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DECIFRANDO UM ENIGMA

CHAMADO BRASIL

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JOÃO GILBERTO PARENTI COUTO

DECIFRANDO UM ENIGMA
CHAMADO BRASIL
2ª edição revista e ampliada

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Copyright © 2005 by João Gilberto Parenti Couto
2006 – 2. ed.
e-mail: jgparenti@hotmail.com
Todos os direitos reservados

Diagramação e composição eletrônica


Elizabeth Miranda

Revisão:
Ana Emília de Carvalho

Capa:
Marcus Vinicius

Proibida a reprodução total ou parcial.


Os infratores serão processados na forma da lei.

Couto, João Gilberto Parenti.


C 871d Decifrando um enigma chamado Brasil / João Gilberto Parenti
Couto. – 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte : Mazza Edições,
2006.
248 p.

Conteúdo: Livro I. Brasil, país do presente – O futuro chegou.


Livro II. A revolução que Vargas não fez – a
implantação da Escola Pública de tempo integral.
Livro III. Acorda Brasil – um alerta aos políticos e
governantes sobre a necessidade de um projeto nacional para o
país fazer face aos desafios do terceiro milênio.

1. Ensaios brasileiros. I. Título.

CDD : B869.43
CDU : 869.0(81)-4

Mazza Edições Ltda.


Rua Bragança, 101 – Bairro Pompéia – Telefax: (31) 3481-0591
30280-410 Belo Horizonte – MG
e-mail: edmazza@uai.com.br
www.mazzaedicoes.com.br

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SUMÁRIO

Apresentação ................................................................. 11

LIVRO I
BRASIL, PAÍS DO PRESENTE – O FUTURO CHEGOU
O DESTINO MANIFESTO E O SONHO DE DOM BOSCO
Prefácio ......................................................................... 29

PARTE I – O DESTINO MANIFESTO


1. A Revelação ............................................................... 33
2. A Consagração ........................................................... 35
3. Enigmas ..................................................................... 39
O eixo do poder ........................................................ 39
A má notícia .............................................................. 41
A fatalidade ............................................................... 43
A vaquinha da Leopoldina ........................................... 44
Os incêndios do Caraça e da Igreja do Carmo ............... 46
O rito de passagem .................................................... 47
O vendaval revolucionário ........................................... 47
A pedra de tropeço .................................................... 48
Os anos decisivos (2002/2003) .................................. 48

Parte II – O sonho de Dom Bosco


Nota explicativa .............................................................. 53
4. Um sonho de Dom Bosco ............................................ 55
5. Dom Bosco sonhou Brasília? ........................................ 59
6. A realização do sonho................................................. 64

5
7. Posfácio ..................................................................... 69
A Era Vargas .............................................................. 69
O Testamento ............................................................ 74
A Era Vargas em três tempos – Resumo ........................ 76
Referências Bibliográficas ................................................. 77

LIVRO II
A REVOLUÇÃO QUE VARGAS NÃO FEZ – A IMPLANTAÇÃO DA ESCOLA
PÚBLICA DE TEMPO INTEGRAL

Introdução ..................................................................... 81

PARTE I – AS CAUSAS DO FRACASSO DA ESCOLA PÚBLICA


1. Uma disputa de poder e prestígio ................................. 87
2. O poder da Igreja no Brasil .......................................... 92
3. O litígio ensino religioso x ensino leigo ......................... 96
4. O combate à Escola Pública na República Velha e a criação
da Rede Particular de Ensino ........................................ 99
5. O advento da Revolução de 30 .................................. 104
6. Os colégios católicos ................................................ 107

PARTE II – A ESCOLA PÚBLICA DE TEMPO INTEGRAL


7. O exercício da cidadania ............................................ 111
As atividades culturais e esportivas ............................. 112
O ensino profissionalizante ....................................... 113
O combate à fome .................................................... 114
A recuperação de menores infratores ......................... 114
8. Os recursos necessários ............................................ 116
O fim da hipocrisia assistencialista empresarial............. 117
A divisão de atribuições ............................................ 119
9. Os exemplos de Belo Horizonte ................................. 122
A ação de um vereador ............................................. 122
6
A ação de um grupo de professores ........................... 124
Reflexão final ........................................................... 125

LIVRO III
Acorda, Brasil – Um alerta aos políticos e governantes
sobre a necessidade de um projeto nacional para o país
fazer face aos desafios do terceiro milênio
Prefácio ....................................................................... 129
1. O planejamento estratégico........................................ 131
Sistema de Transportes – Trem de Grande Velocidade ... 133
A Ferrovia de Dom Bosco .......................................... 134
A indústria do turismo e a geração de empregos .......... 138
A Semana Inglesa e as Leis Trabalhistas ....................... 139
Gerenciamento dos recursos naturais ......................... 142
Recursos hídricos ..................................................... 143
A defesa do meio ambiente ....................................... 145
Os consórcios de reciclagem ..................................... 146
As Regiões Metropolitanas ........................................ 147
A defesa das matas ciliares e a proteção das nascentes . 149
Recursos energéticos ................................................ 150
A reestruturação do Estado brasileiro ......................... 152
A revisão Constitucional ........................................... 152
A reforma do Judiciário ............................................ 155
O Ministério do Pessoal da União .............................. 158
O Ministério dos Bens Imóveis da União .................... 160
O Instituto Brasileiro de Seguro Social ........................ 161
Uma nova divisão territorial da Federação ................... 164
O resgate da dívida social .......................................... 165
A Reforma Agrária .................................................... 166
A Reforma Urbana .................................................... 172
Favelas e cidadania .................................................... 175
A renegociação da dívida externa ............................... 177
Títulos do Tesouro Nacional ...................................... 179
7
Selos de Autenticidade .............................................. 179
O resgate da dívida pública........................................ 180
A quebra de Contratos e a Bíblia................................ 182
2. A Geopolítica Continental ......................................... 183
O fluxo migratório ................................................... 183
O monitoramento das fronteiras ................................ 185
A Guarda Nacional ................................................... 187
A Polícia Federal ....................................................... 188
O Ministério da Defesa ............................................. 188
A Polícia Carcerária Federal ........................................ 189
O Sistema Prisional e a dignidade do ser humano ......... 190
As Polícias Estaduais de Segurança Pública ................... 191
A reestruturação das Forças Armadas ......................... 192
A defesa do tríplice ecossistema sul-americano ............ 193
O Instituto de Pesquisa do Tríplice Ecossistema ........... 195
A liderança do Brasil na América do Sul ...................... 195
A Área de Livre Comércio das Américas ..................... 197
Interesses estratégicos .............................................. 198
A Associação dos Países Sul-Americanos .................... 199
A Farmacopéia Brasiliense e o futuro da Nação ............ 200
A soberania dos países sul-americanos ....................... 203
A estratégia de defesa da América do Sul .................... 205
Energia nuclear ........................................................ 205
Pequenas usinas nucleares ......................................... 207
A doutrina Bush ....................................................... 210
A doutrina do combate ao narcotráfico....................... 213
O ato falho .............................................................. 214
A paz ameaçada ....................................................... 218
A estratégia do medo e a defesa da Amazônia ............. 221
Os Estados predadores ............................................. 223
3. A guerra biológica .................................................... 228
A guerra biológica na Antiguidade .............................. 228
8
As sete pragas do Egito ............................................ 229
A guerra biológica moderna....................................... 230
O Instituto de Pesquisas Biológicas e Combate às Pragas
Exóticas .............................................................. 234
A Síndrome do Sapo Fervido ..................................... 243
Referências Bibliográficas ............................................... 244

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APRESENTAÇÃO
PRESENTAÇÃO

É com prazer que submeto ao leitor esta obra, na qual


reuni num só volume três livros que publiquei em parceria com a
Mazza Edições de Belo Horizonte (todos já esgotados), tratando
de aspectos ligados à realidade brasileira nesta virada de milênio.
Estes livros, agora revistos e em alguns casos ampliados para
maior clareza dos textos e compreensão das mensagens que en-
cerram, juntamente com outros dois, Projeto Brasil e Operação
Senzala, publicados também por essa editora, representam cerca
de nove anos de trabalho (1996/2005), aos quais me dediquei
para tentar decifrar esse enigma chamado Brasil, pois é impossí-
vel ficar-se alheio ao caos social no qual o País está mergulhado.
Nos livros Projeto Brasil e Operação Senzala, procurei abordar a
questão do resgate da dívida social, representada por quase qua-
tro séculos de escravidão e mais de um século de exclusão social
dos brasileiros descendentes dos escravizados. Agora, com este
livro, a decodificação desse enigma chamado Brasil se completa.
A chave para essa abertura começa com o Livro I – Brasil, país
do presente – O futuro chegou, no qual o leitor tomará conhe-
cimento do Destino Manifesto e o Sonho de Dom Bosco, visão
profética de um porvir alvissareiro para a Terra Brasilis. No Livro
II – A Revolução que Vargas não fez – A implantação da esco-
la pública de tempo integral, estão expostas as causas do fra-
casso da escola pública e os responsáveis pela situação calamito-
sa do ensino no Brasil, fato que não só perpetua a exclusão social
de significativa parcela da população brasileira, como também
compromete a realização dos sonhos de Dom Bosco, e para com-
pletar, no Livro III – Acorda, Brasil, é dado um alerta aos polí-
ticos e governantes sobre a necessidade de um projeto nacional
para o País fazer face aos desafios do terceiro milênio, entre os
quais se destaca a pobreza que atinge significativa parcela da po-
11
pulação brasileira, fruto de uma opção político-econômica equi-
vocada.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Apli-
cada (IPEA), publicados pelo Jornal Estado de Minas (2/6/2005,
p. 10), o Brasil chegou ao fundo do poço da miserabilidade e,
atolado na pobreza, disputa o último lugar com um paupérrimo
país africano:
Com um total de 53,9 milhões de pobres (31,7%), cerca de um
terço da população brasileira, o Brasil aparece em penúltimo lu-
gar numa lista de 130 países, no que se refere à distribuição de
renda, só perdendo para Serra Leoa, na África. É o que mostra
um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
divulgado ontem pelo ministro do Planejamento, Orçamento e
Gestão, Paulo Bernardo. O Estudo Radar Social 2005 conside-
rou pobres as pessoas que vivem com renda domiciliar per capita
de até meio salário mínimo (R$ 120 em 2003, época do estu-
do). Foram consideradas muito pobres ou indigentes as pessoas
com renda de até um quarto (R$ 60) do salário mínimo de 2003.
Nessas condições vivem 21,9 milhões de brasileiros. A pobreza
no País também é maior entre a população negra. Segundo o
Ipea, 44,1% de negros viviam com renda inferior a meio salário
mínimo em 2003.
Para saber por que essa situação é mantida pelo atual go-
verno, que se diz trabalhista, nada mais oportuno do que recapi-
tular na forma de uma pequena história – A estrela que virou
cometa – que a ascensão e queda do Partido dos Trabalhadores,
e os descaminhos do governo Lula nos trinta meses transcorri-
dos desde sua eleição em 2002, até a crise político-institucional
de junho de 2005, quando sua caminhada foi barrada por uma
muralha de CPIs instaladas no Congresso Nacional. O trágico
neste processo é a insistência deste governo de lutar para que a
economia “não sofra nenhum risco por conta da crise”, como
discursou o Presidente Lula na 13ª reunião do CDES em
25/8/2005, pois ela vai bem e por isso mesmo não pode ser
perturbada. Ora, se a economia vai bem, o mesmo não acontece
com o povo, como já dizia há cerca de trinta anos o Presidente
Médice, cuja assertiva continua atualíssima. Este estado de coisas
é mantido graças às “bases sólidas” na qual a economia brasileira
12
está assentada desde o tempo do Império, ou seja, os excluídos
da sociedade que naquela época viviam acorrentados nas senza-
las e que agora se encontram confinados nas favelas. A razão,
portanto, do “sucesso” da atual política econômica é que ela foi
formatada para atender com exclusividade aos extratos superio-
res da sociedade brasileira, ignorando solenemente essa massa
de miseráveis que, para sobreviver, têm de se contentar com as
migalhas dos programas assistencialistas governamentais ou pro-
jetos “filantrópicos”das chamadas ONGs.
A obsessão de Lula em defender essa política econômica,
herdada do governo FHC, é muito parecida com a postura do
vilão do filme A Ponte do Rio Kway, que, ao se colocar ao lado do
inimigo para construir essa ponte que serviria para combater seus
compatriotas, perdeu o senso das coisas e passou a defendê-la a
todo custo, inclusive sacrificando seus camaradas de farda nessa
obra insensata, chegando ao extremo de confrontá-los ao cons-
tatar que estavam tentando destruí-la. Aliás, essa postura equi-
vocada está bem representada na atividade de agiotagem que era
praticada até agora às escondidas, por ser considerada ilegal,
mas que se tornou um negócio oficial com a autorização dada
aos bancos, pelo governo Lula, de descontarem das folhas de
pagamento os empréstimos concedidos aos funcionários públi-
cos, operários e pensionistas do INSS. Esta é uma medida que
atenta contra o mais sagrado direito do trabalhador: o de dispor
livremente de seu salário para se manter, pagar suas dívidas e
honrar seus compromissos, sem as peias da servidão. Esta sujei-
ção aos banqueiros-agiotas é uma repetição da prática dos arma-
zéns cativos dos coronéis do passado, que foi ressuscitada (pas-
mem!) por obra e graça de um Operário-Presidente.
Mas não é só. No auge da crise das CPIs, entre setembro e
outubro de 2005, o Presidente Lula, ao invés de dar uma satisfa-
ção à sociedade sobre os fatos investigados, os descalabros de
seu governo, esmerava-se em realçar os “sucessos” de sua polí-
tica econômica, frisando que não faria nenhuma loucura como
pretensos candidatos à sua sucessão iriam fazer no ano seguinte,
o ano das eleições, mudando o rumo dessa política, que sabe
inevitável. Era uma mensagem direta para a elite e os banqueiros,
13
de que somente ele seria capaz de proteger seus interesses, na
medida em que não mudaria nada, razão por que deveriam patro-
cinar sua reeleição. Esta postura reflete o instinto de sobrevivên-
cia do líder sindical, que, sem meios de levar aos operários um
acordo satisfatório, fecha com os patrões um trato para salvar a
cúpula sindical, e seu próprio cargo, do fracasso de seu discurso.
É a mesma traição imposta ao povo que lhe deu um mandato para
promover mudanças na sociedade, que prometera nos palanques,
mas que, por conveniência, como FHC, ou por medo dos antigos
patrões, cujo poder conhece muito bem, esqueceu o que disse,
ou se faz de desentendido. É a suprema traição!

A Estrela que virou Cometa


Síntese de um ato falho
Esta é a história de uma estrela que surgiu no escuro
firmamento da ditadura militar, enchendo de esperança os
desesperançados e alegrando a todos com seu faiscar, à medida
que as escuras nuvens da opressão se dissipavam do céu da pá-
tria. Seu brilho, todavia, começou a ser ofuscado quando surgiu
uma estranha cauda, evento que decepcionou os mais atentos
observadores de astros e estrelas, pois tal fato significava que
não se tratava de uma estrela guia como muitos leigos acredita-
vam, mas sim de um simples cometa. Mas o que acabou conven-
cendo os mais incrédulos desse engano foi o crescimento espan-
toso dessa cauda, à medida que se aproximava do Poderoso Sol,
o que por si só denunciava a natureza fugaz desse corpo celeste.
Em que pesem essas evidências esclarecedoras, muitos dos cul-
tores dessa “estrela” teimavam em dizer que tudo não passava de
uma ilusão de ótica, mesmo tendo percebido que o rabo dessa
falsa estrela ficara preso ao brilho dourado do Astro-Rei, no
momento em que mudou de lado, da esquerda para a direita, ao
atingir seu zênite.
Essas lucubrações sintetizam as conseqüências nefastas do
não cumprimento por parte de um partido político de seus com-
promissos eleitorais. Esta traição ao eleitor é muito perigosa para
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a democracia, pois, além de trazer insegurança à sociedade, favo-
rece a corrupção nos poderes constituídos, como denunciou o
deputado Roberto Jéfferson em junho de 2005. É como se os
passageiros de um navio tomassem conhecimento, em alto-mar,
de que o comandante resolveu mudar de rumo, seguindo para
outro porto que não o combinado, e para convencer os tripulan-
tes indecisos, mandou jogar ao mar os que se opunham a essa
manobra desonesta. E como se isso não bastasse para intimidar
os passageiros, muitos dos quais sufocados nos infectos porões
dessa nau de insensatos, mandou também atirar ao mar a própria
bússola de navegação (às favas com escrúpulos ou esqueçam o
que escrevi), passando a partir daí a confiar nos arautos que se
aboletaram no cesto da gávea, de onde propalavam, aos quatro
ventos, que a rota era segura, embora o forte nevoeiro represen-
tado por um trilhão de reais gotas douradas não lhes permitissem
ver sequer um palmo na frente do nariz.

As pegadas da traição

DEZEMBRO DE 2002
A Escolha Certa
(Artigo de Bolívar Lamounier – Revista Exame, 25/12/2002,
ed. 782, p. 14 – parcial)

Com a eleição de Lula, o Brasil demonstrou que está ma-


duro para a alternância de partidos no poder, requisito essencial
da moderna democracia representativa. E Lula, tanto na campa-
nha como nesse período inicial de organização de seu governo,
também tem dado mostras de amadurecimento e realismo. O
essencial, para Lula e o PT, era perceber que o Brasil tem hoje à
sua frente dois caminhos claramente bifurcados: o da estabilida-
de, que cria condições para a progressiva retomada do cresci-
mento, em bases sustentáveis, e o do populismo, que não tarda-
ria muito a colocar o país diante de uma crise de grandes propor-
ções. O primeiro é o caminho do respeito aos contratos e acor-
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dos vigentes, da disciplina fiscal, da continuação e até do
aprofundamento das reformas iniciadas por Fernando Henrique.
A opção contrária, populista, seria a tentativa de dar imediato
atendimento a expectativas sociais acumuladas; expectativas que
soam legítimas no diapasão ético e social em que são vocalizadas,
mas fantasiosas na proporção e no horizonte de tempo com que
se configuram durante o recente processo eleitoral. Esse segun-
do caminho levaria a uma bolha de crescimento seguida por um
belo desastre, com perda de boa parte do que o país conseguiu
durante a última década em termos de estabilidade, reforma es-
trutural e confiabilidade de seus parceiros internacionais. Zigue-
zaguear entre essas duas alternativas, buscando um meio-termo
na referida bifurcação, é opção instável e arriscada, que apenas
serviria para alimentar a inflação, trazer de volta a indexação e
semear desconfiança ao longo de todo o espectro de interlocutores
relevantes do governo – do mercado financeiro à própria base de
sustentação parlamentar do governo.

DEZEMBRO DE 2004
OAB avalia Lula como um “Carbono” de FHC
(Artigo intitulado CRÍTICA – Jornal Estado de Minas,
30/12/2004, p. 4)

BRASÍLIA – O presidente nacional da Ordem dos Advoga-


dos do Brasil (OAB), Roberto Busato, e dirigentes das seccionais
estaduais da entidade avaliaram que o governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva é “sofrível” e um “carbono” da administra-
ção Fernando Henrique Cardoso. Para Busato, ao elegerem um
ex-metalúrgico com a história de Lula como presidente, os brasi-
leiros demonstraram que querem um novo modelo político, em
especial na área social. “Esse governo não conseguiu, ainda, tra-
duzir em realidade qualquer um desses anseios da população”,
afirmou. Segundo ele, o termômetro para essa insatisfação dos
eleitores foi a eleição municipal. “O erro maior desse governo é
ter destruído a crença e a esperança do povo brasileiro, que
ficou sem alternativas para melhorar de vida. Este governo é a
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cópia xerox do governo Fernando Henrique”, afirmou o presi-
dente da OAB do Acre, Adherbal Maximiano Corrêa. No coro
de críticas, o presidente da OAB da Bahia, Dinailton Oliveira,
disse que a população brasileira está frustrada com o governo.
“Ele está sendo uma continuidade piorada do governo de Fernando
Henrique Cardoso”, afirmou. Já a presidente da OAB do Distrito
Federal, Estefânia Viveiros, observou que o desempenho da eco-
nomia tem atendido e superado o que esperam os credores ex-
ternos. “Mas internamente é outra coisa. Para o público que fala
português o que tivemos, até agora, foi muita promessa, o que é
lamentável”, disse.

DE NOVO?
Nota de Batista Chagas de Almeida
(Jornal Estado de Minas, 28/12/2004, p. 2 –
Coluna “Em Dia com a Política”)

Primeiro, vamos crescer o bolo. Só depois, quando estiver


no ponto, poderá ser repartido com a população, dizia o então
todo-poderoso da política econômica do governo do general-
presidente Costa e Silva, ministro Delfim Neto. Hoje, a economia
vai bem, deve crescer no ano que vem em torno de 5%. Estamos
pagando de juros externos uma montanha de dinheiro, bem mais
do que o acordado com o FMI. O bolo está crescendo, mas o
governo do operário-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entende
que ainda não é a hora de reparti-lo com a população. A desi-
gualdade social se mantém em alta e a renda do trabalhador con-
tinua caindo, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domi-
cílios (Pnad).

A opção equivocada
O que a imprensa registra no final do segundo ano do
governo Lula sintetiza as conseqüências nefastas de uma opção
equivocada, feita por governantes acovardados que não têm a
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coragem de desafiar a elite, como fez Getúlio Vargas, nem a ou-
sadia de enfrentar os tecnocratas do FMI, paus mandados da
banca internacional, como JK, para mudar as regras de um jogo
que contraria os interesses do povo e da nação brasileira, mas
que é extremamente favorável a uma minoria de privilegiados.
Para isso é necessário ter o caráter de um gaúcho forjado nos
entreveros dos Pampas e a altivez de um mineiro cultivada no
silêncio das montanhas. Sem esse estofo moral, o que se vê são
governantes bitolados, como os militares, ou renegados, como
Fernando Henrique Cardoso, que abjurou tudo o que escrevera
como sociólogo, para poder abraçar, sem constrangimentos, como
Presidente da República, a causa dos banqueiros. Este mesmo
procedimento foi adotado, prazerosamente, pelos elementos de
proa do Partido dos Trabalhadores, os quais, segundo a senadora
dissidente, Heloísa Helena, lambuzaram-se com as regalias do
poder tão logo se tornaram os poderosos do momento, esque-
cendo assim todo um passado de lutas e promessas de mudanças
no quadro social brasileiro, como bem frisaram os representan-
tes da OAB.
Conseqüentemente o que se vê, ao findar-se o segundo
ano do “proletário” governo petista, é a continuidade da política
da “foca enganada” (aquela que persegue uma sardinha espetada
numa vara), ou seja, o tal “crescimento sustentado”, que será
alcançado “no próximo ano”, quimera que sustentou o discurso
do Presidente FHC em seus dois mandatos e que agora é usado
sem cerimônias pelo Presidente Lula. Essa política funciona como
uma miragem, pois na virada de cada ano um fato novo remete
para o seguinte esse prêmio que parece estar ao alcance das mãos
e que mudará a sorte dos excluídos, os quais, enquanto tal fato
não acontece, devem contentar-se com os megaprojetos
assistencialistas, como “Fome Zero” ou “Bolsa Família”, e outras
propostas varejistas de inclusão social, como o “Programa
Nacional de Biodiesel”, que, se não mudam o quadro de exclu-
são, servem de anestésico social, como o famoso “pão e circo”
dos romanos.
Este programa, inclusive, é um contra-senso, pois, ao in-
vés de incentivar a produção de alimentos para combater a fome,
ele foi projetado para alimentar a indústria automobilística. Isto é
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um absurdo! Nenhum país do mundo jamais se atreveu a destinar
terras agricultáveis para produzir combustíveis, pois basta um
simples cálculo matemático, e a Petrobrás está apta a fazê-lo, para
se ter a idéia da dimensão da área a ser plantada para substituir
os combustíveis fósseis. A exceção, claro, é o nosso País, com o
famigerado projeto da ditadura militar, o Proálcool, que varreu
do campo uma enormidade de pequenos e médios agricultores
que produziam alimentos, principalmente os produtores de fei-
jão do Estado de São Paulo. A propósito, é bom lembrar que a
ONU calcula em 1 tonelada por habitante a produção de alimen-
tos para que um país não passe fome. Quanto falta ainda ao
Brasil para atingir esse patamar? Para refrescar a memória dos
mais distraídos, é só recordar o que os economistas dizem sem-
pre que se cogita aumentar o poder aquisitivo dos excluídos:
“Vai haver desabastecimento, pois a produção de alimentos não
é suficiente para atender ao aumento de consumo, e conseqüen-
temente a volta da inflação”.

Uma comparação necessária


No dia 29 de abril de 2005, o Presidente Lula fez perante
a imprensa um balanço de seus dois anos e quatro meses de
governo, quando reconheceu que nesse período cometeu apenas
três erros, nenhum dos quais relacionados com o resgate da dí-
vida social, que sequer foi mencionada nessa entrevista. Diante
disso, como ficam a reforma agrária, a reforma urbana/o fim das
favelas, a falência do sistema de saúde e a precariedade da educa-
ção pública? Quais os acertos a serem comemorados nessas ques-
tões vitais para o exercício da cidadania? E os 10 milhões de
empregos prometidos na campanha eleitoral? Também devem ser
computados como “acertos”, ou tudo isso são erros escamotea-
dos da opinião pública por assessores espertos, com a colabora-
ção da mídia, para não empanar o “brilho” dessa coletiva? E o
projeto de transposição do Rio São Francisco, que ameaça trans-
formar esse até agora tido como o rio da integração nacional
num caudal de discórdia? Por que o Presidente Lula, ao invés de
agir com prepotência nesta questão, não convoca os governado-
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res dos Estados doadores e receptores para buscarem juntos a
melhor solução? O ex-Presidente Itamar Franco, quando recebeu
a Nação numa situação de conflito, procurou no Congresso Na-
cional o consenso para governar o País sem traumas. Por que não
agir da mesma forma no caso desse polêmico projeto?
A propósito da postura arrogante deste governo petista e
suas parcas realizações, nada mais oportuno do que comparar o
que fez o ex-Presidente Itamar Franco em menor tempo de gover-
no (dois anos e três meses), ao receber o País em frangalhos e a
auto-estima do povo em baixa. Neste mandato reduzido, ele co-
locou, com apoio de todos os partidos políticos, a nação nos
eixos e devolveu ao povo a alegria de viver. Por que a mídia não
faz comparação entre o governo Itamar e o governo Lula, que
disse que só se governa realmente a partir do segundo ano de
mandato, enquanto Itamar provou que nesse período se pode
fazer muito pelo País, desde que se tenha coragem e determina-
ção? Estas qualidades de estadista, Itamar exercitou-as novamen-
te como Governador de Minas Gerais, ao decretar a moratória
da dívida mineira, fato que tornou público a situação falimentar
das finanças estaduais, pondo assim em xeque a política econô-
mica do governo FHC, e ao colocar a Polícia Mineira na represa
de Furnas para barrar o processo de privatização do setor elétri-
co brasileiro, que, se concretizado, teria levado o País ao caos.

A Lenda da Ponte Pênsil


Um Ermitão que vivia numa caverna no topo de uma mon-
tanha revirava-se em seu catre numa noite de insônia, preocupa-
do que estava com os ruídos que emanavam de um canteiro de
obras de uma ponte pênsil, projetada para transpor um fosso
profundo que separava a montanha em que vivia de uma outra, a
montanha mágica, onde, segundo uma lenda corrente entre po-
vos subdesenvolvidos, estavam guardados, a sete chaves, os se-
gredos que tornaram outros povos desenvolvidos, os chamados
países do Primeiro Mundo. Como era míope e ainda por cima
padecia de cegueira noturna, lançou mão de um binóculo
infravermelho, de última geração, para descobrir o que se passa-
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va, pois estava acostumado com a faina diária dos trabalhadores
que, calados e sem reclamar, esgotavam-se nessa obra aparente-
mente sem fim. Havia quinhentos anos que seus antepassados se
dedicavam a esse mister e até aquele momento sem sucesso, pois
essa ponte sobre o profundo fosso no qual corria o Rio Ipiranga,
uma torrente de águas tormentosas, ainda não estava pronta e
em condições de uso. Este insucesso, todavia, não era culpa dos
obreiros, pois milhões de seus antepassados, índios e negros,
foram, como eles estavam sendo, sacrificados para que tal objeti-
vo fosse alcançado. Alguns êxitos desses heróis anônimos podi-
am ser contabilizados, como a corda guia que já estava firmemen-
te amarrada nas estacas de pau-brasil cravadas na montanha má-
gica, o que teoricamente permitiria levar para lá outras cordas
para concluir a ponte e descobrir os tais segredos tão bem guar-
dados.
A razão por que essa ponte pênsil ainda estava inconclusa,
embora continuasse a exigir esforços sobre-humanos dos operá-
rios, logo seria descoberta pelo ermitão. Assim que ajustou o
binóculo, ele pôde ver com nitidez várias pessoas, em grupo ou
sozinhas, numa atividade frenética para dar nós nas cordas que
no dia seguinte seriam estendidas através do fosso, para serem
amarradas nas estacas de pau-brasil fixadas na montanha mágica.
Estranhando tal fato, regulou o binóculo para examinar o porquê
de tais nós e o que constatou o deixou estupefato. É que para
reforçar as cordas, para evitar que rompessem pelo efeito das
tensões a que seriam submetidas, foram introduzidos fios de ouro
na trama de cada uma delas. O que esses fantasmas noturnos
estavam fazendo na calada da noite, enquanto todos dormiam em
berços esplêndidos, era afanar os fios de ouro em várias seções
dessas cordas e, para encobrir tais roubos, davam nós nesses
locais. O resultado dessa rapina noturna era que os diaristas
trabalhavam em vão, pois não conseguiam estender as cordas até
os pontos de amarração nas estacas de pau-brasil, já que ficaram
mais curtas devido aos nós feitos pelos meliantes.
Assim, essa ponte, que tinha tudo para dar certo, uma vez
que havia material suficiente para construí-la, pois o País era rico
21
em recursos naturais, tornara-se ao longo do tempo num dos
maiores fracassos dos pontífices tupiniquins, responsáveis pela
sua construção. O trágico nesse fracasso é que as cordas que
dariam sustentação à ponte eram as mais atingidas pelos roubos,
como as da educação, saúde, reforma agrária, e outras ligadas à
cidadania, e o pior de tudo era o roubo praticado pelos próprios
construtores da ponte, que da mesma forma surrupiavam fios de
ouro para, paradoxalmente, pagarem juros aos banqueiros que
financiavam essa obra de vital importância para o País, a qual,
segundo a lenda, serviria de acesso ao Primeiro Mundo.

O sonho do Ermitão
Após essas visões, o Ermitão retornou ao seu catre e ador-
meceu, mas suas atribulações continuaram, agora na forma de
um sonho. Neste sonho ele conversava com uma pessoa sobre
uma greve, quando viu um rio caudaloso de águas vermelhas,
barrentas como nas enchentes, porém ainda no seu leito, na mar-
gem do qual vários instrumentos de garimpo estavam arrumados,
porém inativos por falta de garimpeiros que estavam ausentes,
menos um que descansava acocorado a uma certa distância. Di-
ante desse quadro, veio-lhe à mente que, embora a produção de
ouro cessara, aquele caudal talvez portasse esse metal. Nova-
mente desperto, interpretou o sonho como possível crise que se
avizinhava, pois os elementos básicos do sonho não se harmoni-
zavam, ou seja, o trabalho e o ouro. Além disso, águas vermelhas
representam sangue; barrentas e caudalosas, tormenta a montan-
te... nas cabeceiras; ainda no leito, prestes a transbordar, aconte-
cimentos próximos!

A Síndrome do Nazismo
De tudo isso cabe ainda uma reflexão sobre o momento
político em que vivemos e as sementes dessa crise que se avizi-
nha. No final do mês de outubro de 2005, portanto um ano
22
antes das eleições presidencias de 2006, um fato ocorrido em
Brasília chama a atenção pela semelhança com outros aconteci-
dos na Alemanha nazista. Segundo o Jornal Estado de Minas
(28/10/2005, p. 2):
“A Escola de Formação de Trabalhadores em Informática (EFTI),
que financiou os cartazes com a fotomontagem do presidente
nacional do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), vestido de na-
zista, funciona há anos como uma espécie de bunker do PT do
Distrito Federal. A escola, localizada no Lago Norte, é utilizada
como local de reuniões de parlamentares e sindicalistas ligados
ao partido, depósito de material de propaganda para diretórios
petistas das cidades do Entorno de Brasília e centro informatizado
de acompanhamento e fiscalização de eleições. [...] Depois de
identificar os autores dos cartazes com a fotomontagem do pre-
sidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), vestido de
nazista, a 1a Delegacia de Polícia (Asa Sul) investiga se eles conta-
ram com a estrutura de algum sindicato ou outra entidade traba-
lhista para distribuir o material nas paradas de ônibus no Plano
Piloto. Foram impressos três mil cartazes. Os responsáveis preci-
saram apenas de uma madrugada – da segunda-feira para terça –
para fixá-los”.
A semelhança dos fatos ocorridos aqui no Brasil e na Ale-
manha fica por conta da estrutura partidária e os meios para
conquistar e manter o poder, principalmente pela ação das bases
e das cúpulas. Estas, como mostrado no documentário da
Globosat Os Assessores de Hitler (Hitlers Helfer), são muito
parecidas, inclusive ambas tiveram suas noites dos longos pu-
nhais, vivenciadas por Ernst Rohm e José Dirceu, alem, é claro,
do apoio da classe empresarial ao seu líder máximo, para disso
tirarem o melhor proveito. No caso alemão, deu no que deu.
Aqui no Brasil, as águas barrentas ainda estão no seu leito, razão
por que ainda é possível evitar transbordamentos catastróficos.
Esta perspectiva alvissareira liga-se ao fato de que se lá Reinhard
Heydrich, o “jovem e terrível Deus da Morte”, ajeitou sorrateira-
mente os ovos da serpente para que eclodissem no tempo preci-
so, aqui Roberto Jefférson chutou a incubadeira de forma
extemporânea, impedindo não só que o choco se completasse
com também desnorteando os gestores serpentários.
23
Balanço da situação
Em resumo, neste atribulado momento político em que vi-
vemos, criado por um partido que em campanha eleitoral se
proclamava reserva moral do País e marco regulador dos bons
costumes no trato da coisa pública, mas que, ao assumir o poder,
perdeu o rumo e o prumo – como bem atestam as atitudes extre-
madas de cidadãos desesperados com a insensibilidade de
governantes petistas, como a greve de fome de um religioso para
defender o Rio São Francisco e a auto-imolação pelo fogo de um
ativista ambiental para proteger o Pantanal Mato-Grossense, contra
as investidas de ex-defensores do meio ambiente, o Presidente
da República e o Governador do Mato Grosso do Sul, que agora
desdenham seus antigos companheiros de caminhadas ecológicas
e de partido com visão amazônica – subsiste uma questão (os
fundamentos da economia) que deve merecer uma reflexão mais
aprofundada por parte dos governantes e da mídia, para que a
política deixe o terreno das falsidades e recupere a credibilidade
junto dos cidadãos que ainda acreditam que, apesar dos pesares,
um dia chegaremos lá.
Esse LÁ evidentemente não é Shangri-lá, uma terra de fan-
tasia onde o principal objetivo é pagar juros, como propõe a
política econômica gerida pelo Ministro Palocci e apoiada sem
restrições pelo Presidente da República, em que pesem opiniões
contrárias de auxiliares seus, como informa o Jornal Estado de
Minas (17/11/2005, p. 3) em matéria intitulada Ministro da Fa-
zenda deixa claro que sua permanência representa a manutenção
da política econômica e diz que a Ministra da Casa Civil errou.
Ao depor no Senado, nega todas as denúncias:
“Em entrevista na semana passada, Dilma qualificou de ‘rudi-
mentar’ o plano em análise e afirmou que aumentar o superávit
primário (economia para pagar os juros da divida) sem reduzir a
taxa de juros é ‘enxugar gelo’. (...) Pela primeira vez, ele reagiu
publicamente às críticas da ministra. Apresentou-se como fiador
do ajuste fiscal, descrito por ele como a base dos ‘oito trimestres
seguidos’ de um crescimento econômico que o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva repisa a todo momento nos discursos. (...) A
composição da mesa que recebeu o ministro na CAE deu a medi-

24
da do seu prestígio. Estavam ali o presidente do Senado, Renan
Calheiros (PMDB-AL), e os ex-presidentes da Casa José Sarney
(PMDB-AP) e Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA)”.
O crescimento vegetativo do País, fruto dessa política eco-
nômica, classificada pela Ministra Dilma de enxuga-gelo, susten-
tada pela classe empresarial e prestigiada por políticos oriundos
em sua maioria do Nordeste, onde o ranço escravocrata e a he-
rança do coronelismo ainda estão presentes e atuantes, não leva
em conta, em seus cálculos matemáticos e dados estatísticos, a
inserção dos excluídos na economia formal, sendo portanto uma
obra mal calculada. Este tipo de ato falho está bem exemplificado
na Bíblia:
De fato, se algum de vós quer construir uma torre, não se senta
primeiro para calcular os gastos, para ver se tem o suficiente
para terminar? Caso contrário, ele vai pôr o alicerce e não será
capaz de acabar. E todos os que virem isso começarão a zom-
bar: “Este homem começou a construir e não foi capaz de aca-
bar” (Lc 14, 28-30).
Diante de tudo isso, pergunta-se: por que, durante a expo-
sição do ministro no Senado, nenhum dos presentes procurou
saber qual o plano do governo para acabar com as favelas, com as
filas nos sistemas de saúde e de previdência e dotar as cidades
de saneamento básico? E mais: em que prazo isso seria feito e de
onde sairiam os recursos financeiros para tal fim? Por que, ao
invés de ficarem “embevecidos” com a “performance” do Minis-
tro Palocci, os senadores não se concentraram nas questões bási-
cas de interesse da população, como moradia, escolas, hospitais,
transportes e alimentação?
Que país imaginam que essa política econômica criará nas
próximas décadas, se sua finalidade maior será pagar juros a qual-
quer custo, mesmo que esse custo seja manter na miséria metade
da população brasileira? Não seria mais objetivo e racional se
refletissem sobre isso e procurassem saber quando os brasileiros
em sua totalidade poderão exercer seus direitos de cidadãos,
acabando conseqüentemente com o assistencialismo farisaico re-
presentado pelas “cestas básicas”, “bolsa família” e outras medi-
das paliativas que humilham mais que dignificam os beneficiados?
25
É preciso acabar com essa demagogia eleitoreira, a qual, como o
“pão e circo” dos romanos, não resolve o problema da miséria,
mas é utilizada pelos políticos como anestésico social para man-
ter os excluídos no seu lugar, ou seja, nas favelas. É preciso res-
gatar a cidadania desses milhões de brasileiros, principalmente
dos descendentes dos escravizados, que até agora não tiveram o
gosto de desfrutarem seus direitos assegurados na Constituição
Federal, para eles uma mera alegoria política.
Já está na hora também de os integrantes da mídia, por
intermédio de seus elementos de proa, tanto os que trabalham
nos bastidores como aqueles que se comunicam diretamente com
a população, os formadores de opinião, de se conscientizarem
de que não são meros leitores de pautas preparadas nas centrais
de produção, mas cidadãos no exercício de uma profissão que
tem uma responsabilidade social muito grande. Por que esses
profissionais não tentam questionar esse modelo econômico,
formatado exclusivamente para atender a segmentos privilegia-
dos da sociedade, a classe média e a elite, que tudo têm e que
tudo podem, deixando de fora metade da população brasileira
que nada tem e nada pode. Para terminar, mais um questionamento.
Por que essa briga toda com a Ministra Dilma Rousseff, se o que
essa guerreira botocuda queria era apenas cavacos das toras de
Pau-brasil que, como seus antepassados, é obrigada a derrubar
todos os dias para abarrotar as naus dos piratas internacionais
que lançaram ferros nas costas brasileiras?

26
LIVRO I

BRASIL, PAÍS DO PRESENTE –


O FUTURO CHEGOU
O DESTINO MANIFESTO E O SONHO DE DOM
BOSCO

27
28
PREFÁCIO

Ante a falta de iniciativa dos governantes em propor um


Projeto Nacional para que o Brasil possa enfrentar com êxito os
desafios do terceiro milênio, entre os quais se destacam a fome,
a exclusão social e a degradação do meio ambiente, ouso aqui
levantar alguns pontos para reflexão, a partir de eventos históri-
cos que conferem ao Brasil uma posição ímpar no concerto das
nações, pois nenhuma outra, à exceção da bíblica Israel, nasceu
sob o signo da predestinação de servir de luzeiro para a humani-
dade, em sua caminhada ascendente rumo à plena realização de
suas potencialidades, do que a Terra Brasilis. Todavia, a incompe-
tência generalizada que afeta a administração pública do País em
todos os seus níveis – federal, estadual e municipal – e esferas do
poder – Executivo, Legislativo e Judiciário – compromete essa
perspectiva alvissareira, uma vez que se manifesta de forma dra-
mática nos setores considerados essenciais para o bem-estar da
população, principalmente a mais carente, como educação, saú-
de, habitação e transportes urbanos. Se essas deficiências estru-
turais não forem corrigidas, todos os projetos e tentativas de
fazer do Brasil uma potência estarão fadados ao fracasso, pois,
sem justiça social, o direito à cidadania estará comprometido e,
com ele, o destino da nação.
A cidadania é um direito que não comporta limitações;
caso contrário, prevalecerá o caos social como observado no
País neste início de milênio. Esta situação só ocorre, porque a
cidadania no Brasil é um direito exercido em função do poder
político e econômico das pessoas e não como uma garantia cons-
titucional. Essa exclusão social é o que retarda a realização dos
sonhos visionários de Dom Bosco de que “aparecerá aqui a
terra prometida, que jorra leite e mel”. Urge, portanto, pôr
um termo a essa situação, já que a hora da verdade da Terra
29
Brasilis chegou e as elucubrações de Stefan Zweig (1960), de um
Brasil país do futuro, são coisas do passado.

FIGURA 1
GRÁFICO DA CIDADANIA NO BRASIL

30
PARTE I
ARTE

O DESTINO MANIFESTO

31
32
1. A REVEL AÇÃO
EVELAÇÃO

O Brasil, se levarmos em conta os fatos ligados à sua histó-


ria, parece ser um país marcado para ser uma nova Canaã, terra
onde mana leite e mel, pois, além da bíblica terra prometida, é o
único território cuja ocupação foi precedida de sinais e procura-
do por povos peregrinos que ansiavam por uma terra abençoada
e cuja posse foi assegurada por promessas divinas. No caso da
terra de Canaã, este compromisso está no livro do Gênesis (Gn
12, 1-9), e no que diz respeito à Terra Brasilis, a partilha foi
referendada pelo Tratado de Tordesilhas e sacramentada pela bula
do Papa Júlio II, investido de poderes celestiais (Mt 16, 18-19).
Em ambos os casos, os novos posseiros portavam bandeiras que
os identificavam, como está registrado no livro dos Números
(Nm 2) e nos anais da história do Brasil.
Do livro A Viagem do Descobrimento (BUENO, 1998),
extraímos os seguintes trechos para que tal colocação seja bem
compreendida:
Os indígenas, com os quais Nicolau Coelho travou o primeiro
contato, eram, se saberia mais tarde, da tribo tupiniquim. Perten-
ciam à grande família Tupi-Guarani que, naquele início do século
XVI, ocupava praticamente todo o litoral do Brasil. Os tupiniquins
eram cerca de 85 mil e viviam em dois locais da costa brasileira:
no sul da Bahia, da altura de Ilhéus até a foz do rio Doce (já no
atual estado do Espírito Santo), e numa estreita faixa entre San-
tos e Bertioga, no litoral norte de São Paulo. Como os demais
tupis-guaranis, tinham chegado às praias do Brasil movidos não
apenas por um impulso nômade, mas por seu envolvimento em
uma ampla migração de fundo religioso. Partindo de algum ponto
da bacia do rio Paraná, no território hoje ocupado pelo Paraguai
(ainda que alguns estudiosos acreditem que o movimento talvez
tenha começado na Amazônia), os tupis-guaranis iniciaram uma
longa marcha em busca da Terra Sem Males. Liderados por profe-

33
tas – chamados de Caraíbas –, eles haviam chegado à costa brasi-
leira ao redor do ano 1000 da Era Cristã (p. 91).

A ilha do Brasil, ou ilha de São Brandão, ou ainda Brasil de São


Brandão, era uma das inúmeras ilhas que povoavam a imaginação
e a cartografia européias da Idade Média, desde o alvorecer do
século IX. Também chamada de Hy Brazil, essa ilha mitológica,
ressonante de sinos sobre o velho mar, se afastava no horizonte
sempre que os marujos se aproximavam dela. Era, portanto, uma
ilha movediça, o que explica o fato de sua localização variar tanto
de mapa para mapa. Segundo a lenda, Hy Brazil teria sido desco-
berta e colonizada por São Brandão, um monge irlandês que par-
tiu da Irlanda para alto-mar no ano de 565. Como São Brandão
nascera em 460, ele teria 105 anos quando iniciou sua viagem.
O nome Brazil provém do celta bress, que deu origem ao verbo
inglês to bless (abençoar). Hy Brazil, portanto, significa Terra
Abençoada. Desde 1351 até pelo menos 1721 o nome Hy Brazil
podia ser visto em mapas e globos europeus, sempre indicando
uma ilha localiza no oceano Atlântico. Até 1624, expedições
ainda eram enviadas à sua procura (p. 13).
Mas para todos os efeitos legais, essa mitológica ilha já
havia sido “achada” pelos portugueses em 1500, que a batiza-
ram de “Ilha de Vera Cruz”, posteriormente rebatizada de “Terra
de Santa Cruz”. Segundo Pero Vaz de Caminha, Cabral, ao avistá-
la, chamara-a de Terra de Vera Cruz (TUFANO, 1999). O duplo
nome atribuído à nova terra tem ligação com sua dupla unção
batismal, pois a primeira missa foi celebrada numa ilha (Coroa
Vermelha), no dia 26 de abril (domingo da Pascoela), e a segun-
da, no continente no dia 1º de maio.

34
2. A CONSAGRAÇÃO

O rito de sagração da nova terra está descrito em detalhes


na carta que Pero Vaz de Caminha enviou ao rei de Portugal. Este
documento, único na literatura universal, e que todo brasileiro
deveria ter uma cópia, representa na verdade a Certidão de Nas-
cimento do Brasil, pois foi lavrada por um funcionário público no
desempenho de suas funções. Nela é narrado, passo a passo,
tudo o que se passou a partir de 21 de abril, quando se notou os
primeiros sinais de terra, as algas botelho e rabo-de-asno, até o
dia 1º de maio quando foi celebrada a missa no continente e
encerrada a missão do “achamento”. Pelos trechos seguintes,
extraídos dessa carta, pode-se notar o quanto o sagrado prevale-
ceu sobre o profano nesses dias cerimoniosos, quando a deposi-
ção de armas e o desarmamento de espíritos assinalaram o en-
contro pacífico entre povos belicosos, prenunciando assim a vo-
cação brasileira de integrar raças diferentes em um convívio har-
monioso, no qual a miscigenação será seu traço mais marcante. A
narrativa da segunda missa exemplifica o espírito de paz e confi-
ança mútua, reinantes nesse encontro entre povos de formação e
origens diferentes, e da própria humanidade com suas raízes. Na
realidade, o que os portugueses encontraram foi o paraíso perdi-
do, ainda intacto e habitado pelos filhos de Adão e Eva sem
vestígios da queda; portanto, um convite à miscigenação, a qual
foi praticada sem muita hesitação, tornando o Brasil um caso
singular na história universal.
Narra Caminha (TUFANO, 1999]:
“Plantada a cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que
primeiramente lhe pregaram, armaram um altar ao pé dela. Ali
disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada
pelos religiosos e sacerdotes. Ali na missa estiveram conosco
cerca de cinqüenta ou sessenta deles, que ficaram de joelhos,

35
assim como nós. E quando se chegou ao Evangelho, que nos
erguemos todos em pé, com as mão levantadas, eles se levanta-
ram conosco e alçaram as mãos, ficando assim até que se acabas-
se; e então tornaram-se a assentar como nós. E quando levanta-
ram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram todos
assim como nós estávamos, com as mãos levantadas e em tal
maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita
devoção (...)” (p. 56).
“Acabada a pregação, como Nicolau Coelho trouxesse muitas
cruzes de estanho com crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra
viagem (alusão à viagem de Vasco da Gama às Índias, em 1498,
da qual Nicolau Coelho participara), decidimos colocar uma no
pescoço de cada um. Para isso, o padre frei Henrique se assentou
ao pé da cruz e ali passou a colocar no pescoço de cada um deles
uma cruz atada em um fio, fazendo que primeiro a beijassem e
levantassem as mãos. Muitos vieram e foram assim colocadas
todas as cruzes, umas quarenta ou cinqüenta” (p. 58).
Pelo que se deduz dessa cerimônia, não só a nova terra foi
consagrada a Deus, mas seus habitantes também o foram, tudo
sob um céu onde uma grande cruz presidia esse ritual cheio de
significado, a qual, nessa ocasião, fora batizada por Mestre João,
o astrônomo da missão, como informa Bueno (1998, p.105):
“De fato, naquela noite, ao observar as estrelas do Hemisfério
Sul, Mestre João chamaria sua principal constelação de Cruzeiro
do Sul”.
Tais acontecimentos sinalizam também que tanto o conti-
nente como a plataforma continental brasileira foram abençoa-
dos em nome de um Deus que presidiu a conquista dos portu-
gueses, congregados que estavam na Ordem de Cristo, sob cujo
pavilhão e símbolo tomaram posse da nova terra, em uma ilha
(Coroa Vermelha) situada na Faixa Dom Bosco (15/20ºS), onde
foi celebrada a primeira missa. De acordo com Pero Vaz de Cami-
nha (TUFANO, 1999):
“No domingo da Pascoela, pela manhã, determinou o Capitão de
ir ouvir missa e pregação naquele ilhéu. Mandou a todos os capi-
tães que se arranjassem nos batéis e o acompanhassem. E assim
foi feito [...] Naquele ilhéu, mandou armar um pavilhão e, dentro
dele, um altar muito bem preparado. E ali, na presença de todos,
mandou rezar missa, a qual foi rezada pelo padre frei Henrique,

36
em voz entoada, e acompanhada com aquela mesma voz pelos
outros padres e sacerdotes. A missa segundo meu parecer, foi
ouvida por todos, com muito prazer e devoção. O Capitão esta-
va com a bandeira da Ordem de Cristo, com a qual saiu de Belém.
Ela esteve sempre levantada, da parte do Evangelho” (p. 38-39).
Contrastando com essa estada tranqüila e a perenidade do
símbolo que marcou o nascimento de uma nação predestinada, a
constelação do Cruzeiro do Sul, a continuação da viagem dos
portugueses ao Oriente foi atribulada e assinalada pela fugaz pas-
sagem de um cometa, como informa um dos tripulantes da es-
quadra cabralina (relação do piloto anônimo): “Aos 12 dias do
dito mês de maio, apareceu em nosso trajeto, rumando em dire-
ção à Arábia, um cometa com uma cauda muito comprida, que
nos acompanhou durante oito ou dez noites”.
A simbologia dos eventos que marcaram a rápida passagem
(Páscoa) dos portugueses pela Terra Brasilis, que teve início no
Bairro de Belém em Lisboa, com um ritual de bênção da bandeira
da Ordem de Cristo, e término nas costas brasileiras, após uma
jornada que durou toda uma quaresma (Tempo de penitência –
quarenta dias que representam os 40 anos da travessia do deser-
to pelos hebreus), pode ser resumida num ato singelo: a distri-
buição aos nativos da nova terra das “muitas cruzes de estanho
com crucifixos” portadas por Nicolau Coelho. Se essas cruzes
sobraram no Oriente, onde não prosperaram, aqui, ao contrário,
foram todas plantadas e produziram abundantes frutos, tornan-
do o Brasil a maior nação cristã do mundo.
Concluindo, é bom lembrar que a primeira missa não foi
celebrada no continente e sim no seu vestíbulo, o Ilhéu de Coroa
Vermelha, onde foi desfraldada a bandeira da Ordem de Cristo, e
a segunda, no continente, onde foi plantada a Cruz de Cristo,
reproduzindo assim o ritual de sagração da Terra de Canaã, ocor-
rida por ocasião da viagem dos israelitas pelo deserto (Êxodo) e
a parada que aí fizeram para serem purificados, antes de entrarem
nessa Terra Prometida. Este ritual está simbolizado nas duas ten-
das erguidas no deserto (Hb 9, 1-5), onde um vestíbulo, “o
Santo” (primeira tenda, onde se encontrava o candelabro), pre-
cedia “o Santo dos Santos” (segunda tenda, abrigo da arca da
aliança), e repetido com os mesmos detalhes no Templo de Jeru-
37
salém e nas igrejas católicas. Esse duplo ritual de sagração se
repetiu também por ocasião da construção de Brasília, quando
foram celebradas duas missas. A primeira, no “deserto”, a pedi-
do de Bernardo Sayão (vide capítulo 5), e a segunda, “oficial”,
na inauguração da cidade, a mando do seu construtor-mor, o
Presidente Juscelino Kubitschek.

38
3. ENIGMAS

No meio de tanto simbolismo, não de todo decodificado,


que marcou a rápida passagem (Páscoa) dos portugueses pela
Terra Brasilis, e tendo em mente os sonhos visionários de Dom
Bosco sobre o Brasil e Brasília, outros enigmas chamam nossa
atenção – como O Eixo do Poder, A Má Notícia, A Fatalidade, A
Vaquinha da Leopoldina, Os incêndios do Caraça e da Igreja do
Carmo, O Rito de Passagem, O Vendaval Revolucionário, A Pedra
de Tropeço, Os Anos Decisivos (2002/2003) –, pois dizem res-
peito aos interesses maiores da nação. Além disso, existem ou-
tros fatos relacionados com a cidade de Brasília que também
merecem ser citados pelo simbolismo que encerram, como a data
de sua inauguração, 21 de abril, a mesma da antevisão das terras
brasileiras pelos descobridores e do sacrifício de Tiradentes, pre-
lúdio da independência; a realização do projeto dos inconfiden-
tes de interiorização da capital; a cruz que assinala, como um
marco de posse, seu plano urbanístico; o cruzamento em seu
sítio dos paralelos de Dom Bosco com o meridiano de Tordesilhas,
formando uma grande cruz sobre a Terra Brasilis; meridiano este
que se posiciona como eixo de uma nova civilização, a civilização
miscigenada do terceiro milênio, que tem neste ponto o seu cen-
tro de gravidade.

O eixo do poder
A implantação do eixo do poder num determinado territó-
rio é um fato marcante e cercado de toda uma liturgia e sua
remoção implica em conseqüências nefastas, como bem exemplifica
a transferência do eixo do poder do Palácio da Liberdade para o
Palácio dos Despachos em 1967, evento que marcou a gestão do
39
último governador de Minas Gerais eleito democraticamente e
início do período de trevas dos interventores da ditadura militar.
Além do mais, o Palácio da Liberdade tem forças que assustam os
menos avisados, enquanto outros as respeitam, como o ex-Go-
vernador Itamar Franco, que disse aos jornalistas: “Pode ser que
eles não existam, mas há uma força que faz bem a governantes
que se sentam naquele lugar. Por isso, nunca quis despachar no
Palácio dos Despachos. São espíritos bons, que estão no Palácio
para ajudar” (Estado de Minas, 18/12/2002, p. 5). Mas o me-
lhor exemplo das conseqüências catastróficas que advêm da re-
moção do eixo do poder de um lugar para outro é dado pelo
Império Romano, pois a partir do momento em que Constantino
transferiu o eixo do poder de Roma, cravado em 700 AC, para
Constantinopla, no ano 330 DC, o milenar império entrou em
declínio e desapareceu um século depois.
No Brasil não foi diferente, pois por duas vezes esse fato
se repetiu e deixou suas marcas. Tudo começou com a transfe-
rência do eixo do poder da cidade de Salvador para o Rio de
Janeiro, fato que marca o início do fim do período colonial e o
advento do Império e o conseqüente declínio do Nordeste e
ascensão do Sudeste como centro gerador de riquezas. Esse pro-
cesso encontrou seu termo quando o Rei de Portugal transferiu
o eixo do poder de Portugal para o Brasil, evento que assinala
também o crepúsculo deste império colonial e a ascensão de
outro, o Império Britânico. Igualmente a transferência do eixo
do poder da cidade do Rio de Janeiro para Brasília, além de
referendar a queda do Império do Brasil e a consolidação da
República brasileira, assinala também o fim dos domínios regio-
nais litorâneos e o surgimento no planalto central de um centro
de poder verdadeiramente nacional, pois passou a incorporar
neste núcleo de decisões as regiões antes periféricas do Centro-
Oeste e da Amazônica.
Em Minas Gerais, a história registra fato semelhante, pois
a transferência do eixo do poder da colonial, clerical e maçônica
Ouro Preto, para a republicana e positivista Belo Horizonte, mar-
cou não só o fim do período escravocrata, como também o
nascimento de uma nova ordem social. Aqui também a dicotomia
queda/ascensão acompanhou todo o processo, pois a velha ca-
40
pital mineira acabou virando museu, enquanto a nova ampliava
os horizonte das gerais, que, ao transpor a muralha da Serra do
Curral, deixou para trás as estreitas trilhas da Estrada Real e
passou a caminhar pelas largas veredas do Grande Sertão, onde
seria plantado o novo centro de poder do Brasil: Brasília.
Em que pese esse passo importante rumo ao futuro, um
outro, em sentido contrário, ameaça essa caminhada. Trata-se do
projeto do Governador Aécio Neves, anunciado no início de seu
governo em 2003, de transferir o eixo do poder da Praça da
Liberdade para outro local da cidade. Como todas as mudanças
feitas ao longo da história, esta também traz consigo conseqüên-
cias nefastas, como ficou demonstrado pelas denúncias de
corrupção feitas pelo deputado Roberto Jefferson, as quais, como
um terremoto, com epicentro na capital mineira, abalaram os
alicerces do governo Lula, fazendo ruir toda estrutura petista
montada para sustentá-lo no poder, levando conseqüentemente
o Brasil para uma crise institucional.

A má notícia
O exercício do poder, pela sua natureza efêmera, provoca
nos seus detentores uma sensibilidade ao desconhecido que os
levam, muitas vezes, a temer certos objetos, como acontece com
o quadro de Belmiro Almeida, intitulado A má notícia, que foi
retirado do Palácio da Liberdade pelo receio de seus ocupantes
com seus presumidos maus fluidos. Mas a ligação desse fetiche
com os governantes parece que não foi exorcizado com essa
medida, pois continua presente lá onde eles se encontram, mes-
mo que seja em passagens subterrâneas, como se depreende de
duas pequenas notas que aparecem no Jornal Estado de Minas
de 19/12/2004.
A primeira delas, Detalhes (Caderno “Masculino & Femi-
nino”, p. 3), dizia o seguinte:
O jantar oferecido pelo Governo de Minas aos integrantes das
comitivas participantes da Cúpula do Mercosul, na quinta-feira,
foi mais uma prova de que a sofisticação mora mesmo é nos

41
detalhes. Além do saboroso jantar, preparado pela competente
Maria Eny, do Maciellina, mereceu elogios a exposição Terra de
Minas, com a curadoria de Rodrigo Faleiro, do Museu Mineiro.
A pequena mostra, com 12 peças do acervo do próprio museu,
foi montada no túnel que liga os dois prédios do Museu de Artes
e Ofícios, onde aconteceu o jantar. Entre as obras que encanta-
ram os olhares, A má noticia, de Belmiro Almeida (1897), Ponta
de Umbu, de Inimá de Paula, Ponte do Rosário, de Celso Renato,
e um desenho, sem título, de Amílcar de Castro, num belo pano-
rama da arte mineira do último século.
A segunda nota, Diálogo no jantar (p.2), informava:
Foi logo na hora em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
chegou ao Museu de Artes e Ofícios para o jantar da Cúpula do
Mercosul. Ele foi recebido pelo governador Aécio Neves e pelo
ex-presidente Itamar Franco. O diálogo começou com Lula:
– Ô Itamar, você esta querendo voltar?
Ao que o ex-presidente respondeu:
– Pois estou aqui pedindo emprego ao Aécio...
O governador não perdeu a caminhada:
– No meu governo, o Itamar tem o que quiser.
Lula também não perdeu o rebolado:
– No meu também, desde que não seja o meu cargo.
A respeito do mistério que cerca esse quadro, eis o que
escreveu Walter Sebastião, no Caderno “Divirta-se” do Jornal
Estado de Minas (1º/7/2005, p. 22):
Um dos quadros mais cercados de lendas e crendices da história
da arte brasileira está, até 10 de julho, em exposição no segundo
piso do Minas Shopping. Trata-se da tela A má notícia, de Belmiro
de Almeida (Serro, 1858; Paris, 1935). Pintura primorosa, de
composição ousada, luminosidade e atmosfera envolvente foi
considerada tela azarenta até se tornar tesouro celebrado do acer-
vo do Museu Mineiro. As andanças de A má notícia estão num
divertido texto chamado 100 anos de preconceito, do jornalista
e prefeito de Ouro Preto Ângelo Oswaldo. A primeira vez que a
pintura veio a público foi em setembro de 1897, apresentada no
Liceu de Artes e Ofícios de Ouro Preto. Três meses depois, em
12 de dezembro, a capital do Estado era transferida para Belo
Horizonte. Má notícia para os ouro-pretanos, segundo a lenda,
os primeiros a conhecer o poder dos (maus) presságios trazidos

42
pela peça que ficou alojada no Palácio da Liberdade. Há quem
atribua à praga jogada por velhas (que tiveram sua choupana de-
molida para a construção do Palácio da Liberdade) as mortes de
moradores do famoso endereço: Silviano Brandão (em 1901),
João Pinheiro (em 1908), Raul Soares (em 1924) e até a de
Olegário Maciel (em 1933). Mas existe quem garanta que tudo
se deve às más vibrações do quadro de Belmiro Almeida, que
foram confirmadas por um vidente chamado Pascoal, como infor-
ma Delso Renault, no livro Chão e alma de Minas (1988). Retira-
da do Palácio da Liberdade, A má notícia perambula por reparti-
ções (secretarias de Finanças, da Educação e Saúde, Palácio da
Justiça, etc.) sempre acompanhada da suspeita de ser fonte de
infortúnios. Em junho de 1942, é entregue ao Arquivo Público
que, dizem, viveu longo período de abandono e quase viu seu
prédio ruir. Em maio de 1982, com a inauguração do Museu
Mineiro, o quadro é transferido para o local. E, pouco depois, o
telhado da instituição ameaçou desabar, sem falar que o próprio
museu (por culpa do quadro?) ainda não conseguiu desenvolver
todo seu potencial.

A fatalidade

As tragédias que se abateram sobre Tancredo Neves e


Tiradentes guardam entre si similitudes que as situam mais no
campo dos enigmas do que meras coincidências, a começar pela
data de suas mortes, 21 de abril; o retalhamento de seus corpos
após o desenlace fatal; a mesma região de nascimento, o vale do
rio das Mortes, onde localiza-se o Capão da Traição que marcou
profundamente a história de Minas, e a luta de ambos pela liber-
dade pela qual se sacrificaram.
Além disso, seu vice e sucessor, José Sarney, conhecido
pelas ligações atávicas com Portugal e que erigiu um mausoléu
como coroamento de sua obra, tem origem no mesmo estado, o
Maranhão, onde morreu e foi sepultado o responsável pela des-
dita de Tiradentes e dos inconfidentes e da qual tirou o melhor
proveito, o traidor Joaquim Silvério dos Reis Montenegro.
43
A vaquinha da Leopoldina
Criada por artistas, essa figura bizarra, cheia de singulari-
dades, é desde sua aparição em 1980, no Bairro Santo Antônio
da capital mineira (Estado de Minas, 2/8/98, p. 41), uma refe-
rência para os belo-horizontinos e alvo de manifestações extrava-
gantes por parte de desconhecidos. Assim, vez por outra, essa
vaca enigmática aparece pintada de cores e padrões diferentes,
caracterizando fatos marcantes que ocorrem em nosso país, ou
alternativamente ausência de cores com o mesmo propósito, como
foi o caso da desastrosa Copa do Mundo de futebol de 1998.
No governo do Presidente Sarney, por exemplo, para assi-
nalar o fracasso do Plano Cruzado e as conseqüências negativas
daí advindas, ela apareceu pintada de negro e com seu esqueleto
desenhado em cor branca, o que lhe dava um aspecto
fantasmagórico e faminto. No governo do Presidente Itamar Fran-
co, como conseqüência dos êxitos do Plano Real, ela apareceu
coberta de flores, expressando assim o sentimento de alívio e
alegria do povo com o fim da inflação crônica e dos descalabros
e escândalos do governo do Presidente Collor de Melo.
No primeiro governo do Presidente Fernando Henrique Car-
doso, a cor escolhida foi o amarelo-ouro, reforçado pelo dese-
nho de um lingote desse metal com a inscrição “18 quilates”.
Sucedendo esse bezerro de ouro, que caracteriza muito bem a
submissão desse governo aos banqueiros e ao capital internacio-
nal, apareceu, no final desse mandato e na passagem para seu
segundo governo, uma vaca pintada de vermelho tendo em seu
dorso a inscrição “Coca-Cola”, prenunciando assim um período
sangrento (Sangue de Coca-Cola), conseqüência da opção dou-
rada. Em que pesem esses presságios de mau agouro, um fato
novo surgido no mês março de 1999 quando Itamar Franco,
como Governador de Minas, passou a controlar a situação de
desgoverno que recebeu de seu antecessor, parece indicar mu-
danças na história dessa vaquinha simbólica. Até então as mensa-
gens eram passadas na calada da noite, por anônimos pintores,
mas nesse momento, à luz do dia, apareceu um grupo de jovens
que meteu mãos à obra para modificar essa trajetória cheia de
significados.
44
Para que o leitor possa avaliar a atitude desses jovens e
refletir sobre o seu significado, é transcito a seguir o artigo da
jornalista Fabiana Lemos, intitulado Vaquinha da Leopoldina pas-
sa por transformação, publicado no Jornal Estado de Minas de
21/3/99 (p. 16):
A vaquinha da rua Leopoldina, patrimônio histórico e marco de
Belo Horizonte, vai ganhar roupa nova. Com pelo menos 24 anos
de idade – assim contam os moradores do bairro Santo Antônio
– a obra do artista plástico paulista Marcelo Nitsche já vestiu
várias cores. E depois de uma votação dos moradores e da auto-
rização da prefeitura, uma turma de nove amigos juntou argamas-
sa, tinta e boa vontade para lembrar à cidade que ela sobrevive
aos vândalos e ao esquecimento. A idéia de renovar a cara da
vaquinha foi do ex-morador do bairro, Alexandre Leite Batista,
18 anos, que percebeu que na Copa do Mundo passada ninguém
se habilitou a pintá-la de verde e amarelo, como de costume.
Amigos de escola de Alexandre toparam a idéia e começaram a
pesquisar a história do monumento, o que acabou rendendo uma
página na Internet. A turma tomou o cuidado de colocar a nova
roupagem em votação no Santo Antônio. Sugerimos vaca de pi-
jama, o mapa da vaca, napolitana, vaca amarela, malhada e siste-
ma circulatório, conta.
O resultado foi a tradicional vaca malhada, em branco e marrom.
Outra preocupação dos amigos foi consultar a prefeitura para
conseguir uma autorização, cuidado que o último pintor não teve.
Ela estava toda de vermelho e tinha o símbolo da Coca-Cola.
Alguns moradores rasparam a escrita, diz. Um fato polêmico,
que acabou rendendo à vaca o título de patrimônio histórico, foi
o fato da construtora do edifício Princesa Leopoldina tentar der-
rubar a vaca, localizada à porta do prédio. Alexandre Batista tem
um carinho especial pelo animal. Além de ter seis vacas miniaturas
em seu quarto, os amigos costumam brincar que ele saía das
aulas no Dom Silvério e pegava o caminho mais longo só para
passar perto dela. O pai de Alexandre, Levi Leite, também ajudou
no trabalho, levando argamassa para retocar a estrutura de ferro
e concreto, que estava um pouco destruída por vândalos. En-
quanto raspava a pintura, a turma pôde rever algumas roupagens
antigas como a de esqueleto, verde e amarela, malhada em preto
e branco.

45
Como a confirmar a vocação premonitória dessa vaca enig-
mática, em junho de 2004, uma mão invisível pintou-a de azul-
escuro, com cascos negros, dando-lhe um aspecto sombrio, re-
fletindo assim o estado de espírito da sociedade com o governo
petista, no momento em que a popularidade de Lula despencava
em Belo Horizonte e era vaiado e chamado de traidor no velório
do indomável Brizola, de onde sairia direto para Nova Iorque,
para aí confirmar sua sujeição à banca internacional. Essa situa-
ção faz lembrar um pesadelo em que uma pequena nuvem branca
se transforma numa gigantesca massa cambiante entre um azul-
escuro e uma cor de chumbo de aspecto assustador.

Os incêndios do Caraça e da
Igreja do Carmo

Para bem entender o significado da vaca ensangüentada que


apareceu no governo FHC, é preciso recorrer a outros símbolos
mineiros e os eventos associados que anunciam tempos nefastos
para Minas e para o Brasil. Entre esses eventos premonitórios,
destacam-se os incêndios que ocorreram no Colégio do Caraça,
em maio de 1968, e na Igreja do Carmo de Mariana, em 1999.
O incêndio que destruiu o Colégio do Caraça ocorreu quando
era maior o cerco da ditadura militar ao Governador Israel Pi-
nheiro, que defendia as liberdades individuais e a autonomia do
Estado, num quadro de adversidades que prenunciavam um perío-
do de trevas para o País, materializado em dezembro daquele ano
com a edição do Ato Institucional nº 5. Em janeiro de 1999, um
outro incêndio atingiu as raízes de Minas, desta vez um templo
sagrado – a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Mariana. Este
fato aconteceu num momento muito parecido, quando o Gover-
nador Itamar Franco lutava contra a tentativa do governo FHC de
“sitiar” o Estado para esmagar sua autonomia, o que prenuncia-
va tempos tenebrosos para o Brasil.
46
O rito de passagem

Para ajudar a decifrar esse enigma chamado Brasil e traçar


rumos para a nação brasileira, nada mais apropriado do que re-
fletir sobre um fato que guarda um simbolismo todo especial
para Minas Gerais e para o País. Trata-se do fechamento da Mina
de Morro Velho, evento que marca, a um só tempo, o fim do
Ciclo do Ouro, que se desenvolveu desde o século XVII, e o
início da nova era (2003) profetizada por D. Bosco para a Terra
Brasilis. Segundo o Jornal Estado de Minas (19/9/2002, p. 1-
15), a Mina de Morro Velho será desativada em 2003. Sob o
título Página virada, informa: “Depois de 168 anos, a mais antiga
exploração de ouro em operação no mundo será desativada e
dará lugar a um empreendimento que inclui uma estrutura desti-
nada ao turismo e lazer”.

O vendaval revolucionário
No mês de março de 2004, dois fatos, quase que simultâ-
neos, ocorridos no sul do Brasil são premonitórios de um venda-
val revolucionário que agitará o País, se se levar em conta o cos-
tume de comparar-se política com nuvens, haja vista a instabilida-
de de ambas. Trata-se da reunião de um grupo de políticos expul-
sos do Partido dos Trabalhadores que, em Porto Alegre,
anunciaram a criação de um partido socialista, e do ciclone ou
furacão Catarina que varreu o terreno de luta de Anita Garibaldi.
Este fenômeno natural, que os distraídos brasileiros classificaram
de ciclone de ventos fracos e os atentos norte-americanos de
furacão com ventos fortes, formou-se a partir de uma pequena
nuvem que se despregou de uma massa maior que pairava sobre
o Atlântico Sul, crescendo a partir daí de forma admirável a pon-
to de varrer tudo em seu caminho. Foi como se aquela heroína
quisesse avisar suas colegas que lutavam para criar esse novo
partido do vendaval que ele vai provocar no acomodado sistema
político brasileiro e, conseqüentemente, no trato das questões
sociais em nosso país.
47
A pedra de tropeço

Das águas tormentosas do nascente, por entre rochedos


francamente perigosos, que sinaliza perigos à vista, a nau da es-
perança, cantada em prosa e verso, portava a semente, apreciada
pelos nobres ancestrais do continente, que, transportada do re-
canto celestial e aclimatada no solo sagrado dos mineiros, flores-
ce à sombra sinistra do templo da liberdade, mirando ao poente
sua origem primeva, a meio caminho da qual completa seu ciclo
vital.

Os anos decisivos
(2002/2003)

Segundo Couto (2000), o Brasil deve repensar as crises


políticas pelas quais passou desde que foi declarada sua Indepen-
dência, para evitar a repetição de erros do passado e se posicionar
como nação líder na defesa da democracia e dos interesses dos
países sul-americanos. Como se pode ver na figura 2, a história
do Brasil independente é marcada por uma série de crises políti-
cas que encontram seu termo em 2002 com a celebração de um
novo pacto social; previsão esta confirmada pela vitória dos tra-
balhadores nas eleições desse ano. Além disso, a ascensão dos
trabalhadores ao poder em 2003 coincide com o início da nova
era profetizada por Dom Bosco para o Brasil, como será visto nos
capítulos que se seguem (Parte II).

48
FIGURA 2
AS CRISES POLÍTICAS DO BRASIL INDEPENDENTE
(SEGUNDO COUTO, 2000)

CAUSAS AGENTES
ATORES
CRISES DO
EXTERNOS
EFEITOS PROCESSO

INTERVALOS
1792 INCONFIDÊNCIA REVOLUÇÃO
ELITE
MINEIRA FRANCESA
1 1822 CORTE
INDEPENDÊNCIA ELITE
PORTUGUESA
66/67 ANOS
1888 ABOLIÇÃO ELITE
2 1889 REPÚBLICA
ELITE/
MILITARES
40/41 ANOS
1929 BOLSA CRISE GLOBAL ESPECULADORES
3 1930 REVOLUÇÃO
ELITE DIVIDIDA/
FACÇÕES MILITARES
24/34 ANOS
SUICÍDIO ELITE/ CAPITAL
1954
DE VARGAS MILITARES ESTRANGEIRO
4 1964
DITADURA MILITARES/ELITE GOVERNO
MILITAR CLASSE MÉDIA AMERICANO
9/21 ANOS
1973 PETRÓLEO CRISE GLOBAL OPEP
5 REDEMOCRA- ELITE/
1985
TIZAÇÃO CLASSE MÉDIA
7/9 ANOS
1992 IMPEACHMENT ELITE/
DE COLLOR CLASSE MÉDIA
6 1994 CRIAÇÃO ELITE/
DO REAL CLASSE MÉDIA
3/8 ANOS
1997 BOLSA CRISE GLOBAL ESPECULADORES
7 NOVO PACTO CLASSE MÉDIA/
2002
SOCIAL EXCLUÍDOS

49
50
PARTE II
ARTE

O SONHO DE DOM BOSCO

51
52
NOTA
OTA EXPLIC
EXPLICAATIVA
TIVA

Quando se acende uma lâmpada, não é para pô-la debai-


xo do alqueire, mas sobre a luminária, e ela brilha para todos
os que estão na casa (Mt 5,15).

Embora mais de um século se tenha passado desde a che-


gada dos Salesianos ao Brasil e do sonho de Dom Bosco, no qual
vaticinou um futuro brilhante para a congregação que fundou e
para a terra que os acolheu, a Terra Brasilis, esta secular ordem
religiosa ainda não se dignou brindar o povo brasileiro com uma
versão em português do texto integral desse sonho, anotado pelo
Padre Lemoyne e corrigido pelo próprio Dom Bosco. Na falta
desse texto, e como diz o dito popular quem não tem cão caça
com gato, vamos ao gato, no caso, o econômico artigo do Padre
José de Vasconcellos, O Centenário de um Sonho, publicado no
Boletim Salesiano (Edição brasileira, ano 33, n. 4, jul./ago. 1983,
p. 6-11).
Neste artigo, com cinco capítulos e uma ilustração
(reproduzida na contracapa, com acréscimos), o então Diretor
do Centro Salesiano de Documentação e Pesquisa, de Barbacena-
MG, dedica os três primeiros para analisar esse Sonho no con-
texto dos Sonhos de Dom Bosco e os dois últimos para o Sonho
propriamente dito. Estes dois capítulos finais – Um Sonho de
Dom Bosco e Dom Bosco Sonhou Brasília? – estão reproduzidos
na íntegra nos capítulos que se seguem (4 e 5), não só por ser
uma das poucas, e parciais, transcrições existentes em português
desse sonho, mas também para mostrar ao leitor o pouco caso
com que a família salesiana trata desse assunto, tão caro ao santo
visionário, e a desconsideração para com a sociedade brasileira
que a acolheu tão bem, mas que até agora não mereceu a distin-
ção de conhecer em toda extensão um assunto que lhe diz respei-
53
to. Ou seria, talvez, uma decisão do Vaticano, que baixou o véu
da omertá sobre “os assuntos vários” tratados por muitas pes-
soas num salão e reproduzidos “profusamente” pelo Santo. Afi-
nal de contas, que “assuntos vários” são esses? Estaria aí outro
segredo guardado a sete chaves pela Igreja, como foram os de
Fátima?
Esperamos, pois, que neste início de milênio, quando se
comemora os 500 anos da descoberta da Terra Brasilis, esses
italianos valorosos e dinâmicos quitem essa dívida com seu irmão
maior e com o povo brasileiro, publicando integralmente, em
português, o tão famoso Sonho, inclusive com as correções fei-
tas por Dom Bosco, para que a sociedade tome conhecimento
daquilo que hoje é privilégio de uns poucos hermeneutas de ba-
tina, como esclarece o Padre Vasconcellos no seu artigo. Esta
providência, todavia, não pode tardar, pois, como é mostrado a
seguir, as profecias de Dom Bosco, ao que tudo indica, já estão
se tornando uma realidade, pois têm data marcada para iniciar: o
ano de 2003.
Dom Bosco – João Belchior Bosco – nasceu em Becchi
(Castelnuevo d’Asti), norte da Itália, a 16 de agosto de 1815.
Fundou a Ordem dos Salesianos (Sociedade Salesianos de Dom
Bosco e Filhas de Maria Auxiliadora). Faleceu em Turim, a 31 de
janeiro de 1888, aos 72 anos. Foi canonizado em 1º de abril de
1934, pelo Papa Pio XI.

54
4. UM SONHO DE DOM BOSCO

“Na noite que precede a festa de Santa Rosa de Lima (30


de agosto) tive um sonho”. Assim começa Dom Bosco a narrar
um de seus sonhos mais famosos, tido em 1883, um mês e pou-
co depois da chegada dos primeiros Salesianos ao Brasil.
Cecília ROMERO publicou, em 1978, esplêndido estudo
sobre “Os Sonhos de Dom Bosco”. Porque se tratava de edição
crítica, restringiu-se a estudar somente 10 sonhos, tidos entre
1870 e 1887, porque deles poderia ter à mão versão manuscrita
atribuível a Dom Bosco, por dois títulos: ou porque inteiramente
redigida de próprio punho, ou porque chegada até nós em ma-
nuscritos de outrem, mas cuja revisão final é garantida por apos-
tilas da mão de Dom Bosco.
Esse é exatamente o caso do sonho de 30 de agosto: ma-
nuscrito do P. Lemoyne com correções do próprio punho de
Dom Bosco; e é sobre o texto crítico de Romero que nos basea-
remos para a tradução de alguns trechos do sonho. Porque é
quase impossível publicá-lo aqui na íntegra; ele sozinho ocuparia
boa parte deste Boletim Salesiano: são quase dez páginas das
Memórias Biográficas, formato 210 x 140 mm, tipo 6 com as
linhas não intercaladas (vol. XVI, p. 385-394).
Contou-o Dom Bosco numa reunião do Capítulo Geral da
Congregação, no dia 4 de setembro daquele ano. O P. Lemoyne,
que recolhia as memórias do Santo, transcreveu-o imediatamente
e submeteu-o à correção de Dom Bosco.
“Percebi que estava dormindo e parecia-me, ao mesmo tem-
po, correr a toda velocidade, a ponto de me sentir cansado de
correr. (...) Enquanto hesitava se se tratava de sonho ou de rea-
lidade, pareceu-me entrar em um salão, onde se achavam muitas
pessoas, falando de assuntos vários”.
55
E o Santo reproduz profusamente o assunto da conversa.
“Nesse ínterim, aproxima-se de mim um jovem de seus
dezesseis anos, amável e de beleza sobre-humana, todo radiante
de viva luz, mais clara que a do sol”.
O misterioso guia o acompanhou durante toda a fantástica
viagem e se apresenta como amigo seu e dos Salesianos; vem, em
nome de Deus, dar-lhe um pouco de trabalho.
“Vejamos de que se trata. Que trabalho é este?
– Sente-se a esta mesa e puxe esta corda.
No meio do salão havia uma mesa, sobre a qual estava
enrolada uma corda. Vi que a corda estava marcada com linhas e
números, como se fôra uma fita métrica. Percebi mais tarde que o
salão estava situado na América do Sul, exatamente sobre a linha
do Equador, correspondendo os números impressos na corda
aos graus geográficos de latitude”.
Segue a narração de uma vista de conjunto da América do
Sul, esclarecendo o Santo:
“Via tudo em conjunto, como em miniatura. Depois, como
direi, pude ver tudo em sua real grandeza e extensão. Foram os
graus marcados na corda, correspondentes exatamente aos graus
geográficos de latitude, que me permitiram gravar na memória os
pontos sucessivos que visitei, viajando, na segunda parte do so-
nho.
Meu jovem amigo continuava: Pois bem, estas montanhas
são como balizas, são um limite. Entre elas e o mar está a messe
oferecida aos Salesianos. São milhares, são milhões de habitantes
que esperam o seu auxílio, aguardam a fé. Aquelas montanhas
eram as cordilheiras da América do Sul e o mar era o Oceano
Atlântico”.
Prossegue o sonho mostrando a Dom Bosco como conse-
guiria guiar tantos povos ao rebanho de Cristo.
“Eu ia pensando: mas para se conseguir isso vai ser preciso
muito tempo. Exclamei então em voz alta: não sei o que pensar.
Porém o moço ajuntou, lendo em meus pensamentos:
– Isto acontecerá antes que passe a segunda geração.
– E qual será a segunda geração, perguntei.
– A presente não conta. Será uma outra, depois outra.
– E quantos anos compreende cada geração?
56
– Sessenta anos.
– E depois?
– Quer ver o que sucederá depois?
Venha cá.
E, sem saber como, encontrei-me numa estação ferroviá-
ria. Havia muita gente. Embarcamos.
Perguntei onde estávamos. Respondeu o jovem:
– Note Bem! Observe! Viajaremos ao longo da cordilhei-
ra. O sr. tem estrada aberta também para leste, até ao mar. É
outro dom de N. Senhor. Assim dizendo, tirou do bolso um
mapa, onde vi assinalada a diocese de Cartagena. Era o ponto
de partida.
Enquanto olhava o mapa, a máquina apitou e o comboio se
pôs em movimento. Viajando, meu amigo falava muito, mas nem
tudo eu podia entender, por causa do barulho do trem. Aprendi,
no entanto, coisas belíssimas e inteiramente novas sobre astro-
nomia, náutica, meteorologia, sobre a fauna, a flora e a topogra-
fia daqueles lugares, que ele me explicava com precisão maravi-
lhosa.
Ia olhando através das janelas do vagão e descortinava
variadas e estupendas regiões. Bosques, montanhas, planícies,
rios tão grandes e majestosos que eu não era capaz de os crer
assim tão caudalosos, longe que estavam da foz. Por mais de mil
milhas, costeamos uma floresta virgem, inexplorada ainda agora.
Meus olhos tinham uma potência visual surpreendente, não en-
contrando óbice que os detivesse de estender-se por todas aque-
las regiões. Não só as cordilheiras, mas também as cadeias de
montanhas isoladas naquelas planuras intermináveis eram por mim
contempladas (o brasil?) [Sic: com ponto de interrogação e com
inicial minúscula, no manuscrito original].
Tinha debaixo dos olhos as riquezas incomparáveis deste
solo que um dia serão descobertas. Via numerosas minas de metais
preciosos, filões inexauríveis de carvão, depósitos de petróleo
tão abundantes como nunca se encontraram em outros lugares.
Mas não era ainda tudo. Entre o grau 15 e o 20 havia uma
enseada bastante longa e bastante larga, que partia de um ponto
onde se formava um lago. Disse então uma voz repetidamente:
quando se vier cavar as minas escondidas no meio destes montes
57
(desta enseada), aparecerá aqui a terra prometida, que jorra leite
e mel. Será uma riqueza inconcebível”.
Continua a viagem, ao longo da cordilheira, rumo ao sul;
continua a descrição das regiões da bacia do Prata, dos Pampas e
da Patagônia, até Punta Arenas e o estreito de Magalhães. “Eu
olhava tudo. Descemos do trem”. Voltando-se para o jovem guia,
Dom Bosco lhe diz:
“Já vi bastante. Agora leva-me a ver os meus Salesianos da
Patagônia. Levou-me. Eu os vi. Eram muitos, mas eu não os co-
nhecia e entre eles não havia nenhum dos meus antigos filhos.
Todos me olhavam admirados e eu lhes dizia: “Não me conheceis?
Não conheceis Dom Bosco?”.
– Oh Dom Bosco! Nós o conhecemos, mas só de retrato.
Pessoalmente, é claro que não.
– E D. Fagnano, D. Lasagna, D. Costamagna, onde estão?
– Não os conhecemos. São os que para cá vieram em tem-
pos passados, os primeiros Salesianos que vieram da Europa.
Mas já morreram há muitos anos!
A esta resposta eu pensava cheio de espanto: – Mas isto é
um sonho ou uma realidade? E batia as mãos uma contra a outra,
tocava os braços, me sacudia todo, e ouvia o barulho das mãos e
sentia o meu corpo. Estava nesta agitação quando me pareceu
que Quirino tocasse às Ave-Marias da manhã; mas tendo desper-
tado, percebi que eram os sinos da paróquia de São Benigno. O
sonho tinha durado a noite toda”.

58
5. DOM BOSCO SONHOU BRASÍLIA?

Como podemos observar, no que possa aplicar-se a Brasília,


o sonho fixa, com clareza pouco freqüente, nas chamadas visões
imaginárias, três pontos: tempo, lugar, evento anunciado. Só
para o terceiro a linguagem é simbólica:
a) Tempo
Recordemos o diálogo do sonho:
– Isto acontecerá antes que passe a segunda geração.
– Qual será a segunda geração?
– A presente não conta. Será uma outra, depois outra.
(E Dom Bosco, querendo ainda mais clareza:)
– Quantos anos compreende cada geração?
– Sessenta anos.
Se a primeira destas gerações começou em 1883, ano do
sonho, a segunda teve início sessenta anos depois, em 1943, e
se estende até o ano 2003. A construção e consolidação de
Brasília estão assim bem dentro do período anunciado: entre 1943
e 2003.
b) Lugar
Dom Bosco localizou o evento na faixa compreendida pe-
los paralelos 15 a 20, entre a Cordilheira dos Andes e o Oceano
Atlântico. Exatamente onde foi instalada a nova Capital do Brasil.
c) Evento anunciado
Embora o leit-motiv do sonho seja o futuro missionário
da Congregação na América do Sul, Dom Bosco viu
incidentalmente também outras coisas, tanto rios caudalosos e
florestas imensas, como minas de ouro, de pedras preciosas,
depósitos de petróleo. (Monteiro Lobato, a este propósito cita
o sonho numa de suas obras). Creio, pois, poder afirmar que ele
viu, em 1883, o que hoje começamos a ver no Brasil.
59
Reforça a convicção o teor mesmo do texto, embora em
estilo simbólico; em nenhum outro ponto da referida faixa conti-
nental um acontecimento como a construção de Brasília obteve
repercussão maior no progresso e na riqueza de um país.
Convém, no entanto, recordar aqui, como elemento para a
História, o nascedouro desta interpretação do sonho. Não é de-
vida aos salesianos, como poderia parecer.
No início da construção da nova Capital, quando a proeza
parecia estranha e temerária à maioria dos brasileiros, o Dr.
Segismundo Mello, Procurador do Estado de Goiás, e residente
hoje em Brasília, bateu à porta do Ateneu Dom Bosco de Goiânia
com uma dúvida e um pedido: era verdade que Dom Bosco, em
sonho, havia antevisto Brasília? Onde obter o texto do sonho?
Nenhum salesiano do Ateneu sabia de nada!
O fato é menos estranhável do que poderia parecer à pri-
meira vista: a biografia completa de Dom Bosco, com o título de
Memorie Biografiche, tem 16.130 páginas e ocupa 19 alenta-
dos volumes escritos em italiano; não há tradução portuguesa.
Nada de admirar, portanto, se a maior parte dos atuais Salesianos
não a tenha lido nunca por inteiro, ou por falta de tempo ou (os
das gerações mais novas) por já não dominarem completamente a
língua. As pequenas biografias escritas em português não contam
senão um ou outro dos sonhos de Dom Bosco. Não este, que é
muito grande.
Mas o Diretor do Ateneu, P. Cleto Caliman, pôs-se a vas-
culhar nas Memórias Biográficas e lá encontrou, no vol. XVI, o
texto integral do sonho de 1883. Nele, sob a guia de um jovem
amigo já falecido, Luiz Colle, Dom Bosco fez a fantástica viagem
pela América do Sul, resumida no item 4 deste estudo.
Ao verificar que Brasília estava situada justamente entre os
paralelos 15 e 20 e que o tempo coincidia com o previsto no
sonho, os defensores de Brasília, com o Dr. Segismundo à frente,
encheram-se de entusiasmo e de certezas. Bernardo Sayão, um
dos pioneiros, logo arranjou ocasião e pretexto para uma Missa,
que os salesianos do Ateneu celebraram, sem alarde, no desértico
planalto entrevisto no sonho. Foi, na realidade, a primeira Missa
de Brasília.
60
Israel Pinheiro que, por intermédio de um tio padre, Mons.
Pinheiro, Cooperador Salesiano, tinha velhas afinidades com Dom
Bosco, vibrou, e imediatamente comunicou a descoberta ao Pre-
sidente Juscelino Kubitschek. Este, dramaticamente necessitado
de apoios para sua obra grandiosa, tratou logo de fazer expor na
sala principal do Catetinho o trecho do sonho possivelmente
referente a Brasília, emoldurado em quadro que ainda lá se acha e
parece ter-se inspirado no texto para a frase famosa que se en-
contra gravada no seu monumento da Praça dos Três Poderes:
“Deste Planalto central...”.
A fim de colocar sob a proteção do Santo os trabalhos da
construção da nova Capital, Israel Pinheiro fez questão de em-
pregar o primeiro ferro e o primeiro cimento chegados ao cantei-
ro de obras na construção de uma ermida votiva a Dom Bosco,
desenhada por Niemeyer. Fê-la reproduzir, anos mais tarde, em
escala menor, na sua residência oficial de Prefeito de Brasília, a
Granja do Ipê. Bom mineiro, quis em seguida conferir, com os
próprios olhos, o manuscrito original do sonho, cuja cópia xerox
me fez requisitar à Casa Mãe dos Salesianos na Itália.
Como conseqüência de tudo isto, a cidade nasceu embala-
da na certeza de ter sido sonhada por um Santo e é por isso que
a devoção a Dom Bosco é tão popular entre os brasilienses.
Quando, em 1961, chegou a hora de escolher Patrono
litúrgico para ela, a Autoridade eclesiástica local, com muito acerto,
pensou em Nossa Senhora Aparecida. Mas, por coincidência (ou
“elegância da Divina Providência”, como costumava dizer o Papa
Pio XI), nesta data, eram ex-alunos salesianos o Presidente da
República, Jânio Quadros (ex-aluno do Colégio S. Joaquim, de
Lorena, SP), o Prefeito Paulo de Tarso (ex-aluno do Colégio Dom
Bosco, do Araxá, MG) e o Presidente da Novacap Randall Espí-
rito Santo Ferreira (ex-aluno do Ginásio Salesiano de Silvânia,
GO). Os três ex-alunos, atendendo também a apelo unânime da
população, em minuta preparada por quem escreve este estudo,
firmaram juntos petição à Santa Sé, para que S. João Bosco fosse
declarado Co-Patrono da Cidade, o que veio a acontecer.
Deste modo, no último domingo de agosto, dia festivo mais
próximo à data do famoso sonho, os brasilienses, tendo à frente
61
o seu Arcebispo, organizam, todos os anos, piedosa romaria à
ermida de Dom Bosco.
Em conclusão, se repetirmos aqui a pergunta: “Dom Bosco
sonhou Brasília?”, creio se possa responder:
1. É certo que o Santo, no “sonho” de 1883, pensou no
Brasil: lá está explícita a alusão, embora em forma interrogativa,
no manuscrito do sonho tido pelos entendidos como o mais
autêntico. (Há vários outros)
2. É igualmente certo que o lugar e o tempo coincidem
plenamente, sem qualquer ginástica exegética, com os da cons-
trução de Brasília.
3. Quanto ao evento anunciado (grande riqueza, progres-
so), estou atento à advertência da lógica escolástica sobre a falá-
cia possível no argumento: “depois disto, logo, por causa dis-
to”: Post hoc, ergo propter hoc. Mas há, inegavelmente, rela-
ção de causa e efeito entre a transferência da Capital e o surto de
progresso que se deu no País a partir daquela realização, não só
na região Centro-Oeste, como seria de esperar, mas no Brasil
como um todo. Só não o vêem os que não querem ver; os dados
e as estatísticas estão aí, à vista de todos.
4. Seria indevido pedir maior clareza e mais especificação
num sonho-visão. Manifestações como esta, como as dos profe-
tas da Escritura, são de sua natureza imaginárias, envoltas em
expressões ora obscuras, ora simbólicas, que se prestam a mais
de uma interpretação. Mas ainda assim, sobre o essencial, como
vimos, há mais clareza neste “sonho” do que em geral nas previ-
sões deste tipo.
5. Convém ainda não esquecer que Dom Bosco nunca es-
teve na América, não tinha maiores estudos de Geografia, e que
os mapas da época, sobretudo os das regiões extra-européias,
eram bastante incompletos e vagos.

Em tempo:

a) Os representantes mais altos da Congregação Salesiana


e seus melhores estudiosos jamais se pronunciaram sobre o as-
sunto e a reação de seus Superiores Maiores a este respeito foi
62
sempre de reticência. O escrito acima representa opinião estrita-
mente pessoal.
b) Uma advertência aos angustiados com a situação atual
do País: – a segunda geração, preanunciada no sonho para o
advento de uma era de prosperidade e riqueza, só termina no
ano 2003. Até lá... nada se perde em esperar para conferir.

63
6. A REALIZAÇÃO DO SONHO

Sobre Brasília eis o que diz Eduardo Bueno, em seu livro


Brasil: uma história (BUENO, 2002, p. 352-353):
Era uma cidade longamente profetizada. Já em 1883, ela apare-
cera, reluzente, nas visões do santo italiano João Bosco. Um sé-
culo antes, fizera parte dos sonhos libertários dos inconfidentes,
fulminados em 1789. Em 1813, o jornalista Hipólito José da
Costa, redator do Correio Braziliense, editado em Londres, deu
novo alento à idéia de transferir a capital do Brasil para o interior,
“junto às cabeceiras do Rio São Francisco”. No início de 1822
surgiria, em Lisboa, um livreto, redigido nas Cortes, determinan-
do que, “no centro do Brasil, entre as nascentes dos confluentes
do Paraguai e do Amazonas fundar-se-á a capital do Brasil, com a
denominação de Brasília”. No mesmo ano, após a Independên-
cia, José Bonifácio defenderia, na Constituinte, a idéia de erguer
a nova capital ‘na latitude de 15o , em sítio sadio, ameno, fértil e
regado por um rio navegável’. Em 1852, o historiador Francisco
Adolfo de Varnhagen tornou-se o principal defensor de Brasília
e, em 1877, seria o primeiro a viajar ao Planalto Central tentan-
do demarcar o ponto ideal. Achou-o “no triângulo formado pe-
las lagoas Formosa, Feia e Mestre d’Armas, pelo fato de fluírem
para o Amazonas, o São Francisco e o Prata”. Proclamada a Re-
pública, o artigo 3º da nova Constituição estabeleceu que a capi-
tal de fato seria mudada para o Planalto Central, o cientista Luís
Cruls demarcou “um quadrilátero de 14.400 quilômetros para
nele ser erguida a nova cidade”. Em 1922, o presidente Epitácio
Pessoa baixou um decreto determinando que no dia 7 de setem-
bro daquele ano (centenário da Independência) fosse assentada
a pedra fundamental da nova capital, na cidade de Planaltina (GO),
localizada no “quadrilátero Cruls”, hoje perímetro urbano de
Brasília. A idéia de transferir a capital para os longínquos des-
campados do cerrado seria mantida nas constituições de 1934 e
de 1946. Mas só começou de fato a sair do papel no dia 4 de
abril de 1955, num comício em Jataí (GO), quando o então
64
candidato à Presidência Juscelino Kubitscheck decidiu fazer a mais
óbvia das promessas de campanha: jurou que iria “cumprir a
Constituição”. Então, como o próprio JK conta no livro Por que
construí Brasília, algo de surpreendente aconteceu – e mudou os
destinos do Brasil. De acordo com JK, ao final do comício em
Jataí, “uma voz forte se impôs” e o interpelou. “O senhor disse
que, se eleito, irá cumprir rigorosamente a Constituição. Desejo
saber se pretende pôr em prática a mudança da capital federal
para o Planalto Central”. JK olhou para a platéia e identificou o
interpelante: era um certo Toquinho. Embora considerasse a per-
gunta embaraçosa e já tivesse seu Plano de Metas pronto, JK
respondeu que construiria a nova capital. A partir daí, Brasília
virou a “meta-síntese” de seu governo. Ao assumir a Presidên-
cia, apresentou o projeto ao Congresso como fato consumado.
Em setembro de 1956, foi aprovada a lei nº 2.874 que criou a
Cia. Urbanizadora da Nova Capital. As obras se iniciaram em
fevereiro de 1957, com apenas 3 mil trabalhadores – batizados
de “candangos”. Os arquitetos Oscar Niemeyer e Lúcio Costa
foram encarregados de projetar a cidade “futurista”.
As visões de Dom Bosco sobre a Terra Brasilis, a exemplo
de Brasília, parece que já se está tornando uma realidade, como
indicam as descobertas de gás de petróleo na Bacia do São Fran-
cisco (MG/GO) e as “novas fronteiras exploratórias” do
Jequitinhonha visadas pela Petrobrás, além do maior reservatório
de água doce da América do Sul, na Bacia do Paraná, o Aqüífero
Guarani. A jornalista Danielle Nogueira (Jornal do Brasil, 6/8/
2000, p. 21) divulgou o seguinte:
Metade da água doce do planeta disponível para consumo – ape-
nas 2,5% do total – se encontra em reservatórios subterrâneos.
Um dos maiores do mundo está sob os pés de milhões de brasi-
leiros e, a partir de 2001, estará sob os olhos atentos de repre-
sentantes dos quatros países do Mercosul. No primeiro semes-
tre do ano que vem, será implantado o Programa Guarani, proje-
to que pretende proteger e promover a exploração racional dos
45 quatrilhões de litros d’água armazenados no Aqüífero Guarani.
Com 1.194.800 quilômetros quadrados de extensão, o Aqüífero
Guarani abrange oito estados e parte do Paraguai, do Uruguai e
da Argentina. Nos quatro países, a perfuração de poços tem sido
o meio mais recorrente de exploração da água, mas, segundo o
secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambien-

65
te (MMA), Raimundo Garrido, muitas vezes essa exploração é
feita de forma incorreta. O objetivo do programa é orientar o
uso da água para que o reservatório não se esgote nem esteja
sujeito à contaminação, disse Garrido, que discutiu o projeto no
1º Congresso Integrado de Águas Subterrâneas, na semana pas-
sada, em Fortaleza. De acordo com o geólogo Aldo Rebouças, do
Instituto de Estudos Avançados da USP, a má qualidade técnica
da perfuração e o abandono dos poços são as principais fontes
de contaminação dos lençóis subterrâneos. O poço não é só um
buraco, assim como uma cirurgia não é igual a uma facada. Algu-
mas camadas do solo devem ser isoladas para que os lençóis
mais rasos, facilmente contaminados, não transfiram poluentes
para as camadas mais profundas, de onde é retirada a água. A
agricultura e os lixões também são fontes poluidoras, pois os
agrotóxicos e metais pesados se infiltram no solo com a água da
chuva. A primeira etapa do Programa Guarani, que terá duração
de quatro anos, será a identificação dos pontos do aqüífero mais
sujeitos à contaminação. Estes pontos costumam ser as áreas de
recarga, por onde a água da chuva penetra no solo e abastece o
aqüífero, disse Garrido. Estas são as áreas mais próximas da
superfície. As mais profundas estão 1.700 metros abaixo do solo.
Estima-se que o Aqüífero receba anualmente 166 trilhões de
litros de água. Um quarto da recarga seria suficiente para abaste-
cer 15 milhões de pessoas por ano. Garrido ressaltou, no entan-
to, que o consumo das águas subterrâneas deve ser combinado
com o das águas superficiais – rios e lagos. Cada país integrante
do projeto vai cuidar da sua parte. Serão estabelecidas cotas
máximas do uso da água proveniente do Guarani para que não
haja risco de esgotamento, disse o secretário. A preocupação de
Garrido tem um porquê. Enquanto a água dos rios é renovada
rapidamente, os aqüíferos demoram para serem reabastecidos,
pois a velocidade de infiltração é baixa. Um problema que acaba
se tornando uma solução quando o assunto é qualidade da água.
Como a água passa pelo solo muito devagar, ela é naturalmente
filtrada por ele. Os microorganismos presentes na terra e as ro-
chas retém os poluentes, disse o secretário. O resultado é uma
água pronta para o consumo a custo zero. Só em São Paulo, onde
se encontram 18,5% do total da área brasileira abrangida pelo
Aqüífero, 47% dos 645 municípios do estado são abastecidos
somente por água subterrânea, entre eles Ribeirão Preto. Isso
mostra que a água é um recurso econômico, disse Aldo Rebouças.

66
O Aqüífero Guarani é estratégico, pois está localizado na parte
mais rica do Cone Sul. Por isso deve ser preservado, completou.
Além de dispensarem tratamento, as águas do Aqüífero Guarani
também não precisam ser aquecidas artificialmente, o que permi-
te grande economia de energia. O líquido leva décadas para per-
correr centenas de metros. A cada 30m que desce, a temperatu-
ra da água é elevada em 1o C. Quando ela chega lá embaixo, está
fervendo. O Programa Guarani terá financiamento de US$25 mi-
lhões, dos quais US$14 milhões virão do Global Enviroment
Facility (GEF). O restante será repassado pelo Banco Mundial
(Bird) e pelos quatro países envolvidos na proteção do mananci-
al. Apesar de só agora os governos dos países, sob os quais
repousa o Aqüífero Guarani, terem decidido implantar projeto
de proteção, a história do reservatório começa há 440 milhões
de anos, quando os continentes africano e americano estavam se
separando. A abertura do Oceano Atlântico resultou em depres-
sões na superfície terrestre, contribuindo para o surgimento de
bacias sedimentares, terreno propício para formação de aqüíferos.
Foi só na Era Mesozóica, no entanto, durante os períodos Triássico
(entre 248 milhões e 213 milhões de anos atrás) e Jurássico
(entre 200 milhões e 144 milhões de anos), que o Guarani,
homenagem ao povo indígena que habitou a região onde hoje
está o reservatório, deu o primeiro sinal de vida. Naquela época
foram formadas duas camadas de areia, porosas e permeáveis,
que hoje armazenam 45 trilhões de litros d’água. Um derrame de
rochas vulcânicas alguns milhões de anos depois criou uma espé-
cie de tampão que cobre 90% do aqüífero e que seria fundamen-
tal para a boa qualidade de suas águas. O basalto é impermeável,
protegendo o aqüífero da contaminação, explicou o geólogo Aldo
Rebouças, da USP.
Quanto às ocorrências de gás de petróleo da Bacia do São
Francisco, transcrevemos a seguir alguns trechos de um artigo do
ex-Ministro de Minas e Energia, Paulino Cícero de Vasconcelos,
publicado no Jornal Estado de Minas (4/6/2003, p. 9) sob o
título O gás do São Francisco, que liga esse fato ao sonho de
Dom Bosco:
“Um dos maiores geólogos do País, Carlos Walter Marinho Cam-
pos, que no ano passado recebeu, post-mortem, a medalha
Eschwege do governo mineiro, foi o homem que levou a Petrobras
para o mar. (...) Quando assumi a Secretaria de Minas do gover-

67
no Itamar, já aposentado da Petrobras, Carlos Walter, com minha
presença, instalou em Ouro Preto o Núcleo de Engenharia de
Petróleo (Nupetro), que somava o notório potencial de duas
renomadas instituições: a Escola de Minas, na área de geologia, e
a Escola Federal de Engenharia de Itajubá (Efei), em eletricidade e
mecânica. Neste dia, com a simplicidade que contrastava os títu-
los tantos que acumulara no Brasil e no exterior, Carlos Walter
me dizia que a bacia hidrográfica do São Francisco pode escon-
der um oceano de gás. É uma unidade geotectônica proterozoica
– dizia-me. Não deve ter óleo, mas certamente conterá muito gás
natural de petróleo, exatamente como ocorre na Sibéria e no
Mar Amarelo da China, que são, também, bacias proterozoicas,
formada a mais de 500 milhões de anos. (...) É rezar para que as
coisas se apressem e aconteçam. Aliás, falando em rezar, isso me
lembra o jornalista Jorge Faria, como eu, ex-aluno salesiano. Ele
diz – e jura – que o verdadeiro sonho visionário de Dom Bosco
sobre o Centro-Oeste brasileiro não era Brasília. Era e é o gás do
São Francisco.”

68
7. POSFÁCIO

Para encerrar este pequeno livro, gostaria de lembrar al-


guns personagens de nossa história, cujo legado transformaram a
sociedade brasileira e direcionaram o País para realização de seu
grande destino, cumprindo assim os desígnios de Deus. Esses
personagens foram os Inconfidentes que planejaram a transferên-
cia da capital do País para o interior: Juscelino Kubitschek, que
realizou esse projeto, e Getúlio Vargas, que lançou os alicerces
de uma sociedade mais justa e igualitária. Todos eles pagaram
com a própria vida tais ousadias, mas suas obras prevaleceram
sobre seus inimigos. A luta de Getúlio Vargas em favor dos ex-
cluídos é um capítulo de nossa história que ainda está para ser
escrito em toda sua extensão e abrangência, pois foi ele o único
homem público na história do Brasil que de fato se preocupou
com os trabalhadores e tentou virar o jogo em seu favor, pagan-
do com isso com a própria vida. O legado desse estadista é vas-
to, pois, para realizá-lo, teve de mudar a face escravocrata do
País, o que só foi possível com as leis trabalhistas por ele implan-
tadas, fato, aliás, lembrado em sua carta testamento.

A Era Vargas

Essa libertação foi feita por meio de um ciclo revolucioná-


rio, mais tarde chamado Era Vargas, que se desdobrou em várias
fases desde outubro 1930, quando os gaúchos liderados por
Vargas deixaram os Pampas, passando pela malfadada Contra-
Revolução Paulista de 32, pelos entreveros com os comunistas
em 1935 e integralistas em 1937, pelos trágicos acontecimentos
69
de agosto de 1954, quando se imolou em favor dos excluídos,
até 1960, ano que marca a um só tempo o fechamento do ciclo
de mudanças estruturais revolucionárias e o término do governo
JK, que colheu os frutos da única revolução que realmente mu-
dou a face do Brasil.
O prelúdio desse movimento revolucionário foi um tempo
de conflitos, como a Revolta dos Tenentes em1922, a Marcha da
Coluna Prestes em 1924 e o colapso da elite escravocrata em
1929. Já o fechamento desse ciclo foi um período de realizações,
coroado pelas obras do governo do Presidente Juscelino
Kubitscheck, sendo a principal delas a construção de Brasília,
inaugurada em 1960. A partir da posse do sucessor de JK, em
janeiro de 1961, o que se observa são tentativas frustradas de
uma elite retrógrada, ressentida e revanchista de anular as con-
quistas sociais e pôr um fim à política social-nacionalista implan-
tada na Era Vargas. Esse processo maniqueísta de demolição,
cujas raízes remontam a 1932, começa com a renúncia de Jânio
Quadros à Presidência da República, oito meses após sua posse,
e termina em 2002 com o fim do segundo mandato do Presiden-
te Fernando Henrique Cardoso. Este presidente, inclusive, nos
seus dois mandatos, tentou de todas as formas pôr um fim a Era
Vargas (talvez para vingar a memória de seu pai, um oficial do
Exército que lutou em 32 ao lado dos derrotados paulistas),
fracassando, todavia, nesse intento, pois foi vencido pelos traba-
lhadores nas eleições de 2002, os quais assumiram o poder em
2003, resgatando assim os ideais de Vargas e dando início aos
novos tempos profetizados por Dom Bosco.
A chamada Era Vargas, como dito anteriormente, compor-
ta várias e decisivas batalhas e com significados diferentes. A de
1930, por exemplo, que deu início ao processo revolucionário,
marca o fim da chamada República Velha, dominada que era pelos
remanescentes da elite rural escravocrata, os chamados paulistas
quatrocentões, e pelos elementos de proa da elite agroindustrial
mineira que dominavam a política das Gerais. Mas o colapso
total dos remanescentes da elite escravocrata ocorrerá com a
derrota da contra-revolução dita “constitucionalista” que agitou
70
São Paulo, em 1932. O fim dessas elites decadentes está simbo-
licamente representado pelos cavalos amarrados pelos gaúchos
no obelisco da Avenida Central no Rio de Janeiro, onde encerra-
ram uma jornada vitoriosa desde os pampas.
A marcha vitoriosa dos gaúchos, como um vento minuano,
subiu do Rio Grande do Sul carregando consigo toda tradição
pampeana de entreveros, varrendo com seu sopro renovador
todos os quadrantes do País, deixando atrás de si uma realidade
nova, só se dissipando no planalto central em 1960 com a inau-
guração de Brasília. Isso só foi possível porque “nas áreas menos
brasileiras – as fronteiras gaúchas”(sic) (no dizer de Roberto
Hipólito da Costa, em correspondência ao seu tio, o ex-Presi-
dente Castello Branco, segundo narra o escritor Lira Neto, em
seu livro Castello – A marcha para a ditadura, Editora Contexto,
2004, p. 380) não medrou a escravidão e, conseqüentemente, o
ranço escravocrata ficou restrito às regiões Nordeste e Sudeste,
a primeira de onde provém o senhores Hipólito e Castello, e a
segunda onde os Barões do Café tinham seu ninho. Para levar
avante essa empreitada, Getúlio Vargas aproveitou um momento
de divisão das elites conservadoras mineiras e paulistas para in-
troduzir nessa fratura uma cunha representada pelos militares
positivistas, corrente filosófica de forte influência em seu estado
natal e no Exército e que, por ocasião da Proclamação da Repú-
blica, opuseram-se à maçonaria e à Igreja Católica para derrubar
a Coroa Imperial. É bom frisar que, graças à altivez e ao espírito
libertário dos gaúchos, embasados nessa ideologia de fundo po-
lítico-religioso e caráter nacionalista e de forte conteúdo social,
as elites republicanas emergentes, civis e militares, puderam con-
duzir o Brasil com segurança pela estreita faixa que separava as
duas ideologias que se digladiavam na primeira metade do século
XX pelo poder mundial: o comunismo e o fascismo. A simbologia
de todo esse processo está representada no centro da cidade do
Rio de Janeiro, sede da corte imperial e capital da República, pelo
traçado de duas avenidas, a Avenida Rio Branco e a Avenida Pre-
sidente Vargas, que se cortam formando uma cruz, encimada por
uma igreja, a Igreja da Candelária.
71
A estreita Avenida Rio Branco (originalmente Avenida Cen-
tral), por exemplo, representa um rompimento com o passado
colonial, pois, aberta na República Velha, não respeitou um tes-
temunho daquela época, a velha igreja construída pelos portu-
gueses no Morro do Castelo, que foi removido por se situar no
seu traçado. Em contrapartida, a larga Avenida Presidente Vargas,
construída em1943 (início da segunda geração no sonho de Dom
Bosco) às custas da velha cidade imperial, representando assim
um rompimento com o passado escravocrata, não destruiu a igreja
que situava em seu caminho, a Igreja da Candelária, mas, pelo
contrário, manteve-a intacta. Este fato simboliza também o
restabelecimento da aliança entre a Igreja e o Estado, rompida
pelos positivistas quando da Proclamação da República. Este novo
relacionamento foi sacramentado em 1934, quando Getúlio
Vargas formalizou seu casamento perante a Igreja Católica, antes
registrado apenas no civil (MATOS, 1990, p. 260). Com tal
gesto, essa igreja superou, a um só tempo, o ranço colonial que
a imobilizava e a disputa com os positivistas que a envenenava.
Se considerarmos a existência de um plano superior regen-
do os destinos da Terra Brasilis, é natural concluirmos que o
advento do Positivismo entre nós, num momento crucial para o
País, quando estava mergulhado num beco sem saída do maras-
mo e da estagnação de um império decadente, não foi casual.
Essa corrente filosófica nascida na França no século XIX, só pros-
perou no Brasil e, assim mesmo, por um curto período de tempo
e de maneira efêmera, porém eficaz, na medida em que foi sufici-
ente para detonar a tríplice aliança formada pela Monarquia,
Maçonaria e Igreja Católica, que sufocava a sociedade brasileira
com seu atavismo escravocrata e conservadorismo paralisante.
Ao pretender fundir num cadinho filosófico todo esse caldo cul-
tural elitista, o Positivismo acabou gerando um movimento sem
líderes e uma estrutura tão retrógrada quanto antes, a República
Velha, cuja divisa, Ordem e Progresso, seu único legado ideoló-
72
gico, está estampada na bandeira nacional. Mas as sementes des-
sa ideologia continuaram hibernando no estamento militar, re-
nascendo em 1922 com o Movimento dos Tenentes, que acabou
morrendo nas areias de Copacabana como as ondas de um mar
revolto que se quebra nas praias. O drama desses idealistas é o
prelúdio de uma revolução que se avizinha e que agitará o País ao
longo do século XX, promovendo profundas mudanças em sua
estrutura política, econômica e social.
Para concluir e, como uma homenagem ao cinqüentenário
da morte do revolucionário Getúlio Vargas, transcrevo a seguir a
Carta Testamento desse que foi o único presidente republicano e
também único homem público da história do Brasil que realmen-
te se preocupou com a má sorte dos pobres, chegando ao extre-
mo de sacrificar a própria vida para modificá-la. A morte de Ge-
túlio Vargas, como a de Che Guevara e Tiradentes, não foi uma
derrota diante de seus inimigos, mas, sim, uma vitória que o
tempo só fez aumentar e valorizar. O jogo sujo praticado pela
elite de perenizar a miséria no Brasil, para dela se locupletar,
encontrou em Getúlio Vargas a pedra de tropeço, razão por que
esse grupo sectário procura, de todas as formas, caracterizá-lo
como um ditador e apagar da memória nacional suas realizações,
inclusive tentando criar uma anti-Era Vargas, a tal Era FHC. Ledo
engano. Como profetizou esse gaúcho de boa têmpera em sua
Carta Testamento, ela está apenas começando, pois o que ele fez
com a Revolução de 30 foi atravessar o Rubicão e abrir novas
perspectivas para a sociedade brasileira e, com sua morte, validar
seu legado. É bom lembrar que todo esse processo revolucioná-
rio agitou a nação, como se um vento minuano tivesse sido desa-
tado no sul e varresse o País de cabo a rabo com seu sopro
renovador, dissipando as pesadas nuvens carregadas de atraso
que sufocavam o Brasil desde que se tornara independente, e
espantando para sempre as aves de rapina que, pousadas no te-
lhado da sede do governo, o Palácio do Catete, espreitavam sua
presa predileta – o povo brasileiro.
73
O Testamento

Pois onde há testamento, é preciso que se


verifique a morte do testador. Um testamento só se torna
válido em caso de morte; não surte efeito enquanto o
testador está vivo.
(Hb 9, 16-17)

24 de agosto de 1954
Palácio do Catete
Rio de Janeiro – Brasil

“Mais de uma vez, as forças e os interesses contra o povo


coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não
me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão
o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a
minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre
defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino
que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação
dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me che-
fe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e
instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei
ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos
grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados
contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraor-
dinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do
salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberda-
de nacional na potencialização das nossas riquezas através da
Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se
avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não que-
rem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja
independente. Assumi o governo dentro da espiral inflacionária
que destruía os valores de trabalho. Os lucros das empresas es-
trangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valo-
74
res do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais
de 100 milhões de dólares por ano.
Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produ-
to. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta
pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a
ceder. Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo
a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silên-
cio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender
o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso
dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue
de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofe-
reço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar
sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma
sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta,
sentirei em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos
filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a for-
ça para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome
será vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma
chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada
para a resistência. Ao ódio respondo com perdão. E aos que
pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era
escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse
povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém.
Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será
o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei
contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O
ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei
a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio.
Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e
saio da Vida para entrar na História.”
Fonte: Ensaios de Opinião – Getúlio Vargas (p. 44).
Documento levantado pelo Serviço de Atendimento ao Usuário da
Biblioteca do Senado Federal, a quem agradeço a gentileza da pesquisa
e remessa da cópia.
75
A Era Vargas em três tempos

Resumo

1922/1929
Prelúdio à Revolução
1922 – A Revolta dos Tenentes
1924 – A Coluna Prestes
1929 – O colapso da elite escravocrata

1930/1945
Minuano, o vento renovador
1930/1932 – Os gaúchos em marcha
1935/1937 – Entreveros
1945/1950 – O repouso do guerreiro

1950/1960
A consolidação da Revolução
1950 – A volta do guerreiro
1954 – O sacrifício necessário
1960 – Brasília, o coroamento da obra

76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC AS
IBLIOGRÁFICAS

A BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulinas, 1981.


BÍBLIA SAGRADA. Tradução da CNBB, 2001.
BUENO, Eduardo. A Viagem do Descobrimento – A verdadeira
história da expedição de Cabral. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.
BUENO, Eduardo. Brasil: uma história. São Paulo: Ática, 2002.
COUTO, João Gilberto Parenti. Projeto Brasil – O resgate da
dívida social e a situação do negro do Brasil. Belo Horizonte:
Mazza Edições, 2000.
MATOS, Henrique Cristiano José, frater. Um estudo histórico
sobre o catolicismo militante em Minas, entre 1922 e 1936.
Belo Horizonte: O Lutador, 1990.
TUFANO, Douglas. A carta de Pero Vaz de Caminha – Comentá-
rios e notas de. São Paulo: Moderna, 1999.
ZWEIG, Stefan. Brasil, país do futuro. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1960.

77
78
LIVRO II

A REVOLUÇÃO
QUE VARGAS NÃO FEZ
A IMPLANTAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA
DE TEMPO INTEGRAL

79
80
INTRODUÇÃO

Educação: o calcanhar-de-aquiles da
sociedade brasileira

A perenização da miséria no Brasil é fruto de um processo


de exclusão social que tem na educação as raízes mais profundas.
Esta tragédia coletiva é o resultado de um passado escravocrata e
da opção da elite republicana de priorizar as questões econômi-
cas em detrimento do social. A inversão dessa prioridade, colo-
cando o resgate da dívida social e as necessidades básicas da
população em primeiro plano, é condição sine qua non para que
o Brasil saia do atraso secular em que essa elite o meteu e que a
paranóia econométrica dos economistas de plantão o mantém
imobilizado no lodaçal da estagnação econômica e social. Ao
priorizar o resgate da dívida social e o atendimento das necessi-
dades básicas da população, toda a economia terá de realinhar-se
a essa nova realidade, pois os recursos necessários para isso são
vultosos, a começar pelos investimentos em educação, em que se
destaca a Escola Pública de Tempo Integral. A não implantação
desta escola compromete todas as tentativas de fazer do Brasil
um país desenvolvido, constituindo-se este fato no calcanhar-de-
aquiles da sociedade brasileira, embora os governantes procurem
ignorá-lo. O passo decisivo, portanto, para que o Brasil promova
o resgate da dívida social e saia da situação vergonhosa em que se
encontra está na adoção da Escola Pública de Tempo Integral para
crianças e jovens de 3 a 18 anos, vale dizer, da pré-escola ao
término do ensino médio, e de creches comunitárias para crian-
ças com até 3 anos de idade.
81
A Escola Pública de Tempo Integral não é novidade no se-
tor educacional brasileiro, pois, na década de 1940, o educador
Anísio Teixeira chegou a implantá-la na Bahia, a Escola Parque de
Salvador, e, em passado recente, o ex-Governador do Estado do
Rio de Janeiro, Leonel Brizola, tentou e fracassou na implantação
dessa escola nos seus dois mandatos (83/86 e 91/94). Em 1999,
o Governador Garotinho tentou ressuscitá-la, como informa o
Jornal do Brasil (10/10/99, p. 3):
Símbolo máximo do governo Brizola, os Cieps foram pratica-
mente abandonados nos últimos quatro anos, durante o governo
Marcello Alencar. Inspirados na idéia da escola de tempo integral
do educador Anísio Teixeira e implantados por Darcy Ribeiro, os
Cieps começaram a ser recuperados este ano, como projeto
prioritário do governo Garotinho.
Esta iniciativa não prosperou, fracassando como as demais.
Além de providências práticas como a do Governador Brizola,
outras foram tomadas com igual objetivo, mas no campo teórico,
como a dos deputados mineiros que elaboraram a Constituição
de Minas Gerais de 1989. Reza essa Constituição, no seu artigo
198: “A garantia de educação pelo Poder Público se dá mediante:
I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, mesmo para os
que não tiverem tido acesso a ele na idade própria, em período
de oito horas para o curso diurno”. Este ato também se revelou
falho, pois jamais passou da teoria para a prática.
Concluindo, é bom lembrar que a última reforma subs-
tancial no ensino brasileiro ocorreu há mais de sessenta anos, no
período revolucionário de Vargas, com a Lei Capanema, que
mudou o ensino no País, como informa Joaquim Panini (Cami-
nhos Novos na Educação. São Paulo: FTD, 1995, p. 286):
Realmente, até 1940, praticamente qualquer pessoa podia ensi-
nar, mesmo sem o credenciamento de títulos. O mesmo aconte-
cendo com as escolas. Com a lei Capanema, publicada em 1942,
– a primeira grande lei de ensino no Brasil – as coisas mudaram
substancialmente. As escolas, e sobretudo os professores, tive-
ram que legalizar sua situação frente às exigências da lei, o magis-
tério deixou de ser considerado sacerdócio e passou a ser tido
somente como uma profissão, exigindo interesse, aptidão, e ha-
bilitação legal.

82
Os sabotadores da Escola Pública
Mas, se tão grande avanço ocorreu em 1942, por que a
Escola Pública de Tempo Integral, gestada desde 1932 pelos pio-
neiros da Escola Nova, foi abortada? A resposta está na luta
surda travada contra a escola pública pela elite conservadora li-
derada pelo clero católico, como mostra o seguinte trecho extra-
ído da obra Caminhos Novos na Educação (LIMA, 1995, p. 161):
Entendeu a AEC – Associação de Educação Católica, desde o
primeiro momento, que não basta ficar na oposição. Há necessi-
dade de penetrar e atuar em todos os órgãos do poder. Fazer
ouvir a nossa voz, colaborando, honradamente, com a indepen-
dência de opinião, de nossa filosofia e crença. Nasceram, assim,
os chamados comandos no legislativo e no executivo. Era a es-
tratégia que se impunha: estar presente, lá onde se decidiam as
orientações políticas e administrativas do ensino nacional. Os
primeiro comandos tiveram, no Senado, o catarinense Nereu
Ramos. Na Câmara, o deputado gaúcho, Tarso Dutra. Traço de
união entre os comandos, em caráter permanente, e a diretoria
nacional, foi naqueles 20 primeiros anos, o ex-constituinte de
1934, dr. Carlos Thompson Flores. As reuniões eram, geral-
mente, no palácio São Joaquim, sede do arcebispado do Rio.
Havia também a colaboração da imprensa, como o conde Pereira
Carneiro, no Jornal do Brasil, e o Dr. Roberto Marinho, em O
Globo. Rara era a semana em que não publicassem algum artigo
elaborado na AEC. Outros jornais como o Diário de Notícias e o
Correio da Manhã, colaboraram, também. A AEC visava formar
opinião. Não ouve o mesmo acolhimento, por parte de O Estado
de São Paulo. Às repetidas audiências solicitadas pela AEC, acu-
dia o Dr. Júlio de Mesquita Filho, declarando, com cortesia, que
a linha do jornal era outra. O mentor, naquela época, era o dire-
tor da Revista Anhembi, Anísio Teixeira, nada favorável à Igreja, e
ardoroso defensor do ensino estatal. Hoje – como mudam os
tempos! – o Estado está publicando artigos na nossa linha. O
atual diretor, Júlio de Mesquita Neto, é antigo aluno do colégio
São Luís, de São Paulo.
Os fundamentos dessa conspiração contra a escola pública
e a capitulação de Vargas, que trocou os ideais da Escola Nova
pela Lei Capanema, estão sintetizados na PARTE I, um mosaico
83
formado com trechos selecionados das seguintes obras: Cami-
nhos novos na educação, sob a coordenação de Irmã Severina
Alves de Lima (São Paulo: FTD, 1995); Um estudo histórico so-
bre o catolicismo militante em Minas, entre 1922 e 1936 , de
Frei Henrique Cristiano José Matos (Belo Horizonte: O Lutador,
1990); Introdução à história da Igreja, de Frei Henrique Cristiano
José Matos (Belo Horizonte: O Lutador, 1997, 5 ed., v. 1e 2); e
Os Templários, de Piers Paul Read (Rio de Janeiro: Imago, 2001).
Na PARTE II, são tecidas algumas considerações sobre a Escola
Pública de Tempo Integral e as iniciativas, tardias (setenta anos de
atraso) que visam a sua implantação em algumas escolas munici-
pais de Belo Horizonte.

84
PARTE I
ARTE

AS CAUSAS DO FRAC AS
FRACAS SO
ASSO
DA ESCOL
ESCOLAA PÚBLIC
PÚBLICAA

85
86
1. UMA DISPUTA DE PODER E PRESTÍGIO
DISPUTA

O nó górdio que mantém o Brasil atado à miséria e à igno-


rância e que o impede de sair do atraso em que se encontra e
realizar suas potencialidades se situa na escola pública. O fracas-
so da escola pública no Brasil é o resultado de uma surda disputa
de poder e prestígio entre a Igreja Católica Apostólica Romana e
o Estado brasileiro, tornada manifesta por ocasião da queda do
Império e conseqüente Proclamação da República, quando então
se processou a separação da Igreja do Estado. Essa disputa, Igre-
ja/Estado, tem suas raízes nos primórdios do Cristianismo, por
obra e graça do Imperador romano Constantino (306-337).
Constantino acreditava que havia chegado ao poder com a ajuda
do Deus dos cristãos. Às vésperas da crucial batalha com o impe-
rador rival Maxêncio na Ponte Mílvio, junto dos muros de Roma,
fora-lhe dito num sonho (ou possivelmente numa visão) que pin-
tasse um monogramo cristão nos escudos de seus soldados com
as palavras: In hoc signo vinces (Com este sinal vencerás). (READ,
p. 39)
Constantino sucessivamente adotou outras medidas favoráveis
aos cristãos, como se quisesse fazer da religião cristã um instru-
mento de fortalecimento e unidade do Estado, que também pro-
curava robustecer por outros meios (reforma da burocracia civil
e dos comandos militares; medidas econômicas e fiscais; etc.).
Em particular, Constantino parece ter visto no monoteísmo uma
forma de legitimar a monarquia: a um só Deus do universo
corresponde um só soberano ou monarca para o Império. Tam-
bém a transformação da antiga Bizâncio numa nova cidade,
Constantinopla, inaugurada em 330, pareceu significar o aban-
dono, por parte do imperador, da Roma pagã e a substituição
por uma nova Capital cristã. (MATOS, 1997, v. 1, p. 97)

Entre os atos de Constantino em favor da Igreja, podem ser cita-


dos: + A concessão de imunidades ou isenção de obrigações

87
pessoais para com o Estado (impostos etc.), tanto para os sa-
cerdotes pagãos, como para o clero católico. + Reconhecimento
jurídico das decisões episcopais: os bispos podem arbitrar cau-
sas também de pagãos. + Abolição da crucificação e proibição
das lutas de gladiadores, que, no entanto, continuarão ainda por
um século. + Permissão à Igreja de receber heranças e doação de
grandes igrejas ou basílicas (Basílica do Latrão e de São Pedro,
em Roma; Santo Sepulcro, em Jerusalém; Natividade, em Belém...).
+ Reconhecimento do domingo como feriado e progressiva re-
dução das festas pagãs. (MATOS, 1997, v. 1, p. 97-98)

A propósito deste período e de imperadores como Constantino,


Constâncio e, mais tarde, Justiniano (527-565), falou-se em
cesaropapismo. O termo é moderno e indica uma teoria segundo
a qual o poder civil e o poder religioso se reuniriam numa só
pessoa, a do imperador, que exerceria conjuntamente as funções
de imperador e de papa. (MATOS, 1997, v. 1, p. 102-103)

“A Igreja assumiu mais do que as funções do extinto Império: era


o Império Romano na mente do povo. Ser romano era ser cris-
tão; ser cristão era ser romano. Depois de Justiniano, o mundo
mediterrâneo passou a considerar a si mesmo não mais como
uma sociedade na qual o cristianismo era apenas a religião domi-
nante, mas uma sociedade totalmente cristã. Os pagãos desapa-
receram nas classes mais elevadas, e mesmo no campo (...) o
não-cristão constatava que era um fora-da-lei num Estado unifi-
cado. Num sentido real e consciente, os bispos da Igreja Católi-
ca assumiram as responsabilidades da classe senatorial romana:
essa foi a hipótese básica por trás da retórica e do cerimonial do
papado medieval”. (READ, p. 46)

Por volta de 1300, deu-se um desentendimento entre o Papa


Bonifácio VIII (1294-1303) e o rei Filipe IV, o Belo (1285-1314),
da França. Conflitos semelhantes, surgidos, via de regra, por
motivos de delimitação de poderes, já haviam ocorrido em épo-
cas anteriores, como conseqüência natural da fusão de compe-
tências entre o poder espiritual e temporal. Por maiores que ti-
vessem sido os choques, até então uma coisa ficara incontestá-
vel: a união inquebrantável de Igreja e Estado, sob a dupla auto-
ridade de papa e monarca. A novidade estava exatamente em não
mais se tratar de uma simples questão de rivalidade, mas de um
profundo questionamento sobre a origem do poder. Felipe sus-

88
tentava que sua autoridade régia derivava diretamente de Deus e,
conseqüentemente, não se submetia a nenhuma restrição por parte
do Papa. Como monarca, era inteiramente independente e so-
mente em questões de fé teria de obedecer ao pontífice. Em ou-
tras palavras: o rei subtraiu toda vida política à direção da Igreja.
(MATOS, 1997, v. 1. p. 286-287)

“O ano de 1300 marcou o ponto alto do pontificado de Bonifácio


VIII e na época pareceu o auge das reivindicações pontifícias à
jurisdição universal. (...) O papa Bonifácio, exultante, apareceu
diante dos peregrinos sentado no trono de Constantino, segu-
rando espada, coroa e cetro e gritando: Eu sou César!”. (READ,
p. 276-277)

“A morte de Bonifácio não pôs fim ao conflito entre o Papa e a


França. (...) Finalmente, a escolha recaiu sobre Clemente V (1305-
1314), arcebispo de Bordéus. Este se mantivera neutro na luta
partidária, sendo figura bem vista por Felipe. Não foi uma eleição
muito feliz. A fim de restabelecer a paz o mais breve possível, fez
grandes concessões a Felipe, que não seriam benéficas para a
Igreja. Apoiou um processo contra a Ordem dos Templários, que
o rei queria aniquilar, provavelmente para se apoderar de suas
riquezas. O processo realizou-se de forma completamente arbi-
trária e as atitudes autocráticas de Felipe provam que o prestígio
do Papa diminuíra notavelmente. Embora as acusações feitas não
fossem comprovadas, Clemente suspendeu a Instituição dos
Templários (1307). A vontade de Felipe prevaleceu”. (MATOS,
1997, v. 1, p. 289)

Em Portugal, a Ordem do Templo, com permissão do papa, tinha


sido reorganizada como Ordem de Cristo. Aí, também, era con-
trolada pelos reis portugueses, que conseguiram instalar prínci-
pes reais ou outros favoritos como mestres. Seus feitos mais
significativos se deram sob seu mestre, o príncipe Henrique, no-
meado em 1418, o qual usou a riqueza da ordem para financiar
expedições exploratórias à costa da África, ao redor do cabo da
Boa Esperança e por fim à Ásia. No século XVI, o controle das
ordens passou para a Coroa, e, como as sucessivas bulas papais
atenuaram os votos de pobreza, castidade e obediência, a quali-
dade de membro transformou-se meramente numa questão de
honra e prestígio. (READ, p. 338)
89
A partir da segunda metade do século XV, Espanha e Portugal
assumem, progressivamente, a hegemonia da expansão colonial
européia, sob a égide da incipiente política econômica do
mercantilismo. Dilatar a fé e o império, impor-se pela cruz e es-
pada, são diferentes maneiras de exprimir a implantação dos im-
périos ibéricos, ao mesmo tempo mercantis e salvacionista. (MA-
TOS, 1997, v. 2, p. 89-90)

Na Península Ibérica existia a mentalidade, amplamente difundi-


da, segundo a qual Portugal e Espanha foram escolhidos por Deus
para difundir a fé cristã nas novas terras já descobertas ou a
serem conhecidas. Trata-se de um messianismo que ressoa, in-
clusive, nas obras de Las Casas quando afirma que Deus havia
eleito o povo Espanhol como ministro da fé (As vinte razões).
Também Antônio Vieira SJ (1608-1697) se faz porta-voz dessa
convicção, afirmando que nesses tempos surge um novo impé-
rio, o reino de Cristo na terra, governado pelo Papa (poder espi-
ritual) e pelo rei de Portugal (poder temporal). (MATOS, 1997,
v. 2, p. 95 e 97)

Cinco séculos de luta contra os Mouros na Península Ibérica


(c.750-1492), movimento conhecido como Reconquista Cristã,
inculcou nos ibéricos um espírito de cruzada: usar a força das
armas como meio legítimo na defesa da fé! Imbuídos desta mes-
ma mentalidade os conquistadores declaram justa a guerra, caso
os indígenas negarem a aceitar pacificamente a fé. O grito crê ou
morre dos cruzados medievais recebe aqui uma nova aplicação.
(MATOS, 1997, v. 2, p. 97)

Quanto à implantação da Igreja-Instituição e à organização ecle-


siástica, constatamos que em 1511 foram criadas as três primei-
ras sedes episcopais, entre elas a de Santo Domingo (arquidiocese
em 1546). A Igreja no Brasil dependia inicialmente do Bispado
de Funchal, nas Ilhas Açores. Em 1551 erigiu-se a diocese de
São Salvador da Bahia. De 1551 a 1676 houve um só bispo para
toda a América portuguesa e somente em 1707, com as Consti-
tuições Primeiras do Arcebispo da Bahia, é que surge uma estru-
tura eclesiástica mais definida. (MATOS, 1997, v. 2, p. 95)

Através de sucessivas concessões pontifícias que confiavam aos


monarcas ibéricos o cuidado da Igreja em terras ultramarinas,
por eles descobertas e conquistadas, a evangelização da América
90
Latina estava, de fato, nas mãos da Coroa, e, conseqüentemente,
era integrada ao projeto colonial de dominação. Eram, de fato,
os reis de Espanha e Portugal que enviavam os missionários e que
tinham o direito de receber os dízimos, para financiar a catequese
e o culto. Pertencia-lhes, igualmente, a faculdade de criar novas
dioceses, nomear bispos e outros dignitários eclesiásticos. Toda
a comunicação com Roma era sujeita ao controle do monarca. O
funcionamento do padroado foi, igualmente, bem além da legis-
lação escrita e o poder colonial chegou a dominar por completo
a instituição eclesiástica, cerceando, de forma abusiva, sua vida
interna e seus representantes, entre eles particularmente as Or-
dens Religiosas. Um dos aspectos práticos do padroado era que
ninguém podia tornar-se cristão sem, ao mesmo tempo, passar a
ser súdito do rei da Espanha ou de Portugal. Efetivamente, ex-
pansão imperialista e conversão cristã caminhavam de mãos da-
das! (MATOS, 1997, v. 2. p.100).

91
2. O PODER DA IGREJA NO
GREJA BRASIL

A colônia portuguesa nas Américas segue um itinerário sui generis.


A 7 de setembro de 1822 um príncipe da casa real portuguesa,
Dom Pedro I, rompe os laços políticos com a Metrópole, tornan-
do o Brasil um país independente. É instituído o regime
monárquico e proclamado o Império do Brasil, com constituição
outorgada em 24 de fevereiro de 1824, na qual a religião católi-
ca é declarada oficial (artigo 5º) e o Imperador considerado o
protetor natural da Igreja, com todas as prerrogativas do antigo
Padroado luso (art. 102). (MATOS, 1997, v. 2, p. 119)
No Brasil verificamos, no período em questão, vários choques
entre o poder imperial e a Igreja por causa do regalismo. Após o
posicionamento das autoridades políticas em relação ao direito
inalienável do padroado, ora transferido naturalmente para a pes-
soa do Imperador (1827), e o episódio de quase ruptura com
Roma (1833) devido às atitudes de Diogo Antônio Feijó (1784-
1843), as tensões entre a Igreja e Estado não cessam. Assim, em
1855 é proibida a admissão de noviços às antigas Ordens Religio-
sas do Império, medida que provoca uma drástica diminuição
numérica desses institutos, levando-os à beira da extinção em
fins do período monárquico. Famosa foi a Questão Religiosa
(1872-1875), ligada à infiltração maçônica em irmandades de
Belém e Olinda, cidades que viram seus bispos aprisionados e
condenados a trabalhos forçados. (MATOS, 1997, v. 2, p. 123)

Proclamada a República, em 15 de novembro de 1889, logo aos


7 de janeiro de 1890, o Governo Provisório publicou o Decreto
da separação da Igreja e do Estado. Antes de chegar à publicação
desse revolucionário Estatuto, de tão decisiva importância só-
cio-política, houve várias tentativas de impedi-lo ou, pelo me-
nos, amenizar suas conseqüências. Os líderes católicos continua-
vam a defender em tese o ideal de união entre Igreja e Estado,
aceitando a separação como situação de fato, após a promulga-
ção do Decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890. Obviamente

92
ninguém desejava um simples retorno à política imperial referen-
te à Igreja, aquela falsa união e escravizamento, aquele regime de
privilégios e subsídios com que se mascarava a opressão (Pe.
Júlio Maria, CSSR), mas seria inaceitável confundir a separação
com a hostilidade ou com a indiferença. (MATOS, 1990, p. 12)

Não se pode negar que o documento de 7-1-1890 é sereno,


discreto e preciso; não contém excessos e nem esconde ódios.
Não deixa de ser a carta de alforria do catolicismo no Brasil,
abolindo no art. 4º o padroado com todas as suas instituições,
recursos e prerrogativas; proibindo no art. 1º ao governo federal
leis, regulamentos ou atos administrativos sobre a religião; de-
clarando no art. 2º o direito de todas as confissões religiosas ao
exercício de seu culto, sem obstáculos aos seus atos particulares
ou públicos; assegurando no art. 3º a liberdade religiosa, não só
aos indivíduos isoladamente considerados, mas ainda às Igrejas
que os unem numa mesma comunhão; estabelecendo no art. 5º a
personalidade jurídica para todas as Igrejas e comunhões religio-
sas, e mantendo a cada uma o domínio de seus bens. (MATOS,
1990, p. 13)

Apesar das intervenções e apelos da Hierarquia católica, a Cons-


tituição republicana de 24 de fevereiro de 1891, adotou uma
filosofia a-religiosa e nitidamente laicista, eliminando – como vi-
mos – a evocação do nome de Deus na Carta Magna, proibindo
o ensino religioso nas escolas públicas e não reconhecendo o
matrimônio religioso para efeitos civis. Essa mesma política de
laicização do Estado, no entanto, não foi seguida pelo Congres-
so Constituinte de Minas Gerais que, no dia 15 de junho de
1891, decretou e promulgou a Constituição Mineira em nome
de Deus Todo Poderoso. Comenta Mons. Carlos de Vasconcellos,
no seu discurso de instalação do 1o Congresso Catequístico Bra-
sileiro de 1928: Minas repudiava assim a apostasia oficial da
Constituição atéia da República Brasileira, inspirada pelo
positivismo. Se esta não foi ainda batizada, como dizia Júlio Ma-
ria, e conserva o pecado original de apostasia, o Estado de Mi-
nas, desde o berço, recebeu ao menos a graça do batismo de
desejo! (MATOS, 1990, p. 16)

Apesar da separação oficial de Igreja e Estado no Brasil, consa-


grada pelo Decreto 119-A, de 7 de janeiro de 1890, e incorpo-
rada na constituição de 1891, assistimos, na Primeira República,
93
a um curioso processo de reaproximação dos dois poderes. A
Igreja não se conforma com uma posição secundária na vida na-
cional, apelando aos sentimentos religiosos da absoluta maioria
da população. Já nos primeiros anos da República os bispos mos-
tram claramente que não aceitam a opinião que entre a Igreja e o
Estado deve ter pouco ou quase nenhum contato, nenhuma coo-
peração, em suma, legalmente têm que se ignorar mutuamente.
Independência não quer dizer separação, afirma o Episcopado
em sua Carta Pastoral de 1890. (MATOS, 1990, p. 45)

“O processo de reaproximação entre a Igreja e Estado, nas pri-


meiras quatro décadas do regime republicano, não é retilíneo e
conhece um vai-e-vem, que revela os interesses em jogo naquela
etapa histórica. (...) Em 1905 o Brasil foi agraciado com o pri-
meiro cardinalato da América Latina, na pessoa de Dom Joaquim
Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti (1897-1930), arcebispo
do Rio de Janeiro. (...) Em 1919 a representação diplomática
junto à Santa Sé foi elevada à categoria de Embaixada, enquanto,
no Brasil, a Nunciatura recebeu o status de primeira classe. (...)
Em maio de 1924 foi celebrado, com grandes festividades, o
jubileu de ouro sacerdotal do Cardeal Arcoverde. Além da im-
pressionante Missa Campal, especialmente organizada pelos nos-
sos militares, em que tomaram parte mais de dez mil soldados de
terra e mar e a comunhão dos intelectuais, quando das mãos de
S. Ex. Rvdma., o Snr. D. Sebastião Leme, mais de 500 homens de
letras, professores, cientistas, acadêmicos, artistas, etc. recebe-
ram a Sagrada Comunhão, o que mais chamou a atenção foi o
fato de o governo da República ter tomado parte conspícua nes-
sas festividades. No dia 4 de maio de 1924, compareceu ao
Palácio São Joaquim, no Rio de Janeiro, o próprio Presidente da
República, Dr. Artur Bernardes (1922-1926), acompanhado do
Sr. Dr. Estácio Coimbra, vice-presidente, das casas civil e militar
e de todo o Ministério, para homenagear o purpurado. Era a
primeira vez, depois da separação da Igreja e do Estado, que uma
autoridade eclesiástica recebia tais honras por parte do Chefe da
Nação. Houve 20 minutos de conversação amistosa. Trocaram-
se discursos e foram tiradas fotografias, em que, ao lado do Car-
deal e de outros prelados, aparecem o Presidente da República e
seu séquito. Uma hora depois, Dom Arcoverde e todos os Bis-
pos presentes foram agradecer a distinção do Governo brasilei-
ro. À saudação de Dom Joaquim Silvério de Souza (1905-1933),
Arcebispo de Diamantina, respondeu o Presidente com um dis-

94
curso que foi uma verdadeira apologia da ação da Igreja Católica
no Brasil. Mas o ponto alto constituiu, sem dúvida, do banquete
no Itamarati, oferecido à noite daquele dia 4 de maio, pelo
Chanceler Félix Pacheco. Ainda muitos anos depois, este evento
será lembrado pela imprensa católica como um manifesto con-
graçamento da República com a consciência católica da universa-
lidade dos brasileiros. Fala-se, na ocasião, de um verdadeiro ba-
tismo da República no Brasil.” (MATOS, 1990, p. 47-49).

95
3. O LITÍGIO ENSINO RELIGIOSO X ENSINO LEIGO

A proclamação da República, em novembro de 1889, trouxe como


conseqüência a abolição do Padroado, deixando o catolicismo
de ser religião oficial do estado. À semelhança do que já vinha
ocorrendo na Europa, a constituição republicana decretou a im-
plantação do estado leigo, com as respectivas conseqüências na
área da família e da educação. Com a mesma força de repúdio à
laicização do Estado e ao casamento civil, os bispos passaram a
condenar o ensino leigo nas escolas. Segundo a hierarquia eclesi-
ástica, a laicização do ensino era considerada como uma forma
prática de ateísmo e causa de profundos males para o país. Já na
reclamação feita pelo episcopado ao governo provisório, datada
de 6 de agosto de 1890, existe uma condenação explícita do
ensino leigo; numa interpretação tendenciosa, afirma-se que o
governo havia optado pelo ateísmo oficial: Que há de ser, dentro
de poucos anos, quando as funestas doutrinas do ateísmo nas
escolas públicas, houverem produzido entre nós os deploráveis
frutos de dissolução e imoralidade que a experiência de outros
países já deixou tristemente evidenciados? Nas pastorais coleti-
vas de 1900, na comemoração do 4º centenário da descoberta
do Brasil, os bispos voltam a insistir nessa mesma posição, extre-
mamente polêmica, com relação ao ensino leigo: Decretou-se
que nossas escolas primárias e superiores fossem seminários de
ateísmo, onde nada se ensinasse de religião, nada de Deus. Este
nome adorável poderão os mestres proferir para o insulto ou
negar; não terão liberdade de infundir na inteligência e no cora-
ção dos alunos conhecimento e amor de Deus criador deles e do
universo. É evidente que os bispos manipulam, em defesa de sua
tese, o próprio texto do decreto, estabelecendo uma equivalên-
cia indébita entre ensino leigo e ensino ateu. O fato de se pres-
cindir, nas escolas públicas, do ensino da fé católica, de forma
alguma significava que houvesse na mente dos legisladores uma
intenção declarada de promover o ateísmo entre a juventude. O
ensino religioso, continuava a ser mantido livremente nas escolas

96
confessionais das diferentes denominações religiosas. Apesar do
clamor do episcopado, o governo republicano deixava plena li-
berdade para que a instituição eclesiástica se expandisse e se
fortalecesse nesse período, o que não ocorria na época imperial.
A convite dos bispos e sob o estímulo da Santa Sé, inúmeros
institutos religiosos europeus se estabeleceram no país nas pri-
meiras décadas do regime republicano. A celebração do concílio
plenário latino-americano, em Roma, em 1898, permitiu que a
cúria romana confirmasse de forma definitiva seu domínio sobre
as Igrejas oriundas do colonialismo ibérico. O concílio foi elabo-
rado e conduzido pelos peritos da Santa Sé, cabendo aos prela-
dos apenas ratificar as diretrizes romanas. Um dos pontos mais
enfatizados, pelo concílio, era a necessidade de promoção das
escolas católicas, como forma de se contrapor à perspectiva leiga
dos estados modernos. Afim de levar avante esse projeto, reco-
mendava-se que os prelados latino-americanos continuassem a
obter a colaboração de religiosos da Europa. O tema escola ca-
tólica passou a constituir um enfoque importante da conferência
dos bispos do centro-sul do país, reunidos em São Paulo, em
1910. A escola pública, desprovida do seu caráter sacral, era
condenada explicitamente pelos membros da hierarquia eclesiás-
tica, afirmando que a Igreja Católica detesta e condena as escolas
neutras, mistas e leigas, em que se suprime todo o ensino da
doutrina cristã. E acrescentavam em seguida, fiéis às orientações
do concílio latino americano: Esforcem-se, portanto, os reveren-
dos párocos, pregadores e catequistas, por dissuadir aos pais de
família, que não poderão prestar pior serviço aos filhos, à pátria
e ao catolicismo, que colocar seus filhos em tais escolas, expos-
tos a perigos tão grandes. O contraponto era a necessidade de
escolas de confissão católica. O clero diocesano foi incentivado
a que patrocinasse essas fundações, no âmbito de suas paróqui-
as: Nas circunstâncias em que se acha a Igreja diante do ensino
leigo, é de necessidade inadiável que em todas as paróquias, haja
escolas primárias católicas, a que chamam paroquiais, nas quais a
mocidade nascente encontre o pasto espiritual da doutrina cris-
tã, e de outros conhecimentos para a vida prática. Ordenamos,
portanto, aos reverendos párocos que envidem todos os esfor-
ços para fundá-las o quanto antes, onde as não houver; e não
descansem, enquanto não conseguirem, por si ou por outrem, a
realização deste ideal, em suas paróquias, custe o que custar. A
finalidade básica da escola paroquial era oferecer aos meninos
uma instrução elementar que lhes permitisse assimilar melhor os

97
conceitos da doutrina católica, preparando-se assim de forma
adequada para a recepção dos sacramentos da penitência e da
eucaristia. Foi sobretudo nas regiões de imigração européia no
sul do país onde esse apelo foi atendido de forma mais plena.
Instalados no Rio Grande do Sul, em 1900, os Irmãos maristas
tornaram-se valiosos colaboradores dos páracos na promoção
das escolas católicas. Em Santa Catarina, foi fundada em 1913 a
congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas, cuja finalidade
específica era o magistério nas escolas paroquiais. Não obstante,
na medida em que se ampliava a rede escolar pública, muitas
famílias católicas passaram a optar por ela pelo aspecto da
gratuidade, tanto mais que freqüentemente eram os mesmos pro-
fessores que lecionavam tanto nas escolas municipais como nas
escolas paroquiais. Nesse período, intensificou-se no país o en-
sino secundário, e os religiosos passaram a ocupar lugar signifi-
cativo nessa área, com a fundação de colégios, nas diversas regi-
ões do país. Três razões principais podem ser indicadas para essa
opção de atividade, dentro da Igreja do Brasil. Em primeiro lugar,
a maioria das congregações européias, já se dedicava anterior-
mente a esse tipo de atividade; o que fizeram foi simplesmente
transplantar para o país métodos e obras que já haviam dado
bons resultados em outras regiões. Além disso, a fundação de
escolas passou a constituir o meio principal de prover o sustento
econômico das novas fundações religiosas, sobretudo quando o
governo republicano, recém-instalado no Brasil, se negava a am-
parar as obras de cunho religioso. Por último, a criação das esco-
las católicas era uma das grandes metas do episcopado, sobretu-
do após o decreto de separação entre a Igreja e Estado. (LIMA,
p. 30-33).

98
4. O COMBA
COMBATETE À ESCOL A PÚBLIC
SCOLA ÚBLICAA NA
REPÚBLIC
EPÚBLICAA VELHA E A CRIAÇÃO DA
REDE PAR TICUL
ARTICUL AR DE ENSINO
TICULAR

Após a proclamação da República a Igreja iniciou um movimento


de reação contra o novo regime, em vista do seu caráter leigo;
havia ainda muitos prelados e clérigos saudosistas da época im-
perial, quando a instituição eclesiástica gozava de uma série de
privilégios, por ser o catolicismo religião. A legitimação do go-
verno republicano foi promovida sobretudo pelos positivistas,
cuja doutrina teve grande aceitação no exército, através do in-
centivo ao espírito cívico. A partir das comemorações do cente-
nário da independência, registra-se uma mudança de estratégia
por parte da Igreja: a ênfase do discurso eclesiástico passa a ser
a união entre fé católica e pátria brasileira. Na concepção do
episcopado, era necessário recuperar a influência junto ao poder
político. De fato, a partir da década de 20, iniciou-se uma etapa
que pode ser designada como Restauração católica ou neo-Cris-
tandade brasileira. (LIMA, p. 37)

Diante desta situação a Igreja procura reforçar seus quadros in-


ternos e também sua organização externa. Excluída da vida públi-
ca, quer aumentar sua influência e prestígio na sociedade civil,
mediante uma atuação mais destacada na educação (com colé-
gios católicos, geralmente destinados à elite), nas obras sociais,
na imprensa e nas pias associações de leigos. Nesta tarefa recebe
enorme apoio de Congregações religiosas européias que afluem,
em grande número, ao Continente. Interessante também é o in-
gente esforço da hierarquia para conquistar um lugar para a Igreja
na escola pública, com campanhas a favor do ensino religioso na
rede educacional oficial. (MATOS, 1997, v. 2, p. 125)

A escola neutra é uma calamidade, um sistema mentiroso, escre-


via Leão XIII. Em face de Cristo, senhores, não há meio termo; a

99
alternativa é a da estrada de Damasco: ou com Paulo se o segue
ou com Saulo se o persegue. A escola sem Deus é contra Deus.
(MATOS, 1990, p. 76)

Na sua Carta Pastoral de 29-3-1912, já escrevera Dom Silvério


Gomes Pimenta, Arcebispo de Mariana: Escolas chamadas neu-
tras, ou atéias, são perniciosíssima invenção para arrancar do
coração da infância, e depois da sociedade, a fé e os sentimentos
religiosos. Este nefando empenho se acoberta e se procura de-
fender com a capa de liberdade de consciência, de civilização, de
progresso, quando na realidade não é senão uma guerra nutrida
contra a fé católica, alvejada principalmente com tais medidas.
Outros falam da monstruosidade perversa do ensino leigo e do
mais violento vírus que se possa inocular a uma nação para
corrompê-la. (MATOS, 1990, p.75)

A lição da história nos ensina que o grupo ou partido que tiver o


monopólio da escola, cedo ou tarde, triunfará. É indispensável
que os católicos sinceros e esclarecidos, seguindo um plano bem
traçado, iniciem uma luta sem tréguas contra o princípio da
laicidade do ensino. Urge uma propaganda intensa, ardente, contra
a violação odiosa da vontade popular pela imposição iníqua – a
um povo inteiramente católico! – de um ensino que ele não quer.
O grito de guerra de todo o exército católico deve ser: Quere-
mos Deus nas escolas! As escolas são nossas, somos nós que as
pagamos e sustentamos, não as queremos sem o ensino da Reli-
gião! Fora o ensino leigo! Para nós, como para nossos irmãos de
crença de todos os países não há escolher o campo de batalha:
só poder ser o da salvação da infância e da mocidade pela des-
truição do ensino leigo, ou ao menos pela subtração dos filhos
dos católicos à sua mortífera influência. Unindo as imensas for-
ças católicas em todo o território nacional, fazendo pressão so-
bre as autoridades municipais, estaduais e federais, a Igreja con-
seguirá, em breve, que Jesus Cristo e a Religião dos nossos an-
cestrais voltem a ocupar, no ensino, o lugar de honra que lhe
compete e que, só pela mais tirânica e criminosa imposição de
uma ínfima minoria de falsos democratas lhes havia sido arranca-
do. Desse recobrar de esforços pelo ensino religioso – afirmam
os bispos da Província Eclesiástica de Mariana, no Apelo dirigido
ao Clero, aos chefes de família e aos professores, Pouso Alegre,
7 de maio de 1927 – há de surgir uma nova floração de energias
e virtudes, a pontearem de esperanças os horizontes da Pátria e a
100
atraírem sobre vós as mais preciosas recompensas do céu. (MA-
TOS, 1990, p. 76-77)

“A campanha pelo ensino religioso teve em Minas contornos es-


pecíficos. Aí a luta foi mais intensa e conseguiram-se vitórias,
que serviram de estímulo para os católicos de outras regiões do
país. (...) As coisas mudaram quando o Governador positivista
João Pinheiro da Silva e seu secretário do Interior, Carvalho Brito,
em 1906, proibiram o ensino religioso na escola oficial, deixan-
do, igualmente, de subvencionar os seminários católicos”. (MA-
TOS,1990, p. 77-78)

“Já em 1890, na sua Carta Pastoral Coletiva, o episcopado bra-


sileiro dizia: Nós vemos nas escolas, desde as ínfimas até as su-
periores, erguerem-se cátedras de pestilência a exalar os seus
miasmas deletérios, e enquanto nesses santuários poluídos da
ciência os professores do ateísmo pervertem a incauta mocidade
sedenta de saber... É convicção profunda entre os católicos es-
clarecidos da época, que a escola neutra, ou seja, sem Deus, não
educa, porque não forma o caráter, nem o homem, cuja vida
espiritual não pode abstrair da religião. (...) Encontramos seme-
lhante argumentação nas próprias diretrizes oficiais da Igreja, desde
pronunciamentos pontifícios, posicionamentos do episcopado
nacional e local, até simples orientações nas suas respectivas pa-
róquias”. (MATOS, 1990, p. 88)

Um dos aspectos mais importantes na obra de recristianização


do Brasil, durante o período da Primeira República, é, sem som-
bra de dúvida, a campanha desenvolvida pela Igreja para
reintroduzir o ensino religioso nas escolas da rede pública. (MA-
TOS, 1990, p. 73).

A questão escolar no Brasil não é fenômeno isolado no conjunto


da Igreja Universal. Amplamente conhecidos são os ingentes es-
forços, por exemplo, dos católicos franceses em defesa da escola
católica, como demonstra, entre outros, o famoso discurso de
Charles de Montalembert (1810-1870) perante a Chambre des
Pairs, em 1831. Particularmente instrutiva é também a ação dos
católicos holandeses quanto à escola confessional cristã, na qual
se destaca a figura de Herman Schaepiman (1844-1903) que
conseguiu a colaboração política do partido protestante, para
garantir o reconhecimento, e, mais tarde, a plena subvenção do
101
ensino cristão particular (em 1920, já depois de sua morte).
(MATOS, 1990, p. 75)

“As orientações de Roma a respeito da escola católica servem de


estímulo e apoio aos católicos brasileiros em construir sua pró-
pria rede particular de ensino. Em sua Pastoral Coletiva de 1922,
os Bispos recordam aos fiéis a exortação de Leão XIII, quando
escrevem: Pelo que ao nosso país concerne, o Papa Leão XIII, na
Carta ‘Litteras a vobis’ diz: ‘Estabeleçam-se também escolas para
instrução dos meninos, a fim de não suceder que, com grande
detrimento da fé e dos costumes, recorram, com sói acontecer,
às escolas dos hereges ou freqüentem colégios onde não se faz
menção nenhuma da doutrina católica, exceto talvez para caluniá-
lo’. Escusado é encarecer a importância das palavras pontifícias.
À sua luz rasga-se o caminho que devemos trilhar, sob pena de
perderem a fé verdadeira não poucos dos que têm a ventura de
nascer no generoso grêmio da Igreja. Pio XI – na sua encíclica
Divini Illius Magistri, de 1929, pondera: ...é indispensável que
todo o ensino e toda a organização da escola: mestres, progra-
mas, livros, em todas as disciplinas, sejam regidos pelo espírito
cristão, sob a direção e vigilância maternal da Igreja católica, de
modo que a Religião seja verdadeiramente fundamento e coroa
de toda a instrução, em todos os graus, não só elementar, mas
também média e superior. Dom Leme já tocara o ideal da ‘escola
integralmente católica’, na sua Pastoral de 1916: Nós queremos
escolas francamente religiosas. Nesse intuito não mediremos tra-
balhos (...) A escola – repete Dom Leme, citando Leão XIII – é o
campo de batalha em que se decide o caráter cristão da socieda-
de”. (MATOS, 1990, p. 91)

Uma das maiores desgraças que atingiu o Brasil no período da


Primeira República é, segundo muitos católicos da época, a difu-
são dos colégios protestantes ou americanos, na Terra de Santa
Cruz. Na sua Circular de 3-4-1906 o Arcebispo de Mariana
declara sem rodeios: Falo de meninos de ambos os sexos, que os
pais não temem confiar a colégios e mestres protestantes, hete-
rodoxos, ou ainda sem religião. Não vêem esses pais que com
semelhante procedimento impelem seus filhos para a apostasia,
fazendo-os perder no colégio, ou nas aulas, as verdades católicas
que aprenderam, ou deviam aprender em casa. Pais que assim
tratam seus filhos são diante de Deus réus de um crime, que o
Apóstolo classifica de apostasia, mais grave que a mesma infide-

102
lidade: “Si quis suorum máxime domesticorum curam non habet,
fidem negativ, et est infideli deterior” (I Tim. 5,8). (MATOS,
1990, p. 92-93)

CONCLUSÃO: Percorremos o longo e penoso caminho de uma


das mais caras reivindicações dos católicos da Primeira Repúbli-
ca, a menina dos olhos da Igreja neste período da história eclesi-
ástica do Brasil. Sem educação religiosa da mocidade, não há
futuro para a Pátria. Não se duvidava disso. Com denodo e até
intransigência, o episcopado nacional se mete na luta pró-ensino
religioso nos estabelecimentos educacionais públicos. Minas toma
a dianteira nesta campanha, liderada pelo Arcebispo de Belo Ho-
rizonte, Dom Cabral. Neste terreno, o antístite da Capital Minei-
ra não cede um milímetro. Leva a luta até conseguir a brilhante
vitória de 1928. Mas não se satisfaz com a implantação do ensi-
no do Catecismo na escola oficial. Empenha-se, igualmente, para
dotar sua diocese com escolas confessionais integralmente cató-
licas. Além de várias escolas paroquiais, são fundados, um pou-
co em toda parte, colégios católicos, normalmente dirigidos por
Congregações Religiosas, muitas destas provenientes da Europa.
O combate ao colégio americano, protestante, é contínuo, sen-
do esse visto não apenas como uma ameaça para o catolicismo,
mas um sério perigo para a própria nacionalidade. A partir de
1930, surgem as primeiras iniciativas tendo em vista a influência
no campo dos estudos superiores, germes das futuras Universi-
dades Católicas no Brasil. (MATOS, 1990, p. 96-97).

103
5. O ADVENTO DA
ADVENTO REVOLUÇÃO
EVOLUÇÃO DE 30

A partir da década de 20, portanto, a Igreja procura uma


reaproximação com o Estado, não em termos de subordinação,
mas de colaboração. A hierarquia eclesiástica mostra-se disposta
a colaborar com o governo na manutenção da ordem pública,
mas exige em troca que o Estado atenda às suas reivindicações
de ordem religiosa. Essa aliança passou a ser mantida após a
revolução de 1930, com a ascensão dos novos líderes políticos.
Para conquistar o apoio da Igreja, não faltaram concessões explí-
citas do governo revolucionário, como a autorização para o ensi-
no religioso nas escolas públicas. (LIMA, p. 38-39)

Getúlio Vargas (1883-1954), que dirigirá os destinos da Nação


a partir da Revolução de 1930, primeiro como chefe do Gover-
no Provisório (1930-1934), depois como Presidente Constitu-
cional (1934-1937) e ditador (1937-1945), ficará eternamente
grato a Dom Leme, que evitou o derramamento de sangue na
deposição de Washington Luiz (1870-1957) como presidente
da República em 1930. Durante o Estado Novo (1937-1945) –
na realidade o regime ditatorial de Vargas – realizar-se-á um pac-
to moral entre a Igreja e o Estado, garantia de uma posição privi-
legiada do catolicismo no Brasil. Notável foi a bem sucedida cam-
panha da Igreja para conseguir a implantação do ensino religioso
na escola pública, em nível regional (Minas Gerais, 1928) e,
pouco depois, em nível nacional (Decreto do Governo Federal
de 1931). (MATOS, 1997, v. 2, p. 129)

“Para José Oscar Bozzo 1935 é o ano chave da década de 30. A


Revolução de 1930 permite o desbloqueio de inúmeras forças
sociais que se radicalizam mais profundamente em 1935, quan-
do começa a se fechar o espaço, para estas forças populares
emergentes, ocupado cada vez pelo reagrupamento das classes
dominantes e pela intervenção do Estado. (...) Eliminada a influ-
ência tenentista sobretudo a mais radical e consolidado seu po-

104
der político, a burguesia e a oligarquia estão com as mãos livres
para utilizar todo o peso do Estado para combater a pequena
burguesia radical, a classe operária, o comunismo e restabelecer
a ordem. A igreja se adapta ao projeto populista de Vargas, apre-
sentando-se como força moderadora nas tensões e conflitos so-
ciais da época. Defende a ordem social vigente, agora batizada
pela Carta Magna de 34, e o princípio de obediência à Autorida-
de estabelecida. Vê no comunismo o grande inimigo a ser com-
batido, devido à sua inspiração materialista e espírito revolucio-
nário. Neste contexto nascem as simpatias de significativos seto-
res da Igreja no Brasil pelo movimento integralista, que trazia em
seu programa o tríplice lema: Deus, Pátria e Família, valores ex-
tremamente caros ao catolicismo da época”. (MATOS, 1990, p.
261)

Esse período é também marcado por importantes reformas


educativas promovidas tantos em nível federal como estadual.
Esse interesse e entusiasmo pela educação foi provocado pelo
movimento da Escola Nova, tendo como principais líderes
Fernando Azevedo, Sampaio Dória, Lourenço Filho e Anísio
Teixeira. Alguns líderes católicos manifestaram-se, desde o iní-
cio, favoráveis a esse movimento renovador da escola, como Mário
Casasanta, Jôntas Serrano e Everardo Backheuser. Mário Casasanta
tinha colaborado com Francisco Campos, na reforma da educa-
ção em Minas, quando se introduziu o ensino religioso nas esco-
las públicas. Escreveu uma obra sobre Dom Bosco, ressaltando
sua atividade educacional. Tendo sido subdiretor técnico da Ins-
trução no Rio, no tempo da Administração de Fernando Azeve-
do, Jônatas Serrano foi em seguida nomeado membro do Conse-
lho Nacional de Educação. Já em 1932 publicava um volume
com o título Escola Nova onde declarava explicitamente: O mo-
vimento renovador da escola, a cruzada pela escola nova pode e
deve continuar (continuar e não começar, pois foi brilhantemen-
te iniciado faz algum tempo), e com a colaboração de todas as
forças vivas do nosso meio. Essa adesão ao movimento não im-
pedia que esse intelectual católico fizesse restrições a algumas
idéias propugnadas pelos renovadores da escola, como o mono-
pólio da educação pelo Estado e a escola mista. Formado pela
escola Politécnica do Rio de Janeiro em engenharia, Everardo
Backheuser foi em seguida professor nesse mesmo Instituto. Em
1932, quando o movimento de renovação pedagógica concreti-
zou-se no Manifesto dos pioneiros da escola nova, foi ele um

105
dos signatários do documento. Mas a posição católica mais am-
pla foi de reservas, quando não de franca oposição, destacando-
se nessa linha Alceu de Amoroso Lima. Posteriormente, ele ex-
plica essa postura reacionária nestes termos, datando equivoca-
damente o manifesto num ano antes: Em 1931, quando foi lan-
çado o Manifesto dos Pioneiros, vinha eu de minha recente con-
versão, com todo o ímpeto de cristão, senão novo pelo menos
revertido às suas raízes. Daí certas posições extremadas dos meus
Debates Pedagógicos. O mesmo sucedeu, mas em sentido opos-
to, com dois ou mesmo três dos mais destacados líderes dessa
revolução pedagógica, como Anísio Teixeira, Lourenço Filho e
mesmo Everardo Backheuser, pouco mais tarde convertido ao
catolicismo. (LIMA, p. 41-42).

106
6. OS COLÉGIOS CATÓLICOS

O período de um século que antecede à fundação da AEC (As-


sociação de Educação Católica) – 1844-1944 – é marcado inici-
almente por um forte atrelamento da educação católica às dire-
trizes eclesiásticas romanas, tendo como finalidade promover
prioritariamente o ensino da doutrina cristã. Essa postura auto-
ritária e antiliberal da Igreja assumiu no Brasil a partir de 1844,
quando Dom Antônio Ferreira Viçoso tomava posse da diocese
de Mariana, iniciando o movimento dos Bispos reformadores e
com a fundação do colégio jesuíta, no Desterro, nesse mesmo
ano. A oficialização dos colégios nas primeiras décadas do sécu-
lo XX aproximou paulatinamente a educação católica da realida-
de brasileira, contribuindo também para isso a educação cívica e
os exercícios militares prescritos pelo governo. Entre os princi-
pais aspetos que caracterizam a educação nesse período podem
ser assinalados: a tônica espiritualizante, o rigorismo moral, a
militarização e o caráter autoritário da educação, a seriedade dis-
ciplinar e a qualidade do ensino, bem como uma abertura para
educação artística e esportiva. A ênfase na concepção da Igreja
como sociedade destinada à salvação das almas, fez com que
também a tarefa educativa fosse orientada para fazer dos alunos
católicos praticantes, ou seja, comprometidos diretamente com
a instituição eclesiástica. Simultaneamente, os jovens passam a
considerar as pessoas vinculadas a outros credos religiosos como
destinados à perdição eterna. A prática dos exercícios militares
nos colégios reforçava nos alunos o espírito de ordem e discipli-
na, limitando o estímulo à criatividade e à liberdade individual.
Os desfiles, por sua vez, despertavam interesse e aplauso das
populações urbanas pela educação católica, em conseqüência do
cunho patriótico que os envolvia. Um dos pontos que atraía muitas
famílias era a disciplina reinante nos colégios católicos, conside-
rada por muitos pais como um elemento fundamental para a ação
educativa. Mas é, sobretudo, a qualidade do ensino ministrado
nos colégios dirigidos por padres, freiras e irmãos religiosos, o

107
aspecto explicativo do grande êxito da educação católica nesse
período e a multiplicação dos estabelecimentos católicos nas di-
versas regiões do país, mesmo em cidades interioranas. A grande
meta da educação católica era a formação da classe dirigente do
país. Por isso, a maioria dos colégios destinava-se tanto aos fi-
lhos da tradicional aristocracia rural como da burguesia emer-
gente. Foi muito grande nesse período a fundação de ginásios,
iniciando-se nas últimas décadas o ensino superior e universitá-
rio. A maior presença de professores leigos nos colégios católi-
cos e o interesse do laicato pelo tema da educação marcam o
final dessa etapa. A fundação da Conferência Católica Brasileira
de Educação, realizando o primeiro congresso católico de edu-
cação em 1944, pode ser considerada como o encerramento
desse ciclo. A derrocada dos regimes autoritários, ao final da
Segunda Guerra Mundial, marca o início de uma nova era, abrin-
do-se também a escola católica para as idéias da escola nova e
para os novos projetos de uma sociedade liberal e democrática.
Em 1945, com o término da Segunda Guerra Mundial, a tra-
dicional perspectiva eclesiástica começou a ser abalada. O avan-
ço das idéias democráticas na Europa, com profundas repercus-
sões na política e na sociedade brasileira, obrigaram a Igreja a
rever suas posições. A Fundação da AEC, nesse mesmo ano,
reflete ainda a mentalidade vigente anteriormente. (LIMA, p.
21-23).

108
PARTE II
ARTE

A ESCOLA PÚBLICA DE TEMPO INTEGRAL

109
110
7. O EXERCÍCIO DA CIDAD
CIDADANIA
ADANIA

Para que uma trama indecorosa e funesta como a conspira-


ção contra a escola pública não volte mais a assombrar a socieda-
de brasileira e a cidadania se torne realmente um direito univer-
sal, é fundamental a implantação da Escola Pública de Tempo
Integral, funcionando das 7 às 17 horas, abrangendo creches
comunitárias, pré-escola e ciclo básico infanto-juvenil (ensino
fundamental e médio). Agregados às creches comunitárias, para
crianças com até 3 anos de idade, deve-se criar núcleos de apoio
às gestantes, dotados de toda infra-estrutura para atendimento
pré-natal e acompanhamento dessas crianças e dos recém-nasci-
dos. Esses espaços de cidadania, implantados prioritariamente
nas favelas, contribuirão decisivamente para evitar que a gestação
e o nascimento no Brasil sejam considerados, entre os pobres,
atividades de risco e o País continue apresentando altas taxas de
mortalidade materno-infantil. Neste particular é bom o Brasil ob-
servar o que se passa em outros países, como a China comunista
e a Coréia capitalista, por exemplo, que, para saírem do subde-
senvolvimento, adotaram a mesma estratégia seguida pelos países
desenvolvidos, ou seja, investiram maciçamente na educação bá-
sica e na assistência materno-infantil.
No setor educacional brasileiro a Escola Pública de Tempo
Integral não é novidade, pois na década de 1940 o educador
Anísio Teixeira chegou a implantá-la no Estado da Bahia (Escola
Parque de Salvador), seguindo experiência adquirida nos Estados
Unidos da América, e em passado recente o ex-Governador do
Estado do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, tentou e fracassou na
implantação desse projeto nos seus dois mandatos (1983/86 e
1991/94). Em Minas Gerais, a Constituição do Estado de 1989
já prevê esse tipo de escola. Infelizmente essa disposição consti-
tucional foi anulada na prática pelo ato das disposições consti-
111
tucionais transitórias, que, no seu artigo 78, diz textualmente:
“A implantação da jornada de ensino de oito horas, prevista no
art. 198, I, dar-se-á de forma gradativa, conforme dispuser a
lei”. Apesar de sua importância, essa lei nunca foi elaborada.
A Escola Pública de Tempo Integral e creches comunitárias,
funcionando das 7 às 17 horas, possibilitará a implantação de
um currículo abrangente que contemple todos os aspectos ne-
cessários à formação de cidadãos conscientes de seus direitos e
deveres e com discernimento suficiente para contribuírem efeti-
vamente no aperfeiçoamento da sociedade. Com esta medida,
por-se-á fim ao genocídio infanto-juvenil praticado contra aque-
les que não nasceram em berço de ouro e sim em favelas, onde,
ou são estrangulados no nascedouro pela violência aí imperante,
ou sufocados dentro desse ovo de miséria, pois são incapazes de
romper sua dura casca – a ignorância –, a qual impede de eclodirem
para a vida cidadã. Esse atentado à cidadania praticado pela elite
contra os excluídos está evidenciado na atual política educacio-
nal que não visa dar aos brasileiros igual oportunidade de ensi-
no, mas discriminá-los pelas suas origens e acentuar as diferen-
ças entre as classes rica e pobre, ao permitir a existência de dois
tipos de escolas, uma pública e outra privada, diferenciadas entre
si pela qualidade. Outra conseqüência imediata da adoção do
horário integral nas escolas, mesmo que de forma gradativa e no
seu início prioritariamente implantada nas regiões metropolita-
nas, onde o problema da infância e adolescência é mais agudo,
será a retirada dos meninos e meninas que perambulam pelas
ruas de nossas cidades sem nenhuma perspectiva futura e utiliza-
das como iscas para as mais variadas formas de “pilantropia” que
proliferam pelo País.

As atividades culturais e esportivas


Ao lado dessa questão fundamental que é o aprendizado
da cidadania, outras questões não menos importantes para a for-
mação da criança e do adolescente encontram espaço na Escola
Pública de Tempo Integral. Neste caso estão as atividades cultu-
rais, esportivas e profissionais, as quais hoje em dia são ofereci-
112
das aos alunos das escolas públicas de uma maneira aleatória e
muitas vezes dependentes do apoio das chamadas ONGs ou ini-
ciativas de entidades empresariais, como os Amigos da Escola da
Rede Globo de Televisão. Todas essas iniciativas e outras mais
podem, com propriedade, serem incorporadas ao currículo da
Escola Pública de Tempo Integral, deixando o caráter assistencialista
e pontual que as caracterizam, para tornarem-se matérias obriga-
tórias e universais. A jornada plena ensejará ainda, ao lado de
uma formação intelectual adequada, a implantação do ensino
profissionalizante em todas as escolas do País, para atender às
necessidades das comunidades onde o aluno vive, seja urbana ou
rural, e capacitá-los para disputarem o mercado de trabalho lo-
cal, regional ou nacional e treiná-los em afazeres úteis no seu dia-
a-dia.

O ensino profissionalizante
Nesse contexto, o Sistema S (SENAI, SESI, SENAC, SESC,
etc.) joga um importante papel como modelo para implantação
dos cursos profissionalizantes nessa escola, inclusive sendo por
ela absorvido e deixando de ser uma atividade isolada e fora da
escola pública. Para se ter uma idéia do que representaria a incor-
poração do Sistema S pela Escola Pública de Tempo Integral, bas-
ta lembrar que o orçamento da Confederação Nacional da Indús-
tria (CNI), que administra o SENAI e o SESI, é de cerca de R$ 4
bilhões, valor equivalente à verba anual do Fundo de Erradicação
da Pobreza. Aqui cabe uma pergunta: por que o governo não
toma essa providência? A resposta pode estar no corporativismo
dos empresários, como informa o Jornal Estado de Minas (29/7/
2001, p. 6):
Além de ter um orçamento anual em torno de R$ 4 bilhões, a
CNI também desperta o interesse do empresariado por ser uma
entidade com grande poder de pressão sobre o Congresso Nacio-
nal e, principalmente, junto ao governo Federal. Fundada na dé-
cada de 30, por Getúlio Vargas, a Confederação é a responsável
pelo sistema “S”, que engloba o Serviço Social da Indústria (Sesi)
e o Serviço Nacional de Aprendizado Industrial (Senai). Todo
113
esse complexo é movido pelo desconto compulsório de 2,5%
das folhas salariais das indústrias brasileiras e o superintendente
do Sesi e o diretor-geral do Senai são nomeados pelo presidente
da CNI.

O combate à fome

A absorção pela Escola Pública de Tempo Integral das di-


versas atividades hoje existentes em entidades públicas e priva-
das, para atendimento da infância e juventude, evitará a disper-
são de recursos e esforços permitindo que sejam concentrados
num só objetivo. Então, será só uma questão de tempo, de bom
senso e planejamento para que essa escola cubra todas as neces-
sidades da infância e da juventude, acabando conseqüentemente
com o drama dos meninos e meninas de rua, com o trabalho
infantil, com as questões relacionadas com drogas e criminalidade
infanto-juvenil e, acima de tudo, permitirá que se lhes dê uma
assistência médica e odontológica adequada e uma alimentação
sadia e balanceada, própria para cada faixa etária, eliminando
assim a fome que assola significativa parcela dos escolares. Neste
particular é bom lembrar que esse tipo de escola dispensa pro-
gramas como o Fome Zero ou Bolsa Família do Governo Federal,
pelos menos onde ela for instalada, pois é na faixa etária por ela
abrangida que se concentra o maior problema da fome no País.

A recuperação de menores infratores


A Escola Pública de Tempo Integral, pelas suas caracterís-
ticas, pode também contribuir de forma decisiva na recuperação
dos chamados menores infratores, confinados pela sociedade nas
Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor ( FEBENs) e outros
mal afamados estabelecimentos de detenção, inclusive no sistema
prisional, onde vegetam à espera de retornarem à criminalidade,
pois como diz o dito popular: “A ociosidade é a mãe de todos os
vícios”. Com esta participação será possível estabelecer uma abor-
114
dagem diferente daquela adotada até agora, ou seja, colocá-los
em colégios profissionalizantes em vez de prisões disfarçadas em
“centros de recuperação”. Uma solução, a curto prazo, nesse
sentido, está em se promover uma associação entre o Sistema S,
os Colégios Militares e a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), para a criação de Colégios Profissionalizantes, nos
moldes dos Colégios Militares, para recuperação de menores in-
fratores de ambos os sexos. Dessa associação, o Sistema S, com
sua vasta experiência no ensino profissionalizante, os Colégios
Militares, famosos pela disciplina imposta aos seus alunos, e a
Igreja Católica, com sua longa tradição na administração de inter-
natos e externatos infanto-juvenis, muitos dos quais agora
desativados, poderá surgir uma escola modelo de tempo integral
– os Colégios Profissionalizantes – capaz de recuperar os meno-
res infratores para a vida cidadã.

115
8. OS RECURSOS NECESSÁRIOS
NECESSÁRIOS

Contudo, para que a Escola Pública de Tempo Integral se


torne uma realidade, são necessários recursos financeiros consi-
deráveis, pois além de sua implantação, já em si um grande desa-
fio, tem-se também sua manutenção. Para atingir este objetivo, as
prioridades orçamentárias da União, Estados e Municípios terão
de ser revistas. Além disso é necessário a adoção de uma postura
de austeridade que evite gastos em construções caras, como os
CIEPS do Rio de Janeiro, que podem comprometer sua dissemi-
nação. O que mais importa na Escola Pública de Tempo Integral é
o currículo e a qualidade do corpo docente e não o espaço onde
será instalada. Este pode ser até um galpão, desde que as premis-
sas básicas sejam atendidas, ou seja, a qualidade do ensino e a
quantidade desse tipo de escola. Para satisfazer estas demandas,
deve-se lançar mão de todas as receitas extra-orçamentárias dis-
poníveis, como os royalties oriundos da exploração petrolífera
da plataforma continental, hoje apropriados pelos estados e mu-
nicípios litorâneos. É bom frisar que este recurso natural perten-
ce a toda nação e não deve servir a este ou aquele Estado e ser
motivo de disputas judiciais, como ocorre no sul do País, dada a
imprecisão dos limites geográficos dessas reservas.
Outra fonte de recursos extra-orçamentários para implan-
tação e manutenção da Escola Pública de Tempo Integral são os
Cassinos, que o Governo Federal pode franquear em toda a Cos-
ta do Sol, vale dizer, da cidade do Rio de Janeiro às capitais
nordestinas, para atrair turistas do mundo todo. A alternativa
doméstica para esses Cassinos de Luxo, mais voltados para atrair
turistas do exterior e divisas fortes, são os Cassinos Eletrônicos,
os quais somente poderiam operar os chamados jogos eletrôni-
cos e bingos com máquinas e equipamentos fabricados no País,
pois sua finalidade maior será arrecadar impostos e gerar empre-
116
gos. Para evitar a ação nefasta das “máfias”, a autorização para
funcionamento de cassinos seria privativa do Governo Federal.
Outros recursos auferidos com jogos, como as loterias, também
seriam direcionados para essa escola.

O fim da hipocrisia
assistencialista empresarial

Mas uma medida que realmente contribuirá para que haja


recursos financeiros suficientes para bancar a implantação e ma-
nutenção da Escola Pública de Tempo Integral será a eliminação
da fraude fiscal e sua versão legal, a chamada elisão fiscal, eufe-
mismo utilizado para sonegar impostos e, principalmente, o fim
ou, pelo menos, um maior controle das isenções e outros in-
centivos fiscais concedidos a torto e a direita, sem se levar em
conta as obrigações sociais do Estado. Neste particular, é neces-
sária uma reavaliação do papel do chamado Sistema S como ins-
trumento de justiça social, pois, fundado há mais de sessenta
anos quando o processo de industrialização dava seus primeiros
passos e os sindicatos começavam a aparecer, sua atuação não
mais responde às necessidades da sociedade atual que necessita
de concentrar todos os esforços e recursos financeiros na recu-
peração da escola pública, tornando-a capaz de ministrar um en-
sino de qualidade, inclusive o profissionalizante. Nesse contex-
to, o fim das contribuições compulsórias para o Sistema S, por
parte da indústria, comércio, agricultura e sistema de transporte
rodoviário, é o caminho mais viável para sua reformulação, pois
o montante desse imposto disfarçado cobrado pela própria
iniciativa privada é muito grande, permitindo assim a existência
de um sistema corporativo de apropriação de tributo sobre o
qual o Estado não tem nenhum poder de decisão. Esta liberdade
permite que esse “dízimo” seja utilizado como instrumento de
pressão sobre o próprio Estado para que o empresariado defen-
da seus interesses corporativos, constituindo por isso mesmo
numa fonte permanente de corrupção dos poderes constituídos.
117
Com essa mesma filosofia moralizadora, é necessário
reavaliar também as isenções concedidas às igrejas de diversas
confissões; isenções estas que deveriam ser concedidas apenas
para obras assistenciais, taxando normalmente os recursos apli-
cados no sistema financeiro ou em outros setores da economia.
Além disso, um controle rigoroso deve ser estabelecido para
monitorar o fluxo de dinheiro proveniente dos chamados dízimos,
que, por falta de regras claras, têm sido alvo de desconfiança por
parte das autoridades, que se espantam com o volume de dinhei-
ro arrecadado, duvidando inclusive de sua origem, como informa
o Jornal Estado de Minas (12/7/2005):
Com base em denúncia anônima, agentes da PF surpreenderam
ontem, no aeroporto de Brasília, o deputado federal João Batista
Ramos da Silva (PFL-SP) com sete malas de dinheiro, em notas de
R$100, R$50, R$20, R$10 e R$5. Bispo e presidente da Igreja
Universal do Reino de Deus, ele tentava embarcar para Goiânia
num jato executivo, com dois pastores e duas mulheres.
No dia seguinte (13/7/2005) esse mesmo jornal informava:
Onze malas com dinheiro e cheques foram interceptadas pela
Polícia Federal domingo no aeroporto da Pampulha. Elas eram
transportadas pelo deputado estadual Pastor George e o verea-
dor de BH Pastor Carlos, ambos do PL e da Igreja Universal do
Reino de Deus.
Além dessas medidas, outras de caráter geral devem ser
adotadas, como a obrigatoriedade por parte dos bancos de for-
necerem à Receita Federal, para cruzamento com as declarações
de rendimentos, extratos das movimentações financeiras de to-
dos os correntistas, pessoas físicas e jurídicas. Esta simples me-
dida acabaria com o grosso da sonegação fiscal, inclusive elimi-
nando os chamados “laranjas” e empresas fantasmas que servem
de biombo para todo tipo de falcatruas, e permitiria a eliminação
do CPMF, um imposto considerado necessário para
monitoramento das transações financeiras, mas que tem data
marcada para acabar.
118
A divisão de atribuições

Além dessas medidas haverá também necessidade de uma


divisão de atribuições, ficando os municípios responsáveis pelas
creches comunitárias e o atendimento às gestantes, os estados
federados pela Escola Pública de Tempo Integral cobrindo todo o
ensino básico (pré-escola, fundamental e médio) e o Governo
Federal pelo ensino universitário. Nesse novo modelo caberia ao
Governo Federal tão-somente o gerenciamento das universida-
des públicas, transferidas do Ministério da Educação para o Mi-
nistério de Ciência e Tecnologia, e aos municípios o encargo de
administrar as creches comunitárias, o Sistema Único de Saúde
(SUS) e os Centros de Atendimento às Gestantes. Ao Ministério
da Educação caberia a tarefa de monitorar o ensino básico em
todo o País e dar suporte técnico e financeiro aos Estados e
cobrar resultados, segundo uma programação previamente
estabelecida.
Com essas medidas, poder-se-á reordenar o sistema edu-
cacional e acabar com a mixórdia em que meteram o ensino pú-
blico do País, no qual a União, os Estados e os Municípios, para
fugir às responsabilidades mal definidas, praticam um jogo de
empurra em que os excluídos são as maiores vítimas. A seguinte
reportagem do Jornal Estado de Minas (4/2/2001, p. 29),
intitulada Acesso proibido à educação, dá uma idéia dessa situa-
ção caótica:
“A partir desta semana, 4,7 milhões de estudantes do ensino
básico (antigos pré-escola, 1º e 2º graus) retornam para a sala de
aula das 18.505 escolas mineiras. (...) Então tudo corre às mil
maravilhas no ensino público? Basta percorrer distritos da zona
rural para descobrir a resposta: escola, professor, merenda e li-
vros não são suficientes para garantir uma educação de qualida-
de. Falta um tópico – garantido pela Constituição Federal, porém
carente de recursos – que está longe de ser um mero detalhe.
Falta transporte escolar. Sem ele, não adianta ter a vaga. A crian-
ça simplesmente não tem como chegar à sala de aula. De quem é
a culpa? A Constituição garante, no artigo 208, o direito dos
estudantes de ensino fundamental (antigo 1º grau) à alimenta-
ção, livros didáticos, saúde e transporte, sem citar os responsá-

119
veis pelo oferecimento dos benefícios. (...) Os municípios assu-
miram o ônus do transporte de alunos por tabela. Nenhuma le-
gislação delega a eles essa responsabilidade. Mas a Lei de Diretri-
zes e Bases para a Educação Nacional (LDB) obrigou as prefeitu-
ras a manter o ensino fundamental, e há sanções para quem não
garantir toda a criança na escola. E garantir, não é apenas dar a
matrícula, mas efetivamente levar os alunos para a sala de aula.
(...) O transporte escolar não é o único patinho feio da educa-
ção. Aliás, esse fato torna ainda mais dura a briga pelo financia-
mento específico para a área. Com exceção do ensino fundamen-
tal, financiado pelo Fundef (Fundo de Manutenção do Ensino
Fundamental e Valorização do Magistério), nenhum outro nível
de educação tem verba garantida. Constitucionalmente, estados
e municípios são obrigados a investir 25% das receitas em edu-
cação, sendo que 15% devem ser investidos no Fundef. O di-
nheiro do fundo é redistribuído entre os municípios e estados
segundo o número de crianças matriculadas no ensino funda-
mental, mas não costuma ser suficiente para cobrir as despesas
do antigo 1º grau. Por isso, as prefeituras ainda recorrem ao
restante do dinheiro da educação (10% das receitas municipais).
Em nível federal, a briga é ainda mais acirrada. Os estados come-
çam a exigir uma contra-partida para o ensino médio, atribuído a
eles pela LDB. Esse nível de ensino cresce vertiginosamente em
número de matrículas, mas a demanda reprimida ainda é enorme.
Como os estados contribuem para o Fundef mas recebem muito
pouco, uma vez que têm um menor número de matrículas no
ensino fundamental, os secretários começam a exigir a transfor-
mação do Fundef em Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Edu-
cação Básica), para que os recursos possam ser aplicados no
ensino médio. Mas aí, o MEC deveria injetar mais recursos. Os
secretários municipais, entretanto, fazem pressão pela regulamen-
tação. Eles se sentem duplamente penalizados, já que assumem
os custos e a responsabilidade pelo transporte escolar dos alu-
nos que estudam também nas escolas estaduais”.
Mas o descalabro da escola pública não pára por aí, como
mostra a tese de doutorado da Profª Lívia Fraga Vieira comentada
pelo Jornal Estado de Minas (9/8/2001, p. 6) em editorial
intitulado Escândalo da pré-escola:
O que houve para o Estado de Minas ficar tão atrasado nesse
importante segmento do ensino? A doutoranda disse que o pro-

120
cesso de municipalização do ensino de primeiro grau – carro-
chefe do ministro Paulo Renato Souza – foi perverso em nosso
Estado. Um processo que está sacrificando milhares de crianças,
as mais pobres e carentes. A Minas que até os anos 60 era refe-
rência educacional no setor público, com escolas como as do
Instituto de Educação, Leon Renault e Bueno Brandão, e outros
em várias cidades, voltou à estaca zero. As reformas que vieram
com o Governo FHC sepultaram a tese dos pioneiros da Escola
Nova (1932), que exigia escola pública gratuita e obrigatória,
para que todas as crianças tivessem oportunidades iguais. No
papel, tudo bem: a Carta Magna prescreve que educação é direi-
to de todos, dever do Estado, promessa que se repete na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), mas só para cons-
tar. Em BH, 56 mil crianças, de 0 a seis anos, estão fora da pré-
escola.
Diante de uma situação como essa, na qual os poderes
constituídos, federal, estadual e municipal, além de entidades par-
ticulares, procuram, por meio de medidas pontuais e isoladas,
intervir no ensino em todos os seus níveis para suprir defici-
ências crônicas e falta de planejamento, a Escola Pública de Tem-
po Integral se coloca como o instrumento adequado para
equacionar e solucionar os problemas existentes e proporcionar
aos excluídos de todos os matizes o pleno exercício de sua cida-
dania.

121
9. OS EXEMPLOS DE BELO HORIZONTE

A ação de um vereador
Um exemplo desse tipo de ação isolada e pontual é repor-
tado pelo Jornal Estado de Minas, em matéria intitulada Luta pela
escola integral (17/10/2002, p. 22):
A Câmara Municipal de Belo Horizonte aprecia amanhã o veto do
prefeito Fernando Pimentel (PT) ao Projeto de Lei 51/2001, do
vereador Arnaldo Godoy (PT), que estabelece a jornada em tem-
po integral nas escolas municipais de ensino fundamental. O pro-
jeto, aprovado por unanimidade em dois turnos, foi vetado pelo
prefeito em 2 de julho, sob alegação de falta de recursos. Atual-
mente, a rede municipal de ensino de Belo Horizonte possui 180
mil alunos em 182 escolas, abocanhando 32% do orçamento do
município. Para viabilizar a escola em tempo integral, seria neces-
sário praticamente duplicar o número de professores e escolas, e
não há cálculos do impacto sobre o orçamento. Mas o vereador
Arnaldo Godoy está confiante na derrubada do veto, o que obri-
garia a Secretaria Municipal da Educação a iniciar a extensão da
jornada escolar já no próximo ano. Não sou irresponsável ao
ponto de propor a mudança da noite para o dia. Caberia ao
Executivo elaborar um projeto de expansão adequado à sua ca-
pacidade financeira, priorizando sempre as comunidades mais
carentes, onde as crianças estão expostas a maior risco, explica.
Em 5/11/2002, esse mesmo jornal publicava a seguinte
notícia (p. 26):
O Diário Oficial do Município publica, hoje, a lei que institui a
escola integral em Belo Horizonte. Ontem, o presidente da Câ-
mara, Sérgio Ferrara (PDT), promulgou a determinação, propos-
122
ta pelo vereador Arnaldo Godoy (PT) e vetada pelo prefeito
Fernando Pimentel (PT). Em outubro, os parlamentares derruba-
ram o veto. Como o projeto de lei não foi sancionado pelo pre-
feito, o presidente do Legislativo promulgou o texto, que ainda
pode ser alvo de recurso judicial por parte do Executivo.
Finalmente, em 10/11/2002, o Estado de Minas informa-
va a vitória da Escola Integral (p. 23), fato que pode sinalizar a
retomada de uma luta iniciada há setenta anos pelos pioneiros da
Escola Nova:
A Escola Municipal Humberto Castelo Branco, no Fernão Dias,
região Nordeste de Belo Horizonte, será a primeira instituição
em tempo integral do município. A decisão será oficializada nos
próximos dias e é o primeiro passo para cumprir a lei, sanciona-
da pela Câmara Municipal há 20 dias, que obriga a prefeitura a
garantir nove horas diárias de escolarização para todos os alunos
do ensino fundamental, meta a ser cumprida em oito anos. A
escola em tempo integral do Fernando Dias deverá começar a
funcionar em meados do próximo ano. Até lá, a EM Humberto
Castelo Branco vai ser desativada, os 500 alunos que atualmente
estudam no prédio devem ser transferidos para a Escola Munici-
pal José Calazans e os professores remanejados. Precisamos
readaptar o prédio para o atendimento em tempo integral. É pre-
ciso criar salas multiuso, uma boa quadra e uma cozinha apta a
servir refeições e não apenas merenda, explica a secretária muni-
cipal da Educação, Maria do Pilar Lacerda. Antes de definir pela
transformação da EM Humberto Castelo Branco em educandário
de tempo integral, a prefeitura cogitou impetrar uma Ação Direta
de Inconstitucionalidade (Adin) contra a lei, de autoria do ve-
reador Arnaldo Godói (PT), alegando que não há recursos para a
proposta. Segundo a secretária, embora a falta de previsão de
recursos justificasse a Adin, a prefeitura preferiu não apelar para
o instrumento. A prefeitura sempre teve intenção de expandir o
tempo de permanência das crianças nas escolas, porque o Brasil
tem uma das menores jornadas escolares do mundo. Mas, ape-
nas com recursos dos municípios isso não é possível. Mesmo
assim, em vez de impetrar a Adin, resolvemos criar uma escola
modelo, para começarmos a oferecer a educação em tempo inte-
gral e com isso termos como planejar o atendimento e a expan-
são, explicou.

123
A ação de um grupo de professores
Para comprovar a importância e a urgente necessidade de
se implantar a Escola Pública de Tempo Integral para resolver os
graves problemas sociais do País, basta recorrer à reportagem de
Tacyana Arce, do Jornal Estado de Minas (9/4/2003, p. 18),
intitulada Escola integral sai do papel na raça:
A escola em tempo integral, garantida em lei desde o início do
ano em Belo Horizonte, mas ainda longe de virar realidade na
rede municipal, começa a sair do papel na base da raça e da
coragem. Cansados de ver o aluno chegar ao quinto ano de es-
colaridade sem dominar a leitura e a escrita, professores das es-
colas municipais Francisco Magalhães Gomes e Acadêmico Vivaldi
Moreira resolveram bancar, por conta própria, a dupla jornada
para cerca de 100 criança. O número de alunos atendidos é irri-
sório diante do total de 180 mil matriculados na rede municipal,
mas é o início de um movimento que pretende garantir educação
de qualidade à população. Não adianta fechar os olhos. Algumas
de nossas crianças, em função da situação social, precisam de um
tempo maior na escola para aprender. Ou a gente enfrenta isso
ou vamos continuar vendo um monte de adolescentes sem saber
ler, afirma o vice-diretor da EM Francisco Magalhães, José Mau-
rício Diniz. Para manter duas turmas em regime integral, a escola
mobilizou todos os professores. Eles aceitaram diminuir o nú-
mero de horas destinadas à elaboração dos projetos pedagógi-
cos para passar mais tempo em sala de aula, cobrindo os ho-
rários que caberiam aos professores Márcia Maria Araújo e
Ronaldo dos Santos, que foram remanejados para lecionar para
as turmas especiais. Antes de optar pelo regime integral, tenta-
mos fazer um atendimento individualizado durante o próprio tur-
no do aluno, mas não deu certo. Com dois meses de aulas, já
temos vários progressos. Mas a situação ainda é precária. Preci-
samos de professores de música, teatro e artes para tornar a
escola atrativa para os alunos. Boa vontade tem limite, avalia
Márcia. Em apenas dois meses de trabalho, os resultados come-
çam a ser visíveis. O caso de Rafael Yuri dos Santos, de 8 anos,
emociona os professores. No início do ano, o garoto passava
mal na escola todos os dias, tamanho era o pavor dos estudos.
Ele recusava-se a tentar escrever. Tinha colocado na cabeça que
isso era a coisa mais difícil e penosa do mundo, lembra Ronaldo.
124
Hoje, Rafael adora mostrar para todos os visitantes as histórias
que escreve. Ainda não é possível compreender o que os traços
dizem, mas, segundo o educador, decifrar as letras será uma ques-
tão de tempo. Ele já quer escrever e já elabora as histórias na
cabeça. Esse é o primeiro passo, avalia. Mãe de Lucas Gonçalves,
de 9, a vendedora Denise Matos Gonçalves, de 30, chora todas
as vezes que fala do passado escolar do filho. Eu sabia que ele
não estava aprendendo e ficava desesperada. O que ia ser do
meu filho? Eu não sabia como ajudar, xinguei, bati, mas ele não
aprendia. Quando me falaram que ele ia ficar o tempo inteiro, dei
graças a Deus, mas não esperava resultado tão rápido. A primeira
vez que ele leu, eu chorei. E choro todas as vezes que percebo
que ele aprendeu mais, conta.

Reflexão final
Para concluir, uma homenagem aos sonhadores da Escola
Nova na pessoa de Anísio Teixeira, que conseguiu, embora de
maneira fugaz, implantar a Escola Integral na Bahia; ao Governa-
dor Leonel Brizola e Darcy Ribeiro pelas duas tentativas, fracassa-
das, de realizá-la no Rio de Janeiro, e aos idealistas de Belo Ho-
rizonte por persistirem nesse caminho, a única via pacífica para
promover o resgate da dívida social e formar cidadãos para o
Brasil do terceiro milênio. Tudo isso nos leva a crer que é chega-
da a hora de se fazer a revolução que Vargas não fez, pois se a
tivesse feito há setenta anos nossa realidade hoje seria bem dife-
rente, evidentemente para melhor. Portanto, senhores políticos e
governantes, mãos à obra, pois não há mais tempo a perder.

125
126
LIVRO III

ACORDA, BRASIL
UM ALERTA AOS POLÍTICOS E GOVERNANTES
SOBRE A NECESSIDADE DE UM PROJETO NACIONAL
PARA O PAÍS FAZER FACE AOS DESAFIOS DO
TERCEIRO MILÊNIO

127
128
PREFÁCIO

A história registra um impasse – a lenda do “Nó Górdio” –


que retrata a situação atual do Brasil, que patina no subdesenvol-
vimento por falta de um projeto nacional que fixe diretrizes para
desenvolver todas as suas potencialidades e superar os obstácu-
los que travam o seu desenvolvimento econômico e social. Esse
estado de coisas é o resultado da tibiez de uma classe política
que coloca seus interesses acima dos da nação e a ação inconse-
qüente de governantes falastrões que, ao invés de agirem de for-
ma inovadora e radical na solução dos problemas do País, vivem
fazendo discursos vazios como se a retórica resolvesse alguma
coisa.
Segundo a Enciclopédia Delta Larousse,
“na mitologia grega, tornada universal no mundo romano, a vida
era o fio que Cloto fiava, Láquesis dobava e Átropo cortava. No
fio da vida o nó representa a interrupção, o obstáculo. [...] Foi
no templo de Zeus, localizado em Górdios, às margens do rio
Sangário, que Alexandre cortou com golpe de espada o ‘nó
górdio’, do qual dizia um oráculo que quem o desatasse se tor-
naria o senhor da Ásia”.
O jornalista Mário Fontana, em sua coluna no Jornal Esta-
do de Minas (4/4/2001, p. 1), esclarece essa questão:
A história é a seguinte. No ano 333 antes de Cristo, Alexandre,
o Grande, na sua marcha para o Oriente, chega à cidade de
Gordium, na Anatólia, capital da Frigia. Lá o rei Midas lhe apre-
senta o carro de guerra do rei Gordius (pai de Midas), em que
havia uma lança presa ao carro por um nó que ninguém conse-
guia desatar: o nó górdio. Dizia a profecia que quem conseguisse
desatar o nó conquistaria a Ásia. Alexandre tenta por diversas
vezes desatar o nó, mas não consegue. Vendo que era tarefa
impossível, arranca de sua espada e corta o nó ao meio, dizendo:
Está desatado. E parte em conquista da Ásia.
129
São muitos os “nós” que mantêm o Brasil atado à miséria e
à opressão e identificá-los e “desatá-los” é tarefa de todos os
brasileiros que querem construir um país mais justo e fraterno,
principalmente os políticos e governantes que foram eleitos para
isso. Um bom começo seria implantar a Escola Pública de Tem-
po Integral, um nó que, se desatado, acabaria de vez com a
pilantropia praticada pela elite, por intermédio das chamadas
Organizações Não-Governamentais e toda sorte de expedientes
caritativos voltados para a infância e juventude carentes. Esta pos-
tura assistencialista e hipócrita, que no passado era financiada
por eventos beneficentes patrocinados pelas socialites, como
bingos e jantares, e que tinha um caráter meramente social, agora
virou um negócio empresarial bastante rentável, verdadeiramente
uma festa, pois descobriram uma fonte inesgotável para financiá-
la, o dinheiro público, via deduções do Imposto de Renda. É
fazer cortesia com dinheiro alheio aproveitando-se da omissão
do poder público no cumprimento de suas obrigações, no caso,
a escola pública. Outro “nó” que precisa ser desatado é a refor-
ma do Judiciário, que só se tornará efetiva se for feita uma revi-
são da Constituição para acabar com as chamadas cláusulas
pétreas, eufemismo que protege toda sorte de privilégios desse
arrogante poder. Este assunto é tratado neste livro, que começa
com uma abordagem do Planejamento Estratégico, seguida de
alguns comentários sobre a Geopolítica Continental, e termi-
nando com reflexões sobre a Guerra Biológica, discussões estas
que têm a finalidade de incentivar a classe política a pensar e
formular um Projeto Nacional para o Brasil do século XXI.

130
1. O PL ANEJ
PLANEJ AMENTO ESTRA
ANEJAMENTO TÉGICO
ESTRATÉGICO

O planejamento estratégico é a arte de se construir o ama-


nhã, transformando a natureza das coisas presentes. Em outros
termos, planejamento estratégico é o instrumento que os
governantes têm para realizar os objetivos maiores da nação e
evitar obstáculos à sua execução, assim como a bússola é o ins-
trumento de orientação dos navegantes, para atingirem com se-
gurança os portos de seus destinos e evitarem acidentes de per-
curso. As lições de planejamento estratégico deixadas pelos gran-
des impérios são como balizas para sinalizar os caminhos a serem
percorridos por sociedades que pretendem ser fortes e podero-
sas. Um dos pilares de sustentação do Império Romano, por
exemplo, que prosperou por mais de mil anos, era a extensa rede
de estradas planejada para ligar Roma aos seus domínios. Na
América do Sul, um outro império também prosperou durante
séculos, e como o Império Romano, construiu uma eficiente rede
de estradas que ligava os seus pontos mais distantes ao centro de
comando. Trata-se do Império Inca, cujo legado em estradas ser-
ve às populações andinas até os dias de hoje. O Império Britâni-
co, na Índia, é outro exemplo da importância de um planejamen-
to para atingir objetivos estratégicos. Este império, que tomou o
Império Romano como modelo, prosperou e se firmou graças a
uma extensa malha ferroviária que cobria todo o continente indi-
ano, a qual garantiu não só uma eficiente exploração desses do-
mínios, como também seu efetivo controle. Mas não são só esses
casos que merecem ser citados, pois o melhor exemplo de plane-
jamento estratégico no passado foram as descobertas levadas a
cabo por Portugal ao longo dos séculos XV e XVI, as quais não
só lhes trouxeram ganhos significativos, como mudaram os ru-
mos da civilização.
131
Na atualidade o melhor exemplo de planejamento estraté-
gico é dado pela China comunista, que, em menos de trinta anos,
não só erradicou a fome milenar de seu povo, como também se
posiciona para ocupar a liderança das potências do Terceiro Mi-
lênio, fato que pode ser avaliado pelos seguintes comentários do
jornalista Antônio Machado, em sua Coluna “Brasil S/A”, no Jor-
nal Estado de Minas (9/11/2005, p. 15):
“Graças às reformas aplicadas desde 1978 pela ditadura comu-
nista chinesa para modernizar a economia, o PIB chinês cresce a
uma média anual acima de 9% ao ano – dois pontos de percenta-
gem maior que o crescimento brasileiro de 1950 a 1980. É uma
coincidência, mas emblemática do tempo perdido: a China acor-
dou quando o Brasil se prostou. [...] Que a China passasse a
crescer a 8% ao ano, e não a 9,5% como nos últimos 27 anos,
e a renda per capita, hoje de US$ 5.300, dobrará a cada nove
anos. Em 2031, com população projetada em 1,45 bilhão, a
renda per capita chegará a US$38 mil, a mesma dos EUA, com
seus 297 milhões de habitantes, no ano passado. A ser mantido
o padrão de consumo verificado nos EUA – segundo estudo do
Earth Policy Institute, ONG criada pelo respeitado pensador e
economista Lester Brown, em Washington –, o mundo entrará
numa série crise. O colapso de recursos naturais se tornaria ine-
vitável, segundo Lester Brown, que não é discípulo de Thomas
Malthus, economista inglês do século 19, considerado o primei-
ro professor de economia política da história. Malthus acreditava
que havia um limite para o crescimento da população e da rique-
za. Brown trabalha com dados objetivos. Exemplo: mesmo consi-
derando ganhos de produtividade, o suprimento do consumo de
grãos pela China, mantido o padrão atual, exigiria a derrubada
total da floresta amazônica. Hoje, o consumo chinês de grãos é
de 382 milhões de toneladas, contra 278 milhões nos EUA. Em
2031, a China consumiria 67% da produção mundial, que seria
de 2 bilhões, deixando quase nada para o resto. Das cinco
commodities básicas – grãos, carne, carvão, aço e óleo – o con-
sumo chinês só não eclipsou o dos EUA, o maior do mundo, no
caso de petróleo. Impressiona a velocidade do crescimento. À
época da Revolução Cultural, anos 70, houve casos de canibalis-
mo. Carne estava fora do cardápio chinês até 1974. Hoje, con-
some 64 milhões de toneladas, contra 38 milhões nos EUA,
pátria do hambúrguer. De petróleo, queima 7 milhões de barris

132
por dia; os EUA, maior consumidor mundial, 20 milhões. Nos
EUA há três carros para quatro habitantes num total de 226
milhões de veículos. Na China, apenas 24 milhões. Mas as ven-
das dobram a cada dois anos. Nesse ritmo, em 2031 terá 1,1
bilhão de carros e queimará 99 milhões de barris/dia de óleo, 20
milhões mais que a produção mundial. Sozinho, o país respon-
derá por toda a atual emissão de carbono do mundo. Exemplos
desse tipo têm para todo gosto. China produz e consome mais
celulares, geladeiras e televisores que qualquer país. Só em PCs
está atrasada, mas o número dobra a cada 28 meses. A Índia vai
na mesma trilha: o PIB cresce a 7% ao ano e sua população pas-
sará a da China em 2030. Haverá oferta para tanta gente? Corte
rápido para o Brasil: o que se faz aqui frente a tais transforma-
ções, afora discutir o mensalão?”.

Sistema de Transportes
Trem de Grande Velocidade
O Brasil, pela sua dimensão territorial e pelas condições
extremamente favoráveis da topografia, deve eleger como objeti-
vo estratégico para exploração racional de seus recursos naturais
e a ocupação planejada de seu território a implantação de um
extenso e eficiente sistema de transportes de cargas e passagei-
ros, no qual as ferrovias ocupem um lugar de destaque, utilizan-
do para isso dos mais avançados recursos tecnológicos existen-
tes. Como suporte desse sistema, deve-se investir no transporte
marítimo e rodoviário, limitando-se à utilização das hidrovias ao
Rio Amazonas e alguns de seus afluentes, pois os danos ao meio
ambiente nesse tipo de transporte são irreversíveis. Um exemplo
desta ameaça é o que ocorre no Rio Paraguai com o transporte de
soja e outras cargas, como informa a Revista Época (n. 155, 7/5/
2001, p. 55):
“Até 1998, as barcaças de soja faziam estragos nos cursos d’água.
Desciam empurradas por um barco só e, incapazes de manobrar
nas curvas apertadas do rio, batiam nos barrancos. As colisões
arrancavam nacos de terra, com árvores e ninhos de aves. [...]
Segundo cientistas, obras na hidrovia podem quebrar esse siste-

133
ma complexo e delicado. A retificação do rio aumentaria a velo-
cidade de escoamento da água, reduziria as cheias e secaria 40%
do Pantanal”.
Num planejamento estratégico para implantação de ferro-
vias, a utilização de Trens de Grande Velocidade (TGV) deve
ocupar um lugar de destaque e os seguintes sistemas considera-
dos prioritários: ligação Rio de Janeiro-São Paulo; Rio de Janei-
ro-Belo Horizonte; Belo Horizonte-São Paulo, Vitória-Cuiabá e a
Translitorânea cortando a Costa do Sol, do Rio de Janeiro às
capitais nordestinas. Um trecho que se destaca nessas priorida-
des é a ligação São Paulo-Rio de Janeiro-Salvador, pelo impacto
positivo na economia do País, particularmente na indústria do
turismo. Para completar esses sistemas, seria criada a Ferrovia do
Mercosul, com dois trajetos: São Paulo-Buenos Aires, via Uru-
guai, e outro de Curitiba-Buenos Aires, via Assunção do Paraguai.

A Ferrovia de Dom Bosco

A interligação desses sistemas ferroviários com os dos de-


mais países sul-americanos trará benefícios de toda ordem, a co-
meçar pelo incremento do turismo e fortalecimento dos vínculos
econômicos. Quando esses objetivos forem alcançados, será pos-
sível realizar o sonho de Dom Bosco, que em uma de suas visões
embarcou numa estação ferroviária em Cartagena, na Colômbia,
e viajou até Punta Arenas, no Estreito de Magalhães, passando
pela hinterlândia brasileira, a Bacia do Prata, os Pampas e a
Patagônia. Esta ferrovia, inclusive, pode ser a solução para ligar
essa vasta região com os mercados asiáticos, particularmente o
chinês, evitando assim a muralha andina, que, no dizer do miste-
rioso guia de Dom Bosco, “são como balizas, são um limite”.
Se tal acontecer, o atual quadro de distanciamento entre os
países sul-americanos, evidenciado na seguinte notícia do Jornal
Estado de Minas, intitulada Uribe Visita Brasil (13/7/2002, p.
16), será superado e a integração continental tornar-se-á uma
realidade:
134
O presidente eleito da Colômbia, Álvaro Uribe, visitará o Brasil
em 21 deste mês para um jantar privado com o presidente brasi-
leiro, Fernando Henrique Cardoso. Trata-se de um esforço para
inaugurar nova fase nas relações bilaterais, sempre amistosas,
mas pouco fluidas, informaram, ontem, fontes diplomáticas em
Brasília. Uribe manteve recentemente contatos com autoridades
brasileiras, quando manifestou o desejo de aproximação com o
Brasil. As fontes diplomáticas lembraram que, apesar da disposi-
ção do governo Fernando Henrique em colaborar mais com o
processo de paz na Colômbia, o país vizinho sempre preferiu
uma relação preferencial com os Estados Unidos, além dos paí-
ses europeus, México e Canadá, limitando nosso raio de ação.
Para dar início à implantação dessa estratégica ferrovia – a
Ferrovia de Dom Bosco (vide contracapa) –, os governos do
Brasil e da Venezuela poderão construir, numa primeira etapa, o
trecho Caracas-Boa Vista-Manaus e, ao mesmo tempo, o gover-
no brasileiro se encarregaria do trecho Manaus-Porto Velho-
Cuiabá-Campo Grande. Paralelamente os governos da Venezuela
e da Colômbia se encarregariam do trecho Caracas-Cartagena.
Quanto ao restante do segmento sul, Campo Grande-Punta Are-
nas, sua construção seria objeto de entendimentos do Brasil com
os países do Cone Sul, pois existe uma alternativa pronta que
deve ser considerada: a ligação Campo Grande-São Paulo-Porto
Alegre-Uruguaiana-Paso de los Libres, a qual poderá ser comple-
tada com a ligação Porto Alegre-Montevidéu, de alto significado
econômico e turístico. Todavia, a melhor opção para integração
desse bloco com a economia do Brasil e dos demais países sul-
americanos seria a ligação Campo Grande-Asunción-Buenos Aires-
Punta Arenas. Esta ligação abriria um vasto mercado para o
Paraguai, Argentina e Chile, viabilizando o tão discutido Mercosul,
pois a ligação Buenos Aires-Cuiabá, outrora feita através do Rio
Paraguai, agora seria ampliada atingindo o Mar das Caraíbas e o
Canal do Panamá por uma rota segura, mesmo em tempo de guerra,
ocasião em que os oceanos se tornam campos minados para a
navegação. Contudo, para abrir essa rota a esses países, é neces-
sário que antes seja feito um tratado de defesa mútua, para evitar
que países alienígenas instalem bases militares na região, como
os norte-americanos estão fazendo no Paraguai.
135
Ao todo, a Ferrovia de Dom Bosco cortará cerca de 10.777
km de terras férteis, superando a famosa Transiberiana com seus
gelados e desérticos 9.000 km (de Moscou a Vladivostok), e terá
ainda à sua disposição um combustível não poluente – o gás de
petróleo –, abundante em todo seu trajeto, ou seja, do Mar das
Caraíbas, a norte, ao Estreito de Magalhães, ao sul. Esse combus-
tível, inclusive, poderá dar o suporte energético para todas as ati-
vidades econômicas dessa vasta região, que pela sua vocação agrí-
cola será, como previu Dom Bosco, o celeiro do mundo, e por isso
mesmo fadada a ser a mais desenvolvida das Américas, superando
de longe o que foi o meio-oeste para os norte-americanos. Con-
seqüentemente, cada quilômetro dessa ferrovia deve ser valoriza-
do ao máximo, para tirar de sua construção o melhor proveito em
termos econômicos e sociais, inclusive tomando-a como modelo
para reestruturação de todo sistema ferroviário sul-americano, em
sua maior parte sucateado, principalmente o do Brasil.
Com tais objetivos em mente, deve-se ter como meta
prioritária na implantação da Ferrovia de Dom Bosco a criação
de colônias agrícolas ao longo de seu percurso, numa faixa de
100 km de cada lado, para aí assentar os sem-terra e todos os
excluídos da sociedade que lotam as favelas dos países por onde
passa. Essas colônias devem ser concebidas como cooperativas
agrícolas de produção, para maximizar o aproveitamento econô-
mico das potencialidades regionais, de tal forma que se tornem
economicamente auto-sustentáveis. Com esta medida, poder-se-
á implantar as reformas agrária e urbana como preconizadas nes-
te capítulo. Além disso, a construção dessa ferrovia poderá aju-
dar a resolver outro impasse que pesa sobre a economia brasilei-
ra e dos demais paises por ela beneficiados, ou seja, a renegociação
da dívida externa, assunto discutido no final deste capítulo. Nes-
te caso a solução viria pela utilização dos Títulos do Tesouro
Nacional como capital para financiar a construção da ferrovia e
instalação das colônias agrícolas, tornando assim possível um res-
gate antecipado de tais títulos.
Finalmente é bom frisar que, com a implantação da Ferro-
via de Dom Bosco, ocorrerá a última etapa da chamada “marcha
para o oeste”, iniciada no governo Vargas e que teve em Bernardo
Saião um líder destemido. Se este processo, ou seja, a ocupação
136
desse vasto território desbravado por Raposo Tavares e outros
bandeirantes, não for planejado em seus mínimos detalhes, o
caos será inevitável; razão por que deve-se confiar às Forças Ar-
madas o monitoramento de todas as fases da construção dessa
ferrovia e da ocupação territorial, criando-se para isso um banco
de dados a ser operado pelo Ministério da Defesa. Com base
nesse banco de dados, este ministério poderá elaborar modelos
computadorizados de todas as fases de implantação desse mega-
projeto e as conseqüências daí advindas, como a intervenção no
meio ambiente e a chegada maciça de migrantes do Brasil e de
outros paises rumo a esse novo Eldorado. Nestes casos haverá
necessidade de se estabelecer parâmetros de ocupação territorial
para evitar não só uma migração descontrolada de populações de
outras regiões do País e dos países vizinhos, como também a
chegada de pessoas oriundas de zonas de conflitos
extracontinentais, como o Oriente Médio, por exemplo.
Nesta parte do planeta, árabes e israelenses porfiam-se numa
guerra sem trégua, levando consigo, para onde vão, as sementes
das discórdias que os envenenam, como acontece atualmente com
a tríplice fronteira. Nesta região os naturais desses países já es-
tão criando quistos sociais, à medida que repetem o mesmo erro
dos imigrantes alemães do século XIX, e que obrigou o Presiden-
te Vargas a agir com firmeza, ou seja, manter seus costumes e
línguas, inclusive escolas segregadas, deixando para segundo pla-
no a integração com os brasileiros. Esta postura já está criando
para o Brasil problemas que nada têm que ver com nossa realida-
de, como o terrorismo, desculpa usada pelos Estados Unidos da
América para instalar bases militares no Paraguai. Aliás, com este
país e com os demais da América do Sul, para evitar este tipo de
problema, o Brasil deve estabelecer uma política comum de imi-
gração, para evitar não só a entrada de imigrantes indesejáveis,
como também conter fluxos migratórios de países com excesso
de população, como os asiáticos, onde esse estopim da Terceira
Guerra Mundial já está aceso. Diante disso, é só imaginar quais
os problemas que a imigração árabe-israelense acarretará para o
País, se seus naturais se instalarem no coração da América do
Sul, repetindo em escala maior as tensões raciais da tríplice fron-
teira. Com certeza, os norte-americanos não se contentarão so-
137
mente com uma base, mas partirão para uma intervenção militar
de fato, pois será nesse Eldorado que se decidirá o futuro da
humanidade, não só pelas riquezas aí existentes, como profetizou
Dom Bosco, mas também pela presença do maior patrimônio da
cultura brasileira, a tolerância racial, base da civilização do tercei-
ro milênio, que prevalecerá sobre as hoje existentes no mundo
todo, as quais tenderão a desaparecer por força de conflitos in-
solúveis de caráter político-religioso e territorial.
Quanto à intervenção no meio ambiente, o Ministério da
Defesa franqueará às universidades do Brasil e dos países da Amé-
rica do Sul o uso do Banco de Dados para que, em convênio com
esse ministério, elaborem estudos sobre o impacto ambiental e
os modelos de ocupação mais indicados para preservar a
biodiversidade e a base do sistema ecológico local, regional e
continental. Essas universidades e institutos de pesquisas, prin-
cipalmente os situados na área de influência da ferrovia, devem
ser estimulados a desenvolver projetos abordando todas as mu-
danças que advirão com esse Megaprojeto Continental, a Cons-
trução da Ferrovia de Dom Bosco, que mudará para sempre a face
primeva desse paraíso natural até agora mantido praticamente
intacto.

A indústria do turismo e a
geração de empregos
Para viabilizar economicamente a Translitorânea, uma fer-
rovia turística por excelência, pois corta a Costa do Sol em toda
a sua extensão, vale dizer, da cidade do Rio de Janeiro até as
capitais nordestinas, o Governo Federal deverá abrir essa privile-
giada região aos cassinos e hotéis de luxo para atrair turistas do
mundo todo, principalmente europeus e americanos, e conse-
qüentemente gerar empregos e oportunidades de negócios numa
região deprimida economicamente e com desemprego crônico.
Essa ferrovia, pelas características especiais de seu traçado, uma
rota com inúmeros centros turísticos de primeira ordem, oferece
uma alternativa mais econômica e barata do que o sistema TGV,
138
ou seja, o uso do monotrilho, o qual além de permitir paradas
mais freqüentes, pois sua operacionalização é mais simples, pode
ser implantado mais rapidamente. Quanto à permissão para fun-
cionamento de Cassinos de Luxo no Brasil, o procedimento mais
adequado seria que as autorizações fossem dadas exclusivamente
pelo Governo Federal. Com essa medida, além de evitar-se a pro-
liferação dessas casas pelo país afora, vulgarizando um tipo de
empreendimento que deve ser seletivamente instalado em sítios
privilegiados, como suporte ao turismo e geração de empregos,
ter-se-á também um controle efetivo da arrecadação de impos-
tos, evitando-se conseqüentemente a sonegação fiscal e outros
tipos de falcatruas.
A alternativa doméstica para os Cassinos de Luxo, este
mais voltado para atrair turistas do exterior e divisas fortes, são
os Cassinos Eletrônicos, nos quais somente poderiam operar
os chamados jogos eletrônicos, bingos, caça-níqueis, etc., com
máquinas e equipamentos fabricados no País, pois sua finalidade
maior será a de gerar empregos em todos os seus segmentos.
Para evitar a ação nefasta das “máfias”, a autorização para o fun-
cionamento desse tipo de cassino também seria privativa do Go-
verno Federal.

A Semana Inglesa e as Leis Trabalhistas


Para estimular a oferta de empregos por parte das empre-
sas ligadas ao turismo, em função do incremento proporcionado
pelos cassinos, tanto na Costa do Sol quanto no restante do País,
e levando-se em conta que o governo eleito em 2002 tem como
meta a implantação da Semana Inglesa, a qual fatalmente estimu-
lará o turismo de fim de semana, seria de bom alvitre modificar as
leis trabalhistas para permitir a contratação de mão-de-obra tem-
porária sem vínculo empregatício. Esta sugestão tem como obje-
tivo facilitar a contratação de pessoal para atendimento sazonais,
pois o turismo não é constante ao longo do ano, mas sim variá-
vel, e livrar as empresas da burocracia e dos encargos sociais e
outros tributos que normalmente acompanham os mais diversos
tipos de contrato de trabalho. Indo mais além, na direção de
139
amenizar o desemprego atualmente existente no País e simplificar
os contratos de trabalho para atendimento de situações passa-
geiras, o ideal seria que esse tipo de contrato fosse estendido à
indústria do turismo como um todo, aí compreendidos hotéis,
bares, restaurantes, atividades culturais e esportivas, eventos como
o Natal, Reveillon, carnaval e festas regionais como a Octoberfest,
evitando assim que muitas das contratações temporárias havidas
em tais ocasiões sejam feitas à margem da lei por falta de uma
legislação adequada.
Para facilitar a implantação e operacionalização desse tipo
de contrato de trabalho temporário, é fundamental que seja cria-
do pelo Ministério do Trabalho, a exemplo do que ocorre com a
declaração do Imposto de Renda, um contrato padrão que possa
ser acessado e preenchido pelos empregadores e empregados
nos terminais eletrônicos do Banco do Brasil, ou via Internet,
retendo cada um desses contratantes uma cópia assinada para
todos os fins de direito e fiscalização. Com essa medida será
possível ao Ministério do Trabalho repassar eletronicamente es-
ses contratos para a Receita Federal, para que esta possa checar
os registros das empresas (Cadastro Geral de Contribuinte-CGC,
etc.) e dos empregados (Cadastro de Pessoas Físicas-CPF, etc.) e
detectar possíveis fraudes fiscais; aos Estados e Municípios, para
controle da legislação pertinente, e aos sindicatos para
monitorarem se os pagamentos efetuados estão dentro da lei e
obedecem aos acordos setoriais existentes.
Para estimular a adoção desse contrato especial por parte
dos empregadores e empregados, a lei deve estabelecer que, no
seu preenchimento, seja mencionado o número da Carteira de
Trabalho do empregado, da qual passará a fazer parte, para que
assim fiquem assegurados todos os direitos e obrigações traba-
lhistas previstos em lei, como a contagem de tempo para a apo-
sentadoria, no caso dos empregados, ou do seguro de acidente
de trabalho, no caso dos empregadores. Com a mesma finalida-
de, deve-se isentar esses contratos de quaisquer tributos na fon-
te, inclusive o Imposto de Renda, para assim livrar os emprega-
dos e empregadores da burocracia dos recolhimentos.
Como o objetivo maior desse tipo de contrato é facilitar a
contratação de mão-de-obra temporária e, de quebra, possibili-
140
tar que a meta proposta pelo governo Lula de gerar 10 milhões
de empregos em seu mandato seja alcançada, esse contrato deve
ser estendido também ao comércio que depende dos turistas para
sua sobrevivência, permitindo assim o seu funcionamento nos
fins de semana, sem a necessidade do pagamento de horas extras
aos seus funcionários, as quais, de resto, o novo governo quer
restringir, como informou o Jornal Estado de Minas (17/11/2002,
p. 1): “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve reduzir a jor-
nada de trabalho semanal de 44 horas para 40, sem diminuir os
salários, além de coibir a hora extra”.
Como essas promessas não foram cumpridas até agora,
fica claro que não será fácil a implantação da Semana Inglesa ou
impor restrições às Horas Extras, como já o fazem de longa data
os países desenvolvidos, pois são fundamentais para gerar em-
pregos e salários, base das economias de mercado. No Brasil a
Semana Inglesa existe de forma discriminatória, premiando certas
categorias profissionais, como bancários e funcionários públi-
cos. Por que não estender essa regalia a todos os trabalhadores,
deixando de ser um privilégio de uns poucos para se transformar
num direito trabalhista universal? Esta medida, de alto significa-
do social, deve ser acompanhada de outras de caráter econômi-
co, como a transferência para sábados e domingos, de todos os
feriados, dias-santos federais, estaduais e municipais, datas co-
memorativas, como o “Dia do Funcionário Público” e o fim do
gazeteiro “ponto facultativo”, decretado pelos governantes para
beneficiar o funcionalismo estatal, excluindo dessa benesse to-
dos os outros trabalhadores. Com tais medidas, a produtividade
do País terá ganhos significativos, na medida em que eliminará os
“feriados prolongados” e outros expedientes faltosos que aca-
bam prejudicando a economia do País.
Para ser ter idéia dos abusos dos ocupantes de cargos pú-
blicos com essa questão, basta atentar para o seguinte trecho de
reportagem do Jornal Estado de Minas (1º/11/2005, p. 8),
intitulada Cinco dias de portas fechadas:
Executivo, Legislativo e Judiciário, além do Tribunal de Contas e
do Ministério Público Estadual, transformaram o Dia de Finados,
amanhã, em um feriadão de cinco dias. A tradicional folga do Dia
do Funcionário Público, na sexta-feira passada, foi transferida

141
para ontem. Por conseqüência, esta terça-feira foi “enforcada”,
com a decretação de ponto facultativo no estado e no município.
Os servidores públicos só retornarão a rotina depois de amanhã.

Gerenciamento dos recursos naturais


Mas não são somente as questões ligadas aos transportes
e à indústria do turismo que devem ocupar um lugar de destaque
num planejamento estratégico. Há necessidade também de se
reformular a estrutura de gerenciamento dos recursos naturais
para que sejam racionalmente utilizados. Neste caso destacam-se
os recursos hídricos e energéticos que devem merecer uma es-
trutura operacional própria para evitar o caos, como aconteceu
em maio de 2001, quando o principal sistema energético brasi-
leiro entrou em colapso por falta de planejamento, imprevidência
no manejo das águas e má gestão da coisa pública.
Conforme divulgou a Revista Época (n. 156, 14/5/2001,
p. 83-84):
Certeza absoluta é que o apagão tornou-se inevitável. Por
imprevidência. A crise foi prevista em incontáveis estudos técni-
cos oficiais sobre o abastecimento de energia nos últimos cinco
anos. Nenhuma autoridade se levantou da poltrona para buscar
uma solução. A octanagem da crise aumentou com os cortes dos
investimentos em infra-estrutura. As duas dezenas de bilhões de
dólares arrecadadas na venda das estatais do setor elétrico, des-
de 1990, foram usadas para abater dívidas. Sempre com a preo-
cupação em manter equilibrado o caixa do governo federal. O
governo optou por cortes sucessivos no orçamento das estatais
de energia, para cumprir compromissos com o Fundo Monetário
Internacional (FMI). O ministro da Fazenda Pedro Malan, por
exemplo, vetou o projeto de investimento de R$1 bilhão (US$
454 milhões) para construir uma linha de transmissão ligando a
região Norte ao Sul do país. Esse tronco permitiria a importação
de energia da Venezuela e de usinas amazônicas como Tucuruí
para abastecer o Sudeste em situações críticas. Agora, o próprio
governo calcula perdas de até US$ 3 bilhões na arrecadação de
impostos em conseqüência do racionamento. Conclusão: o cor-
te deu prejuízo. Trocou-se o equilíbrio fiscal pela escuridão.

142
Recursos hídricos
A importância do planejamento para utilização racional
dos recursos hídricos vem sendo enfatizada de longa data por
diversos pesquisadores. Em 1987, por exemplo, Barth, junto
com outros autores, abriu o prefácio da obra Modelos para
gerenciamento de recursos hídricos, com as seguintes obser-
vações:
Alguns dos principais desafios que o Brasil deverá enfrentar nas
próximas décadas estão relacionados com o aproveitamento e
controle dos recursos hídricos. De fato, o País deverá resolver,
nesse campo, problemas fundamentais para o seu desenvolvi-
mento econômico e social, dentre os quais se destacam: Gera-
ção de energia elétrica, mediante a construção de usinas hidrelé-
tricas para a exploração de um potencial hoje estimado em
213.000 MW; Saneamento básico, com abastecimento de água,
coleta e tratamento de esgotos urbanos de população próxima
de 150 milhões de habitantes; Combate a secas no semi-árido
nordestino, como uma das formas de superação do grave subde-
senvolvimento regional; Irrigação artificial de culturas agrícolas
no Nordeste e no restante do País, para elevações da produtivi-
dade e da produção, abrangendo alguns milhões de hectares;
Controle da poluição das águas, de origem urbana, industrial e
agrícola, em especial nas regiões Sul e Sudeste; Controle de cheias
e prevenção de inundações, notadamente em áreas urbanas;
desenvolvimento dos potenciais de navegação, na Amazônia e
em bacias hidrográficas em que serão implantadas hidrelétricas;
Aproveitamento de reservatórios existentes e a implantar, para
fins de piscicultura, recreação e turismo.

A importância estratégica dos recursos hídricos no limiar do


terceiro milênio está muito bem sintetizada em um artigo publicado
na Revista COPASA – 2001 (“Especial sobre as águas”), intitulado
Águas tormentosas – o poço tem fundo e pode secar (p. 2):
Água é o elemento mais marcante na composição da Terra. Dois
terços da superfície do planeta estão cobertos de água, mas sua
distribuição não é animadora. A maior parte, cerca de 97% de
toda a água, está nos mares. De água doce, só 3%. Para piorar,
os recursos hídricos efetivamente ao alcance da humanidade são
escassos, 0,7% do total. O resto? Geleiras milenares e águas
143
muito bem enterradas nas profundezas, tão distantes quanto o
inferno de Dante. E este quase um por cento está em vias de
secar, caso não se proceda imediatamente a uma revisão sobre
como a humanidade vem tratando a verdadeira fonte de toda vida
conhecida. No Oriente Médio, a captação está chegando ao fun-
do do poço. Numa estimativa superficial, entidades ligadas à pre-
servação e ao saneamento básico não dão mais 20 anos para que
acabe a água potável. Com a guerra entre a OTAN e o Iraque, a
poluição por urânio fracamente enriquecido tornou-se uma nova
realidade. Na Ásia Central, o panorama é mais terrível, pois já
existem depósitos considerados clinicamente mortos, como os
lagos Baikal e Balkash, completamente envenenados pelo despejo
de resíduos tóxicos e poluentes, ao longo dos planos de indus-
trialização e econômicos de Stálin e Krutschev. O consumo exa-
gerado também está contribuindo para o processo de seca. O
preço da água em Los Angeles é mais alto que em Ryad, na Arábia
Saudita. Quem viu ChinaTown pôde assistir ao investigador Jack
Nicholson às voltas com um caso envolvendo corrupção no de-
partamento de águas da atual megalópole, fato corriqueiro nos
anos 30, quando já faltava água naquela parte da Califórnia – a
terra prometida. Quanto às terras não prometidas, estas são 29.
Este é o número de países, entre os 217 existentes, afetados por
carência de água ou por sua falta de qualidade. O porcentual
deve chegar aos 20% nos próximos dez anos, principalmente no
Extremo Oriente, onde as madeireiras vêm devastando as matas
que conseguiram escapar ao agente laranja, lançado
indiscriminadamente pelas forças armadas norte-americanas, em
bombardeios aéreos equivalentes a 50 toneladas, despejadas de
oito em oito minutos, diariamente, durante uma década e meia.
Atentados como este continuam a ser cometidos por países de
Primeiro Mundo, responsáveis por 60% dos poluentes despeja-
dos diariamente no ar, na água e no meio ambiente do planeta.

Mais adiante, sob o título O ouro do Brasil (p. 6-7), essa


mesma revista, publicada pela Companhia de Saneamento de Minas
Gerais – COPASA, uma das mais conceituadas empresas de sa-
neamento básico do país, divulgou:
“O Brasil é uma potência de primeiro escalão quando o assunto
é água. No território do país estão 53% dos recursos hídricos
do continente sul-americano e 12% do total mundial. Também

144
está no Brasil a maior bacia fluvial do mundo, a do Amazonas.
Situam-se em nossos limites duas das dez maiores bacias do mun-
do que cortam apenas um país – a do São Francisco e a do
Tocantins-Araguaia. Se os recursos são tão fantásticos, mais fan-
tástica ainda é a taxa de desperdício de todo este material, que
fica em torno de 40%. [...] Outra coisa que incomoda saber é
que 87 milhões de brasileiros não dispõem de saneamento bási-
co, 75 milhões não têm coleta de lixo e 70 milhões não têm
acesso ao chamado precioso líquido, segundo levantamento fei-
to pelo engenheiro sanitarista Abelardo de Oliveira Filho, diretor
da Federação Nacional dos Urbanitários. A colonização predató-
ria e a falta de planejamento também fazem seus depósitos na
conta do incômodo: 94% dos esgotos no Brasil não são trata-
dos e 80% das doenças endêmicas entre a população são decor-
rentes da falta de saneamento básico. Pelos últimos números co-
nhecidos, 63% dos entulhos e depósitos de lixo estão nos cor-
pos d’água. Os produtores rurais fazem despejo de agrotóxicos
nos ribeirões e córregos que cortam a propriedade, inviabilizando
assim bacias inteiras que poderiam ser aproveitadas como ma-
nanciais. Se na área rural o panorama é esse, a área urbana não
faz por menos. O lixo doméstico, os poluentes físicos e os me-
tais pesados liberados pela indústria estão obrigando as empre-
sas de saneamento a manterem a logística da captação de água
para produção numa expansão geométrica, indo cada vez mais
longe para recolher água pura”.

A defesa do meio ambiente


Em face da degradação do meio ambiente observada no
Brasil e para preservar a qualidade de vida da população, deve-se
fazer um balanço da situação atual e da legislação existente, para
subsidiar projetos de preservação e recuperação das matas ciliares,
reflorestamento das nascentes, despoluição das bacias
hidrográficas e saneamento básico dos centros urbanos, com a
construção de estações de tratamento de água, esgoto e lixos,
principalmente hospitalares, e combate às enchentes nas regiões
metropolitanas, notadamente na Grande São Paulo, onde a si-
tuação é de calamidade pública.
145
Os consórcios de reciclagem

Outra medida necessária para mudar uma situação fora de


controle e que afeta diretamente o meio ambiente e a saúde da
população é a criação de consórcios de reciclagem de pneus
velhos, garrafas plásticas, pilhas de lanternas e celulares, lixo
industrial e vasilhames de agrotóxicos, formados pelas indús-
trias produtoras desses materiais, as quais também seriam res-
ponsáveis pela instalação e administração de postos de coleta em
todo o comércio varejista, de tal forma que nenhum desses pro-
dutos venha a ser descartado como lixo comum. Como medida
adicional, deve-se também proibir a importação de pneus usados
e controlar com rigor a reciclagem desse material, atividade que
seria exercida com exclusividade pelos consórcios de reciclagem,
que ficariam também responsáveis por quaisquer danos ao meio
ambiente.
Além disso, deve-se também implementar outras medidas
práticas, como a criação pelas indústrias da construção civil e
automobilística de consórcios de reciclagem. As primeiras para
processarem os rejeitos das demolições e demais construções
que geram os chamados “entulhos”, que são despejados em ter-
renos baldios ou na periferia das cidades de forma desordenada,
prejudicando seriamente o meio ambiente. Quanto à indústria
automobilística, os consórcios a serem formados destinam-se a
ordenar a atividade de desmanche de veículos automotores que
hoje é praticada sem nenhuma restrição, o que, além de favorecer
o roubo de carros e caminhões, contribuem também para poluir
o meio ambiente. Para tornar viável a implementação desses con-
sórcios, deve-se proibir o comércio de peças usadas e sucatas,
medida que não só contribuiria para aumentar a segurança dos
veículos em uso, como também para incrementar a produção da
indústria automobilística e conseqüentemente de empregos.
146
As Regiões Metropolitanas
Um dos problemas mais preocupantes com a defesa do
meio ambiente situa-se nas regiões metropolitanas onde a pres-
são demográfica e degradação do meio ambiente caminham jun-
tas. Para fazer face a esta situação, foram criadas as chamadas
“Áreas de Proteção Ambiental (APA)”, muitas das quais ainda
não se firmaram, como é o caso da Área de Proteção Ambiental
Sul – Região Metropolitana de Belo Horizonte (APA-SUL-RMBH),
cujos problemas servem para ilustrar um quadro comum a ou-
tras metrópoles. Para que esta APA deixe de ser apenas um pro-
jeto de boas intenções e atinja os objetivos para os quais foi
criada, ou seja, a proteção do meio ambiente da Região Metro-
politana de Belo Horizonte, é necessário que seja institucionalizada
como um órgão executivo com poderes para centralizar, coorde-
nar e monitorar a execução dos planos diretores de cada municí-
pio que a compõe, a partir dos quais elaborará um plano diretor
comum a ser observado por todos esses municípios. Para isso é
preciso uma legislação própria que normatize e padronize as ações
dos municípios que integram essa área de proteção ambiental,
para que não haja discrepâncias e conflitos entre eles em ques-
tões fundamentais como o controle da expansão urbana, a prote-
ção dos mananciais, a construção de estações de tratamento de
água, esgoto e lixo, a abertura de estradas e, principalmente, a
política ambiental adotada por cada um. Com essas medidas le-
gais, será possível conter abusos de toda ordem praticados por
aqueles que se aproveitam das falhas da legislação e da ausência
de um poder regulador para praticar toda sorte de atentados
contra o meio ambiente ou se omitirem de suas obrigações em
preservá-lo.
São muitos os exemplos desse procedimento, mas alguns
devem ser destacados pelas lições que encerram, como a ação
nociva dos motoqueiros que transformaram suas máquinas es-
portivas em verdadeiras motoserras, as quais, à semelhança da-
quelas que mutilam as florestas, rasgam o solo da Região Metro-
politana de Belo Horizonte, com a complacência dos proprietári-
os, abrindo chagas que não cicatrizam e que continuam crescen-
do após sua passagem até que exponha os ossos representados
147
pelas rochas nuas. Este fato, tão chocante, levou tempos atrás
um artista, talvez tocado por esse drama da natureza, a costurar
simbolicamente essas feridas.
Para pôr fim a essa prática esportiva extremamente danosa
ao meio ambiente, deve-se responsabilizar criminalmente os
motoqueiros, os fabricantes das motos e dos pneus especiais
com que são equipadas, e os meios de comunicação que incenti-
vam esse tipo de esporte. Além disso deve-se proibir essa ativi-
dade em campo aberto e nas montanhas, onde a erosão provoca
estragos consideráveis, limitando a prática desse esporte em lo-
cais restritos e previamente autorizados pelas autoridades com-
petentes. Além de agressões como essas, outras não menos im-
portantes ocorrem com freqüência nessa região de proteção
ambiental, como a ação das pequenas mineradoras que abando-
nam as lavras ao esgotá-las, deixando para a sociedade um passi-
vo ambiental difícil de ser administrado e danos ao meio ambien-
te irreparáveis.
Para que seja feita uma avaliação permanente da situação
do meio ambiente nessa região, que concentra a maior parte dos
recursos minerais do Estado e onde o turismo ecológico poderá
ter um vasto campo de atuação, é necessário a implantação e
operação de um banco de dados informatizado que, utilizando as
técnicas do geoprocessamento e imagens de satélite, supra de
dados todos os agentes envolvidos no processo, os quais assim
poderão contar com uma fonte oficial para planejar suas ações
ambientais, como os planos diretores, no caso dos municípios, e
os RIMA, pelas mineradoras. Se todos os abusos que vêm sendo
praticados na APA-SUL-RMBH não forem contidos e não for
estabelecida uma política ambiental a ser seguida por todos os
municípios que a compõe e pelas entidades públicas e privadas
que aí atuam, as próximas gerações irão amargar a perda desse
paraíso, por obra e graça da atual que se omitiu num momento
crucial em que poderia mudar as regras do jogo e não o fez.
Essa situação preocupante já está acontecendo, como in-
forma o Jornal Estado de Minas (8/9/2005, p. 25) em matéria
intitulada Loteamentos tomam áreas verdes e de lazer – Novos
condomínios fecham acesso ao público a antigos recantos de
preservação da Região Metropolitana de BH:
148
A paisagem de Nova Lima, na Grande BH, vem mudando com a
ocupação crescente de suas encostas por condomínios de luxo.
A chamada “segunda fase da exploração do ouro” – mais da
metade da área do município pertence a mineradoras – atende a
demanda crescente da classe média alta belo-horizontina, em busca
de sossego e qualidade de vida. Entretanto, os empreendimentos
isolam a população, que assiste à depredação do patrimônio
ambiental e cada vez mais é proibida de freqüentar as áreas ver-
des. Segundo a Fundação Estadual de Meio Ambiente (FEAM),
são quase 100 os loteamentos sem licença ambiental. O plano
diretor, fundamental para estabelecer as diretrizes do município,
ainda não foi elaborado. A prefeitura informa que até junho de
2006 o documento estará pronto e que vai analisar os impactos
dos condomínios na vida da cidade.

A defesa das matas ciliares e a


proteção das nascentes
Mas não é só na Região Metropolitana de Belo Horizonte
que uma legislação específica se faz necessária para a defesa do
meio ambiente, essa é uma demanda nacional, principalmente no
caso das matas ciliares e cobertura florestal das nascentes dos
rios brasileiros. Para evitar a destruição desses estratos arbóreos,
é necessário dar incentivos aos proprietários rurais para conser-
varem os existentes e recuperarem as áreas degradadas e, em
caso contrário, puni-los severamente.
Além disso é preciso que os órgãos governamentais res-
ponsáveis pelo meio ambiente encarem com mais objetividade
esse problema e parem de distribuir ao léu algumas mudas de
espécies nativas e árvores frutíferas para minimizar a devastação
dessas franjas de vida; é preciso muito mais, é imperativo que se
faça uma legislação que obrigue os proprietários a cuidarem eles
mesmos desse patrimônio coletivo. Essa legislação coercitiva deve
contemplar dois aspectos fundamentais: Incentivo e Punição.
No caso de incentivo, deve-se isentar de impostos todas as áreas
de matas ciliares e de proteção das nascentes. Estas áreas seriam
demarcadas em mapas e declaradas áreas de proteção ambiental e
149
monitoradas pelos órgãos ambientais. A punição extrema, em
caso de transgressão, seria a perda da propriedade, que poderia
ser confiscada pelo governo, sem nenhum pagamento, para ser
usada na reforma agrária. Para recompor as áreas já degradadas,
os proprietários teriam prazo adequado e apoio técnico e finan-
ceiro do Governo Federal. Com essa lei, a recomposição e con-
servação dessas matas tornar-se-iam uma realidade e deixariam
de ser objeto de encontros, fóruns, simpósios, etc., nos quais se
fala muito e resolve-se pouco.

Recursos energéticos
A submissão ao capital internacional e a política miúda do
governo FHC foram, em última análise, as grandes responsáveis
pela crise energética que se abateu sobre o país em 2001, como
informou o Jornal Estado de Minas (18/5/2001, p. 10) em arti-
go de Bianca Giannini:
“Falta de planejamento, investimentos em geração de energia em
descompasso com o crescimento da economia, compromissos
firmados com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e nomea-
ções com base em interesses políticos no Ministério de Minas e
Energia são os principais causadores da crise energética. [...] O
coordenador do Programa de Pós-Graduação de Engenharia
(Coope) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luiz Pinguelli
Rosa, diz que além da falta de atenção do governo com o setor
energético, em parte por falta de visão dos últimos ministros de
Minas e Energia, o acordo do Brasil com o FMI é fator
determinante do atual cenário. Embora o governo tente colocar
na diminuição do volume de chuvas a culpa do problema, essa
situação se deve à falta de investimentos em geração, com a cons-
trução de usinas e ampliação de redes de transmissão. Esses in-
vestimentos não ocorreram, segundo especialistas do setor e tam-
bém membros do próprio governo federal, porque empresas es-
tatais que entram na lista de privatização não podem investir sem
autorização prévia do Conselho Nacional de Desestatização
(CND). De acordo com as bases do empréstimo de US$41,5
bilhões liberados pelo FMI ao Brasil, que resultou no Programa
de Ajuste Fiscal, os investimentos nas estatais entram como des-
150
pesa nas contas públicas. Para não aumentar a dívida interna, o
Ministério da Fazenda não os autoriza”.
Enquanto aqui no Brasil não se investe no aproveitamento
dos recursos naturais, por força de acordo com potências es-
trangeiras, nos Estados Unidos da América, o Presidente Bush
faz o contrário e parte para investimentos maciços nesse setor,
sejam de que tipo forem e onde estiverem tais recursos em seu
território, mesmo que em áreas de proteção ambiental, pois o
que está em jogo são os interesses do povo americano, como
veiculou o Jornal Estado de Minas, em artigo intitulado Bush
apresenta um plano sem milagres (18/5/2001, p. 15):
“O presidente dos Estados Unidos, George Walker Bush, anun-
ciou o programa de energia de sua administração em um encon-
tro com empresários, em St. Paul, dizendo para eles e para a
nação que os norte-americanos devem conservar mais, produzir
mais e construir mais. E advertiu: Se falharmos nas ações, en-
frentaremos mais e mais blecautes. Se falharmos em agir, nosso
país se tornará dependente do petróleo estrangeiro, colocando
nossa segurança em termos de energia nas mãos de nações es-
trangeiras, algumas das quais não partilham nossos interesses.
[...] E pediu a construção de 1.300 a 1.900 novas geradoras de
energia elétrica, alimentadas não só por carvão ou gás, mas tam-
bém por energia nuclear”.
Se lá, na própria terra deles, os americanos não perdoam
nem mesmo o meio ambiente, pois uma das áreas a serem libera-
das para a exploração de petróleo é nada mais nada menos do
que o famoso Refúgio Nacional de Vida Selvagem no Ártico, situado
no Alasca, imaginem o que acontecerá quando esses recursos
escassearem e se virem obrigados a buscá-los no exterior para
manterem seu padrão de vida. Esta hipótese não está longe de se
concretizar, dada a voracidade com que consomem os recursos
naturais, e os alvos preferenciais nessa empreitada fatalmente serão
a América do Sul e a Antártica, os dois últimos continentes com
riquezas naturais quase que intactas. Nessa rapinagem, a América
do Sul será alvo privilegiado, pois embora esta região tenha sido
saqueada pelas potências coloniais européias durante séculos, o
botim para pilhagem ainda é imenso e o Brasil um alvo cobiçado
pela grandeza de suas reservas em recursos naturais. Daí a neces-
151
sidade de o Brasil e os demais países sul-americanos se unirem na
defesa das riquezas da América do Sul e do continente Antártico
e partirem para aproveitá-las o mais rapidamente possível em
benefício de suas populações, antes que os predadores do G-7,
que têm nos Estados Unidos da América seu maior parceiro, o
façam, por bem ou por mal, como é de seu costume histórico e
bem exemplifica a tragédia do Iraque, bola da vez da cobiça nor-
te-americana.

A reestruturação do Estado brasileiro


Para racionalizar o uso dos recursos naturais e evitar erros
grosseiros como a desastrosa crise energética que quase parou o
País em maio de 2001, é necessário uma reestruturação do siste-
ma operacional do Estado brasileiro, a começar pela criação de
uma secretaria especial – a Secretaria de Planejamento Estraté-
gico da Presidência da República –, já que entre nós planeja-
mento significa apenas cuidar do orçamento do Estado. Para este
caso, o mais indicado seria uma Secretaria ou Ministério do Or-
çamento e Gestão Financeira. Mas só essas providências não bas-
tam, pois outras providencias se impõem para que o Brasil se
modernize e se posicione como nação líder no terceiro milênio.
O primeiro passo nesse sentido é rever a atual Constituição.

A revisão Constitucional
A revisão da atual Constituição se impõe não só para pos-
sibilitar uma reestruturação do Estado brasileiro, mas também
para derrubar tabus que inviabilizam a modernização da adminis-
tração pública, como as chamadas cláusulas pétreas, e eliminar
toda sorte de privilégios desfrutados pelos servidores públicos,
principalmente aqueles pertencentes ao Poder Judiciário e às fun-
ções ditas essenciais à Justiça. A erradicação dos privilégios que
permeiam os três poderes da República somente será possível se
a atual Constituição sofrer uma revisão na sua forma e conteúdo.
152
Para isto, basta simplificar o texto constitucional transferindo para
o Estatuto do Funcionalismo Público os pontos de interesse da
categoria e para o domínio das Leis Ordinárias as questões mais
dinâmicas que afetam a sociedade, deixando para o texto consti-
tucional os conceitos fundamentais do Estado Democrático de
Direito.
A alegação de que a oportunidade de se fazer a revisão da
Constituição de 1988 já passou, em função do cumprimento do
artigo 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e,
portanto, nada mais é possível fazer além de pregar-lhe alguns
remendos, vai de encontro não só com o parágrafo único do
artigo 1º, como também contraria a opinião de especialistas em
direito, como a do Prof. José Afonso da Silva, que disse textual-
mente na obra Curso de Direito Constitucional Positivo (1997,
p. 46):
A estabilidade das constituições não deve ser absoluta, não pode
significar imutabilidade. Não há constituição imutável diante da
realidade social cambiante, pois não é ela apenas um instrumento
de ordem, mas deverá sê-lo, também, de progresso social. Deve-
se assegurar certa estabilidade constitucional, certa permanência
e durabilidade das instituições, mas sem prejuízo da constante,
tanto quanto possível, perfeita adaptação das constituições às
exigências do progresso, da evolução e do bem-estar social. A
rigidez relativa constitui técnica capaz de atender a ambas as exi-
gências, permitindo emendas, reformas e revisões, para adaptar
as normas constitucionais às novas necessidades sociais, mas
impondo processo especial e mais difícil para essas modificações
formais, que o admitido para a alteração da legislação ordinária
(Cf. J. H. Meirelles Teixeira).
Numa revisão constitucional, dois pontos devem merecer
atenção especial. Trata-se do artigo 3º do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT), que tenta engessar a Cons-
tituição de 1988, e o parágrafo primeiro do Art. 45, que tornou
os brasileiros desiguais entre si. A este respeito, eis o que afir-
mou o Prof. Silva (op.cit., p. 483-484):
A Constituição não fixa o número total de Deputados Federais,
deixando isso e a representação por Estado e pelo Distrito Fede-
ral para serem estabelecidos por lei complementar, que terá de

153
fazê-lo em proporção à população, determinando reajustes pela
Justiça Eleitoral, em cada ano anterior às eleições, de modo que
nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito
ou mais de setenta Deputados. Essa regra que consta do art. 45,
parágrafo primeiro, é fonte de graves distorções do sistema de
representação proporcional nele mesmo previsto para a eleição
de Deputados Federais, porque, com a fixação de um mínimo de
oito Deputados e o máximo de setenta, não se encontrará meio
de fazer uma proporção que atenda o princípio do voto com
valor igual para todos, consubstanciado no art. 14, que é aplica-
ção particular do princípio democrático da igualdade em direitos
de todos perante a lei. É fácil ver que um Estado com quatrocen-
tos mil habitantes terá oito representantes enquanto um de trinta
milhões terá apenas setenta, o que significa um Deputado para
cada cinqüenta mil habitantes (1: 50.000) para o primeiro e um
para quatrocentos e vinte e oito mil e quinhentos e setenta e um
habitantes para o segundo (1: 428.571). Em qualquer matemá-
tica, isso não é proporção; mas brutal desproporção, tal fato
constitui verdadeiro atentado ao princípio da representação pro-
porcional. A Câmara deve ser o espelho fiel das forças
demográficas de um povo; nada justifica que, a pretexto de exis-
tirem grandes e pequenos Estados, os grandes sejam tolhidos e
sacrificados em direitos fundamentais de representação (Cf. Miguel
Reale).
Aqui é bom lembrar que essa aberração foi introduzida nas
constituições que vigoraram durante a ditadura militar, para que
os generais-presidentes pudessem ter maioria no Congresso Na-
cional, com base nos votos da retrógrada bancada nordestina, e
foi mantido na Constituição de 1988, graças a políticos oriun-
dos dos Estados beneficiados e que dispunham de posição de
mando, como o amazonense Bernardo Cabral, relator geral da
Assembléia Nacional Constituinte, e o maranhense José Sarney,
Presidente da República. Estes políticos, além de trabalharem em
causa própria, o primeiro como jurista e o segundo para esticar
seu mandato em mais um ano, compactuaram com a elite nesse
atentado aos direitos dos cidadãos. Afinal de contas, por que o
Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, e toda essa
gigantesca estrutura estatal que cuida de aplicar as leis neste país
e a poderosa Ordem dos Advogados do Brasil não se manifesta-
154
ram sobre a inconstitucionalidade desse parágrafo espúrio e não
tomaram medidas práticas e eficazes para eliminá-lo do texto cons-
titucional?
Fatos como esses mais que justificam uma revisão da atual
Constituição, mas outras questões devem também ser considera-
das, como a substituição das Constituições Estaduais por Leis
Orgânicas, a exemplo do que ocorre com os municípios, que
são organizados e regidos constitucionalmente por Leis Orgâni-
cas próprias, uma espécie de constituição municipal. No passado
os Estados federados já tiveram até presidentes e hoje são admi-
nistrados por governadores, sem que essa mudança tenha abala-
do os poderes constituídos. Por que não proceder da mesma
forma com as constituições estaduais? O atual modelo constitu-
cional foi copiado dos Estados Unidos da América, onde cada
Estado possuía uma constituição própria, antes de se unirem numa
federação. Aqui no Brasil, não. A nossa formação foi sempre
unitária e, portanto, não há necessidade de fragmentá-lo só para
se encaixar em modelos importados. Neste particular é ridícula a
comparação entre o texto de uma Constituição Estadual, como a
de Minas Gerais, por exemplo, com a Federal. Trata-se de uma
cópia mal alinhavada que não acrescenta nada de substancial à
nossa Carta Magna e todo seu conjunto pode, com muito mais
propriedade, compor uma Lei Orgânica Estadual do que uma
verdadeira Constituição.

A reforma do Judiciário
Uma outra questão que deve ser considerada ao se proce-
der a revisão da atual Constituição, diz respeito à atuação dos
integrantes do Judiciário, responsáveis maiores pela morosidade
da Justiça, a impunidade dos culpados e a corrupção dos costu-
mes, desvios de comportamento que acabam anulando os direi-
tos de cidadania, razão da existência desse poder. O primeiro
passo para mudar esse quadro deverá ser a eliminação da chama-
da “indústria das liminares”, providência que poderá ser feita
pela retirada do direito de um juiz, isoladamente, poder concedê-
155
la, transferindo essa competência para uma Junta de Juízes na
qual não exista o “voto de Minerva”, evitando assim a depen-
dência decisória de um único magistrado. Além disso, essas Jun-
tas de Juízes também passariam a ser responsáveis pela conces-
são de habeas-corpus, para evitar a ação de juízes inescrupulosos
ou decisões polêmicas que acabam gerando prejuízos para o Es-
tado, como aconteceu com certo marginal, que beneficiado por
esse direito, escapou ileso de seus crimes fugindo para outro
país.
Além dessas atribuições, outras mais poderão ser confia-
das às Juntas de Juízes, se se fixar prazos para que os processos
sejam julgados por um só juiz. Uma vez esgotado esse prazo sem
uma decisão, o Juiz encarregado do processo seria obrigado,
num prazo estabelecido em lei, a fazer um relatório de seus tra-
balhos e entregar o processo para uma Junta de Juízes que profe-
rirá a sentença final, obedecendo também a um prazo máximo.
Com esta medida, a Justiça será mais ágil e respeitada. Mas para
que este sistema funcione realmente, é necessário acabar com
outra praga que emperra o andamento dos processos. Trata-se
das medidas protelatórias representadas pelas ações recorrentes
às instâncias superiores. Neste caso a solução está em se restrin-
gir esse direito a uma só instância, sem efeito suspensivo auto-
mático, cuja sentença final deverá ser proferida por uma Junta de
Juízes da Corte Superior, num prazo também estabelecido em lei,
não cabendo a partir daí outras apelações.
Já atuando dentro desse novo enfoque, Juntas de Juízes
extraordinárias seriam criadas para julgar todos os processos que
se encontram na Justiça há mais de dois anos, de tal forma que
num prazo máximo de cinco anos todas as pendências e julga-
mentos encontrem seu termo, limpando a pauta de todas as
instancias em nível federal ou estadual. Para alcançar este objeti-
vo, duas providências adicionais serão necessárias: a) a
federalização de todos os Sistemas Judiciários Estaduais, passan-
do a partir daí a existir no País um só sistema, o Sistema Judiciário
Federal; b) a reforma do sistema dos concursos públicos para
admissão de novos juízes. Hoje em dia, o Sistema Judiciário “amar-
ra” as contratações desses especialistas na elaboração das pro-
vas, tornando-as verdadeiras muralhas instransponíveis para a
156
maioria dos candidatos, fazendo com que sempre faltem juízes
para agilizar a Justiça. Para remover essa pedra de tropeço e de-
mocratizar esse processo elitista e acabar com a desculpa de que
a Justiça não anda por falta de juízes, deve-se confiar às Universi-
dades Federais a competência de elaborar e aplicar as provas,
segundo padrão básico estabelecido pelo Judiciário. Para elabo-
rar a matriz desse padrão, para substituir as normas atuais, seria
feito uma prova-teste para ser aplicada aos integrantes do Poder
Judiciário, inclusive os das Cortes Superiores, que assim teriam
condições de aprimorar esse teste e torná-lo universal para to-
dos os concursos a partir de sua adoção.
Com essas medidas, será possível evitar casos de impuni-
dade, como o dos “Anões do Orçamento”, que se arrasta na
Justiça desde o século passado. Segundo o Jornal Estado de Mi-
nas (5/9/2005, p. 6):
o ex-deputado federal José Geraldo Ribeiro, um dos seis anões
cassados pela CPI do Orçamento, em 1994, continua na ativa,
além de não ter sido até hoje punido pela Justiça. O inquérito
que tramita contra ele no Supremo Tribunal Federal por crime
contra a administração pública sequer foi transformado em ação.
Sob o título Inquérito aberto em 94 ainda não foi concluí-
do, a jornalista Patrícia Aranha, autora desta matéria, acrescenta
as seguintes informações:
Dezesseis volumes e 92 documentos anexados, um deles com 17
volumes, outros com apenas dois. Esse é o resultado da denún-
cia crime de improbidade administrativa feita pelo Ministério
Público Federal contra o ex-deputado José Geraldo Ribeiro, cas-
sado pela Câmara em 15 de junho de 1994. Onze anos depois,
o inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não
acabou. A demora é tanta que o relator do processo que acom-
panhou os trabalhos desde 1994 acabou se aposentando. No
último dia 1º de julho, o ex-ministro Maurício Correa foi substi-
tuído na relatoria pelo ministro Eros Grau. Como ainda se trata
de uma investigação, nada do que foi apurado pode vir a público.
Foram dezenas de diligências feitas pela Polícia Federal, pela Jus-
tiça Federal em Minas e pelos ministérios públicos federal e esta-
dual, mas por enquanto o inquérito 891 assusta mais pelo volu-
me do que pelos resultados. Até agora, nem mesmo decisão

157
liminar foi tomada. Como o inquérito não teve fim, José Geraldo
Ribeiro não teve que devolver os milhões que desviou do Orça-
mento, nem amargou qualquer período na prisão. Além disso,
desde 1998 pode concorrer novamente a um cargo eletivo.
Para pôr termo à morosidade da Justiça e fazê-la mais efi-
caz, é necessário, portanto, uma reforma radical do Judiciário, a
qual deve incluir, também, o direito do povo de escolher os
membros das Cortes Superiores pelo voto, com ocorre com o
Senado, ou seja, mandato eletivo de 8 anos e 3 representantes
por Estado, e não cargo vitalício, de livre escolha de outro poder
como atualmente. Este procedimento torna o Poder Judiciário
um poder menor, na medida em que, ao depender de outro po-
der para nomear os membros das Cortes Superiores, fica a ele
subordinado, queiram ou não seus integrantes, o que de resto
reflete um pecado original: a não unção pelo voto popular de
seus mandatos, pois, como consta na Constituição no seu artigo
1º, Parágrafo único: “Todo o poder emana do povo, que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamente”.

O Ministério do Pessoal da União


Com uma nova Constituição, será possível acabar com mui-
tos privilégios, inclusive a praga do nepotismo, e transformar o
Tesouro Nacional em agente moralizador dos gastos da União
com o funcionalismo dos três poderes, sejam eles da ativa ou
pensionistas, militares ou civis, inclusive com políticos ocupan-
tes de cargos eletivos. Para pagamento do pessoal da União, por
exemplo, seria criado no Tesouro Nacional o Caixa Único do
Pessoal da União, controlado por um Banco de Dados a ser ope-
rado pelo Banco do Brasil. Ao delegar ao Banco do Brasil a res-
ponsabilidade de montar e operar esse Banco de Dados, o Tesou-
ro Nacional estaria evitando a criação de uma estrutura operacional
cara e ao mesmo tempo aproveitando uma já existente de âmbito
nacional e de confiabilidade e experiência comprovadas. Com a
criação do Caixa Único do Pessoal da União, no Tesouro Nacio-
nal, será possível saber-se com segurança a natureza e o histórico
158
de cada pagamento efetuado, evitando-se, conseqüentemente,
quaisquer tipos de irregularidades, inclusive o não cumprimento
de tetos salariais fixados em lei.
Paralelamente à criação do Caixa Único do Pessoal da União
e do Banco de Dados, no Tesouro Nacional, seria criado como
seu suplemento o Cadastro Geral do Funcionalismo Público, con-
trolado por um Banco de Dados a ser operado por um novo
ministério, o Ministério do Pessoal da União, que passaria a
centralizar e gerenciar todo o funcionalismo hoje administrado
de maneira autônoma pelos três poderes. Os dois bancos de
dados criados para controlar o pessoal da União – o do Tesouro
e o do Ministério – teriam a mesma base de dados, mas ope-
rariam de maneira diferente. O primeiro teria por finalidade con-
trolar os gastos, enquanto o segundo os aspectos administrati-
vos, como admissão, demissão, transferência e, principalmente,
quantos são e onde trabalha cada funcionário dos três poderes.
Com essas medidas haveria um maior controle do funcionalismo
público, já que, como disse um ministro de certo Tribunal de
Contas, este tribunal, pela sua proverbial omissão, mais parece
um tribunal de faz-de-conta.
A partir da implantação dessa nova estrutura administrati-
va, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário passariam a re-
quisitar ao Ministério do Pessoal da União os funcionários de
que necessitassem para seu funcionamento, acabando conseqüen-
temente com o atual sistema em que cada um deles tem seu pró-
prio quadro de pessoal, com regras próprias, que muitas vezes
acabam despertando ciúmes e ambições de funcionários de ou-
tros poderes, que passam então a exigir “isonomias” de toda
ordem. Neste novo modelo, a admissão, demissão e transferên-
cia do pessoal civil da União, inclusive a realização de concursos
para preenchimento de novas vagas, passariam a ser de compe-
tência exclusiva desse novo ministério, eliminando-se, conseqüen-
temente, neste particular, a autonomia dos três poderes, já que
todos os funcionários públicos são pagos pelo Tesouro Nacio-
nal. Esse mesmo princípio centralizador e moralizador pode ser
aplicado também nos Estados federados, onde o abuso dos po-
deres constituídos na fixação dos salários de seus servidores não
é menos escandaloso. Tais medidas, além de permitir uma maior
159
racionalização dos serviços públicos e uma redução substancial
do quadro de pessoal, que poderá ser compensada por uma
massiva informatização dos serviços públicos, possibilitará tam-
bém uma redução do custo da máquina estatal, que já está com-
prometendo a prestação de serviços básicos à população.

O Ministério dos Bens Imóveis da União


Seguindo o mesmo princípio centralizador sugerido para
moralizar o gerenciamento do pessoal da União e dos Estados,
pode-se, com o mesmo objetivo, atribuir-se ao Tesouro Nacional
a responsabilidade de construir e administrar os bens imóveis da
União, de uso dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Hoje em dia a construção e administração desses bens imóveis
são feitos por cada um desses poderes, de forma autônoma e
independente, embora todos esses imóveis pertençam à União,
pois foram construídos e são administrados com recursos do
Tesouro Nacional. Ora, se os recursos financeiros para bancar
esses empreendimentos provêem do Tesouro Nacional, por que
não centralizar nesse órgão patrocinador todos os procedimen-
tos pertinentes, não só para racionalizar seu uso, como também
para evitar desperdícios de dinheiro público e impropriedades de
toda a ordem praticados pelos três poderes, bem exemplificadas
nas construções suntuosas ou superfaturadas do Judiciário, como
o prédio inacabado do Fórum Trabalhista de São Paulo, o qual
segundo o Jornal do Brasil (23/7/2000, p. 4), consumiu verbas
de R$235 milhões de reais. Para disciplinar e moralizar a cons-
trução e administração dos bens da União para uso dos três
poderes da República, seria criado no Tesouro Nacional o Caixa
Único dos Bens Imóveis da União, controlado por um Banco de
Dados, a ser operado pela Caixa Econômica Federal. Ao delegar
a essa instituição o encargo de operar esse banco de dados, a
exemplo do que é sugerido em relação ao Banco do Brasil no
caso do pessoal da União, atingir-se-á os mesmos objetivos, ou
seja, evitar a criação de uma estrutura operacional cara e, ao
mesmo tempo, aproveitar uma já existente de âmbito nacional.
Paralelamente à criação do Caixa Único dos Bens Imóveis da União
160
e do Banco de Dados, no Tesouro Nacional, seria criado, como
seu complemento, o Cadastro Geral dos Bens Imóveis da União,
controlado por um Banco de Dados a ser operado por um novo
ministério, o Ministério dos Bens Imóveis da União, que pas-
saria a centralizar com exclusividade todas as construções e
gerenciamento dos bens imóveis da União, para uso dos três
poderes, hoje de competência de cada um deles. Os dois bancos
de dados criados para controlar os bens imóveis da União – o do
Tesouro e o do Ministério – operariam da mesma forma como
sugerido para controlar o pessoal da União, isto é, teriam a mes-
ma base de dados, mas operariam de maneira diferente: o primei-
ro teria por finalidade controlar a parte financeira, enquanto o
segundo, os aspectos administrativos.

O Instituto Brasileiro de Seguro Social


Outra questão que requer medidas radicais para moralizar
o trato da coisa pública e racionalizar a máquina administrativa
do Estado é a da aposentadoria dos servidores públicos, civis e
militares, federais, estaduais e municipais, pertencentes ao três
poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Para este caso, a
sugestão é a fusão de todos os institutos de aposentadoria que
atendem a esses segmentos da administração pública com o Ins-
tituto Nacional do Seguro Social (INSS), surgindo daí uma nova
instituição: o Instituto Brasileiro de Seguro Social (IBSS). Com
tais medidas será possível estabelecer um teto máximo para as
aposentadorias tanto do setor público como do privado, evitan-
do-se conseqüentemente as distorções hoje observadas.
Para viabilizar financeiramente esse novo instituto, após a
fusão, cada beneficiário poderia receber tantas aposentadorias
quantas tivesse direito, desde que o somatório de seus valores
não ultrapassasse o teto máximo fixado em lei; teto este que
poderia ser variável em função dos recursos disponíveis, acima
do qual nenhum valor poderia ser pago, sob quaisquer pretextos.
Para que o IBSS passe a funcionar de forma eficiente e sem
fraudes, deverá ser vinculado ao Tesouro Nacional, que delegaria
ao Banco do Brasil sua administração, criando-se para isso um
161
Banco de Dados para cruzar informações com o Cadastro Geral
do Funcionalismo Público da União, dos Estados e dos Muni-
cípios. Esta medida, inclusive, poria fim a situações escandalosas
como a denunciada pelo Jornal Estado de Minas (13/10/2002,
p. 1):
O desempenho da área de cobrança da Previdência Social está
agonizando, sendo alvo de críticas de especialistas e até do Tri-
bunal de Contas da União (TCU), órgão fiscalizador das contas
federais. De 1995 até o mês passado, os débitos das empresas
junto ao INSS saltaram de R$20 bilhões para R$87 bilhões. Des-
se montante, apenas R$4,2 bilhões entraram no caixa
previdenciário no mesmo período. Do estoque total da dívida
ativa, o governo resgatou somente 0,4% no ano passado, de-
sempenho pior aos já inexpressivos 2% conseguidos em 1998.
A média internacional, porém, é muito superior, chegando a 60%.
O TCU constatou que a Previdência encaminhou à Justiça apenas
um terço dos débitos inscritos a cada ano na dívida ativa da União.
Ou seja, do estoque de R$87 bilhões, apenas R$48 bilhões es-
tão sendo cobrados judicialmente. O restante, para sorte dos
devedores, descansa nas gavetas do INSS.
Para possibilitar ao Tesouro Nacional assumir os encargos
financeiros com as aposentadorias hoje de responsabilidade dos
Estados e municípios, que redirecionariam esses recursos na im-
plantação da Escola Pública de Tempo Integral e no Sistema Úni-
co de Saúde (SUS), respectivamente, os fundos de pensão das
empresas estatais e outros órgãos federais da administração dire-
ta ou indireta que os possuem seriam obrigados a liquidar seus
ativos financeiros e aplicarem estes recursos na compra de Títu-
los do Tesouro Nacional, especialmente emitidos para esse fim,
cujos rendimentos seriam utilizados por essas instituições para
honrar seus compromissos. No caso de superávits, as sobras
seriam reaplicadas na compra de novos títulos do Tesouro, única
aplicação permitida aos fundos, para evitar prejuízos causados
pela má gestão de seu patrimônio. Essa troca de ativos será bené-
fica tanto para moralizar as contas públicas, como pelo reforço
de caixa que representará para o Tesouro esse substancial aporte
de dinheiro novo. Além disso, essa medida proporcionará maior
162
segurança e transparência para os fundos, na administração de
seus bens, evitando prejuízos aos associados, às patrocinadoras
e aos cofres públicos, como informou a jornalista Bianca Giannini,
em reportagem intitulada Dinheiro do Contribuinte – União des-
peja R$18,4 bi em cinco fundos de pensão (Estado de Minas,
12/5/2002, “Economia”):
“Cercados por denúncias de corrupção, uso político de recursos
e distorções na aplicação do dinheiro arrecadado, os fundos de
pensão das empresas estatais têm representado um alto custo
para as finanças do País. Apenas os cinco maiores fundos de
estatais federais conseguiram fechar nos últimos quatro anos acor-
dos com suas patrocinadoras, numa sangria de R$18,4 bilhões
dos cofres públicos. Elas são donas de uma fortuna de R$ 72,4
bilhões. Para se ter idéia do poder de fogo do grupo, toda a
indústria de fundos de pensão, que reúne 363 entidades, movi-
menta R$155 bilhões de mais de 360 entidades, públicas e pri-
vadas. [...] Alguns fundos de pensão colocam sobre o fraco de-
sempenho das bolsas de valores no último ano e as dívidas pen-
dentes das empresas patrocinadoras a responsabilidade pelo
desequilíbrio atuarial que vêm apresentando. Relatórios de fisca-
lização da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), no
entanto, mostram que muito dinheiro foi escoado pelo ralo por
má administração de recursos. [...] Os prejuízos foram obtidos
no decorrer dos anos por meio de aplicações em ações, debên-
tures, imóveis, investimentos imobiliários e até empréstimos aos
próprios participantes. São vários os exemplos de negócios que
resultaram em perdas financeiras para os fundos”.

Para que não haja uma desvalorização massiva dos ativos


dos fundos e um colapso da Bolsa de Valores, pois esses fundos
são seus maiores aplicadores, a liquidação desses ativos seria
feita dentro do contexto da renegociação da dívida pública, como
sugerida no final deste capítulo. Para isso seria permitido o res-
gate antecipado dos Títulos do Tesouro Nacional, das Séries Ver-
de e Azul, aos portadores que os utilizassem na compra dos
ativos dos fundos de pensão, por intermédio de leilões na Bolsa
de Valores.
163
Uma nova divisão territorial da Federação

A reestruturação do Estado Brasileiro envolve também su-


peração de conflitos envolvendo os Estados entre si e o Governo
Federal. Esta medida passa necessariamente por um novo pacto
federativo, no âmbito de uma nova Constituição, na qual uma
redivisão territorial da federação se coloca como um ponto es-
sencial. Essa nova face do Brasil pode comportar, entre outras, as
seguintes divisões: o Estado do Pará seria divido em três novos
estados, ou seja, um estado compreendendo a região situada ao
norte do Rio Amazonas (Trombetas); um segundo, abrangendo a
mesopotâmia Xingu/Tapajós (Tapajós); e um terceiro, formado
com as terras remanescentes do atual Estado (Pará). Da mesma
forma é necessário, para o equilíbro da federação, que o Estado
do Amazonas seja dividido em pelo menos mais dois novos esta-
dos, a saber: um estado compreendendo a mesopotâmia Tapajós/
Purus (Madeira); um segundo compreendendo a região sul do
Rio Solimões, desde a foz do Rio Purus até a divisa com o Peru
(Solimões). Tais divisões devem incluir o Estado do Acre, que
será aumentado avançando seus limites até o Rio Solimões na
divisa com o Peru. Nesta nova divisão, o Estado do Amazonas
compreenderia seus domínios a norte dos rios Amazonas e
Solimões. Nessa nova divisão do território brasileiro, a fusão de
Estados pequenos com outros com melhor potencial econômico
é uma necessidade imperiosa. Neste contexto, a Bahia poderia
unir-se ao Sergipe, Pernambuco com Alagoas e a Paraíba com o
Rio Grande do Norte, ensejando assim o aparecimento de novos
estados capazes de promoverem um desenvolvimento auto-sus-
tentado, livres, portanto, da dependência do Governo Federal.
Com essas modificações territoriais, as grandes regiões do
país ficariam assim constituídas: a Região Nordeste excluiria o
Estado do Maranhão, que passaria a integrar uma nova região
denominada de Amazônia Oriental, que compreenderia os Es-
tados do Amapá, Maranhão, Pará, Tapajós, Tocantins, Trombe-
tas, e a região a leste do Rio Teles Pires no Estado de Mato
Grosso. Uma segunda região amazônica, a Amazônia Ociden-
tal, compreenderia os Estados do Acre, Amazonas, Rondônia,
164
Roraima, Madeira, Solimões e a região oeste do Rio Teles Pires
no Estado de Mato Grosso. A região Centro-Oeste compreen-
deria, além do Distrito Federal, os Estados de Mato Grosso do
Sul, Goiás e a parte sul do Estado do Mato Grosso pertencente
à Bacia do Prata. As demais regiões, Sul e Sudeste continuariam
com seus limites inalterados.
Para completar essa reformulação territorial da federação,
seria necessário ainda a criação de um novo território, o Territó-
rio Federal das Ilhas Oceânicas, para administrar todas as ilhas
oceânicas, as quais seriam transformadas em reservas ecológicas
e bases para pesquisas oceânicas, e colocadas sob responsabili-
dade da Marinha de Guerra, e a transformação de Brasília, o
Distrito Federal, em um Município Neutro. Esta é uma medida
que se impõe para corrigir uma das maiores anomalias existentes
no sistema federativo do Brasil, ou seja, o pseudo-estado repre-
sentado por Brasília, a capital federal, que só foi criado pela má-
fé de políticos desonestos, pois a opção natural para essa cidade
seria o estatuto de município. Neste particular é bom lembrar
que o atual modelo federativo foi copiado dos Estados Unidos
da América, inclusive o conceito de Distrito Federal para a capital
federal, que agora assume ares de unidade federativa, com carac-
terísticas ao mesmo tempo de Município e Estado, e com tudo o
que este tem de penduricalhos, ou seja, deputados, senadores,
Judiciário, polícia, etc. Afinal de contas, para que criar uma es-
trutura complexa e cara como essa? Apenas para atender a ques-
tões administrativas de um município? No Império, a capital do
país gozava o status de Município Neutro, passando a denomi-
nar-se Distrito Federal com a Constituição Republicana de 1891.
Por que não reativá-lo ao invés de copiar o modelo americano
que nada tem que ver conosco?

O resgate da dívida social


O resgate da dívida social, a eliminação da pobreza e o fim
da exclusão social são objetivos prioritários de um projeto na-
cional, os quais só serão alcançados se forem tomadas medidas
165
radicais na distribuição da renda nacional. Isto poderá ser feito
rapidamente a partir de uma reforma agrária que transfira
patrimônio para os excluídos, uma reforma urbana que lhes dê
uma moradia digna desse nome e uma mudança de mentalidade
por parte da elite para viabilização dessas reformas. Além disso,
será necessário também uma renegociação da dívida externa para
pôr fim à política maniqueísta de pagar juros a qualquer custo,
mesmo sabendo que essa dívida é impagável e que bloqueia todas
as iniciativas do poder público e da iniciativa privada no sentido
de construir um país mais justo e fraterno, baseado numa econo-
mia de mercado sem distorções que a inviabiliza.

A Reforma Agrária

O primeiro passo no sentido de viabilizar a reforma agrária


foi dado pelo Governo Federal ao cancelar o cadastro com in-
dícios de grilagem, como informou o Jornal Estado de Minas
(18/7/2000, p. 7):
O Ministério do Desenvolvimento Agrário cancelou ontem o ca-
dastro de 1.899 grandes latifúndios em todo o país, que juntos
somam 62,5 milhões de hectares. A área corresponde a quase
três vezes ao território de São Paulo e 2,5 vezes as terras que o
governo destinou para assentamento de produtores nos últimos
cinco anos.
No livro Projeto Brasil (COUTO, 2000), abordei a ques-
tão da reforma agrária e, considerando que nada de substancial
foi feito até agora, retorno a discussão desse assunto.
Uma reforma agrária como instrumento de resgate da dívi-
da social representa para o Brasil, neste momento histórico, uma
oportunidade única para se corrigir pacificamente erros do pas-
sado e abrir novas perspectivas para a sociedade. Por isso mes-
mo, não deve resumir-se apenas em dar terra a uns poucos gru-
pos organizados que lutam por um pedaço de chão, mas sim
contemplar um universo muito maior, no qual todos os excluídos
deste País tenham a chance de começar uma vida nova, a partir de
um patrimônio particular. Todavia, para que uma medida repara-
166
dora como essa se concretize, é necessário conter a ação nefasta
da elite, que procura de todas as maneiras retardar ou impedir a
realização de uma verdadeira reforma agrária, lançando mão para
isso de toda uma série de expedientes protelatórios, como fize-
ram no passado para retardar e impedir a abolição da escravatu-
ra. Entre tais manobras irracionais e perniciosas, destacam-se a
Lei de Terras de 1850, que, segundo Caldeira et. al. (1997),
tinha como objetivo impedir o acesso à terra de todos os que
não faziam parte da elite, em especial os pobres e colonos euro-
peus, e sua versão mais recente, o artigo 185 da Constituição de
1988, que amarrou a reforma agrária ao conceito de proprieda-
de produtiva, o que na prática a inviabilizou. O conceito de pro-
priedade produtiva, além de ser subjetivo, é de natureza técnica e
ligado à ação fiscal do Estado e foi maliciosamente inserido na
Constituição com o claro objetivo de impedir e retardar a execu-
ção de uma verdadeira reforma agrária, assunto eminentemente
político.
Mas as artimanhas da elite contra a reforma agrária não
ficam somente neste tipo de expediente subjetivo. Como tentou
fazer no passado com a questão da abolição, ela agora procura
também transformar a reforma agrária num grande negócio com
o dinheiro público. Naquela ocasião, quando o fim da escravidão
era inevitável, a elite tratou de induzir o governo a contratar vul-
toso empréstimo no exterior para cobrir os gastos das indeniza-
ções que exigia para libertar seus escravos, o que só não se con-
cretizou porque o processo libertário foi mais rápido e abortou
essa tramóia indecorosa. Agora a elite volta à carga tentando
aplicar o mesmo golpe na sociedade, desta vez precavendo-se da
inevitabilidade da reforma agrária. O procedimento é o mesmo,
ou seja, a contratação pelo governo de um empréstimo no exte-
rior, neste caso com o Banco Mundial, para financiar um arreme-
do de reforma agrária, o chamado Programa Cédula da Terra,
destinado à aquisição descentralizada de terra para fins de refor-
ma agrária. Segundo os objetivos desse programa, as próprias
famílias dos sem-terra vão identificar os terrenos desejados, apre-
sentar projetos e receber os recursos para compra da proprieda-
de. O prazo de financiamento é de vinte anos. Além de ser um
programa claramente concebido para dividir e esvaziar os movi-
167
mentos organizados que lutam por uma autêntica reforma agrá-
ria, ele abre as portas para todo tipo de falcatruas, inclusive a
realização do malfadado golpe abolicionista que a elite tentou
sem sucesso no século passado, agora reforçado pela criação do
chamado Banco da Terra.
Uma reforma agrária como instrumento de justiça social
deve ser feita no bojo de um movimento que mude radicalmente
a política de uso e ocupação do solo, a começar pela substituição
do conceito de propriedade produtiva para o de área máxima
para discriminar as propriedades rurais insuscetíveis de desapro-
priação para fins de reforma agrária, como reza a Constituição.
Esta área máxima pode ser definida como uma função com três
variáveis: a) a densidade demográfica de cada Estado da federa-
ção; b) a aptidão do solo onde a propriedade estiver situada; e c)
a preservação do meio ambiente. Esta proposição não deve ser
entendida como uma equação matemática, mas sim, como um
postulado político. Seguindo essa lógica, temos que:
a) quanto maior a densidade demográfica de um Estado,
menor deverá ser a área máxima, pois aí o espaço a ser dividido é
menor. Por exemplo, as propriedades situadas nos estados do
Nordeste deverão ter área máxima menor do que aquelas situa-
das no Centro-Oeste;
b) levando-se em conta a aptidão do solo, a área máxima
será maior nos estados onde essa característica favoreça culturas
extensivas, como a de soja, por exemplo. Neste caso, a área má-
xima da região Sul será maior do que a da região Nordeste e
menor do que a da região Centro-Oeste, devido à densidade
demográfica;
c) no caso da preservação do meio ambiente, a área máxi-
ma será fixada observando-se características regionais especiais,
ou sua vocação para determinadas atividades econômicas, como
o pantanal mato-grossense, por exemplo. Nesta região, a pecuá-
ria é praticada em harmonia com o meio ambiente, o que permite
fixar a área máxima para esta atividade maior do que para outras
finalidades. Este mesmo princípio preservacionista pode ser apli-
cado na Amazônia legal, com as chamadas reservas extrativistas,
e na Ilha de Marajó, com a criação de búfalos. Ainda para favore-
168
cer a preservação do meio ambiente e recuperar áreas degrada-
das, deve-se retirar do cálculo da área máxima as matas ciliares e
a cobertura florestal das nascentes. Além disso, como prêmio
adicional, essas áreas, se respeitadas, ficarão isentas de impos-
tos; caso contrário, além do pagamento desse encargo e das mul-
tas legais, serão incluídas no cálculo da área máxima.
Para simplificar o processo de fixação das áreas máximas,
válidas para todo o Brasil e respeitando as três variáveis dessa
função, o primeiro passo é tomar como base a divisão geográfica
do País e fazer os ajustes necessários para que o modelo a ser
adotado seja aceito sem maiores contestações ou demandas judi-
ciais. Seguindo esse modelo, a divisão do território brasileiro,
para efeito de reforma agrária, seria a seguinte:
a) Região Sul;
b) Região Sudeste;
c) Região Centro-Oeste;
d) Região Nordeste (exclusive o Estado do Maranhão);
e) Amazônia Ocidental;
f) Amazônia Oriental (inclusive o Estado do Maranhão); e
g) Áreas de Proteção Ambiental.
Para flexibilizar a aplicação da nova lei agrária, cada Estado
poderá criar até três subdivisões da área máxima regional, sem
ultrapassar seu teto, para atender diferenças físicas e políticas em
seu território. Assim, por exemplo, o Estado de Minas Gerais
poderá estabelecer uma área máxima para o Triângulo Mineiro,
outra para a Bacia Geológica do São Francisco e uma terceira
para o restante do Estado. Quanto às áreas de proteção ambiental,
as áreas máximas serão fixadas por critérios próprios estabeleci-
dos em lei, desvinculando-se, portanto, dos parâmetros regio-
nais onde se situarem, como é o caso do Pantanal Mato-
Grossense, das reservas extrativistas da Amazônia e da Ilha de
Marajó, para ficar nos casos citados. Tais medidas,
complementadas pela limitação do número de propriedades por
parte das pessoas físicas e jurídicas, são o meio mais prático de
viabilizar a reforma agrária e garantir o direito de propriedade,
sem necessidade de demandas judiciais, e acabar de vez com os
latifúndios e a inaceitável concentração fundiária hoje existente
no país, onde, segundo dados do INCRA (1996), 2% dos pro-
169
prietários rurais possuem 50% das terras cadastradas (Estado de
Minas, 12/9/1996).
Uma reforma agrária visando ao resgate da dívida social
atenderá a esses objetivos e evitará casos absurdos, como o ocor-
rido com o Estado do Tocantins, o qual foi criado apenas para
atender às ambições de um político. Em nenhum momento no
processo de criação desse Estado, falou-se em distribuir suas
terras para os miseráveis deste País, que passam fome a vida toda,
mas bastou naquela oportunidade uma pequena greve de fome
por parte desse personagem folclórico para que ganhasse de seus
pares, no Congresso Nacional, não um pedaço de chão para
atender às suas necessidades, mas um vasto território para im-
plantar sua capitania hereditária.
O que precisa ficar claro nesse jogo capitalista é que nin-
guém no Brasil pode alegar ter direito natural sobre a posse da
terra e, por via de conseqüência, tentar impedir a realização de
uma reforma agrária com fins sociais. Todos os que vivem nesta
ilha continente chamada América, de norte a sul, brasileiros ou
não, são emigrantes de outros continentes e que aqui começa-
ram a chegar nos últimos milênios: dez, segundo alguns pesqui-
sadores, ou no máximo cinqüenta, segundo outros. Portanto são
todos imigrantes, índios, brancos, pretos ou amarelos que aqui
se fixaram, sejam quais foram os motivos que forçaram seus mo-
vimentos migratórios. A posse da terra entre nós é assim fruto
de regras diversas, estabelecidas ao longo do tempo por imigran-
tes de variadas origens que aqui chegaram em épocas diferentes e
de acordo com a evolução histórica de cada grupo. Assim sendo,
estas regras podem ser mudadas sempre que os interesses da
sociedade assim o exigir, como ensina nossa história, pois o pri-
meiro grupo a definir regras para ocupação da Terra Brasilis fo-
ram os portugueses com as Capitanias Hereditárias.
Segundo Bueno (1999, p. 9-15),
“a divisão do Brasil em capitanias hereditárias não seria apenas a
primeira tentativa oficial de colonização portuguesa na América.
Aquela estava destinada a ser também a primeira vez que os eu-
ropeus iriam se lançar no ousado projeto de transplantar seu
modelo civilizatório para as vastidões continentais do Novo
Mundo. [...] O modelo de colonização utilizado no Brasil já era

170
bem conhecido pelos portugueses e fora testado anteriormente:
não só nas ilhas do Atlântico, mas, quase dois séculos antes, no
próprio território luso, especificamente no Alentejo e no Algarve,
após essas regiões do sul de Portugal terem sido tomadas aos
mouros durante a Reconquista cristã. Como aconteceu nos dois
casos anteriores, o Brasil foi dividido em vastas áreas chamadas
de donatorias, ou capitanias hereditárias. Na América, esses lo-
tes eram enormes: tinham cerca de 350 km de largura cada, pro-
longando-se, em extensão, até a linha estabelecida pelo Tratado
de Tordesilhas, em algum lugar no interior ainda desconhecido
do continente. As capitanias brasileiras possuíam, dessa forma,
dimensões similares às das maiores nações européias. [...] Cerca
de dez anos depois de as capitanias terem sido criadas, as desor-
dens internas, as lutas contra os nativos e a ameaçadora presença
dos franceses acabaram provocando o colapso do sistema que o
rei e seus conselheiros tinham optado por aplicar no Brasil. [...]
O fracasso do projeto como um todo não impediu que o legado
das capitanias hereditárias fosse duradouro. A estrutura fundiária
do futuro país, a expansão da grande lavoura canavieira, a estru-
tura social excludente, o tráfico de escravos em larga escala, o
massacre dos indígenas: tudo isso se incorporou à história do
Brasil após o desembarque dos donatários. Alguns dos grandes
latifúndios brasileiros de fato tiveram origem nas vastas sesmarias
concedidas aos colonos de estirpe mais nobre (chamavam-se
sesmarias os lotes de terra virgem distribuídos pelos donatários
a seus colonos)”.
Todos os modelos de posse das terras públicas, inventa-
dos pela elite ao longo dos cinco séculos de nossa história (capi-
tanias, sesmarias, comodatos, grilagens), são na verdade exem-
plos de reforma agrária que fez em seu próprio beneficio, não
havendo portanto razão alguma para agora se opor a que se faça
o mesmo em benefício daqueles que não pertencem a este seleto
grupo: os excluídos de todos os matizes. Hoje a realidade social
impõe novas regras para a posse da terra, seja para produzir
alimentos para todos, seja para promover o resgate da dívida
social e varrer deste país todas as favelas que sitiam os grandes
centros urbanos, aterrorizando sua população. A propósito da
posse da terra, eis o que disse o Senhor a Moisés no Monte Sinai
(Lv 25,23-24): “As terras não se venderão a título definitivo,
porque a terra é minha, e vós sois estrangeiros e meus agregados.
171
Portanto, a qualquer terra que possuirdes, concedereis o direito
de resgate”.

A Reforma Urbana

Simultaneamente com a reforma agrária, deve-se cuidar tam-


bém de sua irmã siamesa, a reforma urbana, pois o caos social
que atinge as cidades brasileiras, principalmente as regiões me-
tropolitanas, tem raízes comuns: o êxodo rural e a proliferação
de favelas.
O resultado desse caos urbano e social, somado à falta de
planejamento que leve em conta as necessidades básicas da po-
pulação, inclusive a preservação do meio ambiente, pode ser vis-
to na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, cujos governantes
assistem inertes à favelização das matas que cobrem as monta-
nhas que permeiam seu perímetro urbano sem reagir com um
plano urbanístico que harmonize os interesses em jogo. Esta
medida já está prevista na Constituição Federal, que em seu arti-
go 182, determina a obrigatoriedade de um plano diretor como
instrumento básico da política de desenvolvimento e de expan-
são urbana para as cidades com mais de 25 mil habitantes. Com
base nesse dispositivo constitucional e visando a reduzir os des-
níveis sociais, além de dar às populações urbanas marginalizadas
uma boa qualidade de vida e promover o uso racional dos recur-
sos naturais e preservação do meio ambiente, é que se impõe a
criação de novos bairros para receber as populações faveladas, já
que nos guetos onde vivem é impossível proporcionar-lhes pa-
drões habitacionais que respeitem os direitos dos cidadãos.
Para agilizar o processo de inserção desses excluídos na
sociedade, dada a urgência que este assunto requer, o poder
público deve desapropriar áreas específicas nas regiões metropo-
litanas, preferencialmente localizadas ao longo das principais ro-
dovias e ferrovias, para assim facilitar a implantação de transpor-
tes urbanos e locomoção de seus moradores. Escolhidas essas
áreas, imediatamente deverá ser providenciada a infra-estrutura
básica necessária para sua efetivação, como ruas pavimentadas,
172
meios-fios, redes de água tratada, esgoto sanitário, luz elétrica,
telefone, hospitais, escolas e segurança pública. Terminada esta
etapa básica, os lotes deverão ser doados ou vendidos aos futu-
ros moradores, os quais, de posse dos certificados de proprie-
dade, definitivo ou provisório, poderão, a seu critério, construir
suas casas em caráter emergencial, aproveitando o material reti-
rado de seus antigos barracos nas favelas, ou definitiva, se assim
o desejarem, com recursos próprios ou financiadas pelo gover-
no. Para facilitar ainda mais esse processo, o Governo Federal,
com apoio das Forças Armadas, poderá instalar para esses assen-
tados barracas de campanha com dimensões apropriadas para
abrigá-los até que as construções definitivas estejam prontas.
Além dessas medidas emergenciais de curto prazo, é ne-
cessário repensar as regiões metropolitanas do País, a médio e
longo prazos, inclusive a legislação existente, pois, num planeja-
mento estratégico, as questões básicas como abastecimento de
água, esgoto, lixo urbano, industrial e hospitalar, áreas de prote-
ção ambiental, infra-estrutura de energia, transporte, etc., só po-
dem ser equacionadas se forem levados em conta os aspectos
regionais em jogo, os quais, quase sempre, extrapolam os limites
municipais e, em alguns casos, até estaduais. Neste caso, um
exemplo preocupante é o que está acontecendo com o eixo Rio
de Janeiro-São Paulo, onde se prevê, para este século, o surgimento
de uma megalópole pela união das regiões metropolitanas dessas
duas cidades. Este assunto é gravíssimo e está a requerer um
estudo detalhado desse eixo metropolitano, para que essa privi-
legiada região não venha a ser tornar, por imprevidência dos
governantes, numa favela descomunal, incontrolável, ameaçan-
do, conseqüentemente, a existência do Estado organizado e da
civilização brasileira.
O primeiro passo num planejamento estratégico para or-
denar o caos urbano e social existente nas regiões metropolita-
nas do Rio de Janeiro e São Paulo está em se considerar a expan-
são dessas metrópoles ao longo desse eixo e tratar este conjunto
como uma megalópole em fase de acelerado crescimento. Uma
vez definido os limites dessa megalópole e os municípios ali exis-
tentes, deve-se elaborar modelos dinâmicos dessa região, con-
templando o estado atual e projeções futuras, por meio do
173
geoprocessamento, técnica que utiliza imagens de satélites e re-
cursos da informática para a criação desses modelos, e que per-
mite também armazenar e processar todos os dados necessários
e suficientes para embasar as decisões a serem tomadas em nível
municipal, estadual ou federal. Essas informações constituem,
por si só, um banco de dados que, pelas suas características,
deve ser operado pelo Ministério da Defesa, que necessita dessas
informações para uso das Forças Armadas, as quais inclusive po-
dem participar desse planejamento por meio de suas estruturas
operacionais e instituições de ensino e pesquisa, como o IME,
INPE, etc. A Marinha, por exemplo, pode centralizar os estudos
e acompanhar os projetos relativos à despoluição da Baía da
Guanabara e da orla marítima dessa megalópole, além de monitorar
a preservação do meio ambiente nessa região; o Exército poderá
participar da elaboração, execução ou acompanhamento de gran-
des projetos de engenharia, como acabar com as enchentes da
Região Metropolitana de São Paulo; e a Aeronáutica, por sua vez,
participar dos levantamentos aéreos necessários para suporte dos
trabalhos.
Considerando todos os aspectos em jogo num planeja-
mento estratégico de uma importante região como essa, a
megalópole Rio-São Paulo, e o envolvimento das Forças Arma-
das, a operacionalização do Banco de Dados pelo Ministério da
Defesa é de vital importância para evitar a perda e desatualização
de dados, que poderiam ocorrer se tal atribuição fosse confiada
a outra instituição pública ou privada, pelo risco de
descontinuidade administrativa que estão sujeitas, o que não ocor-
re com as Forças Armadas, que são instituições permanentes.
Além disso, uma empreitada como essa requer uma base
cartográfica diversificada, que as Forças Armadas estão capacita-
das a executá-la, a qual, associada ao geoprocessamento, poderá
fornecer produtos informatizados aos diversos atores do pro-
cesso, inclusive universidades, como a Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade de São Paulo (USP), que
jogarão importante papel nesse megaprojeto de planejamento
urbano.
174
Favelas e cidadania
No final de 2003, publiquei um pequeno livro intitulado
Os 7 Pecados da Capital, no qual procurei sensibilizar a socieda-
de mineira para os problemas da capital, principalmente os rela-
cionados com o projeto do Governador Aécio Neves de transfe-
rir o centro do poder da Praça da Liberdade para o Aeroporto
Carlos Prates. Como este projeto está em vias de concretizar-se,
conforme noticiou o Jornal Estado de Minas, de 18/3/2005,
resolvi alertar a classe política, por meio de carta, da insensatez
dessa iniciativa, que só pode ter como mentor alguém que vive
num mundo cor-de-rosa e desdenha o drama das favelas que
sitiam a cidade, numa repetição da alienação do reinado de Luiz
XVI que levou a França à Revolução. É inadmissível que, em face
da dura realidade dos favelados, marca indelével da capital dos
mineiros, o Governador do Estado priorize um assunto que se-
quer foi submetido à consideração da sociedade e que a afetará
diretamente, inclusive na sua auto-estima.
Por que transformar a Praça da Liberdade, que foi concebi-
da para ser o centro do poder do Estado, num feudo artístico
onde os desocupados da elite se vão aboletar? Estes parasitas
vivem à cata de imóveis vazios para criarem os chamados “espa-
ços culturais”, eufemismo que utilizam para se apropriarem de
todos os bens tornados inativos pela incúria administrativa de
maus governantes, ou pelo desinteresse de particulares. Para se
ter idéia do que pretendem fazer com os imóveis da Praça da
Liberdade e como vão ocupar este espaço até agora público, bas-
ta consultar a referida edição do Jornal Estado de Minas e a
reportagem desse mesmo jornal (14/4/2005) sobre um tal Festi-
val Minas Cult. É um verdadeiro delírio elitista que só pode ser
explicado pela origem escravocrata da sociedade brasileira, que
se lixa solenemente pelo que se passa na senzala, desde que haja
fartura e festa na Casa-Grande e os capitães do mato estejam à
postos para colocarem no tronco a negrada rebelada.
Para mudar esse quadro é preciso que a sociedade mineira
liberte-se desse ranço escravocrata, encarando com mais serie-
dade as questões sociais, e reaja contra essa tentativa de criar um
fato consumado à sua revelia, que é a criação de um novo centro
175
administrativo (projetado por Oscar Niemeyer), exigindo do
Governo do Estado um referendum para decidir essa questão.
Cidadania é um direito que tem de ser respeitado e um
assunto de tamanha importância como esse, e os gastos perdulá-
rios para viabilizá-lo, não pode ser decidido solitariamente por
um governador, pois todo esse processo está ligado à história de
Minas e dos mineiros, que plantaram nesse local um marco dis-
tintivo de seu caráter libertário – o Palácio da Liberdade – e de
sua austeridade no trato da coisa pública – a singela praça que o
envolve. Se no caso dos imóveis da Praça da Liberdade for neces-
sário ocupá-los, por que então não utilizá-los como Postos de
Saúde, tão raros na cidade, ou creches e escolas públicas, pois
muitos dos favelados e moradores dos bairros periféricos, que
trabalham no centro da Capital, não têm onde deixar seus filhos.
Afinal de contas, por que o arquiteto Oscar Niemeyer, um
comunista de carteirinha, não projetou até agora um conjunto
habitacional para os favelados? Neste caso não haveria falta de
dinheiro para sua manutenção, como não falta para suas obras na
Pampulha, como informa o Jornal Estado de Minas (15/4/2005,
p.23):
“Próximo à igreja, uma casa, também projetada por Niemeyer,
serviria de abrigo para o então prefeito Juscelino, que morou
apenas um ano na orla da Pampulha. [...] Atualmente, o imóvel
está fechado e é de propriedade particular. Porém, a prefeitura
estuda a desapropriação, para transformá-lo em espaço cultural.
[...] No espaço projetado para ser o cassino da cidade, dois
novos projetos estão em curso. O Museu de Arte passa por
reformas na parte interna e, no segundo semestre, será iniciada a
construção de um ponto de apoio ao museu. O anexo será ergui-
do em frente ao prédio assinado por Niemeyer e vai abrigar parte
do acervo do museu. [...] Outra proposta de expansão do mu-
seu ainda está em estudo. No ano passado, Niemeyer entregou
ao prefeito Fernando Pimentel (PT) o projeto de um novo pré-
dio, que seria construído ao lado do ex-cassino. A estrutura se-
ria erguida como se estivesse saindo da água”.
Tanto interesse com cultura e arte contrasta com o descaso
com que é tratada a questão da dívida social, assunto que certos
políticos preferem choramingar em terras africanas a encarar de
176
frente a triste realidade dos descendentes dos escravizados nas
favelas brasileiras. Já está mais do que na hora de mudar esse
enfoque elitista, trocando o circo pelo pão e respeitando os di-
reitos dos cidadãos. Um bom começo seria mudar esse enfoque
também na abordagem da questão da despoluição da Lagoa, na
verdade um grande tanque de decantação de esgotos, que se
tornou um sorvedouro de verbas públicas, sempre disponíveis,
pois se trata de um recanto da elite, mas que faltam para o sanea-
mento das favelas. Segundo informa o Jornal Estado de Minas
(10/9/2005, p. 19), em matéria intitulada Obra Interminável,
são estas as cifras:
“Mais R$21 milhões para as obras de desassoreamento da Lagoa
da Pampulha. O anúncio foi feito pelo prefeito Fernando Pimentel,
que esteve com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terça-feira,
em Brasília, e conseguiu R$17 milhões por meio de emendas da
bancada mineira no Congresso. Os R$4 milhões restantes são
de contrapartida da prefeitura. (...) A prefeitura informa que desde
2001 foram removidos mais de 1 milhão de metros cúbicos de
sedimentos e 800 toneladas de lixo. (...) ‘No ano passado, fo-
ram gastos R$ 7,5 milhões para desassorear a lagoa de onde
foram retirados 1,5 mil metros cúbicos de terra e está tudo lá de
novo. As garças conseguem ficar de pé no meio da areia’, diz o
presidente da APAM, Flávio Marcus. Em 37 anos – de 1958 a
1995 – a barragem perdeu 40% do espelho d’água e, segundo
ambientalistas, a lagoa estará completamente assoreada em 2020,
se nada for feito”.

A renegociação da dívida externa


A renegociação da dívida externa é um desafio que se colo-
ca aos governantes do País, muito parecido com aquele enfrenta-
do por Alexandre no Templo de Zeus, pois só uma atitude radical
e inovadora desatará esse nó, abrindo conseqüentemente cami-
nho para o tão desejado desenvolvimento econômico e social. A
propósito é bom lembrar que a Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB) e mais 50 entidades civis organizaram, em se-
177
tembro de 2000, um Plebiscito sobre a Dívida Externa, sem
que o governo de então tomasse qualquer atitude a respeito e,
pelo andar da carruagem, nem o atual.
O primeiro passo para romper esse impasse é pesquisar
como nossos principais credores agiram no passado quando se
viram sufocados por dívidas impagáveis, como ocorre hoje com
o Brasil. Nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial,
por exemplo, a sociedade americana estava contra a entrada dos
Estado Unidos nesse conflito, sob a alegação, entre outras, de
que tanto a Grã-Bretanha como a França e outros aliados não
haviam pago suas dívidas contraídas durante a Primeira Guerra
Mundial. Neste caso ninguém falou em calote. Calote é, pois,
coisa de país pobre ou subdesenvolvido, ou, pelo menos, para
os testas-de-ferro do sistema financeiro internacional.
Um outro exemplo de “calote internacional” por parte
de países desenvolvidos, e que a elite brasileira não comenta, foi
dado pelos principais países europeus logo após a Segunda Guerra
Mundial, quando estavam virtualmente quebrados e sem condi-
ções de pagar seus credores, entre os quais se encontrava o Bra-
sil. Nessa ocasião, mesmo recebendo ajuda dos norte-america-
nos para recuperarem suas economias, por intermédio do Plano
Marshall, o que fizeram para pagar suas dívidas foi simplesmente
oferecer os artigos que produziam e não os que desejavam seus
credores. Era pegar ou largar.
O caminho menos traumático para promover a renegociação
da nossa dívida financeira está em se cumprir o que determina a
Constituição de 1988, ou seja, a realização de uma Auditoria
Pública da Dívida Externa. Para ordenar esse processo, inclusive
promovendo uma reavaliação global das dívidas públicas e priva-
das, será necessário emitir Títulos do Tesouro nacional, para
cobrir a dívida financeira pública, e Selos de Autenticidade, para
revalidar as dívidas privadas, contraídas no exterior por empre-
sas nacionais e multinacionais. Esta é uma atitude de precaução e
de bom senso, pois nenhuma nação subsistirá se não calcular
com precisão os meios que dispõe para enfrentar os desafios que
se colocam em seu caminho. A própria Bíblia chama a atenção
para esta questão:
178
De fato, se algum de vós quer construir uma torre, não se senta
primeiro para calcular os gastos, para ver se tem o suficiente
para terminar? Caso contrário, ele vai pôr o alicerce e não será
capaz de acabar. E todos os que virem isso começarão a zombar:
“Este homem começou a construir e não foi capaz de acabar!”
(Lc 14,28-30).

Títulos do Tesouro Nacional


Para possibilitar o cumprimento das exigências constitu-
cionais, os Títulos do Tesouro Nacional seriam emitidos em qua-
tro categorias, a saber:
1ª – Série Vermelha: Títulos emitidos para cobrir toda a
dívida financeira. Não resgatáveis ou negociáveis, servindo ape-
nas para consolidar a dívida pública dos governos federal, esta-
duais e municípais e identificar origens e favorecidos, para assim
serem examinadas nos termos da Constituição de 1988 (audito-
ria pública). Cumprida esta etapa, seriam trocados por títulos
das séries Amarela ou Verde, conforme o caso;
2ª – Série Amarela: Títulos emitidos para substituírem os
da Série Vermelha, relativamente às dívidas já enquadradas nos
termos da Constituição de 1988, porém não resgatáveis ou ne-
gociáveis, em função de restrições pendentes;
3ª – Série Verde: Títulos emitidos para substituírem os
títulos das séries Vermelha ou Amarela, relativamente às dívidas
liberadas para serem resgatadas em datas pré-fixadas. Negociá-
veis, porém não incluídos no orçamento da União; e
4ª – Série Azul: Títulos emitidos para substituírem os da
Série Verde. Resgatáveis e negociáveis, já incluídos no orçamento
anual da união.

Selos de Autenticidade
Para facilitar a auditoria das dívidas financeiras do setor
privado contraídas no exterior e permitir o seu resgate, seriam
criados Selos de Autenticidade, também em quatro séries:
179
1ª – Selo Vermelho: aplicado em todos os contratos das
dívidas financeiras do setor privado, os quais ficariam suspensos
até que fossem submetidos a uma auditoria, após o que recebe-
riam os selos amarelo ou verde, conforme o caso;
2ª – Selo Amarelo: aplicado aos contratos com selo ver-
melho, parcialmente liberados, mas necessitando de revisão nos
seus termos, em função de restrições levantadas pela auditoria;
3ª – Selo Verde: aplicado aos contratos com selos verme-
lho ou amarelo, já totalmente liberados em seus termos pela au-
ditoria, porém ainda pendentes de enquadramento no cronograma
geral de resgate;
4ª – Selo Azul: aplicado aos contratos de Selo Verde en-
quadrados no cronograma geral de resgate.

O resgate da dívida pública


Para complementar essas medidas saneadoras das finanças
do País e criar uma relação racional com o sistema financeiro,
seria proibido o pagamento das chamadas “taxas de riscos”, ou
quaisquer outras, sobre os empréstimos contraídos pelo setor
público ou privado, sendo permitido apenas o pagamento de
juros com taxa equivalente àquela paga pelo tesouro dos Estados
Unidos da América para seus títulos; isto enquanto o dólar ame-
ricano mantiver seu padrão e a economia desse país continuar
sustentável, caso contrário, o governo brasileiro deverá estabele-
cer critérios próprios de remuneração para tais empréstimos.
Uma vez cumpridas as etapas da Auditoria Pública das dívi-
das e fixadas as condições e prazos para os resgates, o governo
baixaria normas para possibilitar o resgate antecipado, se tais
recursos forem aplicados em projetos de infra-estrutura, como a
Ferrovia de Dom Bosco, ou no saneamento financeiro, como a
liquidação dos ativos dos fundos de pensão , medidas estas
sugeridas anteriormente neste capítulo. Com estas providências
acautelatórias, evitar-se-á o pânico no sistema financeiro e mora-
lizará as relações do governo com a banca internacional,
recolocando num patamar civilizado as regras de financiamento e
taxas de juros.
180
Para que o leitor tenha uma idéia da urgência dessa medida,
basta atentar para os seguintes trechos de um artigo publicado na
primeira página do Caderno “Economia” do Jornal Estado de
Minas de 24/7/2005, intitulado O Maior Escândalo:
“O maior escândalo do Brasil é legal e não precisa de uma CPI
para investigá-lo. De acordo com os últimos dados do Banco
Central, a despesa do governo com juros da sua dívida já atingiu
a astronômica cifra de R$1,01 trilhão desde 1994, ano inaugu-
ral do Plano Real. A decisão do BC de manter a taxa básica (SELIC)
no alto patamar de 19,75% ao ano, quarta-feira, reforçou ainda
mais a pressão desse gasto sobre as contas públicas. (...) ‘É o
maior escândalo do Brasil’, resume, categórico, o especialista
André Araújo, autor de vários livros sobre os bancos centrais em
todo o mundo. ‘Se juntarmos todos os escândalos financeiros
que envolveram corrupção com o dinheiro público não dá um
mês do que pagamos em juros da dívida pública’. Para quem pen-
sa que é um exagero, basta fazer uma conta simples. No ano
passado, o governo pagou R$128,3 bilhões em serviços da dívi-
da. Dá uma média de R$350 milhões por dia, ou R$ 10,5 bi-
lhões por mês. (...) Por que os gastos com os serviços da dívida
são escandalosos? A resposta não é tão simples, mas pode ser
resumida. Antes de tudo, deve-se saber que o governo brasileiro
precisa de dinheiro para pagar suas despesas correntes e futuras.
Para isso, ele vende papéis ao mercado financeiro, também co-
nhecidos como títulos públicos – é assim no Brasil e em qualquer
lugar do mundo capitalista. Para vendê-los, estabelece uma taxa
de juros, que será a remuneração que o comprador do papel
receberá (no Brasil, mais da metade dos títulos públicos tem como
índice de correção a taxa básica de juros, definida todo mês pelo
BC). Se esse prêmio do investidor for pequeno, o governo terá
dificuldade de vender seus títulos. Se for em bom tamanho, ambas
as partes ficam satisfeitas. Mas se for maior do que o necessário,
o governo paga mais do que precisava e o gasto com juros explo-
de. Segundo a maioria dos economistas, o Brasil se enquadra no
último caso. (...) Os números parecem dar razão a esses argu-
mentos. A taxa de juros aqui é hoje a maior do mundo. Os
19,75% do Brasil superam os 17% da Venezuela (segunda colo-
cada) e os 14,3% anuais da Turquia. Para os investidores, po-
rém, o indicador mais importante é o juro real, já que ele des-
conta, da taxa básica, a inflação do período. Nessa comparação,
o Brasil ganha disparado, com um juro real de 14,1%. A Hungria,

181
vice-campeã, paga uma taxa (descontada a inflação) de 5,1% ao
ano. ‘Só linguagem de corridas de cavalo explica o que ocorre na
economia brasileira. O País ganha com três corpos de vantagem
da Hungria’, resume o economista e ex-ministro da Fazenda Luiz
Carlos Bresser-Pereira”.

A quebra de Contratos e a Bíblia

Para libertar o Brasil dessa incomoda posição de Prometeu


do sistema financeiro internacional, acorrentado que está à mon-
tanha dessa dívida e vendo todos os dias a Águia da agiotagem
comer-lhe o fígado, é necessário que seja decretada a moratória
dessa carga descomunal. Com isso será possível retirar esse far-
do colocado pela elite nos ombros do povo, que se dobra para
sustentá-lo, e que ela mesma se recusa a carregá-lo. É como disse
Jesus às multidões e aos discípulos (Mt 23,1.4): “Amarram far-
dos pesados e insuportáveis e os põem nos ombros dos outros,
mas eles mesmos não querem movê-los, nem sequer com um
dedo”.
Depois Jesus falou ainda aos discípulos: Um homem rico tinha
um administrador que foi acusado de esbanjar os seus bens. Ele
o chamou e lhe disse: “Que ouço dizer a teu respeito? Presta
conta da tua administração, pois já não podes mais administrar
meus bens”. O administrador, então, começou a refletir: “Meu
senhor vai me tirar a administração. Que devo fazer? Cavar, não
tenho forças; mendigar, tenho vergonha. Ah! Já sei o que fazer,
para que alguém me receba em sua casa quando eu for afastado
da administração”. Então chamou cada um dos que estavam de-
vendo ao seu senhor. E perguntou ao primeiro: “Quanto deves
ao meu senhor?” Ele respondeu: “Cem barris de óleo!” O admi-
nistrador disse: “Pega a tua conta, senta-te, depressa, e escreve:
cinqüenta!” Depois perguntou a outro: “E tu, quanto deves?”
Ele respondeu: “Cem sacas de trigo”. O administrador disse:
“Pega tua conta e escreve: oitenta”. E o senhor elogiou o admi-
nistrador desonesto, porque agiu em esperteza. De fato, os fi-
lhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os
filhos da luz (Lucas 16, 1-8).
182
2. A GEOPOLÍTIC
EOPOLÍTICAA CONTINENTAL
ONTINENTAL

A situação geográfica do Brasil na América do Sul, onde


ocupa quase a metade de sua superfície, cerca de 47,3%, e cujos
limites com 10 dos 12 países do continente somam 15.719 km
de fronteiras abertas, confere à sociedade brasileira e dos demais
países sul-americanos um caráter globalizante, cujas conseqüên-
cias nas correntes migratórias são imprevisíveis, se não forem
tomadas medidas apropriadas para discipliná-las.

O fluxo migratório
Nesta virada de milênio, o fluxo migratório entre os países
sul-americanos está paralisado e contido pela estagnação econô-
mica que afeta todos sem distinção. Esta situação, todavia, é pas-
sageira, pois bastará que um país da região se destaque economi-
camente perante os demais, para atrair sobre si migrantes que,
sem emprego em seus países de origem, buscarão nos vizinhos
mais desenvolvidos os meios para sobreviverem. Um exemplo
clássico dessa situação é a atração irresistível que os Estados
Unidos da América exercem sobre seu vizinho paupérrimo, o
México, cujos nativos procuram invadir em massa o território
americano, onde são contidos por cercas, muralhas, torres de
vigia e outros obstáculos artificiais, pois as barreiras naturais são
impotentes para detê-los.
No caso do Brasil, a permeabilidade de sua extensa fron-
teira com os países vizinhos enseja um fluxo não previsto pelo
neoliberalismo, ou seja, o livre trânsito de pessoas de um país
para outro, à revelia das autoridades e fora do controle dos ser-
viços de imigração. Em passado recente, um movimento migrató-
rio espontâneo levou milhares de brasileiros a cruzarem a fron-
183
teira com o Paraguai em busca de terras para plantar, já que no
Brasil estas lhes eram negadas, embora nosso país possua mais
terras devolutas que a soma de toda as terras agricultáveis do
país vizinho. A conseqüência desse movimento migratório foi o
aparecimento de um novo cidadão sul-americano, de dupla nacio-
nalidade, o Brasiguaio.
Exemplos dessa atração exercida pelos centros mais desen-
volvidos sobre povos de zonas deprimidas economicamente estão
por toda a parte, inclusive na Europa, onde os europeus do Leste
estão invadindo em massa os países do Oeste, além de imigrantes
do mundo todo, como veiculou o Jornal Estado de Minas, em
matéria intitulada Nômades do século XXI (30/6/2002, p. 22):
Líderes dos 15 países que integram a União Européia reuniram-
se em Sevilha, na Espanha, há 10 dias, para discutir o que fazer
diante da avalanche de populações maltrapilhas, procedentes de
todos os cantos da Terra, que desembarcam em portos e aero-
portos do continente, em busca de emprego e de uma vida me-
lhor. A preocupação é grande, entre os atuais governantes. In-
dignados com a invasão de gente de cultura e costume diferen-
tes, os europeus começam a sufragar políticos da extrema direi-
ta, que se comprometem, se eleitos, não só a fechar as portas
aos imigrantes, de qualquer nacionalidade, mas a expulsar de seus
países os estrangeiros incômodos, conforme prometeu o francês
Le Pen.

No Brasil existem exemplos semelhantes, como a Região


Sudeste que atrai migrantes de todas as regiões do país, especial-
mente da Região Nordeste, a menos desenvolvida delas. Neste
caso não há fronteiras para barrar o fluxo migratório e o resulta-
do pode ser visto nas favelas que sufocam os grandes centros
metropolitanos como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
Com esses exemplos é fácil imaginar o que acontecerá na Améri-
ca do Sul quando o desenvolvimento econômico de um país criar
zonas de atração em frente dos demais. Esta situação acarretará
um problema gigantesco não só para o Brasil, como também para
os seus vizinhos, pois a mobilidade da população brasileira tem
raízes em sua formação histórica e estão aí, para confirmar, a
revogação na prática do Tratado de Tordesilhas e, em tempos
mais recentes, a questão do Acre.
184
A solução para tais problemas está no fortalecimento do
Mercado Comum Sul-Americano (Mercosul) e a adoção de uma
política de desenvolvimento que evite os desequilíbrios regionais
e a criação de centros dinâmicos ao lado de zonas deprimidas
economicamente. O caminho para que tal objetivo seja alcançado
já começa a ser trilhado com a criação do Mercosul. O fortaleci-
mento deste mercado e a ampliação de sua abrangência, para
incorporar todos os países sul-americanos num só bloco econô-
mico, facilitarão a adoção de uma série de medidas que tornarão
as fronteiras mero limite cartográfico, como já está ocorrendo
com os países que hoje formam a União Européia.
O primeiro passo concreto nessa direção foi dado em se-
tembro de 2000 com a reunião em Brasília dos presidentes de
todos os países sul-americanos, à exceção da colônia francesa
das Guianas, como noticiou o Jornal do Brasil (2/9/2000, p. 1):
A primeira reunião de cúpula dos presidentes dos 12 países da
América do Sul terminou ontem com o compromisso de criar até
2002 uma área de livre comércio reunindo os integrantes do
Mercosul aos da Comunidade Andina das Nações. Se concreti-
zado, o novo espaço econômico abarcaria 340 milhões de habi-
tantes e um PIB de US$1,3 trilhão.

O monitoramento das fronteiras

Caso tal união não aconteça, é bom que o Brasil e seus


vizinhos sul-americanos se preparem com tecnologia avançada,
inclusive com o emprego de sensores instalados em satélites, para
monitorarem suas fronteiras, pois os exemplos dos Estados Uni-
dos da América e da Europa Ocidental não deixam dúvidas de
que o problema é grave e complexo, constituindo-se este assun-
to num dos maiores desafios para a sociedade globalizada do
século XXI. No caso do Brasil, dada a extensão de suas fronteiras
e sua vulnerabilidade, a criação de zonas de exclusão com cam-
pos minados é uma opção que as Forças Armadas brasileiras e os
países vizinhos terão de estudar, pelo menos para as regiões
fronteiriças com o Uruguai, Paraguai e Bolívia, onde o contraban-
185
do, especialmente de gado e veículos, e o narcotráfico são facili-
tados pela natureza do terreno.
Segundo o Jornal Estado de Minas (31/10/2005, p. 4):
as investigações da Polícia Federal brasileira na fronteira de Brasil
e Paraguai demonstraram que, além da região de Salto Guayrá,
no departamento de Canindeyú, onde existem indícios de cen-
tros de treinamento das Farc nas cidades de Pindoty Porá, Itanarã
e La Paloma, os departamentos de Concepción, Amambay e San
Pedro, todas fronteiriças com os estados de Mato Grosso do Sul
e Paraná, exigem atenção especial, por estar sendo usadas pelas
grandes organizações criminosas especializadas no tráfico de dro-
gas e armas, o que cria terreno fértil para expansão da guerrilha
colombiana em território nacional. De acordo com a Polícia Fede-
ral, 80% da produção de 18 mil toneladas de maconha, produzi-
das no vizinho Paraguai, têm como destino os mercados consu-
midores do Brasil, com importante área de cultivo em Amambay
e San Pedro. Esta porta que se abre para a maconha também
serve para a exportação da rentável cocaína colombiana.
Para enfrentar situações como essas, inclusive desastres
sanitários como a febre aftosa que atacou os rebanhos bovinos
na fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai, no segundo
semestre de 2005, causando sérios prejuízos à economia do País,
o Brasil já tem uma estrutura básica definida em lei, que pode ser
transformada num cinturão de segurança contra infiltrações di-
versas e em um cordão sanitário para proteger o território
nacional de todo tipo de invasão biológica, assunto que arremata
este livro. Trata-se da faixa fronteiriça dos 150 km, considerada
área de segurança nacional. Para cumprir a função de cordão sa-
nitário, por exemplo, essa faixa deve ser dividida em três seções,
cada uma delas com 50 km de largura. Na primeira delas, a faixa
externa ou fronteiriça propriamente dita, considerada FAIXA
VERMELHA, não seria permitida a criação animal de espécie al-
guma. Na faixa central, a FAIXA ROSA, seria permitida a criação
de animais não vacinados para detectar possíveis focos de doen-
ças e suas origens. Na faixa interna, a FAIXA AMARELA, os
animais seriam vacinados sobre controle rigoroso, para evitar
possíveis falhas operacionais.
186
Para reforçar essas medidas de caráter profilático, seria proi-
bido a todos os proprietários de terras nessas faixas a posse, sob
qualquer título, de propriedades rurais nos países vizinhos, evi-
tando assim o intercâmbio animal entre suas propriedades ou de
terceiros. Além disso, para fechar o território nacional a todos
os tipos de invasões, seria construída uma cerca metálica ao lon-
go da fronteira, acompanhada de uma faixa de exclusão de 3 km
de profundidade, onde as Forças Armadas colocariam todo tipo
de armadilhas para impedir sua violação. A vigilância ao longo
dessa cerca seria feita conjuntamente com a Guarda Nacional,
assunto tratado a seguir, a Receita e a Polícia Federal. O intercâm-
bio com os países vizinhos somente seria permitido através de
corredores especiais devidamente vigiados e monitorados por
essas forças de segurança.
Todavia, essas medidas isoladamente não serão suficientes
para garantir a segurança interna do País, mas se inseridas num
amplo programa de reestruturação das Forças Armadas e das
polícias federais e estaduais, bem como do sistema carcerário,
elas poderão não só garantir a segurança da nação, como tam-
bém contribuir de maneira eficaz na defesa continental e no com-
bate à imigração clandestina, ao narcotráfico e a todas as formas
de contrabando e agressões ao meio ambiente.

A Guarda Nacional
Para isso é necessário que seja criada, com militares da
ativa e reserva oriundos das Forças Armadas (Exército, Marinha
e Aeronáutica), a Guarda Nacional, a fim de auxiliar o Exército
no controle das fronteiras terrestres (faixa dos 150 km) e a Ma-
rinha na zona costeira, e controlar os postos alfandegários, por-
tos e aeroportos. Esta nova unidade militar, de caráter policial,
subordinada ao Ministério da Defesa, substituiria também as po-
lícias militares estaduais como força auxiliar de segurança interna
e no policiamento da capital federal. Além disso, ficaria encarre-
gada do policiamento das reservas indígenas, parques florestais e
reservas ecológicas federais, e também de outros patrimônios da
União.
187
Para evitar superposição de funções, a Guarda Nacional
atuaria sob a supervisão das Forças Armadas, que teria o contro-
le total sobre suas ações, pois se trata de uma força auxiliar cria-
da para se ocupar de uma missão que para os exércitos regulares
é secundária, mas para a nação é de vital importância: a vigilância
policial. No exercício desta função, os militares da ativa do Exér-
cito, da Marinha e da Aeronáutica teriam oportunidade de colo-
car em prática seus treinamentos para enfrentamento de situa-
ções bélicas reais, tirando daí o melhor proveito para sua forma-
ção profissional. A temporada dos militares da ativa das Forças
Armadas na Guarda Nacional seria considerada como um estágio
obrigatório para avaliação de desempenho em situações de riscos
e pré-requisito para eventuais promoções.

A Polícia Federal
Nesse novo contexto, a Polícia Federal absorveria todas as
outras polícias federais, como a Rodoviária, Ferroviária, Portuá-
ria, etc., passando a atuar como uma polícia investigativa, reser-
vada, não uniformizada, como o FBI norte-americano. Esta nova
polícia passaria a emitir, em conjunto com as Forças Armadas, as
Carteiras de Identidade, hoje a cargo das polícias estaduais, além
dos passaportes que normalmente já emite.

O Ministério da Defesa
A emissão de Carteiras de Identidade pela Polícia Federal,
em conjunto com as Forças Armadas, visa acabar com as falsifica-
ções e outros tipos de delitos, além de permitir a criação de um
banco de dados informatizado com essa finalidade, a ser gerido
em parceria com o Ministério da Defesa, que seria o depositário
e guardião dos dados originais e o único autorizado a operar
esse banco de dados para incluir novos elementos, quaisquer
que sejam. Esse banco de dados seria criado pelo Ministério da
Defesa com os dados pessoais dos reservistas das Forças Arma-
188
das, os quais passariam a receber a nova Carteira de Identidade
em lugar do atual Certificado de Reservista. Neste novo modelo,
todos os jovens, de ambos os sexos, ao completarem 18 anos,
passariam pelos exames de seleção, dos quais inclusive se deter-
minaria o DNA como forma de se evitar falsificações, e cujo aces-
so somente poderia ser obtido, no banco de dados operado pelo
Ministério da Defesa, por decisão judicial e por intermédio da
Polícia Federal. Essa nova Carteira de Identidade somente seria
fornecida aos jovens que completassem 18 anos a partir da im-
plantação do Banco de Dados do Ministério da Defesa.
Além disso, todos os reservistas passariam por um exame
médico detalhado, inclusive exames de sangue, urina e fezes, para
determinar o estado de saúde deles, avaliando conseqüentemen-
te as condições físicas e mentais da juventude num momento
crucial de seu desenvolvimento orgânico. Este exame seguiria um
padrão estabelecido de comum acordo com o Ministério da Saú-
de, visando a um só tempo avaliar as políticas de saúde publica
para a infância e juventude e fornecer às Forças Armadas
parâmetros para seleção de jovens conscritos para o serviço mi-
litar.

A Polícia Carcerária Federal


Paralelamente a essas medidas, todo sistema carcerário se-
ria federalizado e seu controle entregue a uma nova polícia – a
Polícia Carcerária Federal –, acabando conseqüentemente com o
atual sistema no qual quem prende também guarda o elemento
preso, facilitando assim toda sorte de arbitrariedades ao arrepio
da lei. Nesse novo modelo, as polícias estaduais e federal pren-
deriam os infratores e os colocariam à disposição da Justiça sob
guarda da Polícia Carcerária Federal, que a partir daí ficaria res-
ponsável pela integridade física e psicológica dos detentos. Para
o cumprimento deste encargo, os interrogatórios dos prisionei-
ros por parte das polícias estaduais e federal seriam feitos sob a
supervisão dessa Polícia Carcerária e com a presença de um re-
presentante do Poder Judiciário.
189
O Sistema Prisional e a
dignidade do ser humano
Além disso, todas as instalações carcerárias do País sofreri-
am modificações para evitar a promiscuidade entre os presos e o
envolvimento criminoso com os carcereiros, o que acaba geran-
do a violência entre detentos, inclusive assassinatos de desafetos,
rebeliões, fugas e captura de reféns. Outra medida que contri-
buiria para dar mais dignidade ao Sistema Prisional, seria a ado-
ção de uniformes tanto para os presos como para os policiais,
como fazem os países civilizados. Para atingir esses objetivos, o
primeiro passo está em se visitar as prisões de países onde os
direitos humanos são respeitados, como a Inglaterra, França, Ale-
manha e até mesmo os Estados Unidos da América, onde, apesar
dos pesares, o Sistema Prisional é bastante seguro e tem um per-
fil peculiar.
Mas quaisquer que sejam as medidas a serem tomadas, uma
norma deve ser rigorosamente respeitada: uma cela para cada
preso. Com esta medida será possível eliminar um dos maiores
atentados à cidadania existente entre nós, a chamada “prisão es-
pecial”. Este privilégio, reservado para os cidadãos considerados
de primeira classe, os de “nível superior”, além de ser um ranço
escravocrata, pois perpetua a senzala, é o grande responsável
pela situação degradante das prisões brasileiras, uma mancha que
envergonha qualquer cidadão deste País com um mínimo de dig-
nidade e senso de cidadania. Para ser ter uma idéia a que ponto
chegamos nessa questão, que revolta até os próprios carcereiros,
levando-os a tomar medidas desesperadas, basta atentar para a
seguinte notícia publicada pelo Jornal Estado de Minas (29/9/
2005, p. 26), sob o título Delegado punido por soltar preso:
O delegado Jorge de Souza Filho, lotado no plantão da 11ª Dele-
gacia Distrital, na Savassi, região Sul de Belo Horizonte, foi colo-
cado à disposição da Corregedoria-geral da Polícia Civil, por ter
liberado um criminoso confesso na noite de terça-feira, alegando
falta de cela para colocá-lo. Hoje, ele deve ser apresentar à
corregedoria para explicar o caso e pode ser processado. Mês

190
passado, o delegado Renato Queiroz de Matos, lotado no 10º
Distrito, no bairro Serra, também na zona Sul, já havia sido afas-
tado do cargo por ter liberado Gilberto Eustáquio Pereira, de 29
anos, acusado de assalto a ônibus, alegando falta de cela, devido
à superlotação.
Enquanto a sociedade brasileira não resolver essa questão,
pois é dever do Estado garantir a todo cidadão, sem distinção, o
direito à privacidade e a integridade física e psicológica, mesmo
sendo um condenado pela Justiça, não será possível mudar o
quadro de injustiça social que aí está, pois revela que não está
preparada para encarar de frente o cerne de todo processo
civilizatório: a dignidade do ser humano.

As Polícias Estaduais de Segurança Pública

As Polícias Estaduais de Segurança Pública, criadas pela fu-


são das polícias civis e militares, uma vez desvinculadas da função
de guardar presos e emitir Carteiras de Identidade assumirão as
atribuições das polícias rodoviárias federal e estadual, que serão
extintas, passando assim a ser a única força policial em cada Esta-
do. Para que o aparelho militar estatal passe a atuar como instru-
mento de fortalecimento da democracia e não atente contra ela, é
necessário que o ingresso nas escolas de formação de oficiais, das
Polícias Estaduais e das Forças Armadas, seja feito por meio de
vestibulares, como os que regulam a entrada nas universidades.
Essa medida propiciará uma democratização do acesso aos qua-
dros superiores dessas instituições militares, acabando conseqüen-
temente com as elitistas escolas preparatórias de cadetes, colégios
militares e outros privilégios que transformaram as Forças Arma-
das numa oligarquia familiar (de acordo com a imprensa, 60% da
oficialidade tem laços de parentesco entre si).
Como medida adicional para valorização da cidadania, todo
o quadro das corporações militares, praças e oficiais da União,
Estados e Municípios, obrigatoriamente, seria formado eqüitati-
vamente por homens e mulheres, ou seja, 50% de cada sexo.
191
Esta medida, além de reforçar a igualdade de direitos, irá contri-
buir de forma decisiva para acabar com os chamados “esqua-
drões da morte” que infestam as Polícias Estaduais, pois com
patrulhas mistas será muito difícil para esses assassinos encon-
trarem parceiros para seus crimes ou mantê-los ocultos.

A reestruturação das Forças Armadas

Como conseqüência dessas providências, as Forças Arma-


das ficarão mais livres para se dedicarem a sua finalidade maior,
ou seja, a defesa da nação contra as agressões externas. Contu-
do, para que tal objetivo seja alcançado, é necessário uma
reestruturação das Forças Armadas e uma nova divisão de atri-
buições do aparelho estatal de segurança. Neste novo modelo, o
Ministério da Defesa comandaria as Forças Armadas e a Guarda
Nacional; o Ministério do Interior (a ser criado), a Guarda
Carcerária Federal e as Polícias Estaduais de Segurança Pública; e
o Ministério da Justiça, a Polícia Federal.
A reestruturação das Forças Armadas compreenderia ainda
a criação de sete comandos unificados (Exército, Marinha e Ae-
ronáutica): 1º Comando Regional (CR) Sul, 2º CR Sudeste, 3º
CR Centro-Oeste, 4º CR Nordeste, 5º CR Amazônia Ocidental,
6º CR Amazônia Oriental, 7º CC Brasília. Cada uma dessas
regiões militares seria autônoma e prestaria contas diretamente
ao Ministério da Defesa, que traçaria as diretrizes básicas para o
seu funcionamento. Nas respectivas áreas de atuação, cada co-
mando criaria um Banco de Dados informatizado para coletar
informações sobre a infra-estrutura operacional e o contexto
socioecônomico regional, para embasar não só as decisões das
Forças Armadas sobre seu comando, como também informar o
Ministério da Defesa da real situação de sua área de atuação. O
acesso às informações de cada comando regional somente seria
possível por intermédio do Ministério da Defesa, que as
disponibilizaria, a seu critério.
192
Além dessa reestruturação no seu sistema operacional, as
Forças Armadas devem também se ocupar com a defesa do tríplice
ecossistema sul-americano e com os oceanos adjacentes, tendo
em vista sua influência nas condições climáticas do Brasil e da
América do Sul, no seu meio ambiente e na biodiversidade con-
tinental. Para isso é necessário que haja uma distribuição de tare-
fas: a Marinha centralizaria e coordenaria as pesquisas científicas
executadas no Brasil e no exterior, relativas à calota polar e aos
oceanos adjacentes; o Exército, àquelas relacionadas com o conti-
nente sul-americano; e a Força Aérea, com as do espaço exterior.
Todas as informações assim obtidas seriam armazenadas num único
banco de dados controlado pelo Ministério da Defesa, que as
disponibilizaria para terceiros segundo critérios estabelecidos em
lei. Além dessas informações, este banco de dados armazenaria
também, para cruzamento, outros elementos considerados estra-
tégicos para a defesa do País e do Continente Sul-americano,
como produção de alimentos, estado geral da população, vias de
transportes, etc.

A defesa do tríplice
ecossistema sul-americano
A defesa do tríplice ecossistema sul-americano, formado
pela América do Sul, Antártica e oceanos adjacentes – Atlântico,
Pacífico e Polar –, é de vital importância para a prosperidade nas
nações do continente e do bem-estar de sua população, pois a
exploração dos recursos naturais (minerais, hídricos e energéticos)
e da biodiversidade desses que são os últimos continentes prati-
camente intocados, e dos oceanos que os cercam, requer a união
dos governantes sul-americanos em sua defesa, já que outros
povos, de outros continentes, com o esgotamento de seus recur-
sos naturais, tudo farão para saquear esse patrimônio e dele tirar
o melhor proveito.
Dentro desse tríplice ecossistema, e visceralmente a ele inter-
ligados e dele dependentes para manutenção do clima e da
biodiversidade, existem outros com suas próprias particularidades,
193
como a Bacia Amazônica, a Cordilheira dos Andes, a calota polar e
os oceanos adjacentes. A não preservação e controle desses
ecossitemas irão provocar danos irreparáveis ao meio ambiente da
América do Sul, com conseqüências desastrosas para sua popula-
ção. Para o Brasil, esses temas, além de prioritários, são também
estratégicos, principalmente os relacionados com a defesa da Bacia
Amazônica, em função das renovadas ameaças de internacionalizá-la
feitas sob os mais diferentes pretextos e disfarces.
Uma dessas ameaças foi denunciada pelos jornalistas ame-
ricanos Gerard Colby e Charllote Dennet em um livro intitulado
Seja Feita a Vossa Vontade - A conquista da amazônia: Nelson
Rockefeller e o evangelismo da idade do petróleo, como infor-
mou o Jornal Estado de Minas (13/11/2000, p. 5):
“Fruto de uma extensa pesquisa que chegou até a arquivos secre-
tos do milionário Nelson Rockefeller, o livro esclarece a estraté-
gia imperialista para conquistar a Amazônia. [...] Já na leitura dos
textos de apresentação do livro fica claro que Rockefeller não
agiu sozinho. O líder protestante Cameron Towsend teve papel
definitivo nesta trama cinematográfica, que por vezes parece en-
redo de filme de espionagem. Townsend era o braço de Rockefeller
para evangelização das populações indígenas, uma das táticas uti-
lizadas para tentar barrar o avanço do comunismo na América
Latina. Por trás do esforço de ambos formou-se uma rede de
interesses políticos e econômicos que resultou num dos casos
mais escandalosos da política imperialista americana, com ata-
ques à natureza, patrocínio de ditaduras, genocídios, exploração
indevida de riquezas naturais e espionagem, ressaltam as notas
introdutórias do livro”.
Na atualidade outros tipos de interesses, com o mesmo
objetivo, rondam nossas riquezas e ameaçam o meio ambiente da
América do Sul, como informou o Jornal Estado de Minas (“EM-
Ecológico”, 7/5/2001, p. 1): “Somos o maior poluidor do mun-
do. Mas, se for preciso, vamos poluir ainda mais para evitar uma
recessão na economia americana”. (Frase dita por George W.
Bush em seu primeiro encontro com o Presidente FHC, em Wa-
shington). Se esse prepotente presidente americano não tem ne-
nhum escrúpulo em atentar contra a natureza de seu próprio
país, imagine o que fará fora de seus limites territoriais.
194
O Instituto de Pesquisa do Tríplice Ecossistema
Para dar suporte aos países sul-americanos, com vistas à
proteção do seu patrimônio natural, ante as ameaças alienígenas,
é necessário que se crie o Instituto de Pesquisa do Tríplice
Ecossistema (IPTEc) para, juntamente com o Instituto Nacional
de Pesquisa da Amazônia (INPA) e o Instituto Nacional de Pes-
quisas Espaciais (INPE), desenvolver projetos de cooperação ci-
entífica e tecnológica com as universidades e centros de pesqui-
sas do País e da América do Sul. Para se ter uma idéia da grandeza
do potencial econômico da biodiversidade sul-americana e o ta-
manho do prejuízo para o Brasil da não existência de um diploma
legal para regulamentar sua exploração de maneira racional e evi-
tar a biopirataria, basta atentar para os seguintes dados citados
pelo Jornal Estado de Minas:
É muito difícil dimensionar o prejuízo ou quanto o Brasil deixa de
ganhar com a biodiversidade da Amazônia Legal. Em recente
pesquisa da revista científica Nature, o valor dos serviços propor-
cionados pela biodiversidade mundial alcança a fabulosa cifra de
US$33 trilhões, quase o dobro do PIB mundial. O consultor do
Ministério do Meio Ambiente, Mário Miranda Santos, através de
um detalhado relatório ao qual o ESTADO DE MINAS teve aces-
so, revela o enorme potencial econômico, caso sejam
implementados investimentos. Com planejamento, investimento e
pesquisa, o Brasil pode morder uma grande fatia do bolo de 800
bilhões aferidos atualmente pela biotecnologia nas áreas de saúde
humana e animal, produção agrícola e industrial. Ele cita dois exem-
plos: o controle biológico da lagarta da soja, por meio de baculovirus
anticarsia, gera economia anual de US$200 milhões aos plantadores
brasileiros. Outros US$100 milhões de economia referem-se ao
controle da cigarrinha da cana-de-açúcar com o uso de parasitóides.
As duas pesquisas foram conduzidas por cientistas brasileiros e
vão gerar receitas através de royalties.

A liderança do Brasil na América do Sul

Na falta de uma liderança política e econômica do Brasil na


América do Sul, as intromissões dos Estados Unidos nas ques-
195
tões internas dos países sul-americanos neste início de milênio
são feitas às claras, não só no plano econômico, mas também no
político, como está acontecendo na Venezuela de Hugo Chávez,
na guerra civil colombiana, onde grupos guerrilheiros atuam em
várias frentes, em países fragilizados economicamente como a
Argentina e a Bolívia, isso sem contar o próprio Brasil. A conse-
qüência dessa perda de soberania pode ser vista no noticiário da
imprensa, que registra as várias facetas da intervenção americana
na América do Sul e o apelo de líderes políticos sul-americanos
para que o Brasil assuma a liderança que lhe cabe como maior
país do continente.
A propósito da crise venezuelana e o papel do Brasil nesse
processo, eis o que escreveram, na Coluna “Brasil S/A” do Jornal
Estado de Minas (14/7/2002, p. 7), os jornalistas Nirlando Beirão
e Antônio Machado:
Chávez vestiu a camisa – Não deve estar fácil a vida de Hugo
Chávez, presidente da Venezuela. Três meses depois de sobrevi-
ver a uma frustrada tentativa de golpe, volta a ter à sua volta a
insatisfação da elite criolla e da classe média de olho posto em
Miami. A um graduado funcionário do Itamaraty que andou por
Caracas, Chávez acenou com um pedido ansioso de amparo po-
lítico por parte do Brasil. O argumento é que foi meio esquisito
pelos padrões da diplomacia: o venezuelano lembrou que, de
todos os dirigentes do mundo, ele foi o único que, no domingo
do penta, vestiu em público a camisa canarinho. É a mais pura
verdade. Nem FHC chegou a tanto.

Outro apelo ainda mais direto, e de forte conteúdo simbó-


lico, para que o Brasil assuma a liderança política do continente,
envolveu a espada libertadora de Simón Bolívar, como informou
o Jornal Folha de São Paulo, em matéria intitulada Chávez manda
espada de Bolívar como presente (8/10/2002, Caderno “Elei-
ções 2002”, p. 4):
Como presente pelo aniversário de 57 anos comemorado ante-
ontem e por sua votação no primeiro turno, o presidente da
Venezuela, Hugo Chávez , mandou para o petista Luiz Inácio Lula
da Silva uma réplica da “espada da revolução bolivariana”. É uma
peça mítica para os venezuelanos. A original, mantida desde 1974
no cofre do Banco Central do país, pertenceu ao militar revolucio-

196
nário Simón Bolívar (1783-1830), que liderou a independência
da Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia. Lula recebeu o
presente de parlamentares venezuelanos. A réplica veio acompa-
nhada de uma mensagem pessoal de Chávez ao petista: “No Bra-
sil, a revolução será iniciada por meio da eleição de Lula”, afirma
o texto. Anteotem, Chávez já havia usado seu programa em ca-
deia nacional de televisão na Venezuela, chamado “Alô, Presi-
dente”, para enviar mensagem de aniversário a Lula, lembrando
que a data coincidia com as eleições: “Milhões de brasileiros
devem estar votando em suas esperanças, em suas idéias, pacifi-
camente e na democracia. Boa sorte e o povo decidirá quem deve
ser o próximo presidente do Brasil. Brasil e Venezuela vão em
direção a um futuro comum no século 21”.
Mais adiante a reportagem informa:
As relações entre Lula e Chávez estão no centro das preocupa-
ções dos Estados Unidos. Foi um dos principais temas questio-
nados pelo embaixador Richard Haass, diretor do Escritório de
Planejamento de Políticas do Departamento de Estado dos EUA
(assessor do secretário de Estado, Colin Powell), durante reu-
nião com petistas no final de agosto.
Para harmonizar os interesses em jogo e preservar a sobe-
rania dos países sul-americanos e o fortalecimento do Mercosul,
é necessário um planejamento estratégico que contemple proje-
tos de desenvolvimento econômico e social do continente, a cur-
to, médio e longo prazos, antes de se atender às necessidades de
outros continentes ou de criação de outros blocos econômicos
como a Alca, por exemplo.

A Área de Livre Comércio das Américas


A esse respeito nada mais oportuno do que transcrever,
mesmo que parcialmente, a seguinte entrevista de Moniz Bandei-
ra à jornalista Bertha Maakaroun (Estado de Minas, 22/7/2002,
p. 8):
O governo norte-americano pretende anexar toda a América La-
tina a seu espaço econômico e subordiná-la a seu mando políti-
co-militar, por meio da Área de Livre Comércio das Américas

197
(Alca). A Alca é nociva aos interesses do País e já passa da hora
de o Brasil suspender as negociações com os Estados Unidos. A
opinião é do professor titular aposentado da UNB, Luiz Alberto
Vianna de Moniz Bandeira, doutor em Ciência Política, conside-
rado um dos maiores especialistas brasileiros sobre as relações
internacionais do Brasil em sua perspectiva histórica. Para ele, há
a hipótese de que os Estados Unidos tenham abandonado a Ar-
gentina para, indiretamente, debilitar o Brasil e o Mercosul, pavi-
mentando o caminho da Alca. Apesar das dificuldades
conjunturais, o Mercosul não irá morrer, prevê. Vai sofrer atra-
sos, poder até ser modificado, mas subsistirá porque há interes-
ses muito grandes, há tratados firmados, considera. O cientista
político defende, desde 1990, que a proposta do Mercosul seja
estendida à África do Sul, a porta de entrada para a África negra.
O Brasil também deve partir para um entendimento de maior
profundidade com a Índia, a Rússia e, sobretudo, a China. Na
china é que está o futuro, acrescenta. Moniz Bandeira, que vive
na Alemanha, tem mais de 20 obras publicadas e prepara-se para
o lançamento de um novo livro pela editora Revan: A Tríplice
Aliança e o Mercosul.

Interesses estratégicos

O ano de 2003 desponta como marco inicial de uma nova


ordem econômica e social para o Brasil e a América do Sul, e
assinala também que finalmente o Brasil acordou do secular sono
“esplêndido” para a realidade continental, como informou o Jor-
nal Estado de Minas (22/6/2003, p. 3):
“O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu receber um
sinal verde para seu projeto de liderança na América do Sul de
quem mais poderia se preocupar com as investidas de um gover-
no de centro-esquerda pela região. Em uma conversa reservada
de 30 minutos com o presidente dos Estados Unidos, George
W. Bush, sexta-feira, em Washington, Lula enfatizou como a
integração econômica e comercial pode trazer crescimento e es-
tabilidade política para a região, com o cuidado de indicar a seu
parceiro o quanto esse projeto pode se converter em um bom
negócio para as companhias americanas. [...] Mergulharam nas
198
dificuldades enfrentadas pela Colômbia e Venezuela e, além da
América do Sul, conversaram sobre o processo de paz no Orien-
te Médio. Bush, entretanto, mostrou-se particularmente interes-
sado em conhecer a iniciativa do Brasil de estreitar suas relações
com a África e de montar um clube com os demais países mons-
tros – as economias em desenvolvimento com população e terri-
tórios imensos e boa parcela de influência nas suas regiões e no
plano internacional, como África do Sul, Índia, China e Rússia,
com os quais o Brasil pretende montar o Grupo dos Cinco. O
Brasil não quer manter uma relação hegemônica, mas de genero-
sidade com os parceiros mais fracos, afirmou Lula, logo depois
das reuniões e do almoço com Bush, na Casa Branca”.

Em que pese a importância que o Brasil atribui a esse en-


contro, o mesmo parece não acontecer do lado americano, como
mostra a seguinte nota que acompanha a mesma reportagem:
O encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presi-
dente dos EUA, George W. Bush, foi praticamente ignorado pela
grande imprensa americana ontem. Apenas o Jornal Washington
Post publicou uma pequena nota, na seção Washington in brief,
sobre a reunião realizada anteontem na Casa Branca. Já o The
New York Times, em sua edição veiculada em Washington, não
trouxe qualquer referência ao encontro. O USA Today também
não mencionou a reunião em sua edição de ontem.

A Associação dos Países Sul-Americanos

Nesse contexto é uma prioridade para os países da Améri-


ca do Sul criarem a Associação dos Países Sul-Americanos
(APASUL) para fazerem valer seus interesses, que, em muitos
aspectos, diferem dos da América do Norte, particularmente no
controle e exploração da biodiversidade da América do Sul e por
extensão do Tríplice Ecossistema. Neste aspecto é bom lembrar
que esse distanciamento reflete uma particularidade do substrato
telúrico que condiciona essa divisão, pois a Placa Tectônica da
América do Sul é separada da Placa Tectônica da América do
Norte pela zona de instabilidade do Caribe, formando assim am-
199
bientes geológicos distintos. Essa proteção natural do continen-
te sul-americano, em sua porção Norte, é reforçada por outros
elementos, como a Cordilheira dos Andes, a oeste, que, segun-
do o guia de Dom Bosco, “são como balizas, são um limite”, a
calota polar, ao sul, e os oceanos Atlântico e Pacífico, que, jun-
tos, formam um excepcional e formidável cinturão de defesa da
América do Sul contra agressões vindas de todos os quadrantes
do globo.
Mas para que a APASUL seja um instrumento de defesa
continental, ela deve ser concebida como um foro especial no
qual somente os presidentes sul-americanos tenham assento e na
qual possam discutir livremente os problemas do continente e os
relacionados a cada país, mas que direta ou indiretamente inte-
ressam aos demais, sem a rigidez do protocolo internacional.
Essa estrutura tem a finalidade de preparar a agenda dos assun-
tos a serem tratados em foros especiais como a OEA, a ONU e,
mesmo, com o MERCOSUL, pois cada uma dessas instituições
tem suas finalidades próprias e são regidas por tratados interna-
cionais e, portanto, engessadas burocraticamente.

A Farmacopéia Brasiliense e o
futuro da Nação
A defesa dos recursos naturais da Terra Brasilis, e por ex-
tensão da América do Sul, contra a exploração alienígena está a
exigir da sociedade brasileira e sul-americana uma tomada de
posição para defesa de um patrimônio que é comum a todos,
especialmente por parte dos brasileiros, sob pena de o Brasil
continuar sendo apenas “o país do futuro”. O alerta contra essa
espoliação foi dado pelo Jornal Estado de Minas em matéria
intitulada Amazônia invadida por piratas internacionais (15/9/
2002, p. 1,14-15):
O Brasil perde, anualmente, US$5,4 bilhões com a biopirataria
na Amazônia. Supostos cientistas, missionários e ambientalistas,
a serviço de empresas multinacionais, retiram de animais e plan-
tas da região a matéria-prima para a produção de remédios e

200
cosméticos. Os piratas pagam apenas US$1 por um quilo de
folhas de jaborandi, que transforma-se em uma substância vendi-
da por US$1,7 mil o quilo, no mercado internacional. O Ibama
admite não ter condições de conter o tráfico.

Nessa mesma edição, em editorial (p.16), esse jornal alertou


ser a reportagem Piratas da Amazônia
“[...] um cartaz gritante contra a incapacidade dos governos e
omissões das elites acadêmicas, políticas e da própria cidadania.
Cálculos feitos por especialistas falam de um tesouro avaliado em
US$2 trilhões – riqueza esta representada pela flora e fauna da
Amazônia –, alvo de saques por piratas a soldo de interesses
alienígenas. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) cons-
tata que pelo menos 3 mil ‘cientistas’ e ‘pesquisadores’ invadi-
ram a Amazônia brasileira, em evidente trabalho de coleta de
material para estudos científicos. Os fiscais dizem que não há
como calcular o número e volume de espécies animais e vegetais
contrabandeados. Um laboratório alemão já patenteou um remé-
dio extraído da folha do jaborandi. E sabe-se que uma cobra
coral – de cujo veneno se retira poderoso anestésico – é vendida
no mercado internacional por US$ 31 mil, mas aqui é comprada
por apenas R$200”.

Um caso notório, segundo Wagner Seixas, autor dessa re-


portagem,
“foi a recente descoberta da fantástica propriedade anestésica
retirada do veneno do sapo epipedobates tricolor, encontrado
só na Amazônia. O analgésico é muito mais potente do que a
morfina e sem seus efeitos colaterais. A comunidade científica,
diante do achado, crê numa nova era para a medicina cirúrgica.
O Laboratório Abbott (EUA) apropriou-se da ‘fórmula’, paten-
teou seu princípio ativo e o Brasil não recebe um centavo de
royalties. Se quiser usar o produto, terá de pagar muito caro, diz
a senadora Marina Silva (PT/AC), autora de uma lei aprovada no
Senado e que se arrasta na Câmara Federal.
[...] Embora signatário com outros 181 países da Convenção de
Biodiversidade (CDB) – os EUA não assinaram –, o Brasil tenta
com este acordo barrar a ação dos piratas. As leis são tímidas e
brandas. A fiscalização é ineficiente e a fórmula mais eficaz en-
contrada até agora pelo governo é gerar desconforto burocráti-
201
co. Porém, nada que evite a biopirataria, diz a senadora Marina
Silva”.
A solução para uma situação explosiva como essa passa
necessariamente pela criação da Farmacopéia Brasiliense, uma
entidade jurídica de direito público, vinculada ao Tesouro Nacio-
nal, depositário fiel de todo patrimônio natural da nação brasilei-
ra. A essa instituição federal seria atribuída, constitucionalmen-
te, todos os direitos sobre a exploração da biodiversidade que
ocorre em todo o território brasileiro (no continente, na plata-
forma continental e em suas águas territoriais). Para explorar es-
ses recursos naturais, quaisquer que sejam suas origens e finali-
dades, todo interessado, pessoa física ou jurídica, nacional ou
estrangeira, teria de solicitar uma autorização à Farmacopéia
Brasiliense, a qual seria concedida mediante o pagamento de
royalties, fixados em lei ordinária, e com a condição de que todas
as pesquisas fossem feitas em território brasileiro, cabendo ao
Governo Federal, por meio de seus órgãos próprios, expedir as
patentes solicitadas.
Para incentivar as pesquisas e a industrialização dessa
biodiversidade em território brasileiro, o Governo Federal isen-
taria de impostos todas as pessoas físicas e jurídicas, nacionais
ou estrangeiras, que se enquadrassem nas normas da Farmacopéia
Brasiliense. Para fazer valer esses instrumentos legais, o governo
brasileiro não reconheceria nenhuma patente sobre a
biodiversidade natural do País que não fosse aqui registrada, e
reconheceria como nacional todas as registradas no Brasil, mes-
mo que as pesquisas fossem desenvolvidas no exterior ou ali pa-
tenteadas, bastando para isso que quaisquer pessoas físicas ou
jurídicas as solicitassem. Assim sendo, todas as entidades, nacio-
nais ou estrangeiras, que desrespeitassem essas leis e insistissem
em patentear no exterior e fazer valer eventuais direitos sobre
quaisquer elementos da biodiversidade brasileira teriam quebra-
do, como represália comercial, suas patentes em todo o territó-
rio nacional, declarando o Governo Federal seus produtos de
domínio público para todos os fins.
202
A soberania dos países sul-americanos

Para preservar a soberania dos países sul-americanos não


basta somente discursos, é necessário que os países da América
do Sul, além de criarem a APASUL, dominem também o ciclo do
átomo e conquistem o espaço exterior, pois numa sociedade
globalizada em que países miseráveis e populosos da Ásia já atin-
giram esse estágio tecnológico, a soberania dos povos deste con-
tinente já está seriamente comprometida. O caminho para supe-
rar esse atraso está em rever os acordos que manietam os países
sul-americanos, seguindo assim o exemplo dos Estados Unidos
da América, que, para satisfazer seus interesses estratégicos, es-
tão denunciando tratados militares firmados com a Rússia e se
recusando a ratificar o Protocolo de Kyoto, consenso internacio-
nal que visa a minimizar o aquecimento climático por meio da
redução das emissões dos gases-estufa.
Segundo editorial do Jornal Folha de São Paulo (28/7/2001,
p. A-2),
os EUA sob George W. Bush não cessam de surpreender o mun-
do. Primeiro foram a retirada unilateral do Protocolo de Kyoto e
a ameaça de ignorar, também por conta própria, o Tratado de
Mísseis Antibalísticos (TAB), a pedra angular do controle de ar-
mas nucleares. Mais recentemente vieram a negativa em partici-
par de um acordo sob os auspícios das Nações Unidas para coi-
bir o tráfico internacional de armas e, agora, a recusa em assinar
um protocolo para implementar a proibição das armas biológi-
cas.

E tem mais (p. A-10):


Os EUA ameaçam boicotar a conferência da ONU sobre racis-
mo, que será realizada em Durban, na África do Sul, de 31 de
agosto a 7 de setembro deste ano, porque o governo americano
se opõe a dois itens que podem estar na pauta do encontro: as
reparações pela escravidão e as tentativas de ligar o sionismo
(movimento político e religioso judaico iniciado no século 19
que visava à criação de um Estado judaico) ao racismo contra
árabes.

203
Aliás, nessa questão de tratados e assemelhados, os norte-
americanos são mestres em mudar as regras do jogo sempre que
isso favoreça seus interesses, como bem o sabem os índios da-
quele país.
Outros fatos decorrentes da política externa norte-ameri-
cana, como os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001,
reforçam a necessidade de os países sul-americanos adotarem
uma política de defesa autônoma e estabelecerem um mercado
comum, independentemente dos acordos firmados sob a égide
da OEA e dos planos de criação da Alca. A propósito, eis o que
escreveu John Edwin Mein, no Jornal Folha de São Paulo (29/9/
2001, p. A3):
Não se pode ignorar que a negociação para a constituição da
Alca é agora mais difícil. A terrível agressão sofrida pelos EUA
mudou a doutrina de segurança nacional americana, e, portanto,
a lógica das negociações políticas. A lógica que levou os america-
nos a propor a integração hemisférica surgiu no início da década
de 1990 como resultado da necessidade de uma nova doutrina
de segurança nacional. Com o fim da Guerra Fria, a doutrina de
contenção do comunismo já não servia como doutrina de segu-
rança nacional. Foi então desenvolvida a doutrina de segurança
via força da economia. Seu principal instrumento seria o comér-
cio internacional. Essa nova doutrina levou ao surgimento do
Nafta, assim como das teses do então vice-ministro do Comér-
cio, Jeffrey Gartner, sobre a atenção especial que os EUA deveri-
am dedicar aos dez países emergentes (entre eles o Brasil).
Essa doutrina, juntamente com a globalização, está agora
sujeita à revisão, inclusive a segurança das fronteiras, como in-
formou Stephen Roach, em artigo publicado neste mesmo jornal,
no dia 30 de setembro de 2001 (Folha de São Paulo, p. B5):
“As pegadas da globalização deixaram uma trilha óbvia na paisa-
gem mundial ao longo da década passada. Mas os ataques terro-
ristas de 11 de setembro e suas conseqüências podem causar o
fim delas. Na esfera econômica e financeira, a globalização envol-
ve basicamente uma maior conectividade entre as fronteiras. [...]
Mas a regras do jogo mudaram. O terrorismo sabotou as engre-
nagens da conectividade internacional, e o mundo da globalização,
onde as fricções vinham diminuindo, está sob ameaça. Os aconte-

204
cimentos trágicos do dia 11 de setembro na verdade impuseram
um novo tributo a esses fluxos. A segurança das fronteiras nacio-
nais terá de ser reforçada, agora uma empreitada custosa. Isso
afetará mais que os aeroportos e portos. As porosas fronteiras
dos EUA com Canadá e México, que conduziam os elos do Nafta
aparentemente sem nenhum obstáculo, também terão controles
mais severos”.

A estratégia de defesa da América do Sul


Para fazer face à nova estratégia globalizante das potências
dominantes, particularmente dos Estados Unidos da América, e
se colocarem como atores ativos desse processo e não meros
figurantes, os países sul-americanos devem se unir num bloco
coeso para formularem uma estratégia de defesa da América do
Sul e assim garantirem um lugar ao sol no concerto das nações.
Do ato de prepotência que foi a recolonização do Iraque pelos
Bushs (pai e filho), ficou uma contundente lição para o Brasil e
demais países sul-americanos: a de que não devem apoiar-se na
ONU e nem se fiarem em tratados para manter sua soberania e
defender suas riquezas e integridade territorial. Para isso, são
necessários meios próprios de dissuasão, como bem exemplifica
a minúscula Coréia do Norte com seu poder nuclear e o desen-
volvimento, em curso, da miniaturização de bombas atômicas,
precursoras do ATOMITO, a dinamite nuclear do terceiro milê-
nio, o qual, além de tornar absoleta toda a parafernália antimísseis
das superpotências, nivelará, por baixo, o poderio bélico das
nações.

Energia nuclear
Nesse contexto uma nova política de energia nuclear deve
ser adotada, principalmente no que diz respeito à construção e
operacionalização de usinas atômicas. Estas usinas, monopólio
estatal gerido pela Eletronuclear, devem ser implantadas prefe-
rencialmente no Polígono das Secas, que compreende a maior
205
parte da Região Nordeste do País e o Norte de Minas Gerais.
Nessa vasta área deverão também ser construídos depósitos de
resíduos nucleares, as indústrias químicas, bioquímicas e nuclea-
res, as quais por motivos de segurança evitam regiões povoadas e
procuram locais isolados para se instalarem. A localização desses
empreendimentos em áreas inóspitas e de baixa densidade
demográfica, portanto longe dos centros urbanos, facilitará não
só o controle de quaisquer tipos de acidentes, como também a
remoção das pessoas para zonas de segurança, fora dos limites
dessas instalações.
Para que todo esse processo seja feito com a máxima segu-
rança, o Polígono das Secas deverá ser declarado Área de Segu-
rança Nacional e colocada sob jurisdição do Ministério da Defe-
sa, para que este controle todas as atividades ali existentes. Com
base nesse diploma legal, esse ministério poderá selecionar, por
meio de satélites especializados e outros mecanismos existentes,
áreas próprias para cada atividade, levando-se em conta condi-
ções climáticas, geográficas, hidrogeológicas, aptidão dos solos
e preservação do meio ambiente. Para essa ampla e sofrida re-
gião, a descoberta dessa nova vocação poderá libertá-la do dra-
ma da seca, que não é apenas um fenômeno eventual, mas uma
característica permanente, regulada que é por fatores
meteorológicos de âmbito mundial. Outra opção que poderá re-
forçar essa vocação para instalação de atividades que requerem
isolamento é a construção de presídios federais de segurança
máxima, destinados a acolher indivíduos perigosos para o Estado
e para as comunidades onde vivem. Estes estabelecimentos pe-
nais seriam construídos dentro de uma nova concepção, onde
campos minados os cercariam impedindo quaisquer possibilida-
des de fugas ou tentativas de assalto para libertar prisioneiros.
Estas áreas de exclusão seriam controladas pelas Forças Arma-
das, que as usariam para treinamento de tropas de assalto e tes-
tes de novas armadilhas. Além dessas atividades, o Ministério da
Defesa transferiria para o Polígono das Secas os campos de testes
de armamentos, manobras militares e exercícios das tropas, hoje
espalhados pelo País.
206
Pequenas usinas nucleares
Para maior confiabilidade no sistema nuclear do País, deve-
se investir no desenvolvimento de pequenas usinas, inclusive de
Tório, com tecnologia nacional, e espalhá-las pela região do
Polígono das Secas, evitando-se concentrá-las numa determinada
área, como em Angra dos Reis, por exemplo. Simultaneamente
com essas medidas, deve-se sustar a construção das usinas de
grande porte de tecnologia importada, como as usinas Angra 1,
2 e 3 e reprogramá-las para utilizarem gás de petróleo, abundan-
te nessa região, a começar por Angra 3, cujos equipamentos, já
pagos, encontram-se armazenados à espera de uma definição sobre
sua construção. A propósito dessa sugestão de construir peque-
nas usinas nucleares, transcrevo abaixo duas notícias publicadas
pelo Jornal Estado de Minas, as quais, se analisadas em conjunto,
podem indicar o caminho para a concretização desse objetivo,
num prazo relativamente curto.
A primeira trata-se de uma reportagem de Maurício Atahyde,
intitulada Submarinos russos para atacar o racionamento (Estado
de Minas, 8/6/2001, p. 9):
Cerca de 80 submarinos nucleares russos poderão ser usados
num verdadeiro ataque ao apagão brasileiro. A proposta foi feita
à Câmara de Gestão da Crise de Energia (CGCE) pelo deputado
Antônio Cambraia (PSDB-CE), presidente da recém-criada Co-
missão Mista do Congresso para a Crise Energética. Segundo o
parlamentar, com uma pequena adaptação, os submarinos milita-
res poderiam ser usados como usinas atômicas de energia.
Cambraia disse que levou a proposta aos membros da CGCE,
que ficaram de analisar a sugestão. Segundo ele, cerca de 80
submarinos russos, construídos entre 1990 e 1995, estão pra-
ticamente encostados em bases militares sem participar de ne-
nhuma operação por falta de recursos. Esses equipamentos es-
tão recebendo apenas manutenção periódica, mas não estão sen-
do usados em nenhuma operação militar e poderiam ser arrenda-
dos pelo governo brasileiro para serem transformados em usi-
nas, disse ele. Pela proposta de Cambraia, o governo brasileiro
poderia propor à Rússia um aluguel dos submarinos. Cambraia
disse que os de menor porte são capazes de fornecer energia
para um município de até 200 mil habitantes e os maiores po-

207
dem atender cidades de até 700 mil habitantes. O deputado afir-
mou ainda que essas adaptações já estão sendo feitas na própria
Rússia. Segundo Cambraia, a cidade de Petrogrado tem parte de
sua energia fornecida por um desses submarinos e algumas
regiões da Sibéria são quase que totalmente abastecidas por es-
ses equipamentos adaptados. É claro que essa operação no Brasil
seria feita com todo o cuidado, principalmente no que diz respei-
to à segurança nacional e ao meio ambiente, afirmou Cambraia.
Ele ressaltou ainda que sua proposta não seria a utilização per-
manente desses submarinos. O uso desses equipamentos seria
apenas durante esse período emergencial que estamos passando,
disse, referindo-se à crise de energia.
A segunda foi publicada no Estado de Minas de 23/6/
2001, p. 10:
Na maior moita, como deve ser nesta seara, o Brasil está muito
perto de dominar o ciclo completo de fabricação de urânio em
escala industrial, ingressando num clube fechadíssimo do qual
fazem parte apenas as grandes potências e países com histórico
de conflitos regionais como Índia, Paquistão, Israel, Coréia do
Norte e Iraque. O último passo foi selado pelo Ministério das
Minas e Energia com o consórcio EBE, do grupo que reúne as
empreiteiras Carioca Engenharia e Engevix, para a construção da
infra-estrutura e instalação de equipamentos na fábrica das In-
dústrias Nucleares Brasileiras em Resende, Estado do Rio. A obra
deve estar concluída até o início de 2002, com início de opera-
ções em meados do ano. A INB passará a produzir no Brasil 94%
de todo o ciclo para enriquecimento de urânio, garantindo o
fornecimento praticamente sem dependência externa das duas
centrais nucleares de Angra dos Reis e do primeiro submarino
nuclear brasileiro a cargo da Marinha. Para fechar o processo,
falta apenas a transformação da massa enriquecida de urânio,
chamada de yellow cake, em gás, que ainda continuará processa-
da no exterior. A produção inicial será de 20.000 toneladas,
pulando para 120.000 quatro anos depois.
Contudo uma nova política de energia nuclear não deve
contemplar somente esses aspectos fundamentais, é necessário ir
muito mais longe e investir pesado em pesquisas científicas e
tecnológicas para que o País não fique para trás na corrida pelo
completo domínio desse tipo de energia. Para se ter idéia do
208
quanto o Brasil está atrasado nas pesquisas nucleares, basta aten-
tar para a seguinte notícia publicada no Jornal Estado de Minas
(29/6/2005, p. 20):
A fusão nuclear controlada, a ser pesquisada no Reator
Termonuclear Internacional Experimental (Iter), no Sul da França,
representa a última aventura dos físicos para dotar o mundo de
uma energia mais limpa e ilimitada. A fusão termonuclear, que
pretende imitar o que acontece no interior do Sol, é objeto de
profundas pesquisas há anos. Os cientistas tentam fazer com que
os núcleos de dois isótopos de hidrogênio se unam para formar
hélio, gerando uma grande quantidade de energia. Enquanto a
fissão nuclear, ou seja, a fragmentação do átomo para obter ener-
gia, é perfeitamente controlada há décadas, a fusão é uma técnica
que não se domina em absoluto. Para isso, o programa Iter, que
reúne como sócios União Européia, Rússia, China, Japão, Esta-
dos Unidos e Coréia do Sul, conta com um orçamento de 10
bilhões de euros para um prazo de 30 anos. A escolha de
Cadarache, cidade do sul da França, como sede do projeto foi
anunciada ontem, depois de meses de negociações. Várias déca-
das serão necessárias para a execução de numerosos experimen-
tos e a produção de energia por essa técnica. Há 46 anos,
Cadarache participa ativamente das pesquisas internacionais so-
bre energia nuclear. No total, 4,3 mil pessoas trabalham na cen-
tral, implantada desde 1959 na cidade francesa de Saint-Paul-les-
Durance, a 70 quilômetros de Marselha”.
Mas para nosso País nem tudo está perdido nessa história,
como informa esse mesmo jornal, em sua edição do dia 30/6/
2005, p. 22:
O Brasil poderá envolver-se com o projeto do Reator Experimen-
tal Termonuclear Internacional (Iter), que vai ser montado no Sul
da França, por decisão dos seus patrocinadores – Estados Uni-
dos, União Européia, Rússia, Japão, Coréia e China –, e terá
como meta mostrar que a fusão nuclear é capaz de fornecer ele-
tricidade de forma limpa e com poucos resíduos radioativos. A
participação brasileira seria graças à reserva de nióbio localizada
em Minas Gerais – a maior do mundo, correspondente a cerca
de dois terços do total existente no planeta. O metal, um pode-
roso condutor, será usado para construir molas gigantes e gerar
um campo magnético para conduzir o processo de fusão nuclear

209
dentro do reator. Segundo o principal conselheiro científico da
Grã-Bretanha, sir David King, quando o projeto for posto em
prática, haverá um grande mercado para o nióbio. King também
lembra que há cerca de cem pesquisadores brasileiros com PhD
trabalhando no campo da fusão nuclear, que podem dar uma
grande contribuição ao projeto.

A doutrina Bush
Além do domínio completo do ciclo do átomo e da energia
nuclear, o Brasil, no resguardo de seus interesses e da comunida-
de sul-americana, deve cuidar também para que as Forças Arma-
das da América do Sul se integrem numa organização autônoma
capaz de fazer face às ameaças externas. Atrelar cegamente os
países do continente à OEA, por exemplo, significa não somente
fraqueza, como também ausência de planejamento estratégico que
leve em conta seus próprios interesses e evite subordinações às
potências alienígenas cuja geopolítica obedece a critérios própri-
os, como bem exemplifica a “doutrina Bush”.
A “doutrina Bush”, que na prática revoga a ordem mundial
vigente, baseada na autodeterminação dos povos e no respeito
aos tratados internacionais, está contida no documento intitulado
A Estratégia de Segurança Nacional do Estados Unidos, apresen-
tado pelo Presidente George W. Bush ao Congresso daquele país.
Segundo o Jornal Folha de São Paulo (21/9/2002, p. A1-14), a
“nova doutrina americana diz que país deve ser forte o suficiente
para dissuadir adversários de tentar igualar poderio”. A reporta-
gem, sob o título Bush quer EUA sem rival militar, veiculou o
seguinte:
O governo dos EUA divulgou um documento afirmando que o
país não pretende nunca mais permitir que sua supremacia mili-
tar seja desafiada. O texto consolida a “doutrina Bush” ao enfatizar
a estratégia militar de agir preventiva e antecipadamente contra
Estados hostis e grupos terroristas. No documento, George W.
Bush afirma que “o presidente não pretende permitir que nenhu-
ma potência estrangeira diminua a enorme dianteira militar assu-
mida pelos EUA desde a queda da URSS”. “Nossas forças serão

210
suficientemente fortes”, diz o documento, “para dissuadir po-
tenciais adversários de buscar desenvolvimento militar na espe-
rança de ultrapassar, ou igualar, o poder dos EUA”. Pelo docu-
mento, não existe outra forma de conter aqueles que “odeiam os
EUA e tudo o que eles representam”. O documento trata ainda
de como a diplomacia, a assistência a outros países, o FMI e o
Banco Mundial podem ser usados para vencer valores e idéias
concorrentes.
A nova doutrina americana é assim resumida pelo referido
jornal:
1) Ataque unilateral - “Ao mesmo tempo em que os EUA sempre
se esforçarão para conquistar o apoio internacional, não vamos
hesitar em agir sozinhos, se necessário, para exercer o nosso
direito de autodefesa agindo de forma preventiva”;
2) Ataque preventivo – “Em vista dos objetivos de Estados de-
linqüentes e terroristas, os EUA não podem mais depender so-
mente de uma postura relativa como no passado [...] Para evitar
atos hostis de nossos adversários, os EUA vão, se necessário,
agir preventivamente”;
3) Poderio militar - “Nossas forças serão suficientemente fortes
para dissuadir potenciais adversários de buscar desenvolvimento
militar na esperança de ultrapassar, ou igualar, o poder dos Esta-
dos Unidos”.

Essa matéria, de David E. Sanger, do The New York Times,


informou o seguinte:
“Um documento divulgado ontem pelo governo americano ma-
terializa a ‘doutrina Bush’, isto é, enfatiza a estratégia militar de
ações preventivas e antecipadas contra Estados hostis e grupos
terroristas. O documento também afirma, pela primeira vez, que
os EUA não pretendem nunca mais permitir que sua supremacia
militar seja desafiada. [...] O texto apresenta uma abordagem
muito mais agressiva em relação à segurança nacional do qual-
quer outro desde a era Reagan. Ele inclui o fim da maioria dos
tratados de não-proliferação nuclear em favor da
‘contraproliferação’, referência a tudo, desde defesa antimísseis
até o desmantelamento forçado de armas ou seus componentes.
Declara que as estratégias de contenção, elementos básicos da
política americana desde a década de 40, deixaram de existir.
Não há outra forma, neste mundo transformado, diz o documen-

211
to, de conter aqueles que ‘odeiam os Estados Unidos e tudo o
que eles representam’. [...] A doutrina parece visar potências em
ascensão, como a China. Boa parte do documento trata de como
a diplomacia pública, o uso da assistência a outros países e mu-
danças no FMI e no Banco Mundial podem ser usadas para ven-
cer o que o texto descreve como uma batalha em torno de valo-
res e idéias concorrentes – incluído a ‘batalha pelo futuro do
mundo muçulmano’. [...] A nova estratégia representa uma mu-
dança significativa em relação à última, de Bill Clinton, no final de
1999. Enquanto Clinton se baseava em grande medida na
implementação ou emenda de uma série de tratados internacio-
nais, Bush simplesmente deixa de lado a maioria desses esfor-
ços”.

Sob o título Documento tenta preencher vácuo pós-guerra


fria, o jornalista Marcelo Starobinas, da Folha de São Paulo, co-
mentou nessa mesma edição:
A nova estratégia de segurança nacional revela uma tentativa dos
EUA de inaugurar uma nova era nas relações internacionais. Des-
de o fim da Guerra Fria, os governos americanos buscam uma
doutrina capaz de substituir a da “contenção”, que colocava
Washington como responsável por proteger o “mundo livre” da
expansão do comunismo soviético. O colapso da URSS (1991)
deixou os americanos órfãos de uma ideologia que, ao mesmo
tempo, definisse a “missão” dos EUA no mundo e norteasse a
sua política externa. O 11 de setembro forneceu ao alto escalão
da Casa Branca o elemento que faltava para a consolidação de
uma doutrina capaz de preencher esse vácuo. Assim como na
luta anticomunista, a “cruzada” antiterrorista preconizada no
documento obedece à seguinte premissa: o mundo é cheio de
perigos; só os EUA, com seu poderio militar e ideais democráti-
cos e de livre mercado, podem salvar a “civilização” das “amea-
ças”. Não há meio-termo, afirma Washington: vocês estão
conosco ou com os fanáticos e os “Estados delinqüentes” que
os apóiam. “Os aliados do terror são os inimigos da civilização”,
diz Bush. Ao mesmo tempo, a doutrina Bush tenta enterrar al-
guns dos pilares geopolíticos do século 20 – como o conceito da
“destruição mútua assegurada”, que ajudou a evitar a hecatombe
nuclear. Os formuladores da política externa americana dizem
com todas a letras: vamos “dissuadir potenciais adversários de
buscar desenvolvimento militar na esperança de ultrapassar, ou

212
igualar, o poder dos EUA”. Ou seja, se depender de seus esfor-
ços, o mundo unipolar pós-Guerra Fria continuará unipolar, com
uma só superpotência. Outro ponto a ser destacado: Bush tenta
legitimar os “ataques preventivos” contra inimigos detentores
de armas de destruição em massa. Dado o momento histórico,
parece ser mero casuísmo: uma justificativa para derrubar o regi-
me do Iraque. O princípio, porém, sobreviverá a Saddam Hussein.
E poderá ser usado a cada vez que os EUA entenderem que o
uso da força seja melhor opção para a defesa de seu interesse.

A doutrina do combate ao narcotráfico

Para o Brasil e demais países sul-americanos, essa nova


doutrina – posta em prática pelos Estados Unidos em março de
2003, quando atacou o Iraque sem o aval das Nações Unidas,
afrontando inclusive a opinião pública mundial – livrou o conti-
nente de uma doutrina mais perigosa ainda e que estava em ges-
tação quando ocorreu o ataque ao World Trade Center: a doutri-
na de combate ao narcotráfico. No dia em que ocorreu esse fatí-
dico atentado, 11 de setembro de 2001, o Secretário de Estado
dos EUA, Colin Powell, estava na capital do Peru com a missão de
instrumentalizar essa doutrina quando teve de interromper suas
confabulações e regressar às pressas para Washington. A partir daí
o combate ao narcotráfico, que parecia ser a prioridade número
um da política externa dos EUA, passou para segundo plano, e a
planejada intervenção na Colômbia, abortada. Com isso, os pre-
sidentes sul-americanos puderam respirar aliviados, mas, com o
surgimento da “doutrina Bush”, devem novamente se preocupar,
pois trata-se da mais nova versão da velha política do big stick,
desta vez em escala mundial. A esse respeito, eis a opinião da
escritora norte-americana Susan Sontag, segundo matéria da jor-
nalista Juliana Leão Coelho, do Jornal Estado de Minas (2/12/
2002, p. 4):
NOVO IMPÉRIO ROMANO – Os atentados do 11 de setembro
foram a desculpa ideal para o nascimento de um imperialismo
muito mais ativo e perigoso. Quando a União Soviética suicidou-

213
se, os EUA precisavam de outro inimigo internacional. Primeiro
foi uma cruzada contra os cartéis das drogas, mas não era um
inimigo suficientemente grande. Com o 11 de setembro toparam
com algo grande de verdade: o terrorismo internacional. É uma
espécie de conspiração virtual e a guerra durará eternamente.
Mas os EUA não querem salvar o mundo, não se enganem. O
que eles querem é dominar o mundo. Começarão pelo Iraque, e
não só pelo petróleo, como muita gente acha. Trata-se de verda-
deiros objetivos coloniais. Dizem que a equipe do presidente,
liderada por Donald Rumsfeld, tem um plano de ação no Oriente
Médio para os próximos 50 anos. E não se trata de influir indire-
tamente, querem mandar gente para governar, apesar de que há
uma elite militar, entre eles Colin Powel, que não está de acordo
com um exército colonial. Meu filho conhece gente do governo e
soube que há exercícios virtuais sobre como ser prefeito de Basora
(Basra, cidade do Sul do Iraque). Estou realmente pessimista.

O ato falho

Ao optar por concentrar sua atenção e recursos humanos


e financeiros nessa política colonial e priorizar seu relacionamen-
to com Israel em detrimento dos países árabes, os Estados Uni-
dos da América comprometeram seu futuro como superpotên-
cia, pois aí não vão perder apenas a batalha pela liderança no
século XXI, mas a supremacia das nações no terceiro milênio.
Este lugar será ocupado por dois blocos emergentes, bloco sul-
americano liderado pelo Brasil e o bloco asiático liderado pela
China, os quais, aproveitando esse momento em que os america-
nos colocaram a América do Sul em segundo plano e se meteram
no lodaçal do Oriente Médio, criado pela diáspora judia ao levar
para essa região o eixo belicista que desestabilizou a Europa por
séculos, traçaram políticas próprias de desenvolvimento que
mudarão os rumos da história, pois a prioridade da China são
alimentos, os quais o Brasil terá em abundância, como profetizou
Dom Bosco.
Dentro da linha belicista adotada pelos americanos e
israelitas no Oriente Médio, que mistura economia com religião,
214
destacam-se as atitudes de George W. Bush contra o Iraque, que,
segundo Gore Vidal, “está engajado numa Guerra Santa”, como
disse em entrevista à jornalista Tina Evaristo ao Estado de Minas,
sob o título Prenúncio do Armagedom (número especial, 6/4/
2003, p. 6):
Direto, provocador e polêmico. Essas são algumas características
de Gore Vidal, de 77 anos, um dos maiores escritores norte-
americanos da atualidade e crítico do expansionismo de seu país.
Depois das eleições de 2000, não hesitou em declarar que George
W. Bush roubou o assento na Casa Branca e transformou o go-
verno da nação mais poderosa do mundo numa junta de merce-
nários belicosos, cujo principal objetivo é roubar o petróleo do
Oriente Médio a qualquer custo. A guerra ao terrorismo e a caça
a Bin Laden, afirma, não passaram de pretextos para as invasões
do Afeganistão e do Iraque. Dono de uma fina ironia, Vidal des-
taca que Bush também está engajado numa Guerra Santa. Na
visão do escritor, o conflito pelo petróleo é também uma guerra
por Jesus. Ele diz que a “Junta Bush” – assim batizada por ele – é
integrada por fanáticos religiosos que, além do petróleo, buscam
o Armagedon. Numa mistura de referências políticas e religiosas
– quase sempre presentes em suas obras –, o escritor passa a
idéia de que o presidente dos Estados Unidos quer antecipar a
batalha Final dos Tempos por se considerar, ele próprio, o exér-
cito de Jesus. “Bush não está interessado no futuro do planeta
porque sua crença lhe dá a certeza de que, se destruir o mundo,
ganhará a plenitude celestial”, disse Vidal, que não descarta a
hipótese de que a “Junta” tenha intenções de dominar o mundo,
mas antecipa que esses planos serão frustrados por falta de re-
cursos financeiros, já que o presidente e seus aliados estão con-
duzindo o país à falência.

Para compreender essa postura de Bush, é necessário re-


correr ao profeta Isaías (Is 5, 19-22): “Dizem ‘que Deus ande
depressa! Faça logo o que tem a fazer, para que a gente possa ver!
E comecem logo a se realizar os planos do Santo de Israel, para a
gente ficar sabendo!’” .
Mas as profecias e as lições da história nem sempre são
bem compreendidas pelos atores do processo, haja vista a reali-
dade do Estado de Israel onde os israelitas ainda lutam com os
antigos habitantes da Terra Prometida pelo espaço vital – igno-
215
rando que agora o que está em jogo é a mensagem messiânica
que encerra e não mais territórios –, apoiados no poderio ame-
ricano, como divulgou o Jornal Estado de Minas (23/10/2003,
p.18), sob o título Israel ignora ordem da ONU:
Perguntado na Rádio de Israel se a construção (do muro de segu-
rança) iria ser suspensa, Olmert (vice-primeiro-ministro) debo-
chou e riu. “Você tem senso de humor”, respondeu ele ao apre-
sentador. E, logo em seguida, complementando a resposta, ele
disse: “Tudo relacionado a Israel consegue uma maioria automá-
tica. Temos de nos preocupar com a segurança de Israel e não
agir de acordo com as instruções de uma maioria automática
hostil. Se todo o mundo está de um lado e os Estados Unidos e
Israel estão do outro, tenho orgulho de estar do lado norte-
americano” .
Aqui novamente Isaías adverte (Is 30, 1-5):
Ai de vós, filhos rebeldes – oráculo do Senhor –: fazeis planos
que não vêm de mim, fechais acordos sem minha inspiração, acu-
mulando erros sobre erros. Tomais o caminho para descer ao
Egito, sem pedir o meu conselho; pedis proteção ao faraó e à
sombra do Egito quereis vos abrigar. Mas a proteção do faraó
será a vossa decepção, o abrigar-se à sombra do Egito será o
vosso fracasso. Mesmo que os embaixadores estejam em Tânis,
e os delegados tenham chegado a Hanes, serão todos enganados
por um povo que lhes será inútil. Não haverá ajuda ou qualquer
proveito, apenas decepção e fracasso.
Afinal de contas, diante desse quadro apocalíptico, qual a
explicação racional para a atitude dos norte-americanos e israe-
lenses de se meterem nessa enrascada de forçar o Armagedon
para dele tirar o melhor proveito, os primeiros para aumentarem
sua riqueza material e seu poderio militar e os segundos para
retomarem a posse da Terra Prometida e com isso prepararem a
vinda do Messias, que os conduzirá, como crêem, ao domínio do
mundo, embora os Cristãos afirmem que esse Messias já veio e o
retorno da diáspora judia à palestina não é nenhuma novidade,
pois já ocorreu mais de uma vez ao longo da história? Se se levar
em conta a atitude dos judeus da atualidade, que se esmeram em
destruir tudo o que pertence aos palestinos, inclusive os pró-
prios, para em seu lugar reconstruírem um passado cheio de
216
promessas, as quais desprezaram por um ato falho – o não re-
conhecimento no tempo certo da chegada do prometido Messias
–, a explicação para esse questionamento talvez possa estar no
maniqueísmo catastrófico que persegue a humanidade desde o
berço, ou seja, que, após um período de destruição, a noite,
sucede um tempo de reconstrução, o dia, quando tudo será re-
novado.
Se a essas considerações adicionarmos o fator místico, como
a vinda de um novo Messias, como esperam os judeus modernos
e certos cristãos norte-americanos, a situação no Oriente Médio
só tende a piorar, pois, como se diz, a história não se repete,
senão como farsa. Neste caso a destruição que se processa na
Terra Prometida está apenas começando e, levando-se em conta a
fúria demolidora dos israelenses, esse processo ultrapassará de
longe aquela levada a cabo pelas legiões romanas, a qual, apesar
de radical, ainda deixou intactas algumas raízes, como os alicer-
ces do segundo Templo e um resto que sobreviveu, apesar dos
pesares. Se dos escombros da destruição ocorrida há dois mil
anos surgiu a civilização cristã, fundamentada na revogação pelo
Messias da Lei de Talião (Mt 6,38-42), o que sucederá com a
que está em marcha, na medida em que as partes em conflitos –
israelenses e palestinos – reativaram essa lei e a aplicam sem
vacilação?
Como se isso não bastasse, os judeus estão deixando trans-
bordar as comportas dos ressentimentos contra a civilização oci-
dental, acumuladas ao longo desse tempo todo, fazendo com
que suas águas amargosas se espalhem pela comunidade interna-
cional envenenando e gerando desconfianças e antagonismo nas
relações cotidianas de comunidades até agora tidas como pacífi-
cas, como a inglesa, inclusive provocando tragédias como a que
afetou uma família de Gonzaga, pequena cidade mineira, que teve
um de seus filhos executados pela polícia de Londres, tensionada
que estava pelos atos terroristas provocados por elementos oriun-
dos das áreas de conflito do Oriente Médio. Segundo a impren-
sa, a forma como foi brutalmente assassinado o brasileiro Jean
Charles de Menezes, sete tiros na cabeça e um no corpo, seguiu
217
um padrão adotado pelas forças de segurança de Israel, que, na
perseguição a terroristas palestinos, procuram acertar a cabeça
do suspeito antes que este tenha tempo de acionar suas bombas.
Essa tecnologia de ponta os especialistas israelenses estão
espalhando pelo mundo, principalmente nos Estados Unidos da
América e na Inglaterra, onde em julho de 2005 foi posta em
prática de maneira desastrosa, ao abater um inocente que nada
tinha que haver com tais atentados, o jovem Jean Charles, de 27
anos. É uma filosofia que espalha o ódio ao invés do amor, con-
trariando assim o que Ele disse (Mateus 22, 37-40):
Ele respondeu: “Amarás o senhor, teu Deus, com todo o teu
coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento!”
Esse é o maior e o primeiro mandamento. Ora, o segundo lhe é
semelhante: “Amarás teu próximo como a ti mesmo”. Toda a Lei
e os Profetas dependem desses dois mandamentos.
Para se ter uma idéia dessa obsessão dos israelitas de espa-
lhar o ódio como arma de defesa, basta atentar para os seguintes
comentários de um programa de televisão (“Sem Fronteiras” –
Globo News – 29/30 jul. 2005):
Policiais de 5 cidades americanas – Nova York, Boston, Seatle,
Los Angeles e Washington –, estão indo para Israel para receber
treinamento específico para enfrentar os ataques suicidas. As vi-
agens são pagas por uma organização judaica.

A paz ameaçada

É bom que a humanidade reflita sobre isso, pois, graças à


revogação da Lei de Talião, foi possível no século XX a criação da
ONU, uma organização voltada para a paz, talvez por isso mes-
mo ignorada tanto pelos prepotentes norte-americanos quanto
pelos rancorosos israelenses que, como dinossauros revividos,
querem repetir em escala mundial o drama de seus antepassados,
que foram varridos da Judéia pelos seus aliados de então, os
romanos, por causa de seu caráter belicoso e irracional, fato de-
nunciado por Flávio Josefo (A Guerra dos Judeus), testemunha
218
ocular dessa catástrofe nacional que acarretou a destruição de
Jerusalém e do segundo templo. Aqui cabe um dito popular que
sintetiza essa situação e que serve de advertência para o aliado
mais fraco: “É o cachorro que abana o rabo e não o contrário”.
Essa postura belicista dos americanos e israelenses deve ser com-
batida com rigor, inclusive com isolamento ou expulsão desses
membros daquela organização, pois, ao se colocarem à margem
da lei internacional, essas nações põem em risco a paz mundial,
fato que merece atenção especial do Brasil e demais países da
América do Sul, um continente pacífico e desarmado, com exce-
ção da Guiana Francesa, uma extensão territorial de uma potên-
cia nuclear.
Diante desse contexto, os países sul-americanos devem re-
ver seus conceitos de defesa para garantirem sua soberania, num
mundo cada vez mais caótico, onde os tratados internacionais
são desrespeitados ou ignorados ou, alternativamente, criarem
uma nova organização mundial na qual as decisões sejam toma-
das por consenso e respeitadas por todos os estados membros,
nenhum dos quais com direito a veto, ou que misture política
com religião, como fazem, por exemplo, a Arábia Saudita e Israel,
ignorando o que Ele disse: “A César o que é de César e a Deus o
que é de Deus” (Lc 20,25). A conseqüência desta postura é
que nesses dois países há restrições à liberdade religiosa e, em
Israel, além disso, ocorrem conflitos de difíceis soluções, onde,
inclusive, existe uma bomba armada, o complexo Templo/Mes-
quita, que muitos querem detonar para provocar o Armagedon
e, com isso, apressar a vinda do Messias, pois, segundo os ju-
deus, isto acontecerá quando o Templo for reconstruído, mas,
para isso, terão que remover a mesquita, logo...
Neste particular, é bom ter em mente que esses eventos já
se realizaram, pois Herodes Magno reconstruiu esse templo, fato
que marcou a vinda do Cristo, o qual profetizou sua destruição
definitiva (Mt 24, 1-2):
Jesus saiu do tempo e foi caminhando. Os discípulos se aproxi-
maram para lhe mostrar as construções do templo. Ele então
declarou: “Não estais vendo tudo isto? Em verdade vos digo:
não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído”.

219
Portanto, não faz sentido falar em uma terceira reconstru-
ção e outra vinda do Messias, pois seria um fato repetitivo; além
disso, é bem provável que essa mesquita foi colocada sobre as
ruínas do segundo templo como uma pedra para encerrar o as-
sunto, uma pedra de tropeço para os mais afoitos.
Deve-se recordar, ainda, de que o reino universal prometi-
do pelo Messias se tornou uma realidade para a humanidade
desde o momento em que os romanos se tornaram herdeiros
dessa promessa, como profetizou o próprio Cristo (Mateus 21,
33-46), e dela tomaram posse no ano 70, ao transformarem a
Judéia em província imperial, confiada ao legado da décima le-
gião, aquartelada em Jerusalém. Aqui é bom lembrar que esses
ventos foram profetizados também por Flávio Josefo (Op. cit),
sacerdote judeu e filho de sacerdote de Jerusalém, Governador
da Galiléia e líder guerreiro, que revelou seus sonhos proféticos
aos romanos quando foi aprisionado, razão por que foi poupado
e prestigiado por seus captores, servindo assim de testemunha
dessa posse.
Insistir nessa expectativa de um terceiro templo, correndo
atrás do prejuízo, é o consolo da sinagoga estéril, aquela que não
faz prosélitos e vive voltada para si mesmo, recordando as glórias
de um passado que não volta mais e um Messias que já se fez
presente há muito tempo. Essa expectativa e a postura isolacionista
impedem que os judeus se integrem nas comunidades onde vivem,
criando com isso, problemas de toda ordem para os povos que os
acolhem, como os romanos nos primórdios do Cristianismo, ou
os europeus, que viram com alívio seu retorno para a Palestina
após a Segunda Guerra Mundial e o drama dos nativos desse ter-
ritório, que passaram a viver num verdadeiros inferno com sua
chegada, como aconteceu com seus antepassados há cerca de 3.200
anos. Essa situação é a repetição de uma saga que não tem fim, ou
seja, estrangeiros tentando se apossar de um território que não
lhes pertence e a luta dos nativos para defendê-lo.
A maioria dos povos peregrinos, ao longo da história da
humanidade, um dia assentaram-se numa região e aí criaram raízes
pela miscigenação com os naturais da terra, o que não aconteceu
com os filhos de Abraão, que, para preservarem seu grupo tribal
220
dessa mistura, inventaram o mito da “pureza racial”, veneno que
acabaram experimentando tragicamente na Europa nazista. Por
oportuno, é bom lembrar que, após a expulsão dos judeus da
Espanha e de Portugal, no final da Idade Média, por conta da
Inquisição, esses povos ibéricos alcançaram seu apogeu com as
chamadas descobertas, da qual a diáspora judia foi mantida à
distância, fato que se repetiu com a segunda Inquisição, o
holocausto nazista, responsável pela fuga em massa desse povo
peregrino da Europa, a qual coincidentemente marca o segundo
renascimento europeu, ora em seu melhor momento. Esse drama
– acolhimento/expulsão/fuga – é uma sina que persegue os hebreus
desde os primórdios de sua história, quando, num momento de
desespero, foram acolhidos pelo Faraó do Egito (Gn 47), de
onde fugiram, sorrateiramente, às pressas, sem deixar rastros,
como narra a lenda do êxodo.
Em resumo, essas histórias todas fazem lembrar um dito
popular italiano, segundo o qual seixo que muito rola não cria
limo. E mais do que isso, o fato de qualquer grupamento huma-
no, não necessariamente israelita, isolar-se da comunidade onde
vive provocará desconfianças e medidas de retaliações contra tal
modo de vida, pois esta atitude nada mais é do que um mecanis-
mo de defesa da sociedade estabelecida, que se vê ameaçada pela
formação de quistos sociais em seu meio. É semelhante ao que
ocorre com os transplantes de órgãos, em que a rejeição do
corpo estranho funciona como um mecanismo de defesa do or-
ganismo.

A estratégia do medo
e a defesa da Amazônia
Dizem os estrategistas militares que o exército que se colo-
ca em posição defensiva já é um exército derrotado, pois a me-
lhor defesa é o ataque, fato que os franceses comprovaram amar-
gamente na Segunda Guerra Mundial, com sua malfadada linha
221
Maginot. Conforme narrado no documentário The World at War
(Globosat), naquela época “o pensamento militar francês tor-
nou-se só defensivo, esquecendo-se da máxima de Napoleão: ‘O
lado que permanece dentro das fortificações já está vencido’”.
Diz o dito popular que o preço da liberdade é a eterna vigilância,
mas, neste início de milênio, um outro deve ser lembrado como
complemento natural: Se desejas a paz, prepare-se para a guerra.
Essas considerações são feitas a propósito dos treinamen-
tos militares levados a efeito na Amazônia, como informa o Jor-
nal Estado de Minas (10/10/2004, p. 15-17), em artigo intitulado
Guerra na Selva – militares brasileiros treinam táticas de guerrilha
para evitar invasão da Amazônia:
“Diante do risco praticamente inexistente de um conflito com os
vizinhos sul-americanos, as Forças Armadas brasileiras resolve-
ram concentrar sua preparação em uma hipótese encarada cada
vez mais com seriedade: a de uma invasão da Amazônia por tro-
pas de uma país militarmente muito mais forte, que, embora não
admitido oficialmente, seriam os EUA. (...) O inimigo potencial,
os EUA, possui ‘uma força militar superior’, segundo diretrizes
da Operação Ajuricaba. A possível estratégia dos EUA na inva-
são da Amazônia compreenderia um ‘combate ofensivo, com gran-
de ímpeto, buscando a decisão do conflito em curto espaço de
tempo, com um mínimo de perdas’. (...) No exercício de guerra,
as tropas norte-americanas (chamadas de ‘Partido Vermelho’) co-
meçam o ataque lançando pára-quedistas em Boa Vista,
Manacapuru e São Gabriel da Cachoeira. A partir dessas três
localidades, os ‘invasores’ começam a escalada para controlar
três dos principais pontos da Amazônia brasileira: Roraima,
Manaus e a região conhecida como Cabeça do Cachorro, na di-
visa com a Colômbia e Venezuela. (...) Adeptos da estratégia de
dissuasão, os militares brasileiros acreditam que, quanto mais
preparados para repelir o inimigo, menos provável será a guerra.
A cobiça pela Amazônia, no entanto, é o fator que leva as Forças
Armadas a estarem alertas para repelir qualquer intento de inva-
são da região”.
Essa estratégia, que cobre a região ocidental da Amazônia,
deixa a descoberto a parte oriental, a mais vulnerável a uma inva-
são por mar, a partir dos EUA, ou por terra, por intermédio da
sua aliada na OTAN, a França, que tem nessa região uma cabeça
222
de ponte cravada no território sul-americano e a cavaleiro da foz
do Rio Amazonas: a colônia das Guianas, cuja fronteira com o
Brasil é considerada a mais extensa da república francesa, como
disse o Presidente Jacques Chirac ao Presidente Lula. A propósi-
to, é bom lembrar a assertiva de que quem controla a foz de um
rio domina toda sua bacia, razão porque essa estratégica região é
defendida com unhas e dentes por quem a domina, como fizeram
com muita competência e determinação os luso-brasileiros no
século XVII, contra as tentativas de invasão da Amazônia, por
parte de britânicos e holandeses, fechando, inclusive, essa região
aos estrangeiros até 1808, construindo para isso uma série de
fortes e fortalezas em pontos estratégicos, muitos dos quais até
hoje ajudam a defendê-la. Quanto à estratégia de defesa de um
determinado alvo contra inimigos em potencial, é simbólico o
que aconteceu com Cingapura na Segunda Guerra Mundial, quan-
do os britânicos fortificaram esse domínio esperando um ataque
por mar e, para surpresa de seus defensores, os japoneses vieram
por terra, levando Churchil a dizer que jamais poderia pensar em
tal deficiência, pois seria o mesmo que lançar ao mar um navio
sem o fundo.

Os Estados predadores
Para que a defesa da Amazônia seja efetiva e, por extensão,
da América do Sul como um todo, deve-se levar em conta não só
o tamanho da empreitada e os meios disponíveis para executá-la,
como também os objetivos estratégicos que norteiam os estados
predadores, como informa o jornalista Dídimo Paiva, do Jornal
Estado de Minas (2/11/2004, p. 16), em artigo intitulado Big
Stick na América, ao comentar a reeleição do Presidente Bush:
“George W. Bush ou John Kerry não é o mais importante nesta
dramática eleição norte-americana. Prefiro começar com uma frase
que ilustra bem o caráter belicista dos pais fundadores da Amé-
rica e seus sucessores nesse terceiro milênio. Foi escrita por
Theodore Roosevelt (antecessor de Woodrow Wilson), o ianque
presidente do big stick (política do porrete): ‘Nenhuma conquis-
ta da paz vale a metade das glórias da guerra’. (...) Pode-se dizer

223
que o complexo militar-industrial manobrou como quis para ga-
rantir a vitória nas eleições de hoje. Está em jogo uma tese que o
polonês-norte-americano Zibgniew Brzezinski (assessor para as-
suntos de Segurança Nacional do governo Jimmy Carter) traçou
em 1997: os EUA devem controlar a rota do petróleo, especial-
mente as repúblicas soviéticas da Ásia Central, chamadas de ‘re-
públicas do stão’: Turcomenistão, Tadjiquistão, Uzbequistão e
Quirguistão, argumentando que elas são ambicionadas pela Rússia,
Turquia e Irã, sem esquecer a China. Bush encampou a velha tese
revivida por Brzezinski desde a criação do Clube de Roma (1970):
quem tiver domínio do petróleo e do gás do Mar Cáspio manda-
rá no mundo. O grupo Bush/Cheney/Rumsfeld/Wolfowitz afirma
que, desde que os continentes começaram a interagir (há 500
anos), a Eurásia tem sido o centro do poder mundial”.
A propósito dessas considerações, transcrevo, para
complementá-las, os seguintes trechos extraídos das notas
introdutórias do livro de Luiz Alberto Moniz Bandeira (Civiliza-
ção Brasileira), intitulado As relações perigosas: Brasil-Estados
Unidos (De Collor a Lula, 1990-2004):
“Os Estados Unidos surgiram como república presidencialista e
foram, desde o começo, um país moderno e burguês, fundado
por pequenos-burgueses, que fugiram do feudalismo europeu
para construir uma sociedade puramente burguesa, conforme
Friedrich Engels ressaltou em 1893. (...) Porém, da mesma for-
ma que os puritanos, cujas virtudes eram determinadas pelo
utilitarismo, assimilaram o espírito mercantilista e usurário dos
judeus, como Benjamin Franklin tão bem evidenciou, ao ensinar
na Advice to a Young Tradesman que ganhar dinheiro constituía,
na vida, um fim em si, os judeus que emigraram para a América
absorveram também as práticas e a experiência dos puritanos,
com as quais o “Paria-Kapitalismus” se mesclou. Por volta de
1850, os Estados Unidos já ocupavam o quinto lugar no mundo,
como potência manufatureira, o que lhes exacerbava o ímpeto de
expansão, em busca tanto de mais terras quanto de mercados e
fontes de matérias-primas. A tendência para o messianismo nacio-
nal, a idéia do povo eleito por Deus que o judaísmo legou aos
puritanos, atualizou-se, americanizou-se e assumiu o nome de
destino manifesto, movimento com que os Estados Unidos, na
metade do século XIX, expandiram suas fronteiras até o Oceano
Pacífico e, através de expedições de flibusteiros, tentaram apode-
224
rar-se da América Central e das ilhas do Caribe, bem como da
Amazônia brasileira. O Brasil, diferentemente dos Estados Uni-
dos, dilatara suas fronteiras ainda quando colônia, mormente
entre fins do século XVI e primeira metade do século XVIII, e
conformou-se como um desdobramento do Estado Português na
América do Sul, onde se desenvolveu, refletindo a ambivalência
das relações de Portugal com a Inglaterra, à qual a Corte de Lis-
boa tinha de prestar vassalagem e pagar alto preço, desde 1661.
(...) Na primeira metade do século XIX, quando os Estados Uni-
dos expandiam seu território e o Brasil se consolidava como es-
tado-império, Hegel, pouco tempo antes de falecer, em 1831,
afirmou que a América era a terra do futuro (Land der Zukunft) e
previu que, em tempos vindouros, ocorreria um contenda(Streite)
entre a América do Norte e a América do Sul, na qual a impor-
tância da história mundial deveria manifestar-se. Que tipo de
contenda, ele não explicou. Apenas indicou que a América do
Sul era católica, enquanto a América do Norte, uma terra de
seitas, era protestante, e o comércio constituía o principal prin-
cípio, um princípio muito simples, dos Estados Unidos, ainda
que não fosse tão firme como o inglês. As raízes da contenda,
porém, encontram-se nas origens desses dois Estados nacionais,
Estados Unidos e Brasil, nas forças profundas que conduziram a
sua formação, como instâncias superiores de organização e co-
mando de processos produtivos, bem como expressão do espíri-
to do povo (der Geist des Volkes), ou seja, da cultura da nação,
acumulada ao longo da história”.
A seguinte notícia publicada pela Revista Isto É, sob o títu-
lo Os Marines Vêm Aí (13/7/2005, n. 1865, p. 87), parece
indicar que essa profecia já começa a realizar-se, pois os america-
nos estão cutucando a onça com a vara curta, ao tentarem se
posicionar no “baixo ventre” da América do Sul, esquecendo-se
de que o Brasil tem condições estratégicas mais favoráveis para
lancetar essa parte vulnerável de seu próprio território, o Golfo
do México, protegido que está pelos Andes, a Floresta Amazôni-
ca e o Escudo das Guianas e, dentro de pouco tempo, munido
da longa lança para esse golpe certeiro: a Ferrovia de Dom Bosco.
A mesma revista ainda publicou:
A notícia caiu como uma bomba nos Estados-Maiores do Brasil e
da Argentina: o Paraguai autorizou o estacionamento de tropas

225
dos Estados Unidos no país, cerca de 400 militares americanos
que receberiam imunidade e status diplomático para realizar trei-
namentos. A decisão do Paraguai de autorizar a entrada dos
marines teria ocorrido logo depois da renúncia do presidente
boliviano, Carlos Mesa, e da derrota da exigência americana, na
Assembléia da Organização dos Estados Americanos (OEA), de
criar um órgão para “monitorar a democracia” na América do
Sul. “Washington deve formalizar agora a criação de uma base
militar no Paraguai – onde, há anos, os EUA mantêm um aero-
porto semiclandestino em Mariscal Estigarribia, povoado da re-
gião do Chaco, a 250 quilômetros da fronteira com a Bolívia,
onde podem aterrissar as superfortalezas voadoras B-52 e Galaxys,
capazes de transportar grande quantidade de tropas e armamen-
tos”, diz Luiz Bilbao, correspondente argentino do jornal francês
Le Monde Diplomatique. Segundo alguns analistas, o objetivo
dos militares americanos seria a região da Tríplice Fronteira (divi-
sa entre o Brasil, a Argentina e o Paraguai). Nessa região, além da
suposta rede terrorista árabe-palestina denunciada pelos EUA,
localiza-se a usina hidrelétrica de Itaipu, a maior do mundo, de
cuja energia depende todo o Paraguai e parte do Brasil. Outros,
entretanto, acreditam que Washington está de olho no combate
ao narcotráfico e, principalmente, no controle dos
hidrocarbonetos da Bolívia.
Todavia, essa base americana, juntamente com outras espa-
lhadas pela América do Sul, sob diversos pretextos, constitui-se
na verdade em mais um ponto de amarração de uma extensa teia
estratégica que cobre todo o continente, formatada para intimi-
dar os governos do continente e neutralizar as forças armadas
locais em caso de intervenção. Para que o Brasil não se deixe
intimidar e esteja pronto para desarmar essas armadilhas, é ne-
cessário que encare o problema com naturalidade e estabeleça
com os demais países sul-americanos um pacto de defesa conti-
nental, inclusive para tratar militarmente da questão das Malvinas
e da Guiana Francesa, resquícios de uma era colonial. Para viabilizar
esse pacto, é necessário que toda a filosofia de trabalho para
implantação do Mercosul seja modificada, pois antes que essa
associação se torne realidade é necessário que o Brasil firme tra-
tados bilaterais com todos os países sul-americanos, abrangendo
não só os aspectos comerciais, mas também os de cunho político
226
e militares. Estes tratados somente seriam firmados com as na-
ções que não adotem posições hostis ao nosso País e não permi-
tam a intromissão de potências alienígenas nos assuntos internos
do continente.

227
3. A GUERRA BIOLÓGIC
BIOLÓGICAA

Para completar as considerações feitas neste livro sobre a


defesa do Brasil e da América do Sul, é tratada a seguir a questão
da guerra biológica, pois certos fatos que vêm ocorrendo em
nosso país, acrescidos da recusa dos Estados Unidos da América
de assinar o tratado de proibição dessas armas, mais que justifi-
cam o alerta ACORDA, BRASIL!

A guerra biológica na Antiguidade


A primeira guerra biológica que a história da humanidade
registra ocorreu na terra dos faraós por volta de 1250 aC para
libertar Israel da escravidão. Foram sete as pragas biológicas que
atingiram o Egito naquela ocasião. Embora a saga dos israelitas
tenha sido escrita logo depois do exílio babilônico, por volta de
500 aC, portanto 750 após o suposto êxodo do Egito, e muito
provavelmente condensando numa epopéia eventos diversos ocor-
ridos em tempos e circunstâncias diferentes, pois o processo
adotado na sua elaboração foi o de colher tradições orais de
vários povos e sintetizá-las com o objetivo de aglutinar os judeus
em torno da mística de “povo eleito por Deus”, essa narrativa
representa na verdade um refinado manual de instrução para de-
sencadear uma guerra biológica de desgaste para minar as forças
de um oponente mais forte e poderoso.
Essa estratégia fica evidente ao se analisar os meios empre-
gados por Moisés para dobrar o Faraó e obter os resultados
desejados, já que não possuía armas nem exército para confrontá-
lo. Seguindo uma dinâmica belicista gradativa, de ultimatos acom-
panhados de represálias biológicas e eventos cósmicos para com-
pletar o processo, inclusive com o genocídio de primogênitos,
ele não só conseguiu imobilizar o Faraó como também manter a
iniciativa de ataque, culminando por afogar todo seu exército,
228
que não teve sequer a oportunidade de retesar seus arcos para
abater os fugitivos. Assim, uma massa de maltrapilhos desarma-
dos conseguiu saquear o Egito levando como despojos suas ri-
quezas, utilizando para isso apenas dos conhecimentos apropria-
dos de seus senhores e manipulados com competência.

As sete pragas do Egito

Águas transformadas em sangue (Ex 7, 20-21)

Moisés e Aarão fizeram como o Senhor lhes tinha ordenado.


Erguendo a vara, Aarão feriu as águas do Nilo à vista do faraó e
de todos os seus ministros, e toda a água do rio virou sangue.
Morreram os peixes que havia no rio, e o rio ficou poluído, de
modo que os egípcios não podiam beber de sua água, e houve
sangue em toda a terra do Egito.

Rãs (Ex 8, 1-2)

Então o Senhor disse a Moisés: “Dize a Aarão: Estende com a


mão a vara sobre os rios, os canais e os pântanos, e faze as rãs
invadir o Egito”. Aarão estendeu a mão sobre as águas do Egito,
e as rãs saíram e cobriram o Egito.

Mosquitos (Ex 8, 13)

Assim o fizeram. Aarão estendeu a vara com a mão e golpeou o


pó do chão, e vieram mosquitos sobre homens e animais. Toda a
poeira do chão, no Egito inteiro, transformou-se em mosquitos.

Moscas varejeiras (Ex 8,20)

E assim o Senhor fez: nuvens de moscas-varejeiras invadiram o


palácio do faraó, as casas dos ministros e todo o território do
Egito. O país ficou infectado por causa das moscas-varejeiras.

229
Peste dos animais (Ex 9, 2-3.6)

“Se te recusares a deixá-los partir, persistindo em detê-los, a


mão do Senhor se fará sentir sobre teus rebanhos que estão nos
campos, sobre os cavalos, jumentos, camelos, bois e ovelhas,
como uma peste mortífera. (...) De fato, o Senhor assim fez no
dia seguinte. Pereceram todos os rebanhos dos egípcios, mas
não morreu um só animal dos rebanhos israelitas.”

Tumores (Ex 9, 10)

Eles recolheram fuligem de forno e pararam na frente do faraó.


Moisés atirou a fuligem para o céu, provocando tumores e pústulas
nas pessoas e nos animais.

Gafanhotos (Ex 10, 13.15)

“Moisés estendeu a vara sobre o Egito, e o Senhor fez soprar o


vento oriental sobre o país durante o dia todo e a noite inteira.
De manhã, o vento oriental tinha trazido os gafanhotos. (...) En-
cobriram de tal modo a superfície do solo que escureceu. Devo-
raram toda a vegetação do país, os frutos das árvores e tudo que
o granizo havia deixado. Em todo o Egito não ficou nada de
verde nas árvores e nas pastagens.”

A guerra biológica moderna


Esses eventos lendários permitem uma leitura atualizada e
bem compreensível, na medida em que a tecnologia de ponta
usada naquela época, a vara de Moisés, equivale a engenharia
genética da atualidade e ambas com poderes mágicos que uns
poucos iniciados dominam, como os preceptores de Moisés, os
sacerdotes do Faraó, e os cientistas modernos, os quais tanto no
passado como no presente usaram e usam de seus conhecimen-
tos para disseminar agentes biológicos aos quatro ventos para
obtenção de fins os mais variados, desde os de cunho pacífico
230
até os de caráter bélico. Tais fatos, analisados à luz da realidade
presente na qual o domínio da ciência e tecnologia é utilizado
por certos países para buscarem o poder hegemônico numa luta
sem quartel e na qual todos os meios são empregados, inclusive
a guerra biológica, serve de alerta para certo país que vive deita-
do eternamente em berço esplêndido e que deve acordar e refle-
tir sobre o estado atual de seu estágio científico e tecnológico,
pois esse ataque se faz silenciosamente ao longo do tempo, mui-
tas vezes por gerações, até que consiga minar a vontade e o po-
derio das nações.
No caso do Brasil, o bicho já está solto, ou melhor, os
bichos já estão soltos, como a invasão de caramujos africanos
que estão se espalhando pelo País e devastando plantações, sem
que o poder público e a sociedade se dêem conta da gravidade da
situação e tomem providências para erradicá-los. Afinal de con-
tas, quem é o responsável pelo controle e eliminação dessa pra-
ga? Existe no País algum órgão estatal responsável pelo
monitoramento de agentes biológicos alienígenas? Existem nor-
mas ou leis específicas para evitar que uma espécie indesejável
invada o País, propositadamente, como parece ser o caso dos
caramujos africanos, que, segundo a imprensa, foram importa-
dos para concorrer na culinária com o escargot francês ou, por
acaso, com os mexilhões asiáticos, supostamente trazidos nos
cascos de navios e que estão proliferando de forma incontrolável
pelos rios do País, inclusive pondo em risco o funcionamento de
usinas hidrelétricas? No caso dos caramujos africanos, um fato
noticiado pela mídia ilustra bem o descaso das autoridades no
trato dessa questão. Segundo um programa de televisão, a res-
ponsável pela disseminação dessa praga no leste de Minas Gerais
foi uma senhora, que na entrevista disse ter trazido de São Paulo
alguns exemplares e os deixou soltos em seu terreiro e daí se
espalharam pela cidade em que mora e por toda a região. Neste
caso nenhuma providência foi tomada para isolar a região e
erradicar essa praga.
Mas outros casos ilustram essa situação de descontrole
por parte das autoridades competentes (quais?, quem são elas?),
como informa o Jornal Estado de Minas (7/7/2005, p. 27):
231
“Moradores de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, declararam guerra ao caramujo-gigante-africano, que
ataca plantações e pode transmitir doenças. A comunidade do
bairro Pinhões, a sete quilômetros do centro da cidade histórica,
fez ontem um mutirão para acabar com a praga, que vem se alas-
trando na área rural dos municípios mineiros. O esforço termi-
nou com a coleta de mais de 500 moluscos, que serão incinera-
dos pela prefeitura. Até dezembro, técnicos das diretorias de
Saúde, Zoonoses, Meio Ambiente e Obras vão repetir a opera-
ção, a cada 15 dias, para impedir que a espécie invasora continue
a se multiplicar. (...) A tarefa de recolher os caracóis não foi
segredo nem novidade para a maioria dos moradores, que convi-
vem com a praga há bastante tempo. A dona de casa Nelica Ferreira
da Silva, de 30 anos, percebeu a presença dos moluscos enor-
mes, de conchas listradas de marrom, em julho do ano passado.
‘No princípio, achava-os tão bonitinhos que levava para casa e
pintava de esmalte. Cheguei a colecionar alguns no guarda-rou-
pa. Mas eles cresceram muito rápido e comem até os pés de
mamão’, conta ela dizendo que, agora, tudo o que sobra das
hortaliças do quintal é dado para as galinhas. O jeito tem sido
comprar os alimentos fora. ‘Gasto R$ 50, por mês, na feira’, diz
o marido, Guerino Aparecido Pereira, de 44.
Sob o título Ibama quer campanha de erradicação, essa
mesma reportagem informa:
O molusco que devora plantações e pode transmitir perigosas
verminoses já ataca propriedades rurais de 15 estados brasilei-
ros. Desde a chegada do caramujo-gigante-africano ao País, na
década de 80, nada menos que 130 municípios registraram a
presença do animal, segundo dados do Ibama. Pesquisadores
defendem a adoção de uma campanha nacional, patrocinada pelo
Ministério da Saúde, para evitar que a praga continue se alastran-
do.
Para evitar que atitudes de pessoas descuidadas ou mal in-
formadas ponham em risco a economia e o ecossistema do País,
além da saúde da população, é preciso uma conscientização
massiva para alertar a sociedade dos perigos que certos agentes
biológicos representam, se manipulados descuidadamente. Esta
atitude pode provocar danos irreparáveis, como bem exemplificam
as plantas ornamentais levadas por turistas americanos para a
232
Flórida, e descartadas sem nenhum cuidado, as quais acabaram
proliferando pelos pântanos dessa região, transformando-se num
problema ecológico de difícil solução.
Aqui no Brasil temos outros exemplos, como os das abe-
lhas africanas e das cochonilhas que foram introduzidas no País
por cientistas, os quais acabaram perdendo o controle da situa-
ção transferindo para a sociedade esse passivo ecológico que
vem somar-se a outros, como os pardais que, trazidos de Portu-
gal para combater mosquitos na cidade do Rio de Janeiro, acaba-
ram por eliminar muitas espécies de pássaros nativos. Voltando
ao caso das cochonilhas, é bom frisar que esta praga, trazida do
México, está proliferando pelas plantações de palmas do Nor-
deste, o único alimento do gado nos períodos de seca, causando
sérios prejuízos aos fazendeiros da região. Mas para se ter idéia
da amplitude do problema representado pelas pragas exóticas, e
a displicência como esse assunto está sendo tratado entre nós,
basta recorrer ao programa de televisão Série Espécies Invasoras
apresentado pelo Globo Rural, na primeira quinzena de junho de
2005. Neste documentário são reportadas, como no Egito, sete
pragas:
a) Caramujo africano: chegou ao Brasil na década de 1980,
pelo Paraná, trazido da África por fazendeiros;
b) Tucunaré: peixe da Amazônia que está provocando
desequilíbrio biológico na Bacia do Rio Doce em Minas Gerais;
c) Amarelinho: nativo do norte do México e Estados Uni-
dos, chegou ao Brasil como planta ornamental, mas se espalhou
com facilidade e hoje é catalogado como espécie invasora, uma
praga de pastagem. As primeiras mudas do amarelinho foram
importadas para São Paulo no começo do século XIX;
d) Mexilhão dourado: molusco originário da China. Che-
gou à Argentina no início da década de 1990 trazidos por navios
que subiam o Rio da Prata e a partir daí infestou o Brasil pelo Rio
Paraguai, já tendo chegado às suas cabeceiras, em Cáceres, Esta-
do de Mato Grosso, portanto próximo do divisor de águas da
Bacia do Amazonas;
e) Tartaruga tigre d’água: conhecida também como Tarta-
ruga Dourada ou Americana, veio dos Estados Unidos na década
233
de 1970 e hoje é considerada praga em vários lugares do mundo.
Os primeiros filhotes foram importados por lojas de animais do
Rio de Janeiro e São Paulo e acabaram se espalhando por todo o
país;
f) Braquiara: chegou ao Brasil vinda da África e hoje é o
principal capim de pastagens do país. É rústico, resistente, espa-
lha-se com facilidade e é de difícil controle, por isso mesmo cata-
logada pelo IBAMA como espécie invasora na agricultura e como
praga nas reservas ambientais, onde vence a competição por
espaço com as espécies nativas; e
g) Javali europeu: foi trazido das florestas européias no
começo do século passado com a finalidade de servir de caça
para as pessoas ricas do Uruguai e Argentina. No começo da
década de 1990, entrou no Rio Grande do Sul e se espalhou
pelo Estado devastando plantações e cruzando com porcos do-
mésticos gerando o Javaporco. O único controle considerado o
mais eficaz tem sido a caça, mas praticada de forma aleatória e
sem nenhum controle de resultado.

O Instituto de Pesquisas Biológicas e


Combate às Pragas Exóticas
Os casos citados são os mais conhecidos, mas somente
uma instituição encarregada de fazer um levantamento completo
de todas as espécies alienígenas disseminadas pelo País poderá
fornecer um quadro real da situação e propor medidas práticas e
efetivas para o monitoramento de todas elas e a eliminação das
indesejáveis. O Instituto de Pesquisas Biológicas e Combate
às Pragas Exóticas (IPBCPE) deve ser criado e mantido pelo
Ministério da Defesa por se tratar de assunto de segurança nacio-
nal, inclusive um banco de dados – o Banco de Dados Biológico
- para centralizar e processar, de forma sigilosa, todas as infor-
mações coletadas no Brasil e no exterior. Este instituto, o IPBCPE,
ficará também encarregado de monitorar todo o processo ado-
tado pelos órgãos competentes para erradicar pragas, como,
por exemplo, a que se está disseminando pelas plantações de
234
soja do País num padrão aleatório que deixa dúvidas sobre sua
origem. Aqui é bom recordar que há pouco tempo foi detido nas
plantações de soja da Bahia um pesquisador de uma universidade
estrangeira, justamente pela desconfiança de que sua presença
extrapolava o mero interesse científico.
Contudo as dúvidas não ficam por aí, pois existem outros
casos inexplicados, como a peste suína que devastou a criação
nacional de porcos tempos atrás, presumivelmente trazida por
restos de alimentos descartados pelos aviões vindo do exterior e
o chamado cancro cítrico. A respeito desta praga, eis o que in-
forma o Jornal Estado de Minas (8/6/2005, p. 20):
“A bactéria Xanthomonas axonopodis foi introduzida no Brasil
em 1957, na região de Presidente Prudente, interior de São Pau-
lo. É de fácil disseminação e um de seus vetores é o próprio
homem, que leva as bactérias de um lugar para outro nos materi-
ais de colheita, em veículos, máquinas e implementos, ou mesmo
por meio do transporte de folhas, ramos e frutos. (...) Maurício
Bento conta que ‘no Brasil, a praga foi constatada pela primeira
vez no interior de São Paulo, mas não se sabe ao certo como o
minador-dos-citros entrou no País’. As galerias formadas pela
praga nas folhas tornam mais fácil a penetração da bactéria do
cancro”.
O estranho nesses casos é que ocorrem sempre que o País
passa a disputar o mercado internacional, como foi no passado
com a carne de porco e o suco de laranja, e agora a soja. A esses
casos se deve acrescentar a Praga da Mosca do Chifre que ataca
principalmente bovinos, trazendo grandes prejuízos aos criado-
res, e diversos outros animais, inclusive o homem, a qual foi
detectada pela primeira vez no Brasil em 1980 pelos pecuaristas
de Roraima. Esta praga, proveniente da América do Norte e Cen-
tral, desconhecida no País até essa data, provavelmente penetrou
no Estado de Roraima pela Guiana ou Venezuela, embora anteri-
ormente já fossem registrados casos na Colômbia e no Chile (da-
dos disponíveis na Internet).
Outras atribuições devem ser confiadas ao IPBCPE, como
acompanhar e avaliar os procedimentos para erradicar doenças
endêmicas no País, como a febre aftosa, esquistossomose, doen-
ça de chagas, febre amarela, dengue, malária, aids, antavírus, e
235
prevenir a chegada de muitas outras causadas por agentes bioló-
gicos, como a temida febre do Nilo, a gripe do frango, os vírus
ebola e marburg, etc., algumas das quais podem ser manipuladas
para fins militares. Além disso, o monitoramento de doenças que
já deveriam ter sido erradicadas do território brasileiro, como a
lepra e tuberculose, devem merecer destaque especial na atuação
desse instituto, pois o seu objetivo maior deverá ser o de prote-
ger a saúde da população na paz e na guerra e, por extensão, a
defesa do meio ambiente e da biodiversidade. Para isso seu cam-
po de ação deve abranger não só o território brasileiro, mas
também o Tríplice Ecossistema Sul-Americano, inclusive o espa-
ço aéreo comum. Esta abrangência se justifica não só pelo perigo
representado pelo fluxo de nutrientes que as correntes aéreas
trazem dos desertos africanos e despejam na Bacia Amazônica, como
também pela ameaça de contaminação através de pássaros migrató-
rios.
Para ilustrar o perigo dessas contaminações, nada mais
oportuno do que transcrever a seguinte notícia publicada pelo
Jornal Estado de Minas (3/8/2005, p. 22), sob o título Gripe
aviária põe em risco toda Europa:
“MOSCOU – Uma linhagem da gripe aviária perigosa para hu-
manos pode atingir partes da União Européia a partir da Sibéria,
disse uma importante autoridade veterinária da Rússia, que não
quer ter seu nome divulgado. Segundo ele, há chances ‘muito
grandes’ de que o vírus encontrado na região de Novosibirsk se
espalhe para outras partes da região. ‘Também há uma possibili-
dade de que a gripe aviária atinja a União Européia, pois aves
selvagens infectadas na China podem ter tido contato na Rússia
com aves que voam para a Holanda, a França e outros lugares.
Tampouco a América do Norte está segura, pois algumas aves da
Rússia voam para lá também’. O mesmo funcionário disse ter
sido confirmado, sexta-feira, que aves da região de Novosibirsk
estão contaminadas com o vírus H5N1 da gripe aviária, que é
perigoso para humanos, e não com o H5N2, como se imaginava
anteriormente. (...) Ele afirmou que o vizinho Cazaquistão, em
cuja região de Pavlodar (Norte) foram registradas mortes de aves
domésticas e selvagens, também pode ter uma cepa da gripe aviária
semelhante à que foi registrada, no mês passado, na Rússia. ‘Es-
tivemos em contato com os cazaques. A probabilidade de que

236
eles tenham o mesmo tipo de vírus é muito alta, pois algumas
aves voam da China para a Rússia através do Cazaquistão. Mas
isso levará algum tempo para se confirmar’, afirmou”.
O alerta mundial sobre a alta periculosidade desse vírus foi
dado na abertura da 60ª Assembléia Geral da ONU, como infor-
ma o Jornal Estado de Minas (19/9/2005, p. 18):
“Líderes mundiais, começando pelo presidente dos Estados Uni-
dos, George W. Bush, começaram a advertir para os riscos de
uma epidemia mundial de gripe das aves, vírus que já deixou 61
mortos no Sudeste Asiático desde 2003. (...) ‘Se não fizermos
nada, poderemos provocar a primeira pandemia (epidemia mun-
dial) do século XXI’, advertiu Bush na 60ª Assembléia Geral da
ONU. ‘A magnitude dessa ameaça nos obriga a reagir sem demo-
ra’, pediu, por sua vez, o primeiro-ministro francês, Dominique
de Villepin, instando a ‘afastar o risco de uma pandemia’. (...)
‘As previsões mais prudentes estimam que haverá entre 7 mi-
lhões e 10 milhões de mortos, mas o máximo poderia ser de 50
milhões e no pior dos casos, de 100 milhões’, advertiu, em no-
vembro de 2004, o diretor regional da OMS, Shigeru Omi”.
No dia seguinte, 20/9/2005, esse mesmo jornal informava
(p. 22), sob o título Pandemia:
“O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Lee
Jong-Wook, voltou a pedir aos governantes de todo o mundo,
ontem, que adotem medidas apropriadas e se preparem para uma
pandemia de gripe aviária, porque a complacência pode significar
trabalho redobrado e muito sofrimento no futuro. (...) Jong-Wook
também lembrou que a OMS havia assinado um acordo com o
grupo farmacêutico Roche para o fornecimento de 30 milhões de
doses de antivirais, que permitiriam tratar 3 milhões de pessoas.
(...) Os Estados Unidos pretendem fazer ao laboratório suíço
Roche uma encomenda sem precedentes do Tamiflu, medicamen-
to antiviral contra a gripe aviária, no valor aproximado de US$1
bilhão, informou a edição de ontem do diário britânico Financial
Times. (...) Os Estados Unidos, conforme anunciou o presidente
Bush, estão tomando providências para enfrentar uma eventual
pandemia da gripe, sobretudo em sua variação aviária. O labora-
tório francês Sanofi-Aventis anunciou, semana passada, um con-
trato de US$100 milhões com o Departamento de Saúde Pública
norte-americano para a produção de uma vacina pré-pandêmica”.

237
Para agravar essa situação, o Jornal Estado de Minas de
7/10/2005, p. 22, divulgava o seguinte:
O vírus da gripe espanhola, que matou 50 milhões de pessoas
em 1918/1919, provavelmente surgiu nos pássaros, de acordo
com um estudo americano publicado na revista Nature. Os auto-
res descobriram que o vírus tem semelhanças genéticas com o
vírus que circula atualmente na Ásia. Eles dizem que a descoberta
ressalta que o atual vírus representa uma ameaça para os seres
humanos mundialmente. Em outro trabalho científico sobre a
doença, publicado na revista Science, uma equipe norte-america-
na conseguiu recriar, em ratos, um vírus igual ao de 1918. O
vírus foi recriado a partir de amostras dos restos mortais das
vítimas da pandemia do século passado, por uma equipe do Ins-
tituto de Patologia das Forças Armadas dos EUA, e está armaze-
nado no Centro para Controle de Doenças e Prevenções, em
Atlanta, sob estritas condições de segurança.
A vigilância contra pragas e doenças exóticas, tanto do Brasil
como nos demais países da América do Sul, deve, pela sua im-
portância estratégica, ser executada de maneira integrada, for-
mando um cordão sanitário em torno do continente, pois trata-
se de um único ecossistema, o Tríplice Ecossistema Sul-America-
no, e, conseqüentemente, o que afetar um país da região ameaça-
rá a todos. Um exemplo que ilustra esse tipo de situação é o que
está ocorrendo no Mar Mediterrâneo, onde um tipo de alga
alienígena está proliferando numa escala que em pouco tempo
pode eliminar toda atividade pesqueira daquela bacia, o que re-
presentará uma verdadeira catástrofe para os países daquela re-
gião. Outros vetores suscetíveis de manipulação ou de difícil con-
trole, como pneus usados, um dos principais vetores da dengue,
e navios, devem também receber atenção especial. Segundo o
Programa Globo Ecologia (20/8/2002), 80% do comércio inter-
nacional é feito por meio de transporte marítimo, considerado o
maior responsável pela bioinvasão em escala planetária. Os prin-
cipais vetores neste caso são os cascos dos navios e a água de
lastro.
Nesse contexto, um país continental como o Brasil não se
pode dar ao luxo de ficar deitado eternamente em berço esplên-
238
dido, mas manter-se alerta e precavido, inclusive ante o potencial
perigo representado pelas conquistas espaciais e o terrorismo
internacional, o que, por si só, já justificaria a criação do IPBCPE.
Esse estado de prontidão já está em vigor em países envolvidos
com a guerra biológica, como informa o Jornal Estado de Minas
(16/6/2005, p. 18), em matéria sobre o terrorismo internacio-
nal:
Os Estados Unidos têm armazenadas doses de medicamentos
contra a varíola em número bem acima do total de seus habitan-
tes, informou ontem aos congressistas um funcionário do Insti-
tuto Nacional de Saúde Pública (NIH), durante debate sobre o
que vem sendo feito para proteger os norte-americanos de um
possível ataque biológico. “Temos agora mais de 300 milhões de
doses antivariólicas” , informou à Câmara de Representantes o
diretor do Instituto de Alergias e Doenças Infecciosas no NIH,
Anthony Fauci.
Mas o que justifica, sem sombra de dúvidas, a criação do
IPBCPE é o largo espectro dos ataques biológicos em escala
mundial e a freqüência com que estão ocorrendo, como noticia a
imprensa. Somente nos três primeiros dias do mês de outubro
de 2005, por exemplo, o Jornal Estado de Minas deu destaque
às seguintes ameaças biológicas:
Varíola Bovina (1/10/2005, p. 23): “Profissionais de saúde de
Mariana, a 115 quilômetros de Belo Horizonte, na região Cen-
tral de Minas, vão visitar fazendas para alertar pecuaristas sobre
o surto de varíola bovina. (...) A varíola bovina se manifesta em
feridas e bolhas no animal, provocadas pelo poxvírus, que se
espalha pelas tetas, e pode ser transmitida ao homem durante a
ordenha. (...) A varíola bovina é notificada em Minas desde 1999”.

Mutação – Vírus da dengue evoluiu (2/10/2005, p. 20): “O


vírus que causa a dengue parece ter sofrido uma mutação e for-
mado um tipo mais resistente, o que teria provocado uma explo-
são da doença no mundo, disseram ontem especialistas reunidos
em Cingapura. (...) Outra causa aparente do avanço da doença é
a capacidade de o mosquito transmissor Aedes aegypti se adap-
tar a ambientes urbanos e apresentar imunidade aos métodos
tradicionais de controle com aerossóis”.

239
Bactéria deixa país em alerta (3/10/2005, p. 18): “Uma bac-
téria potencialmente mortal foi descoberta em Washington du-
rante uma manifestação contra a guerra no Iraque, que reuniu
dezenas de milhares de pessoas, revelou na tarde de sábado um
alto representante de Saúde Pública norte-americano. Rastros da
bactéria Francisella ruralensis, que pode propagar a tularemia,
foram descobertos em 24 e 25 de setembro no Mall (ampla
explanada no Centro da Cidade), informou o diretor sanitário da
capital federal do Estados Unidos, Gregg Pane. (...) A tuleremia
é uma doença infecciosa que afeta principalmente as lebres, mas
também outras espécies de mamíferos. Os humanos podem con-
trair a doença principalmente depois de manter contato com uma
lebre infectada”.

Contaminação avança (Caderno “Agropecuário”, 3/10/2005,


p. 5): “O Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) pediu o
apoio do Ministério da Agricultura para o controle do greening
nos pomares de cítricos de São Paulo e Minas Gerais. (...) Desde
junho do ano passado – quando o greening foi identificado nos
pomares brasileiros – mais de 260 mil plantas doentes foram
eliminadas. (...) O greening é causado por uma bactéria e trans-
mitido por um inseto vetor (o psilídeo Diaphorina citri). Afeta
todas a variedades cítricas e é considerada a doença de citros
mais importante do mundo”.
Diante dos exemplos citados, o que deve ficar bem claro é
que não basta um controle burocrático de pragas exóticas, ou
pesquisas científicas acadêmicas, é preciso mais, muito mais, como
bem exemplifica a invasão biológica do Porto de Santos pelo
molusco Isognomon Bicolor, o qual, segundo a Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (ANVISA), pode carregar a bactéria da
cólera. Esses moluscos, trazidos por navios em seus tanques de
água de lastro, já tomaram de assalto, segundo o Programa Glo-
bo Ecologia (20/8/2005), os paredões rochosos próximos ao
canal principal desse porto, que responde por cerca de 27% da
balança comercial do País e onde 98% dos navios aportados são
estrangeiros. Além disso já se espalharam pelos costões do lito-
ral santista, inclusive eliminando espécies nativas, cumprindo as-
sim a primeira etapa de uma guerra biológica, ou seja, estabele-
240
cer-se no campo inimigo. A segunda etapa consiste na introdu-
ção de espécies contaminadas, o que poderá ser feito por meio
de águas de lastros ou por outros meios quaisquer.
Ante tal situação, não basta constatar sua existência, como
já foi feito, é preciso eliminá-lo a qualquer custo, pois representa
uma ameaça à saúde pública e à segurança nacional, já que pode-
rá ser utilizado em caso de guerra ou ameaça terrorista. Outros
detalhes mostrados nesse programa de televisão, dedicado à
bioinvasão, também reforçam essa necessidade. Trata-se do pa-
pel desempenhado pelas universidades e instituições de pesqui-
sa, entidades que enfocam seus trabalhos mais no campo cientí-
fico, e pelo que foi observado nessa reportagem, totalmente
desvinculadas de uma política de combate às espécies invasoras
no contexto de uma Guerra Biológica. Afinal de contas, como foi
introduzida no Brasil o greening e seu vetor? Foi obra da nature-
za ou alguém está por trás disso? Já nos esquecemos da Guerra
Biológica praticada pelos Portugueses para eliminar e dominar as
nações indígenas que habitavam a Terra Brasilis, quando dissemi-
navam a varíola entre os nativos por meio de roupas contamina-
das, deixadas de presente como fizeram os gregos com o Cavalo
de Tróia?
Para responder a questões como esta, é que se propõe a
criação do IPBCPE, um órgão vinculado ao Ministério da Defesa
e destinado a centralizar, orientar e monitorar as pesquisas de
tudo o que diz respeito à Guerra Biológica. Esta vinculação se
impõe não só por questões estratégicas, mas também pela pere-
nidade da estrutura militar, que, de forma diferente das institui-
ções civis, não sofre descontinuidade administrativa, nem está
sujeita a pressões para colocar políticos ou apadrinhados na che-
fia de cargos técnicos. Para cumprir com suas atribuições, o
IPBCPE poderá firmar convênios com universidades e institutos
de pesquisas para desenvolver projetos que julgar conveniente.
O que deve executar com exclusividade é a formatação e
operacionalização do Banco de Dados Biológicos, o qual será
franqueado aos Ministérios da Saúde, da Agricultura e Pecuária,
241
da Pesca, do Meio Ambiente, e de Ciência e Tecnologia, segundo
o perfil de atuação de cada um e dos órgãos a eles vinculados.
Estes ministérios, os órgãos a eles vinculados e as instituições de
ensino e pesquisa, por sua vez, devem criar seus próprios bancos
de dados para receber e processar as informações de sua área de
atuação. Todos esses bancos de dados funcionariam num sistema
de rede fechada sob a supervisão do Ministério da Defesa, pois
trata-se de informações vitais para a segurança nacional. Conclu-
indo, é bom lembrar que a bioinvasão não afeta apenas o conti-
nente, mas atinge também as ilhas oceânicas, como a de Trinda-
de, por exemplo, onde porcos e cabras ali deixados constituem
uma ameaça não só ao meio ambiente da ilha, onde devastam a
parca cobertura vegetal ali existente, como também a vida mari-
nha, já que o alimento preferido pelos porcos são os ovos de
tartarugas depositados nas areias das praias.
Para encerrar todas essas considerações sobre a guerra bio-
lógica, alguns comentários adicionais devem ser feitos sobre a
origem asiática das principais pandemias que ameaçam a humani-
dade desde o século XIV (a peste negra) até o presente (a gripe
aviária). O traço comum entre elas é que se originam em países
superpopulosos, sujeitos a estresse permanente, dado o ajunta-
mento em que vivem, o qual se estende aos animais, principal-
mente as aves domésticas que são criadas em condições de
confinamento extremos e condições sanitárias precaríssimas, como
mostrado nos noticiários de televisão. Esse estado de coisas pro-
voca uma redução da defesa dos organismos dos seres humanos
e demais animais, e, conseqüentemente, o aparecimento de todo
tipo de viroses que acabam se espalhando pelo mundo. Esse modus
vivendi dos asiáticos acabará por provocar tensões nos seus vizi-
nhos, principalmente os europeus, pois, como no passado, a
tendência será buscarem mais espaço para sobreviverem. Esta
luta pela sobrevivência será o estopim da Terceira Guerra Mundi-
al, a qual provocará uma hecatombe nunca vista, o tal harmagedon
dos profetas bíblicos, pois, entre as armas a serem utilizadas, a
biológica terá um papel de destaque.
242
A Síndrome do Sapo Fervido

(Revista Tecnologia e Treinamento, n. 31, p. 45)

Vários estudos biológicos provaram que um sapo colocado num


recipiente com a mesma água de sua lagoa fica estático durante
todo o tempo em que aquecemos a água, até que ela ferva. O
sapo não reage ao gradual aumento da temperatura (mudanças
do ambiente) e morre quando a água ferve. Inchadinho e feliz.
No entanto, outro sapo, jogado nesse mesmo recipiente já com
água fervendo, salta imediatamente para fora, meio chamuscado,
porém, vivo!

Existem pessoas que têm comportamento similar ao do SAPO


FERVIDO. Não percebem as mudanças, acham que está tudo bem,
que vai passar, que é só dar um tempo... e, muitas vezes, fazem
um grande estrago em si mesmas, “morrendo” inchadinhas e
felizes, sem, ao menos, ter percebido as mudanças. Outras, ao
serem confrontadas com as transformações, pulam, saltam, em
ações para implementar as mudanças necessárias. Encorajam-se
diante dos desafios, buscam a melhor saída para a solução dos
problemas, tomam atitudes.

Há muitos “sapos fervidos” que não percebem a constante mu-


dança do ambiente a sua volta e se acomodam, à espera de que
alguém resolva tudo por eles; esquecem-se de que mudar é pre-
ciso, principalmente se essa mudança beneficia toda uma coleti-
vidade. Essa teoria se encaixa em todas as situações de nossa
vida: pessoal, afetiva e profissional.

Devemos ter a consciência de que, além de sermos eficientes


(fazer certo as coisas), precisamos ser eficazes (fazer as coisas
certas), criando espaços para o diálogo, o compartilhamento, o
planejamento, o espírito de equipe, delegando, sabendo ouvir,
favorecendo o nosso próprio crescimento e o daqueles com quem
convivemos, seja na família, no trabalho ou na comunidade em
geral.

O desafio maior, nesse mundo de mudanças constantes, está na


humildade de atuar de forma coletiva. Precisamos estar atentos
para que não sejamos como os Sapos Fervidos. Pulemos fora,
antes que a água ferva. O mundo precisa de nós, meio chamusca-
dos, mas vivos, abertos para mudanças e prontos para agir.

243
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC AS
IBLIOGRÁFICAS

BARTH, Flávio Terra et. al. Modelos para gerenciamento de re-


cursos hídricos. São Paulo: Nobel: ABRH, 1987.
BÍBLIA SAGRADA. Trad. CNBB, 2001.
BUENO, Eduardo. Capitães do Brasil – A saga dos primeiros
colonizadores. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.
CALDEIRA, Jorge et. al. Viagem pela História do Brasil. São Pau-
lo: Companhia das Letras, 1997.
COUTO, João Gilberto Parenti. Projeto Brasil – O resgate da
dívida social e a situação do negro do Brasil. Belo Horizonte:
Mazza Edições, 2000.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positi-
vo.13. ed. rev. São Paulo: Malheiros, 1997.

244
O AUTOR

O autor nasceu em Pedrão, município de Maria da Fé-MG,


em 1o de maio de 1937. Formou-se em Geologia pela Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro (UFR) em 1971, passando então
a trabalhar na Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais
(CPRM), onde integrou equipes de mapeamento geológico nos
estados de Mato Grosso e Minas Gerais. Em 1975, transferiu-se
para a empresa Metais de Minas Gerais (METAMIG), dedican-
do-se à prospecção e pesquisa mineral. Em 1978, participou de
viagem de estudo à África do Sul e Zâmbia, com a finalidade de
estabelecer critérios litoestratigráficos e metalogenéticos de com-
paração Brasil-África. Freqüentou entre 1983/84 o curso do
Centre d’Enseignement Supérieur en Exploration et Valorisation
des Ressources Minerales (CESEV ), em Nancy, França. A partir
de 1991, passou a prestar serviços na Secretaria de Estado de
Recursos Minerais, Hídricos e Energéticos de Minas Gerais
(SEME), como Diretor de Geologia e Recursos Minerais. Em ju-
lho de 1994, foi designado representante da SEME na Comissão
Técnica Intergovernamental encarregada de elaborar a proposta
de zoneamento ecológico-econômico e o sistema de gestão
colegiado da Área de Proteção Ambiental Sul – Região Metropo-
litana de Belo Horizonte (APA-SUL-RMBH). Em maio de 1995,
aposentou-se.
Possui cinco artigos publicados em periódicos
especializados, oito trabalhos apresentados em congressos e
simpósios de Geologia e uma tese defendida no exterior. Fora do
campo da geologia, publicou em 1996 uma edição do livro Pro-
jeto Brasil e, no ano de 2000, a versão revista e ampliada (Proje-
to Brasil – O resgate da dívida social e a situação do negro do
Brasil), sob o patrocínio da Mazza Edições e o apoio do Ministé-
rio da Cultura por intermédio da Lei de Incentivo à Cultura. Pela

245
mesma editora, publicou ainda as seguintes obras: Os 7 Pecados
da Capital (2003), A Revolução que Vargas não fez, Operação
Senzala, Brasil país do presente – O futuro chegou e Acorda,
Brasil (2004) e, em 2005, a primeira edição deste livro.

246
Este livro foi composto em tipologia
Flareserif821 LtBt e impresso em papel
Offset 70g/m2 (miolo) e Cartão Royal
250g/m2 (capa).

247
<a rel=”license” href=”http://creativecommons.org/
licenses/by-nc-nd/2.5/br/”><img alt=”Creative Commons
License” style=”border-width:0" src=”http://
i.creativecommons.org/l/by-nc-nd/2.5/br/88x31.png” /></
a><br /><span xmlns:dc=”http://purl.org/dc/elements/
1.1/” href=”http://purl.org/dc/dcmitype/Text”
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chamado Brasil</span> is licensed under a <a rel=”license”
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br/”>Creative Commons Atribui&#231;&#227;o-Uso
N&#227;o-Comercial-Vedada a Cria&#231;&#227;o de
Obras Derivadas 2.5 Brasil License</a>.

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