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Imagens perigosas: a possessão e a gênese do

cinema de Jean Rouch*

RENATO SZTUTMAN
Doutorando em Antropologia Social pela
FFLCH/USP e co-editor da revista Sexta-Feira:
antropologia, artes e humanidades.

Artigo aceito para publicação em 03/10/05

resumo Este artigo trata da gênese do cinema abstract �is article lies on the genesis of Jean
de Jean Rouch (1917-2004), dando foco ao �lme Rouch’s cinema (1917-2004). Its focus is on the �lm
Les maîtres fous, de 1954. Com este, Rouch realiza a Les maîtres fous, which �rst appeared in 1954. With
transição do �lme etnográ�co em seus moldes “clás- this �lm, Rouch abandons ethnographic �lm in
sicos” para um questionamento mais so�sticado so- its “classical” fashion towards a more sophisticated
bre a linguagem. Ao �lmar um ritual de possessão investigation on language. While �lming a posses-
na Costa do Ouro (hoje em dia, Gana), Rouch aca- sion ritual in the Golden Cost (nowadays, Ghana),
ba por promover uma re�exão sobre a relação entre Rouch �nds a re�ection on reality-imaginary rela-
realidade e imaginário, que diz muito sobre outra tionship, which seems to be able to tell too much
relação, aquela que se dá entre a práxis cinemato- about the relationship between cinematographic
grá�ca e a análise antropológica. praxis and anthropological analysis.
palavras-chave Jean Rouch, �lme etnográ- keywords Jean Rouch, ethnographic �lm,
�co, ritual, possessão. ritual, possession.

Ao imaginário se chega quando se derrapa. tratar um ritual africano de possessão, realizado


Jean Rouch num contexto colonial e urbano. Estão presen-
tes na platéia africanistas como Marcel Griaule,
Accra, Paris, 1954 Luc de Heusch e Germaine Dieterlen, além de
alguns alunos, muitos deles de origem africana.
Paris. 1954. Sala de projeção do Museu do As luzes se apagam. A cortina vermelha se abre.
Homem. Jean Rouch exibe pela primeira vez o A projeção começa.
curta-metragem Les Maîtres Fous, hoje reconhe- Na tela, a imagem estática de uma oferenda
cido como marco na história do �lme documen- de comida. De fundo, a música africana mis-
tário e etnográ�co, o que se deve à utilização de tura-se a ruídos urbanos. Um texto nos explica
uma nova linguagem cinematográ�ca para re- que o �lme versará sobre um episódio da vida

* Uma primeira versão deste texto foi apresentado no Agradeço a Paulo Menezes, coordenador, pelo con-
28ª encontro anual da ANPOCS (outubro de 2004) vite gentil e pela oportunidade que me propiciou de
na mesa “Jean Rouch, cinema, antropologia”, realiza- re�etir, junto a pesquisadores da área de antropologia
da como uma homenagem a esse importante antro- visual, sobre a obra de Rouch. Agradeço também a
pólogo e cineasta, falecido em fevereiro de 2004, aos Sophie Abiven e Stelio Marras, que discutiram comi-
84 anos, num acidente de carro ocorrido no Níger. go algumas das questões aqui expostas.

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dos Hauka, membros de uma certa “seita” reli- por um espírito Hauka. Em seguida, têm início
giosa que incorporam “novos deuses”. O texto as con�ssões públicas. Um homem diz que teve
adverte ainda que as imagens fortes que segui- relações sexuais com a esposa do amigo e há dois
rão foram �lmadas a pedido dos sacerdotes e meses está impotente. Outro diz que colocou
que nenhuma delas é proibida ou secreta, sen- em dúvida a existência dos espíritos Hauka. Um
do assim abertas a todos que estiverem dispos- apito dá o sinal de ordem e os punidos separam-
tos a assistir ao “jogo violento que nada mais é se dos demais, �cando de fora do pátio, vigiado
senão o re�exo de nossa civilização”. por sentinelas. Uma galinha é sacri�cada e seu
Um corte abrupto nos leva a uma estação de sangue é esparramado no altar.
trem e, logo depois, ao cenário urbano. Rouch Sobre a estátua do governador, vemos uma
conta-nos, em voz o� (como o fará ao longo de mensagem telegrá�ca e um cartaz do �lme “A
todo o �lme), que estamos numa certa cidade marca do Zorro”. Já passa das dez da manhã e
da África Ocidental – Accra, capital da então um violinista começa a tocar as árias Hauka. O
Costa do Ouro, colônia britânica, hoje Gana. sacerdote dorme. Alguém traz um cão, que deve-
Vemos homens trabalhar – são todos migran- rá ser sacri�cado e comido. Rouch explica que o
tes que vêm de diferentes partes. Doqueiros, sentido deste ato está em romper um tabu, o que
estivadores, comerciantes, artesãos, faxineiros, os permite mostrar – para os africanos e para os
mineiros, entre tantos outros compõem essa europeus – que eles são mais fortes que os ou-
“Babilônia Negra”. A sobreposição de diferen- tros homens. Todos se põem a marchar em tor-
tes planos indica a convivência de sons, cores e no do local onde será realizado o sacrifício – eles
religiões. Em um bar, denominado Califórnia, portam faixas vermelhas e fuzis de madeira. Seu
ouvimos o som do calipso. De um cortejo ioru- comportamento imita a disciplina militar euro-
bá passamos a uma manifestação de prostitutas, péia. A dança principia, puxada pelo sacerdote.
destas às irmãzinhas de Jesus que “cantam nas A câmera procura acompanhar o movimento
ruas a sua fé” e, por �m, a uma fanfarra militar. efusivo dos participantes. De repente, a posses-
Chegamos ao mercado de sal, na periferia são começa. Acompanhamos de perto as reações
de Accra, onde se encontram os Hauka. Rouch corporais de um homem. A tremedeira se inicia
explica que domingo é o dia em que eles se re- pelo pé esquerdo, passa ao direito, invadindo as
únem para celebrar os “novos deuses” e, nesse mãos, os braços, os ombros e, por �m, a cabeça.
momento, oferece �ashes de rostos em transe, Esse homem, reconhecido como cabo de guarda,
antecipando a matéria do �lme. São rostos des- levanta-se, cumprimenta a todos e pede fogo para
�gurados que se confundem na escuridão. Na se queimar – ele precisa mostrar que “já não é um
seqüência seguinte, já é domingo. Logo cedo, homem, mas um Hauka”, comenta Rouch.
os Hauka deixam a cidade em direção ao sítio, Aos poucos, todo o panteão de o�ciais mili-
onde será realizado o ritual. Quem guia todos tares desce ao pátio. Vêm o capitão, o condutor
é Mountyeba, o “sacerdote” que, como os de- da locomotiva, Madame Locotereau, o tenen-
mais, é um migrante vindo do Níger. te, o governador e Madame Salme. A câmera,
No sítio, o velho casebre é apresentado como fortemente subjetiva, busca acompanhar os
“palácio do governador” e lá encontramos um movimentos aparentemente desgovernados dos
altar com o ícone do governador britânico. O personagens em transe, alternando entre planos
ritual começa então com a apresentação de um de conjunto, que focalizam a dança e a algazarra,
noviço, Gherba, que tem crises intensas em fren- e closes em diferentes expressões faciais, tempe-
te à câmera – todos sabem que ele está possuído radas pela baba branca que escorre das bocas.

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De súbito, o tenente aproxima-se da está- operários da Water Rocks, empresa de abasteci-


tua do governador e, como num ato sacri�cial, mento de água. Por ironia, eles trabalham numa
quebra sobre ela um ovo de galinha. No plano obra localizada em frente ao hospital psiquiá-
seguinte, vamos parar no des�le do exército trico municipal. Jean Rouch �xa-se, então, no
britânico com suas cores gritantes. Rouch ex- sorriso ingênuo de Gherba, o noviço que foi o
plica que a função simbólica do ovo pode ser secretário geral e agora tem a cabeça raspada.
buscada naquelas imagens e, no plano seguin- E, sobre essa imagem, o �lme �nda com uma
te, focaliza as penas amarelas e brancas do ca- indagação do próprio diretor: “Provavelmente,
pacete do governador em carne e osso. O que esses africanos conhecem certos remédios que os
víamos como imitação agora é realidade: os permitem não serem anormais, mas justamente
militares, de uniforme vermelho, realizam uma se integrarem ao meio em que vivem. E estes re-
parada em frente à Assembléia de Accra. Há médios ainda nos são desconhecidos”.
um público imenso que assiste ao espetáculo e, As luzes se acendem na sala de projeção do
lembra-nos Rouch, haverá ali certamente um Museu do Homem. A platéia está atônita depois
Hauka que veio buscar seu modelo. de assistir aos apenas vinte e sete minutos do
Um novo corte nos devolve ao ritual. A pos- �lme. Alguns africanos presentes declaram que
sessão continua. O governador convoca uma as- as imagens vistas são uma afronta à sua digni-
sembléia para decidir se o cão será comido cru dade, que elas apresentam os nativos como sel-
ou cozido. Decide-se cozinhá-lo. (Enquanto vagens. Marcel Griaule pede, então, que Rouch
isso, o noviço chega possuído pelo “secretário destrua o �lme: aquelas imagens não poderiam
geral”). Morto, o cão é feito em pedaços, e os ser veiculadas, visto que eram demasiadamen-
homens, inquietos, fartam-se com o seu san- te perigosas. Elas jamais poderiam ser vistas por
gue. Pronto o cozido, os melhores pedaços são não-iniciados, que não partilhassem aquele uni-
disputados. As imagens são de causar náuseas. verso. Tampouco poderiam ser exibidas a inicia-
Com o cair da noite, o ritual termina a não ser dos, que, ao vê-las, entrariam em transe.
para o motorista da locomotiva que se põe a Uma história, contada por Rouch, é bas-
discursar. Momentos depois, todos deixam o tante curiosa para falar do perigo dos espíritos
sítio. Por um instante, sob a escuridão, vemos Hauka e de suas imagens:
os vestígios do rito.
Na manhã seguinte, Rouch nos traz de volta Entre a minha equipe estava um jovem chama-
ao mercado de sal, onde reencontramos os per- do Tallou que depois viria a atuar em Cocori-
sonagens da véspera – todos sorridentes, sem co Monsieur Poulet (1975). Ele �cou chocado:
qualquer aparência de ressaca. Vemos ali uma “Tudo isso é falso. Falso!”. E Gherba disse a
nova assembléia, não para decidir a morte de ele: “Tallou, tome cuidado. Você não deveria
um cão, mas para jogar cartas. Rouch ajuda-nos dizer isso, pois os Hauka podem se vingar”.
a reconhecer os participantes, valendo-se de �a- Dito e feito. Três semanas depois, Tallou foi
shes dos rostos des�gurados da véspera. Madame possuído. Foi um transe selvagem, que causou
Locotereau é, na verdade, um menino efemina- muito problema, pois ele foi possuído no meio
do que trabalha como vendedor e usa muita de Accra e começou a agredir os seus amigos.
vaselina no cabelo. O cabo de guarda é cami- Encontramos-no passando a noite num cemi-
nhoneiro. O general é só um soldado. Madame tério fora da cidade, e eu o levei a Mountyeba,
Salme é Magasia, uma prostituta. O governador, o sacerdote, que disse: “Sim, ele está possuído,
o condutor de locomotiva e o secretário geral são mas é preciso esperar quem sabe um ano para

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que ele seja �nalmente iniciado”. E disse tam- havia acreditado que aquilo pudesse ser um ri-
bém (mas só para mim): “Você é reponsável, tual). Jean Genet, de sua parte, inspirou-se na
pois foi você quem o trouxe aqui. O melhor possessão Hauka para escrever Os Negros, peça
a fazer é levá-lo de volta à sua aldeia natal”. em que um grupo de escravos se rebela contra
O sacerdote me deu um pouco de perfume e seus mestres. E Peter Brook usou as imagens
outras coisas mais e me explicou como aquietar para treinar os atores de Marat/Sade.
Tallou se ele voltasse a ter uma crise. Então eu De modo curioso, Les Maîtres Fous atraía, so-
levei Tallou ao meu motorista, Lam, que, aliás, bretudo, pelo seu lado dramático. Como �lme
também atuou em meus �lmes. Eles voltaram etnográ�co, no entanto, foi considerado, por
ao Níger de trem e caminhão, e durante a via- pares como o próprio Griaule, como incomple-
gem ele foi possuído duas ou três vezes. Lam to, por ser breve demais e não contextualizar na
teve de o acalmar passando perfume em sua ca- medida necessária o ritual apresentado, e perigo-
beça. Isso foi dois anos antes de sua iniciação. so, por não medir o efeito que aquelas imagens
Um dos últimos Hauka foi um general francês poderiam ter para a audiência, africana e euro-
que comandou o exército durante a guerra da péia (Stoller 1994). Que seriam, a�nal, aqueles
Indochina. Ele se chamava General Marseilles, homens negros ditos Hauka, que imitavam per-
pois certas tropas africanas que partiam à Indo- sonagens coloniais e eram possuídos pelos seus
china paravam em Marselha, França. Tallou foi espíritos? Que pensar de uma cena escatológica
possuído por este general, o último dos Hauka como a do sacrifício do cão, em que se cogitou
(Rouch, Marshall & Adams, 1978: 1010; mi- a possibilidade de comer a carne crua? Acusa-
nha tradução). va-se o �lme de Jean Rouch de endossar justa-
mente o que ele pretendia combater, ou seja, o
Durante o debate, Luc De Heusch é o úni- racismo, a idéia de que a subordinação poderia
co a defender o �lme de Rouch, apontando ali ser explicada pelo caráter “selvagem” (portanto,
um documento de grande importância para a “inferior”) dos negros, que agiam na tela como
antropologia. doentes mentais, incapazes de separar a realida-
de vivida da imaginação.
Antecedentes e ecos Apesar da recepção receosa por parte dos
antropólogos, Les Maîtres Fous não pode ser
Para além do Museu do Homem, Les Maîtres dissociado do processo de pesquisa iniciado por
Fous não teve melhor sorte. Foi rechaçado pelas Rouch em meados dos anos 1940 no que viria a
autoridades coloniais britânicas, que acusaram o ser a República do Níger, e nesse ponto recobra
autor de desrespeito ao Exército e à rainha. Ten- um lugar importante na história da antropologia
do em vista todas as objeções, Rouch optou por e do cinema. Rouch formou-se em engenharia ci-
restringir a circulação do �lme, exibindo-o ape- vil e se tornou supervisor da construção de estra-
nas em um circuito alternativo de cineclubes. das na colônia francesa ali estabelecida. Foi nesse
Com todos esses pesares – e mesmo por cenário que conheceu Damouré Zika, que se
causa deles – Les Maîtres Fous tornou-se um tornaria um grande amigo e parceiro. Damouré
clássico. Inspirou rapidamente campos artísti- trabalhou como técnico de som em �lmes como
cos, como o cinema de �cção e o teatro. Clau- o próprio Les Maîtres Fous, e protagonizou outros
de Chabrol foi logo procurar Rouch para saber, �lmes como Jaguar (1967) e Petit à Petit (1969).
a�nal, como ele tinha adquirido tamanha téc- Também ali Rouch presenciou os primeiros ri-
nica na direção de “atores”. (O cineasta não tuais de possessão, que o conduziram a re�etir

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mais sistematicamente sobre aspectos daquelas pesquisa, já inseparável do cinema e desta vez
religiões e, assim, reavivar os estudos de etnologia não mais entre grupos “tribalizados”, mas sobre
realizados quando era ainda um aluno de gradu- os migrantes que vinham do Níger – sobretudo
ação. Com apoio de Griaule, Rouch passou a se Songhay – à Costa do Ouro. Boa parte desses
interessar pela coleta de dados e pela religião dos migrantes integrava as práticas Hauka, que não
Songhay – povo agricultor da savana – antes da eram assim tão inovadoras como se pode pensar.
presença islâmica, o que incluía o interesse por Incorporava-se aos rituais de possessão tradicio-
práticas como feitiçaria, sacrifício e possessão. nais “novos deuses”, justamente os espíritos de
Rouch acompanhou, durante 1946 e 1947, uma administradores coloniais. A “seita”, como foi
expedição ao longo do rio Níger e �lmou, en- logo taxada pelo governo colonial francês, teria
tre outras coisas, uma caçada de hipopótamos. emergido por volta de 1927, e seus membros
Como conta Paul Stoller (2005), foi devido a teriam sido expulsos do Níger por atemorizar as
um tripé quebrado que Rouch teve de passar a autoridades públicas, o que evidencia o enorme
usar a câmera na mão. Por acidente, ele cunhava impacto – sobretudo político – que tiveram.
um método muito particular de �lmar. Essa seria
a sua marca desde o primeiro �lme, Au pays des Os Hauka revisitados
mages noirs (1947), exibido como complemento
de Stromboli (1949), longa-metragem do diretor As imagens dos corpos possuídos por di-
italiano Roberto Rosselini, que contava com a vindades coloniais pareciam sintetizar de
presença da atriz Ingrid Bergman no elenco. modo notável a experiência de povos como os
Em 1947, já incluído no Centre National Songhay em cidades algo cosmopolitas como
de la Recherche Scienti�que (CNRS), Rouch Accra. E, com efeito, elas atuaram na fundação
partia como doutorando ao Níger e ao Mali do cinema de Jean Rouch. Mas, como aten-
para colher histórias sobre os Songhay do pe- tava Griaule, estas eram imagens perigosas e
ríodo pré-islâmico. Ele encontrava nos rituais descontextualizadas (Stoller 1994).
realizados por esse povo a via de acesso mais Três anos após o lançamento de Les Maîtres
e�caz para a revelação dessa memória coletiva. Fous, em 1957, a Costa do Ouro tornava-se in-
Em Les magiciens de Wanzerbé (1948), ele apre- dependente. A partir de então, os Hauka que lá
sentava um retrato da vida social em uma aldeia viviam retornavam ao interior do Níger, recu-
songhay famosa pelos seus feiticeiros. Por meio perando o estilo de vida aldeão. Seu panteão,
de um longo plano-seqüência, documentava que con�gurava uma espécie de prática “fora da
um ato por assim dizer exótico para o espec- lei”, era aos poucos assimilado pelos sacerdotes
tador ocidental: o feiticeiro-dançarino cuspia tradicionais. Intrigado pelas imagens de Rouch,
um objeto de metal que estaria alojado em seu Paul Stoller, antropólogo norte-americano, vol-
estômago. Les Fils de l’eau, longa-metragem tou aos Songhay do Níger na década de 1980,
de 1953, reunia imagens, rodadas no Níger e portanto no período pós-colonial. Ao contrário
no Mali, de diferentes momentos rituais, tais do que previu Rouch, Stoller (1989 e 1995) sus-
a circuncisão dos meninos songhay, a caça ao tenta que a religião dos Hauka não cessou com o
hipopótamo no rio Níger e um rito funerário �m da colonização, mas transformou-se no tem-
dogon. Em 1952, Rouch defendia na Sorbonne po e acarretou diferentes arranjos políticos. Bas-
a sua tese de doutorado, A religião e a magia en- ta aqui salientar que, com a independência do
tre os Songhay, sob orientação de Marcel Griau- Níger, muitos Hauka tornaram-se membros do
le. A partir do mesmo ano, iniciava uma nova Supremo Conselho Militar, um deles chegando

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a ser eleito como presidente da República. Nota- Fous foi realizado a pedido dos próprios Hauka.
se também que, nesse novo período, os Hauka “Minha hipótese é que eles usariam a câmera no
foram responsáveis pela legitimação de vários culto da mesma forma que usaram uma arma
atos de violência política. Segundo Stoller, que de madeira” (Rouch, Marshall & Adams 1978:
perseguiu as metamorfoses dos Hauka na segun- 1007). O ritual se apropria, assim, de mais um
da metade do século XX, esses rituais de pos- elemento ocidental, que não é, diga-se de passa-
sessão não eram simplesmente um modo para gem, um elemento qualquer, mas sim dotado de
resistir à colonização, mas sobretudo para cons- grande valor a um só tempo simbólico e tecno-
tituir uma memória do grupo e, assim, habitar lógico, dado pela capacidade de reproduzir ima-
o tempo atual. E isso só era possível mediante gens em movimento e veiculá-las a um grande
um trabalho de “inscrição no corpo”. O autor público. O cinema era, na época em que Rouch
lembra também que, entre os Songhay, esse tipo �lmava em Accra, um dos signos mais fortes da
de memória “incorporada” (embodied) contrasta modernidade: apropriar-se dele era claramente
com dois outros: uma tradição escrita, herdada um modo de exibir controle sobre a situação e,
do Islã, e uma tradição oral-épica, concentrada principalmente, de tornar visível uma situação
na �gura dos griots, contadores de histórias e que permanecia invisível. Máquina de sonhos,
guardiões da tradição oral. o cinema poderia materializar, como na posses-
Em linhas gerais, o argumento de Stoller são, aspectos invisíveis do cosmos, criando um
reside na idéia de que os rituais de possessão novo contexto de interação. Como sugere
Hauka imitam o homem branco e sua organi- Michael Taussig, que volta a Les Maîtres Fous:
zação militar para domesticá-los, controlá-los.
Na esteira de Michael Taussig (1993), Stoller O �lme toma de empréstimo a prática mágica da
(1995) pensa o “poder mimético” embutido mímese no próprio momento da �lmagem. O
nesses atos de incorporação. Povos como os Son- primitivismo no modernismo permite-se �orescer.
ghay teriam, assim, nos rituais de possessão uma Nesse mundo colonial onde a câmera encontra-se
espécie de máquina de processamento dos epi- com esses possessos por divindades, podemos real-
sódios de contato com a alteridade, que remete mente apontar o renascimento ocidental da facul-
tanto a tempos imemoriais – o tempo do mito dade mimética por meio da maquinaria mimética
– como a tempos datados – a conquista muçul- da modernidade (1993: 242; minha tradução).
mana, a incorporação de outros grupos étnicos
etc. Podemos concluir, com Stoller e Taussig, Se as imagens de Les Maîtres Fous eram,
que a possessão entre esses povos é um ato a um como acusou Griaule, perigosas, isso ocorria
só tempo cognitivo, histórico e político, e isso sobretudo porque elas eram capazes de am-
signi�ca que esta maneira de habitar no mundo pli�car de maneira descontrolada (e aberta a
– de existir – passa necessariamente pelo simbó- diferentes manipulações) os cultos de posses-
lico ou, para usar um termo bastante frisado por são e, por isso mesmo, deveriam ser veiculadas
Rouch, pelo imaginário, pela imaginação. com cautela. Elas eram poderosas (no sentido
O fato de que os Hauka incorporavam ele- de Taussig) e poderiam ser usadas não apenas
mentos coloniais às suas práticas correntes para para �ns racistas, por parte dos colonizadores,
poder, en�m, domesticá-los ou controlá-los se- mas também pelos próprios sacerdotes Hauka,
gundo seus próprios termos deve explicar, por que desejavam cooptar novos adeptos, o que
exemplo, a permissão dos sacerdotes para �lmar poderia promover um crescimento desmedido
o ritual. Rouch lembra, aliás, que Les Maîtres do movimento e causar grande represália por

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parte da administração colonial. De fato, como ses anos, dos anos 1920 à independência, elas
já salientado, Les Maîtres Fous teve circulação estavam pensando no poder militar, adminis-
restrita durante a década de 1950, atendo-se a trativo e burocrático e, agora, elas começaram
um público seleto de intelectuais. Quando da a pensar mais no sexo e na morte. Os Hauka
descolonização, no entanto, Rouch pôde voltar introduziram a idéia de pessoas fora-da-lei, o
a algumas das aldeias songhay, no Níger, e ali sentido exato da palavra (é importante ter mitos
exibir o �lme. Nesse novo momento, os espí- de pessoas fora-da-lei). Mas agora que os Hauka
ritos Hauka já estavam em grande parte incor- estão dentro da lei, tomaram o poder, pois eles
porados às práticas tradicionais e ao panteão são os �lhos de Dongo, é preciso que tivessem
de divindades, o que retirava de seus cultos o aparecido os novos fora-da-lei, os Sasale. Mes-
caráter propriamente contestatório. mo na situação política atual, continua funcio-
O dinamismo das tradições songhay, nota- nando (1978: 1013; minha tradução).
do por Stoller, pode ser con�rmado em um co-
mentário de Rouch a Marshall & Adams (1978) Hoje, as imagens de Rouch, que, como os
sobre a incorporação, na fase pós-colonial, de espíritos europeus (os Hauka), são parte cons-
uma nova classe de divindades. No início dos titutiva da memória coletiva local, podem ser
anos 1970, quando os espíritos Hauka pare- exibidas em lugares públicos como o Centro
ciam ter sido aceitos pela maioria dos sacerdotes Cultural do Níger, sem causar maiores descon-
songhay, apareciam os assim chamados espíritos certos. Seu perigo foi, como se vê, domesticado
Sasale, “subversivos”, porém de modo distinto e, assim, deslocado para outros domínios. Com
ao dos Hauka. Espíritos de cantores, prostitu- efeito, passados cinqüenta anos, podemos vol-
tas, playboys etc., os Sasale apoderavam-se dos tar a essas imagens e medir seu impacto para a
corpos de meninas e meninos fazendo-os repro- história do cinema e da antropologia.
duzir gestos eróticos ou obscenos. Essa “nova
religião” – se assim for possível chamar toda Imagens possessas
forma incorporação de novas divindades num
panteão cuja marca é justamente essa abertura Se as imagens de Les Maîtres Fous são mesmo
ao evento – foi, conta Rouch, revestida de um perigosas, isso ocorre sobretudo porque elas pare-
signi�cado contestatório e novamente reprimi- cem estabelecer com a possessão uma associação
da pelo governo da República do Níger. por contigüidade. As imagens ambíguas criadas
no ritual Hauka – de colonizados que incorpo-
Esta nova religião está começando do mesmo ram (espíritos de) colonizadores – não apenas
jeito: ele é absolutamente underground, pois o mimetizam elementos ocidentais, como querem
governo é contra o sexo. Eu comecei um �lme Taussig e Stoller, mas condensam e dão visibilida-
sobre isso, mas eles me pediram para não mos- de às contradições vividas na experiência cotidia-
trá-lo, pois (...) todas as danças falavam sobre na da época.1 Ora, o �lme etnográ�co inspira-se,
sexo: “Olhem só o meu clitóris”, “Ah, como
são maravilhosos os seus testículos”, e daí por
1. Carlo Severi (2000) vai além da idéia de mímese, presente
diante. Era uma coisa de louco. Como vocês em Stoller e Taussig, para pensar fenômenos “híbridos”,
vêem, isso acontece a todo o momento. (…) As tais os cultos Hauka, como resultado de um processo de
pessoas não conseguem explicar o que elas estão interação ritual e de condensação de imagens. O ponto
fazendo, elas só podem mostrar o que elas estão não seria apenas imitar os colonizadores, mas sobretudo
pensando, e isso signi�ca que durante todos es- inserir o seu universo, sobretudo imagético, dentro de
um contexto ritual já dado; no caso Hauka, a possessão.

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curiosamente, nessa mesma relação perigosa com da câmera. A essa verdade se acede, vale ressal-
o real. Filmar o ritual é, nesse sentido, menos re- tar, pelo imaginário, pela imaginação.
tratá-lo que potencializá-lo, ampli�cá-lo. Eis que Como o ritual, o cinema é uma espécie de
entra em cena o “cine-transe”, expressão cunhada explicitação de uma porção que permanece
por Jean Rouch para se referir à �lmagem de Les oculta e que só pode ser acionada na suspensão
Maîtres Fous: é preciso �lmar como se estivesse do cotidiano.2 A sala escura, como a posses-
em transe para que o efeito do �lme aproxime- são, permite que nos transportemos para outro
se do efeito do ritual (Rouch 1978). De certo mundo, o que signi�ca voltar e ver este mundo
modo, se no ritual os africanos são cavalos de já com outros olhos. Olhos de um recém-ini-
espíritos ocidentais, na sala de cinema a relação ciado, tais aqueles que compõem a última se-
parece se inverter: tudo se passa como se nós nos qüência de Les Maîtres Fous.
tornássemos os cavalos deles.
A câmera do cineasta que participa ativa- Depois de Les Maîtres Fous
mente da cena �lmada possibilita para o pú-
blico ocidental uma experiência análoga à do O ritual de possessão Hauka e suas imagens
ritual africano. Les Maîtres Fous não é apenas perigosas podem ser tomados como fundadores do
perigoso para eles, mas também para nós, es- cinema rouchiano. É deles que emerge a potência
pectadores. Ainda que se trate de contextos provocadora e desa�adora dos �lmes seguintes do
radicalmente diversos, um mesmo tipo de realizador. Na segunda metade da década de 1950,
impacto não pode ser negligenciado. É nessa as imagens aterrorizantes de Les Maîtres Fous davam
mesma direção que Paul Stoller (1994) associa lugar a outras formas de acessar o mundo por meio
Les Maîtres Fous, e o cinema em geral criado do imaginário e da imaginação, que passavam pela
por Rouch, às experiências dos surrealistas e, utilização da �cção e do psico-drama. O �lme et-
mais precisamente, ao “teatro da crueldade” nográ�co sofria, então, uma reforma decisiva, visto
de Antonin Artaud. O espectador é posto em que as fronteiras entre o �ccional e o documentário
confronto com dimensões reprimidas – dando eram submetidas ao apuro.
vazão ao inexprimível e ao invisível – e, assim, Com Moi, un Noir (1958) e Jaguar (1967),
o �lme pode transformar a audiência psicolo- duas “etno-�ccções”, Rouch fazia os �lmados en-
gicamente e politicamente, promovendo uma cenarem as suas próprias vidas tendo como pal-
“descolonização do imaginário”. co cidades assaltadas pela ocidentalização, como
Como vemos, a missão do cinema confun- Abdijan (Costa do Mar�m) e Accra (Gana). Esses
de-se, em Jean Rouch, com a missão do ritual, �lmes tratavam justamente dos sonhos de jovens
no caso, de possessão. É assim que as �lmagens africanos migrantes, que “espremidos entre a tra-
da possessão Hauka encontram-se na base de dição e a automação, entre o islamismo e o álcool,
seu “cinema verdade” – uma verdade que, no não renunciaram às suas crenças nem aos ídolos
entanto, não diz respeito a um realismo ingê- modernos do boxe e do cinema” – tal o texto em
nuo e que só pode ser revelada no discurso do o� de Jean Rouch para a abertura de Moi, un
cinema. Como Rouch assume inúmeras vezes, Noir. Em La Pyramide Humaine (1959) e Chro-
referindo-se sempre a Dziga Vertov, trata-se não nique d’un Été (1960), Rouch lançava mão de
de uma verdade nua, mas uma verdade fílmica,
uma verdade do cinema. Não de uma verdade 2. Sobre a idéia – que me é bastante simpática – de que
visível, mas uma verdade que deve ser descorti- objetivo da comunicação ritual é, sobretudo, tornar
nada, inacessível ao olho senão pela mediação visível, “dar a ver” relações invisíveis, ver Houseman
& Severi (1994).

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“psico-dramas sociais”: reunia pessoas de diversas imaginário, a loucura e a selvageria. Les Maîtres
origens para discutir entre si e em frente à câmera, Fous foi, na época de seu lançamento, vítima de
temas como racismo, xenofobia e guerra. A pre- um mal-entendido, pois que a desordem que
sença do realizador aí não era jamais transparente apresentava era, com efeito, um modo de esta-
e os �lmados falavam diretamente para a câme- belecer uma certa ordem, de conferir sentido a
ra. Em Pyramide Humaine, por exemplo, Rouch uma experiência marcada pela sobreposição de
reunia estudantes brancos e negros que viviam em mundos distintos e distantes. Como já havia su-
Abdijan para discutir com eles o tema das relações gerido diversas vezes Claude Lévi-Strauss, que
raciais. Ao suscitar novos contextos de interação muitas vezes teorizou o que Rouch mostrou
entre os jovens, o �lme acabava por produzir situ- (mesmo que jamais tenha havido interlocução
ações, como o namoro entre um africano e uma entre ambos), comparar as desordens psíqui-
francesa – situação que não era exatamente “pen- cas, como a concebemos no Ocidente, àquelas
sável” naquela época tingida pelo colonialismo. que parecem se apresentar, de maneira análoga,
Nesses �lmes, vemos com mais nitidez também o nas narrativas míticas e nos rituais de diversos
projeto de uma “antropologia compartilhada” e o povos ditos primitivos seria apenas possível e
delineamento de um compromisso ético com os prudente se compreendêssemos que aqueles
�lmados. Ou seja, o �lme etnográ�co tornava-se elementos de simbolização comumente toma-
um diálogo entre os nativos e o realizador, que dos por nós como patologia – como expressões
deveria retornar a eles as imagens produzidas.3 do sofrimento individual – podem emergir, em
Com esses �lmes, Rouch rompe com a impo- outros lugares, como terapia – como modos de
sição de uma representação realista e com o ideal conferir sentido ou mesmo inibir o sofrimento
de transparência da câmera. Moi, un Noir busca na a um só tempo individual e coletivo.4
�cção o gênero ideal para se referir à experiência A incorporação dos Hauka, uma espécie de
contraditória da modernidade e do cosmopolitis- materialização das ambigüidades do cosmos e da
mo vividos pelos migrantes africanos. Lembremos, sociedade, era a maneira especí�ca pela qual os
contudo, que Les Maîtres Fous já antecipava esses migrantes do Níger lidavam com o seu cotidiano,
aspectos, agarrando um tema clássico da antropo-
logia: o ritual. Revelava como um certo grupo de 4. Faço referência a textos como “A e�cácia simbólica”
homens e mulheres conseguia viver a colonização (1976) e “Cosmopolitismo e esquizofrenia” (1986),
dentro de seus próprios termos; e estes, vale res- nos quais Lévi-Strauss compara, respectivamente, os
saltar, passavam pela possessão, pela inscrição no rituais xamânicos e a mitologia de dois grupos ame-
ríndios – os Cuna da América Central e os Chinook
corpo de uma memória coletiva.
da América do Norte – a domínios terapêuticos. Se
Se Les Maîtres Fous versa sobre a maneira a tendência foi comparar o xamã ao esquizofrênico
pela qual o ritual pode trabalhar um impacto e identi�car nos motivos míticos elementos relacio-
ou trauma causado pela colonização, ele resulta nados à esquizofrenia – tal o tema da clivagem inte-
em imagens não menos impactantes e traumá- rior e das confusões exteriores –, Lévi-Strauss propõe
ticas para o espectador ocidental, impressio- uma inversão decisiva, comparando o trabalho do
xamanismo e da mitologia ao trabalho do psiquiatra.
nado com aqueles atos que evocam, no seu
O movimento por eles realizado seria, assim, inver-
so ao do delírio esquizofrênico, pois o que neste é
3. Para uma discussão um pouco mais aprofundada so- interiorizado subjetivamente pelo doente, torna-se
bre a porosidade das fronteiras entre o documentário objetivamente espalhado entre diversos protagonistas
e a �cção no cinema de Jean Rouch e a produção, por e repartido por diversos aspectos do cosmos. “Os ma-
conseguinte, de uma “antropologia compartilhada”, teriais simbólicos são talvez os mesmos, mas o mito e
ver Sztutman (2004). o delírio fazem deles usos opostos” (1986: 260).

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invadido pela experiência da ocidentalização. Era Com Rouch, o cinema deixa de ser mera ilu-
preciso dar aos colonizadores um lugar no panteão são para se converter numa práxis capaz de des-
de divindades para que, como as demais divinda- cortinar uma “verdade muito particular”, jamais
des, eles pudessem ser domesticados, submetidos dada na superfície visível das coisas, mas que deve
ao jugo dos homens. Era preciso ser possuído por ser extraída, ou mesmo decretada, sob esforço da
essas novas divindades, confundir-se com elas, imaginação. Tendo em vista esse notável projeto,
condensar elementos nativos e estrangeiros, para Les Maîtres Fous, inquietante tanto pelo seu tema
que fosse possível voltar ao cotidiano não mais quanto pela sua linguagem, permanece eterniza-
como sujeito cindido – aterrorizado pela tensão do no panteão do cinema e da antropologia.
entre mundos descontínuos – mas como traba-
lhador que, integrado ao movimento caótico da Referências bibliográ�cas
cidade grande, jamais se esquece do compromisso
sagrado no domingo. Em linhas gerais, a mensa- HOUSEMAN, Michael & SEVERI, Carlo. 1994. Naven
gem de Les Maîtres Fous consiste em dizer que para ou le donner à voir: essai d’interprétation de l’action ri-
tuelle. Paris: Eds. MSH/CNRS.
ser “normal”, ou melhor, para suportar as contra-
LÉVI-STRAUSS, Claude. 1961. Le totemisme aujourd’hui.
dições do vivido e estabelecer um certo grau de Paris: PUF.
autonomia pessoal, era preciso experimentar uma _____. 1976. “A e�cácia simbólica” In Antropologia estru-
certa “loucura” e uma certa “selvageria”, obtidas tural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, pp. 215-236.
nessa entrega à imaginação, nessa interação com _____. 1986. “Cosmopolitismo e esquizofrenia” In O
imagens e espíritos, que condensavam elementos olhar distanciado. Lisboa: Ed. 70, pp. 253-164.
ROUCH, Jean. 1960. La religion et la magie Songhay.
da religião nativa e da situação colonial, criando
Paris: PUF.
novas formas e, através delas, novos sentidos para _____. 1978. “On the vicissitudes of the self: the posses-
habitar o mundo. sed dance, the magician, the sorcerer, the �lmmaker
Como o totemismo abordado por Lévi- and the ethnographer”. Studies in the Anthropology of
Strauss (1961), toda essa “selvageria”, que con- visual communication. 5 (1), pp. 112-121.
tinua a chocar o olhar do espectador ocidental ROUCH, Jean, MARSHALL, John & ADAMS, John.
1978. “Jean Rouch talks about his �lms to John Mar-
(que teme se descobrir selvagem), talvez não este-
shall and John W. Adams”. American Anthropologist.
ja longe de nós, mas sim em nós. O ponto é que 80 (4), pp. 1005-1022.
ela é mobilizada de maneiras bastante opostas na SEVERI, Carlo. 2000. “Cosmologia, crise e paradoxo: da
experiência de cá e na de lá. Com suas imagens imagem de homens e mulheres brancos na tradição
perigosas, que geram opiniões e efeitos adversos xamânica cuna”. Mana. 6 (1), p. 121-155.
e que os nativos temem extrapolar o domínio STOLLER, Paul. 2005. Ciné-trance: a tribute to Jean Rou-
ch. In American Anthropologist. 107, p. 123-126.
da tela, Rouch pretendia, em Les Maîtres Fous,
_____. 1989. Fusion of the worlds: an ethnography of pos-
fazer o “mundo africano” – com seus símbolos, session among the Songhay of Niger. Chicago: Chicago
ritos e mitos – afetar a nossa própria realidade. University Press.
O cinema rouchiano constrói-se, tal o argumen- _____. 1994. “Artaud, Rouch and the cinema of cruelty”
to deste pequeno ensaio, sob o signo do ritual In Taylor, Lucien (ed.). Visualizing theory: selected es-
de possessão, que lhe oferece, sem abolir o pe- says from V.A.R. London: Routledge, pp. 84-98.
_____. 1995. Embodying colonial memories: sprit posses-
rigo, um certo modo de mostrar e agir sobre o
sion, power and the Hauka in West Africa. New York:
mundo, passando pela proposição de um outro Routledge.
mundo, prenhe de imagens ambíguas, entre a SZTUTMAN, Renato. 2004. “Jean Rouch, um antropólo-
humanidade e a divindade, entre o tradicional e go-cineasta”. In CAIUBY NOVAES, Sylvia et alli (orgs.)
o moderno. Escrituras da imagem. São Paulo: Edusp, pp. 49-62.

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