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midiáticas, isto é, suas relações sociais e de poder são intermediadas pelas diversas
modalidades de mídia (FONSECA, 2011, p. 43), como os jornais impressos, sua operação
não consiste apenas no agendamento de temas, mas na seleção de aspectos e construção
ideológica das notícias. Processo que contribui para a formulação e disseminação continuada
de percepções sobre a realidade objetiva e conformação de um novo tipo de articulação
simbólica, calcada na interpenetração entre os universos jornalístico e político com impactos
sobre a própria a natureza do poder. O traço simbólico do discurso jornalístico insere-o, por
sua vez, no campo das lutas hegemônicas pelo controle do imaginário coletivo e da percepção
cultural de uma sociedade como “espaço da consciência crítica do ser social”, o que implica a
tarefa forjadora da própria liberdade humana, passando pela conquista hegemônica da
formação de consensos sociais.
Cultura e política, portanto, estão geneticamente associadas e são objeto de arguta
reflexão no pensamento do marxista italiano, Antônio Gramsci . Neste sentido, as dimensões
cultural e política estão interligadas pela hegemonia enquanto algo que opera não apenas
sobre a estrutura econômica e sobre a organização política da sociedade, mas também sobre o
modo de pensar, sobre as orientações e sobre os modos de conhecimento (SIMIONATTO,
1998, p. 47), ou seja, o forjar de sentidos sobre a própria realidade. A hegemonia, portanto,
atua sobre imaginários sociais.
Na sua relação central com o universo da comunicação, o conceito de hegemonia
Deste modo, ao contrário da visão marxista tradicional, a hegemonia tem a ver com
“entrechoques de percepções”, enfatizando a produção de saberes e representações de mundo
na formulação de uma “direção cultural”, ultrapassando a esfera do econômico. Enquanto
modelo persuasivo, a hegemonia atua como controle do imaginário social, usando entre
outros meios dos Aparelhos Privados de Hegemonia (APH), como os jornais impressos, que
cumprem o papel de “caixas de ressonância” das disputas ideológicas. Ao comentar Gramsci,
Moraes ainda observa a questão central da relação entre hegemonia e comunicação “a partir
da condição privilegiada de distribuidores de conteúdo” (MORAES, 2010, p. 61). Neste
sentido, a mídia impressa tende a fixar “os conteúdos ideológicos da ordem hegemônica”.
Dentro desta lógica, a imprensa seria “a parte mais dinâmica” da estrutura ideológica do
capitalismo, organizando tais visões de mundo, produzidas pelo conjunto de forças
dominantes.
Na medida em que interferem com a “cartografia do mundo coletivo”, tais APHs
atuam sobre o conjunto de símbolos, alegorias, mitos, ritos e afetos. Os símbolos revelam o
que está por trás da organização da sociedade e da própria compreensão da história humana
(MORAES, 2002, p.1) e operam no sentido de naturalizar visões de mundo e auxiliar na
condução política de grupos sociais.
A natureza do conflito consiste no fato de que ele é travado no terreno das ideias e das
construções imaginárias coletivas, isto é, “uma luta pela sistematização de formas culturais”.
Portanto, cultura e linguagem consistem em instâncias de domínio no interior das quais e
pelas quais diferentes grupos sociais buscam impor suas próprias hegemonias em dada
sociedade. Na medida em que, em termos de domínio do imaginário, o controle das
subjetividades se coloca em primeiro plano, é fundamental a análise das narrativas tecidas
pela mídia hegemônica. “Posto que a linguagem é um dado social que estrutura a consciência,
cabe indagar sobre as narrativas e as formas de comunicação predominantes na consciência
popular na sociedade contemporânea” (COUTINHO, 2002, p.4). Tendo em vista que os
processos de domínio implicam tensão permanente entre diferentes grupos e classes sociais,
com diferentes níveis de acessos aos Aparelhos Privados de Hegemonia (APH), - como a
imprensa -, os jogos de poder se tornam permanentes na arena midiática. “Uma hegemonia
viva é um processo. Um processo de luta pela cultura” (COUTINHO, 2008, p. 77) e que
também pode se desenvolver no interior da própria mídia em virtude de potenciais diferenças
ideológicas entre seus profissionais. Pensar a cultura a partir dessa percepção dinâmica e de
conflito implica que ela pode ser compreendida como:
Como Gramsci, Bakhtin concebe a dimensão ideológica sob a forma de disputa sobre
o sentido do mundo com sua consequente naturalização; ambos, por isso, enfatizam o
potencial de reversão de sentido e a capacidade contra-hegemônica dos diferentes grupos
sociais. Como bem observou Coutinho (2012), o confronto de interesses sociais nos limites
de uma só e mesma comunidade semiótica, em Bakhtin, encontra ressonância na percepção
da linguagem e da cultura como luta pela hegemonia político-cultural.
Portanto, o enquadramento pode ser concebido como marco que constitui os modos
através dos quais se cataloga a experiência cotidiana e, por isso, não são apenas definidores
do significado da realidade, mas estabelecem também os modos apropriados de participar
dela (GONZAGA, 2010, p. 139). Quadros de sentido e modelos acionais. Esta característica
semiótica - a de que sua ação de demarcação do acontecimento é parte deste acontecimento
e em parte o define (ibid., p. 140, grifo nosso) encontra correlação na percepção de William
(1979) de que os signos são constituídos e constituidores da própria realidade. O caráter
reflexivo do frame, portanto permite inferir que a descrição de um evento social seja parte
essencial do reconhecimento desse acontecimento enquanto unidade social descritível (ibid.
p.140, grifo nosso). Daí se conclui que a mídia não apenas agenda nossas preocupações, mas
também influi sobre como pensamos. Pode-se, desta forma, defender que frames são padrões
persistentes de cognição, seleção, ênfase e exclusão (ibid., p. 141, grifos nossos) e, portanto,
são parte integrante do processo da reportagem.
As primeiras categorias analíticas utilizadas serão, respectivamente, a eufemização,
representação de atores sociais por meio de sua agência, a agregação e a generalização.
Como já foi dito, a eufemização opera reduções da intensidade e do impacto da ação de
determinado sujeito sobre a realidade (ou sobre outros sujeitos); a representação pode
enfatizar a ação de atores sociais ou mesmo deslocar suas agências para um verbo, instituindo
mecanismo potencial de proteção. A agregação, por sua vez, contribui para a criação de dados
estatísticos ao passo que a generalização atua constituindo sujeitos coletivos. Nesta parte,
procura-se avaliar, em especial, o uso da eufemização nas manchetes da página principal de
política. Dando início à análise, a manchete da Folha de São Paulo do primeiro dia de
publicação do escândalo (FSP, dia 18/05), “Delator envolve Temer em compra de silêncio de
Cunha”, atua reduzindo o impacto político do caso a partir do uso do verbo “envolver”. Basta
observar que o referido verbo poderia ser substituído por “acusar” ou “suspeitar”, adensando
a negativização do discurso. Da possibilidade valorativa e negativa máxima - “Delator acusa
Temer...” – ou da modalidade intermediária – “Delator suspeita...” - desloca-se, por
eufemização, para “envolve”.
Ao mesmo tempo, a expressão “compra de silêncio” tende a blindar o ator social,
quando contraposta ao termo “propina”, como na possível manchete, “Delator acusa Temer
de usar propina para silêncio de Cunha”. Ainda no mesmo dia, pode-se observar mecanismo
de generalização, quando a acusação de uso ilícito de dinheiro é deslocada para o então
ministro da Fazenda das administrações de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff,
Guido Mantega. No trecho “Também o PT é atingido, com a acusação de que o ex-ministro
Guido Mantega era o contato do conglomerado junto ao partido”, a ênfase recai sobre o
sujeito coletivo e não apenas sobre o indivíduo. As realizações linguísticas anteriores, que
atuaram por nomeação, mencionaram apenas Michel Temer e Aécio Neves sem destacar suas
siglas partidárias (PMDB e PSDB). No caso em questão, deslocou-se a denúncia do ator
social para o sujeito coletivo – o partido PT – através de generalização, que potencialmente
atinge a todos os integrantes da sigla.
Na manchete do dia seguinte (FSP, 19/05), pode-se observar adensamento do
mecanismo de eufemização sobre o áudio, base da denúncia: “Temer descarta saída; áudio
sobre Cunha não é conclusivo”. O juízo de valor enfatiza o caráter inconclusivo do material,
que se tornará, nos primeiros dias de cobertura, o enquadramento primordial da cobertura,
abrindo a possibilidade de redução da crise política à dimensão jurídica. Na manchete do dia
20/05, podem-se observar o deslocamento da ênfase do ator à agência: “Procurador vê
indícios de três crimes em atuação de Temer”. No caso, a manchete atua para transferir a
suspeita de ilicitude para sua ação, contribuindo para minorar o impacto da acusação sobre a
integridade de Temer. A edição do dia 25/05 apresenta uma série de realizações linguísticas,
como pode ser visto pela manchete, “Ato tem conflito e depredação; Temer chama Forças
Armadas”. A estrutura enquadra a decisão arbritrária do presidente “chamar as Forças
Armadas”, com conotação autoritária, como resultado do “conflito e depredação”, expressões
clássicas que conotam, no imaginário social, ruptura da ordem pública. Ademais, a
intensidade do verbo “convocar” – “Temer convoca as Forças Armadas” – é diluída pelo
caráter pretensamente neutro do verbo “chamar”. O verbo, também de conotação negativa,
“decretar” será usado apenas no texto, o que permite observar que a manchete se configura
como o espaço privilegiado de inserção de verbos de sentido negativo menos intenso.
O expediente da enumeração, por sua vez, permite com que se contabilize, na visão
do jornal, a extensão dos danos – “oito ministérios depredados”, “dois incendiados” e “41
feridos”. Por outro lado, os atores sociais de esquerda que, pela primeira vez, recebem ampla
cobertura, são concebidos como antagônicos à ordem e enumerados em sequência
generalizáveis: “sindicalistas”, “professores” e “sujeitos mascarados”, estruturando a menção
de cada grupo social a partir de graus de intensificação negativa, até culminar com os
“mascarados”. Na edição (FSP, 8/06), a manchete “Temer muda versão e admite viagem em
jato particular”, o processo de eufemização se evidencia quando a expressão “mudar versão”
é contraposta ao verbo “mentir” ou a expressões similares – “Temer mente/admite mentir...”.
No corpo textual, a expressão usada é “o presidente Michel Temer mudou o
posicionamento oficial” ao passo que, mesmo nos “bastidores”, o verbo principal é
“reconhecer” (“Nos bastidores, os assessores reconhecem que o avião era do empresário
[Joesley Batista, um dos donos do JBS]”). As realizações linguísticas posteriores apontam
que para “justificar o recuo”, a “equipe do presidente disse que cometeu um erro”,
expressão que aqui tende a ocupar o lugar do provável deslize para com a verdade dos fatos.
Como resultado, Temer “prestará explicações” e não “esclarecimentos”, palavra cujo sentido
remete a escuridão, conluio e conchavo no universo da política, ou seja, o ator social que está
em condições de “explicar” se distancia daquele obrigado a “esclarecer”.
A reportagem “Arquiteto cobrou coronel por reforma para filha de Temer”
(FSP,16/06) versa sobre suspeita, deflagrada pela denúncia de Joesley Batista, de que o
coronel, João Baptista Lima Filho, seria “laranja do presidente, isto é, estaria recebendo, em
nome de Temer, dinheiro ilícito. Parte desta verba teria sido, de acordo com a cobertura da
FSP, destinada à reforma de apartamento da filha de Temer, constituindo caso semelhante à
acusação de irregularidade que pesa sobre o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, acerca
da reforma de apartamento triplex em Guarujá. Lula foi condenado em primeira instância. De
acordo com a reportagem, na casa do coronel foi encontrado email “com sinais de que ele
cuidou de pagamento da reforma de um imóvel de Maristela [filha de Temer]”. O termo
técnico do inquérito – “indícios” – foi abortado da matéria, contribuindo para dificultar
possíveis comparações de ilicitude entre os casos Lula e Temer. Na reportagem, Temer é
mencionado como suspeito de ter dado “aval para comprar silêncio de Eduardo Cunha”,
apontando para realização discursiva que tende a substituir “propina”. Finalmente, na
reportagem sobre a votação na Câmara (FSP, 3/08), a intensa distribuição de recursos de
emenda a parlamentares na compra de votos para a absolvição de Temer – marca central do
caráter antirrepublicano da cultura política brasileira - foi definida como “cenas de uso da
máquina”.
Nesta segunda parte, busca-se analisar o corpus textual a partir das categorias
intertextualidade (anexação de discurso), expurgo do inimigo, metáfora, julgamento de
valor e pressuposição. A primeira categoria permite com que se avalie a anexação de outras
vozes ao discurso do autor do texto e, fundamentalmente, a relação hegemônica que se
estabelece entre os discursos. Já o expurgo do inimigo, categoria desenvolvida por
Thompson, aponta para o processo limite de deslegitimação do antagonista ao passo que as
metáforas criam imagens que, em tese, afetariam a percepção do (a) leitor (a) do texto. O
julgamento explicita um ponto de vista; a pressuposição encarna um ponto de vista não
explicitado. Na reportagem do dia 18/02, observa-se anexação do discurso de Temer por
ordem indireta no qual o presidente, em nota, “negou que tenha participado de movimento
para impedir delação de Cunha”. A interlocutores, ele teria, no entanto, admitido que Joesley
“mencionou na conversa ajuda financeira a Cunha”. Percebe-se que a anexação do discurso
de Temer sempre vem acompanhada de expressões de eufemização, que operam para
neutralizar a denúncia da reportagem.
Na reportagem do dia seguinte (19/05), o autor estabelece juízo de valor fundamental
sobre as consequências da reportagem: “mercados desabaram e base aliada esteve perto de
cair”. Na avaliação, realização por enumeração de resultados, o discurso da FSP enfatiza,
sobretudo, a desestabilização da ordem econômico-financeira, que virá a se tornar o cerne de
sua crítica à denúncia de Joesley Batista. Na análise, o jornal reporta que a Bolsa de Valores
de São Paulo estaria enfrentando o “quinto pior pregão do século”, o que teria levado os
operadores a optarem pelo “circuit breaker”, expressão em inglês para a suspensão das
negociações por meia hora. Desta forma, a FSP atua na construção de dois pólos
informacionais, o desabamento dos mercados, inserido no primeiro parágrafo, e a crise na
Bolsa, inserida no penúltimo, definindo a lógica de cobertura de todo o período. Nas duas
últimas linhas, a sociedade civil é mencionada por generalização – “houve manifestações”.
As realizações linguísticas optaram por verbos de intensidade relacionados à reação
do presidente – “(...) Michel Temer (PMDB) prometeu em pronunciamento à nação resistir
no cargo: ‘Não renunciarei. Repito: não renunciarei’, declarou”. A seleção verbal, que
ocorre na segunda matéria do escândalo, contribui para conferir hegemonia ao discurso de
Temer e adensar sua defesa diante da “nação”. A reiteração da expressão verbal tende tanto a
positivar sua decisão de permanecer no cargo quanto a adensar sua capacidade de resistir às
adversidades. A reportagem do dia 21/05 abre espaço para a operação do expurgo do outro,
com a introdução de anexação de discurso de forma direta e indireta (com ou sem citações).
Definindo a acusação de corrupção como “pífia” Temer ainda denominou o áudio de
“fraudulento” e acusou Joesley Batista de “falso testemunho”, de perpetrar o “crime perfeito”
e de lucrar “bilhões” em operações de câmbio. Neste sentido, por meio da aproximação dos
discursos do autor do texto e das citações do presidente, a FSP tende a assumir com Temer
uma mesma posição de crítica – que se estende ao plano moral – à atitude do dono do JBS. A
coalescência discursiva permite a construção da figura do inimigo público a ser combatido.
A anexação de discurso direto, na mesma reportagem, sintetiza o ponto de vista da
FSP/Temer: “O Brasil saído da mais grave crise econômica de sua história vive agora dias
de incerteza”. Ao longo de sua cobertura, a anexação de outras vozes pelo jornal vai se
configurando como tática de consolidação da posição de Temer que, embora percebida como
crítica, pode ser superada. Assim, no dia 22/05, lê-se o conselho do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso (FHC), orientando Temer a “resistir a momentos de instabilidade”,
discurso que contribui para conceber o panorama político como crise, isto é, como
adensamento de problemas a serem superados e enfrentados. No diálogo, por telefone, entre
FHC e Temer, o ex-presidente “lembrou de crises que enfrentou” – e que teriam sido
superadas. De forma sutil, a FSP, ao usar a voz do ex-presidente, tende a introduzir no
presente crítico de Temer a necessidade do enfrentamento e, em consequência, a
possibilidade da permanência futura no cargo.
No dia seguinte (FSP, 23/05), Temer é concebido como estrategista político. Por meio
da expressão “ao mesmo tempo em que”, o presidente é descrito como ator político que: 1)
“desiste” do processo no STJ, mas 2) “recrudesce” esforços no Congresso para aprovação de
“pacote de medidas econômicas”. Apesar do verbo “desistir” implicar, a princípio, recuo, a
seleção dos demais verbos parece operar no adensamento do capital político de Temer:
“recrudesceu o esforço”, “para tentar, no Congresso, se reerguer”, “mobilizou líderes”.
Por definição, a política é o espaço do recuo e do recrudescimento, movimentos que
compõem a estratégia do jogador, encarnado em temer. Na reportagem, há menção à esquerda
política, concebida como ator social antagonista cujas futuras ações são construídas por
pressuposição: “O governo, entretanto, vai enfrentar a resistência da oposição, que promete
barrar as votações.” A construção semiótica (e política) da imagem de esquerda como
antagonista adquire grau ainda mais negativo dois dias depois (25/05), quando sua imagem é
deslocada de oponente para inimigo público por meio da realização linguística do expurgo do
outro. Definindo a Explanada dos Ministérios como “campo de batalha”, a reportagem opta
pela narrativização do evento, apontando como estopim a chegada da manifestação: “A
confusão começou por volta das 13h30, quando a manifestação se aproximava de um
bloqueio policial a 500 metros do Congresso.” Aos “sindicalistas” e “manifestantes” foram
anexados verbos de violência física: “forçaram as grades”, “uma multidão se engajou na
tentativa de invadir o Congresso”.
A anexação da voz de um ator social de esquerda, a deputada federal, Vanessa
Grazziotin (PCdoB), se deu, ao que tudo indica, para corroborar a imagem agressiva dos
manifestantes: “Companheiros mascarados, por favor, temos mães aqui, vamos manter a
calma”. Por meio de metáforas de violência – “palco de batalha” – ou ênfase em descrições
de embate – “policiais militares deram tiros com armas letais”, “um estudante de Santa
Catarina que teve a mão decepada por um rojão” -, a cobertura operou no sentido de diluir
o conteúdo político da manifestação e blindar o arbítrio da decisão de chamamento das
Forças Armadas.
Já a reportagem do dia 5/06 opera na desconstrução de outro oponente, o procurador-
geral da República, Rodrigo Janot, como pode ser visto na manchete, “Temer faz ofensiva
contra Janot após prisão de aliado”. A defesa de Temer “desferiu ataques públicos” contra a
PGR, no intuito de “blindar” o presidente contra “impacto político”. Neste caso, pode-se
observar que o quem “desfere ataques públicos” não é Temer, mas sua defesa, cujo discurso –
e consequente ponto de vista – é anexado à reportagem, apontando para “movimentos e
iniciativas de Janot às vésperas do julgamento do TSE na tentativa de constranger o
tribunal a condenar o presidente”. O uso de palavras como “movimentos” e “iniciativas” e
do advérbio “vésperas” tem o potencial de produzir a percepção de táticas para “constranger”
o tribunal, deslegitimando o papel do procurador e questionando o republicanismo de sua
atitude. O discurso de Gustavo Guedes, advogado de Temer, não é apenas anexado por
mecanismos de ordem direta (com aspas) ou indireta (sem aspas), ele é transformado no
discurso hegemônico da reportagem e, por isso, utilizado como mecanismo simbólico de
deslegitimação de Janot. Cria-se, por meio deste expediente linguístico, a fusão dos pontos de
vista do jornal e de Guedes/Temer que antagoniza a PGR. O cerco se fecha, porém, quando –
ao preservar fontes – a FSP avalia que, “para assessores”, Janot e o relator do caso, no STF,
Edson Fachin fariam uma “dobradinha” contra Temer, expediente que tende a deslegitimar
o caráter republicano tanto do ministro do STF quando da PGR.
A manchete do dia 10/06, que publica a absolvição de Temer pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) – “Aliado de Temer, Gilmar defendeu a absolvição” – demonstra a força das
alianças políticas de Temer na corte.