o centro, dar o pontapé inicial no namoro, no cacho, no rolo, no romance,
seja lá que batismo tenha essa arte de juntar duas criaturas para o bem-bom
da vida. Faz-se de tudo. Até sexo em pé numa rede, essa arte-mor nunca
prevista pelos manuais, catecismos ou Kama Sutra, mas nobre principalmente
para nós do Nordeste. Faz-se de tudo. Intelectual apaixonado lê Paulo Coelho,
quando o autor é o preferido da sua costela, e ainda encontra um corte
epistemológico para morrer de elogiá-lo. Vale tudo, o amor tudo pode. Machão
tosco vê cinema francês e chora de molhar a camisa; mulher se acaba de
torcer num Sport X Santa, num Paraná x Coritiba, num Santos x Lusa, num
Botafogo x Madureira... Isso é lindo, aqui e agora, viva a densidade possível.
Depois é depois, ai é só tentar continuar na arte zen de consertar encrencas...
Casar ou comprar uma motocicleta.

CRÔNICA: MODO DE USAR

Algumas saem fáceis, menina, como aquelas de Rubem Braga, como


uma polaroid, uma pose digital, olha o passarinho, diga xis, um sabiá teimando
contra o barulho da metrópole, fáceis como beijos roubados de mulheres
difíceis, na dança, na pista, uma moleza, como empurrar bêbado em ladeira,
como Vinícius no elogio de uma saboneteira, como descer para um café ou
uma cerveja aqui na esquina da Augusta, como quem costura para fora,
mesmo sabendo quanto custa a mais-valia da musa da encomenda, mesmo
sabendo que na vida não tem almoço de graça, muito menos sobremesa,
mesmo sabendo que a vida não é café pequeno, mesmo sabendo que no
fundo da xícara, na borra mais árabe, o desenho do futuro, Etelvina, é obscuro,
o jogo do bicho, Etelvina, ainda não permite o teu luxo.
Algumas, menina, são crônicas de britadeiras, saem na marra, à força,
furando o asfalto para tirar uma florzinha de nada, a peleja do escriba com o
lirismo que não chega nunca, as chagas abertas, croniquinha raquítica, só o
fiapo de narrativa, sem sustança, sem tutano, coisinha sem graça,
metalingüística, a crônica sobre a crônica falta de assunto.
Algumas vêem ao mundo para confundir a audiência, são crônicas-
travestis, arte dos cronistas transgêneros... Pois é, menina, a gente não sabe
se é um conto, uma rápida elegia expressionista, um poema em prosa, sabe-se
lá, menina, mas mesmo não sendo nada já nasceram crônicas.
Algumas, não têm jeito, eram apenas notícias, que o dedógrafo teimou
em decepar as aspas, minha menina, e enfeitar o naturalismo como pôde,
coitado.
Algumas, menina, são para ninar as moças nas sestas, como as de
Antônio Maria, sabia?
Algumas são de costumes, e até ficam como registros históricos,
crônicas de épocas, já ouviu falar em João do Rio?
Algumas já nasceram crônicas de rua, como a grande arte de chutar
tampinhas, como os sem-teto e malacos, como os bambas das sinucas das
antigas, aí já estamos em João Antônio, manja?
Algumas são do amor louco, menina, como aquelas do velho Charles
Bukovski, o safado catando milho na Remington, menina, com aquela outra
menina na praia, gaivotas quase a bicar-lhe os peitos, como no cinema.
Algumas, minha adorável criatura, minha menina sem nome, são como
aquelas, lembra, quando me conheceste, lembra, quando pela primeira vez,
lembra, lindamente me deste?

ZIDANE OU A IDADE DA RAZÃO QUE SE DANE

Sim, um MANIFESTO A FAVOR DO CRAQUE ARGELINO, FRANCÊS,


GAULÊS!

Loucura de Zidane? Nada disso. Um craque como ele tem todas as razões do
mundo para perder a cabeça ou ganhá-la mais uma vez neste mundo pós-
guilhotina e órfão dos São Jõoes Baptistas.

A razão-mor, aliás, nestes tempos de resultados: a Copa de 2006 representou


a morte do futebol, o nó tático como fim da história da bola, a reinvenção do
quadrado e a morte da roda.

Mesmo sem querer saber do impropério preconceituoso que teria pronunciado


o zagueiro italiano, que no mínimo deve ter xingado a sua avó argelina _como
faria também um francês numa pelada dos subúrbios de Paris_ , Zizou deve ter
suas razões para, egresso da terra do cinema-cabeça, da terra do noveau-
roman e da literatura-cabeçosa, explodir com a parte mais interessante da sua
lição anatômica, sem falar nas pernas, claro, mas ai já estou falando pela voz
das mulheres e dos homens livres que também o amam.

Não quero nem saber o motivo, mas Zizou tem suas razões, claro.

Sem time nem pátria na final, eu e alguns amigos até estávamos inclinados pró
Fontanna de Trevi, justamente pela fantasia de Fellini, mas bastou aquela
cabeçada e as besteiras de Galvão Bueno sobre o fato, ignorando a vida e a
existências dos demasiadamente humanos, para eu mudar de lado. Aqui o
narrador televiso como idéia e representación da mediocridade brazuca que
unem redundantemente a classe média e todas as suas escrotices.

Toda criatura desta terra tem toda razão possível, num momento qualquer de
sua natureza, de dar uma cabeçada num zagueiro, num porteiro, numa grande
ou pequena autoridade, seja ela um soldado-raso ou um presidente da
República.

O que falta no mundo são homens como Zidane, que não se guiam pela
etiqueta de governos ou da Fifa. Um gaulês de verdade, um gaulês das
margens das páginas, um gaulês da guerra da Argélia, um gaulês da periferia
étnica que uma vez se juntado a porras tantas e ovários d´outras plagas forma
uma lindeza estética que provoca ira e raiva a tantos povos ditos puros e
inseguros dos pés às cabeças passando pelos cus de Judas, claro, né não,
meu velho e bom Lobo Antunes?

TODO AMOR QUE EU TE DEI VOCÊ NEM LIGOU*

O ponto certo, quem sabe? Nenhum de nós.


Só acumulamos, ao longo do tempo, algumas noções sobre
intensidade, sinceridade, falsidade ou verdade, para ser repetitivo na rima e,
como se a vida fosse o rosto de uma mulher, no tom da maquiagem.
Sim, o caminho do excesso conduz ao palácio da sabedoria, como disse
o poeta, um romântico inglês de marca maior, William Blake. Em muitas
ocasiões, vale o verso. Em uma, em especial, pode ser um desastre. Palavra
de homem, confesso.
Sabe quando aquela sua amiga estranha tenta ser sexy ao extremo,
sabe?
E radicaliza na peruagem, linguagem?
Ai é que mora o perigo.
Fica tão caricato, meu Deus, que nos brocham, afastam. Elas ficam
parecendo manequins de sex shop: modelão over, minissaia, decote, lingerie,
perfumes apurados, coreografia ensaiada, beicinhos fora de hora, coisa assim
meio novela de Manoel Carlos!
Tudo tão certo que na verdade sai tudo errado.
Se a gente vai para a casa delas, deus mio, pior ainda: lá está o incenso
exagerado e enjoativo, a luz ensaiada, os sais fervilhando na banheira _se for o
caso de uma dama bem de vida_ e todo um circo que nos tira do prumo.
Tudo tão certo que parece que contratou uma agência de publicidade.
E haja caras de “sexy”, coisa de quem aprendeu, passo a passo, nas
páginas de revistas femininas que “ensinam” truques de araques e as mais
novas posições para um orgasmo infalível!
Como se o kama-sutra fosse pouco, repito aqui o mantra que digo faz
tempo.
Mulheres, esqueçam o kit sex shop. É mais importante uma safadeza,
um charme, um suspense no olho durante um jantar, do que a extravagância
propriamente dita. Se cuidar, ficar bonita, é de lei, claro; mas não carece
carregar nas tintas do desejo.
Não que tenha que acreditar na canção do Dorival Caymmi, esse gênio,
que aconselha a Marina não pintar sequer o rosto, que é só seu... Isso é
poético, mas uma pintura, um jeito no cabelo, apreciamos, nada mais lindo.
Nada como reforçar a chance que Deus lhe deu com os novos milagres
da cosmética e da beleza, como naquele velho receituário de Ovídio. O que
não pode é exagerar da cabeça aos pés, com roupas, acessórios e badulaques
que, em vez de sexy, podem estragar a festa.
O exagero entrega muito rapidamente o jogo para o homem, elimina um
certo suspense, aquela coisa de saber até que ponto ela está ou não ao
alcance do nosso desejo. Ora, se ela já chega toda entregue, do decote ao
salto, que nos resta de imaginação,né não?
Nada mais sexy que o suspense, o jogo, nem que seja falso, nem que
você já tenha chegado toda dele e pra sempre. O sempre possível.
Insinue, ensaie, ensaios de amor, como no cinema francês, mas nunca a
entrega de cara, mesmo que julgue estar diante do amor da vida, o homem da
existência, o seu tipo, o número do seu pezinho de Cinderela.
Sim, o ponto certo, quem sabe?, apenas fica ai, mais uma vez, o palpite
de um homem, um besta, um analfabeto do desejo, incapaz de lê-las, velho
John Donne, mas un cabrón que tenta ultrapassar a linha do dedão na
almofada do carimbo, as digitais da fome de viver, a merenda da existência, o
picolé da larica-mor do amor que já dobrou a esquina.

[*verso de Roberto & Erasmo cantado por Antônio Marcos e agora virado
subversão na voz do inconfundível e inimitável Wander Wildner, que canta hoje
no Café CAMALEHON, Rua Piauí 103 - Higienópolis,ali colado no nosso futuro,
o cemitério]. Além muito além do marido de Vanusa, tem Sex Pistols (Lonely
Boy),Rolling Stones (Out of Time), Ramones (I love You), Graforréia
Xilarmônica (Amigo Punk) e Iggy Pop (Candy).
UM HOMEM SEM ROSTO NA MULTIDÃO

Passa boi, passa boiada, e ninguém olha pra você. Ninguém reconhece,
ninguém fala, você não existe. Você é apenas uma mão esticada na multidão.
Uma mão rejeitada. Ponha lá a Gisele Bündchen e a Naomi Campbell e
ninguém reconhecerá as beldades. Ponha lá um di Caprio, e nenhuma moça
dará gritinhos umedecidos. Lá, nenhuma gazela pára o comércio, nenhum
astro incomoda o trânsito.

Distribuir panfletos ou santinhos nas ruas é atingir a invisibilidade total,


desintegrar-se, escafeder-se, tomar o chá de vidro da desimportância. E o mais
ingrato para esta mão amiga que vos procura foi não ser notado por uma
dadivosa cigana com a qual acabara de ter vivido um affair. Se vocês, finas
flores, reclamam da falta do telefonema do dia seguinte... imaginem o silêncio
dela, cortante como o frio gelado naquela manhã na Paulista.

A fofa até pegou o panfleto que eu distribuía –“Rosa de Ogum, trago o seu
amor de volta em três dias”-, mas não viu meu rosto diluído na massa, não
disse sequer um “ola, que tal?!’, um “oi” sem graça, um muxoxo, um zumbido
raivoso de abelha rainha. Fiquei a mascar o jiló do desprezo. Ela passou na
sua marcha elegante para os braços de um outro vagabundo qualquer.

Os amigos bons também nos desconhecem nessas ocasiões. Na mesma


esquina da Paulista com Augusta, passaram pelo menos seis camaradas, em
um intervalo de quatro horas, que nem ensaiaram um bom dia. Conhecidos às
pencas –daqueles que nos cumprimentam calorosamente na balada- também
desfilaram na passarela da rejeição.

Só me restava pedir à milagrosa Rosa de Ogum que trouxesse meu rosto de


volta. Eu sei, ele não é lá esses Marlon Brandos todos, mas é um rosto.
Carcomido pela maresia do tempo, mas um rosto...

Ofendido e humilhado, por causa da Carmen que passou e não me viu, liguei
para a desalmada. Riu às pampas dessa comédia. Na despedida do
telefonema, ouvi o pior que se pode ouvir de uma mulher: “a gente se vê”. Aqui,
madrugada adentro, estou eu a mascar o jiló da solidão e do desprezo.
EXPEDIÇÃO AO BANHEIRO FEMININO

Na saúde, na doença, na TPM... E muito mais ainda na prisão de ventre.


Prova de devoção maior não há. Do que viver de perto este drama,
seguir todos os pa ssos da costela amada, na pista, na vida, no WC. O carinho,
o cafuné, o chamego, o homem-laxante com a nega onde a nega estiver.
Existem mulheres de todos os naipes, mas elas se dividem basicamente
em duas classes: as que fazembem e as que têm certas dificuldades.
Os machos também assim se organizam, segundo o escriba Gabriel
Garcia Márquez, os que evacuam fácil e os que se enfezam ao extremo. O
escriba mesmo, em conversa sobre o tema com o psicanalista Helio Pellegrino,
declarou-se ruim de serviço, um enfezado nato.
O temor feminino diante do trono exige atenção redobrada do macho.
Melhor, bravos leitores e amadas leitoras,não esconder essa pequena agonia
diária. Ponha o tema na roda. Melhor ainda, meu rapaz, é você antecipar-se,
assim que notar, pelos sinais exteriores de enfezamento _aquele riso sem
graça e a sobracelha com medo da vida_ que a amada carece de maiores
dengos, cuidados, delicadezas.
Ou sinais vindos das prateleiras das farmácias: Cascara sagrada,
Ducolax, Tamarine... “Ameixas, ame-as ou deixe-as”, como no hai-kai de
Leminski, também são bons indícios para despertar nossos trabalhos de
Hércules.
Vale todo esforço. Tive uma morena, por exemplo, jambo-girl da margem
esquerda do Capibaribe, que só conseguia quando eu a acompanhava ao
banheiro, e ficava ali, sentado, contando-lhe pequenas histórias, fábulas
inventadas no embalo free-style. Eu sentava em um banquinho de criança, de
modo a ficar à sua altura... Quando menos via, lá estava o sorriso destravado
nos seus lindos beiços grossos. Era como um gol em final de partida, uma
celebração, uma festa ao som pós-tudo da descarga... Eu ainda pedia que ela
mirasse a merda, suas sobras completas. Quem olha as suas fezes, dizia a
minha mãe, cria-se sem o menor pecado da inveja. Lição mais sábia.
Outro bom conselho, que deixamos aqui de graça, é o da voz da
experiência de “Tia Julia e o Escrevinhador”, livro de Vargas Llosa: “Para dores
de amor, nada melhor do que leite de magnésia(...). Na maior parte das vezes,
os chamados males de amor, etcétera, são distúrbios digestivos, feijões duros
que não digerem, peixe estragado, entupimento. Um bom purgante fulmina a
loucura do amor.”
LIÇÃO DE ANATOMIA: AS SABONETEIRAS

Das lições da anatomia, essa é uma das mais belas. Aqueles ossinhos
prontos a receber, como recitaria Manuel Bandeira, sabonetes Araxás. As
lindas moças dos sabonetes Araxás. Ali guardamos também nossos desejos
ensaboados, aqueles desejos que ainda carecem da mínima convicção, mas
logo logo nos põem caídos aos vossos pés, devidamente abaixados,
destemidos, para apanhar os imaginários sabonetes que despencam no
abismo da existência.

[extrato para simples conferência do "Catecismo de Devoções,


Intimidades et Pornografias", editora do Bispo, edição (quase) esgotada, mas
corra Lola, corra, que ainda dá tempo!]

FARELOS DO DISCURSO DOCE E AMOROSO

Não, baby, até o cara que acabou de cortar o dedo no balcão do bar aqui da
Augusta, sabe, não sou um cara violento, até o cavaleiro errante que passou
no seu pangaré urbano e branco, sabe, não dou tiros para cima quando estou
ao teu lado, existe apenas algo patético na minha loucura que pretendo trocar
pelos teus lindos olhos e que o troco deixes de inventário para o nosso amor
louco, não, não quero sabotar o ensaio de amor, quero apenas cantar refrões
sofridos no show do Wander, quero ser um cara legal, te ver trocando de
roupas, agoniada com a escolha da blusa, embora nos membros inferiores te
baste um jeans com bom caimento e umas havaianas, além da dúvida
meteorológica, porque ainda não sabes que te esfrio e te esquento conforme
diz a moça do tempo, quero ser um cara legal, esquisito, religioso, que te mira
o tempo inteiro e tem a ciência de que não há sequer meio defeito em cima do
teu corpo que tanto amo, não, corazón babilônico, embora meu olhar para ti
seja um olhar de criminoso, vim apenas fazer um alegre piquenique em tua
vida e deixar farelos do nosso doce na grama para a alegria das formigas.

HÁ UM LUGAR NO CORAÇÃO QUE NUNCA VAI SER PREENCHIDO,


AMÉM

A ressaca era tão monstruosa que os mortos riam de mim do outro lado do
muro do cemitério. Seguramente, depois daquelas noites brancas, eu estava
mais morto do que eles todos. Arrastava a carcaça, suava frio e doía
justamente naquele lugar do coração que nunca vai ser preenchido, como no
poema do velho Charles, there is a place in the heart that/ will never be filled.

Esse ai estragou a vida mas ela teima em segui-lo, dizia a voz dum morto
franzino do outro lado do muro da Cardeal Arcoverde. A vida gosta das suas
piadas e ri dos seus passos. E eles se divertem juntos lambendo o rés do chão
e os pés de lindas garotas.

Esse ai, o mal-assombro da calçada, deitou ao lado de uma bela bunda, mas
as pernas não encaixaram à perfeição, como dantes. Ele notou que ela já não
tinha mais aquele sorriso capaz de incendiar a manhã e o calendário. Bodeado
corazón. Estava chateada. Aquela viagem ao fim da noite a tirou do prumo:
vinho barato, projeto Fante, Jack Daniels , palavras desagradáveis que saltam
do inferno da gengiva sem dente, Nick Cave e Bjork espalhando convicções e
gilletes, there is a place in the heart that/ will never be filled... Eu sigo.

A MULHER GIRA SOBRE O HOMEM QUE A SEGURA PELA MÃO

Tu cabes direitinha nesta nesta manhã, nem carece dizer “que dia lindo, meu
bem”, foste feita para esta manhã, de vestido, pois sol já tem, Elvis voltou para
Acapulco e canta à beira da piscina antes do teu mergulho, maiô azul marinho,
tu cabes todinha na manhã, mas não na terra, nos ares, como naquele quadro
russo, a mulher girando nas nuvens enquanto um homem a segura destemido
pelo braço, ela gira sobre a cabeça dele, que está coberta do algodão vermelho
que tece as redes que protegem, mas não das quedas, não das quedas
precoces do amor, tu cabes girando na agulha dos meus cha-cha-chás
matinais enquanto come sucrilhos e sorri com o tigre da caixa dos sucrilhos dos
campeões, juro que releio Kurt Vonnegut depois da primeira cerveja, meio dia,
então pára de besteira, pára de caprichos e pantins, me liga, tchau e beijo.

O AMOR É UMA PULGA QUE NÃO TE DEIXA ESQUECER A PRÓPRIA


PELE

Vicente ou Vincent, de Vincent Gallo, o vira-lata que apareceu na luz daqueles


seus olhos, deu mais sorte, chegou do nada, na sombra de um inverno em que
nada mais sonhava além duma briga de rua, arranhões avulsos e ração barata,
sentou praça, foi aceito inclusive pelo outro gato que já corria pelo mesmo taco,
colo, cama, mesa, banho e almofadas, uma espécie de Jules & Jim felina do
acaso, que felicidad, chica, que fartura de pêlos metafísicos. Aqui tá fueda,
velho Vincent, mesmo dentro de casa é como se a garoa gelada penetrasse o
teto e a nuca. Rain Dogs. Tom Waits me diz coisas nada confortáveis. O jeito é
atender ao chamado das selvas. Meu pangaré paraguayo relincha e pede
rastros, quer gastar cascos en la calle para aliviar el corazón de seu dono,
clama por uma viagem ao fim da noche, meu cavalo que fala portunhol salbaje
como el cantante Wander Wildner, como o poeta da fronteira Douglas Diegues.
Tomo um uísque com a mesma índole del pangaré e bamos cortando o frio
como os cães dos trenós siberianos. La calle sempre confuerta el corazón de
um cabron,nem que ele tenga que nadar no seco, beber a lua na sarjeta,
deslizar em cacos de vidro, devotar-se provisoriamente às lindas vagabundas
de botas de todas as pistas, mesmo sabendo que nada supera depois, mas
que naquele instante, pelo menos esta noche, trata-se de um bálsamo, um belo
e possível exílio do reino da Carençolândia.
ORAÇÃO À NOSSA SRA. DOS QUE AMAM SOZINHO

Nossa Sra. dos que Amam Sozinho, perdoa-me pela insistência, nem
mais é por tanto quere-la, é por deixar claro, nega que sopra das intimidades
dessa oração, que só ela me faz passar da conta, perversa, cair no abismo
mais lindo do gozo sem volta, como naquele encosto de beira de estrada, como
na rodovia estrangeira de Sam Shepard, crônicas de motel, simbora
Nossa Sra. dos que só pensam Nela, cotovelos lanhados de tanta
espera, tantos sustos nas ruas, nos bares, “é ela!!!”, Nossa Sra. Dos Cotovelos
da Surpresa e das Janelas, cotovelos tão gastos, cinzas, peles, dobras, e tanta
fome de viver aqui dentro, megalomaníaco, épico, terá sido a força dos
indiferentes, meu velho Alberto Moravia?
É mesmo a paudurescência, nostalgia precoce das grandes histórias, o
tempo inteiro, pensando, pensando, pensando, mas no fundo gostas!
Os joelhos lanhados pela romaria, devoção e insistência.
Nossa Sra. da Vida Alongada que consegue, nos seus exercícios de
Kama Sutra, me levar à coisa mais sagrada.
Amor demorado, anjo exterminador da alcova!
Beijá-la demoradamente,como um cristão que dissolve na boca uma
hóstia.
Homem-bomba que troca as 70 virgens de Alá somente por uma costela.
Lua cheia, vida crescente.
Escuto Le Déserteus, Boris Vian, leste?.
Nossa Senhora dos que sentem muito e amam sozinho, rogai por nós
que recorremos a vós!

NO RUMO DO SOL POENTE O CAVALEIRO SOLITÁRIO SE JOGA AOS


PÉS DE UMA BELA DONA

Ela é um mix de PJ Harvey e Clarice Lispector. Ela faz cinema e é mais sábia
que a Sophia Coppola. Ela sabe quando é serio e quando é ironia. Ela sabe
que a vida é besta. Ela passa às 21h e me pega pra gente ir para o show do
trovador punk-brega, ela sabe os bons refrões, um encanto de moça, simples e
foda, nada metida, não precisa, onde andava que eu não sabia? Ela toma
bloodymary, eu tequila, ela me dá boas idéias para o romance, ela me vê a
cavalo na paisagem, meu cão andaluz a protege dos bandidos e dos
mascarados, ela diz te cuida, você precisa comer algo, dormiu direito?, eu acho
a lua nos céus de São Paulo, eu me comovo e faço terrorismos poéticos,
segura na mão de deus e vai, eu não creio no freio-de-mão do amor, quando
vou, passionais mc´s, eu me jogo, enquanto pj harvey bota uma melodia
inquieta em "perto do coração selvagem".
TEM DIA QUE DE NOITE A VIDA É SÓ DELIVERY E BEIJO NA BOCA

Você beijava tão bem a outra garota, não por modinha, mas porque gosta, e eu
dizia “vamos casar a três”, ah eu já vi esse filme, professor Truffaut, mas pode
ser você e dois homens, eu dizia, o importante é o terceiro vértice, para
amansar a loucura da tradição cristã dos pombinhos, bora, topa? Como você
sabe beijar bem outra garota! Uma arte. Bota Nina Simone pra gente tomar
banho, MY BABY JUST CARES FOR ME, tomar banho de luz apagada, só
uma vela no canto da casa, depois delivery e beijo na boca até chegar a
aurora.

RÁPIDA PASSAGEM DE SOM, TESTE, TESTE, PARA UM ROMANCE

Quando entregamos nossos pangarés paraguayos para o flanelinha


perneta pastorear, el cantante entoava algo como “milonga para um hombre de
pocos dentes” , pedimos uma garrafa de uísque que tivesse a mesma índole
dos nossos bravos cavalos, Juanito Caminhador, creio,falso como a gente, o
de sempre, e una chica hablando um virtuoso portunhol salbaje nos mirou com
los ojos mais andaluzes das pradarias nocturnas deste deserto reservado, pelo
menos esta noche, aos fuertes e destemidos.

Atiro-me aos seus pés como um romeiro louco que acaba de presenciar
o terceiro milagre de Fátima. Como um homem-bomba que acaba de preferir
esta cria isolada da sua costela a todas as virgens que teria direito logo depois
de explodir contra o alvo apontado pelo dedo de Alá. Ela cai sobre o palco
improvisado naquele decente templo do punk-brega. Luzinhas coloridas,
daquelas de Natal mesmo, Jesus Cristo voltará?, piscam no pedestal do
microfone, aleluia. Os cabaleros que me acompanham cospem fuligem e se
preparam para o pior. A inveja testosterônica exala de todos os subacos del
mundo.

Aqueles olhos ciganosos têm dono.

OS DOMINGOS SÃO TODOS IGUAIS e/ou ADOLFO BIOY CASARES

Clarah diz que domingo, que tédio; melancólico, eu diria, tenho feito merdas e
apostado demais no caminho do excesso; ressaca da existência e roxo de
tantos baques e nados no seco; Camis sonha com o Taiti ou um mato qualquer
para fugir um pouco da jaca babilônica; escrevo uma carta ao meu pai, que
mora longe e sem telefone, mas para nunca ser enviada, uma garrafa de
lágrimas é uma garrafa de lágrimas é uma garrafa de lágrimas; preciso
conhecer a casa nova de R., na semana que passou fizemos cinco anos de
amor & amizade; Miss S. está num sítio e diz tem Truffaut às dez, na tevê;
assistir ao mesmo filme, um longe do outro, é como ver la luna caliente, está
em todas as partes, é só esticar a cabeça aos céus e pronto; o horóscopo diz
que Vênus em Leão garante “dia gostoso e animado ”; Clarah acha que tudo é
só falta de dormir de conchinha; A. fez aniversário e eu por recomendações
clínicas pouco fiz; a morena que tem cheiro de maré mergulhou agorinha numa
piscina azul no agreste; me aquieto apenas com as taças de vinho
recomendadas pela OMS; releio as histórias de amor de Adolfo Bioy Casares;
se der sorte, no meu edredon que parece o mar artificial de Fellini, morrerei
docemente.

E DEUS CRIOU A MULHER

Voltamos para a sesta, eu e meu amor de ontem, ruminando uma


costela no bafo.
Colocamos um DVD.
“...E Deus criou a mulher”,
“Um filme envolvente cheio de sensualidade que lançou para o mundo a
diva Brigitte Bardot!”, ela lê na capa, imitando o biquinho de BB. Sem
escorregar no portunhol selbage.
“O enorme sucesso do filme ´...E Deus criou a mulher´, de Roger Vadim,
revolucionou o mercado de filmes estrangeiros e transformou Brigitte Bardot
em uma estrela internacional”, prossegue os meus ojos andaluzes. “Neste
filme, ela vive Juliette, uma garota órfã de 18 anos sedenta de prazer. Seu
marido fará de tudo para conquistá-la, mas esta não será uma tarefa fácil.
Filme obrigatório para os amantes da Sétima Arte, contando com um enredo
instigante, elenco competente, grande diretor, e, é claro, toda a beleza e
sensualidade de uma das maiores divas do cinema: Brigitte Bardot.”
Quando BB surge, por detrás daquele varal de roupas, com a bunda
mais deliciosa do mundo deitadinha numa laje, Margarita, sim, agora meus ojos
andaluzes têm um batismo, vira a sua própria bundinha toda para mim, e diz
algo como “pega, seu vira-lata sem dono”.
Pego o k&Y numa mala de viagem.
Acho uma camisinha no meio dos escombros e de jornais com notícias
da invasão de Israel ao Líbano.
Só encosto e peço que ela venha com jeito, numa marcha à ré slow-
motion.

TUBARÕES ESQUECEM SURFISTAS E ATACAM OS POETAS

Afogado nas aventuras d´Os Detetives Selvagens de Roberto Bolaño, aqui no


balanço da rede, cumeeira da Aurora, la calle mais hermosa del corazón das
trevas, miro Áfricas pós-faróis e mares, donde mais adiante Beberibes &
Capiberibes se juntam no Pernambuco mais megalomaníaco para formarem o
Atlântico sobre o qual bóia o vocábulo português saudade e a fome de viver
dos tubarões.
CÃO VADIO NAS ÁGUAS DO CÃO SEM PLUMAS

“Se um cão vadio aos pés de uma mulher-abismo” (ed. finaflor), idílio
real-visceralista –aqui um salve para Roberto Bolaño que estou a ler em febre e
delírio!- tem agora a sua segunda edição na praça. A primeira foi lançada na
Galeria Vermelho, SP, e vendida exclusivamente na Mercearia São Pedro, a
taberna lítero-boêmia de San Pablo de Piratininga.
A nova fornada está à disposição do respeitável público a partir de hoje,
segunda (21/08) às 18h, na Cultura do Recife, ali rente ao espelho do
Capibaribe, a livraria mais bonita do Brasil. Este perro escrevinhador que vos
fala espera os amigos para autógrafos e substâncias embriagadoras d´almas.
A tertúlia faz parte do Festival Recifense de Literatura, que deixa a
cidade em regime de celebración permanente até o próximo domingo.
Apareçam minhas almas perras!

BREVE CONTO PARA BATAILLE

Foi assim que começamos nossa história. Se breve ou não, pouco


interessa, disse ele. E leu um trecho de Bataille para a moça, que acendia um
cigarro e perguntava, solene, se podia fumar na sua casa. Achou o isqueiro, ela
riu, daqueles isqueiros de sex shop, presente de aniversário de amigo que o
identifica com o tema mais óbvio: SEXO.
Não se sabe o motivo, não chovia, melancolia não havia, nada
acontecia, o coração nem doía mas eles ouviam Tom Waits, vê se pode, como
se fossem seres nublados & obscuros, como naquele tempo em que ele
morava sob tempestades do Centro-Oeste,Brasília, entende?
Vê que passagem, ele lia:
“Suas meias de seda preta subiam acima do joelho. Eu ainda não tinha
conseguido vê-la até o cu (esse nome que eu sempre empregava com Simone,
era para mim o mais belo entre os nomes do sexo). Imaginava apenas que
levantando o avental, contemplaria a sua bunda pelada.”
Ela voava com a fumaça do cigarro por cima dos edifícios de São Paulo
e nem percebia o que ele lia. Ou gostava dele ao ponto de ficar bem tranqüila,
zen, ali na dela, ou estava noutra, bem longe, sinto muito minha pobre
narrativa, mas não há como saber o que rola além da nuvem óbvia de nicotina
de uma mulher que lindamente fuma.
O gato bolinou com os tacos soltos da sala e aquilo o fez recordar o
Último Tango, o da manteiga minha nega, lembra?.
Havia no corredor um prato de leite para o gato, ai já é Bataille sendo
roubado por este escriba batedor de carteiras, imagens, metáforas.
- Caguei para metáforas – disse ela, indie desaforada da porra,
enquanto desenganchava sua mochilinha vermelha das costas.
Ele prosseguiu sua leitura, afinal de contas ela só fumava com uma
arrogância de atriz de nouvelle vague:
- Os pratos foram feitos para a gente sentar – disse Simone. – Quer
apostar que eu me sento no prato?
- Duvido que você se atreva – respondi, ofegante.
- Fazia calor. Simone colocou o prato num banquinho, instalou-se à
minha frente e, sem desviar dos meu olhos, sentou-se e mergulhou a bunda no
leite. Por um momento fiquei imóvel, tremendo, o sangue subindo à cabeça,
enquanto ela olhava meu pau se erguer na calça. Deitei-me aos seus pés.Ela
não se mexia; pela primeira vez, vi sua “carne rosa e negra” banhada em leite
branco. Permanecemos imóveis por muito tempo, ambos ruborizados.
De repente, ela se levantou: o leite escorreu por suas coxas até as
meias. Enxugou-se com um lenço, por cima da minha cabeça, com um pé no
banquinho. Eu esfregava o pau, me remexendo no assoalho. Gozamos no
mesmo instante, sem nos tocarmos.”

VINTE ANO ESTA NOCHE

Voltamos a nos beijar, como se diz, ardentemente.


Voltamos a nos beijar, do jeito mais punk-brega possível, sabe dentes
batendo e língua muy loca e, ora direis, ouvir céus e estrelas.
Cantei uma canción del concierto adonde tudo habia começado para
ella, cantei do jeito que me veio naquela manhã ainda incendiada por binte
años de álcool en lo caveirón heróico del Mercosul de la existência:
“Yo tento un paraquedas para te salbar/ yo tengo un paraquedas em mi
corazón”.
Ela me abraçou forte.
Nossos narizes havia tempo não estavam mais esquimós.

ROMANCE

Não sou Quixote nem meu amigo aqui ao lado, no seu cavalo
igualmente paraguayo, nas pradarias deste deserto metropolitano de uns 12
milhões de habitantes, poderia ser tratado como Sancho.
Mas é como se fosse, se não não seria romance.
Dulcinéia aqui é fácil que nem empurrar bêbado em ladeira.
Dulcinéia aqui já nasce com um ponto debaixo de um poste ou numa
esquina da supracitada rua Augusta.
Dulcinéia tenho muitas, embora não pareça, a maioria em troco de
patacas, as outras, sei lá, por vício, sorte, refeições e belas sestas nas quais
sonhamos filmes e lhes conto recentes crimes dos jornais, além de ler para
elas todas as previsões astrológicas do mês, com direito a interpretações
particulares da lua em Vênus, a lua não sai de Vênus nos horóscopos que
narro.
Dulcinéia não deixa de ser bela por ser fácil, muito pelo contrário.
Mas o quixotesco aqui no deserto de Carençolândia, sina de todos os
cabróns, é ter uma Eva Futura, costela no bafo.
O COMEÇO DA SANTIFICAÇÃO - parte III da nouvelle

Ela agarrou “Sexus”, o volume luxuosamente relançado agora no Brasil.


Sim, esta é uma narrativa didática, que dá conta dos relançamentos do velho
Henry Miller.
Lia alto e meio sem ritmo, mas com todos os sentidos:
“Deve ter sido numa noite de quinta-feira que eu a conheci _ no salão de
baile. Fui trabalhar na manhã seguinte, depois de uma ou duas horas de sono,
parecendo um sonâmbulo. O dia passou como um sonho. Depois do jantar,
adormeci no sofá e acordei vestido por volta das seis da manhã seguinte.
Sentia-me totalmente renovado, puro de coração e obcecado por uma idéia
_conquistá-la a qualquer preço”.
Gosta mesmo?, perguntei.
_Ele escreve sem frescuras de escritor,né?
Carol me disse que havia estudado. Segundo grau completo mais um
ano de uma faculdade qualquer que, juro, não me lembro o nome. Era na área
de Humanas, claro.
Ele escrevia com o pau, digo, repetindo o próprio.
_Como assim?
Os olhinhos tristes dela brilham.
Mais conhaque?
_Sim, sempre_ assente a moça.
Com o pau, ora, uma coisa sentida, de verdade, mais ou menos o que
ele vivia mesmo, entre as putas de Paris, com suas mulheres.
_Conta!
Ele, achava que só a obscenidade salvava uma alma.
_Como assim?
Só uma puta de verdade era capaz de purificar o espírito, pois gastava
toda a impureza do corpo e sobrava a alma, leve,leve.
_Então pode me levar para o altar que eu já sou toda santa!
Entendeu o espírito Miller na hora.
_Amo esse cara! _ disse ela.
Esse cara quem?, perguntei.
_Você ainda não, falo dele_ ela diz e põe o “Sexus” apertado sobre os
peitos, que agora já estão soltos e libertos da blusa apertadíssima.
Cuidado se não ele sai do livro e te chupa os peitos,disse.
-Por que você não chupa aqui outra coisa? (CONTINUA...)
O VELHO H.M. PASSA NO TESTE DA AUGUSTA -PARTE II DA NOUVELLE

_Lê isso ai,quero ouvir! – disse, mandona que só a porra que deve fazer jorrar
dos homens.
Mais uma cerveja, enquanto ficava pronta a comida, e eu estava lendo
para aquela moça de botas longas e sai tão curta, trechos do livro.
Henry Miller havia passado no teste da esquina da Augusta. Ela tomava
conhaque e pedia mais. Eu lia colado ao seu ouvido.
Você precisa ler “Trópico de Câncer”, um incêndio a cada página, eu
disse, assim meio caricato mesmo, panfletário milleriano, usando todos os
clichês, sobre o livraço. Esse é o mais quente. Veio ao mundo em 1934, em
Paris, e somente 27 anos depois, haja moralismo!, publicado na terra do autor,
os EUA. Haja didatismo, pedagogia do putanheiro, praticamente um Paulo
Freire do baixo meretrício.
_Quero!
Irresistível uma mulher que pronuncia “quero” com olhos tristes e como
se tivesse vivido anos ao teu lado. Era a sensação. Ou seria a embriaguez?
Tanto fazia àquela altura.
_Por que você não me leva para sua casa?_disse. _A noite tá tão
gelada!_ dramatizou, como qualquer mulher de verdade.
Por um segundo pensei: poxa, se levo essa cria da minha costela para o
meu lar doce lar... acabo não escrevendo esse frila, me fodo, nada de costura
pra fora, nada de encomenda, preju à vista.
Não perguntei o preço do programa, achei uma falta de educação e
civilidade com uma rapariga tão bela e de olhos marejados pela garoa das
calçadas.
Lá vamos nós... Minhas pernas cansadas, Dulce, Dulce, Dulcinéia, Dulce
bela, bela, 15 latas de cervejas, meia garrafa de White Horse... e alguns bifes
com batatas.
_Cadê o livro que você falou?
Era a primeira puta que subia à minha casa e perguntava por um livro
antes de qualquer outra coisa. Milagre de São Henry Miller, Santo Henry Miller,
pensei, salve,salve.
Não achei, na bagunça do meu labirinto, o lembrado “Trópico de
Câncer”. Mas pus no seu colo uma pilha de relançamentos recentes do velho
escriba. Sobre aquela pilha eu escreveria o frila da dita noite, por isso que
estava tudo mais ou menos arrumado aos pés da escrivaninha de fórmica
setentona na qual atravesso dias e noites... E aí estava apenas começando
nosso belo diálogo impertinente. [CONTINUA AMANHÃ, PROMETO!]
VIDA MODO DE USAR...OU HENRY MILLER É NOSSA ESQUINA

_Que homem mais sério, hein?


Continuo com os olhos pregados em “Big Sur e as Laranjas de
Hieronymus Bosch”, um dos raros de Henry Miller que não havia lido.
_Que livro tão bom é esse que você nem me olha direito?
Apenas rio sem graça, para fugir do assédio profissional. Que homem
mais sério, hahahahahahahahahaa.
_Já viu minhas coxas duras?
Finjo que não dou a mínima,embora ela tenha conseguido me chamar a
atenção. Aquela voz rouca...
_A essa bundinha juro que você não resiste?!!!
Nesse exato momento eu lia a página 256 do livro laranja. Minha vista
passeava justamente sobre esta frase: “Se existe uma necessidade autêntica,
ela será satisfeita”.
Fechei o livro, marcando-o com a orelha do lado direito, esvaziei o copo
de cerveja e dei de cara com a mais bela mulher da cidade. Naquele momento
era a mulher mais linda da cidade. Era um daqueles milagres que só
acontecem se você estiver protegido pelas bênçãos de São Henry Miller.
Uma típica iluminação milleriana.
Puxei a cadeira e pedi que sentasse, por favor,mademoiselle.
A esquina da rua Fernando de Albuquerque com a Augusta, no
Ibotirama, boteco que reúne jovens do rock indie, meninas que beijam
tranqüilamente meninas, vagabundos iluminados, vagabundos-vagabundos e
notívagos como este contador de histórias, não fervia como as madrugas
habituais. Era o efeito da onda de violência, depois dos choques entre o PCC,
o partido do crime, e a polícia.
Ela se chama, nome de guerra, Carol.
Eu havia descido até a esquina, moro a alguns metros dali, para pegar
cervejas e comida. A noite seria longa, muitas costuras para fora, textos
atrasados para jornais,revistas...

EXTRATO PARA SIMPLES CONFERÊNCIA DUM ROMANCE QUE SE


EMBRIAGA

Um homem é capaz de esquecer seu vira-lata mijando num poste, mas


jamais perde uma mulher de uma noite para outra. Ela fica impregnada nas
retinas e é vista a cada instante nas ruas, como uma miragem ou um grão de
areia nos olhos de um cavaleiro que atravessa esse enorme deserto de
Carençolândia.

Assim a mulher roubada do gigante tatuado cavalgava em mi corazón de


mierda.
Aqueles ojos... Deve estar na Praça Looservelt, tomara, vendo uma peça
guiada por Bortolotto, com Picanha de protagonista, e iluminada por Deus,
gracias.
Pode estar abraçada àquele display de Elvis, tamanho natural, iluminado
com as mesmas luzinhas do show do cantante Wander, ali bem perto, num
boteco freqüentado pela Miss Girotto, uma moça que desenha lindos vestidos,
aposto.
Será a mulher roubada do gigante tatuado, olhos andaluzes, a
Marcinha?, o travesti mais lindo desse nosso possible oeste? Porra, Bortolotto,
não me planta chifres e dúvidas na fronte adonde o estrume favorece.
Perdi na sinuca com virtuose. Derrotas nas quais sempre matei bolas
fantásticas, tacadas incríveis mesmo, sempre fui desse time, odeio bolas
fáceis, e tudo o que puder fazer para metê-las de forma sofisticada, labiríntica,
faço.
Jogo sinuca como uma mulher quando pensa. Nunca simples.
O guarda-chuva, vide lista de páginas deixadas para trás quais
comboios ultrapassado en la carreteira, vocês não acreditam, havia sido
herdado de Jânio Quadros, presidente desta República Federativa que bebia
mais do que todos nós juntos, aquele que renunciou por acreditar em
elementos sobrenaturais. Uma história dos meus tempos de repórter de
política. Ele estava a morrer. Eu de plantão na casa de Tutu, su hija querida.
Entonces... Desaba um temporal e ela me cede o tal guarda-chuva, inglês,
quase uma arma, de primeira.
Voltemos às perdas: adoro esse título “Lua na Sarjeta”. Já estou de
posse de um novo volume, comprei no sebo do Bactéria, ou terá sido no
subsolo ali do Adriano, naquela passagem entre de um lado a outro da
Consolação? Agora recuperei a velha edição da Brasiliense, nobre editora que
já foi desta para o cemitério gutenberguiano onde são enterrados todos que
mexem com papéis impressos, inclusive os catadores de lixo, os editores e ex-
editores, para adonde iremos todos que mexemos com atuais e ex-libris.
Margarita ficou na minha vida por uma noite, um dia e algo em torno de
150 reais, ê Machadovsky superfaturado DA PORRA.

MAIS UMA MULHER HONESTA QUE SE VAI -FIM

Ela me pediu para contar um pouco sobre a vida daquele homem que,
de uma forma ou de outra, nos unia naquela noite.
Tirei uma onda de narrador de documentários chatos,imitando a
tonalidade e o ritmo dos locutores da Discovery Channel: o escritor Henry Miller
nasceu em 1891 na gloriosa cidade de Nova York, nos Estados Unidos da
América, viveu no Brooklyn, foi embora para França, onde comeu, bebeu e
viveu, apesar da miséria, em Paris... Depois voltou para os EUA, abrigando-se
em Big Sur, Califórnia...
_E você, o que você tanto escreve?
Ah, escrevo por encomenda, costuras para fora... E nas horas vagas leio
esse cara e morro de inveja.
Ela me olhou com piedade.
_Vem cá, meu amor...
Aquela palavra amor saída da boca daquela linda puta me fez tremer o
coração.
Fiquei meio perdido, andava muito carente, e, só me restou pedir que ela
lesse mais Henry Miller para o seu devoto aqui:
“Entregar-se de maneira absoluta e incondicional à mulher que se ama é
romper todos os laços exceto o desejo de não perdê-la, o laço mais terrível de
todos.”
_Eu amo esse homem_ ela disse de novo.
Seus olhos estavam tão vermelhos que era impossível saber a cor de
verdade. A maquiagem já borrava. Ela renovava o gloss a cada segundo, como
num vício obsessivo. Lábios mestiços, grossos, meu Deus.
Acendia um cigarro atrás do outro. Pegou “Dias de Paz em Clichy”, outra
reedição brasileira, mas leu somente a orelha do Roberto Muggiati, tradutor do
livro relançado pela José Olympio.
_Odisséia priápica?, o que é isso?
Ah, ficar de pau duro a vida toda, a chamada paudurescência, eu tentei
uma explicação possível, que me desculpem, respeitáveis leitores desse blog-
família, a grosseria homérica.
Dormimos juntinhos, conchinha, abraçados, pés colados nos pés, como
se, desde o primeiro olhar triste, nossos corpos já entendessem a linguaguem
dos nossos espíritos livres... e unidos, naquela noite fria e violenta, por Henry
Miller.
Ela acordou com aquele sorriso que atinge até nossos testículos, como
HM descreve uma moça no citado “Sexus”.
Almoçamos no dia seguinte, arroz, feijão, bife, comida de três acordes,
punk, sem requintes bestas, e desde aquela sobremesa, aquele café, procuro,
em vão, aquela criatura pelas cercanias da Augusta. Mas essa história, velho
Miller, você sabe muito bem, não é uma história triste.

DO AMOR E DOS ANIMAIS

Os animais de estimação são mais importantes no amor do que supõe a


nossa vã qualquer-coisa, chamemos aqui de filosofia.
Importantíssimos.
Já terminei romances em que fiquei com tanta saudade da ex quanto do
seu bichano, gato ou cachorro... e até dos ratos que roeram as nossas vestes
do desejo, seja no Recife, Rio, São Paulo ou sem roupa na doce vida de Roma.
Quando ainda morava no sertão, nos tempos pré-politicamente corretos,
ficava morrendo de amor pelos tatus criados em fundo de quintais, preás de
estimação, tejus, timbus, morrendo de amor pelos macacos e até pelos
papagaios, dá o pé, louro!
Também já ocorreu de conquistar mulheres, ou pelo menos consolidar
boas histórias amorosas, por demonstrar carinho e afeto com os tais
quadrúpedes, aves ou pássaros. Como sair de casa altas horas da madrugada
para comprar a ração do felino. E de quebra, trazer um patê especial para o
danado.
Sim, o amor passa pelos bichos, eu acredito.
Uma mulher que afaga e trata bem o meu cachorro, meu corvo Edgar,
meu papagaio Florbé, meu bode Ressaca ou minha gata Margarita, marca
pontos importantíssimos, além de fazer o necessário, que é respeitar essas e
inocentes e existencialistas criaturas.
Claro que essa forma de ver o amado ou a amada nos seus animais de
estimação pode gerar também pequenos desastres. Uma amiga do Rio, por
exemplo, evitava as gracinhas do cão do seu ex sempre que ele aprontava.
Chegava a ser indelicada, grosseira, como se visse naquele labrador as
pisadas na bola do seu dono. Acontece. Afinal de contas os bichos ficam um
pouco, com o tempo, com os mesmos focinhos dos seus digníssimos
proprietários.
Além de tudo isso, pelos animais que possui se conhece mais um pouco
um homem.
Sério.
O cara que cria um gato tem muito mais chance de ser um homem
sensível, embora até enfrente um certo preconceito entre os seus amigos, que
insinuam uma certa viadagem, para usar o termo do qual abusamos nos
nossos encontros masculinos de futebol e tavernas.
O homem que passeia orgulhosamente com o seu pitbull pode até não
ser um monstro, mas aquela focinheira já diz um pouco do seu dono, não? Não
que o cão tenha alguma culpa, ele está no mundo dele. O erro é de quem o
desloca e o usa como extensão das suas próprias garras.
Mas voltemos aos gatos, esses metafísicos e misteriosos animais.
Como eles dizem tudo sobre o amor e sobre nós, n´era Theodora? O casal
briga e eles incorporam o barraco. O último que conheci a fundo, de uma ex-
mulher, o qual ainda hoje vejo o vulto e tenho saudades, quebrava tudo, virava
os objetos da casa pelo avesso, depois das nossas brigas.
Na harmonia e no amor intenso, lá estava ele, sempre aos nossos pés.
Como eles adoram ver e sentir os cheiros da hora do sexo. Eta bichanos
voyeuristas. Esse gato, especificamente, sempre se enroscava na cama depois
das nossas melhores noites. Dava uma passada como se para cumprimentar-
nos pelo afeto e pela performance. Era o seu “miau” de parabéns, como se
dissesse, a nos arranhar de leve, “estão vendo como o amor pode dar certo,
seus cachorros?!”

DE AMOR, TUBARÕES E JANGADAS DE PEDRAS

Ah, tubarões da praia de Boa Viagem à parte, nada melhor que um sarro
dentro d´água. Aliás, “dendágua”, como a gente pronuncia no dia-a-dia, na real
da guerra,na prática.
Que coisa linda, celebridades fuleiras à parte, já viram que hoje tudo tem
o seu aparte, o seu noves-fora, desculpa desse cronista de costume, coitado,
envergonhado por citar tal Dani, mas, cá entre nós, que coisa linda a Cicarelli,
meu Deus, naquele malho, vocês viram?, que lindo, como me lembra aqui
minha amiga da praça Maciel Pinheiro Denise Arcoverde, que eu amo, amo
como um Príncipe, e sempre, não é à-toa que a ucraniana Clarice Lispector foi
morar justamente na Maciel Pinheiro, a praça, como eu amo essa cartografia
da existência!
Que malho dendágua, vocês viram?
Sou do tempo de sexo al mare. A merda é que eu saía lá da Casa do
Estudante, no Engenho do Meio, e ia correndo pra Boa Viagem, Recife, com
apenas um passe e, no máximo, só para pluralizar, dois reais. Na verdade era
um real, traduzindo para o dinheiro de hoje, e uma descida no ônibus por trás,
ali na altura da maloqueiragem, terminal, sabe?
Saía correndo feito um doido barrido. E ia foder dendágua, como um rei
dos sete mares, como a vida é, pode ser, por uma coisinha de nada, a coisa
mais linda.
Reparem bem: um passe de ônibus, de estudante, e um marzão pela
frente.
Só gosto de me manter vivo por isso, velho Cioran, essas coisinhas que
me fazem gozar de verdade, sabe?
Ai eu ficava dentro da água, com a boyzinha, ali na maré, tirando onda,
dizendo coisas, ouvindo mais, diletantes corações de domingo, como era lindo,
depois Arruda, Ilha ou Aflitos, eu era um jovem repórter de esportes, futebol,
melhor dizendo, e voltava segunda tirando onda de Elói e de Lurdinha, grandes
amigos-amores da gráfica e editora Comunicarte.
Ainda bem que eu sempre vou ao Recife e repito!
Não há nada mais lindo do que reinventar o Recife possível!
Como é bom amar uma cidade.
Amar uma cidade como a gente ama as mulheres. Só que a cidade não
sai do canto, né, velho Saramago, a cidade pára nas pedras. A cidade não é
ingrata como os tubarões, a cidade é cega como meus pés nos bueiros, a
cidade, velho Zé Teles, é capaz de cozinhar os nossos bagos naqueles
caldeirões de milho cozido, mas é a CIDADE DOS SONHOS, sempre.
Amigos de outras partes, visitem a São Petersburgo dos trópicos, a
Florença das Américas, como disse Camus no seu livro de viagens, reparem
na morte e vida na Veneza dos pobres... Recife é a cachaça do universo, se
Deus fosse mulher, era ali, quando era moda, bem no meio do umbigo, que ele
botava um piercing!

BREVE PASSAGEM NO HOTEL HELL OU JOCA REINERS TERRON

Será que o sonho que a gente deixou ainda quentinho suado no lençol
verde-água nos aceitará de volta ou teremos que ficar quarando
aqui no sereno de la calle até o sistema de saneamento eliminar todas
as sarjetas das nossas napas farejadoras de fracassos?

JOVENS ESCRIBAS TRAZEM BARREIRA DO INFERNO A SAN PABLO

Uns bons malucos lá de Natal criaram um selo literário fodido: Jovens


Escribas.Ai já viu, a fuzarca tava feita. Os brodis hoje, 03/10, telça, invadem a
paulicéia, com uma festa da porra de lançamento. Lá na gloriosa ABLB, a
nuestra Academia Brasileira de Letras Bêbadas, a Mercearia São Pedro, na
cumeeira da Vila Madalena, que desde já se transforma na verdadeira barreira
do Inferno, para lembrar a base natalense adonde são lançados os nossos
foguetes e fuleragens.

Reparem só nos títulos: É tudo Mentira, Contos Bregas, Escolha o Título e Dos
Prazeres aos Pedaços, respectivamente de Patrício Jr., Carlos Fialho, Thiago
de Góes, Daniel Minchoni e Rodrigo Levino. Meninos eu li. Sei que num sou
assim um fiador que se preze, mas se eu fosse você ia tomar uma lá com a
gente. Começa às 20h, ali na rua Rodésia, 34. Simbora, cabróns & chicas.
MODESTA PROPOSTA PARA ENGORDAR AS NOSSAS GAZELAS

Amiga chica e amigo cabrón, devagarzinho, na maciota, sem pressa,


vamos derrubando o grande consenso internacional da ditadura da magreza,a
magreza absoluta. Sou Quixote até a última queda, a última peleja, até que
todas as Dulcinéias malucas ganhem uns quilinhos a mais e se materializem
em minha frente, como me cutuca o velho Sancho Pança, com a sua vara de
cutucar miragens no tortuoso deserto de Carençolândia.
E é justamente de Espanha que vem uma boa notícia. A Semana de
Moda de Madri, dia desses, vetou 18 gazelas esqueléticas, só couro e osso
como as vaquinhas da seca, dos seus glamourosos desfiles. Certíssimo. Além
de incentivar a bulimia e a anorexia, esses pasteizinhos-de-vento, sem
sustança alguma, meu Deus, incentivam as outras meninas a ficarem mais
esquálidas, patéticas, alimentando-se como se fossem pintassilgos, canários
da terra, patativas, meninas-melros que comem só alpiste e duas folhinhas de
alface, vilgi!, voa, danada, acabei de soltar uma aqui da gaiola, voa meu papa-
capim, minha bizunga, voa meu beija-flor, meu ossinho-colibri.
Nada como essas boas novas madrilenas, justo agora, quando o sol, na
banca de revistas, anuncia as repetitivas manchetes das revistas femininas. A
louca ditadura de sempre da magreza, dietas e mais dietas, os novos cremes,
os novos plastificadores de pés-de-galinha, os novos milagres, frescura da
porra, tudo para que las chicas fiquem publicitariamente gostosas, todas
iguais no verão dos tristes trópicos.
Para homem que aprecia mesmo, já sabemos, isso não tem a menor
importância. Claro que é bom se cuidar, mas ai estamos falando de saúde,
outra coisa, uma caminhada aqui, um remo no Capibaribe, um timbungo na
piscina, num poço, cachoeira, uma fodinha salgada e anônima nos mares
nunca dantes, uma cerveja antes do almoço falando sobre livro e filme novo... e
uma sesta depois que ninguém é de ferro.
Como já alertou esta tribuna, homem que é homem não sabe a diferença
entre estria e celulite. Também não aceita rebocos e milagres de última hora
_emplastro milagroso e benvindo aos nossos mocós-salós só mesmo aquele
do Brás Cubas, o machadiano, sabe?.
Mais vale uma boterinha com sex appeal, tomando uma cerveja com
moqueca, sarapatel [lua de mel em Salvador ôôô!], canapés universais,
fogazzas de San Pablo, pequi do Cariri, torresmosos corações das Gerais,
mais vale uma cheinha gostosa numa adega carioca, mais vale uma gaúcha
tocando o terror, na costela, no bafo,no bolicho... Mais vale uma mulher na qual
se tenha o quê e adonde pegar, além muito além do rádio,tíbia e perônio que
nos mostram os esqueletos dos nossos velhos livros de ciência do primário.
Mais vale uma cheinha de verdade, cria da costela do deus Crumb, do
que um caminhão de ossos do São Paulo Fashion Week ou de qualquer outra
pajelança da moda mundo afora.
DIVAGAÇÕES NADA PROUSTIANAS ACERCA DO BIQUÍNI, PEITINHOS-
PITOMBA E AS BOYZINHAS DO JANGA NA MARESIA DA EXISTÊNCIA

Rapaz de interior, fui conhecer um biquíni, 50, mesmo, de vera, muito


tarde. Se até mulher, mulher mesmo, para valer, só descobri já barbado,
quanto mais esta minúscula peça que a enfeita. Ora, nos banhos de açude no
Sítio das Cobras (Santana do Cariri), as meninas timbungavam de roupa e
tudo, brejeiros corazones e biquinhos de peitos, pitombinhas lindas de nada
capazes de nos fazer sonhar Amarcords , ah, belos banhos no Penedo, no
poço do riacho, na Telha e no marzão de Tatajuba.
No nosso juízo de meninos matutos, que conheciam Copacabana pela
televisão preto e branco da praça pública de Nova Olinda, um enigma
balançava, qual a obsessão de Brás Cubas, nas nossas cabeças lindas e
chatas: como um ser humano nas condições normais de testosterona e desejos
qualhados no juízo pode ver uma coisa daquelas, sim, uma mulher naqueles
trajes tão econômicos, e não se armar todinho, num passar vexame diante dos
outros, em plena areia de uma praia de cidade grande?
Era impossível para nós, amigos e primos que nos divertíamos com
burras, jegas, bananeiras e cabritas, que um homem pudesse segurar a onda
diante daquelas gostosas com peças tão mínimas.
A primeira vez que vi um biquíni, essa mística peça que ora completa
cinquent´anos, foi no Treze, um clube de Juazeiro, onde penetrávamos
escondidos, pulando o muro. Tinha eu uns 12 recém-completos. Aquilo foi
motivo para que minhas mãos ficassem mais peludas do que as de Monga, as
de King Kong, todas as mãos possíveis do Planeta dos Macacos. Depois vi
outros no Caldas, balneário de Barbalha, e quando dei fé, minhas primas do
Crato, minhas paixões de férias, lá já estavam biquinizadas também...
Maryanne, meus Deus, como era perfeitinha dentro de biquíni azul marinho.
Depois... ah, depois foi só safadeza. Do Cariri ao Recife foi um pulo. Mas
que mau gosto aqueles biquínis fios dentais, aqueles biquínis asa deltas,
lembram? Ah, mas tudo bem, como cantava Luiz Gonzaga à época, “deixa a
tanga voar, á á á á...”
Corta para a praia do Janga, onde um dia quero reinar barbado, vara de
pescar na mão, como um Hemingway lesado e decadente, uma boyzinha em
cada perna, outra boiando nos meus mares nunca dantes, mais uma tirando a
areinha do biquíni, eta que a maré levou o biquíni da mais santa da área, eu só
vou sair daqui, Zero Quatro, quando ela sair da água, a danada cobre as
vergonhas com as mãos como se tivesse tentáculos de um polvo, mais uma
cachaça, caldinho de sururu, um balde de ostra, sim, ostra de Itapissuma, as
melhores da costa caliente, um real a dúzia, com tudo que tem direito, limão,
sal, cominho, azeite, faz favor, mais uma, no capricho, pois esses beijos
salgados me deixam mais hipertenso, passado, leso e futuro não-sabido, vai lá,
pirraia, aproveita que tu tá em pé e me vê mais uma cerva, agora acende mais
um, de Cabrobó, Francisco de Assis França, pra gente tirar onda, pra boyzinha
ficar fudendo melhor!
QUEM IRIA CRUZAR CONTIGO ESSE PARAISO?

agora te miro, minha sophia loren, zolhinhos boiando,


nuvens fiéis, que enganam os homens, algodão doce, que cá de baixo,
tenta entendê-las,
como se retinas e desenhassem,
quase e sempre, o próprio drama

[das sobrancelhas]

das mulheres.

vida: tudo é goteira.


te miro boiando sobre o drinque cowboy, no molhado de nós, sob luz
fulêra,

[da fluorescente amarela,]

mas agora me escapas, pela cortina,


estampadinha, meu deus,
que só meus zolhos. que só meus zolhos estourados como gomos de
ácidos das antigas.

cortina vagaba de hotelzinho de beira de estrada. lua minguante pelo


buraco da janela, vírgulazinha de lua sobre o conhaque
bem antes de virar ponto e vírgula final na refração da sarjeta pós-
domecq.

os caminhões no asfalto abafam nossos possíveis sins


foda-se a elipse.
cadê sam sheppard,
que iria cruzar contigo
esse paraíso?

vejo ao longe
mario bortolotto,
que nos traz, como sempre penso, o que sobrou de deus,
um sorriso bacana,
do que inventamos como deus
e algo dito assim, numa voz de neblina, goela de tom waits, mas com
segunda voz de nick cave:
porra, vocês tão parecendo terra de cemitério, só querem comer gente!
Vamo beber, daqui a pouco é alvorada lá na Roosevelt!

MINHA NOVA MÁQUINA DE CONTAR HISTÓRIAS

Enfeiá-la era a receita para esquecê-la. Havia me escravizado ao que


havia de mais belo. Quando inverti os dedos dos pés, a visão do abismo
também foi prejudicada pelo forte cheiro do esmalte. Aos poucos eu também ia
me desfigurando, via nas vitrines durante o passeio da hora do almoço. Até que
veio aquela abençoada manhã. E naquele dia, tão comum como todas as
vésperas, acordei travestido. Minhas feições levemente mantidas, pomo de
Adão, pêlos domados, eficientíssimos hormônios, silicone sem exagero,
peitinhos peras, novos, rosas.Tudo no lugar, estranheza alguma, sem carecer
raspar o tacho do absurdo. Pintei as unhas, aumentei o som do bolero, virei
outro tipo de ficção. Bolero 1, Wagner 0, como em Almodóvar. Sentimentos
também mudaram. Eu queria ser o próprio disfarce e aquilo muito me animava
para contar a vida de outro jeito. Nos primeiros dias elevei a caricatura às
últimas, carecia me afirmar e crer no meu próprio desenho novo. Adorava
pintar os olhos, arte que aprendi com fantástica rapidez. Que coisa mais
delicada que é a pintura dos olhos, o lápis corria em retoques tão fáceis. Eu me
via o tempo todo, cada minúcia, cuidado, lindo, frágil. Também amarrara meus
pés para que atrofiassem. Meus pés eram muito grandes para pisar distraída
nos astros do meu novo mundo. Os chineses mais antigos adoravam pés
atrofiados. Dispunham de uma técnica avançadíssima, capaz de reduzir um pé
a 8 centímetros, o recorde. O “lótus dourado”, como chamavam. “Olhe para
eles na palma da sua mão”, teria escrito, conforme os anais fetichistas, o poeta
Sung. Li nos mesmos alfarrábios que as mulheres de passos cambaleantes,
por causa do tamanho dos pés, eram tidas como nobres. Havia ainda uma
relação entre a atrofia dos pés e o apertamento da buceta. Os programas me
deixavam confuso. Todos ainda me queriam apenas no papel de um ativo
nervo. Senhores tão sérios, largam as suas senhoras nos lares burgueses e
aqui caem aos meus pés. Pedem para mordê-los quando enfio tudo. É muito
confortável e indolor o sexo pago. Não há fissura ou agonia nessa modalidade
de amor. Também é amor, amor com vários, a morte do peso do amor. Ao
contrário de algumas amigas travestis, eu não era nada melancólica. O disfarce
funcionava como um ácido, uma Ritalina permanente na minha bebida. Eu
entretia a todas ao falar em castelhano. Essa é a língua oficial dos travecos.
“?Por qué las vaselinas son inadecuadas para la lubrificación íntima?”. Meu
melhor número era dizer inteirinha a bula do gel lubrificante K&Y. “Además de
dañar el preservativo, las vaselinas em cualquier presentación, son produtos a
base de petróleo, non son solubles en água, nin son absorbidas por el
organismo, por lo tanto son inadecuadas para la lubrificación intima y
presentam incomodidad para la remoción.” Amava o disfarce, minha máquina
nova de contar histórias.

LOS SUEÑOS TERRONES & JOCOSOS

E hoje, quinta dos infernos, tem a largada da Balada Literária, mais um


empreendimento com o selo Marcelino Freire de qualidade e sustança.Eta
homem pra fazer coisas. Também, com uma cabeça daquele tamanho, tem q
ser ele mesmooo. E a largada tem a tertúlia bêbada e dançante [Reinaldão
Moraes pé-de-valsa comanda o cha-cha-cha] do lançamento do novo livro de
Joca Reiners Terron, na taberna dos real-visceralistas, a gloriosa e invicta
Mercearia São Pedro [rua rodésia, 34, de oito da noite até a morte na sarjeta].
Livraço. Né fraco não. Sobre o tal cabrón, de quem me orgulho pela amizade,
pela escrita e por Zabé, essa moça preciosa que merece cada um dos grãos de
bico que JRT doura à espanhola, que merece cada um dos vincos dos vinis do
batuque da mesma dita cozinha de prosas & trutas. Ai abaixo um textim de
nada que escrevi, para a revista TRIP, sobre los sueños terrones e jocosos:

SONHO INTERROMPIDO POR GUILHOTINA[ ed.Casa da Palavra]. O leitor


cego no meio do faroeste e o narrador, infame, não lhe oferece guarida, muito
pelo contrário, pega aquele desalmado e gira loucamente até que a sombra do
corpo apague qualquer risco de prumo ou destino. Não há sequer esperança
de um vira-lata-guia nos arredores. Nessa selva metropolitana cuja cartografia
acidentada é só beco escuro e sem saída, Joca Reiners Terron fez uma fábula
policial capaz de reinventar o deserto onde reinou Billy the Kid, o cavaleiro de
balas invisíveis dos sonhos de um certo Jorge Luis Borges. Sorte da porra
poder ler, à queima roupa, como contemporâneo mesmo, um cara como este
viejo Terron. Deve ter sido o mesmo prazer que tiveram os amigos e leitores
que viram nascer as grandes obras do argentino Ricardo Piglia e do espanhol
Vila-Matas, para citar os parentes literários deste matrogrossense que escreve
com a arte daquelas aves que palitam dentes de jacarés. Uma aventura fodida
o espera. Mas, cuidado, não há a menor chance para mocinhos-leitores. Os
personagens-escribas também não perdoam, matam. Nos vemos na
Disneynferno!

COM JOHNNY CASH NAS PRADARIAS NOCTURNAS

Si, si, precisamos de algo más, alguna cosita de nada para alterar a
consciência, desde que não a chamem de droga, non, mais apropriado
doravante denominá-la simplesmente excremento dos deuses incas, cogumelo
da merda dos bois santos e onomatopéicos dos currais dos Grandes Sertões
de Manuelzão, Diadorins e arredores, chá-de-zabumba dos índios Kariris,
cabrobrós-roots-cigarrets, jurubebas-folclorizantes-da-flora-intestinale,
salineiras aguardentes e bagaceiras d´além-mares, cocaine-blues, Johnny
Cash, barbitúricos-corazones, sandubas de MCcondo, Miss Lexotans, florais
del diablo, sangre do divino, peyotes-castañedas, viagens sempre são buenas,
pupilas dilatadas, a morfina de Tristessa, minha índia mexicana...
Um hombre não carece de quase nadie, la incomunicabilidad de las
nouvellas modernas son una farsa, aquela falta de assumpto da puerra, ufa, a
torrar el saco, cêrram hombres, cabrones, hablen algo sincero sobre quase
tudo, a melhor anfetamina é a aventura da linguagem.
CLARICE SEM MISTÉRIOS

“Por favor amigas que vivem no mundo dos negócios! Sejam eficientes,
trabalhadoras, objetivas, mas não permitam que isso afete a sua feminilidade:
Estudem-se com cuidado, quando notarem mudança no cavalheirismo
masculino. É esse o sinal de perigo.” [De Clarisse Lispector, sim, ela mesma, a
grande escritora, que, para ganhar a vida, eta mundão cruel, foi colunista de
amenidades e consultório sentimental em jornais e revistas nas décadas de 50
e 60. A coletânea completa está no “Correio Feminino”, da editora Rocco. Eu
aconselho).

THE END, SOBEM OS CRÉDITOS

Eu vi o fim no dia em que ela chupou meu pau às lágrimas. Com a devoção de
sempre, mas sem a paixão de outrora. E assim, às lágrimas, fomos dando
tintas finais ao idílio. Mas agora, no momento em que gasto o latim, acabamos
de chegar de outro tipo e vale de lágrimas.
[Sim, ela ainda está aqui comigo.] Dorme ou me trai ao computador, Bovary
dos tempos digitais. Ela está de novo comigo. Ao fuçar na lama, beijar outros
pés, eu provoquei o desarquivamento do título de posse. Finge que sou dela.
Não estamos em casa. Falta o gato, que sempre farejou nosso amor de perto.
Nosso amor carece desse felino. Ela se vê gostosa no espelho do hotel.
Fudemos quase todos os dias. Nunca houve fadiga. Choramos na areia de
uma praia, depois de comer a nossa própria cirrose amorosa, foie-gras, ela
pediu. Nos empanturramos, mesmo aos olhos da cara. O que é uma falência
financeira a essa altura? Ela: É bom comer a nossa própria cirrose. O mar de
quase ressaca tentava, em vão, lavar as nossas dores na pedra.

A VIDA É BREVE... A D.R. É LONGA

[Republicado a pedidos. E pedido de donzela, digo, de moça virgem,não


se nega, sob pena de 14 anos de azar, equivalente a matar dois gatos pretos
de Edgar Allan Poe]. Ai está o texto, pois, linda rapariga ainda em botão, cheiro
de pre-flor:
“Ai naquele maior barraco, ele, rapaz acadêmico, vem com uma citação
de Delleuze (o Gilles, filósofo francês) pra cima de mim, vê se pode uma coisa
dessas?!!”
Pior é que pode.
Sim, como o desabafo da amiga N. não nos deixa mentir, intelectual (ou
metido a) bota Delleuze & Sartre até no meio de uma D.R., a sigla como é
conhecida hoje a mitológica “Discussão de Relação” , mesmo a mais breve.
Embora seja escritora de mancheia e conhecedora do mundo
afrancesado, N. não se conteve diante do mancebo-dos-rizomas. Deu
“download” na brava cabocla Iracema que mora na sua alma cearense e
sapecou: “Diabéisso?!”, a bela corruptela alencarina.
Ela não concebia que naquelas cinzas das horas, a casa caindo, alguma
criatura esquecesse de mirar o próprio teto e convocasse Delleuze para
resolver o drama de alcova. Como se a vida a dois fosse uma tese, como se
desconsiderasse o conhecimento do belo inferno dos lares.
D.R. é assim mesmo. Não tem jeito. D´onde classificamos alguns
embates com os seus respectivos padrinhos, além do Delleuze já citado da
cumeeira desse texto:
D.R. Kurosawa – Outro noite adiei a saideira por horas, reparando num
embate de casal que imitava a arte deste cineasta. Uma discussão lenta,
imagens lindas, arrozais sob montanhas, silêncios que falam coisas, uma
peleja quase em ideogramas.
D.R. MPB - Indecifrável e incompreensível como o “zum de besouro
ímã” do verso do Djavan. Muita onomatopéia e nem uma idéia os males da
D.R. são.
D.R. Erística _ Como na corrente homônima herdada dos gregos, a arte
de triunfar no barraco oral mesmo sem ter razão.
D.R. punk-rock _ Três acordes e vai cada um pro seu lado, dormir na
casa da mãe, de um(a) amigo (a), hotel, flat, amante, homeless...
D.R. Paulo Coelho _ Depois de “Onze minutos” de sexo, o barraco
sempre começa com uma parábola bíblica ou uma lenda árabe.
D.R. Bartleby _ “Prefiro não discutir”, diz uma das partes, repetindo o
mantra do escriturário do livro homônimo de Melville.
D.R. free-style _ É a discussão rimada, estilo rap, passionais MC´s:
“Assim você me afunda/ com esse pé-na-bunda/ com essa insensatez.../ meu
barquinho já naufraga/bossa nova é uma praga/veja só que a vida fez!”
D.R. brechtiana _ A arte de enfrentar o público, seja num botequim seja
numa festa, com o distanciamento do personagem, como se dissessem do
palco, a cada golpe, “não é nada disso que vocês estão pensando, controlem-
se”.
D.R. Abaporu ou D.R. arte moderna _ Típica discussão sem pé nem
cabeça, que para nenhum dos dois interessa.
D.R. metalingüística _ A D.R. da D.R., tipo roteiro de Kauffman
(“Adaptação”, o filme), exercício das cabeças requentadas ou das mentes
ressentidas.

AUTO-AJUDA PELA ESCOLA PUNK-BREGA

O mantra é esse, pombinhos desgarrados e estraçalhados pelas agruras


do amor: “Só o caminho do excesso conduz ao palácio da sabedoria”. Assina
que é o verso é teu, velho William Blake (viveu em Londres de 1757 a 1827).
Ou seja, numa livre tradução para a nossa baixaria de vida de hoje: SÓ A
LAMA CURA! Seu guarda, eu não sou vagabundo, sou um cara carente,
estirado aqui na praça Roosevelt ou na pracinha do Diário, com o meu próprio
teatro do absurdo no bolso, pensando nela! Seu guarda, acabei de chorar
lágrimas caubói _não os da montanha, mas os vaqueiros do asfalto_ no porão
com Wander Wildner, que cantava as suas dores de trovador punk brega.SÓ A
LAMA CURA! Leve a sua dor para as ruas, seus bares/seus mares, nade com
ela no seco por debaixo das mesas, exponha-se, seja a vitrine de suas próprias
escoriações, não se envergonhe, molhe o ombro do garçom amigo, derrame
uma para o santo e entorne a próxima bagaceira com gosto de sangue e luto.
Se a vida dói, drinque caubói. Wander Wildner, o que nossa dor idiota vai ser
quando crescer? Rato de porão, rato de porão.Cubra-se do negro do luto e
qual um espadachim caricato leve a sua dor para um rolê nos subterrâneos da
cidade. Quando estiver bem torto, ria da sua dor como um bêbado se diverte
com a sua própria sombra em farrapos.Auto-ajuda punk-brega: não glamourize
tanto a sua dor, tire onda, o amor é assim mesmo, como me disse um dia, num
botequim ali perto do Parque 13 de Maio o amigo Evaldo, citando um escriba
italiano cheio das grapas: o amor é um beijo,dois beijos, três beijos, quatro
beijos, cinco beijos... cinco beijos, quatro beijos, três beijos, dois beijos, um
beijo... e FIM e pronto. Ninguém morre de amor nos trópicos.

DA DEVASSIDÃO COMO POLÍTICA DA FÊMEA DE TODAS AS ERAS

a purificação de uma mulher só é possível na medida em que ela resolve ser


uma devassa, como entre o povo tártaro;
devassa no sentido de não temer o despudor nem a língua salivante da
inveja;
devassa como política libertária; como entre os negros do Rio Gabão e
da Costa da Pimenta, que entregavam suas mulheres aos próprios filhos, a
melhor das bênçãos;
como no reino de Judá;
só a lascívia embeleza uma fêmea;
só mesmo os povos embrutecidos pela superstição, reza o marquês,
pode acreditar no contrário;
e acreditar no contrário é ir contra a nossa própria natureza.

[trechinho ai pra celebrar com os amigos a chegada da 2ª edição do


meu, do teu, do nuestro Catecismo de Devoções, Intimidades et Pornografias,
que acaba de sair pela Editora do Bispo... o textículo ai faz parte do tal livrim
safado... e beijos]

NÃO HÁ DIAMANTES QUE COMPREM UMA ALMA PERRA

Tudo que sei é que esta é uma história em primeira pessoa. Blow-up. Quando
dei fé, cão vadio, aos teus pés lá embaixo estava, mulher-abismo.
Enfiei-me entre os dedos lambi como um lazarento... pulgas passionais ainda
tentaram me avisar, epa!, durante a queda, em vão. Uma mulher muito grande,
alma desenhada por R. Crumb. Pulgas mais avexadas, sado-camonianas,
escreveram no meu couro, em caligrafia-coceira, “o amor é fogo que arde e
não se sente”, ah, se eu pego esse caolho eu furo o outro. Lambi os dedinhos,
um a um, mas não com ritmo, queria que você visse o desassossego desse
pobre cardisplicente sob a forte chuva de granizo. Não há guarda-chuvas para
o amor, Catherine. Nem mesmo quando se tem 20 anos. Não há diamantes
que comprem uma alma perra, Catherine, não há barcos, salva-vidas, só
perdição e enchentes. Não à-toa os sofás bóiam nos aguaceiros. Sofás
dormidos por homens que erraram, homens que já partiram. “As mulheres são
todas diferentes. Quando se perde um homem, há outro igual ao virar da
esquina. Quando se perde uma mulher, é uma vida”. Desde o dia em que cai
aos seus pés não sabia se estava a ganhá-la ou perde-la. O AMOR É FODIDO,
do amigo ultramarinho Miguel Esteves Cardoso, me ensina coisas. Ao contrário
das pulgas sado-camonianas, este gajo, certa noite das antigas, na cidade de
São Paulo, boate Love Story, dizia que as lágrimas das raparigas são
coquetéis sem álcool. Dizer “não chores” funciona sempre, porque só
mencionar o verbo “chorar” emociona-as e liberta-as, dando-lhes carta branca
para chorar ainda mais. As raparigas, depois de chorar, soprou-me o gajo,
lirismo-Morrisey, ficam com vontade de fazer amor.

MANIFESTO CONTRA A DITADURA DO VERÃO

Amiga chica, amigo cabrón, devagarzinho, na maciota, sem pressa,


vamos derrubando o grande consenso internacional da ditadura da magreza,a
magreza absoluta. Sou Quixote até a última queda, a última peleja, até que
todas as Dulcinéias malucas ganhem uns quilinhos a mais e se materializem
em minha frente, como me cutuca aqui o velho Pancho, com a sua vara de
cutucar miragens no imenso deserto de Carençolândia.
E é justamente de Espanha que vem uma boa notícia. A Semana de
Moda de Madri, dia desses, vetou 18 gazelas esqueléticas, só couro e osso
como as vaquinhas da seca, dos seus desfiles. Certíssimo. Além de incentivar
a bulimia e a anorexia [olha o merchan social ai, gente!], esses pasteizinhos-
de-vento, sem sustança alguma, meu Deus, incentivam as outras meninas a
ficarem mais esquálidas ainda,patéticas, alimentando-se como se fossem
pintassilgos, canários da terra, patativas, meninas que comem só alpiste e
duas folhinhas de alface, vilgi!, acabei de soltar uma aqui da gaiola.
Nada como essas boas novas madrilenas, justo agora, quando o sol, na
banca de revistas, anuncia as tristes e repetitivas manchetes das revistas
femininas. A louca ditadura de sempre da magreza, dietas e mais dietas, os
novos cremes, os novos plastificadores de pés-de-galinha, os novos milagres,
frescura da porra, tudo para que las chicas fiquem publicitariamente gostosas
no verão dos tristes trópicos.
Para homem que aprecia mesmo a espécie, já sabemos, isso não tem a
menor importância. Claro que é bom se cuidar, mas ai estamos falando de
saúde, uma caminhada aqui, um remo no Capibaribe, um timbungo na piscina,
num poço, uma fodinha salgada e anônima nos mares nunca dantes, uma
cerveja antes do almoço falando sobre livro novo... e uma sesta depois que
ninguém é de ferro.
Como já alertou esta tribuna, homem que é homem não sabe a diferença
entre estria e celulite. Também não aceita rebocos e milagres de última hora
_emplastro milagroso e aceito em nossos mocós-salós só mesmo aquele do
Brás Cubas, o machadiano, digo.
Mais vale uma boterinha com sex appeal, tomando uma cerveja com
moqueca, sarapatel [lua de mel em Salvador ôôô!], canapés universais,
fogazzas de San Pablo, mais vale uma cheinha gostosa numa adega carioca,
mais vale uma gaúcha tocando o terror, na costela, no bafo,no bolicho... Mais
vale uma mulher na qual se tenha o que pegar, além muito além do rádio,tíbia
e perônio que nos mostram os esqueletos dos nossos velhos livros de ciência
do primário.
Mais vale uma cheinha criada da costela do deus Robert Crumb do
que uma caminhão de ossos do São Paulo Fashion Week.
O DIREITO DE IR E VIR NA MESMA PALAVRA

a nova tatuagem vingada no lençol como xilogravura de nódoas, o sanguinho


novo, Arnaldo Baptista na dor carnaúba do vinil na agulha, a linda poça no
taco, brincamos mas no fundo marcas... isso é arte, la fura dels baus,
catalúnias & arrecifes & cratos, la fúria dels baus... e o futuro é a casca de
banana de sempre no escuro do quarto do amor que é sempre cego mesmo no
mó-claro, amo teus erres rrrrrrrrrrrr que roem como um rato a roupa que
encobre o desejo do rei de roma e de todos os nossos palíndromos, bifrentes e
anacíclicos, socorram-me que já estou em Marrocos!

REVELOU-SE A SUA ENORME INGRATIDÃO

Um perigo para os adúlteros, traidores ou simples e bissextos puladores de


cerca essa coqueluche das maquininhas de fotos digitais. Elas estão por toda
parte, festas, restaurantes, bares, eventos... Como estão embutidas também
nos celulares, a brigada moralista, que também é onipresente, pode muito bem
enviar na hora, na bucha, para o email da suposta vítima do chifre, o flagrante
delito. O horror, o horror, o horror moralista.

Isso é o que se pode chamar, à vera, de tecnologia de ponta.Muito melhor e


eficiente do que as velhas cartas anônimas por meio das quais os Bovarys e as
Bovarys de antigamente eram denunciadas. As missivas, aliás, hoje foram
substituídas pelos hotmails anônimos da vida.

Mas nada como a fotinha, embora possa dar em muita confusão sem sentido
ou lastro de verdade. Dependendo da malícia e do enquadramento do
componente da brigada vitoriana, por exemplo, um simples beijo mais perto da
boca pode render um rebuceteio dos diabos. Um olhinho fechado _às vezes
por descuido ou fadiga do trabalho e os dias_ pode ser o fim do mundo. Uma
tragédia amorosa sem precedentes nas páginas policiais. Cenas de sangue no
bar...

Pior é que, além dos delatores de plantão _velhos calabares do amor_, há


ainda o efeito Blow Up. Lembram do filme de Antonioni? Na fita, um fotógrafo
revela, sem querer, um crime que estava rolando no exato momento em que
disparava sua câmera para tirar o retrato de pessoas em um parque. O crime
estava por trás do beijo de um casal, se a memória carcomida pela maresia
não me trai Os fotologs, estes álbuns pendurados na internet, são mestres no
efeito Blow Up. Você vai ver as fotos de uma festa e, pimba, lá está o(a)
amado(a) em caliente fuça-fuça ou, pior, nos braços de um(a) outro(a)
qualquer, como na lírica de nervos de aço de Lupicínio.

É, acontece. Infelizmente as maquininhas estão soltas por ai, sempre


revelando, como na canção bossanovista, enormes ingratidões. Antes os bons
tempos da filosofia de pára-choque, como leio agora naquele caminhão que
passa aqui na minha frente: “O que os olhos não vêem o coração não sente”.
DA SÉRIE INDECIFRÁVEIS ENIGMAS FEMININOS

É um segundo da mais absoluta beleza. Lá vinha a morena. Minhas


retinas fatigadas fecham em close. Que maravilha. Aquele sorriso, como digo,
indecifrável. Porque não se trata de um sorriso besta de alguma felicidadezinha
passageira, de um ganho financeiro, da sorte no amor ou no jogo.
É mais enigmático. Muito mais do que o sorriso da Monalisa, que reza a
lenda, era o sorriso de uma grávida. Não é o sorriso dos paraísos artificiais dos
remédios tarjas pretas ou de alguma pastilha psicodélica. Nada.
Não é apenas o sorriso de quem recebeu uma notícia alvissareira,
passou no concurso ou viu o regime fazer o efeito pretendido, uns quilos a
menos, nova silhueta, que beleza! Nem chega perto.
Também não é o sorriso de quem ouviu uma cantada de amor com
requintes de vida eterna.
A moça que ri sozinha na calçada é um mistério.
Não é o riso de quem ouviu uma piada, um “gostosa”, “tesouro” etc etc.
É bem mais profundo.
De que ri a moça?
Será que a moça que vem na calçada ri de alguma coisa que
despencou-lhe, naquele exato instante,do trapézio da memória? Alguma coisa
muito engraçada dos tempos em que ela era uma pequena, uma pirraia, quem
sabe uma queda de uma árvore ao subir pela primeira vez no pé de jambo da
frente da casa suburbana?
Não é o sorriso de quem recebeu carta do estrangeiro, carta do amor
que um dia escafedeu-se, saiu para comprar o king size do desamor e do
desprezo.
Às vezes parece um pouco com um certo sorriso de maldade. Uma
pontinha de vingança, quem sabe. Mas que nada. Só parece. Nada disso.À
medida, mesmo naquele rápido segundo, que os lábios voltam ao normal,
desfazendo o sorriso, vê-se que não tem nada de maldoso naquele retrato.
Muito menos é tingido pelo gloss sabor uva da ironia ou o batom vermelho das
vinganças. Não, não é nada irônico, nada ressentido.
Quanto mistério num sorriso de tão pouco tempo. Daria uns cinco anos
de vida em troca do esclarecimento desse enigma de um segundo.Chego até a
refletir, cofiando a barba rala e dando pequenos nós na costeleta: será que é
consciente, será que elas sabem que o misterioso sorriso toma conta do rosto
naquela hora?
Não, também não é só sexo. Por mais que o gozo, a pequena morte,
como dizem os franceses, faça bem à pele e seja motivo do carnaval particular
no peito,não é esse ainda o motivo isolado daquele sorriso, um sorriso mais
invocado do que o sorriso do gato de Alice.
Gastaríamos esse jornal inteiro em especulações ainda sem rumo. Coisa
de agoniar o juízo. Melhor mesmo apreciar esse lindo mistério das crias das
nossas costelas.
CRONICAMENTE VIÁVEL. É HOJE, BORA LÁ!

Sabem o “Cronicamente Viável – a crônica no Brasil: de Machado de Assis aos


cronistas digitais?”. Esse puta programa bacana do CCBB que rolou o ano
inteiro tem hoje a sua sessão de encerramento com este croniqueiro
vagabundo que vos ama e o grande escriba Marcelo Mirisola. A mediação é de
Marcelo Rubens Paiva, esse cabra devoto a todas as mulheres de San Pablo e
arredores. A curadoria é de Beatriz Carolina Gonçalves. Passem lá no CCBB
pra gente trocar uma idéia e tomar uma cerveja depois, vai ser lindu, palavra de
um mal-diagramado, porque a beleza passa e a feiúra, como dizia o velho
Gainsbourg, fica, é para sempre. Amém.

O esquema: entrada gratuita, mas as senhas para o evento devem ser


retiradas na bilheteria do CCBB, a partir das 19h. O CCBB fica na Rua Álvares
Penteado, 112 (Centro, São Paulo, próximo às estações Sé e São Bento do
Metrô, tels.: 11 3113-3651 / 3113-3652).

O MOCÓ DO MACHO-JURUBEBA

Noves fora o “homem de predinho antigo”, aquela criatura que adora um


pé-direito alto, um sofá de época e uma luz indireta, o macho solteiro é um
desastre no capítulo decoração. Tem lá o seu sofá velho, a sua tv, uma cama
barulhenta, três ou quatro panelas _sem cabo_ encarvoadas pelo tempo, e
copos de requeijão, muitos copos de requeijão, alguns deles ainda com um
pedaço do papel do rótulo. Se brincar, o cara coleciona também os velhos
copos de geléia de mocotó, um primor de utensílio vintage, vixe!
E quando a fofa, toda fina e fresca, nova namorada, chega lá no muquifo
com a sua garrafa de champanhe?! Procura, procura as taças, para fazer uma
graça com o marmanjo, e nada. O jeito é beber Veuve Cliquot em copo de
extrato de tomate Cica. Quem mandou apaixonar-se por um macho-jurubeba
autêntico, que vem a ser justamente o avesso do metrossexual, aquele
mancebo da moda que se lambuza de creminhos da Lancôme e decora o loft,
sim, ele mora num loft, de acordo com as tendências da revista Wallpaper,
argh!!!
“Uó-o-qué, rapaz, seje homi”, diria meu amigo Rinaldo, pai de uma
deliciosa costela, lá no sítio Acauã, de Chã Grande, agreste do Pernambuco
mais pernambucano.
Pior é quando ela tenta mudar tudo. E põe aquele seu quadro caríssimo
e de grife numa sala que não tem nem mesmo um sofá que preste?!
Um desastre.
A fofa, toda metida a besta, não desiste nunca. Ai presenteia o bofe
_sim, ela está doida e perdidinha pelo cabra!_ com uma batedeira prateada
ultramoderna com 600 funções, que nunca será usada. Ai fica aquela batedeira
high-tech fazendo companhia aos três pratos chinfrins e aos garfos tortos
_como se o Uri Geller, aquele parapsicólogo que aparecia no Fantástico das
antigas, tivesse jantado por lá ou feito faxina na área.
Ela começa a revirar geral, um deus-nos-acuda, numa casa onde
ninguém havia mudado, caro Lirioboy, sequer uma planta de lugar. O reino
vegetal, aliás, é outro ponto fraco do macho solteiro. Jarros, flores? Nem de
plástico.
Na casa do homem solteiro típico, a utilidade triunfa sobre a estética. O
cúmulo do utilitarismo. Sofá da tia-avó vira cama, como diz a minha amiga D.,
co-autora dessa crônica. A cama vira sofá, a rede vira sofá e cobertor, o
cobertor vira cortina preso à persiana...
A falta de cortina é outra marca registrada do desmantelo do cavaleiro
solitário. Quando muito, papel filme.
Abajur? De jeito maneira. Tosco no último, ele não tem cultura de luz
indireta, nem nunca terá, esqueça.
Outro traço de personalidade do macho solteiro: tudo que chega até a
cozinha vira tupperware _aquelas embalagens plásticas de lasanha comprada
pronta, caixinha de entrega de comida chinesa ou japonesa, potes de sorvete...
Melhor assim do que as frescuras do ex da minha amiga D., a mesma
rapariga acima citada. Ela entrou na casa dele e logo ouviu a advertência, em
altos brados: “Não pisa de salto no meu carpete de madeira!”
“Nooooosssssa!,” arreganharia a bocarra o velho Costinha, se ouvissse
um impropério desses. Vôte!

SOB O SOL DAS FALSAS-MAGRAS

a teus pés, toda hora, todo devoto que se preze, pezinhos 36, 37, 38, conforme
confiro aqui gravado em lito no cimento fresco, conforme machucado no meu
peito quando pisavas com raiva e desejo, “seu coiso, seu merda, não vês que
te quero”, começo a beijar pelo solo pátrio, nem que o chão esteja quente
como no Crato, como em Teresina, onde o papa João Paulo II foi fazer aquela
graça e queimou a língua, donzela bela que inspira a lira, a loa e a larica,meu
docinho de coco aliterado no último, meu quebra-queixo, minha tapioca com
nata, minha carne de sol dormida no leite, minha manteiga de garrafa, minha
nega,contigo me derreto como no nosso último tango com Elvis na Augusta,
don’t be cruel... don´t be cruel a heart that’s true, minha índia, minha cabocla,
minha prova dos nove, minha canibalzinha mameluca, comedora de homens
na brasa, fome de viver da gota, ô minha minha morena, minha falsa loira, ô
minha creaaança, ô minha maloqueira, ô minha qualquer-coisa-linda-da-porra,
é chegada a hora, de devotar-me mais uma vez, com súplicas, rezas,
ladainhas, benditos e antigas elegias de Jorge Bem –Jesualda desceu o
morro!_, o veraneio dos pezinhos, vem, eles já desfilam por aí, no mais legítimo
gozo do direito safado de ir e vir, constitucionalissimamente, como
Bebetes,lindas sandálias para desenhar calçadas, o baile todo, subúrbio soul,
só as certinhas, só as cachorras, as Lucianas, as Domingas, as Barbarelas,
todas as musas,flores do bairro, sarro na relva, no Parque 13 de Maio, Jardim
Botânico, Ibirapuera, rolinhos primavera, suburbanos corações de
domingo, sempre de shortinhos, para enlouquecer parentes e vizinhos, sempre
lavando o carro indecentemente na frente da casa, que polimento, e a
cunhada, céus, não provoca, a classe operária vai ao paraíso, e a priminha,
como cresceu, Zeus, outro dia batia aqui em mim, na altura braguilha, olha só
como cresceu a criatura, mira o peitinho, mira, me gusta, umbiguinho de fora, ai
que calor, que saboneteira, opa, a tia grita: almoço na mesa, vem comer Juju
se não tu vira modelo e morre que é uma beleza, “ô mãe, vira pra lá essa
língua”, “vê se pode tio, pega aqui,vê como tô cheinha”... e me mata sob aquele
sol falso-magro debaixo de um nada cerimonioso banho de mangueira!
COMO ELIMINAR UM AMANTE

O leitor aflito me escreve. Quer ajuda, conselhos, alguma filosofia de


consolação, ombro, ouvidos... Qualquer adjutório serve. Uma alma penada.
Ainda mais no apagar das luzes do ano velho, quando a vida veste os seus
bicos e babados mais bregas e sentimentalóides.
Havia aposentado a Miss Corações Solitários que acode as vítimas dos
infortúnios e tsunamis do amor. Diante do apelo do amigo, não há como deixá-
lo a mascar o jiló do abandono neste “já vai tarde” de 2006.
Está desconsolado, como o Sizenando de Rubem Braga, que viu a
amada cair nos braços de um playboy. Um idiota que não sabia sequer uma
palavra de esperanto.
A vida é triste, Sizenando, como soprou-lhe o cronista.
Com Amaro, chamemos assim o nosso ensaio de Bentinho, não foi
diferente.
Quis o destino parafusar-lhe objetos pontiagudos à testa.
Sim, ela tem um amante. Daqueles amantes que se encontram à tarde,
num intervalo qualquer, no recreio da vida chata.
Nem foi preciso contratar o detive particular, conta-me o nosso Amaro.
Ele mesmo fez as vezes de cão farejador de sua própria desgraça.
Que fazer?, indaga, num email no qual até a arroba bóia em poças de
lágrimas.
Mato o desgraçado?
Tiro a vida da desalmada?
Vou-me embora pra Tegucigalpa?
Salto mortal da ponte Buarque de Macedo?
Um trágico, esse rapaz. Como os de antigamente. Amaro é do tempo em
que os homens coravam. Ainda tenho vergonha na cara, envaidece-se o
próprio.
Sossega, Amaro.
O melhor que fazes, respondi ao marido em fúria, é sumir por uns dias,
inventar uma viagem, e dar todo tempo do mundo ao infeliz desse amante.
Banalizar o amante, meu caro e bom Amaro.
Entendeste?
Deixar que eles durmam e acordem juntos. Que tenham seus
problemas, que percam o luxo dos encontros fortuitos e vespertinos.
É necessário deixar a Bovary sentir o bafo matinal da rotina.
A vida dos amantes dura porque eles só vivem as surpresas e valorizam
cada minuto do relógio que põem sobre a cabeceira daquele motel barato.
Nada mais cruel para o amante da tua mulher que presenteá-lo com o
pão-com-manteiga do dia-a-dia. A rotina é o cavalo de tróia do amor.
Amaro, nada de violência ou besteiras desse naipe.
Ao amante, todas as chances do mundo. Ao amante aquela D.R., a
famosa discussão de relação, em plena TPM.
Um amante nunca sabe o que venha ser uma mulher sob o domínio da
TPM. Ela faz questão de reservar todos os direitos desse ciclo ao pobre
marido.
Ao amante, Amaro, a tapioca fria e sem recheio da rotina do calendário.
Ao amante, Amaro, a falta de assunto.
Ao amante, os cabelos revoltos da mulher, naqueles dias em que nem
mesmo ela se agüenta ou encara o espelho. Naqueles dias em que os cabelos
brigam com as leis do cosmo e não há pente ou diabo que dê jeito.
Some, Amaro, depois me conta.

MISS CORAÇÕES SOLITÁRIOS RESPONDE

Diante de apelos e mais apelos de almas penadas, rapazes sensíveis,


raparigas sadomasoquistas, boyzinhas no viço e balzacas de todos os caritós,
está de volta Miss Corações Solitários.
Para quem não lembra, M.C. Solitários é uma é uma cigana da
Andaluzia que hoje habita um quintal do Capibaribe e, com a sua poderosa
entidade, socorre machos & fêmeas à beira de um ataque de nervos... ou
simplesmente portadores do inapagável (sic) fogo nas entranhas, como diria
aquele menino de nome Pedro Caballero Almodóvar.
Às cartas, pois, que as almas estão aflitas:

***

Mui amada e necessária M.C. Solitários, eu ganhei de presente de uma


amiga um singelo livro chamado o “O kama sutra do sexo oral” e gostaria
imensamente de aplicar umas lições em um rapaz que estou conhecendo
melhor. Como dar um “beijo negro” nele sem o guri me interpretar mal? Como
“preparar o terreno”, se é que tu me entendes? Como proceder? Socuerra-me
justiceira, ô meu analgésico genérico de todas as horas. Ass. Eu profundo e ou
outros eus, Alto do Boqueirão, Curitiba.

Resposta: Ora, ora, tolinha, a lição que pedes, como quase tudo nessa
vida, está numa canção do Roberto, a grande educação sentimental de
nosotros. Repare direitinho, está tudo lá, em Cavalgada, escuta só: “Usar meus
beijos como açoite/ E a minha mão mais atrevida”. Mas vai com delicadeza,
que é mais gostoso, como diz o mantra das Virgens de Olinda. Cariño, tua M.C.
Solitários

**

Privilegiada e abençoada M.C. Solitários, serei breve, pois o meu


problema é um pouco pesado para me expor assim em público. Acontece que
meu marido se recusa a bater em mim, por mais que peça, clame, rogue aos
céus, chore aos seus pés, implore. E sem apanhar, normal que sou, não faço
amor direito, não faço amor que preste. Que fazer para despertá-lo? Tem jeito,
sábia cigana? Ass. Justine, Consolação, São Paulo (SP).

Resposta: Minha criança, esse camarada se “androginou”, como diz o


lírico samba de Luiz Ayrão. Esses homens estão perdidos, a tal da crise do
macho, já ouviste algo sobre? Não servem nem mais para nos esquentar as
faces com os estalidos de uns bons e sugestivos tapas. Pra mulher apanhar
hoje em dia só freqüentando aulas de boxe como sparring. Na alcova, jamais.
Uma lástima. Nem pagando a gente consegue. Ficou tudo tão metrossexual,
tudo tão politicamente correto que nem mesmo no sertão a gente encontra
mais um Virgulino para nos dar uns tabefes no toitiço. Filha minha, te
aconselho: largue esse traste. Se homem que não bate em mulher fosse bom
eu tinha me casado com Mahatma Ghandi. Si, numa mulher não se bate nem
com uma flor, como dizia Florbela Espanca, mas ai estamos a falar da violência
física, totalmente condenada por esta que vos sopra as chagas da
existência.Cariño, M.C. Solitários.
[Escreva você também para nuestra cigana!]

SESTA: MODO DE USAR*

Como é bom tirar uma sesta, abaixar a cortina e dar um risinho safado para o
capital que se esborracha lá fora; como é bom, mesmo para um falido, ajeitar
os travesseiros –de palha ou de pena de ganso- e cerrar os olhos para sonhos
pequenos. Uma sesta à sombra da toda-poderosa Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo, a Fiesp, aqui perto do meu esconderijo; uma sesta com
as janelas abertas na rua da Aurora, a rua mais linda do mundo, de onde
avista-se Beberibes, Capibaribes, Áfricas, Tongas e Polinésias...

A minha siesta ibérica, como na origem do costume, lá no Juazeiro e Crato.


Como é bom tirar uma sesta com uma nega enroscada aos pés, sono leve de
conchinha, colherzinha e quetais. Mas os dois precisam estar no espírito da
sesta. Uma alma em desassosego acaba com qualquer sesta, sesta-de-favor
não vale, sesta carece de savoir faire... Um gato ali pelas nossas costelas –
opa!, um felino de carne e osso, um bichano- que delícia.

Numa sesta não vale sonhos épicos, apenas sonhos pequenos, daqueles que
a gente realiza num piscar de olhos. Ou simplesmente deixa para lá. Ridículo
correr desembestadamente atrás de sonhos. Sonhos são filmes grátis, que
vemos deitadinhos, sem o barulho ridículo de pipoca ou de gente.

“Ei, morena linda que passa, vamos ao cinema?” Ai trago ela para a sesta.
Cinema é travesseiro e pezinho colado.

Os sonhos são feitos pelos cineastas mortos, jeito de ocupar-lhes no


purgatório. Coisa da aliança espúria de Deus e do Diabo.

Sesta: modo de usar. Quanto dura uma sesta? O ideal é que não se faça o uso
do despertador, que não seja um curta-metragem, que seja um filme que se
durma nele inteirinho, que se beije o olho de quem dormir primeiro, como
sempre guardo as mulheres, até com uma rezinha baixinho para nunca acorda-
las e sempre protege-las, ô Deus guarde essa costela colada à minha e que
esse suorzinho seja o superbonder possível, a resina mais grudenta, que nos
livre do fim, amém. Mas o amor acaba, meu filho, sopra um anjo pousado no
ombro de Paulo Mendes Campos, que me diz baixinho, sossega, menino, esse
coração.
A sesta com a bênção das mulheres e da minha mãe. “Meu filho, durma pelo
menos uma meia horinha depois do almoço”. Minha mãe chorava, no dia em
que fui embora, mas nada dizia além da receita da sesta. Mulher de coragem:
deixar aquele graveto, só o couro e o osso, ganhar a estrada apenas com uma
rede que ela botou no fundo da mala...

Como eu queria achar de novo essa rede e tirar a maior das sestas, mas
troquei por alguma coisa, vício, comida, sei lá, entre uns desalmados de um
cortiço do Recife, num sótão ali na Barão de São Borja. Até quando a usei, era
uma rede que balançava lágrimas e meus chinelos sempre acordavam boiando
de manhã.

[texto republicado a pedidos, dois anos depois da sua postagem original.


uma versão do mesmo faz parte da antologia de crônicas "Boa
Companhia", 2005, SP, ed. Companhia das Letras]

UM FEIRANTE É TUDO NA VIDA DE UMA MULHER

Nada melhor que uma mulher que acabou de chegar da feira.


Sacola na mão, fome de viver, sorriso de princesa.
Os vendedores de frutas, peixes e verduras são mestres na arte de
reconhecer talentos e animar as moças com os seus adjetivos. Adjetivos às
pencas, elogios às dúzias, mimos, dizeres, samba exaltação, graças.
Meia hora de uma mulher na feira vale mais do que um mês de análise,
do que a onda de orientalismos tantos do mercado, do que a yoga, do que o
mestre japonês das agulhas, do que uma banheira de sais...
Nem mesmo quando as mulheres estão acompanhadas, os feirantes
dão sossego. Esperam você, jovem mancebo, se distanciar um pouco, dois,
três passos, e tome gracejos e flertes na baciada.
''Olha a manga, gostosa!'', bradam, administrando com malícia a vírgula
e o duplo sentido na ponta da língua.
“Ovo e uva boa!”, arriscam para as elegantes damas de preto.
“Essa é modelo!”, capricham para as gazelas saltitantes.
''Se eu fosse um peixe, eu seria um namorado!”.
É a boa guerra dos mascates. Eles vão no ponto, exatos como
neurocirurgiões do desejo. Sabem de longe, por exemplo, quando uma mulher
tem alguma ''encanação'' com a idade. Em um segundo, sapecam um
tratamento carinhoso: ''Pra mulher nova, bonita e carinhosa, eu não vendo...
eu dou!” E mais: “Só vendo pra menores de 18 acompanhada pelos pais”.
Em dias de chuva, mandam ver de acordo com o meteorologista: ''Essa
é enxuta até debaixo d'água'', alardeiam.
Um bom feirante reduz até os efeitos de uma TPM, de uma dívida nunca
paga, de uma culpa que corrói o juízo, de um regime ainda sem resultados
_elas ainda não sabem que uma polegada a mais, uma a menos, pouco
importa para quem tem gosto de fato por mulher.
Nada como incentivar o caminho da feira mais próxima da sua casa para
as mulheres.
No Ceagesp, então, os adjetivos saem a grosso e a varejo, na bacia ou
nos caixotes.
Os feirantes não mentem jamais. Eles sabem, mais do que ninguém,
que em toda mulher, seja quem for, existe um traço ou um aspecto de beleza.
Afinal de contas, mulher é metonímia, parte pelo todo, você passa a
apreciá-la por uma boca, um pé, uma orelha, uma mão, uma omoplata, um belo
ilíaco ressaltado, uma saboneteira, uma marca sulcada de vacina, um corte no
joelhinho esquerdo, uma cicatriz de artes de infância, uma bela bunda faceira,
uma falsa magra, um umbiguinho do mundo, aquele tom cinza dos cotovelos
da espera...

A GENTE SE VÊ*

“A gente se vê.” Pronto, phodeu, eis a senha para o nunca mais, o


“never more” do corvo do tio Edgar A. Poe.
A gente se vê. Corta para uma multidão no viaduto do Chá.
A gente se vê. Corta para uma saída de estádio lotado em dia de
decisão do campeonato.
A gente se vê. Corta para “onde está Wally”.
Nada mais detestável de ouvir do que essa maldita frase. Logo depois a
porta bate e nem por milagre.
Jovens mancebos, evitem essa sentença mais sem graça. Raparigas em
flor, esqueçam, esqueçam.
Melhor dizer logo que vai comprar cigarro, o velho king size filtro do
abandono. Melhor dizer que vai pra nunca mais. Melhor o silêncio, o telefone
na caixa postal, o telefone desligado, o desprezo propriamente dito, o desprezo
on the rock´s.
A gente se vê uma ova. Seja homem, torque de palavras, use o código
do bom-tom e da decência. A gente se vê é a mãe, ora, ora.
Como canta o Rei, use a inteligência uma vez só.
Esse “a gente se vê” deveria ser proibido por lei. Constar nos artigos
constitucionais, ser crime inafiançável no Código Penal.
A gente se vê é pior do que a gente se esbarra por ai. Pior do que deixar
ao acaso, que jamais abolirá a saudade, que vira uma questão de azar e sorte.
Melhor dizer logo “foi bom, meu bem, mas não te quero mais”. YO NO
TE QUIERO MAS, como na bela camiseta mexicana da Theodora de R.W.
Dizer foi bom meu bem e pronto, ficamos por aqui, assim é a vida, sempre mais
para curta do que longa-metragem.
A gente se vê é a bobeira-mor dos tempos do amor líquido e do sexo
sem compromisso. A gente se vê é a vovozinha, ora!
Seja homem, diga na lata.
Não engane a moça, que a nega é fino trato, que não merece desdém.
A fila anda, jogue limpo.
A gente se vê. Corta para uma multidão no show do Rolling Stones. A
gente se vê. A gente se vê. Corta para a festa do Círio de Nazaré. A gente se
vê. Corta para a festa do Morro da Conceição. A gente se vê. Corta para o dia
de Iemanjá em Salvador. A gente se vê. Corta para o reveillon na praia de
Copacabana.
A gente se vê. Então aproveita e vai ver se eu já estou na esquina.
*Da série Republicações Carapuceiro ano X, as mais pedidas!

O AMOR NOS TEMPOS DO MSN

Em dez minutos, pronto, você está lá na maior das intimidades com a


criatura. Tudo aquilo que demorava dias, meses, com as missivas ou flertes da
vida real, virou coisa de segundos nesse outro plano.
É o amor nos tempos do MSN, o Messenger, o amor nos tempos do
Orkut, chats, comunidades e tantas outras geringonças. Tudo muito rápido,
espécie de miojo sentimental, emoções baratas, 3,5 minutos, ferveu, fodeu,
priu!
Você nem carece pegar na mão, já vai direto pra cama, pra detrás da
moita mais platônica. Não carece nem cantar Paulinho da Viola, olá como vai,
quanto tempo, pois é, quanto tempo...
E não é coisa apenas desses moços, pobres moços. Minha amiga K.,
por exemplo, 55 anos, Madame Bovary dos tempos digitais, tem quatro
amantes “fixos” virtuais, além do marido de carne, osso e ronco, como ela
mesma diz. “Vou deixar um deles, pois não tem comparecido a contento”, solta
a blague. Todos jovens, quase donzelos, meu Deus.
Antes bastava ficar de olho na chegada do carteiro, o bravo homem de
amarelo, com o seu embornal de cobranças, boas novas ou lágrimas...
Amor e tecnologia, um falso abraço. No princípio era apenas o bina, e
matou o velho mistério do telefonema mudo e anônimo. Ofegante, a criatura,
apaixonada, ligava só para ouvir a voz do obscuro objeto de desejo do outro
lado da linha. Ou mandava uma música do Rei, de preferência a mais
romântica: “Vou cavalgar por toda noite, numa estrada colorida...”
É, o telefonema dos desencorajados do amor, esse clássico das
antigas, está praticamente enterrado.
Depois, chegou a telefonia móvel. Uma revolução na crônica de
costumes. O fim de muitas desculpas canalhas. Tipo aquele homem que
tomava um chá de sumiço e voltava, batom até no lenço d´alma, com os álibis
mais inverossímeis desse planeta.
Outra alvissareira função do celular é fugir dos mal-assombros
sentimentais. Você quer ir numa festa e sabe que aquele infeliz pode estar lá,
serelepe, nos braços de uma “vagabunda” qualquer. Uma ligação e pronto, o
amigo dá o serviço completo das assombrações. Pena que o mesmo aparelho
também sirva para matar as surpresas, o friozinho na barriga, aquela coisa
toda, lembra?
O amor nos tempos do Messenger. E o novo problema já está ficando
velho, grego, decifra-me ou te deleto: como transformar uma tara platônica em
uma trepada homérica?

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