Sunteți pe pagina 1din 4

[ Antropologia ]

Antropologia
não é
ciência?
Debate coloca fundamentos
da disciplina em xeque

s
r a r i
a l l eiro
Fer lF
cio sabe
Már ações I
tr
i lu s

A
Associação Americana de Antro­
pologia (AAA) recentemente fez
uma pequena alteração na redação
de um de seus documentos prin­
cipais. Embora pouco extensa, a
mudança provocou uma grande
repercussão, porque “ciência” foi
a principal palavra retirada. Para o público leigo, o as­
sunto chegou na forma de uma reportagem do New York
Times, no dia 9 de dezembro, intitulada: “Antropologia
é ciência? Declaração aprofunda um conflito”. A “decla­
ração” referida é o plano de intenções de longo prazo da
associação. Antes ele dizia que o objetivo da entidade
era “promover o avanço da antropologia como a ciência
que estuda a humanidade em todos os seus aspectos”.
Agora diz que “os propósitos da associação devem ser
a promoção do avanço do entendimento público da
humanidade em todos os seus aspectos”. Em mais dois
pontos do texto a palavra “ciência” foi removida. Ela
subsiste, no entanto, em outros documentos importan­
tes da AAA, como sua declaração de princípios.
Segundo o repórter do New York Times, Nicholas
Wade, a decisão é resultado de uma tensão de muitos
anos entre duas vertentes, uma ligada a disciplinas mais
identificadas com a tradição científica, como a arqueo­
logia e a antropologia física, e outra que se dedica a
estudos de raça, etnia e gênero e “se vê como defensora
de povos nativos e dos direitos humanos”. A presiden­
te da AAA, Virginia Dominguez, da Universidade de
Illinois, disse ao jornal que a palavra “ciência” foi reti­
rada porque o conselho diretor da entidade procurou
humanidades

incluir também antropólogos que não “Mesmo com esses esclarecimentos, é


veem seu trabalho como inserido no significativo que o New York Times tenha
campo científico. reagido daquela maneira e muita gente
Dias depois, a AAA reagiu oficial­ tenha se manifestado”, diz Luiz Fernando
mente às notícias publicadas, com cita­ Dias Duarte, professor de antropologia
ção direta ao New York Times, dizendo social do Museu Nacional/UFRJ e vice-
que a cobertura “retratou a antropo­ -presidente da Associação Brasileira de
logia dividida entre os que a praticam Antropologia (ABA). “A antropologia se
como ciência e aqueles que não o fa­ construiu pelo diálogo com a alteridade
zem, e deu a impressão errônea de que cultural, através de uma complexa trama
a diretoria da AAA crê que a ciência não de hipóteses, modelos e interpretações.
tem mais lugar na antropologia”. O tex­ É apenas mais um movimento dessa
to prossegue: “Ao contrário, a diretoria tensão constitutiva que a AAA descre­
reconhece e aprova o lugar crucial do va sua tarefa como a de ‘promover a
método científico em grande parte da compreen­são pública da humanidade’.”
pesquisa antropológica”. Duarte observa que a expressão introdu­
No mesmo comunicado, a AAA cita zida no documento utiliza o verbo inglês
o trecho de um documento aprovado to advance, relacionado ao progresso do
na mesma reunião que decidiu alterar conhecimento, “absolutamente caracte­
a redação do plano de longo prazo. Esse rístico do projeto iluminista e portanto
texto se intitula “O que é antropolo­ científico. Não há, assim, muito com que
gia?” e diz o seguinte: “Para entender se preocupar”, opina.
a abrangência e a complexidade totais Dentro da AAA, entretanto, houve
da cultura por toda a história huma­ sinal de alarme. Peter Peregrine, pro­
na, a antropologia retira e se baseia em fessor da Universidade Lawrence, em
conhecimentos das ciências sociais e Wisconsin, e presidente da Sociedade
biológicas, assim como das humanida­ de Ciências Antropológicas, filiada à
des e das ciências naturais. Uma preo­ AAA, enviou um e-mail para todos os
cupação central dos antropólogos é a membros da associação pedindo que
aplicação do conhecimento na solução se manifestassem contra ou a favor da
dos problemas humanos”. alteração de palavras do documento,
que, para ele, pode vir a solapar as bases Fapesp. “O debate americano é propor os resultados. “A pesquisa sobre grupos
da antropologia americana. Peregrine que a antropologia se torne instrumento humanos está indefectivelmente ligada
atribuiu as mudanças a duas influên­ de ação política, o que é inteiramente à dignidade desses grupos”, prossegue
cias dentro da disciplina. Uma seria diferente.” Sobre os termos da nova a antropóloga. “Fundamentos éticos
a dos “antropólogos críticos”, aqueles declaração, que falam em “promover o estão sempre presentes. Não há disci­
que veem a ciência antropológica como avanço do entendimento público da hu­ plina de saúde, por exemplo, que não
instrumento do colonialismo. A outra manidade”, ela reage: “O entendimento implique a defesa da vida humana. Isso
seria do pensamento “pós-moderno”, público se faz pelo conflito e pelo debate. não lhe tira o caráter de ciência.”
que, segundo Peregrine, contesta a au­ Não é a antropologia que pode fazer isso, A “missão de salvação” é um objeti­
toridade da ciência e por isso equivale porque não é uma religião. Mas já há vo que, na discussão em curso nos Esta­
ao criacionismo, por “rejeitar o argu­ muitas beiradas do campo antropológi­ dos Unidos, se atribui principalmente
mento racional e a reflexão”. co que se atribuem a defesa de verdades aos “antropólogos críticos”. Segundo
Por enquanto, contudo, nada indica e missões de salvação”. Duarte, eles formam uma “corrente
que exista uma tendência a deixar de exclusivamente americana que tem
lado os procedimentos consensuais. “O Humanista – “O debate se equivoca um componente militante explícito”.
debate sobre os métodos, o trabalho de quando conduz a posturas ideológicas Para o antropólogo, esse grupo adota
campo, os conceitos etc. se faz no in­ ou reduz a antropologia às atividades “uma visão protestante de redenção
terior do campo científico. Ninguém humanitárias”, avalia a professora. da condição humana no mundo. Ele
propôs, até agora, que a antropologia É claro que mesmo ciência tem um denuncia o suposto caráter neutro da
saia desse campo”, diz Paula Montero, da fundamento ético. Ainda assim, faz ciência, mas isso não quer dizer que não
Universidade de São Paulo e coordena­ parte do trabalho científico torná-lo siga protocolos científicos”.
dora-adjunta da diretoria científica da explícito e controlar seus efeitos sobre Segundo Miriam Pillar Grossi, da
Universidade Federal de Santa Catarina


e ex-presidente da ABA, que fez pós-
-doutorado na Universidade da Cali­
fórnia (Berkeley), toda a polêmica está
muito ligada a características especí­
Os problemas da antropologia começam quando ficas da antropologia americana. “Ela
faz sentido nos Estados Unidos porque
ela tenta mimetizar um método científico no qual lá a formação antropológica se dá no
que eles chamam de quatro campos:
nenhum cientista acredita, diz Marcio Goldman cultural, arqueológico, físico-biológico
e linguístico”, diz. No Brasil, a antro­
pologia sempre foi cultural e nunca
houve a tensão, identificada pelo New
York Times nos Estados Unidos, entre a
facção a que pertencem os arqueólogos
e a que inclui os etnólogos.
Miriam Pillar Grossi observa também
que no Brasil “não se coloca” a discussão
sobre se a antropologia é ou não ciência
por outra razão importante: quase toda
a antropologia aqui é feita nas universi­
dades. Apenas há pouco tempo se tornou
numericamente significativa a atuação
de antropólogos em outros contextos,
como as ONGs. “O modo atual da prá­
tica antropológica é muito reconhecido
pelos institutos de fomento de pesquisa.
A antropologia se legitima e se reconhece
nesse diálogo com outros campos e é tida
como ciência tanto quanto a matemática,
até porque o debate sobre a subjetividade
também está adentrando esses campos
que antes viam a ciência de forma total­
mente positivista.”
De acordo com o New York Times,
o racha refletido nas recentes mudan­
ças na AAA atingiu um ponto crítico

80 n
março DE 2011 n
PESQUISA FAPESP 181
com a publicação, há pouco mais de 10
anos, do livro Darkness in Eldorado, do
jornalista Patrick Tierney (no Brasil, a
Ediouro o lançou em 2002 com o título
Trevas no Eldorado). As acusações fei­
tas por Tierney contra o antropólogo
americano Napoleon Chagnon foram
identificadas por parte dos membros
da AAA como consequências malé­
ficas de uma concepção “científica” da
antropologia. Os procedimentos dessa
suposta vertente estariam intrinseca­
mente ligados a uma
postura colonialista e


etnocentrista, o que le­
varia a abusos contra
os povos nativos.
“O debate que de­
nuncia a antropologia
O antropólogo que pesquisa em campo o faz
como um instrumento
da colonização data dos
na base da confiança das populações estudadas,
anos 1960 e está ligado
a movimentos políti­ diz a antropóloga Paula Montero
cos de descolonização
da África e da Ásia”, diz
Pau­la Montero. “A an­
tropologia acadêmica teve de repensar metidas por antropólogos de qualquer Paula Montero contesta Goldman.
seus pressupostos e suas teorias: os mo­ vertente, ‘cientificistas’ ou não”. “É claro que há um debate sobre mé­
delos funcionalistas perdem capacidade Quanto aos “pós-modernos”, eles todos e abordagens na antropologia,
explicativa, as condições de pesquisa são o que no Brasil costuma ser referi­ mas discordo inteiramente de que não
de campo e de escrita etnográfica se do como “virada pós-estruturalista das se saiba o que é ciência e quais os seus
transformam profundamente. Mas a ciências humanas”. “Ela discute o para­ critérios. Se não houvesse consenso
antropologia fez isso para permane­ digma clássico, de [Bronislaw] Malino­ quanto a isso, não haveria um campo
cer ciência. A crítica a Chagnon nesse wski [antropólogo polonês,1884-1942], disciplinar acadêmico maduro e com
contexto (independentemente de ele ter que supõe um certo realismo na descri­ amplo entendimento a respeito das
feito ou não o que disseram que ele fez) ção antropológica”, diz Paula Montero. regras de seu funcionamento. O autor
associa necessariamente ciência e do­ “O novo paradigma privilegia a natu­ confunde discrepâncias de abordagens
minação. Portanto, o argumento aqui reza discursiva do real.” “Nos Estados com ser ou não ser ciência. Ora, fazem
seria dar um fim à ciência.” Unidos pareceu uma visão muito nova parte do campo da ciência a discrepân­
e provocou toda uma crítica à prática cia e a argumentação.”
Sarampo – No livro, Tierney acusa tradicional”, diz Miriam Pillar Grossi. “Do ponto de vista epistemológi­
Chagnon, entre outras coisas, de ter “No Brasil, o questionamento sobre a co, há, sim, um debate legítimo”, diz a
causado um surto de sarampo entre os forma de pensar do outro já está pre­ antropóloga. “Que tipo de razão está
Ianomâmi e de ter induzido membros sente há muito tempo.” embutido na prática científica? Que on­
da tribo a encenarem rituais. Os estu­ Descontadas as questões de con­ tologia está posta em campo? E que tipo
dos de Chagnon entre os Ianomâmi do tingência, resta uma discussão episte­ de ciência está sendo feita nessa posi­
Brasil e da Venezuela, contidos no livro mológica que tem raízes bem antigas ção?” Esse questionamento não levará
The fierce people (O povo feroz), de 1964, e exige um aprofundamento no debate a um modo único e verdadeiro de fazer
eram até então considerados clássicos. dos próprios conceitos em jogo, além de ciência, mas à explicitação dos procedi­
“Discordo da interpretação de que as uma prospecção histórica. “Questionar mentos. “Toda proposição precisa en­
atividades de Chagnon entre os Iano­ o status de ciência da antropologia supõe tender um problema teórico a partir de
mâmi sejam representativas da antro­ que se saiba inequivocamente o que é regras de um certo tipo de conhecimen­
pologia clássica, considerada ‘científica’ ciência e quais os critérios para uma prá­ to. São sempre questionáveis, podem
pelos críticos americanos”, diz Miriam tica aspirar ao status de ciência”, diz Mar­ ser aceitas ou não, mas não podem ser
Pillar Grossi. “Os clássicos da antro­ cio Goldman, do Museu Nacional/UFRJ. consideradas uma crença, um pensa­
pologia são atuais até hoje. Não é uma “Mas as discrepâncias entre diferentes mento ingênuo ou uma opinião. Adotá-
questão de antropologia ultrapassada, concepções de ciência são tão grandes -las é um pré-requisito fundamental
mas de ética.” Duarte complementa: quanto as discrepâncias entre diferentes para aceitar o princípio do contradi­
“Más condutas éticas podem ser co­ concepções de antropologia.” tório, que permite o debate.” n

PESQUISA FAPESP 181 março DE 2011


n n
81

S-ar putea să vă placă și