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Leitura argumentativa de

proposta de redação do Enem e


critérios para definição de fuga e
tangenciamento de tema
Telisa Furlanetto Graeff*
Lauro Gomes**

Resumo
Considerações iniciais1
Este trabalho propõe uma leitura Cada vez mais a educação tem sido
integrada dos textos que constituem reconhecida como um dos setores mais
a proposta de redação do Enem 2011,
importantes para o desenvolvimento
que explicita a relação entre as ideias
centrais de cada texto, para chegar sustentável de um país. Com isso, tem-se
à ideia central da proposta. A partir verificado, no Brasil, grande interesse
disso, busca-se estabelecer os limites do Ministério da Educação (MEC) em
de entendimento, tangenciamento e expandir e regular eficientemente a
fuga da ideia central da proposta de
redação. Esse procedimento de leitura qualidade da educação básica e da su-
utiliza princípios e conceitos da Teo- perior. Por meio de avaliações externas,
ria dos Blocos Semânticos – versão como Sistema Nacional de Avaliação da
atual da Teoria da Argumentação na Educação Básica, Prova Brasil, Exame
Língua – desenvolvida por Oswald
Ducrot e Marion Carel na Escola de
Nacional do Ensino Médio (Enem) e
Altos Estudos em Ciências Sociais de Exame Nacional de Desempenho de
Paris. Pretende-se, com este trabalho, *
Doutora em Linguística Aplicada pela PUCRS. Pós-
fornecer subsídios teórico-metodológi- -doutora pelo Centre de Recherches sur les Arts et
cos capazes de qualificar as práticas le Langage, da École des Hautes Études en Sciences
de ensino de leitura e produção de Sociales, Paris. Docente do Programa de Pós-Graduação
textos dissertativo-argumentativos, e em Letras da Universidade de Passo Fundo. E-mail:
telisagraeff@yahoo.com.br
os critérios utilizados na avaliação de **
Mestre em Letras. Doutorando em Letras pela Universi-
desempenhos em leitura. dade de Passo Fundo (bolsista Prosup/Capes). Professor
de Leitura e Produção Textual do Colégio Franciscano
Palavras-chave: Leitura. Proposta de São José de Erechim. E-mail: lauro.20@bol.com.br
redação. Ensino. Bloco semântico. Data de submissão: set. 2015 – Data de aceite: nov. 2015
http://dx.doi.org/10.5335/rdes.v11i2.5505

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Estudantes (Enade), verifica-se que o [...] discrepância a divergência de notas atri-
MEC visa não apenas a regular apren- buídas pelos avaliadores, quando: elas dife-
rirem, no total, por mais de 100 (cem) pontos
dizagens e apontar índices sobre o nível ou a diferença for superior a 80 (oitenta)
de letramento dos estudantes, mas pontos em qualquer uma das competências
também a assegurar justiça, igualdade (INEP, 2013, p. 8).
para todos. Desse modo, avaliar tem No entanto, uma decisão dessa natu-
sido uma atividade desafiadora para os reza, apesar de representar um avanço
docentes de língua portuguesa, tanto em significativo rumo à credibilidade plena
se tratando de contextos de avaliações do Enem pelas universidades brasilei-
em larga escala, como o Enem, quanto ras, requer objetividade até mesmo no
em processos de seleção para ingresso julgamento de competências linguístico-
no ensino superior, como vestibulares, -discursivas destinadas a examinar o en-
em que, a cada nova edição, aumenta o tendimento da ideia central da proposta
número de participantes e a objetividade de redação. Destaque-se que, a propósito
precisa ser assegurada no julgamento do estabelecimento de critérios para a
dos desempenhos em todas as competên- avaliação de redações, Costa Val comen-
cias avaliadas nas redações. ta que os critérios utilizados em seu tra-
É importante salientar que o desafio balho para o “julgamento das redações
se intensifica nos referidos testes, pois, são, inegavelmente, fluidos e subjetivos”
como a avaliação das produções deve ser (2006, p. 34). Afirma, ainda, que não há
feita por mais de um avaliador, as discre- como fugir da subjetividade nesse pro-
pâncias entre as notas atribuídas por um cesso. Entretanto, pode-se constatar que,
e por outro, nos critérios que envolvem em processos seletivos e em avaliações
maior grau de subjetividade – como os em larga escala, a objetividade3 faz-se
que examinam o desempenho do partici- essencial em todos os critérios, não só
pante na leitura da proposta de redação2 para agilizar o processo, mas também,
– atrasam o processo e prejudicam-no e sobretudo, para assegurar um trata-
em diversos aspectos. Em 2013, o Ins- mento justo, igual para todos.
tituto Nacional de Estudos e Pesquisas Em vista disso, este trabalho propõe
Educacionais Anísio Teixeira (Inep), res- uma leitura integrada dos textos que
ponsável por subsidiar a formulação de constituem a proposta de redação do
políticas na área de educação, mediante Enem 2011 e explicita a relação entre as
a elaboração de diagnósticos e reco- ideias centrais de cada texto, para che-
mendações decorrentes da avaliação da gar à ideia central da proposta. A partir
educação básica e da superior, na busca disso, busca-se estabelecer os limites de
de aumentar a objetividade na avaliação entendimento, tangenciamento e fuga
da redação do Enem, conforme o Guia do da ideia central da proposta de redação,
participante, passou a considerar

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cujas noções são essenciais a qualquer Salienta Carel que esta teoria conside-
avaliação de desempenhos em leitura. ra como encadeamentos argumentativos
Para tanto, apresentam-se, na próxima as sequências de duas proposições gra-
seção, os princípios e conceitos da teoria maticais ligadas não apenas por conec-
dos blocos semânticos, para, em seguida, tores do tipo de portanto (como se...então
explicitarem-se a metodologia e a análise e porque), mas também as sequências
do corpus. Por fim, apresentam-se as de duas proposições gramaticais ligadas
contribuições deste trabalho para a área por conectores do tipo de mesmo assim,
de letras e linguística nas considerações (mesmo se, ou ainda apesar de que) (2013,
finais. p. 257). Por conseguinte, a TBS é uma
teoria do encadeamento argumentativo,
Apresentando a teoria dos que se estende por toda a língua, in-
clusive porque, conforme destaca Carel
blocos semânticos (2013), os encadeamentos argumentati-
Criada com a tese de doutorado de vos estão na base de todas as construções
Marion Carel (1992), a Teoria dos Blo- semânticas.
cos Semânticos (TBS) – considerada Quando Carel e Ducrot (2005) expli-
como uma terceira fase da teoria da cam o porquê de seu interesse pelos dois
Argumentação na Língua – defende que tipos de encadeamentos argumentati-
o sentido de uma entidade linguística vos, os normativos e os transgressivos,
constitui-se por certos discursos que eles destacam que é nesses dois tipos de
dela se podem evocar. Esses discursos, concatenação que cada um dos segmen-
denominados por Carel e Ducrot (2005) tos encadeados ganha sentido. Postulam
de encadeamentos argumentativos, os referidos linguistas que é da interde-
constituem intralinguisticamente o pendência semântica, isto é, da relação
sentido e manifestam-se sob a fórmula que um segmento mantém com o outro
X CONECTOR Y. Todavia, enquanto nas no encadeamento que surge o sentido.
fases anteriores à TBS considerava-se Assim sendo, em (1) Há um verdadeiro
haver apenas o conector donc (portan- problema, portanto o deixemos de lado, o
to) – que constituía os encadeamentos segmento X: há um verdadeiro problema
argumentativos normativos –, Carel só recebe seu sentido pela continuação
(1995) também considerou a existência Y: portanto o deixemos de lado, e o seg-
do conector pourtant (mesmo assim), que mento Y: portanto o deixemos de lado
constitui os encadeamentos argumenta- somente adquire sentido em relação
tivos transgressivos, antes considerados com X.
uma anomalia por transgredirem nor- Ressalte-se, porém, que um discurso
mas da comunidade linguística. normativo do tipo A DC B – como o que
é explicitado por (1) – não tem nenhuma

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relação com o que habitualmente se origina o bloco semântico. Desse modo,
chama de “raciocínio”. Isso deriva do segundo esclarecem Carel e Ducrot, um
fato de que, em discursos dessa natu- bloco semântico pode ser definido como
reza, recorrentes nas línguas naturais, uma entidade semântica, unitária e
o que se diz no primeiro segmento, isto indecomponível, expressa nos encade-
é, no predicado A somente passa a ter amentos argumentativos. A título de
sentido quando determinado por aquilo exemplificação, tomem-se os discursos
que se diz no segundo segmento, isto é, (1) e (1’), explicitados pelos referidos
no predicado B. Considerando-se um linguistas, a fim de mostrar que a inter-
encadeamento argumentativo X CON dependência semântica que se estabelece
Y, pode-se denominar A o segmento X entre A e B é a mesma nos dois casos.
e B, o segmento Y. Tomando-se como Observem-se os dois discursos: (1) Há
exemplo o encadeamento (2) O hotel um verdadeiro problema, portanto o dei-
está perto da Universidade, portanto é xemos de lado. e (1’) Há um verdadeiro
fácil chegar, Carel e Ducrot chamam A problema, mesmo assim não o deixemos
para perto e B para fácil chegar (2005, de lado.
p. 20). Notadamente, em ambos os encade-
Admitida essa convenção, os referidos amentos, o pertinente é A, problema, e
autores definiram a noção de aspecto B, deixar de lado, e a interdependência
argumentativo e, para tanto, conven- semântica entre A e B é a mesma. Logo,
cionaram chamar A DC B de aspecto, o bloco semântico que esses discursos im-
visto que representa um conjunto de primem relaciona dificuldade/postergar.
encadeamentos argumentativos norma- Além disso, saliente-se que essa conca-
tivos X DC Y. Notaram, dessa forma, tenação de A e B permite construir oito
que um aspecto A DC B contém, entre aspectos argumentativos, organizados
outros, encadeamentos como (2) O hotel em dois blocos de quatro aspectos cada
está perto da Universidade, portanto é um. Veja-se, no quadrado argumentativo
fácil chegar., (3) A Catedral está perto a seguir, que o bloco semântico (1) rela-
da Faculdade, portanto é fácil chegar. ciona quatro aspectos:
e (4) Meu dormitório está perto do teu,
portanto é fácil chegar., uma vez que, em
todos os casos, o pertinente é A, perto, e
B, fácil chegar.
Feitos esses esclarecimentos, cumpre
destacar que é exatamente da chamada
interdependência semântica que se es-
tabelece entre os dois predicados de um
encadeamento argumentativo que se

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Figura 1 – BS1: relaciona dificuldade e postergar

Figura 2 – BS2: relaciona dificuldade e não postergar

Fonte: figura fundamentada em Carel e Ducrot (2005).

Convém destacar, diante disso, que ligações entre um termo e os aspectos


Carel e Ducrot (2005) esclarecem ser argumentativos que ele significa. Isso
totalmente diferente essa relação esta- revela que essa distinção – que, segun-
belecida num encadeamento argumen- do a autora, está relacionada ao estudo
tativo da ligação de duas informações, o argumentativo das “frases sintáticas”
que significa dizer que a TBS se mantém – deve ocorrer em virtude de que o
fiel à proposta saussuriana de descrever vínculo existente entre os enunciados
a língua a partir dela mesma, sem fazer e as entidades semânticas tanto pode
intervir o mundo nem o pensamento. ser interno como externo. Conforme o
Entre outros objetivos, a TBS busca dar esclarecimento feito por Carel (2012,
as regras da linguagem cotidiana a par- p. 39, grifo do autor, tradução nossa),
tir do emprego dos conectores DC e PT. uma frase como:
São também conceitos essenciais aos (5) Até mesmo Pedro, que é muito
propósitos deste trabalho os de argu- solitário, veio à inauguração.
mentação interna (AI) e de argumenta- (même Pierre, qui est très solitaire,
ção externa (AE). A fim de explicitá-los, est venu à l’inauguration),
convém destacar, segundo Carel (2012),
que a TBS distingue duas maneiras de

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pode ser estudada argumentativamente crevem. Nos exemplos citados, a palavra
de duas maneiras. A primeira, que se prudente faz parte dos encadeamentos
interessa nas argumentações desenvolvi- que a descrevem. Outra característica
das no interior da própria frase, é capaz importante dessa argumentação é o
de explicitar que (6) Pedro é muito soli- fato de os aspectos pertencentes à AE
tário mesmo assim veio à inauguração existirem sempre em pares. Em outras
(Pierre est très solitaire pourtant il est palavras, se houver na AE de uma enti-
venu à l’inauguration) revela a argumen- dade o aspecto PRUDENTE DC SEGU-
tação interna (AI) de (5). E a segunda, RANÇA, por exemplo, haverá também
que se interessa pelas argumentações às PRUDENTE PT NEG-SEGURANÇA,
quais a frase (5) pode integrar-se, é capaz uma vez que, segundo Carel e Ducrot
de explicitar que (7) Até mesmo Pedro, (2005), cada aspecto em DC está asso-
que é muito solitário, veio à inauguração, ciado a um aspecto em PT mais NEG.
portanto o diretor está contente (même Explicitadas essas duas caracterís-
Pierre, qui est très solitaire, est venu ticas da AE, saliente-se que essa argu-
à l’inauguration donc le directeur est mentação também pode ser estrutural e
content) revela a argumentação externa contextual, classificações muitas vezes
(AE) de (5). necessárias a determinadas análises
Diante disso, conforme esclarecem discursivas. Classifica-se como estrutu-
Carel e Ducrot, a argumentação externa ral a AE que faz parte da significação
de uma entidade linguística é constituí- linguística da entidade, isto é, que está
da pelos encadeamentos argumentativos prevista pela língua, como é o caso de
que chegam à entidade (AE à esquerda) PRUDENTE DC SEGURANÇA e de
ou que partem dela (AE à direita) (2005, PRUDENTE PT NEG-SEGURANÇA,
p. 65). Partindo da palavra prudente, por cujos aspectos, segundo afirmam Carel
exemplo, encontram-se encadeamentos e Ducrot (2005), fazem parte da signifi-
como (8) Pedro é prudente, portanto não cação de prudente. Entretanto, quando é
se envolverá em acidentes e (9) Pedro é a situação discursiva que vincula a AE à
prudente, portanto viajará com seguran- entidade, deve-se classificar a AE como
ça. Ademais, encontram-se, formando a contextual, como é o caso dos aspectos
AE à esquerda de prudente, encadea- PRUDENTE DC MERECE CONFIAN-
mentos que chegam até prudente, como ÇA, PRUDENTE PT NEG-MERECE
é o caso de (10) Tem medo de morrer, CONFIANÇA, referidos a um motorista,
portanto é prudente. e, da mesma forma, PRUDENTE DC
É preciso observar, em vista disso, NEG-MERECE CONFIANÇA e PRU-
que uma propriedade da AE é o fato de DENTE PT MERECE CONFIANÇA, no
a própria entidade linguística fazer parte caso de se tratar de um guarda-costas.
dos encadeamentos externos que a des- São, portanto, AEs estruturais aquelas

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que estão estritamente determinadas cíprocos FINO DC PASSA e NEG-FINO
pela língua e, contextuais, aquelas que DC NEG-PASSA. Essa relação, suscetí-
dependem da situação discursiva. vel de aparecer na AI, não aparece na AE
Do mesmo modo, revisando-se deta- de entidades linguísticas. Essa é, então,
lhadamente o vínculo interno que existe outra importante diferença existente
entre enunciados e entidades semânti- entre argumentação interna e externa.
cas, a primeira característica da argu- Outra característica da AI que vai ao
mentação interna a ser realçada é que a encontro das características da AE é a
AI de uma entidade e, conforme palavras existência de AIs contextuais e de AIs
de Carel e Ducrot: “[...] está constituída estruturais. Segundo Carel e Ducrot
por um certo número de aspectos aos (2005), estas fazem parte da significação
quais pertencem os encadeamentos que da entidade linguística – como PERI-
parafraseiam essa entidade e” (2005, p. GO DC PRECAUÇÃO, AI estrutural
65, grifo do autor, tradução nossa)4. Por da entidade prudente –; e aquelas são
conseguinte, duas características básicas produzidas pelo próprio discurso, como
são explicitadas pelos referidos linguis- no enunciado de um anarquista que diz:
tas para diferenciar uma AI de uma AE. Chamo “livre” a quem faz o que a socie-
A primeira é que os encadeamentos que dade proíbe, cujo sentido de livre PROI-
fazem parte da AI de e não contêm e. Por BIDO DC FAZ, é construído no próprio
exemplo, a AI de prudente é PERIGO DC discurso. Logo, esse não é o sentido que
PRECAUÇÃO; de temeroso, NEG-PERI- livre tem na língua.
GO PT PRECAUÇÃO; e de inteligente, Ampliando ainda mais a noção de
NEG-FÁCIL PT COMPREENDE. E a argumentação interna, essencial às aná-
segunda é que, na AI de uma entidade, lises discursivas realizadas neste traba-
não se encontram dois aspectos conver- lho, faz-se importante trazer também a
sos, visto que a relação de conversão, noção de motivo argumentativo, a qual
conforme explicado anteriormente, diz é apresentada por Carel nos seguintes
respeito à AE. termos:
Vale lembrar que a relação discursiva [...] uma parte de texto constitui um “motivo
possível de aparecer na AI de algumas argumentativo” se, ao mesmo tempo, ela ex-
palavras – como ocorre, por exemplo, prime um aspecto e evoca um encadeamen-
to, isto é, se ela comunica um julgamento
nas palavras concretas exame e penei- completo (2012, p. 54, tradução nossa).5
ra – é a relação de reciprocidade. Na
AI de exame, encontram-se os aspectos Para exemplificar, observe-se a aná-
normativos BOM DC APROVA e, recipro- lise feita por Graeff de um trecho do
camente, NEG-BOM DC NEG-APROVA; livro Claude Gueux, de Victor Hugo, a
e, na AI da palavra concreta peneira, propósito do esclarecimento do conceito
encontram-se os aspectos normativos re- de motivo argumentativo. Confira-se o
trecho traduzido pela referida autora:

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Um inverno, o trabalho faltou. Nada de fogo
nem pão no sótão. O homem, a moça e a crian- Análise da proposta de
ça passaram frio e fome. O homem roubou.
Eu não sei o que ele roubou, eu não sei onde
redação do Enem 2011
ele roubou. O que eu sei, é que desse roubo
resultaram três dias de pão e de fogo para Retomados os conceitos necessários
a mulher e a criança, e cinco anos de prisão aos propósitos deste trabalho, apresenta-
para o homem (2012, p. 198, grifo do autor).6
-se o procedimento utilizado na análise
Conforme salienta Graeff, o principal dos textos que compõem a proposta
encadeamento argumentativo que esse de redação do Enem 2011 – corpus de
trecho permite evocar é roubou pequena análise deste trabalho, composta de um
quantidade mesmo assim sofreu grande parágrafo de instruções e de três textos
punição. Segundo Graeff: ditos “motivadores”.
A esse encadeamento se pode associar o as- Aos três textos foi aplicado o proce-
pecto argumentativo PEQUENO DELITO dimento que segue: a) dividiu-se o texto
PT GRANDE PUNIÇÃO, que pode ser a AI
de injustiça. Tem-se, assim, um julgamento em trechos que constituíssem um motivo
argumentativo completo ou um motivo argu- argumentativo, isto é, capazes de expres-
mentativo (2012, p.198-199, grifo da autora).
sar um aspecto e evocar um encadeamen-
São também úteis à análise argumen- to; b) foram evocados os encadeamentos e
tativa de textos, as noções de conexão por associados os aspectos expressos nesses
contiguidade e por similaridade propos- trechos; c) foram eliminados os trechos
tas por Graeff (2012), pois auxiliam na que reiteravam um mesmo aspecto ar-
seleção dos encadeamentos a reter e a gumentativo (enunciados conectados por
eliminar, durante o processo de leitura, similaridade) e mantidos os que faziam
para compreensão da ideia central do o tema do texto progredir (enunciados
texto. Mostra a referida autora que a conectados por contiguidade); d) por fim,
conexão por similaridade é produzida identificados o encadeamento e o aspecto
pelas relações entre enunciados que ex- argumentativo que expressavam a ideia
primem o mesmo aspecto argumentativo, central de cada texto, relacionaram-se
isto é, que têm a mesma AI, resultando essas ideias por meio da AI e da AE das
em mais de um julgamento argumenta- entidades que as compõem, construindo,
tivo, é responsável pela reiteração, pela desse modo, a ideia central da proposta.
exemplificação, pelo esclarecimento de Antes de se fazer a análise dos textos
um ponto de vista, de um mesmo aspecto é interessante mencionar a observação
argumentativo. Já a conexão por conti- de Graeff e Gomes (2012) sobre a influ-
guidade, produzida pelas relações entre ência das provas do Enem no surgimento
AI e AE de uma entidade linguística, do gênero proposta de redação. Se, antes
resulta num só julgamento argumenta- desse exame, uma proposta de redação
tivo, sendo essa, portanto, a conexão que poderia conter apenas uma instrução
permite a progressão temática do texto.  como escreva sobre x, atualmente elas

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aparecem com pelo menos um texto e um Desse discurso evoca-se, de início, o
título, o que passa a exigir do candidato encadeamento argumentativo normativo
capacidade de leitura. [A ONU declara que o acesso à rede é
A estrutura composicional das pro- direito fundamental, portanto pessoas,
postas de redação do Enem está rela- organizações e governos se mobilizam
tivamente estabilizada. Sempre inicia para expandir a todos com acesso livre
com a apresentação e a caracterização e gratuito] ao qual se associa o aspecto
da atividade a ser realizada, seguida de argumentativo SER DIREITO FUN-
mais de um texto, como se pode verificar: DAMENTAL DC TER GARANTIA DE
Com base na leitura dos seguintes textos ACESSO LIVRE E GRATUITO, que
motivadores e nos conhecimentos constru- constitui a argumentação interna de
ídos ao longo de sua formação, redija texto liberdade de acesso, cuja expressão está
dissertativo-argumentativo em norma culta
escrita da língua portuguesa sobre o tema diretamente relacionada ao título do
VIVER EM REDE NO SÉCULO XXI: texto.
OS LIMITES ENTRE O PÚBLICO E O Nessa direção, o conteúdo argumen-
PRIVADO, apresentando proposta de cons-
cientização social que respeite os direitos
tativo do texto em foco, filtrado pela
humanos. Selecione, organize e relacione, de subjetividade dos estudantes, poderia
forma coerente e coesa, argumentos e fatos servir-lhes como ponto de partida de sua
para defesa de seu ponto de vista.
redação e, fundamentalmente, deveria
Abaixo desse trecho, que fornece ins- perpassar seus projetos de texto.
truções ao estudante, relativas ao gênero Abaixo, apresenta-se o segundo texto
em que deverá desenvolver sua redação, da proposta, intitulado A internet tem
dissertativo-argumentativo, ao estilo ouvidos e memória, cuja argumentação
de linguagem a ser utilizado no texto, será analisada na sequência. Confira-se:
a norma culta da língua portuguesa, e Uma pesquisa da consultoria Forrester
ao tema a ser abordado, Viver em rede Research revela que, nos Estados Unidos, a
população já passou mais tempo conectada
no século XXI: os limites entre o público
à internet do que em frente à televisão. Os
e o privado, segue o primeiro texto da hábitos estão mudando. No Brasil, as pes-
proposta, intitulado Liberdade sem fio. soas já gastam cerca de 20% de seu tempo
Leia-se: on-line em redes sociais. A grande maioria
dos internautas (72%, de acordo com o Ibo-
A ONU acaba de declarar o acesso à rede um pe Mídia) pretende criar, acessar e manter
direito fundamental do ser humano – assim um perfil em rede. “Faz parte da própria
como saúde, moradia e educação. No mundo socialização do indivíduo do século XXI
todo, pessoas começam a abrir seus sinais estar numa rede social. Não estar equivale
privados de wi-fi, organizações e governos a não ter uma identidade ou um número de
se mobilizam para expandir a rede para es- telefone no passado”, acredita Alessandro
paços públicos e regiões aonde ela ainda não Barbosa Lima, CEO da e.Life, empresa de
chega, com acesso livre e gratuito (ROSA, monitoração e análise de mídias.
G.; SANTOS, 2011) (fragmento).

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As redes sociais são ótimas para disseminar Trecho 2: A grande maioria dos in-
ideias, tornar alguém popular e também ternautas (72%, de acordo com o Ibope
arruinar reputações. Um dos maiores
desafios dos usuários de internet é saber Mídia) pretende criar, acessar e manter
ponderar o que se publica nela. Especialis- um perfil em rede.
tas recomendam que não se deve publicar o O julgamento argumentativo desse
que não se fala em público, pois a internet é
um ambiente social e, ao contrário do que se
trecho é constituído pelo encadeamento
pensa, a rede não acoberta anonimato, uma argumentativo normativo [ser internau-
vez que mesmo quem se esconde atrás de ta, portanto criar, acessar e manter um
um pseudônimo pode ser rastreado e identi-
perfil em rede] e pelo aspecto argumenta-
ficado. Aqueles que, por impulso, se exaltam
e cometem gafes podem pagar caro. (Dispo- tivo nele expresso, SER INTERNAUTA
nível em: <http://terra.com.br>. Acesso em: DC TER IDENTIDADE NA REDE, que
30 jun. 2011. (adaptado). constitui uma AE de internauta.
Trecho 1: Uma pesquisa da consulto-
ria Forrester Research revela que, nos Trecho 3: “Faz parte da própria socia-
Estados Unidos, a população já passou lização do indivíduo do século XXI estar
mais tempo conectada à internet do que numa rede social. Não estar equivale a
em frente à televisão. Os hábitos estão não ter uma identidade ou um número de
mudando. No Brasil, as pessoas já gas- telefone no passado”, acredita Alessandro
tam cerca de 20% de seu tempo on-line Barbosa Lima, CEO da e.Life, empresa
em redes sociais. de monitoração e análise de mídias.
É importante observar que a orga- Interessante observar que esse trecho
nização semântico-argumentativa desse explicita um par de encadeamentos argu-
primeiro trecho realiza-se em torno da mentativos normativos cujos aspectos do
argumentação interna (AI) de os hábitos bloco semântico mantêm entre si relação
estão mudando, constituída pelo aspecto de reciprocidade. O primeiro encadea-
argumentativo FAZIA X PT NEG-FAZ mento, [estar numa rede social, portanto
MAIS, à qual, de acordo com Graeff ter participação social], tem como aspecto
(2012), os enunciados [Uma pesquisa expresso ESTAR EM REDE DC TER
da consultoria Forrester Research revela IDENTIDADE SOCIAL e o segundo, [não
que, nos Estados Unidos, a população já estar numa rede social, portanto não ter
passou mais tempo conectada à internet uma identidade ou um número de telefone
do que em frente à televisão] e [No Bra- no passado], possui como aspecto NEG-
sil, as pessoas já gastam cerca de 20% -ESTAR EM REDE DC NEG-TER IDEN-
de seu tempo on-line em redes sociais] TIDADE SOCIAL, recíproco do anterior.
conectam-se pelo processo de similari-
dade, visto que ambos funcionam como Trecho 4: As redes sociais são ótimas
exemplos e, portanto, reiteram a AI de para disseminar ideias, tornar alguém
Os hábitos estão mudando. popular e também arruinar reputações.

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Um dos maiores desafios dos usuários pensa, a rede não acoberta anonimato,
de internet é saber ponderar o que se uma vez que mesmo quem se esconde
publica nela. atrás de um pseudônimo pode ser ras-
Desse trecho, pode-se evocar o encade- treado e identificado. Aqueles que, por
amento argumentativo [as redes sociais impulso, se exaltam e cometem gafes
disseminam ideias para o bem e para podem pagar caro.
o mal, portanto exigem cuidado com o Desse trecho, que constitui um
que é publicado], cujo aspecto expresso argumento por autoridade, evoca-se o
é TUDO É PÚBLICO NAS REDES SO- encadeamento argumentativo normativo
CIAIS DC PRECAUÇÃO COM O QUE [não se fala em público, portanto não se
SE PUBLICA, que constitui uma AI de fala na rede] cujo aspecto nele expresso,
prudência em rede. Por haver o acréscimo NEG-DIZÍVEL EM PÚBLICO DC NEG-
de uma nova AI no texto, note-se que a -DIZÍVEL EM REDE, corresponde à AI
conexão existente entre os enunciados de conteúdo privado. Pelo fato de esse
desse quarto trecho e os que constituem aspecto argumentativo estar direta-
o terceiro trecho ocorre pelo processo de mente relacionado ao tema da proposta
contiguidade. de redação, é importante observar, no
quadrado argumentativo, também os ou-
Trecho 5: Especialistas recomendam tros aspectos que com ele se relacionam.
que não se deve publicar o que não se Confira-se o quadrado argumentativo do
fala em público, pois a internet é um bloco semântico que relaciona dizível em
ambiente social e, ao contrário do que se público a dizível em rede:

Figura 3 – BS1: relaciona dizer em público a dizer em rede

Fonte: imagem criada pelo autor (2014).

Eis que, de acordo com o conteúdo EM PÚBLICO PT DIZÍVEL EM REDE,


argumentativo explicitado no discurso haja vista que é exatamente a realização
em análise, vetava-se a possibilidade desse aspecto que arruína a reputação
de o aluno argumentar a partir do as- de muitas pessoas no século XXI. Note-
pecto (2), por exemplo, NEG-DIZÍVEL -se, entretanto, a possibilidade de se

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explicitar, por meio de até, o aspecto (1), mente anônimos, mas, ao contrário, não
transposto de (3), DIZÍVEL EM PÚ- há anonimato em rede, podendo-se, por
BLICO PT NEG-DIZÍVEL EM REDE. conseguinte, ter um “avatar” a qualquer
Ocuparia este último aspecto lugar em momento. Por fim, o encadeamento ar-
discursos argumentativamente de exce- gumentativo que esse trecho permite
lente qualidade, os quais, além de fugi- evocar é [exaltar-se, portanto sofrer conse-
rem ao senso comum, demonstrariam quências], cujo aspecto expresso, DIZER
preocupação em propor solução para o O QUE NEG-DIRIA EM PÚBLICO DC
problema. Evidentemente que o fato de SOFRER CONSEQUÊNCIAS, constitui
se tomar precaução, evitando-se dizer em a AI contextual de justiça.
rede inclusive conteúdos que se diriam Diante disso, chega-se à conclusão
em público, fora da rede, seria propor de que a ideia central desse segundo
aumentar o cuidado com o que se diz texto, que também compreende o con-
em ambientes virtuais, porque, muitas teúdo argumentativo do primeiro, pode
vezes, o internauta pode ser mal inter- ser resumida no aspecto argumentativo
pretado pelos outros usuários da rede e único, TER GARANTIA DE ACESSO
sofrer consequências diversas por isso. À REDE PT NEG-SER LIVRE PARA
Explicitados os aspectos do bloco PUBLICAR O QUE QUISER, o qual
semântico anteriormente referido, na está diretamente relacionado ao tema
sequência do discurso, evoca-se o en- da proposta de redação. Destaque-se que
cadeamento [é ambiente social, mesmo ele é transgressivo, posto que expressa
assim não acoberta o anonimato], que, de uma exceção de TER GARANTIA DE
acordo com o que propõe Graeff (2012), ACESSO À REDE DC SER LIVRE PARA
conecta-se por similaridade ao encadea- PUBLICAR O QUE QUISER.
mento seguinte, [esconder-se atrás de um Feita a análise dos dois primeiros tex-
pseudônimo, mesmo assim ser rastreado tos, contendo apenas linguagem verbal,
e identificado], uma vez que ambos têm o confira-se o último texto da proposta,
mesmo aspecto expresso, É AMBIENTE com linguagem verbal e não verbal.
PÚBLICO PT SER IDENTIFICADO, que
constitui a argumentação interna (AI) de
inexistência de anonimato. Notadamen-
te, esse último aspecto argumentativo
relaciona a ideia de que quanto maior o
espaço social maior o anonimato. Fala-se
de anonimato em cidades grandes em
contraposição à responsabilidade numa
cidade pequena. A internet tem cidadãos
do mundo que deveriam ser completa-

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Figura 4 – Quadrinhos dos anos 10

Fonte: figura retirada da proposta de redação do Enem 2011, em cujo texto explicita-se a seguinte referência: DAHMER,
A. Disponível em: <http://malvados.wordpress.com>. Acesso em: 30 jun. 2011.

Trecho 1: Malditas câmeras, somos CONTRA O CONTROLE, constitui uma


monitorados o tempo todo! AE de Sociedade do Controle.
O encadeamento argumentativo
que esse trecho permite evocar é [há Trecho 3: Apenas linguagem não
câmeras em todo lugar, portanto ser verbal
monitorado o tempo todo], cujo as- Observe-se que esse terceiro trecho,
pecto expresso é HAVER CÂMERAS contendo apenas linguagem não verbal,
EM TODA PARTE DC SER SEMPRE permite evocar o encadeamento argu-
MONITORADO, que constitui a AI mentativo transgressivo, [monitorar,
de Sociedade do Controle. Observe-se, mesmo assim ser monitorado], ao qual
além disso, que a AI de malditas, nesse se pode associar o aspecto argumenta-
trecho, é constituída pelo aspecto ar- tivo, já relacionado no primeiro trecho,
gumentativo NEG-DEVERIA HAVER no qual se constitui a AI de Sociedade
CÂMERAS PT HÁ. do Controle: HAVER CÂMERAS EM
TODA PARTE DC SER SEMPRE MO-
Trecho 2: Se você está me ouvindo, NITORADO.
saiba que podemos lutar contra a Socie- Desse modo, verifica-se que esse
dade do Controle juntos! terceiro quadrinho da tira tem a função
Da análise semântico-argumentativa de exemplificar, por meio de imagens,
dos enunciados desse segundo trecho o funcionamento da Sociedade do Con-
do texto resultam dois aspectos argu- trole, explicitando que até mesmo quem
mentativos neles expressos: o primeiro, monitora é monitorado. Portanto, de
OUVIR DC SABER [QUE PODE LUTAR acordo com o que propôs (GRAEFF,
CONTRA O CONTROLE], constitui uma 2012), pode-se dizer que esse trecho
AI de cidadania, e o segundo, HÁ SO- conecta-se aos anteriores pelo processo
CIEDADE DO CONTROLE DC LUTAR de similaridade, permitindo que fosse

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colocada, entre o segundo e o terceiro sobretudo, em articular esse último texto
quadrinho, a expressão por exemplo. aos dois anteriores, dentro dos padrões
Nessa direção, o sentido desse terceiro do texto dissertativo-argumentativo,
quadrinho, contendo apenas linguagem sem tangenciar ou até mesmo fugir ao
não verbal, é garantido pela linguagem tema proposto.
verbal – igualmente notado por Graeff Por fim, vale ainda destacar que a
e Gomes (2014),7 a propósito do estudo ideia central da proposta de redação
da relação entre linguagem verbal e não do Enem 2011 pode ser resumida no
verbal em tiras pela semântica argu- aspecto argumentativo transgressivo
mentativa. TER LIBERDADE ILIMITADA DE
Diante do exposto, é possível afirmar INTERAÇÃO PT TER DE LIMITAR O
que a ideia central desse último texto QUE PUBLICA, cujo bloco semântico
que compõe a proposta de redação pode relaciona ter liberdade ilimitada de in-
ser resumida no aspecto argumentativo teração e ter de limitar que se publica em
HAVER CÂMERAS EM TODA PARTE rede. Note-se que o primeiro segmento
DC SER MONITORADO, visto que ex- corresponde à ideia central do primeiro
plicita o próprio sentido de Sociedade texto e todo o encadeamento corresponde
do Controle. à ideia central do segundo texto.
Entretanto, é importante que se
observe aqui o acréscimo de um novo Considerações finais
tema à proposta de redação, uma vez
que o tema Viver em rede no século XXI: Considerando que este trabalho se
os limites entre o público e o privado já propôs apresentar procedimentos de
está delimitado no âmbito da internet, leitura de propostas de redação do Enem,
mais especificamente das redes sociais. com base na semântica argumentativa,
Logo, não pode ter relação direta com os procedimentos de análise a serem
o tema Sociedade do Controle. Ambos considerados nas situações de ensino
poderiam se conectar, por exemplo, num de leitura e produção textual e/ou de
assunto como Novas Tecnologias da In- avaliação, que se propuserem a utilizá-
formação e da Comunicação. No entanto, -los, são estes: a) devem-se evocar os
a própria língua veta a possibilidade encadeamentos argumentativos em DC
de se efetuar conexão por similaridade (portanto) e/ou em PT (mesmo assim)
entre enunciados que relacionam esses que resumem os textos; b) a cada enca-
dois temas num mesmo discurso, visto deamento argumentativo evocado deve-
que as suas argumentações internas -se associar o aspecto argumentativo do
devem ser diferentes. Acredita-se, em bloco semântico nele expresso; c) deve-se
razão disso, que os alunos poderiam encontrar o encadeamento argumen-
apresentar dificuldade em relacionar e, tativo que constitui a ideia central de

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cada texto da proposta e, por último, qualificada dos desempenhos do parti-
d) o encadeamento que resume toda a cipante em leitura.
proposta de redação, o qual corresponde Em vista disso, saliente-se a produti-
à sua ideia central. vidade de se levarem as ferramentas de
Relativamente à ideia central da pro- análise linguístico-discursiva, postas à
posta, observe-se que ela deverá coincidir disposição pela semântica argumenta-
com um encadeamento argumentativo tiva, para o ensino de leitura na escola,
em DC ou em PT, no caso de ser uma das visto que, como se apresentou neste
duas unidades semânticas básicas, ou, trabalho, além de ser possível ensinar
no caso de ser uma estrutura complexa, procedimentos de leitura de propostas de
com a articulação de encadeamentos em redação, o professor também conseguirá
DC – caso do uso de mas de oposição in- assegurar aos estudantes um tratamento
direta, como Pedro estudou, mas a prova mais justo na avaliação de seus desem-
foi muito difícil – ou com a articulação penhos em leitura.
de um encadeamento em DC e outro
em PT – caso de dois predicados ligados Argumentative reading of
por mas também, como Eu defenderei os Enem’s composition proposal
interesses dos que votaram em mim, mas and criteria for defining escape
também dos que votaram contra mim,
and tangency of the theme
conforme a descrição apresentada por
Carel (2005). Abstract
Encontrada a ideia central da propos- This work proposes an integrated
ta de redação, podem-se definir os concei- reading of the texts that compose the
tos de entendimento, tangenciamento e Enem 2011’s composition proposal,
fuga de tema, essenciais para a avaliação which explains the relationship be-
tween the central ideas of each text,
de desempenhos em leitura. No caso da to reach the central idea of the pro-
proposta de redação do Enem analisada posal. From this it is seeking to es-
neste trabalho, entender o tema significa tablish the limits of understanding,
explicitar os dois predicados que consti- tangency and escape from the central
idea of the composition proposal. This
tuem o aspecto argumentativo da ideia
reading procedure uses principles and
central da proposta; tangenciar o tema concepts of the Theory of the Seman-
significa explicitar, no texto, apenas um tic Blocks – current version of the
dos predicados dessa ideia central e fugir theory of Argumentation Within Lan-
do tema significa não explicitar nenhum guage – developed by Oswald Ducrot
and Marion Carel at School for Ad-
dos dois predicados que constituem a vanced Studies in Social Sciences in
ideia central da proposta. Tendo-se os Paris. The aim of this study provide
referidos conceitos bem estabelecidos, theoretical and methodological subsi-
pode-se assegurar uma avaliação mais dies capable of to qualify the teaching
of reading practices and production

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dissertative-argumentative texts, and Furlanetto; GOMES, Lauro. A relação semân-
the criteria used in the evaluation of tica entre linguagem verbal e não verbal em
reading performance. tiras, com base na semântica argumentativa.
Estudos da Língua(gem), Vitória da Conquista,
v. 13, n. 1, p. 47-62, 2015. ISSN 1808-1355-ver-
Keywords: Reading. Composition pro- são impressa. ISSN 1982-0334-versão online.
posal. Teaching. Semantic block.

Notas Referências
1
Este trabalho foi desenvolvido na dissertação de CAREL, Marion. Pourtant: argumentation
mestrado de Lauro Gomes, intitulada Avalia- by exception. Journal of Pragmatics, Phila-
ção de leitura e produção de textos dissertativo- delphia, v. 24, p. 167-188, 1995.
-argumentativos pela Teoria da Argumentação
na Língua, orientada por Telisa Furlanetto ______­. O que é argumentar? Desenredo, Pas-
Graeff, defendida no PPGLetras da Universi- so Fundo, v. 1, n. 2, p. 77-84, jul./dez. 2005.
dade de Passo Fundo em 2014. _______. Introduction. In: CAREL, M. (Org.).
2
A afirmação de que a avaliação do desempenho
Argumentation et polyphonie: de Saint Au-
do participante na leitura da proposta de reda-
ção envolve subjetividade baseia-se na aborda-
gustin à Robbe-Grillet. Paris: L’Harmattan,
gem cognitivista de Van Dijk (1992), segundo 2012. p. 7-58.
a qual a interpretação é um ato mental, um _______. Tu serás um homem, meu filho. Um
processo cognitivo dos usuários da linguagem, prolongamento da doxa: o paradoxo. Desen-
sendo, portanto, o seu resultado uma represen-
redo, Passo Fundo, v. 9, n. 2, p. 254-270, jul./
tação conceitual do discurso na memória.
3
Saliente-se que a objetividade, à qual se faz
dez. 2013.
referência aqui, é uma objetividade que evita CAREL, Marion; DUCROT, Oswald. La se-
a discrepância. Reconhece-se a impossibilidade mántica argumentativa: una introducción a
de se eliminar plenamente a subjetividade do la teoría de los bloques semánticos. Tradução
examinador no processo de avaliação; crê-se, no
de María Marta Negroni e Alfredo M. Lesca-
entanto, que, atribuindo critérios linguísticos
no. Buenos Aires: Colihue, 2005.
de avaliação de leitura e escrita, podem-se en-
volver menos as crenças pessoais do avaliador COSTA VAL, Maria da Graça. Redação
no processo de avaliação. e textualidade. 3. ed. São Paulo: Martins
4
“[...] está constituida por un cierto número de Fontes, 2006.
aspectos a los que pertenecen los encadena-
mientos que parafrasean esta entidad e.”  DUCROT, Oswald. Polifonía y argumentaci-
5
“[...] un morceau de texte constitue un ‘motif ón. Conferencias del Seminario Teoría de la
argumentatif’ si, à la fois, il exprime un aspect Argumentación y Análisis del Discurso. Cali:
et évoque un enchaînement, c’est-à-dire s’il Universidad del Valle, 1990.
communique un jugement complet.”
6
“Un hiver, l’ouvrage manqua. Pas de feu ni de _______. A conexão entre os enunciados no
pain dans le galetas. L’homme, la fille et l’enfant texto com base na semântica argumentativa.
eurent froid et faim. L’homme vola. Je ne sais Desenredo, Passo Fundo, v. 8, n. 2, p. 197-208,
ce qu’il vola, je ne sais où il vola. Ce que je sais, jul./dez, 2012.
c’est que de ce vol il résulta trois jours de pain et
feu pour la femme et pour l’enfant, et cinq ans GRAEFF, Telisa Furlanetto; GOMES, Lauro.
de prison pour l’homme.” De prática discursiva a um novo gênero: pro-
7
Este trabalho, intitulado A relação semântica posta de redação. In: SEMINÁRIO NACIO-
entre linguagem verbal e não verbal em tiras, NAL DE LÍNGUA E LITERATURA: TEORIA
com base na semântica argumentativa, de E PRÁTICA – DIÁLOGOS EM DISCURSOS,
autoria de Telisa Furlanetto Graeff e Lauro 4., 2012, Passo Fundo. Anais..., Passo Fundo:
Gomes, encontra-se, no prelo. GRAEFF, Telisa UPF Editora, 2012. p. 1-10.

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INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pes-
quisas Educacionais Anísio Teixeira. Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem). A redação
no Enem 2013: guia do participante. Brasília:
Inep/MEC, 2013.
VAN DIJK, Teun A. Cognição, discurso e
interação. São Paulo: Contexto, 1992. (Orga-
nização e apresentação de Ingedore V. Koch).

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