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~~vl~eJo ~I e CJ i~l'\ =:...t~~I1N~,li A ~~~GS;~J

5. A Antropologia Jurídica
e a violência estrutural
Ci c,\o Av'r*,~f\l SêV&h~~
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K~l,; ~\
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5.1- A construção cultural da Criminalidade

~"'\~ )? --~ ~<Jl!l'~" I --t~ \

cr A sc!,,,,rança e () bem estar da sociedade compreendem, dentre
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~e) outros, os objetivos de um eSlado democrático de direito. No caso do

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~:~\\Il~; ~V~"') (cc,bq ~,~J

Brasil, em especial a Constituição Federal de 1988 dermiu uffiJijslSrua

. E:S~mtl. C~;",\ol~I;JMJ~
penal democrático que tem como flOalidade a defesa dos direitos huma­
-­ - -<~ '~"-'''----

::;:Ní-\III\OI2. ~ As normas penais, ao instituírem novas figuras penais e aumen­

" f/VIS '/.. (•.l'It") \'V~ tando as penas daqueles já descritos, visam Eeprimir e coibir a prática de
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crimes~ no entanto, a realidade mostra que o índice de criminalidade ~
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crescente, assim como a sensação de insegurança da população O que
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falta de acesso
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para a 1\ntropol0ll'a )UrldlCa, o núcleo de oh ;ervaçi
a ser () ser humano visad0l'do Sistema Pen';"" o qual analisado sob
ótica do paradigma etiológico possui um perfil próprio, difcrcnciando­
de OUtros tipos de crjminosos que não representam a rcalídade do
carcerário, tendo em vista que essa clienteIa tem um pcrfJl sócio

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da <:onstf1Jçio C\JhUflll da <:riminahdad~ utdlzllreltlüs parrc dos cstu~os
eiU dl.:!IM:n;u;lI<J de mCHrado ddcnthda r(1f LANZONI ALVES, Ehzt'te., C?dlgo
~ . r~~sI10 llrarnt-clro como JOstnHvento [lUOUl\'o: uma abordagem de seus Ilrnltes e
1f"'lllIblhdadcs. Univl;'r~idade do Vale do Itajlli, de'l.embro de 2001.p.80-99.

tb l'f,E / -,­
 Iniciafão 4. Afttropologia Jurídica.: por onde mmiftha a hl{!lUmidade?' ________ Elj~te Lanzoni Alve.r
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Jidftry Fnmcisro Reú dos Santos

econômico que não se encontra dentro dos parâmetros dos excluídos preciso restabelecer a ld e a ordem em favor das pessoas decen­
preconizado por ele. tes, dos homens de bem, dos cidadãos honestos, O crime é pa­
Neste sentido, explica Andrade: a "ctÍminalidadc não é uma quan­ tológico, o criminoso um ser daninho e a sociedade deve destruí­
tidade intrínseca da conduta ou uma. entidade ontológica pré-constituída los.
.1 à reação social e penal, mas uma qualidade (etjqueta) atribuida a determi­
~~f nados sujeitos através de complexos processos formais e Ínformaís de É nesta esteira de raciocinio que vimos se desenvoJver o Direito
\J ~definição c Seleção""', Penal atual, traduzindo as penas COmo forma de vingança social c f.tor
~~.. Esse parâmetro de exclusão acaba sendo um modo de alímcnta~ inibidor de novos crimes.
Jo~ ção do chamado Movimento de Lei e Ordem que cria uma tendência na A tentativa de diminuição da criminalidade, por meio de penas
Sociedade de ,;b,;;u::s:;c:a::r.,;ar..;;se::.'gu~r:::a::n_ça""l;;p.::o.;,r.;l.;,n:.:e::io::..;d;;a;..:.re"p""ressão, como afirma mais severas, tem sido esperado há multo tempo e os resultados efetivos
?OI '19 - - - \

,, Alberto Silva rranco : " não aparecem. Ora) é- de se concluir que este não é o caminho correto,
'( emhora, aparentemente, possa parecer uma resposta rápida a um proble­
) íi~""'"
, Esta idêia, que reduz, violência a crime, além de ocultar o caráter de difícil solução: a segurança,
violento de outros fatos mais graves como a miséria, a fome, o As promessas sobre segurança são ilusórias e a estrututa penal
descm rego cria um cluna d~ pamco, de alarme soclal. a que se está comprometida quanto ao cxercicío de sua função punitiva. Como
costuma seguir um creSCJmenlO a eman a e ffiaJS repressao. !'explica Vera Regina P. de Andrade : ""
de maior ação poIidal, de penas mais rigorosas. A intervenção
do sistema penal aparece como a pnmelra alternativa, como a o déficit de tutela real dos Direitos Humanos é assim compen­
forma mais palpável de segurança, como a forma de fazer crer -Sado pela criação, no púbhco, de umàllusão de segurança jurídica
que o problema está sendo solucionado. c de um sentimento de confiança no Direito penal c nas institui­
ções de controle que têm uma base real cada vez mais escassa.
Ao mesmo tempo em que a população se sente desprotegida
peio Estado, quanto à segurança~ e clama por provJdências neste sentido, Ao mesmo tempo em que a segurança juridka aparece
se contenta com noticias sobre violência ou aquelas que envolvem a des~ empiricamente falsificada pelo império da in-segurança jurídica,
graça alheia. aparece simbolicamente reafirmada c este simbolismo, tem gera­
119
No entender de Azevedo' : do efeitos legitimadores não apenas do subsistema da Justiça,
mas de todo o sistema penal, acompanhando e sustentando aquela
As estatístkas da violência criminaLizada, exagerada pela mídia, e eficácia instrumental invertida (reprodução ideológica do siste­
seus reflexos econômicos para 0$ segmentos sociais até então ma).
livres de seus atafiues, o agigantamento do tráfico ilícito de entor­
pecentes e drogas afins são fatores descncadcantes das campa­ () que se vê é que a distância entre o discurso e a prátka tem feito
nhas de 'Lei e Ordem', cujo discurso pode ser assim resurnido: É em descrédito todo o Sistema Penal, fiue traz como uma de suas
°
ifUnções declaradas que ratificou no Pacto de São José da Costa Rica
,-,,-- - - ' - - - ,-----~ ~- ~---.- - - ---- -:-­ .. . ·0
Americana sobre Direitos Humanos)~ posto que seu artigo
~NDRADF, Vera Regln:t Pf'rejr~ dL'. Do paradIgma CUOiÓgH:O ao par1tdlgma da reaç:a
soctaJ. p. 28. , Itcm 6, preceitua que: "As penas privativas da liberdade devem ter por
m FRANCO, AILcWl da Sih"a. Crimes hediondos. 5. cd. São Paulo: EJiwta Rt'nWl dos
Tribunais. 1994. p 36.
119 •
~::l'HJKADE, Veta Regina Pereira de. A ilusão de segmançá jurídica: do çüntr(lle da
AZEVEDO, J:I<.::kson Chave:; de. Reforma e "contra" reforma pen;;cj no Brasil. p. 83. :i ~'loJén(;j~ do controle penal. POr(() Alegre: Li,'nuia do AdYog~do, 1997, p. 313,

f )(>

lniaaçiio ti Attlropn/oj,ia }lIridi(iI: por onde Mminba .a bunf(1f1it/ade? -- ~------
finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados".
A tendência, hoje, salvo aqueles que insistem na ideologia do Mo­
vimento de Lei c Ordem, é no sentido de racionalizar as penas, modifi­
cando a forma da privação de liberdade àqueles que cometem crimes de
maior potencial ofensivo e tendo a reintegração social como finalidade
primária.
Desra forma, verifica-se que é mais coerente a criação de meca­
nismos jurídicos penais voltados à criação de penas alternativas. tendo
por beneficiárias instituições sociais que auxiliado na própria prevenção
da eríminalidade, melhorando .s condições de vida da população por
meio de cducação~ saúde e cultura.
duas categorias que se destacam pela articulação que faz com a Ciência
A violência, em grande parte, deriva dos índices de desigualdade.
Jurídica. A primeira delas diz respeito ao corpo normativo enquanto "de-·
Mas, sem düvida~ é o crime organizado que nos surpreende a cada dia,
ver ser"~ a segunda refere-se à interpretação como forma de vIvificar um
com cenas apavorantes nas ruas e nos presídios csraduais~ ou seia~ a ativi­
dade criminosa, bem como outras formas de violência assumem novaS
um "paradigma cientítico (o paradigma dogmático de Ciência Jurídica)
caractedsticas em termoS de organização) porque a lucratividade nesse
situando as heranças e matrizes que () condicional e a identidade
campo toma proporçfJes quase que incontroláveis,
A identificação dos criminosos que atuam de forma organizada
fica cada vel. mais difícil para os órgãos púhlicos competentes, porque
estes agem sob a proteção. multas vczes~ de cargos~ posição social ou
posição econômica que não levantam suspeitas, não raras vezes, utilizan­
do-se de atividades legais. S2 perfi! dQ criminoso está mudando com a
tecnologia do crime. Em conseqüência, os requintes de VIolência tamhém
a;'ançam como--rol'o compressor sobre a Sociedade) ou seja) a mesma
tecnologia que deve servir ao bem estar da humanidade está sendo utiliza­
da para aperfeiçoar o desempenho dos agentes cdminosos.
Outro aspecto importante diz respeito á sustentabilidade das or- '
ganizações criminosas que, muitas vezes, encontram no próprio poder
estatal aS condições favoráveis à sua sobrevivência, passando a exercer
certo domínio dos setores explorados~ enfraquecendo os organismos que, .
na realidade, deveriam çombatê~las. Portanto, é preciso que o Estado tam­
bém modifique suas estratégias de controle da criminalidade para
acompanhar o desenvolvimento das ativida<les criminosas.
A _construção cultural da crimlnalidade parte, portanto,
próprio sistema pena\ e das instituIções estatais que críam as condiçõeS,
necessárias ao processo de crim lnalização, <iue embora tenha uma clientela;
própria de excluídos e estereotipados (minorias, negros, pobres), tem
1 ;11
Elizele J ..an~lJi Alver
- - - - - - - -___________ .f;ldn~l Frilttúuo Reis dos JanJo!
dado o seu perfil incluindo os indivíduos que aparentemente não deflagram
qualquer suspeita. mas que não deixam de contribuir para a reprodução
da violência estrutural, seja de forma material ou ,ideologicamente} o que
contribui para o aumento da desigualdade social e da insustentabilidade
dos meios de controle da criminalidade.
5.2- A função social da dogmática jurídica nas
sociedades complexas
A definição de dO!,'11lática jurídica nào pode estar divorciada de
l
sistema normativo. Assim, entende Andrade "! que a dob:rmátlca jurídica é
(metodológica, ideológica, funcional e epistemológica), ao longo desta
configuração, foram assumindo."
141
Azevedo diz que a dogmâtica jurídica consiste "na descrição
das regras jurídicas em vigor. Seu objeto ê a regra positiva considerada
como um dado real"
A interpretação, neste contexto~ assume posição valorativa na
medida em que fornece condições de sustentahílidade da aplicabilidade
da norma) não somente na ideologia de quem a construiu, mas sobretudo
na construção histórica e pragmática como a doutrina e a jurisprudência,
o que vale dizer: a cultura, que neste caso em especial toma a forma
jurídica tanto sob o aspecto retóricu formal c?mo descritivo.
Tem seu fundamento na exegese do Positivismo como forma de
proporcio~;;;;:-à. Socie~ladc ã--segUtançã-necess~i1a limitando l'õi1cres de
mande) (ll:ictanii:IITiarctlu <> ibsoTútismo, ~ Assim, vemos surgir uma fur­
ma de dupla garantia que impõe () positivismo. A primeira pela sef.,rurança
. do Estado em aplicar a norma a partir dos fat.os diagnostJcados, e a
, segunda pela possibilidade de limitar essa aplicabilidade à descrição
m---- ----- -­
. ANDRADE, Vrr:< Reguu Pcmnt. de. Dogmática Jurídica: (·'H:orço de sua cünfigu(açàO e
identIdade. Porto t\lc)!:re: Ll\'r<lriA do !\,!nJ/!:Ado Edunnl, 199t.. p. rr.
,~
. A,zHVFDO, P!atlco FAlaçu. Criri ..' a à Oogn\l'uica c Hetmcllv.uica Jurfdica. Pmto {\t(!grc:
Sérg,lO Antonw FnlJrloi Editor, 191{!), 1'.21{.
;;
 EliS(!le Laf1iPni Alvo.!
____________________ Sidn9 Fraf1(isro Reis do.! Santos
IniáaçdO à Antropologia }uridi(fJ: por omlc ramirlba cJ humanidade? - - - - - - - ­

reproduzir, material c ideologicamente, as desigualdades e

normativa sem deixar) no entanto, de considerar a capacidade interpretativa assimetrias sociais (de classe, gênero, raça).
1
do juiz aO operacionalizar no caso concreto, o que noS leva a conduir que
há uma estreita relação entre a hermenêutica e a dogtnácica jurídica. A v.lidade de uma norma produzida com o intuito de atender as
A função social da dogmática jurídica nas sociedades complexas
necessidades sociais é inegáve1, todavia, os mecanismos de criação de seu
está dJretamente relacionada à sua forma de aplicação e os efeitoS sociais conteúdo e sua implantação têm que ser objeto de um comprometimen­
que ela produz, em espeeial quando se trata do controle d. criminalidade to maior do Estado para com a comunidade, alvo da norma~ e o maior
e da violência urbana. deles é a sua eficácia quanto ao objetivo proposto e conseqüentemente a
O maior problenla encontrado, neSse sentido~ está na expectativa
sua forma de aplicação. E isto deverá ocorrer somente quando necessá­
social em relação à aplicabdidade normativa no controle da violência ur­
rio, ou seja, uma intervenção mínima por parte do Estado, procurando
bana. Isso porque, como já tivemos oportunidade de dizer) há uma inver­
adotar medidas substitutivas ou alternativas à pena privativa de liberdade,
silo de discurso entre o estabelecido corno escopo pela norma (vontade
de natureza penal.
do legislador) e o que ela realmente provoca (reação social).
Todavia, mesmo uma política criminal menos intervencionista
Es", relação entre a reação social e a efetividade do sistema
pode ser mascarada por nortl1as de grande expressão repressiva que
normativo tem provocado umá constante e crescente desjgualdade pela descuram de valores de segurança e justiça, que acabam por refletir nega­
fornla como é aplicado, ou melhor ainda, direcionado, pois sua finalioa­ tivamente no mundo jurídico, diminuindo ainda mais a credibilidade do
de de combater a críminalidade não está afinada com o que ocorre na Estado e, conseqüentemente, do Direito Penal, pois o que o Sistema Pe­
prática. O que se vê é a aplicação da norma somente no sentido rettibutivo nal declara como função preventiva não eorresponde ao que ele reallnen­
e não abrangente, isso porque ela não consegue realizar o objetivo a que te cumpre como função instrumentai . Arruda JÚ1l1or. '" a. fiuma:
se propôs. Mjchcl Foucault'"' afirma que "[...] o prejuízo que um crime
traz aO corpo social é a desordem Cp.1C Introduz nele: o escândalo (!ue A determinação do quc é o direito deixa de pertencer à
suscita, O exemplo que dá, a incitação a recomeçar se não é punido) a transcendência, multo bem representada no mundo terreno por
possibilidade de generalização que traz consigo. Para ser útil, o castigo seus epígonos, para estar à disposição da própria criação huma­
deve ter como objetivo as conseqüências do cnme, entendidas como uma na. O mal co se é gradualmente substituído pelo mala prohibita. O
série de desordens que este é capaz de abrir,H crime paulatinamente conquista sua distância do pecado e apro­
O Direito tem a importante função, dentre outras) que é a de xima-se de visões cientificistas. Mundaniza-se o direito. (...) A busca
superar e não justificar a ineficácia da dogmática jurídica quanto ao pro­ da chamada segurança jurídica torna-se um imperativo C uma
cesso cresceOtcJedeslguaHãaCs, prÕinovendo a quebra da estigmatização ideologia.
provocada pela sua aplicabilidade fora dos padrôes incursos na sua fin'­
lidade, ou seja, a função real da dogmática é Inversa à. sua função declara­
144
o sistema normativo não pode ser interpretado sem articular-se
da, como afirma Andrade COm fatos e a hermenêutica, pois o Direito apenas potencializa a concep~
de scuc{)nteúGo em ~re1ãÇào à repercussão social, assim não se nega a
A eficácia invertida significa, poís, que a função latente e real do ottância do positivismo jurídico nem se afasta o verdadeiro sentido
sistema não é combater a crimtnalidade, protegendo bens jurídi­ que exige para adequar-se ao fato sem colidir com seu funda-
cos universais e gerando segurança pública e jurídica) mas. aO .
invés construir seletivamente a criminalidade c, neste. processo
1 JUNIOR, Edmundo l--lmil Je~ GONÇALVES. Marcus Pa.bl:artú. Fundament:u;ão
e hermenêutica: ahernativas para o direito. Florianopohs: CESUSC, 2002, p.SL
,u . lf
FOUC--AUlT, Mu::hel. Vigiar e punir. 28 edl"'i'lO. Sito Paul..: l.khmra V{ne • t9'J7, p.
n'
A Zetética ê uma abord1lgcm teÔflCll. cdtlCl InterdISCIplinar da CiênCia Jurídit:a. AUAVês
1« ANDRADE, Ver.< Regina Pcrcir.. de. Construção Sodal dos ConflitoS .AgráriO!\- P. 3L
!H
J j ,
 L2::__.~ !} • DiDl.lU I!:\"A I . .
. ------"-"" Eftf(flc rJ'JI1zom AliJeI
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _~ Jidnry tTdncluo Reir dO$ Santos
Iniciação à Antropologia Jllridim: por unde ((Jfllinha a!wfI/(}1!tdadd - - - - - - - - ­

Para situar melhor a base teórica aprescntada, importante se faz

mento ético-jurídico. 1<1
Ferraz Junior esclarece que a concepção zetética reside no
questionamento, na possibilidade da dúvida, da ref1exão~ enquanto que a
dogmática não permite o questionamento porque parte do pressuposto
que suas premissas são inquestionáveis.
A perspectiva zetética acentua a cientificidade do Direito, o que
não afasta a importância da dogmática. A crítica se dirige à desvalorização
da zetética em função da funcionalidade da dogmática na prática jurídica,
causando um distanciamento, sobretudo, no estudo jurfdico entre o Di­
conceituar a categoria "Sistema Punitivo" o qual deve ser entendido
como sinônimo de Sistema Penal, compreendendo um conjunto de ativi­
dades oriundas das instituições detentoras do poder de comrole social,
desde o momento em que um fato considerado delito ocorre, ou SlWOS­
tamente ocorre, até o momento da execução da punição imposta I • O
Sistema Penal é uma espécie do controle social (controle sócio penal ou
penal).
Este conjunto de instituições envolve o legislador como produ­
1

tor normativo (agência criadora de norma), a polída, o ministério públi­

reito c a Oéncia, ou seja) desconsiderando que o verdadeiro Direito está
co, o judidári()~ () sistema de execução penal, (agências operadonalizadoras),
na relação interdisciplinar c multi cultural, portanto, é a Sociologia, a An­
bem como as escolas de ensino jurídico, as ideologias (Ciências Penais) e a
tropo!ogia, a Filosofia, dentre outras áreas, que fornecem o respa!do ne­
opinião púhlka, que se encontra na periferia do sistema, intcragíndo ativa­
cessário ao cntendirnento do ser humano e sua relação com o mundo.
mente com ele.
O maior problema está no excesso, ou scja) se o intérprete da
Neste sentido se manifesta Andrade'"' ao afirmar que o comple­
norrna jurídica possui uma construção mc.p_~~) positivismo jurídico)
xo dinâmico de funções (processo de criminalizaçào) ao qual C(lllCorrC a
logo o Direito será reduzido à norma fm:idica, enquanto que se a forma­
atividade das diversas agências do controle socia! é formal (lei, policia,
ção mental tiver como fundamento a zetétic§l.) o Direito passará a levar
justiça e sistema penitenciário) e os mecanismos do controle socia! (ou
em consideração as demais fontes fO!1llJl.Í,!;tr~ Direito (doutrina, jurispru­
reação social) c informal, isto é, o senso comum.
dência, costumes, Prindpíos Gerais do Direito, Analogia). Muitas vezes a
Para verificar as limitações do Sistema Penal sc toma fundamen­
resposta satisfatória para um caSO concreto não está na lei. mas sim no
taI recorrer ao Paradigma da Reação Social, porque este, ao tomar ()
conhecitnento interdisciplinar de outras áreas tais como: na Sociologia do
Sístema Penal como objeto contemporâneo de análise, tem dado uma
Direito, na Antropologia jurídica conheCImento interdisciplinar é
contribuição decisiva para a compreensão do seu funcionamento.
A partir dos anos 60, a Crimino!ogia e () Sistema Pcnal passaram ~
absorvido através da fonte formal do d1reito denominada Doutrina). O
do direitO deve ter uma visão interdisciplinar mais ampla,
sofrer transformações provocadas por "críticas~ visões, ideologias, mo- ~~,
além da aplicação fria da lei, para realizar a fm.lidade social do direito.
mentos de reforma - como se formassem parte de um profundo im­
'51
desestmtllrador!~ .
5.3 Os estigmas sociais provocados pelo sistema Dentre esses movimentos críticos, um dos mais destacados foi o

penal sob a ótica da criminologia critica labeiling approaciJ ou criminologia da Reação Social (teoria do interacionismo

simbólico, do etiquctamcnto, da rotulação), rcspOllsávcl pela transforma-

Ao se estudar o e:-itigma provocado pelo sistema penal sob a

ótica da criminologia crítica, faz ~e necessário uma reflexão da criminologia
flJrf«l), tl que "ignifica que as condulas nmúderadas margtniUS ou ilehtiv:as são
etiquetadas c seus realizadores estigmauzadO$ pda sndedrude que na realidade i:
crítica deoenvolvida com fundamento no paradigma da Reação Social, (a est:abdece as normas de conduta a serem seguidas. Sobre o assunto ver: ANDRADE,
Per..,ira "k, Husão de segurança jurídica, p, 198-212.
teona'd o la b,lIing approach 148 ou teorta da rotulação).
ZAFFARON1, E\.tgemo Raúl; PIERANGELI, Hennyuc. Mauual de Direiw Penai Bra:!lileir n .
69·70. .
d"c"~ta
ahiHuagern InterdlsClpiln:H o dirclt\)- se -co!numca (nm as dcmai:. cH!ocias súcial:'.
a ao ANDRADl"., Vela Regm;1 Pw::ua de. Violência sexual e sistema penal 1'. 91­
Pf
FF,RRAZ Jr., Térei.o Samp31o" Inuoduçllo ao ESlUd<1 do Dircito, Tecnic • Decis - •
Oontinação. São Paulo: Atlas, 1994.1'. 4J-47.
COEHEN. StJ.nltT Vjsinncs de control social. TraJucldo ;jl (.a~tell;tno por EJena r,arraurL
rcelona: PPo. t (HHf,p. S6.
,. A criminologia
.' . cduca tem fund'JmCJ'HO na (.. útil ;\a w!ulaçáo, larnhcm chamwa de laOtfftil/.
I ) 'l
InMafiio à Afflropologia Jutidica: por onde rumi"ha a hJlmamdadc? _______~
IS2
ção do "paradigma etiológico" da criminalidade.
Surgiu nos Estados Unidos da América, no final da década de
50, marcando sua trajetória já no jnkio dos anos ÚO~ tendo como precur­
sores H. Garflnkel, E. Gofmann, K. Ericson, A. Cicourcl, H. Becker, E.
Schur, T. Scheff, Lemert, Kitsuse, além de outros.
H
Dos autores pertenctntes à "Nova Escola de Ch..icago foi H,
Becker considerado o fundador do paradigma da Reação Social, assim
reconhecido com a publicação da obra Oulridm, publicada em 1963, a
153
qual apresenta a tese originária do /abe//ing, dentro da novel perspectiva.
Portanto, para o labe/nng appronch "o desvio - e a criminalidade ­
não é uma qualidade intrínseca da conduta ou uma entidade ontológica
pré constituída à reação (ou controle) social, mas uma qualidade (etiqueta)
atribuída a determinados sujeitos f•..] '" ". Desempenha, dessa forma, um
papel questionador dos "comportamentos desviantes" '" que rotulam t
etiquetam o indivíduo bem como dos meios de controle sodal traduzi­
1 l
do como formas de controle comportamcntal dos indivíduos, adequan­
do-os às normas estabelecidas pelo Sistema Penal como controle formal)
não esquecendo que o controle informal também é reconhecido nesta
perspectiva, como "a familia e a escol. (por exemplo, o fIlho estigmatiza­
do como 'ovelha negra' pela família) o aluno como 'dificil' pelo professor
lS6
[.. .)"
Para melhor compreensão mister Se faz uma abordagem sobre
alguns pontos importantes da Criminologia. Assim, nas palavras de
157
Andrade a "criminologia contemporânea experimenta uma troca de
1
paradigma mediante a qual está a se deslocar e transformar de uma Ciên­
da das causas da criminalidade (paradigma da reação social), ocupando­
se hoje, especialmente, do controle sócio penal e da análise da estrutura,
operacionalidade e reais funções do sistema penal, que veio a ocupar um
lugar cada vez mais central no interior do objeto da investigação
m Sobre o assunto ver: ANDRADE. VerJ Regina r dc. Ilusiio de segurança jutidicll. p. 183"
2lJ.
tIJ ANDkADE, Veta Regina Pereira de. Do paradigma etiológico ao paladígma da rcaçio
"crtmlnal.
social, p. 27.
'li
ANDRADE, Vem RcgÍl1a P. de. llu3ão de l'iegUtança jurldica. p. 205.
1\5 ANDRADE, Ver,! Rcglna P. óe. lludo de se:gunmça jutfdica. p_ 207.
,~
m
ANDRADE, VeTa Rcgma P de. Ilusão de segurança jurldica. r 210.
ANDRADE, Vera Regina P. de. [jusão de segurança jurídica. p_ 1M.
1M
Elizeu l.Al1tfJ"j Alt~1
Jid"ry Francisco Reit do! 5a"loJ
crimioc>lógica. H
D a mesma e . d ISS
lorma pensa Cirmo os Santos ,que complementa
afirmando que a grande transformação teórica da crimInologia contem_
porânea é representada pela transposição de uma cri",i"o/~~ia do alllor para
uma criminologia das modifõcS o~ietivas estf"1lturms e superesfntlJff"dtS de exiJtencia
do if"lividu(J-auIOf t: ..]
,
Enquanto a criminologia do autor (tradicional ou conservadora)
pressupõe um sujeito "anormal" (natureza predeterminada por várias pa­
tologias individuais) c o crime Como realidade ontológica pré-constituída
ao Sistema de controle social Qeis c aparelhos de repressão criminal), a
criminologia das condições objetivas estruturais e superestruturais da vida
social (crítica ou radical) estuda sujeitos e coletividade como produtos do
i"Cconjunto das relaçôes sociais", e desloca a atenção para processos histó­
rico-genéticos dessas relações sociais, definidas pelas estruturas de produ­
ção material e pelos sistemas Ideológicos de dominaçào, que produzem e
transformam a chamada "natureza humana'\ não como um dado natural
acabado, mas COmo um produto h..istôrrco em formação.
~ 159 a crimínologia tradicional com a criminologia cáti­
tr( Baratta J1ue na criminologia tradicional o sistema penal exis­
tente e a Rt:.~~<:~c1al são os deshnatários beneficiários de seu saber~ em
Outras palavras, o príncipe para () qual é chamada a ser conselheira.
Para a crfminoJogia eritica o sistema positivo e a prática oficial
antes de tudo, os objetos de seu saber. A relação com O sistema é
sua tarefa imediata não é realizar as receitas da politica erimínal, mas
r~examinar de forma científica a gênese do sistema, sua estrutura, seus me­
canismos de seleção, as [unç()es que realmente: exerce, seus custos econô­
e sociais e avaliar, sem preconceitos, () tipo de resposta que está em
(:condições de dar aos problemas sociais e reais. '
, Essa Crimjnologia tem como núcleo de ohservação o Sjstema
visto Como um conjunto de instítuiçôes que formam uma engrena­
queJ~~~jsa_.~~~epara~~.~)u até ~~_~~.~':~~~~tr~d~. Essa reconstru,
passa pela análise dos problemas sociais desembocando na questão
'. - DOS SANTOS, Juarez. As Raizes do Crinu'
~tJtulçQe" d~
v/oJênc!a). RIO de Janeiro: Forense, 19lJ4 p.
es.wdo sobre as í:..,!ruturas c as
nARA1TA, Alc$$ilnúro. Criminologia crftica e crflic.. do Dire1tQ Penal p.2IS.
1 ;.,
lniril1fão d AII/ropologia junl:lii.:a: por onde .:aminha d humanidade? ________
lili?!/e LaJ1?jJl1i A/,Jts
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ,)111119 Fr~lfIci.f(o lieü dos San/os

No entendimento de Andradel(~, o "labelling parte dos conceitos

de <conduta desviada' e 'reação social\ como termos reciprocamente
interdependentes, para formular sua tese central: a de que o desvio - e a
criminaLidade não é uma qualidade intrínseca da conduta ou da entida­
de ontológica pré constituída à reação (ou controle) social, mas uma qua­
lidade (etiqueta) atriblÚda a determinados sujeitos através de complexos
processos de interação sacia], isto é, de processos formais e informais de
definição e seleção,
Visto sob a ótica dessa Criminologia, o crime passa a Ser um
produto da reação social e não o seu objeto, poís a sua compreensão
passa obrigatoriamente pelo estudo do sistema penal como um todo~
inclusive considerando que ele próprio interage com ela, seja pela descri·
ção normatjva tlue impõe ou pela ação das I'instâncias oficütis (policia,
juizes, instituições penitenciárias que as aplícam).[...]". Nesse sentido, o
/abellil1g approacb tem se ocupado principalmente com as reaçôes das ins­
tâncIas oficiais de controle social) conSideradas na sua função constitutiva
""'''d a de.
em f,acc da cnm.mau 1"
Assim, a função real do Sistema Penal é construir a criminalidade
sclecivammt;ee~sugmatiZar, portanto, sua eficácia passa a ser vista ao
revés, o-u se1a, de- fOr"fia i~ve~tida. _._- ---- -- - -­
A rotuiação ou estigruatlzação do individuo encontra se" pois, no
centro do pensamento interacionista, ou Iobelling approacb, para o qual o
cdme orig1na-se da rotulação do indivíduo como delinqüente, criminoso,
rnarginal. Entende ser o desvio de conduta não um adjetivo da ação) mas
o resultado de uma. reação social, em que o dcünqücnte se distingue do
indivíduo normal em razão desta estigmatização que lhe é atribuída.
i'CC-constitui o universo da criminalidadc." .
A seletividade provocada pelo Sistema Penal depende da estrutu·
ra do próprio sistema, que envolve as relações de poder. as relações soci­
,.o. 4lurcs
ais e de igualdade, a intervenção estatal e mecarusmos de controle,
A tt"Oria da seletividade como parte integrante da "construção
social da crjminalidade"
162
oriunda do paradigma da reação social.
1
Na criminologia critica encontra o seu ponto culminante e da
qual se extraj a assertiva de que, o sistema penal contribui para a constru_
ção da criminaijdade pela seletividade que ele mesmo Íntegra COmo COn­
trole social global da conduta desviada,
Assim verifica-se, a partir desse enfoque, que o indivíduo
transgressor da lei penal sofre uma '~rotulação" tornando-se diferente
socialmente, É o que o labelling approacb, mostra porquanto "afirma que a
críminalidade não tem natureza ontológica, mas sodal e rotulatória, acen­
tua o papel constitutivo do controle social na Sua construção seletiva"lú1
além de desJocar"o interesse cognoscitivo c a investigação das 'causas' do
crime, pois da pessoa do autor e seu meio e mesmo do fato-crimc para
t
a reação social da conduta desviada) em especial para o sistema penal u /(04.
Este posicionamento. no entanto, sofreu uma correção funda­
mentaI, a partir da constatação de que muitas incidências criminais não são
computadas estatisticamente) representando o que a Criminologia da Re­
ação Social denomina de cifras negras ou dfras OClÚtas que alteram os
~ verdadejros índices estatísticos. Os números não computados podem Ser
';produto da filha de denúncia por parte das vítimas ou mesmo da não
dos crimes comeudos por pessoas pertencentes a outras
sociais nào contempladas pela clientela abrangt~ SiStema pe-
Este processo de seleção acionado,pelo Sistema Penal é resultado
·rocesso de criminaiização <fue rre median .concorrência de
j,t:~par~_~.n,dr~de a v~fI!_ da "~?e~,a. ~nte!~~~~ão dc)$Tstema
'... -.. exercício
((autêntico -. de
- 2oder. --'.-
controle
--.- e __domínio).
.u,s--__ que_ ao reagir'constrói,
Na opinião dg mesma autora este fenômeno ocorre por meio de
como:
a) a dcflnição legal de crimes pelo I ,egislativo, que atribui à con­
duta o caráter criminal, definindo~a (e, com ela) o hem jurídico a

,w ser protegido) e apenando-a qualitativamente c quantitativamente;

ANDRADE, Vem Regina P. rir. Ilusão d('. segurança jur1dica. p. 205.
!}! BI\RATIA, Alessandro. Criminologia cdtica e critica do Direito PenaL p. 86. Vera Rcgina Perclra de. Do paradigma etiulógico ao patadigma da reação
IM A expressão "construçin $ucial tia cnffiauJidade" foi utihzada püf Vcn. Rt'gma Pereira de
Andrade em teXto soh o tÍtulo de: "A cümtruçàü sodal dos çonflitos agdrios corno ,':'~~~VMUE. Vem Regina Per~jf:.l de, Do paradigma etiológico ao paradigma da rcação
crimioahdade", lo' SANTOS, Ro,gêno Dutra (Org.) Iotroduç$/ocrhica ao estudo dn sistefT\~
penal elementos para n comprrtos~() d~ (\u\'ltbdl.' reprcs~n';1 tio E~tado. Florilmúpol1 s ,
Diploma Legal, 1999 P. de. Construção Social dta Cúnfhtos Agr:liriolll como

I iS
í )0
 E1izefe L.an~n; Alves
~ ___________________ Sídltr; Pra!1ftJeo ReiJ deu Santa!
Iniciação ti Antropa/ogia jH1idira; por ortde calltinba a hJJlltanidadtl ~-------

e) [.. ,] rouha o conllito das pes",.s diretamente envolvidas nele,

b) a seleção das pessoas que secio etiquctadas, pela Polícia-Miois­
não permitindo cessar a ação pública, de modo a ínviabilizar um
tório Público e Justiça; e proceditnento conciliatório;

c) estigmatizadas (especialmente na prisão), como criminosos en­

tre todos aqueles que praticam tais condulas.
A contextualização da seletividade é orientada pelo controle soci­
al exercído pelo poder institucional do Estado por meio de mL'Canismos
de força legal e ideologicamente utilizados que agem sohre as pessoas,
geralmente pertencentes às camada..,; socialmente mais baixas.
J g) [...] opera fora da realidade, condenando seres concretos a
Nesta perspectiva, () que se vê é que o controle de condutas
delituosas, pelo Sistema Penal, tem como fonte o Estado que disciplina as
relações sociais e as controla por meio de aparelhos de força como a
I) [...] não leva em conta as pessoas em sua singularidade. Opc­
rando em abstrato, causa danos inclusive àqueles que diz querer
proteger, tendo em vista que não permite à vítima um encontro
frente a frente com seu agressor de modo a compreender os
motivos da agressão;
enormes sofrimentos por razões impessoais e fictícias;
h) [...] produz violência, na medida em que, independente da von­

~
[ polícia, a justiça, a prisão e outros, da. qual decorre a própria violência tade das pessoas que o acionam, de é estigtnatizantc, ou seja)
! institucional, porquanto, 'quando o sistema "penal se põe em marcha. é gera uma perda de dignidade.
! sem~ contra alguém, â~u~m a lei ·cle;igna c';m~;- culpável para que seja
,- - - 166 -_.. ~~- --~--- --~ ------.~------

condcnado.
H
167 Analisando sob este aspecto, verífka-se que as condiçóes estrutu­
__.. _~ Complementando esse raciocioio, Hulsman diz que além de tais de todo o Sistema Penal originam-se do dcsenvolvimento sódo-eco­
~. deflagrar a violência institucional, o Sistema Penal: nómico, ou seja, da socicdade baseada no capitalismo. A desigualdade
.,~r .J parte do desequihbrio dessas condições e o Direito Penal acompanha esta
c,:)\ ",,1 a) fabrica culpados, na medida em que seu funcionamento se
linha comportamelltal, pois ~s sociais tratamentos diferencia­
apóia na afirmação d. culpabilidade de um dos protagooistas,
dos.
\,irJ\I> pouco importando a compreensão e a vivência que os interessa.~
l
Na compreeost de Baratta " , formular crítica ao Direito Penal
dos tenham da situação; como "direito igual", 'z que a c ' ca se dirige, portanto, ao mito do
(\>\ ,~/ Direito penal, corno um
U

gual por cxcdêncía. Ela lllostra que o

~\t b) (...1 produz

no condenado um estigma que pode se tornar

profundo;
burgnês, e que, conttllriamente a toda aparêncÍil, é o direito desigual por
c) [..,] endurece o condenado, jogando-o contra a "ordem soci­
al" na qual pretende rcintroduzi-Io, fazendo dele uma outra rlti­
ma;
d) [..] provoca a experiência da marginalização;
.Direito penal não é menos desigual do que os outros ramos do direito
excelência."
As condutas rotuladas como criminais ou ddítivas, bem como a
. escigmatização de seus realizadores são~ geralmente, direcionadas aos: indi­
víduos pertencentes aos mais baixos estratos sodais
A contraposição entre o discurso e a prática leva ao raciocínio de
que o Sistema Penal, como se apresenta é incoerente. Nega. portanto, a
eficácia de sua própria estratégia punitiva, pois as funçóes declaradas da
pena (socíalmente úteis), são contrárias às reais (produção da cnminalídade
;o--~ .. ~~--~. -- ~~

lU HUJSMANN, I.ouk. Penas perdidas. p.6 7 I3ARKITA, Akfisandro. Criminologia clÍtku, e crl!ica dQ Direito Penllt p. 162.

IM HUJ..SMANN, Louk. Penas perdidas. r 67.!)1.

111
{I()

Iniçiação à Antropologia ]Hridica; por onde caluinha (/ bJJ!JJanidade?---------
• !69
e estígn1auzação).
Desde o ponto de vista das definições legais, a criminalidade se na modernidade capitalista, as Ciências Sociaís contemporâneas
manifesta como o cornportamento da maioria, antes que de uma
minoria perigosa da população e em todos os estratos sociais. Se
a conduta eriminal é majoritária e ubíqua c a clientela do sistema
penal é composta HregularmentcH, eI'n todos os lugares do mun­ ai (do qual resulta sua grave crise de legitimidade) como o Cum­
do, por pessoas pertencentes aos mais baixos estratos sociais, isto
indka que há um processo de seleção de pessoas, dentro da po­
pulação total às quais Se qualifica como criminosos. E não se
pretende o discurso penal ofidal~ uma incriminação igualitária de
condutas qualificadas comO tais. O direito penal se dirige quase
sempre contra certas pessoas mais que contra ccrtas ações legal-
17.
mente definidas como crime.
Esta estigmatização pode, também, gcrar um efeito de auto­
rotulação, que por tornar conhecida á pessoa por determinada prática
criminosa poderá cle assumir um papel identilicador de tal forma com
sua nova identidade sodal que volte a delinqüir, desta forma é que se
verifica a construção, também, da reincidência.
Esses aspectos. os quais se cncontram entrelaçados a estudos so­
ciológicos, têm influenciado~ SObrCJllaneira. o enfoque da_JlOxa
criminologia. O que se busca atualmente, dentro de uma v isiio moderna
Uma nova consciência vem se. desenvolvendo a partir de uma
él];j)5if~ito Penal e que vem sendo fortemente defendida por doutrina dores
adeptos da crimínoJogia critica, é se afastar o infrator da r~~~)açã~! e do
estigma da criminalização. - -- - =c;;='; n - - ­
,- funda não f6i encontrada uma resposta satisfatÓria para o pro-
blema da criminalidade diante da ineficácia do Sistema Penal, que gira
incansavelmente em torno do combale à criminalidade e não da constru­
configuração para a legislação penal ou qualquer outra que ela possa sub­
ção de uma política criminal potencializada pela consciência de cidadania,
sidiar.
' f
como devena ser. Coo orme explica Andra c
d 171
169 Sobre o assumo, ver ANDRADE, Veta Regina P. de, ilusãQ de s.egurança juddíca, p. 291
e segumtes.
110 lO
ANDRADE, VetA Reglna PercJ!;'! de. 00 paradigma ctiuiógico ao paradigma da re<\ç
social. p. 32.
ANDRADE, Vera RegIna I'ercir~ d(', Violência sexl1<l1 (' sistema penal. p 93.
·,
I ~,-
bfiZ'le Lahi!'ni AIve$
-------------------~ Jidnry Franâs(Q Rúr dqs SantQ5
Ao denlOnstrar, sobre hases teórica e empíriçamente fundamen­
tadas, a estrutura, operacionalidade e funções do sistcma penal
têm promovido uma verdadeira radiografia interna) mostrando
'lue há não apenas um profundo déficit histórico de cumprimen­
to das promessas olicialmente declaradas pelo seu discurso ofici­
primento de funções inversas às declaradas. As Ciências Sociais
contemporâneas evidenciam que há~ para além das intervenções
contingentes. uma lógica estrutural de operadonalização do siste­
ma penal, comum às sociedades capitalistas centraÍs e periféricas,
que não apenas viola os princípios constitucionais do Estado de
Direito e do Direito Penal e Processual Pcnalliberais e os fins
atribuídos ao Direito Penal e à pena, mas é num plano mais pro­
fundo, oposta a ambas. O sistema penal cumpre {unções latentes
opostas às declaradas.
A moderna orientação referente à política criminal envereda-se
pelos campos do minimalismo e do abolicionismo, que:[...] baseada em
meio século de investigação criminológica teórica e empírica, consubstancia
conclusões cientificas irreversíveis no campo da criminalidade c da res-
172
posta pUlúúva.
concepção diferente com referência ao Direito Penal.
Sua expansão no mundo jurídico ocorre a partir do estudo efetu'
ado por alguns operadores do Direito que não vislumbram um futuro
promissur nos moldes atuais, preconizando a nccessidade de um
intervenóonismo mínimo por parte do Estado. bem como uma nova
o Direito Penal Mínimo repudia o Sistema Penal, da forma como
Se apresenta boje, Teoriza~se no pensam<:nto da mínima intervenção do
Estado, no que concerne ao jus ptllUCndl~ posto que evidente é o f raeasso
da função das penas nos moldes atuajs~ dado a situação emergencial em
que Se encontra todo o sistema carcerário, bem como pelo caráter seleti­
Vo que lhe é atribuído, tendo em vIsta a estigrnatização das pessoas colo­
AN1)RADE, VCf,l Rq;ma Pl:fCln~ de. Desafio Vital para o Terceiro Milênio. p.161.
J-I ;

lltidafJo ri AnlrofXJ/ogid Junnka:por onde camhlha a hU1'JJanidade? - - - - - - - ­
cadas sob sua égide (transgressor da norma posta),
Este Direito Penal Mínimo tem como proposta evitar a
criminatização sob o manto da críação de novas figuras penais ,!ue des­
crevam condutas de baixo potencial ofensivo, ao mesmo tempo em que
fomenta a descriminalização, aholindo os tipos penais de teor ofensivo
semelhante; a despenalização, suprimindo a aplicação de penas que em
nada contribuem com a mudança comportamental e a consciência do
infrator quanto à prática do delito; e a desinstitucionalização, retirando da
esfera penal e estata) a solução de situações de interesse somente das par­
tes envolvidas.
Os adeptos do abolicionismo não necessariamente "partilham de
uma total coincidência de métodos e pressupostos fIlosófIcos c táticas
para alcançar os seus objetiv a vez que provêm de diferentes ver­
tentes dc pensamento . tu o lSS "d eve ser assma
" ' A d ' 'ld
a a a prelerenela
C"
marxista de Tho /I:1athiesen, a feno enológíca de Louk Hulsmann, a
estruturalista ichel Poucault e, p deria ainda ser acrescentada, a
fenomenológi ) historidsta de Nils ristie.~' 174
Em razão te ai da pesquisa não ter como escopo o
aprofundamento do assunto em destaque, serão abordados somente os
aspectos do abolicion1smo sob a ótica de Louk Hulsmann) tendo em
vista a repercussão de seu estudu sobre o tema.
O abolicionismo, para Hulsmann, devc abranger a abolição da
cultura punitiva, até o vocabulário concernente ao sistema punitivo, como
crime, criminoso, crimjnalidade, dentre outros 175.
No entendimento, Hulsmann, citado por Zaffaron(6, afirma
há três motivos fundamentais a favor da abolição do sistema
a) é um sistema que çausa sofrimentos desnecessários que são
distribuídos socialmente de modo injusto;
não apresenta efeito positivo sobre as pessoas envolvidas nos
c()nflitos~
~~.
ZAFFARONI, Eugenio RauL Em busca dali pena!! p<:tdidaa, p 98.
'" ZAFPARONI, Eugenio Raul. Em bm.ca da!! penas p<:rdidas p 98,
\I~ HULSMANN, L(Juk. CEUS, Jagudinc lkrrul d!' PenlUi I,erdidas, p 95.
p~ • ,
ZAi-rARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas. p 9H.
111
FJiifte l.anilmi A/pc!
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - Jidm!y FrmuiJro Reü d()~ ,fa"l()J'
c) é sumamente difícil de ser mantido sob controle.
A perspectiva abolidonista assume assim uma p()~tura realista de
,,,
diminuição de desigualdades, Afirma ainda QUe o "sistema penal visivel.
mente cria e reforça as desigualdades sociais ", tanto pela seletividade,
abrangendo somente os que praticam pequenos delitos, como também
pela exclusâo que a prisão representa,
Há muito tempo que se sustenta o pensamento de que a segrega_
ção física c a prevenção pelo temor, moldes repressores do Direito Penal
como se apresenta atualmente, não geram os efeiros declarados e, ao
contrário do que se pretende com os discursos de aumento da severidade
do Sistema Penal, deflagra ainda mais o descrédito do Estado perante a
sociedade,
Para J lulsmann, a prevenção só poderá ocorrer a partir de uma
visão renovada do HPU')prio ato punível" . Ele inovou materializando a
'"
sua reflexão na obra uPenas Perdidas" • na qual explica: HRejdtar a no­
ção de crimc jmplica também em repensar a noção conexa de "preven­
ção", "Prevenir a ddi~9üência" não faz sentido, quando Se tenta repensar
a realidade numa lógica diferente .ga do~':a_t()ru~\vel". . ._--.
Sobre a prevenção, continua Hulsmann,
Criminólogos e governantes falam em prevenir a delinqüên­
cia, através do combate às origens econômicas. urbanísticas, cul­
turais e sociais de determinados atos negativos. É interessante
notar que, assim, admitem implicitamente que os atos hoje defI­
nidos como crimes e delitos - e, pelos qua.is~ em nossas prisões,
indivíduos determinados são aviltados e estigmatizados por toda
a vida constituem~ na realidade, fatos imput.iveis a causas com­
plexas e coletivas. No entanto, é preciso ir mais além. Para ser­
mos mais exatos~ o que se trata é de ter uma outra atitude, Con­
vém voltar à origem mesma do discurso penal. Uma visão nova
dá nova luz aos problemas de sempre e enseja uma mudança na
própria apreensão da realidade.
-- --_._----~
CELlS, }uJueline Berna. de, Penas perdidas. p 7$.
lilJLSMANN, Lmtk, CEUS, Jacquelmc de Bermrl. Penas Perdidas. p, 139.
'" 1i:UI.sMANN, Louk, CELiS, J;l<guc/ine de ilemarr. Penas Perdidas. p. 139.
IFi
Inicioção 4Aft1ropol0í!ia JNridka: por onde cOlNinha fi ))/(pumidadd . - - - - - - - - ­
o Direito Penal no Brasil, da década de 80 até hoje, vem sendo
marcado pelo discurso da intervenção mínima, no entanto> sua caracterís­
tica intervcnciorusta cstá cada veZ mais assente e com seu discurso irreal
preventivo pretende passar li Sociedade a sensação de segurança pública,
cada vez mais afastada pelo aumento de violência urbana e da
maerocriminalidadc.
5.4- Um olhar antropológico jurídico sobre a violência
estrutural nas sociedades complexas
A gue~tão da violência estrutura) encontra suas raízes na própria
historia da humarudade, tal qual ocorre com o Direito Penal, pelo fato da
agressividade humana representar tema de estudo e análise de diversas
áreas do conhecimento e em particular para a Ciência Jurídica, devido a
defirução de algumas condutas violentas como delitos ou crimes.
O scr humano como excmplar do mundo aruma! carrega de for­
ma instintiva O sentimento de preservação da espécie e manutenção da
vida, da sua inte/,'Tidade física e até mesmo de sua propriedade. A história
registra que a inteligência humana, assim como foi usada pata a criação de
artefatos ou descobertas gue auxiliaram o desenvolvimento da humani­
dade, também foi usada para aprimorá-los contra os seus semelhantes, a
cxemp]o da~ primeiras armas ou artefatos criados para a caça e guc fo~
ram utilizados para abater seres humanos~ O mesmo acontecendo com o
fogo e, mais recentemente, o avião t CJue foi criado corno forma de dina~
mizar o transporte e foi usado como arma na I Guerra Mundial, o que
deiXOU transtornado seu criador~ Santos Dumont.
A própria glohalízação pode representar uma forma de violéncl.
estrutural, sob o ponto de vista da hegemorua c domínio econômico de
alguns países sobre outros. Podemos usar como exemplo a invasão do
Iraque pelos Estados Unidos, dctentor de um poder econômico capaz
de fa;.o;ê-lo ignorar () sentido de soberania e contrariar as determinações
das Orgamzações das Nações Unidas (ONU), onde a lógica da força das
armas se destaca.
A lógica da lex mercatona que movimenta o planeta é um' lógica
que desvaloriza () des<:.rnrolvimenl'.' dadigrudade humana,_I'or conseqü­
ência gera a violência estruturaJ nas sociedades complexas globalizadas.
Esta violêneül estrutural t: uma reação aos problem,as sociais da
1/1,
nlize/e Lal1ZOfli AlveJ
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - J'jdl1'!J rrt111Ct1CO Reli dos San/OJ
distribuição mundial de renda capitalista que reforça a desigualdade eco.
nômica; das rdações de rrabalho com mão de ohra barara oriundas dos
paises de capitalismo periférico; do desenvolvimento de armas bélicas
cada vez mais sofisticadas e do aumento da macrocrirnlnalidade.
A Violência estrutural tem Sua origem da própria estrutura sodal e
do funcionamento jurídico-politico das sociedades complexas.
O delito faz parte de toda e qualsuer sociedade, todavia, nas
sociedades complexas adquire um novo sigruficado, pois o delinqüente 180
é considerado um doente psicossomático demandando a necessidade de
tratá-jo~ para que se torne possível seu convívio social. lbJavla> não Se
deve deixar de considerar os casos de irrccuperabilidade deflagrados por
diversos fatores multiculturais.
O Estado é co-responsável pela institucionalização da violência
estrutural, pois não consegue prover as nccess.idades que a lei assegura à
sociedade. O Estado não realiza com eficácia social as políticas públicas
relacionadas com a educação, com a distribuição de renda, com a geração
de cmpregos etc.
t:,,:ra ."~'p<>.~a Jurj9i ca o.s sQÇi"dades conp.!e~s, a violên­
. cia a!J.rang~,,__quesrão da maerocriminalidadc urbana, o conflito cultural
como produto socüÍI, a -interferência institucionaIdo Es-tàdo.
-- -~,i;'ssc contexto, a Antt{;pologiaJ;:;rídic~--;:-uida da ObSCfvi.çiO, da
análise, dos limitcs e das possibilidades da modificação dos fatores
multiculturais gue alimentam o processo de violência estrunltaL
O alcance da violência estrutural é multifacerado c atinge o com.
portamento~ o pcnsamcnto~ as manifc~tações humanas de forma dialética,
o que exige uma análisc interdisciplinar desse fenômeno.
Muitos são os fatores CJue podem explicar a violência estrutural,
r mas nenhum dcles conscgue justificá-la. A interferéncia na conduta hum.­
\ na causadora deste tipo de violência pode ser atribuída a fatores soclais~
'. l psicológico~ éticos) físicos e mentais, dentre outros.
() próprio ser humano é construIdo com engrenagens comple­
Xas considerando sua personalidade, individualidade, sociabilidade e ge.
nética. Quando uma dessas engrenagens entra cm pane provoca u,":
desequilíbrio quc pode levar o indivíduo a rer atitudes de violência. E
Unportante esclarecer que o tcrmo violência estrutural não pode ser udJi.·
Para comprccl1dcJ melhor <l yucstJo rSKO.'iS!1m::'itiç~ sobr.: li dí.;linqüerHe, vult··, TRINDADE,
Manual de Psicologia Jutidica. Porto J\1r:gn:: 1.1\'rrtrJit do Advoü:tJo. 2004.
/1­

Iniciafão à AniropologitJ ]Nridi&a: porofldc caminha t1 hJlmanidade? ________
zado sumente sob o aspecto físico, mas também emocional e mentaL
A falta de perspectiva, principalmente para os jovens, gera uma
aproximação com todas as formas facilitadas que possam representar a
satisfação de suas necessidades, O exemplo mais comum é o tráfico de
substâncias que causam dependência química) que movimenta financeira­
mente milhões de dólares em todo o mundo) regimentando jovens de
todas as idades, que I1ll ilusão de alcance de seu ideal de felicidade materi­
al, acabam se entregando à criminalidade,
Somente uma política social é: capaz de afastar as crianças e ado­
lescentes dos perigos que hoje as afetam c as fazem vítimas e agressores
ao mesmo tempo. j laje, os adultos têm medo das crianças na rua numa
\ visão invertida de algum tempo atrás, As nossas crianças estão armadas
com instrumentos c pensamentos que promovem o distanciamento da
melhor fase de suas vidas.
A violência estruturaJ se manifesta também através da dominação
I econômica e poliuca, mantida pela lei e pela ação das instituições que
deveriam combatê-la. Neste caso, quem sofre a violência estrutural é a
pobreza, pelo descaso das autoridades estatais no cumprimento das poli­
ric.s públicas básicas, tais como: as políticas públicas da infância e d.
adolescência) dos idosos, de proteção ao meio ambIente) da saúde e da
educação.
As constantes violações dos direitos humanos acarretam conse­
qüências desastrosas do ponto de vista do controle da violência estrutural.
As políticas públicas que deveriam estar voltadas à proteção dos direitos
acabam por reforçar as manifestações que os ignoram, a exemplo da
impunidade, pelas péssimas condições carcerárias que incentiva a práúca
da tortura e o crescimento da macrocriminalidade.
A perda da noção de coletividade contribui, sobremaneira, para
a ocorrência da violência estrutural com ênfase na violência urbana, onde
os conflitos sociais são mais facilmente percebidos, sendo que a relação
de dominação no meio urbano compreende mais que a relação entre o
Estado e o indivíduo) mas entre eles mesmos, como o que ocorre com aS
gangs, por exemplo,
As políticas sociais e estratégias institucionais se limitam, atual­
mente, a ações ou projetos que ai teram a realidade, porquanto trabalham
em nível da supcrficialíclade~ como ocorreu em Nova York, com o pro­
grama "tolerância zero". instituído em 1994, por Rudolph W. Giuliani,
llX
fiJizete Lanzoní Akes
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Júlnry Franci.rco Reü "OI Santo.r
então prefeito da cidade. Essas ações 1) até mostrar uma redução
nos índices geraís, mas não siio ~" . es de tr alhar em nível de alteração
comportamentaI como conseqp. nda do de envolvimento de cidadanía.
O que ocorre é uma espéqf d I(limpeza~' parenfe, mas não sua efetiva
redução. Tirar o delinqüente d rua nã 19nifica que ele mudou Sua. for­
ma de pensar e de agir, A diminw o da violência passa pela re-organiza_
Ç~D dos objetivos estatais~ o combate à corrupção e o afastamento dos
maus policiais. Bsses são apenas alguns exemplos de providências a serem
tomadas para a mudança da situação atuai em relação à violência.
Dessa maneira é possível afirmar que a violência estruturat é um
circuito fechado viciado entre a omissão do Estado em relação ao cum~
primento das poliucas públicas que deveriam assegurar a dignidade da
pessoa humana para as classes sociajs pobres e estigmatizadas. Isto tem
gerado uma re~ção violenta, ~e a!~uns setores "~~~lizados das das~s
subalternas (taIs como: orgaruzaçao de Macrocnmm:jhdade, como o Pn­
mciro Comando da Capital em São Paulor-pCC, <;/o '""mando Verme­
lho, no Rio de Janeiro) que utilizam como~de troca a queima de
ônibus urbanos (e interestaduais), a destruição de delegacias da policia
civil, assassinatos de policiais civis e militares, para fazer o Estado cumprir
de forma compulsória as políticas públicas previstas na Lei de Execuções
Penais (LEP) para os filiados destas organizações de macrocriminalidade.
Todavia, o Estado reage de forma mais irracional (sem estudo
interdisciplinar previo dos fatores mulcicultura1s geradores da violêncía
estrutural), ao propor projetos de Lei no Congresso Nacional para a re­
dução da idade penal, para O aumento do tempo de cumprimentos d.s
penas, para o aumento de penitenciarias federais de segurança máxima,
para a aplicação da política federal da tolenincia zero, visando reprimir
criminosos adultos e adoJescentes infratores' pobres. Enquanto isso) os
colarinhos brancos que obtiveram imunidade parlamentar (ou seria im­
punidade parlamentar) foram eleitos para o Congresso Nacional, tais
como um ex-governador do Estado de São Paulo, que c hoje deputado
federal. e um ex-presidente da República. que é hoje Senador da Repúbli­
ca do Brasil.
Portanto a violência estruturaJ como um circuito fechado viciado
representa a PQ!';a do ~ceber.!Lque esconde <:r:r> águ."'bem maIS profuildas
Sua verdadeira dimensão.
As estratégias de manutenção do poder aniquilam O respeito à
!-N
l" icidf<:io ti A "t,.op%gia .!Nridica: por lJIlde canúnha a ImHltlrJiddde? ElizCle Lanzo",' AIt'e,f
~----------------~ .. Jid11ijJ Frmu:úro Reis dos Santos

dignidade humana e o exercicio da cidadania, pois fica cada vez mais nas com o meio ambiente, com as instittÚçõcs e com tudo o que cerCa a
evidente a dificuldade de assegurar os direitos legalmente contemplados vida em sodedade. Nenhuma ação estatal terá o condão de restabelecer a
pelos meios colocados à disposição pelo Estado. paz c combater efetivamente a violência estrutural sem a parceria com o
Par.! diminuição da violência estrutural cabe ao Estado realizar as individuo e uma forte ar6culação com a ética c a cidadania dos movimen_
seguintcs políticas públicas: tos sociais.
O momento atuai é de reflexão e de reconhecimento de que vi­
· Capacitar de forma interdisciplinar o efetivo policial (polícias vemos numa crise em diversos aspectos da vida em sociedades comple­
civil, militar e federal), de forma que os profissionaÍs da seguran­ xas. A todos afetam o comportamento c as relações humanas) seja sua
ça pública tenham melhor formação técnica. convivência social, política ou econômica. É preciso trabalhar para supe­
rar a críse, sobretudo} a crise.: ética, para akan1arrnos patamares aceitáveis
· Possibilitar a equiparação salarial com a policia federal, para a l
de violência, conforme nos aponta Tobeiias 2: "para criar urna nova so­
policia civil e militar, para maior diminuir as questões de corrupção
ciedade na qual não impere a cega violência e resplandeça a liberdade, a
pela percepção de baixos salários. paz c a justlça, há que estimular as forças espJritua1S do homem: seu bem
sentido de Juizo, Sua consciência Inora! c responsabilidade, seus sentimen­
'Conscientizar o Poder LegIslativo para que a elaboração das leis tos de amor ao próximo e solidariedade social."
seja fcita de acordo com as reais necessidades e utilidades sociais.
Cabe ao cidadão colaborar no sentido de voltar Sua conduta e
sua mentalidade ao coletivo e não Somente ao individual, participar efeti­
· Incentivar o comprometimento ético do judiciário, para torná·
vamente do processo democrático, o que implica muito mais do que
lo mais célerc c eficaz na realização da prestação jurisdicional.
votar em seus representantes; faz-se necessário cumprir seu papel de par­
ceiro cm rdação à educação c proteção da cdançaj respeitar o meio am­
· Promover políticas públicas de desenvolvimento sôeio-cultu­
biente c exercitar a cidadania e a ética nas rdaçôes sociais.
ralo
O olhar da antropologia jurídica deve estar voltado para a análise
da violência estrutural como um fenômeno inerente a cultura das socieda­
•Construir um sistema penal mais cficiente no sentido da educa­
des complexas globalizadas, mas que é possível exer<:er o controle sobre
ção e socialização do preso.
ela) por meio de instrumentos cducadunais interdisdplinares e sociais. Esta
educação interdisciplinar é que nos dará a chance de escolher entre () caos
• Promover políticas públicas dc desenvolvimento econômico
da violência atual ou um caminho de superação dialética de nossos medos
com a finalidade de proporcionar melhores condições de traba­
e preconceitos psicossomáticos, gerando uma nova cultura de paz no
lho dos setores populares.
mundo.

Na compreensão antropológica jurídica de Rouland ,a "função "I

paci ficadora do Estado moderno aparece ainda mais nitidamente se o
compararmos com a violência e a paixão guerreira de que dão provas
muitas sociedades tradicionais desprovidas de forma cstataJ""
Quanto mais complexa a organização das sociedades atuais, mai~
ar também é a complcxidad:c da conVivência social c das rdaçõcs huma"
lil

Modernidade, p. 93.
~~~-_.~~_.~~-

ROULAND, Norbcn. Nos. c(JOfins do DireÍlo. lJma AnuopoJogia Jllrldica da .,

ToBENi\S, Jose Castan. Los Oerechos dei Humbrc. -4 ed, Madrid: RICOS, 1992, p.243,

Im li!
IniciP{tl(J à Anlropa/ogia jJlridiÇi1: por Mdc ~afl1iflha {/ hUlllanidade? - - - - - - - ­
Resumo Esquemático do Capítulo
A consrmção cultural
da CrirninaliJade
I Pruduro de problemas sociais
Visão invertida sobre as
penas como forma de
vingança social e fator
inlbidor de novos crimes.
lntervenção Estatal e
descrédito das instituições
que deveriam promover a
segurança jurídica
Falta de políticas públicas,
A função social da I Descrição das regras juridkas I Dever ser.
dogmática juridica nas em vigor
sociedades complexas
Finalidade
DogIl1-:Íuça nas sodedades ~xp~cta~~a social em ~Iaçào
complexas a aphcablbdade nonnauva nO
controle da violência,
Os estigmas soôais I Sistema Penal
provocados pelo sis­
tema penal sob a ótica
da cflminologia crítíca
Labellinl'. approa(b oti
crlmlUoJogia da Reação
Social
I:;:!
Elizete Lanzoni AlwJ
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - J'idn~J FranciJ,·o Râr dOJ Santo;
Os estigmas socjais Criminologia Contemporânea Experimenta uma troca del
provocados pelo sis­
tema penal sob a ótica
da crimjnolovi:l critica
paradigma mediante a '1 uaJ
está :a se deslocar c
transformar de uma Clênda
I
das t-ausas da criminalidade I'
Rotulação (paradigma da reação social),
Estigmati zação ocupando-se hoje •.
Sderividade ....t'..:cialmente, do Controle
Aumento da criminal idade e sócio penal e da análise da
vlOlencia estcutura, operacionalidade e
reais funções do sistema
penal.
Um olhar antropo­ Observação do fenômeno
Antropologia, Psicologia,
k)j'.,rlco jurfdico sobre a "violência estrutural".
Sociologia, Direito. dentre
vlolênc1a eSfrutural
nas sociedades com­
Outras áreas do saber.
plexas.
Desenvo!vlmentn da vio­ Desapego de valores (morais
lência estnHural sociais, religiosos, éticos).
Cuntrole da Cnminahdade Deterioração da credibilidade
faLOr preponderante da
CUIl)O jnsutucionat
diminuição da violência. A exclusão social
Origem plural (produto das
I
dC!iigualdades econômicas e
sociais, quebra dos laços
familiares. pela facilidade do
acesso às armas e na falta de
I Conjl de -atividades
polícicas publicas capazes de
rt:stabelccec as perspectivas
oriundas das instituições
SOciais).
detentoras do poder de
controle social (ocorrênóa do
fato até execução da punição
imposta).
Movimento crítico aQ sistema
penal surgido na segunda
metade do Século XX,
rn
Iniciução d AnlropO/OJ!.Úi ]Itr/dica; por onde caminha a hlmJanidade?
Exercicios de Fixação
1- Explique corno se opera a construção cultural da Criminalidade.
2- Qual é a função social da Antropologia Jurídica no que tange a
análise da violência estrutural?
3- Qual a função social da dogmática juridica nas sociedades com­
plex.s?
4- Qual a diferença entre a abordagem dogmática jurídica e a
zetêtie. do direito?
5- Como a vio)ência estnltural pode ser caracterizada?
6- Quais os fatores que contribuem para a estigmatização do in­
divíduo que passa pelo sistema penal?
7- Destaque alguns fatore~ ~ociai~ que contribuem para aumentar
os índices de violência estrutural nas sociedades complexas.
8- Explique como se opera o olhar antropológico jurídico sobre
a violência estrutural nas sociedadc~ complexas.
9- Explique como se opera os estjgmas sociais provocados pelo
sistema penal sob a ótica da criminologia crítica.
10- Elabore uma proposta interdisciplinar para superação dialética
da violência estrutural no Brasil. Justifique sua resposta. Dê exemplos.
I ,-.!
6. A Antropologia Jurídica e a
\
diversidade cultural da família
t
6.1- Brevíssimo Histórico das pesquisas
antropológicas sobre a Família
No dccorrer da história humana, a palavra família incorporou
um. certo catiter de polissemia.
A palavra latina família, apareceu em Roma antiga, derivada de
filmn/lI! (servidor), mas não tinha o mesmo significado atual' '.
No período da rcaleza de Roma designava-se por família o con.
junto dos escravos c servidores vivendo sob o mesmo teto. Depois, na
época da república romana, refcrJa-se ao domínio territorial do senhor
romano sobre seus bens imóveis c móveis, a saber; a terra, a casa, a espo­
sa, filhos, servidores e escravos. Posteriormente, no período do Império
Romano (Principado), a palavra família passou a designar os agnati e os
rognati, tornando-se, pelo menos na linguagem corrente, sintmimo de gens lO' .
Geralmente as primeiras palavras que qualquer criança aprende
são as papá e matoã (pai e mãe), e logo a seguir os demais
vocábulos do parentesco. Assim, o mundo da criança se .reparte entre os
Seus e os Outros. Dentro desta visão do senso comum de nossas socieda­
des complexas globalizadas, a família parece-nos um fato natural, como
algo semelhante à linguagem, ufn atributo da condição humana.Então,
este mesmo senso comum~ conclui, a partir de uma visão empírica, que
todas as sociedades do planeta (simples e complexasl passadas e prescn­
". tes) partilham o mesmo tipo de família.
nl---- -----~~-"
ZONABEND, Françolse, KLAPISCff·Z{ lBER, (:hnstiant:. SEGALEN, Marune. BURGUIÉRE.
J\ndré.
19 (Direção) História da FamHia. Mundos uJtlhringuo9. Val L Lisboa: Terramar Editores.
96. p.13.
<.
Casa, conjunto dos indJ\'íduos I.jue vIvem t>üb ú mesma reto; ,gUTJ, cOnluni~ade formada
descendente$ de um mesmo arttepilssadn; d/!."aIJ, os parentes paternas, fognah, os matem;:,!>
exrenlliio, () cqnjunto con~anguínGos - rodas r.:S(:I~ umda(les parentals reuOlmo~las. hOTC',
w)(:ábul() famih:t. Cf %ONABHND Françui~t:. KLAP!SCI-I-ZlJBER, Chnst!anC'c
ii;';üALEN, l\farrine, 1.3()}{(; U11':, RI:" I\ndr;:. (Due'fào) História da FamHia. Mundos
~ nglnguo9, p.lJ.
1 ) )­