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A
seguinte
resposta
pode
ser
dada
a
essa
pergunta:
mais
que
tudo,
cada
projeto
é
uma
tentativa
de
adquirir
uma
solidão
sancionada.
Realmente,
a
falta
de
um
plano
de
qualquer
tipo
inevitavelmente
nos
coloca
a
mercê
do
curso
geral
dos
eventos
do
mundo,
do
destino
universal
global,
obrigando-‐nos
a
manter
comunicação
constante
com
nosso
entorno
imediato.
Isso
é
marcadamente
visível
no
caso
de
eventos
que
per
definitionem
ocorrem
sem
planejamento
prévio,
tais
como
terremotos,
grandes
incêndios
ou
inundações.
Essa
variedade
de
eventos
aproxima
mais
as
pessoas,
forçando-‐as
a
comunicarem-‐se
umas
com
as
outras
e
a
agirem
em
uníssono.
Mas
o
mesmo
também
se
aplica
a
qualquer
tipo
de
desgraça
pessoal
—
quem
quer
que
tenha
acabado
de
quebrar
uma
perna
ou
tenha
sido
acometido
por
um
vírus
imediatamente
se
torna
dependente
de
ajuda
externa.
Mas
na
vida
cotidiana,
mesmo
quando
levada
de
forma
negligente
e
sem
propósito,
as
pessoas
mantém
um
elo
comum
por
compartilharem
um
ritmo
de
trabalho
e
recreação.
Nas
condições
prevalecentes
do
cotidiano,
os
indivíduos
que
não
estão
preparados
para
se
comunicar
a
qualquer
momento
com
seus
companheiros
são
rotulados
como
difíceis,
anti-‐sociais
e
hostis,
e
estão
sujeitos
à
censura
social.
Mas
esta
situação
passa
por
uma
reviravolta
no
momento
em
que
alguém
pode
apresentar
um
projeto
individual
socialmente
sancionado
como
a
razão
do
seu
auto-‐isolamento
e
renuncia
a
qualquer
forma
de
comunicação.
Todos
nós
aceitamos
que
quando
alguém
tem
que
executar
um
projeto,
está
sob
imensa
pressão
do
tempo
que
não
deixa
espaço
para
qualquer
outra
coisa.
Comumente
se
aceita
que
escrever
um
livro,
preparar
uma
exposição
ou
tentar
fazer
uma
descoberta
científica
são
passatempos
que
autorizam
o
indivíduo
a
evitar
o
contato
social,
a
se
descomunicar,
ou
mesmo
se
ex-‐comunicar
—
sem
no
entanto
ser
automaticamente
julgado
como
uma
má
pessoa.
O
paradoxo
(acordado)
em
relação
a
isso
é
que
quanto
mais
tempo
o
projeto
esteja
programado
para
durar,
maior
será
a
pressão
de
tempo
à
qual
se
estará
sujeito.
Muitos
dos
projetos
que
são
aprovados
na
cena
atual
do
mundo
artístico
são
agendados
para
se
desenvolverem
por
uma
período
de
no
máximo
cinco
anos.
Em
troca,
depois
desse
período
limitado
de
reclusão,
se
espera
que
o
indivíduo
apresente
um
produto
acabado
e
retorne
para
a
fronteira
da
comunicação
social
—
pelo
menos
até
o
momento
em
que,
possivelmente,
ele
ou
ela
envie
uma
proposta
para
um
novo
projeto.
Além
disso,
nossa
sociedade
ainda
continua
a
aceitar
projetos
que
podem
ocupar
uma
pessoa
por
toda
a
duração
da
sua
vida,
como
por
exemplo
nos
campos
da
ciência
ou
da
arte.
Alguém
em
uma
busca
ávida
por
um
objetivo
particular
de
conhecimento
ou
atividade
artística
tem
permissão
para
não
ter
nenhum
tempo
para
seu
ambiente
social
por
um
período
ilimitado.
De
qualquer
modo
ainda
se
espera
dele
que,
pelo
menos
no
momento
final
de
sua
vida,
tenha
algum
tipo
de
produto
acabado
para
mostrar
—
isto
é,
uma
obra
—
que
vai
retrospectivamente
conferir
uma
justificativa
social
pela
vida
que
passou
em
isolamento.
Mas
também
existem
outros
tipos
de
projeto
que
não
tem
limite
de
tempo
definido,
projetos
infinitos,
como
a
religião
ou
a
construção
de
uma
sociedade
melhor,
que
irrevogavelmente
retiram
as
pessoas
da
sua
contemporaneidade
comunicativa
e
as
transfere
para
o
tempo
paralelo
de
um
projeto
solitário.
A
execução
de
tais
projetos
normalmente
requer
esforço
coletivo.
O
isolamento
de
um
projeto
então
frequentemente
se
torna
um
isolamento
compartilhado.
Numerosas
comunidades
religiosas
e
seitas
são
conhecidas
por
terem
se
retirado
completamente
do
invólucro
comunicativo
para
seguir
os
seus
próprios
projetos
religiosos
de
aperfeiçoamento
espiritual.
Durante
a
era
comunista,
países
inteiros
cortaram
relações
com
o
resto
da
humanidade
para
alcançar
seu
objetivo
de
construção
de
uma
sociedade
melhor.
Evidentemente,
hoje
se
pode
dizer
seguramente
que
todos
esses
projetos
falharam,
já
que
não
têm
nenhum
produto
final
para
apresentar,
e
porque
em
um
determinado
momento
da
história
seus
defensores
também
abandonaram
o
seu
auto-‐isolamento
para
reentrar
na
comunicação
irrestrita.
Do
mesmo
modo,
a
modernização
é
geralmente
entendida
como
a
expansão
constante
da
comunicação,
como
um
processo
de
secularização
progressiva
que
dispersa
todos
os
estados
de
solidão
e
auto-‐isolamento.
A
modernização
é
vista
como
a
emergência
de
uma
nova
sociedade
de
inclusão
total,
que
elimina
todas
as
formas
de
exclusividade.
Mas
o
projeto
como
tal
é
um
fenômeno
completamente
moderno
—
da
mesma
forma,
o
projeto
de
criar
uma
sociedade
de
comunicação
total,
aberta,
e
amplamente
secularizada
também
é,
afinal,
ainda
um
projeto.
E,
como
já
mencionado,
cada
projeto,
acima
de
tudo,
almeja
a
proclamação
e
estabelecimento
da
reclusão
e
auto-‐isolamento.
Isto
dá
à
modernidade
uma
condição
ambivalente.
Por
um
lado,
promove
a
compulsão
pela
total
comunicação
e
total
contemporaneidade
coletiva,
enquanto,
por
outro
lado,
gera
constantemente
novos
projetos
que
repetidamente
levam
à
reconquista
do
isolamento
radical.
Também
é
assim
que
devemos
abordar
os
diversos
projetos
da
vanguarda
artística
histórica,
que
conceberam
suas
próprias
linguagens
e
suas
próprias
pautas
estéticas.
As
linguagens
da
vanguarda
podem
ter
sido
concebidas
com
uma
aplicação
universal
em
mente,
como
a
promessa
de
um
futuro
comum
para
todos
e
para
cada
um;
mas,
ao
longo
de
seu
próprio
tempo,
levaram
ao
(auto-‐)isolamento
comunicativo
de
seus
defensores
—
deixando-‐os
claramente
marcados
para
todos
verem.
Por
que
é
que
o
projeto
resulta
em
isolamento?
A
resposta
para
isso
na
verdade
já
foi
dada.
Cada
projeto
é
acima
de
tudo
a
declaração
de
um
outro,
novo
futuro
que
presume-‐se
acontecerá
uma
vez
que
o
projeto
seja
realizado.
Mas
para
induzir
tal
futuro
uma
pessoa
precisa
de
um
período
de
afastamento
ou
ausência
para
si,
com
o
qual
o
projeto
transfere
seu
agente
para
um
estado
paralelo
de
tempo
heterogêneo.
Esse
outro
quadro
temporal,
por
sua
vez,
está
desatrelado
do
tempo
experimentado
pela
sociedade
—
ele
está
dessincronizado.
A
vida
da
sociedade
segue
adiante
de
forma
independente;
o
curso
normal
das
coisas
permanece
inalterado.
Mas,
despercebido
em
algum
lugar
além
do
fluxo
geral
do
tempo,
alguém
começou
a
trabalhar
em
outro
projeto.
Ele
está
escrevendo
um
livro,
preparando
uma
exposição
ou
planejando
um
espetacular
ato
de
terrorismo.
E
ele
o
faz
na
esperança
de
que
uma
vez
que
o
livro
seja
publicado,
a
exposição
inaugurada
ou
o
assassinato
executado,
o
curso
geral
das
coisas
será
modificado
e
toda
a
humanidade
será
levada
a
um
futuro
diferente;
exatamente
o
futuro
que
de
fato
esse
projeto
aspirava
e
pretendia
alcançar.
Em
outras
palavras,
à
primeira
vista
cada
projeto
aparentaria
prosperar
somente
na
esperança
da
sua
ressincronização
com
o
fluxo
geral
das
coisas.
O
projeto
é
considerado
um
sucesso
se
essa
ressincronização
é
capaz
de
dirigir
o
fluxo
das
coisas
na
direção
desejada.
E
ele
é
julgado
um
fracasso
se
o
fluxo
das
coisas
permanece
inalterado
pela
sua
execução.
No
entanto,
tanto
o
sucesso
quanto
o
fracasso
do
projeto
tem
algo
em
comum:
ambos
os
resultados
marcam
o
seu
fim,
e
ambos
levam
à
ressincronização
do
estado
de
tempo
paralelo
do
projeto
com
o
do
fluxo
geral
das
coisas.
E
em
ambos
os
casos
essa
ressincronização
habitualmente
causa
desconforto,
levando
até
a
uma
certa
depressão.
Não
importa
se
o
projeto
termina
em
sucesso
ou
fracasso.
Em
ambos
os
casos
a
angústia
que
se
sente
é
a
da
perda
dessa
existência
em
um
tempo
paralelo,
o
abandono
de
uma
vida
além
do
fluxo
geral
das
coisas.
Se
uma
pessoa
tem
um
projeto
—
ou
mais
precisamente,
está
vivendo
em
um
projeto
—
ela
sempre
já
está
no
futuro.
A
pessoa
trabalha
em
algo
que
(ainda)
não
pode
ser
mostrado
para
os
outros,
que
permanece
escondido
e
incomunicável.
O
projeto
permite
que
a
pessoa
emigre
do
presente
para
um
futuro
virtual,
causando
assim
uma
ruptura
temporal
entre
si
mesmo
e
todos
os
outros,
já
que
eles
ainda
não
chegaram
nesse
futuro
e
ainda
aguardam
que
ele
aconteça.
Mas
o
autor
do
projeto
já
sabe
como
será
o
futuro,
já
que
seu
projeto
não
é
mais
do
que
a
descrição
desse
futuro.
De
fato,
a
razão
principal
pela
qual
o
processo
de
aprovação
de
um
projeto
é
tão
incrivelmente
desagradável
para
seu
autor
é
que
no
estado
mais
prematuro
de
sua
apresentação
ele
já
é
forçado
a
dar
uma
descrição
detalhada
de
como
esse
futuro
será
alcançado
e
qual
será
o
seu
resultado.
Se
o
autor
se
provar
incapaz
de
fazê-‐lo,
seu
projeto
será
recusado
e
não
receberá
financiamento.
No
entanto,
se
ele
de
fato
conseguir
apresentar
as
descrições
precisas
estipuladas
ele
eliminará
justamente
a
distância
entre
si
mesmo
e
os
outros,
a
qual
constitui
todo
o
apelo
do
projeto.
Se
todos
sabem
desde
o
início
qual
é
o
curso
que
o
projeto
provavelmente
tomará
e
qual
será
o
seu
resultado,
então
o
futuro
não
virá
mais
como
surpresa
para
eles.
Com
isso,
no
entanto,
o
projeto
perde
o
seu
propósito
inerente.
Para
o
autor
do
projeto,
precisamente,
nada
do
aqui
e
agora
é
importante,
pois
ele
já
vive
no
futuro
e
vê
o
presente
como
algo
que
deve
ser
superado,
abolido
ou
pelo
menos
modificado.
É
por
isso
que
ele
não
vê
motivo
para
que
tenha
que
se
justificar
para,
ou
comunicar-‐se
com
o
presente.
Pelo
contrário,
é
o
presente
que
precisa
se
justificar
ao
futuro
que
foi
proclamado
no
projeto.
É
precisamente
essa
lacuna
temporal,
a
valiosa
oportunidade
de
olhar
o
presente
a
partir
do
futuro,
que
faz
com
que
a
vida
vivida
no
projeto
seja
tão
sedutora
para
seu
autor
e,
inversamente,
é
o
que
faz
com
que
a
execução
do
projeto
seja,
no
final
das
contas,
tão
inquietante.
Daí
que,
aos
olhos
de
qualquer
autor
de
projeto,
os
projetos
mais
agradáveis
são
aqueles
que,
desde
sua
concepção,
são
concebidos
para
nunca
se
completarem,
já
que
estes
são
os
que
tem
mais
chances
de
manter
por
um
período
de
tempo
indeterminado
o
espaço
entre
o
futuro
e
o
presente.
Tais
projetos
nunca
são
completados,
nunca
geram
um
resultado
final,
nunca
alcançam
um
produto
final.
Mas
isso
não
significa
dizer
que
esses
projetos
inacabados
e
intermináveis
são
completamente
excluídos
da
representação
social,
mesmo
que
nunca
se
tenha
esperado
que
eles
se
ressincronizassem
com
o
fluxo
geral
das
coisas
por
meio
de
algum
modo
de
resultado
específico,
bem-‐sucedido
ou
não.
Esses
tipos
de
projetos
ainda
podem,
afinal,
ser
documentados.
Certa
vez
Sartre
descreveu
o
estado
de
"ser-‐um-‐projeto-‐em-‐andamento"
como
a
condição
ontológica
da
existência
humana.
De
acordo
com
Sartre,
cada
pessoa
vive
da
perspectiva
de
seu
próprio
futuro
individual
que
forçosamente
permanece
obstruído
da
visão
dos
outros.
Nos
termos
de
Sartre,
essa
condição
resulta
na
alienação
radical
de
cada
indivíduo,
já
que
todos
os
outros
só
podem
vê-‐lo
como
o
produto
acabado
de
suas
circunstâncias
pessoais,
mas
nunca
como
um
projeto
heterogêneo
dessas
circunstâncias.
Consequentemente, o
período
heterogêneo
de
tempo
paralelo do
projeto
permanece
indisponível
a
qualquer
forma
de
representação
no
presente.
Portanto,
para
Sartre,
o
projeto
está
manchado
pela
suspeita
do
escapismo,
de
fuga
deliberada
da
comunicação
social
e
da
responsabilidade
individual.
Então,
não
é
nenhuma
surpresa
que
Sartre
também
descreva
a
condição
ontológica
do
sujeito
como
um
estado
de
"mauvaise
foi"
ou
insinceridade.
E
por
essa
razão
o
herói
existencial
de
origem
Sartreana
é
perenemente
tentado
preencher
o
espaço
entre
o
tempo
de
seu
projeto
e
o
do
fluxo
geral
das
coisas
por
meio
de
uma
"action
directe"
e
assim,
mesmo
que
por
um
breve
momento,
sincronizar
os
tempos.
Mas
enquanto
o
tempo
heterogêneo
do
projeto
não
pode
ser
levado
a
uma
conclusão,
ele
pode,
como
observado
antes,
ser
documentado.
Pode-‐se
até
dizer
que
arte
nada
mais
é
do
que
a
documentação
e
a
representação
desse
tempo
heterogêneo
baseado
em
projetos.
Muito
tempo
atrás
isso
significava
documentar
a
história
divina
como
um
projeto
para
a
redenção
do
mundo.
Hoje
em
dia
trata-‐se
de
projetos
individuais
e
coletivos
para
uma
diversidade
de
futuros.
De
qualquer
modo,
a
documentação
da
arte
agora
confere
a
todos
os
projetos
não-‐realizados
ou
irrealizáveis
um
lugar
no
presente
sem
forçá-‐los
a
ser
ou
um
sucesso
ou
um
fracasso.
Nesses
termos,
os
próprios
escritos
de
Sartre
também
poderiam
ser
considerados
documentações
desse
tipo.
Nas
últimas
duas
décadas
o
projeto
artístico
—
no
lugar
da
obra
de
arte
—
sem
dúvida
se
deslocou
para
o
centro
das
atenções
do
mundo
da
arte.
Cada
projeto
artístico
pode
exigir
a
formulação
de
uma
meta
específica
e
uma
estratégia
criada
para
alcançar
essa
meta,
mas
esse
objetivo
normalmente
é
formulado
de
modo
que
nos
são
negados
os
critérios
que
nos
permitiriam
averiguar
se
o
objetivo
do
projeto
foi
alcançado
ou
não,
se
tempo
excessivo
é
necessário
para
atingir
seu
objetivo
ou
mesmo
se
o
objetivo
como
tal
é
intrinsecamente
inatingível.
Assim,
nossa
atenção
é
deslocada
da
produção
de
uma
obra
(incluindo
uma
obra
de
arte)
para
a
vida
no
projeto
artístico
—
uma
vida
que
não
é
primariamente
um
processo
produtivo,
que
não
é
moldada
para
o
desenvolvimento
de
um
produto,
que
não
é
"orientada
a
um
resultado".
Nesses
termos,
a
arte
não
é
mais
entendida
como
a
produção
de
obras
de
arte,
mas
como
a
documentação
da
vida-‐no-‐projeto,
independentemente
do
resultado
que
tal
vida
tenha
ou
deveria
ter
tido.
Isso
claramente
tem
um
efeito
na
maneira
como
se
define
arte
agora.
Hoje
em
dia
arte
não
se
manifesta
mais
como
outro,
novo
objeto
para
contemplação
que
foi
produzido
pelo
artista,
mas
como
outro
quadro
temporal
heterogêneo
do
projeto
artístico,
que
é
documentado
como
tal.
Um
trabalho
de
arte
é
tradicionalmente
compreendido
como
algo
que
incorpora
a
arte
inteiramente,
conferindo-‐lhe
imediatismo
e
presença
visível
e
palpável.
Quando
vamos
a
uma
exposição
de
arte
geralmente
presumimos
que
o
que
quer
que
esteja
sendo
mostrado
—
pinturas,
esculturas,
desenhos,
fotografias,
videos,
ready-‐mades
ou
instalações
—
deva
ser
arte.
Os
trabalhos
podem
é
claro
fazer
referência,
de
uma
maneira
ou
de
outra,
a
coisas
que
eles
não
são,
talvez
a
objetos
do
mundo
real
ou
a
certas
questões
políticas,
mas
eles
não
se
referem
à
arte
em
si
mesma,
já
que
eles
mesmos
são
arte.
No
entanto,
essa
suposição
tradicional
tem
se
provado
cada
vez
mais
enganosa
para
definir
visitas
a
exposições
e
museus.
Além
de
trabalhos
de
arte,
nos
espaços
de
arte
de
hoje
nos
confrontamos
cada
vez
mais
com
a
documentação
da
arte
de
diversas
formas.
Do
mesmo
modo,
aqui
também
vemos
figuras,
desenhos,
fotografias,
videos,
textos
e
instalações,
em
outras
palavras,
as
mesmas
formas
e
mídias
nas
quais
a
arte
comumente
é
apresentada.
Mas
quando
se
trata
de
documentação
de
arte,
a
arte
não
é
mais
apresentada
por
meio
dessas
mídias,
mas
simplesmente
documentada.
Isto
porque
a
documentação
da
arte,
per
definitionem,
não
é
arte.
Precisamente
por
apenas
se
referir
à
arte,
a
documentação
da
arte
deixa
bem
claro
que
a
arte
em
si
não
está
à
mão
e
instantaneamente
visível,
mas,
ao
invés
disso,
ausente
e
escondida.
A
documentação
da
arte
sinaliza
então
a
tentativa
de
usar
as
mídias
artísticas
no
interior
dos
espaços
da
arte
para
fazer
referência
direta
à
vida
em
si
mesma.
Em
outras
palavras:
a
uma
forma
de
pura
atividade
ou
pura
praxis,
por
assim
dizer;
na
verdade,
uma
referência
para
a
vida
no
projeto
artístico,
ainda
que
sem
querer
representá-‐la
diretamente.
Aqui
a
arte
é
transformada
em
um
modo
de
vida,
por
meio
do
qual
o
trabalho
de
arte
é
transformado
em
não-‐arte,
em
mera
documentação
dessa
vida.
Ou,
em
outras
palavras,
a
arte
agora
se
torna
biopolítica
já
que
começou
a
produzir
e
documentar
a
vida
em
si
mesma
como
pura
atividade
através
de
meios
artísticos.
Não
só
isso,
mas
a
documentação
da
arte
só
poderia
ter
se
desenvolvido
sob
as
condições
da
nossa
era
biopolítica,
na
qual
a
vida
em
si
mesma
se
tornou
o
objeto
da
criatividade
técnica
e
artística.
Assim,
uma
vez
mais
estamos
diante
da
questão
da
relação
entre
a
arte
e
a
vida;
mas
em
uma
constelação
completamente
nova,
que
se
caracteriza
pelo
paradoxo
da
arte
com
a
aparência
do
projeto
de
arte
que
agora
também
quer
se
tornar
vida,
ao
invés
de,
digamos,
simplesmente
reproduzi-‐la
ou
mobiliá-‐la
com
produtos
artísticos.
Mas
a
questão
convencional
que
vem
à
mente
é
até
que
ponto
a
documentação,
incluindo
a
documentação
da
arte,
pode
realmente
representar
a
vida
em
si?
Toda
documentação
está
sob
suspeita
generalizada
de
inexoravelmente
adulterar
a
vida.
Isto
porque
cada
ato
de
documentação
e
arquivamento
pressupôs
um
certa
escolha
de
coisas
e
circunstâncias.
No
entanto,
tal
seleção
é
determinada
por
critérios
e
valores
que
sempre
são
questionáveis,
e
necessariamente
assim
permanecem.
Mais
ainda,
o
processo
de
documentar
algo
sempre
abre
uma
disparidade
entre
o
documento
em
si
e
os
eventos
documentados,
uma
divergência
que
não
pode
ser
superada
ou
apagada.
Mas
mesmo
se
conseguíssemos
desenvolver
um
procedimento
capaz
de
reproduzir
a
vida
em
sua
totalidade
e
com
total
autenticidade,
nós
novamente
acabaríamos
não
tendo
a
vida
em
si
mas
a
sua
máscara
mortuária,
já
que
é
a
singularidade
da
vida
que
constitui
sua
vitalidade.
É
por
esse
motivo
que
nossa
cultura
é
marcada
hoje
por
um
profundo
desconforto
em
relação
à
documentação
e
ao
arquivo,
e
mesmo
por
um
clamoroso
protesto
contra
o
arquivo
em
nome
da
vida.
Os
arquivistas
e
burocratas
encarregados
da
documentação
são
amplamente
considerados
os
inimigos
da
vida
verdadeira,
favorecendo
a
compilação
e
administração
de
documentos
mortos
em
lugar
da
experiência
direta
da
vida.
Em
particular,
o
burocrata
é
visto
como
agente
da
morte
que
empunha
o
assustador
poder
da
documentação
para
tornar
a
vida
cinza,
monótona,
repetitiva
e
insípida
—
em
resumo,
mórbida.
Da
mesma
forma,
uma
vez
que
o
artista
também
começa
a
se
envolver
com
documentação,
ele
corre
o
risco
de
ser
associado
com
o
burocrata,
sob
a
suspeita
de
ser
um
novo
agente
da
morte.
Como
sabemos,
no
entanto,
a
documentação
burocrática
guardada
em
arquivos
não
consiste
somente
em
memórias
gravadas,
mas
também
inclui
projetos
e
planos
direcionados
não
ao
passado,
mas
ao
futuro.
Esses
arquivos
de
projetos
contém
esboços
para
uma
vida
que
ainda
não
aconteceu,
mas
como
ela
talvez
devesse
acontecer
no
futuro.
E
o
que
isso
significa
em
nossa
própria
era
biopolítica
não
é
simplesmente
fazer
mudanças
nas
condições
fundamentais
da
vida,
mas
ativamente
empenhar-‐se
na
produção
da
vida
em
si.
A
biopolítica
é
frequentemente
confundida
com
as
estratégias
científicas
e
tecnológicas
de
manipulação
genética
que,
pelo
menos
teoricamente,
tem
como
objetivo
remodelar
os
seres
vivos
individuais.
Em
vez
disso,
a
verdadeira
conquista
da
tecnologia
biopolítica
tem
muito
mais
a
ver
com
modelar
a
longevidade
em
si,
com
organizar
a
vida
como
um
evento,
como
pura
atividade
que
ocorre
no
tempo.
Da
procriação
e
o
fornecimento
de
cuidados
médicos
ao
longo
da
vida
à
regulação
do
equilíbrio
entre
trabalho
e
lazer
e
até
a
morte
medicamente
supervisionada,
se
não
induzida,
a
vida
de
cada
indivíduo
está
hoje
permanentemente
sujeita
a
controle
e
melhorias
artificiais.
E
precisamente
porque
a
vida
hoje
não
é
mais
entendida
como
um
estado
de
ser
primordial,
elementar,
como
destino
ou
fortuna,
como
tempo
que
se
desenrola
a
seu
bel
prazer,
mas
ao
invés
disso
é
vista
como
tempo
que
pode
ser
artificialmente
produzido
e
formado,
a
vida
pode
ser
documentada
e
arquivada
antes
mesmo
de
ter
acontecido.
De
fato,
a
documentação
burocrática
e
tecnológica
serve
como
meio
primário
da
biopolítica
moderna.
As
agendas,
regulações,
relatos
investigativos,
pesquisas
estatísticas
e
esboços
de
projetos
nos
quais
esse
tipo
de
documentação
consiste
estão
constantemente
gerando
nova
vida.
Mesmo
o
arquivo
genético
que
está
contido
em
cada
ser
vivo
pode
em
última
análise
ser
compreendido
como
um
componente
dessa
documentação;
um
componente
que
tanto
documenta
a
estrutura
genética
de
organismos
anteriores,
obsoletos,
como
permite
que
essa
mesma
estrutura
genética
seja
interpretada
como
a
planta
para
a
criação
de
futuros
seres
vivos.
Isso
significa
que,
dado
o
estado
atual
da
biopolítica,
o
arquivo
não
nos
permite
mais
diferenciar
entre
memória
e
projeto,
entre
passado
e
futuro.
Isso,
por
sinal,
também
oferece
a
base
racional
para
o
que
se
chama
na
tradição
cristã
de
"Ressurreição"
e
pelo
que
se
conhece
nos
domínios
políticos
e
culturais
como
"revival".
Isto
porque
o
arquivo
de
formas
de
vida
transcorridas
pode,
a
qualquer
momento,
se
revelar
um
roteiro
para
o
futuro.
Por
estar
guardada
no
arquivo
como
documentação,
a
vida
pode
ser
repetidamente
re-‐vivida
e
constantemente
reproduzida
dentro
do
tempo
histórico,
caso
alguém
resolva
empreender
tal
reprodução.
O
arquivo
é
o
lugar
onde
o
passado
e
o
futuro
se
tornam
reversíveis.
O
projeto
artístico
pode
ser
documentado
porque
a
vida
no
projeto
artístico
era
artificial
na
origem,
e
essa
vida
pode
ser
reproduzida
no
tempo
exatamente
do
mesmo
modo
que
os
trabalhos
de
arte
podem
ser
reproduzidos
no
espaço.
Assim,
um
projeto
não-‐terminado,
não
executado
ou
mesmo
inicialmente
rejeitado
é
muito
mais
apropriado
para
demonstrar
a
natureza
interna
da
vida
moderna
como
vida-‐no-‐projeto
do
que
todos
os
projetos
que
foram
aprovados
e
concluídos
com
sucesso.
Tais
projetos
"fracassados"
são
os
que
mais
claramente
deslocam
a
atenção
do
resultado
do
projeto
para
a
característica
processual
de
sua
realização,
em
última
análise
focando
na
subjetividade
de
seu
autor.
O
projeto
artístico
que
aborda
a
impossibilidade
de
ser
concluído
oferece
uma
definição
em
constante
mutação
da
figura
do
autor.
Nesse
caso,
o
autor
não
é
mais
o
produtor
de
um
objeto
artístico,
mas
a
pessoa
que
documenta
—
e
portanto
autoriza
—
o
tempo
heterogêneo
de
uma
vida
no
projeto,
incluindo
também
sua
própria
vida.
Mas
o
autor
não
está
sendo
forçado
a
fazê-‐lo
por
um
órgão
público
ou
instituição
que
detem
o
poder
de
autorizar
no
sentido
de
dar
permissão.
Ao
contrário,
essa
é
muito
mais
uma
autorização
dada
por
sua
conta
e
risco,
que
não
só
admite
a
possibilidade
de
falha,
mas
de
fato
explicitamente
a
celebra.
De
qualquer
modo,
esse
tipo
de
autorização
da
vida-‐no-‐projeto
abre
um
outro
período
de
tempo
paralelo
e
heterogêneo
—
o
desejado
tempo
da
solidão
socialmente
legitimada.