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III SIGET –

Universidade Federal de Santa Maria


Santa Maria, 16-18 de agosto de 2005

Os desafios da identificação do
gênero textual nas atividades de ensino:
propósitos comunicativos versus forma estrutural

Luiz Antônio Marcuschi (UFPE)

RESUMO: Embora seja hoje amplamente aceito que o trabalho com a linguagem em sala
de aula deva ser feto com base em gêneros textuais, não está claro como isso deve ocorrer
no detalhe. Por um lado, admite-se que não se trata de ensinar a produzir gêneros
simplesmente. Por outro, sabe-se que ao escolher um gênero, já se escolhe
aproximadamente uma forma textual, mas a recíproca não é verdadeira. Não há relação de
biunivocidade entre texto e gênero. Este é o ponto de vista a ser explorado em particular
na seguinte questão: não se refletiu suficientemente sobre as relações entre a forma
textual e os propósitos do gênero. E aí residem alguns problemas no trato textual do
gênero. A questão que se põe é: o que é mesmo que num gênero é explorado pelos experts
burlando ou explorando formas e propósitos, mas sendo ainda reconhecíveis? Como isso
poderia ser analisado em sala de aula? Se uma forma textual ainda não identifica nem
leva a um gênero de modo compulsório, e se a identificação dos propósitos de um texto
ainda não nos fornece com segurança o gênero, isto deve-se ao fato de lidarmos sempre
com fronteiras pouco claras entre gêneros ou a imbricações intergenéricas e imbricações
interpropósitos sistemáticas? Esse é o núcleo temático desta análise.

O problema

Nesta exposição examino as relações entre forma e propósito comunicativo observando seu
papel na determinação dos gêneros textuais. Dedico-me ao tema não porque julgue ser
importante identificar os gêneros por algum nome ou situá-los em alguma categoria genérica
em particular, mas porque essa atividade envolve problemas teóricos e práticos relevantes. A
questão é pertinente, segundo Askehave e Swales (2001:195), tendo em conta que:

“Desde o início dos anos 80, em muitos trabalhos no âmbito da análise de gêneros, a intenção
ou o propósito comunicativo tem sido usado, freqüentemente, como um critério principal e
importante para decidir se um discurso específico faz parte de uma categoria genérica ou não”.

Para alguns autores, no entanto, o que determina um gênero é sua forma e organização
estrutural. O certo é que estilo, formalidade, conteúdo e outros aspectos relacionados ao
gênero são tidos como menos relevantes para sua identificação, já que podem variar dentro de
um mesmo gênero ou então serem os mesmos, mas mudar o gênero. O problema a que me
dedicarei agora é o da determinação do gênero e não de sua classificação, pois a atividade de
atribuir uma forma genérica a um texto não é propriamente uma atividade classificatória.
Central aqui é saber se podemos atribuir ao propósito comunicativo do gênero o privilégio
que lhe é dado na maioria dos trabalhos sobre o tema.

Não há biunivocidade entre texto e gênero

O problema levantado se põe porque a determinação de um gênero não é estritamente formal.


Isto é fácil de comprovar no contexto histórico de um gênero. Textos que um dia foram tidos
como sendo de um determinado gênero, tempos depois passaram a ser um gênero diferente.
2

Lembremos o caso da Carta de Pero Vaz de Caminha, para ficar num conhecido exemplo.
Essa obra passou de Carta ao Rei, com um propósito informacional definido, a Documento
histórico, como funções históricas e novo status epistemológico. Portanto, a relação entre
gênero e forma textual não é biunívoca, isto é, um formato textual não pode ainda ser tido
como um determinado gênero fora de seu contexto comunicativo. Pela relação entre texto e
gênero passam tanto circunstâncias históricas bem como aspectos comunicativos e sócio-
cognitivos que podem mudar ou até variar ao longo do tempo. Um simples exemplo de
publicidade poderia dar uma idéia disto. Tomemos o caso da publicidade que tem o formato e
uma bula de remédio, no exemplo extraído de Ulla Fix (1997:100), da editora alemã
Diogenes. A propaganda dessa editora tem um efeito muito preciso.

(1) publicidade no formato de uma bula


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São menos aborrecidos
Fonte: Ulla FIX (1997:100) – tradução de L.A.M.

Em análises anteriores, tratei este caso como uma questão de intergenericidade com uma
mescla de funções de uma dada forma textual: uma publicidade com o formato de uma bula
de remédio. Em princípio, isto não deve trazer dificuldade alguma para a interpretabilidade.
Neste caso, o predomínio do propósito comunicativo supera a forma na determinação do
gênero.
3

Mas também constatamos a situação oposta exemplificada nos gêneros e-mail e carta
comercial, tal como examinados por Normelio Zanotto (2005). A fim de “testar” a idéia de
que
os propósitos dos textos em sentido estrito são insuficientes para definir os gêneros, e
reforçando a idéia de que um gênero de texto tampouco se caracteriza somente pela
organização retórica ou lingüístico-formal, nem pela comunidade discursiva que dele se serve,
ou pela função discursiva que cumpre, ou pelo mídium de veiculação, ou por outros fatores
apontados por diferentes autores,

o autor propõe uma comparação que busca “verificar o que distingue, por exemplo, uma carta
comercial de um e-mail ‘comercial’”. Observem-se os exemplos (2) e (3):

(2) Formatação hipotética de texto de correspondência empresarial


De: marcopolo@marcopolo.com.br
Enviado em: Terça-feira, 04 de Janeiro de 2000 15:35
Para: Normelio Zanotto
Assunto: 50 anos de fundação

Prezado Senhor:
Agradecemos sua presença no almoço da CIC, em homenagem aos 50 anos
de fundação da Marcopolo.
Anexamos, para seu conhecimento, um exemplar da publicação
“Marcopolo – Meio século de História”, que descreve a trajetória da
empresa dos 1949 à 1999.
Atenciosamente
Senilma F. Barros

(3) Texto de correspondência empresarial reformatado

Marcopolo
50 anos - 1999

Caxias do Sul, 04 de janeiro de 2000

Ao Sr.
Normelio Zanotto
IBRAL – Instituto Brasileiro de Difusão Cultural Ltda.
Prezado Senhor:
Agradecemos sua presença no almoço da CIC, em homenagem aos 50 anos
de fundação da Marcopolo.
Anexamos, para seu conhecimento, um exemplar da publicação
“Marcopolo – Meio século de História”, que descreve a trajetória da
empresa dos 1949 à 1999.
Atenciosamente
Senilma F. Barros

É fácil perceber que nos dois casos temos o conteúdo intocado.


4

(4)
Prezado Senhor:
Agradecemos sua presença no almoço da CIC, em homenagem aos 50 anos de fundação da
Marcopolo.
Anexamos, para seu conhecimento, um exemplar da publicação “Marcopolo – Meio século de
História”, que descreve a trajetória da empresa dos 1949 à 1999.
Atenciosamente.
Senilma F. Barros

O que levaria a caracterizar (2) como um e-mail e (3) como uma carta comercial? Segundo
Zanotto (2005), isto deve-se aos “elementos paratextuais” que formatam os dois textos em
uma ou outra forma consagrada como cada um dos dois gêneros. As funções ficam intocadas
e a compreensão é a mesma. Isto quer dizer que há mais do que propósitos identificando
gêneros. Aqui temos uma relação em que a estrutura modifica-se, os propósitos permanecem
e os gêneros variam. Pode-se dizer que, neste caso, o predomínio da forma supera o
propósito comunicativo na determinação do gênero.

Podemos observar o que determina a distinção entre o que se chama de publicidade, de um


lado, e de propaganda, de outro lado. Uma distinção que passa essencialmente pelos
propósitos comunicativos e não pela forma como tal. Já no caso da distinção entre um diário
íntimo de uma adolescente e seu weblog na internet a distinção está tanto na forma, sendo que
os propósitos mantém uma parte de identidade e uma parte de ruptura. A ruptura está na total
divulgação pelo weblog daquilo que deveria ficar fechado a sete chaves no diário íntimo. Por
outro lado, de uma maneira geral, um chat (bate-papo pela internet) há formas totalmente
diversas do que na conversação espontânea e propósitos similares, sendo que constituem
gênero diversos. Os exemplos se multiplicam e é possível identificar ainda mais problemas ao
compararmos um memorando com um bilhete ou um convite de casamento com um convite
para festa de aniversário. Já no caso de uma receita culinária e uma receita médica temos
distinções nítidas na forma textual e distinções parciais nos propósitos comunicativos. A
rigor, todos estes casos mostram com clareza que não se pode dar um privilégio exclusivo
para a forma ou para o propósito.

Uma tomada de posição pelo sócio-interacionismo

Se, como os exemplos acima parecem atestar, entre texto e gênero não há uma relação de
biunivocidade e co-determinação em que a uma forma textual automaticamente pode ser
atribuído um gênero, essa determinação deve passar por um conjunto de vetores. A hipótese a
ser aqui defendida é a de que os gêneros são fenômenos mutuamente reconhecíveis como tal
pelos sujeitos discursivos em dada situação pela recorrência de funções sócio-comunicativas e
formatos em contextos institucionais sócio-históricos. Isto quer dizer que um texto não
cumpriria a condição de pertencer a um determinado gênero pelo simples fato de ter uma dada
forma, mas sim porque faria parte de um processo de produção e recepção dentro de um
sistema de gêneros, tal como nos ensina Bazerman (2005). Isto vai ter enorme relevância em
todo o processo de compreensão e esta pode ser uma porta para estudos cognitivos do gênero.
Tratar de gêneros é tratar de práticas sócio-discursivas situadas. Vejamos como isto se
reflete num modelo esquemático:
5

Figura (1): Visão parcial de um modelo sócio-comunicativo para o gênero

TEXTO
Sujeito Sujeito
discursivo SITUAÇÃO discursivo
COMUNICATIVA

GÊNERO

A figura (1) sugere que o gênero depende da relação entre sujeitos discursivos em interação
numa dada situação comunicativa produzindo um texto com uma dada forma. Considera-se a
relação interativa como central tomando a interação como um dos fatos mais importantes da
realidade humana, que passa para a realidade da linguagem e tudo o mais que com ela
fazemos. É impossível ser um sujeito discursivo sem ser interativo e é impossível
produzir qualquer sentido fora da interação.

Abrindo aqui um parênteses para desde logo sugerir algo ao qual voltarei adiante, acredito
que podemos relacionar estes aspectos do enunciado ao que Bakhtin/Volóshinov (1979:109)
dizem em Marxismo e Filosofia da Linguagem, a respeito da língua, quando afirmam que:

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas


lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua
produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou
das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. (grifos
dos autores).

Com isto, para Bakhtin/Voloshinov, os gêneros são fruto de um uso comunicativo da língua
na sua realização dialógica. Neste aspecto reside a importância do estudo dos gêneros.

Além disso, a situação comunicativa enquanto realidade semiológica potencialmente


significativa envolve outros dois aspectos importantes: de um lado, o contexto enquanto um
processo reflexivo que ultrapassa a situação, o tempo, os fatos e os conhecimentos (pois o
contexto não é um dado ontológico e sim um dado heurístico); de outro lado, estão os
propósitos que surgem na atividade comunicativa. Assim, o gênero se determina na
complexa função de uma relação interativa entre sujeitos discursivos e elementos
textuais em situações comunicativas.

Será que nessa relação interativa existe alguma preponderância? Haveria aspectos da
textualidade que preponderam sobre aspectos comunicativos? Para tomar uma decisão a este
respeito, o modelo da figura (1) ainda não está completo e necessita de um complemento.
Vejamos a ampliação que me foi sugerida pelo prof. Charles Bazerman em uma breve
6

reflexão sobre a questão há poucos dias no Recife1, quando debatíamos o problema da


configuração de gêneros:

Figura (2): Visão global de um modelo sócio-comunicativo para o gênero

HISTÓRIA E SOCIEDADE

INSTITUIÇÃO

TEXTO
Sujeito Sujeito
discursivo SITUAÇÃO discursivo
COMUNICATIVA

GÊNERO

A novidade na figura (2) fica por conta de três aspectos importantes agora introduzidos. Em
primeiro lugar, a influência das instituições na determinação dos gêneros, pois eles são
fenômenos institucionalmente inseridos, mas eles não são instituições. Por isso mesmo
formam sistemas muito bem concatenados. Por outro lado, não se pode esquecer que há
formações históricas e sociais sempre presentes na configuração genérica, embora não sejam
deterministas. São novas tecnologias, novas ideologias, novas organizações sociais, novos
interesses etc. que dinamizam, mudam ou estabilizam estas relações. O problema de observar
propósitos ou formas dilui-se num conjunto de observações mais complexas impossíveis de
explorar aqui. Assim, o gênero é um fato social, histórico, institucional e textual-interativo.
Na realidade, os elementos de base não se modificam nesta nova visão e tudo ainda se dá na
relação dialógica, pois tudo o que se diz é dito de um eu para um outro, como lembra Bakhtin.

Com base no modelo apresentado, o componente discursivo de natureza sócio-comunicativa e


histórica do gênero prevalece para sua definição. O gênero é muito mais um fato social e
interativo do que um fato tipicamente formal. Isto diz apenas o seguinte: primeiro se escolhe
um gênero em função de um propósito interativo e então se realiza uma forma. A escolha do
gênero se dá por alguma necessidade específica dentro de um quadro sócio-comunicativo e a
forma vem atrelada ao gênero por razões de recorrência e estabilização organizacional da
textualidade. Um dos argumentos para isso pode ser a posição de Bhatia (1997) de que os
gêneros não surgem de uma hora para outra, mas evolvem historicamente e se tornam
reconhecíveis quando estiverem consolidados com padronização suficiente. A estabilidade
das relações sociais e dos encontros sociais manifesta-se de algum modo na estabilidade das
formas comunicativas.

1
Um encontro havido no NELFE (Núcleo de Estudos Lingüísticos da Fala e da Escrita, em 11/08/2005, no
Departamento de Letras da UFPE.
7

A este propósito, lembro a posição de Aviva Freedman & Peter Medway (1994:1) quando
afirmam que:

sem abandonar concepções anteriores de gêneros como ‘tipos’ ou ‘espécies’ de discursos,


caracterizadas por similaridades no conteúdo e na forma, as análises recentes enfocam a
vinculação dessas regularidades lingüísticas e substantivas às regularidades nas esferas de
atividades humanas.

Isto permite vincular de modo sistemático regularidades discursivas com regularidades sociais
no funcionamento da língua e não simplesmente regularidades textuais. Assim, é interessante
nos indagarmos: o que aprendemos quando aprendemos um gênero? Tudo indica que quando
aprendemos um gênero não aprendemos uma forma lingüística mas, tal como sugere C. Miller
(1984), aprendemos uma “forma de ação social”, ou se preferimos Wittgenstein, aprendemos
uma “forma de vida”.

O papel de propósitos e formas em algumas definições de gênero

O modelo sugerido na figura (2) pode servir de base para uma análise de algumas definições
de gênero a fim de testar, num diálogo produtivo, se a posição aqui tomada se sustenta. Não
vou analisar muitas definições por razões de tempo. Mas me dedicarei a observar pelo menos
as mais conhecidas entre nós e aquelas que me permitem analisar o tema em pauta.

Mikhail Bakhtin:

Entre as posições mais influentes sobre “gêneros do discurso” entre nós estão, em primeiro
lugar, as de Mikhail Bakhtin. Para o autor, o gênero e o enunciado mantém uma relação
bastante interessante na medida em que o enunciado é irrepetível e individual e o gênero é
“relativamente estável” e não individual, mas histórico, quase impessoal. Daí surge a
definição de gênero de Bakhtin, para quem,

qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de


utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que
denominamos gêneros do discurso (p.279, grifo do autor).

Acredito que podemos relacionar estes aspectos do enunciado ao que se diz em Marxismo e
Filosofia da Linguagem, a respeito da língua:

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas


lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua
produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou
das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.
(1979:109; grifos do original).

Com isto, para Bakhtin, os gêneros são fruto de um uso comunicativo da linguagem na sua
realização dialógica, de modo que os indivíduos, quando se comunicam, não trocam orações
nem trocam palavras (1992:297), mas trocam enunciados que se constituem com os recursos
formais da língua.

Para Bakhtin, os gêneros do discurso são enunciados concretos, situados e sempre abertos,
heterogêneos, polifônicos e organizados sócio-historicamente. Daí não ser o gênero algo
solitário, mas intertextualmente localizado, comungando com outros textos e outros discursos,
8

de onde lhe viria inclusive uma pluralidade de funções a depender de onde e como estiverem
funcionando. Assim, Bakhtin flagra o núcleo da questão e transfere as circunstâncias
decisórias para a história e a sociedade de uma maneira ampla. Os gêneros pré-existem e não
são inventados pelos sujeitos, mas os sujeitos são em alguma instância, sua garantia, já que
sem eles nem a língua existiria. Além disso, um gênero não é só uma forma enunciativa
expressiva para um querer-dizer, mas um meio de construir o próprio interlocutor. “As
diversas formas típicas de dirigir-se a alguém e as diversas concepções típicas do destinatário
são as particularidades constitutivas que determinam a diversidade dos gêneros do discurso.”
(1992:325) Com isto, não resta dúvida de que os gêneros são poderosos instrumentos de
organização da vida social. Em suma, para Bakhtin, os gêneros não privilegiam nem a forma
nem os propósitos, pois eles são uma realidade dialógica em função de relações
comunicativas entre sujeitos discursivos.2

John Swales:

Uma outra definição de gênero muito influente entre nós é a de John Swales (1990), para
quem o propósito comunicativo ocupa um lugar central. De uma maneira geral, Swales
constrói sua posição teórica fundado em três noções básicas (1990:9): (a) Comunidade
discursiva; (b) gênero e (c) tarefas. Para Swales, o elemento que une as três noções é um
aspecto típico da Lingüística Aplicada, ou seja, o “propósito comunicativo”, o que é assim
explicitado:

É o propósito comunicativo que conduz as atividades lingüísticas da comunidade discursiva; é


o propósito comunicativo que serve de critério prototípico para a identidade do gênero e é o
propósito comunicativo que opera como o determinante primário da tarefa. (1990:10).

Em conclusão a estas características, Swales (1990:58) define gênero da seguinte maneira:

Um gênero compreende uma classe de eventos comunicativos cujos membros partilham


um conjunto de propósitos comunicativos. Esses propósitos são reconhecidos pelos
peritos e membros da comunidade discursiva e com isso constituem a base lógica para o
gênero. Essa base modela a estrutura esquemática do discurso, influencia e condiciona a
escolha do conteúdo e do estilo. O propósito comunicativo é tanto um critério
privilegiado e um critério que opera para atingir o escopo de um gênero tal como aqui
grosseiramente concebido e enfocado em ações retóricas comparáveis. Em aditamento
ao propósito, os exemplares de um gênero exibem vários padrões de similaridade em termos
de estrutura, estilo, conteúdo e audiência pretendida. Se todas as expectativas de
probabilidade mais altas forem realizadas, o exemplar será visto como prototípico pelos
membros da comunidade discursiva. Os nomes dos gêneros herdados e produzidos pelas
comunidades discursivas e importados por outras constituem valiosas comunicações
etnográficas, mas que tipicamente necessitam de validação posterior. (Ênfase acrescida.)

Embora a comunidade discursiva, as tarefas e a forma sejam importantes para a identificação


do gênero, Swales frisa várias vezes em sua definição a relevância do propósito comunicativo
considerando-o como “um critério privilegiado” e operacional “para atingir o escopo de um
gênero”, de modo que teoricamente não é a forma que prevalece. Contudo, o interesse
analítico de Swales (1990) centrou-se na forma e não propriamente nos propósitos.

2
Aspecto curioso e que merece menção aqui é a observação que me foi feita por bazerman pessoalmente de que
em Bakhtin as instituições estão praticamente ausentes e ele sempre fala de relações entre sujeitos e nunca
mediadas pela instituição. Esta posição é curiosa, pois mostra como Bakhtin não é um marxista ortodoxo neste
particular. E isto tem conseqüências interessantes em suas análises de gêneros.
9

Posteriormente, Swales (1999) mudará suas opiniões em vários aspectos a este respeito, mas a
essência não muda. Em suma, podemos atribuir a Swales a idéia da proeminência dos
propósitos comunicativos associados à situação retórica específica como critério privilegiado
na determinação do gênero e seu escopo.

Vijay Bhatia:

Vijay Bhatia (1993:13) um dos mais ardorosos defensores dos propósitos comunicativos
como privilegiados na identificação do gênero, assim define gênero, numa reformulação da
proposta de Swales citado acima:

Gênero é um evento comunicativo reconhecível caracterizado por um conjunto de


propósito(s) identificado(s) e mutuamente entendidos pelos membros da comunidade
profissional ou acadêmica na qual ele regularmente ocorre. Com freqüência, ele é altamente
estruturado e convencionalizado com restrições acerca das contribuições permitidas em
termos de seus intentos, conteúdos, forma e valor funcional. Essas restrições, no entanto, são
freqüentemente exploradas pelos membros experientes da comunidade discursiva para
atingir intenções privadas no quadro de propósito(s) reconhecívei(s).” (ênfase acrescida)

Esta formulação de Bhatia deixa claro que a forma é relevante ao lado de outros fatores tais
como a audiência e conteúdos, mas quem prevalece é de fato o propósito. Mudando os
propósitos, tem-se mudança de gênero. Quanto à forma, trata-se algo que não é decisivo, pois
é fluido e talvez possa haver variações sem prejuízo dos propósitos e da identificação do
gênero. Os especialistas dentro de uma comunidade discursiva podem jogar com a forma e
manipulá-la para efeitos especiais. O poema poderia ser citado como um caso típico, pois ele
pode ter rima ou não, ter versos ou não e continua um poema. A questão que se põe é: o que é
mesmo explorado pelos experts burlando ou explorando formas e propósitos, mantendo o
gênero ainda reconhecível e qual é o limite dessa exploração? Uma resposta a esta questão
seria crucial para o trabalho no ensino de língua com base em gêneros.

Ao tratar das estratégias táticas que levam a produzir um gênero, Bhatia reforça ainda mais o
papel decisivo dos propósitos comunicativos. O autor distingue estas estratégias em dois
conjuntos:

(a) não-discriminativas: que não interferem de maneira sistemática no gênero e dizem


respeito a escolhas tais como estilo, léxico e grau de formalidade. De certo modo,
também o canal e o meio de divulgação seria uma tática não-discriminativa, já que
uma publicidade no rádio, TV ou jornal é essencialmente uma publicidade pela
manutenção do propósito;
(b) discriminativas: caso típico de tática discriminativa é alteração de propósitos
comunicativos que alteram o gênero. Assim, tem-se uma alteração do gênero, por
exemplo, de um artigo científico para um artigo de divulgação científica ou de uma
carta pessoal para uma carta comercial, quando se altera o propósito.

Em trabalho de 1999, Bhatia retoma o problema e reforça a idéia de que o propósito


comunicativo define o gênero. Assim, Bhatia oferece sua própria noção de gênero nestes
termos (1999:16):

Gênero é uma instância de uma realização bem-sucedida de um propósito comunicativo


específico usando um conhecimento convencionalizado dos recursos lingüísticos e
discursivos.
10

Quanto a isto, Bhatia observa que a mesma realidade ou experiência do mundo pode ser
exposta em gêneros diversos, mas isso será feito em cada gênero de modo muito
diversificado.

Norman Fairclough:

Fairclough (2001:161), no contexto da Análise Crítica do Discurso, seguindo na esteira de


Bakhtin, também sugeriu uma definição de gênero similar às já apontadas, dizendo que usa o
termo ‘gênero’

para um conjunto de convenções relativamente estável que é associado com, e parcialmente


representa, um tipo de atividade socialmente aprovado, como a conversa informal, comprar
produtos em uma loja, uma entrevista de emprego, um documentário de televisão, um poema ou
um artigo científico.

Como se nota, o gênero é apresentado como uma convenção social identificada por sua
“atividade socialmente aprovada” e não por formas, a se inferir do exemplos. Contudo, o
autor frisa que um gênero implica formas particulares de texto e modos de produção,
distribuição e consumo. Assim, a nomeação do gênero é uma designação para um conjunto de
ações que se desenvolve socialmente e é normalmente reconhecido como tal tendo em vista
seus propósitos e seu engajamento social. Contudo, os gêneros são plásticos e maleáveis e não
podem ser identificados rigidamente com base em formas ou estruturas básicas. Em obra
posterior, Fairclough (2003:65), em capítulo especial sobre os “gêneros e estrutura genérica”
assim se expressa:

Gêneros são especificamente aspectos discursivos de maneiras de agir e interagir no curso de


eventos sociais; podemos dizer que (inter)agir não é propriamente discurso, mas é muitas
vezes basicamente discurso. Assim, quando analisamos um texto ou interação em termos de
gênero, indagamos como ele figura e contribui para a ação social e a interação em eventos
sociais [...].

Nessa obra de 2003, o autor analisa os gêneros na relação como o neocapitalismo e suas
práticas discursivas que se manifestam na transformação de gêneros. Pois, para Fairclough
(2003:66), “a mudança de gênero é uma parte importante das transformações do
neocapitalismo”. Essas mudanças são novos arranjos dos gêneros para as novas funções. pelos
falantes, mas são transmitidos sócio-historicamente. Os falantes contribuem de forma
dinâmica tanto para a preservação como para a permanente mudança e renovação dos
gêneros, já que lhes cabe a missão de usá-los e dar-lhes a plenitude sentido.

Carolyn Miller:

A autora assume em parte posição de Campbell & Jamieson (1978) para tratar do gênero não
porque com isso seria possível alguma taxonomia, mas sim porque eles enfatizam os aspectos
sócio-históricos da retórica, o que não ocorre em outros autores (1994:24). Assim, a autora
defenderá que

uma definição teoricamente saudável de gênero deverá centrar-se não na substância nem na
forma do discurso, mas na ação em que ele é usado para atuar.

Neste sentido, a autora examina a conexão entre o gênero, a recorrência de situações e a


maneira em que se pode admitir que o gênero serve para representar uma ação retórica típica.
11

Com sua análise, a autora busca “mostrar como modelos hierárquicos de comunicação podem
ajudar a iluminar a natureza e a estrutura dessa ação retórica.” (p.24) Uma década depois,
Miller (1994:71), em trabalho sobre o gênero como “artefato cultural”, afirma:

O que eu quero propor, pois, é que se veja gênero como um constituinte específico e
importante da sociedade, um aspecto maior de sua estrutura comunicativa, uma de suas
estruturas de poder que as instituições controlam. Podemos entender gênero especificamente
como aquele aspecto da comunicação situada que é capaz de reprodução que pode se
manifestar em mais de uma situação e mais de um espaço-tempo concreto. (p. 71)

Podemos dizer que os gêneros não são um reflexo da estrutura social, mas parte da própria
estrutura e contribuem para a manutenção e para o surgimento de relações sociais e relações
de poder social.

gênero vai além de uma entidade formal; torna-se pragmático, completamente retórico, um
ponto de conexão entre intenção e efeito, um aspecto da ação social. (p. 25)

Em suma, para Miller, o gênero é uma forma de ação social que se estabiliza em ações
retóricas bastante solidificadas também em formas lingüísticas. Não se pode dizer que dê uma
primazia aos propósitos, pois há determinações importantes e decisivas além dessa instância.

Charles Bazerman:

Para Bazerman (2004:315-317), os gêneros emergem quando as situações em que eles surgem
se tornam típicas e reconhecíveis como recorrentes. Neste caso, dá-se uma tipificação ou
estandartização dos enunciados em situações específicas que levam a ações e compreensões
tipificadas. Para Bazerman (1997:19):

Os gêneros não são precisamente formas. Gêneros são formas de vida, modos de ser. Eles são
enquadres para a ação social. Eles são contextos de aprendizagem. [...] os gêneros são os
lugares familiares para criar a ação comunicativa mutuamente inteligível e os holofotes que
usamos para explorar o que não nos é familiar.

Ainda com Bazerman (1997:23), podemos lembrar que

O gênero é uma rica fonte multidimensional que nos ajuda a situar nossas ações discursivas
em relação a situações altamente estruturadas. O gênero é apenas a realização visível de um
complexo de dinâmicas sociais e psicológicas.

Os gêneros são efetivamente importantes e fundamentais para o ensino porque eles permitem
não apenas a inserção na sociedade, mas sobretudo a produção de atos socialmente
compreensíveis. Gêneros não são padrões textuais e sim modos de ação social mediante o
enquadre cognitivo e histórico. Os gêneros são reconhecidos como tal não porque têm uma
forma ou traços similares e estáticos sempre recorrentes, mas porque têm as mesmas funções
e recorrem em situações similares com formatos similares. Contudo, como lembra Bazerman
(2004:316), os gêneros são “fenômenos psico-sociais de reconhecimento” (ênfase do autor).
Gêneros são aquilo que acreditamos que eles são e para o que servem. Os gêneros são uma
espécie de crença social. Para Bazerman (2004:317), os gêneros são “parte da maneira como
os humanos dão forma às atividades sociais” (ênfase do autor). Daí a plausibilidade da
posição de Bazerman (1994) ao afirmar que
12

os gêneros são o que as pessoas reconhecem como gêneros em qualquer momento do tempo.
Podem reconhecer os gêneros por nomeação, institucionalização e regularização explícitas,
através de várias formas de sanção social e de recompensa.

Sanção social e recompensa são dois aspectos que mostram como os gêneros são socialmente
legitimados e não como simples cumprimento de normas textuais. Assim, podemos dizer que
os gêneros são uma forma altamente elaborada de consciência sócio-cultural prática. Para
nossos objetivos imediatos, consideramos o gênero como uma atividade social particular e um
funcionamento da língua em ações discursivas fixadas em textos, mas não num formato
específico e fixo de texto.

Jean-Paul Bronckart:

Autor de grande influência na área de ensino, representante da Escola de Genebra, onde estão
também Dolz, Schneuwly e Noverraz. Bronkcart (1999) tem posições que não parecem
privilegiar nem a forma nem as funções. Defende uma posição teórica ligada ao
Interacionismo Sócio-Discursivo no qual é considerada a historicidade da linguagem, seu
caráter de fato social e as práticas comunicativas produtoras de discursos. Para Bronckart
(2005), os textos se dão como gêneros variados e históricos. Manifestam-se como “unidades
dependentes”, já que devem preencher certas condições para sua realização. Eles não têm em
si mesmos de modo imanente as propriedades organizacionais, tendo em vista sua condição
de historicidade e situacionalidade. Eles surgem na relação entre a língua e atividade social e
se manifestam como unidades comunicativas coerentes. A rigor, Bronckart está de uma
maneira geral, mais interessado nos aspectos epistemológicos que na análise de gênero. E no
caso analítico, interessam-lhe mais os aspectos relativos aos tipos de discurso, ligados aos
modos de enunciação que se acham no interior do gênero e lhe dão um caráter de
heterogeneidade. Neste caso, não interessa a questão da forma e dos propósitos, mas sim os
aspectos epistêmicos, praxelógicos e sociais.

Primeiras conclusões provisórias

Após essas variadas definições, observa-se que todos os autores admitem que os gêneros são:

a) eventos sócio-comunicativos com alguma estabilidade;


b) entidades discursivas com propósitos bem estabelecidos;
c) entidades lingüísticas com uma estrutura regular;
d) entidades sócio-históricas maleáveis e inter-relacionadas.

O que não fica claro é o papel da forma, mas de uma maneira geral. Mas a funcionalidade e os
propósitos comunicativos são sempre apontados como decisivos.

Antes de prosseguir com a questão teórica envolvida, vejamos um exemplo no caso da receita
culinária para a qual existe uma forma básica aquém da qual uma receita não pode ficar, sob
pena de não ser entendida. Essa forma básica poderia ser assim especificada:
13

Quadro (1): Esquema da receita

Nome do prato ou iguaria


-------------------------------------------
[( c) grau de dificuldade]
[(d) tempo de cozimento]
[(e) número de pessoas que serve]
-------------------------------------------
(a) Listagem dos ingredientes
(b) Modo de fazer
--------------------------------------
[(f) acompanhamentos e modo de servir]

Quanto aos propósitos comunicativos, uma receita culinária serve para informar como
proceder e o que utilizar para produzir uma dada iguaria. Tem um objetivo instrucional básico
e uma orientação metodológica com os passos definidos e as tarefas determinadas. De uma
maneira geral, a estrutura clássica da receita é um texto bipartite compreendendo: (a) lista de
ingredientes3 e (b) modo de fazer. Esses dois podem ser invertidos, bem como pode haver
alguns elementos facultativos que indicam: (c) grau de dificuldade; (d) tempo de duração; (e)
quantidade de pessoas servidas com o prato e (f) como servir. Este passo vem aqui entre
parênteses e não está presente na maioria das receitas. Não obstante essa rigidez, a receita
culinária admite uma variação grande. Veja-se este exemplo de receita culinária que se
restringe à forma básica da realização canônica do gênero:
(5)
Lombo especial
Receita para 6 pessoas
Tempo de preparação: 2 h

2 kg de lombo de porco temperado com


sal, pimenta-do-reino,
suco de limão e vinho branco
manteiga
mostarda
100 g de presunto cortado em tiras
100 g de ameixa preta picada
1 maçã cortada em fatias

Molho
1 colher de sopa de manteiga
1 colher de sopa de cebola ralada
1 colher de sopa bem cheia de farinha de trigo
1 tablete de caldo de carne
1 xícara de chá de água quente
½ xícara de chá de vinho Madeira
2 gemas
1 lata de creme de leite

Modo de fazer.

3
Não é o caso de analisar aqui, mas historicamente, os primeiros livros de receitas da Antiguidade (o famoso
livro de Apícius) não tinham a indicação da quantidade nem o modo de fazer. As receitas eram apenas a
indicação de um conjunto de ingredientes a serem adicionados e nada mais. Depois, aos poucos, as receitas
foram ficando massificadas e necessitaram receber mais elementos e se tornaram o que são hoje em dia.
Verdadeiras peças textuais com minuciosas descrições em muitos casos.
14

1. Abra o lombo de um lado, formando uma espécie de saco.


Besunte com uma camada de manteiga e outra de mostarda.
Coloque as tiras de presunto, a ameixa-preta, as fatias de maçã
e amarre bem o lombo com uma linha forte. Enrole-o em papel
alumínio.
2. Leve ao forno pré-aquecido por 1 h e 30 minutos; se já estiver
macio, retire o papel e deixe dourar.
3. Prepare o molho: derreta a manteiga em uma panela, junte a
cebola e deixe dourar. Acrescente a farinha de trigo, o tablete
de caldo já dissolvido em água, o vinho e as gemas misturadas
com o creme de leite.
4. Leve para cozinhar em fogo brando, mexendo sempre para não
ferver, durante 10 minutos.
5. Sirva o lombo com o molho

Fonte: Ofélia Ramos Anunciato. O Grande Livro da Cozinha Maravilhosa. 13ª ed.
São Paulo, Melhoramentos, 1998, p. 113

Para ter sucesso nesta receita, é preciso saber uma série de pequenos truques culinários, do
contrário o molho vai azedar ou o lombo não vai dourar. Também precisamos saber que esse
lombo deve ser servido com um arroz especial (e não sozinho); com um bom vinho tinto
como acompanhamento etc. etc. O importante é que não se lê a primeira parte dessa receita
como uma simples listagem de ingredientes nem a segunda parte como uma série de ordens a
cumprir. Cozinhar com base numa receita não é o mesmo que ligar uma TV com base nas
instruções de uso. Receitas e instruções de uso são textos do mesmo tipo (injuntivo), mas
constituem gêneros comunicativos diferentes com modos de operação e manuseio muito
diversos. Qualquer um, inclusive uma criança, pode ligar uma TV, mas poucos sabem
cozinhar divinamente.

Veja-se agora o caso desta outra receita que contém muito mais do que o necessário para os
pretendidos “gnochi”. No entanto, ninguém nega que se trata de uma receita culinária.
(6)
“Gnochi” de batata-doce
(para 6 pessoas)
(Receita da Iara)

“Gnochi”, em dialeto, é o plural de “caroço”. Quando uma pessoa leva uma


pancada na cabeça, aparece um caroço. Traduzindo literalmente, significa
“carocinhos”. Os meninos mais arteiros viviam cheios de “gnocos” na cabeça –
cascudos dados pela mãe.

Ingredientes:
Batata doce ................................................... 500 g
Batata inglesa ................................................ 500 g
Farinha de trigo ............................................ q.s.p.
Manteiga sem sal .......................................... 50 g
Ovo ............................................................... 1
Sal ............................................................... q.s.p.

Modo de preparar:
1. Cozinhar, na água, as batatas-doces e
2. Descascar e passar no espremedor.
3. Acrescentar ovo, manteiga e adicionar a farinha aos poucos, amassando
sempre, até ficar no ponto de enrolar.
4. Enrolar sobre a superfície da mesa polvilhada com farinha de trigo para não
grudar, em forma de longos cilindros de 2 a 2,5 cm de diâmetro.
5. Cortar em pedaços de aproximadamente 3 cm de comprimento.
15

6. Agora, um detalhe que é um verdadeiro requinte: com o polegar, enrolar os


“gnochi” na parte traseira do ralador de queijo ou do garfo, dando uma forma
parecida com uma folha, enrolada. Neste formato, há uma grande ampliação
da área de contato da massa com o molho, realçando, em muito, o sabor.
7. Lançar os “gnochi” numa panela com água salgada, fervendo. Quando
sobrenadarem no líquido, estarão prontos. É importante que sejam
despejados na panela ao mesmo tempo, para ficarem no ponto parelho e não
uns mais cozidos do que outros.

OBSERVAÇÃO
O molho recomendado é feito com assas de frango e miúdos refogados na
manteiga, com cebola, alho, caldo de galinha (tablete), sal, pimenta-do-reino,
massa de tomates e tomates.
Por cima de tudo, queijo parmesão ralado e, goela abaixo, vinho tinto seco, é
1
claro. Água não, porque a água “smarcice ei pali” ; vinho, sim, compadre, porque
2
“el vin me fá cantare” . Ou como dizia o tio Joanim: “L´´acqua me fá male, el vin
3
me fá cantare...” .

1. “Smarcice ei pali” = “Apodrece os paus”. Dialeto vêneto.


2. “El vin me fá cantare” = “O vinho me faz cantar”. – Dialeto vêneto.
3. “L’ácqua me fá male, el vin me fá cantare...” = “A água me faz mal, o vinho me
faz cantar...” – Verso de cantiga popular italiana “Bevè, bevè, compare”:
“Bevè, bevè, compare se no vi mazzeró. Nom mi mazzar, compare, ch’a
desso veveró. E intanti ch’el compare beve ghe cantarem la bumba bá, la
bumba bá. Io l’ho bevuto tuto e nom mi há fato male. L’ácqua fá male e il vino
fá cantar. Questa é la regola che seguono gl’Italici alzano i calici vuotano i
bichieri. El sugo del bocale há el colore de la gresta. Chi ga el bichier in mano,
al so compare impresta”.
Fonte: Eduardo Festugato. A Mesa das Refeições. Conversas de Galpão, Comidas da
Colônia Italiana, Embutidos de Porco. Caxias do Sul, EDUCS, 1997, PP. 102-103.

É evidente que a receita (6) é incomum, pois contém muito mais do que o necessário e
previsto nesse gênero textual, trazendo inclusive notas de roda-pé, canções, informações
lingüísticas e outras. Pode-se indagar se há um limite nesses casos, mas a resposta seria a de
que muitas coisas serão possíveis, desde que o “modelo global” de receita seja mantido. Daí
parecer-me um tanto rígida e pouco condizente com as ações sociais efetivas a idéia de gênero
com estruturas rígidas e elementos obrigatórios como postulam Halliday/Hasan (1989) e
outros da escola de Sidney. Para identificar ou descrever um gênero textual, podemos fornecer
uma série de elementos, mas não em termos de elementos necessários e suficientes, pois o
gênero não se define por aspectos formais e lingüísticos. Pode-se dizer que no geral, para a
identificação de um gênero, considera-se com primazia o propósito comunicativo. Este é o
caso de muitos gêneros. Mas em vários outros, em especial aqueles cuja autoria é
institucional, apresentam um caráter de formalidade muito elevado, tal como os documentos
de um modo geral. Por exemplo: carteira de identidade; certidão de nascimento; passaporte
e assim por diante. Mas as finalidades para as quais esses documentos são utilizados podem
variar grandemente.

O problema da intergenericidade

Para Elizabeth Gülich (1986), os gêneros são macro-instrumentos situados em contextos de


uso. Em geral, os falantes avaliam seus usos lingüísticos com denominações globais como
“telefonema”, “debate”, “artigo científico”, “fofoca”, “piada”, “carta pessoal”, “tese de
doutorado”, “aula expositiva” e assim por diante. Não se trata de uma classificação nem de
uma denominação científica. Os falantes nomeiam os gêneros que produzem de maneira
informal e intuitiva para seus objetivos práticos a fim de indicarem globalmente o que estão
16

fazendo, já que sabem que o nome de um gênero é uma maneira de indicarem um modelo de
ação sem preocupação classificatória.

Contudo, isto não é sempre muito claro, como no caso (7) que apareceu em quase todos os
periódicos semanais e jornais diários, por ocasião da despedida do autor do personagem
Snoopy.

(7)

Na parte esquerda aparece uma carta de despedida e, à direita, um quadrinho com a figura de
um Snoopy pensativo diante de uma máquina de escrever antiga. Tratava-se de uma tirinha
ou de uma carta pessoal? É um texto realizado num espaço produzido por meio século no
contexto de uma tirinha de jornal. Este caso é bem diferente daquele mostrado inicialmente
da publicidade no formato de uma bula.

Quanto maior a complexidade de uma sociedade e de suas formas comunicativas, tanto maior
a interação e hibridização dos gêneros. Contudo, de uma maneira geral, os gêneros estão
relativamente bem fixados e não oferecem problemas para sua identificação. Mesmo nos
casos em que não se tem uma idéia clara de quem seria o público alvo de um dado gênero e se
ignora qual seria o efeito pretendido, pode-se identificar o gênero. Pode ser um efeito um
tanto difuso, como no caso dos graffiti em prédios públicos, em muros, no chão, ou o caso dos
escritos em paredes de banheiros públicos, geralmente na forma de ditos, provérbios, poemas,
contos e outros gêneros semelhantes.

Observe-se o caso abaixo, um texto da Folha de São Paulo, caracterizado como artigo de
opinião, produzido por Josias de Souza, articulista da Folha. Temos aqui um poema
produzido numa nítida intertextualidade com o conhecido poema de Drummond. Contudo, na
Folha de São Paulo, constrói-se um artigo de opinião na forma de um poema. Trata-se de
uma intersecção de gêneros, tipos e textos. Vejamos o exemplo:
17

( 8)
Um novo José
Josias de Souza
-São Paulo- Diga: ora, Drummond,
Agora FMI.
Calma José.
A festa não começou, Se você gritasse,
a luz não acendeu, se você gemesse,
a noite não esquentou, se você dormisse,
o Malan não amoleceu, se você cansasse,
mas se voltar a pergunta: se você morresse...
e agora José? O Malan nada faria,
Diga: ora Drummond, mas já há quem faça.
agora Camdessus.
Ainda só, no escuro,
Continua sem mulher, qual bicho-do-mato,
continua sem discurso, ainda sem teogonia,
continua sem carinho, ainda sem parede nua,
ainda não pode beber, para se encostar,
ainda não pode fumar, ainda sem cavalo preto,
cuspir ainda não pode, Que fuja a galope,
a noite ainda é fria, você ainda marcha, José!
o dia ainda não veio, Se voltar a pergunta:
o riso ainda não veio, José, para onde?
não veio ainda a utopia, Diga: ora Drummond,
o Malan tem miopia, por que tanta dúvida?
mas nem tudo acabou, Elementar, elementar,
nem tudo fugiu, sigo pra Washington
nem tudo mofou. e, por favor, poeta,
Se voltar a pergunta: não me chame de José.
E agora José? Me chame Joseph.

Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO, Caderno 1, página 2 – OPINIÃO, 04/10/1999

Caso interessante é o da epígrafe que é um gênero como tal, mas que sempre é importada de
outro local e de outro gênero. Não tem uma identidade formal própria como gênero, além de
estar num determinado lugar do suporte. A epígrafe vem no início do texto ou em uma página
em destaque e sozinha. Será que o propósito de um poema no livro de poemas muda quando o
poema se torna uma epígrafe numa tese de doutorado ou num livro didático?

Como tratar os “gêneros-suportes” ou “suportes gêneros” tais como os encartes (que a meu
ver são suportes, mas já foram tratados como gêneros) ou então os folders e também as
homepage e a mala direta, por exemplo? Estes todos são fenômenos que estão assumindo
uma grande quantidade de formatos e diversificando-se muito, mas são chamados de gêneros.

De igual modo seria interessante indagar o que distingue um e-mail de um spam. Neste caso,
em geral são apenas os propósitos e a natureza da interação subentendida. Uma é pretendida e
legitimada a outra não é legitimada. Portanto, estes casos todos mostram que quanto à
identificação de um gênero com um dado nome deve-se levar em conta tanto os propósitos
18

que o formato, mas nem sempre no mesmo grau. Pois ainda há a questão central da
legitimação social e das relações entre os sujeitos discursivos.

Do que é que falamos quando dizemos que sumário, abstract, resumo de tese. verbete
enciclopédico, expediente da editora, ficha catalográfica, exercícios, bibliografia, notas de
pé de página etc. são gêneros? O que os caracterizaria como gêneros? É o fato de
constituírem textos com funções específicas dentro de um contexto de uso que os torna
gêneros? Qual a diferença destes gêneros em relação a gêneros como prova de vestibular,
diploma de graduação, inscrição em concurso, comprovante de matrícula etc.? Todos estes
formam o que Bazerman chama de sistema de gêneros. seu grau de autonomia se sempre se
acham inseridos em outros gêneros?

Por fim, pode-se indagar qual o status epistemológico de todos os gêneros reproduzidos neste
ensaio. Bex (1996:169) reporta-se a esta questão e observa que os textos publicitários, as
cartas, os bilhetes etc. por ele reproduzidos e analisados não tinham – no livro em que
apareciam – sua função original. Essa transposição de contexto para fins de estudo desvirtua o
gênero em sua função e torna-o um exemplo. É bom, pois, ter presente que o uso de textos
para fins de estudos tais como este não corresponde ao uso normal dos gêneros em seus
contextos de produção. Os textos podem servir para várias finalidades, até mesmo aquelas não
previstas pelo gênero.

Retomando a discussão sobre a noção de propósito comunicativo

Após mostrarem que a questão da primazia dos propósitos na identificação do gênero é uma
tendência dos anos 80 para cá, Askehave e Swales (2001:196) afirmam que no caso do estudo
de gêneros,

os grandes avanços nos anos recentes não têm vindo da crescente sofisticação que encerra a
categorização dos gêneros e de um subseqüente critério mais sólido para determinar gêneros
por grupo, mas de uma gama de estudos que tem aprofundado e ampliado nossa compreensão
dos papéis do discurso na sociedade contemporânea.

Isto quer dizer que a compreensão do gênero está se dando hoje mais pela análise dos
aspectos sociais, etnográficos, interativos, históricos e cognitivos que operam na relação com
os gêneros do que da análise direta dos gêneros como tal. Creio que o estudo de gêneros na
internet é um caso muito ilustrativo para esta observação. Também a análise do “sistema de
gêneros” levada a cabo por Bazerman (2005) é ilustrativa disso.

Os já citados autores, Askehave & Swales (200:195), reconhecem que Bhatia (1993, 1999,
1997), Swales (1990) e outros dão ao propósito comunicativo muita importância para
caracterizar o gênero, contudo, os mesmo autores observam (p. 198) que os propósitos
oferecem menos características e evidências que a estrutura interna (a forma) para a
identificação. Pode inclusive haver divergência entre especialistas a respeito dos propósitos de
um gênero. Por exemplo, podem alguns cientistas dizer que o propósito de um artigo
científico seja relatar resultados de pesquisar científicas, mas outros podem afirmar que se
destinam a comprovar determinadas teorias.

O certo é que não é fácil determinar propósitos comunicativos de um gênero de forma


permanente. Zanotto (2005:132-135) distingue entre “propósitos dominantes e secundários”
no caso de cartas comerciais e e-mails comerciais. Percebe claramente que não há apenas um
propósito em jogo e este pode variar na sua dominância entre as diversas cartas. Numa a
19

dominância pode ser a oferta de um produto específico e na outra pode ser a cobrança de uma
fatura ou talvez a informação da remessa de um produto. A mesma oscilação de propósitos no
gênero ofícios em Silveira (2002:121) que analisa a questão com base em Swales (1990).4

Diante disse, deve-se indagar se o propósito comunicativo tem essa supremacia toda.
Askehave & Swales (2001:200), após análise de vários casos e das dificuldades de usar os
propósitos como fontes heurísticas segura, afirmam que eles podem no máximo mostrar a
multifuncionalidade, pois de uma maneira geral,

o propósito comunicativo não pode, por si mesmo, ajudar analistas a decidir, rápida e
incontrovertidamente, qual dos textos – A, B ou C – pertencem ao gênero X ou Y, porque
esses analistas, improvavelmente, saberiam, a princípio, quais são, verdadeiramente, os
propósitos comunicativos dos textos A, B, C e D. Ao contrário, o que imediatamente se
manifesta ao analista de gênero não é o propósito, mas o formato e o conteúdo. E mais,
mesmo quando um discurso pode, reflexiva e claramente, se referir ao seu próprio propósito
como: “o propósito desta carta é informá-lo de que você excedeu seu limite na conta
bancária”, essa categorização poderia ser precipitada.

Aqui aparece de forma inequívoca o baixo poder preditivo dos propósitos. Isto em geral se
deve ao fato de haver muitos propósitos para um mesmo gênero a depender de com quem ele
se relaciona. Veja-se o caso da confissão que um fiel faz de seus pecados ao padre. O
propósito pode ser a obtenção do perdão divino dos pecados, mas também pode ser
simplesmente uma forma de obter alívio da consciência. Contudo, continua válida sua
utilização de forma heurística e metodológica e ele pode ser em muitos casos o fator central
de distinção para a nomeação do gênero. Além disso, podemos dizer que em alguns gêneros o
propósito é mais relevante que em outros para a determinação do gênero. Este é o caso da
receita culinária, que serve, aos do que tudo para a confecção de uma comida.

Se tomarmos uma colônia de gêneros, no dizer de Bhatia (1993) ou uma constelação de


gêneros, no dizer de Steger (1969), podemos ter dúvidas em como categorizar determinados
textos. O termo carta não designa um gênero, mas vários, assim como o termo entrevista
pode servir para muitos gêneros ou finalmente a lista também não é em si um gênero claro em
termos de propósitos. Contudo, todos estes conjuntos de “discursos” apresentam uma série de
similaridades formais. A forma não será suficiente, o que aconselha a observar sua posição na
sociedade e a relação interativa que está sendo posta em cena.

A fim de mostrar a complexidade de propósitos comunicativos, Askehave & Swales (2001:


200-2004) analisaram três exemplos: (a) listas de compras; (b) cartas-respostas a cartas de
recomendação e (c) folhetos de companhias comerciais. Vejamos um breve resumo dessas
análises.

(a) listas de compras (LC): este é um dos gêneros mais simples, sequer necessita de ter
frases; é uma relação de produtos por categorias; pode ser uma lista por preferência;
pode ter quantidades ou não etc. A LC vai sendo riscada na medida das compras
efetuadas e no final é jogada fora. Mas pode estar num caderninho para controle
mensal ou numa agenda como lembrete usual para todos os meses. Segundo os autores
(p. 201), “o propósito comunicativo das listas de compras pode parecer simples: essas
listas são auxílios à memória nas compras”. Entretanto, estudos efetuados em

4
Esta multiplicidade de propósitos foi observada também em trabalho sobre cartas comerciais citado por
Askehave & Swales (2001:200) realizado por Anderson (1998).
20

supermercados da Califórnia deram uma variedade de propósitos, por exemplo, certos


“consumidores usam suas listas para, primeiramente, impor disciplina a eles próprios”,
mas também pode ser “para prevenir impulsos consumistas”, ou então para “controlar
sua dieta” e muitos outros propósitos que vão além do auxilio à memória (p. 201). Os
autores lembram mais estes aspectos:
(b)
listas de compra são comuns nas aulas de linguagem para iniciantes e, conseqüentemente, são
usadas como proposta no ensino da língua. Alternativamente, esta ostensiva lista de compras,
abaixo, pode, atualmente, vir a ser um poema:

Limão e lima
Repolho e couve
salsa e tomilho
Xerez e cerveja inglesa

Finalmente, se admitimos que as intenções particulares de Bhatia entram em cena, então a


lista de compras pode ser instrumento de uma esperança romântica. Considere esta
situação: um jovem homem, longamente enamorado de uma jovem mulher atrás de um
balcão de confeitaria, prepara para a próxima visita dele uma meticulosa lista de compras
destinada a convencê-la de como ele é conveniente como companheiro doméstico.” (p. 201)

(c) Resposta à carta de recomendação: trata-se da resposta curta a um acadêmico que


recomendou um colega a um concurso de professor com uma carta de apresentação,
por exemplo. Estas cartas recebem em geral uma breve resposta, como esta trazida
pelos autores (p. 202):
(d)
“Dear Dr. Moore,
Muito obrigado por sua carta de recomendação para Alan Kim para um cargo em nossa
faculdade. Recomendações são uma parcela importante em nosso processo de recrutamento
e nós apreciamos o tempo e o esforço colocados pelo senhor em informações tão completas.
Daremos um retorno a respeito de Mr. Alan Kim durante o desdobramento do nosso
processo de recrutamento.
Agradecemos novamente por seus esforços em favor de Mr. Kim e do nosso processo de
recrutamento.
Sinceramente,”
(Assinatura, nome, título profissional e posição).

Estas cartas são breves, têm uma estrutura de em vários passos com um agradecimento, uma
apreciação do tempo despendido; informações sobre o sistema de recrutamento e promessa de
retorno sobre o candidato. Quanto ao propósito, trata-se de um agradecimento, uma forma de
polidez administrativa ou são elas “parte de uma estratégia institucionalizada, destinada a
assegurar um fluxo contínuo de cartas de recomendação de alta qualidade”? Quem sabe se
trata de “uma forma de promover, indiretamente, uma instituição particular aos olhos (e
memória) do recomendado” (p. 203). Ou finalmente, uma inércia de ações que a academia
pratica sem a menor relevância. Esta multiplicidade de propósitos evidencia que só uma
análise sócio-cognitiva e histórica daria conta da realidade que vai por trás de tal ato
acadêmico.

(c) folhetos/folders empresariais: trata-se de um gênero bastante complexo e muito usado


pelas empresas. Para os autores (2001:203), de pouco serve considerar isto como um “gênero
promocional”, tal como o fez Bhatia (1993:59), pois esta é uma visão geral demais. Pode ser,
no entanto, uma tentativa velada de auto-promoção da empresa e de sua imagem no mercado.
21

Pode ser a apresentação de uma firma como confiável e respeitável no mercado (p. 204). Por
fim, observam os autores que:

Um folheto/folder pode, por exemplo, ser usado, internamente, na companhia para informar
serviços do núcleo central, especialmente se o folheto/folder contém o relato de uma missão
(Swales e Rogers, 1995), ou seja, designado para fortalecer a cultura corporativista e criar um
espírito de time. Mais além, pretende-se sugerir que uma empresa estabelecida recentemente
pode produzir um folheto porque isso vai lhe conferir existência; isto é, se a companhia tem
um folheto/folder, é uma empresa “real”. (p. 204)

Em conclusão, os autores sugerem que esses folhetos são efetivamente multifuncionais e sob
um aspecto poderiam figurar como um gênero e sob outro aspecto como outro gênero.

Será que a dificuldade aqui apresentada poderia levar-nos a abandonar de todo os propósitos
comunicativos para a identificação dos gêneros? Certamente, não é o caso, pois deve-se ter
cuidado com esta atitude. Ou será que deveríamos partir para uma visão abrangente e geral de
propósito sem entrar em detalhe? Também não é um bom caminho, pois como Miller (1984)
já dissera, seria interessante distinguir entre “ação retórica similar” e o que ela chamou de
“ação retórica característica” (cf Askehave & Swales, 2001:207).

Na última parte de seu trabalho, Askehave e swales (2001:207-208) propõem um


“procedimento para análise genérica” em duas versões diversas, que possa dar conta do
propósito dentro de uma metodologia que tenha um pé na própria etnometodologia. O
primeiro modelo é direcionado para o texto e de grande complexidade na utilização. O
segundo modelo dirigido mais para o contexto e para a análise de gênero e tem maior chance
de resultados imediatos inclusive no ensino. Este modelo é assim apresentado:

Um procedimento dirigido pelo contexto para a análise de gênero


1. Identificação de uma comunidade discursiva (comunicativa)

2. Valores, intenções, condições materiais da comunidade discursiva

3. Ritmos do trabalho, expectativas

4. Repertório de gêneros e normas de etiqueta

5. Redirecionamento dos gêneros

6. Características do: Gênero A Gênero B Gênero C ...

Muitos são os problemas para operacionalizar um modelo de análise, descrição e explicação


como este. O nível (6) da análise é o momento de atribuir um propósito comunicativo a um
gênero ou a um conjunto após uma série de procedimentos. O nível (5) de redirecionamento
de gêneros é interessante, pois pode-se encontrar práticas discursivas bem diversificadas em
função dos meios de transmissão e suportes. Veja-se o caso dos e-mails, cartas, telegramas
22

etc. Vejam-se os meios como televisão, rádio, fax, telex, internet, correio etc. Assim,
redirecionamento equivale a um gesto de reengenharia, ou seja, remodelação do mesmo em
outro.

Há, aqui, algumas questões que devem ser cuidadas e são apontadas por Askehave & Swales
(2001:205), por exemplo, a distinção entre gênero, suporte e meio. Veja-se o caso da carta
do leitor remetida a um jornal pelo correio. Trata-se muito mais de um documento político
que uma carta. A paródia serve-se de gêneros outros para fazer uma crítica ou algo similar e
apesar de ter a superfície de um gênero A, ela é um gênero B.

No final do ensaio, Askehave & Swales (2001:209) lembram que enquanto se puder fazer
uma análise de gênero em que se posa descrever, interpretar e explicar os textos analisados
dentro dos procedimentos acima propostos, “um gênero poderá ser definido como ‘uma classe
de eventos comunicativos, cujos membros compartilham uma série de propósitos’ ”, sendo
que esta citação foi tirada de swales (1990:58), tal como vimos anteriormente. Ou então um
conjunto de eventos que tenham função social comum. A última posição dos autores é esta,
em que se aconselha cautela e reinterpretação do que estava em Swales(1990)

Assim, sugerimos que o propósito, (mais exatamente os conjuntos de propósitos


comunicativos) retenha o status de um critério “privilegiado”, mas em um sentido diferente
daquele originalmente proposto pro Swales. Ele não é privilegiado pela centralidade,
proeminência ou clareza evidente, nem, de fato, pelas crenças reportadas pelos usuários do
gênero, mas por sua posição, como recompensa ou retribuição dos investigadores, enquanto
eles se aproximam, de forma mais completa, do círculo hermenêutico. (2001:210)

Com isto os autores não jogam fora a idéia da primazia dos propósitos comunicativos como
relevantes, mas condicionam sua manutenção a uma metodologia que tome novos rumos com
a inserção explícita de parâmetros vindos do lado da etnometodologia e análise sócio-
histórica. Também não lhe dão um valor heurístico central, mas interpretativo e explicativo.
Não se trata de partir apenas do texto, mas do contexto como uma espécie de “caixa preta” a
ser aberta sem um limite a priori e de outros parâmetros vindos de lados diversos.

Neste momento, pode-se indagar o que é que constitui um propósito comunicativo. Podemos
dizer que são as intenções do produtor, o ato retórico produzido, os objetivos visados e as
estratégias argumentativas utilizadas sem esquecer que aí influenciam os contextos, os
suportes e os meios de transmissão.. Fica pouco claro o papel do conteúdo, mas ele não pode
ser ignorado em hipótese alguma. Tudo isso é razoável, mas o problema não está em definir o
que é um propósito, e sim em identificá-lo no caso de um texto em funcionamento dentro de
uma categoria mais geral chamada gênero.

Concluindo com alguns aspectos centrais relevantes para o ensino


(numa forma tristemente aforismática, diria que...)

a) não se ensina gêneros e sim uma operação genérica. Mas o que é uma operação
genérica? Certamente não é uma atividade formal.
b) quem manda mais? Os processos de textualização ou as questões sócio-comunicativas
na constituição do gênero? Não sei!!! Nunca me disseram!
c) as questões e condições externas (sociedade, cultura, contextos vários...) têm uma
enorme relevância na definição interna (estrutura e forma) de um gênero e isso implica
recategorizações (genéricas) que os alunos não conseguem realizar com facilidade e
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daí a sua relevância disso tb na compreensão. Isso quer dizer que há textos que são
compreendidos de um modo quando identificados como um dado gênero e são
compreendidos de outro quando identificados como outro gênero. Portanto, a
identificação genérica é imprescindível ao processo de compreensão. Veja-se o caso
da publicidade e da bula... claro que uma bula e uma publicidade têm efeitos diversos.
Basta indagar: (1) qual a ação global pretendida por esta bula? E (2) qual a ação global
pretendida por esta publicidade? O mesmo texto pode ser lido de outra forma na sua
globalidade se atribuirmos a ele outra realidade genérica. Isto aqui é central.
d) Existem dificuldades que são externas ao processo de escolarização e atuação do
professor, tais como a vida social dos alunos em condições precárias em casa e as
influências do cotidiano. Isso não é irrelevante e por isso não se pode dizer de forma
romântica: “quando o aluno chega á escola ele já sabe toda a gramática...” sei lá o
que ele sabe, pois a gramática não um fenômeno de transmissão genética e tem um
valor social ta,bem. Mas não estou seguro de como se pode argumentar em função
disso. Quando entra na escola, o aluno sabe algumas coisas, mas não tudo aquilo que
imaginamos, pois a genética instalada na mente humana não é tão poderosa como
imagina Chomsky e eu creio que muito o que o aluno sabe é do processo interativo e
dinâmicas sócio-culturais e não de fatores cognitivos tal como reza a cartilha
cognitivista do idealismo racionalista chomskiano.
e) Etc.

ASKEHAVE, Inger & SWALES, John M. 2001. Genre Identification and Communicative
Purpose: a problem and a possible solution. Applied Linguistics, 22.2(2001):195-
212. (Todas as citações deste texto são feitas citando as páginas originais, mas na
tradução para o português feita por Benedito Bezerra, “Identificação do gênero e
propósito comunicativo: um problema e uma possível solução”, a quem agradeço
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