Sunteți pe pagina 1din 136

Agropecuária e Ambiente 1

O ambiente é responsabilidade de toda a sociedade


O secretário de Estado de Meio Ambiente, Tilden Santiago,
possui um vasto currículo, com formação em Jornalismo e
Filosofia. É professor licenciado da UFMG, foi presidente do
Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, dirigente da
Federação Nacional dos Jornalistas e fundador da Central
Única dos Trabalhadores.
Como deputado federal, destacou-se nas Comissões de
Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, Relações
Exteriores e Meio Ambiente. À frente da Secretaria de Estado
de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad),
Tilden Santiago confirma sua clara consciência sobre a
importância que a questão ambiental tem
para o destino da humanidade.

A preservação ambiental é hoje uma pela Agenda Verde, cuida das florestas, Brasil. Não há preocupação com o incre-
preocupação mundial, que envolve não pesca, biodiversidade e licenciamento agrí- mento do mercado interno – produzir para
apenas instituições que trabalham na área, cola. Instituto Mineiro de Gestão das Águas a mesa da população brasileira. O inte-
mas toda a sociedade. (Igam) – responsável pela Agenda Azul pa- resse é produzir em grande escala para
A EPAMIG, como empresa de pesquisa ra a qualidade e quantidade dos recursos exportação. Se houvesse uma opção pelos
hídricos. pequenos e médios produtores, a pesqui-
agropecuária, sabe que a preservação am-
sa e a tecnologia seriam orientadas para
biental é fundamental na produção de
IA - As atividades agrossilvipastoris, pela o atendimento deste mercado. E uma das
alimentos saudáveis. Por isso, vem cada
extensão que ocupam, provocam im- principais conseqüências desse descaso é
vez mais ampliando suas pesquisas nesta a falta de tecnologia aplicada para pre-
pactos ambientais e, muitas vezes, a
área, oferecendo subsídios aos trabalhos servação ambiental, criação de técnicas
degradação dos recursos naturais.
da Secretaria de Estado de Meio Ambiente. Como a EPAMIG pode contribuir pa- menos agressoras, falta de planejamento
Esta parceria tem proporcionado o aumen- ra a conservação/preservação am- de ocupação agrícola. Entretanto, inde-
to quantitativo e qualitativo dos resultados biental em Minas Gerais? pendente desta deficiência, o homem do
alcançados nas ações ambientais. campo vem provando que sabe respeitar
Tilden Santiago – Toda política pública o meio ambiente. Na região Leste de Mi-
Estudos encaminhados à Semad prio-
supõe fundamentação teórica. A EPAMIG, nas, em Muriaé, Visconde do Rio Branco e
rizam tecnologias poupadoras, reutili-
como empresa de pesquisa agropecuária, Miradouro, uma associação de pequenos
zadoras e recicladoras, de matéria-prima
tem também a missão de buscar a melho- produtores, orientados por uma equipe da
(recursos naturais), de insumos, energia e ria das técnicas agrícolas aliadas à preser-
de resíduos. E a contribuição permanente, UFV, pratica uma agricultura que não
vação ambiental. Não apenas a EPAMIG, causa danos ao meio ambiente. Produzem
através de tecnologias alternativas, a todos mas todos os órgãos governamentais que alimentos sadios, com utilização de defen-
os sistemas de produção animal e vegetal buscam melhor qualidade de vida para a sivos alternativos, não agressores.
dos diferentes ecossistemas do Estado. sociedade.O entrosamento dos sistemas de
A EPAMIG integra os Comitês de Ba- meio ambiente e pesquisa é de funda- IA - No que diz respeito às atividades
cias Hidrográficas e os Conselhos Mu- mental importância para que se atinja este agrossilvipastoris, sabe-se que a uti-
nicipais de Defesa do Meio Ambiente objetivo. lização de mapas de capacidade de
(Codemas). uso dos solos e/ou de aptidão agrí-
IA - Até que ponto a falta de uma política cola das terras é uma ferramenta
IA - Qual a estrutura da Semad? agrícola pode ser responsabilizada essencial na preservação ambiental.
pela degradação dos recursos natu- Assim, a que se pode atribuir a
Tilden Santiago – A Semad é composta
rais? inexistência desses mapas, em escala
pelos seguintes órgãos: Fundação Estadual
Tilden Santiago – Há um desprezo total compatível, para o direcionamento
do Meio Ambiente (Feam) – responsável
do governo brasileiro pela agricultura, tan- dessas atividades de forma mais
pela Agenda Marrom, que trata do moni-
toramento da poluição das indústrias, das to para a política agrícola, quanto para a sustentável?
minerações, das siderurgias etc. Instituto reforma agrária. Esta situação é decorrente Tilden Santiago – Os mapas são produtos
Estadual de Florestas (IEF) – responsável do modelo econômico que se adotou no de um estudo de caracterização ambiental

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.1-2, jan./fev. 2000


2 Agropecuária e Ambiente

e de indicação de usos compatíveis com Tilden Santiago – A pecuária bovina, energia e de irrigação; não utilização de
as características de cada região, levando- quando aplicada irracionalmente, com uso água contaminada para irrigação de hor-
se em consideração os fatores biofísicos e de queimadas e desmate para formação taliças e vegetais assemelhados. A orga-
sócio-econômicos. Este estudo é o que cha- de pastagem, o não uso de divisão de nização dos diversos usuários de recursos
mamos zoneamento ambiental, ou zonea- pastos e excesso de pastoreio, causa sérios hídricos em comitês de bacias hidrográficas
mento ecológico-econômico. A Semad está, prejuízos ao solo, com sua compactação e a adoção de programas de manejo inte-
a partir desta gestão, iniciando a elabora- e erosão. Além disso, também causa danos grado para essas mesmas bacias ou sub-
ção deste zoneamento. Estamos ainda num aos cursos d’água com seu assoreamento. bacias são providências fundamentais para
estádio de formação de um banco de da- A pecuária de pequenos animais (suínos e garantir a conservação do solo e da água,
dos. Entretanto, este zoneamento necessita aves), em escala comercial, ao lançar seus o que contribuirá decisivamente para tão
de um trabalho conjunto com outras insti- dejetos nos diversos cursos d’água, provo- desejável e necessária garantia da qua-
tuições de planejamento e pesquisa. ca poluição e torna a água inaproveitável. lidade e da quantidade de nossos recursos
hídricos. Os comitês e os programas de
IA - O baixo retorno econômico da pro- IA - A água tem sido extremamente po- manejo integrado de bacias hidrográficas
dução agrícola tem levado os produ- luída por atividades agropecuárias. têm por finalidade concentrar esforços dos
tores, principalmente os pequenos, Como evitar este processo? respectivos usuários de água, para que to-
a partirem para a industrialização de Tilden Santiago – A Semad está dando das as atividades dentro da bacia sejam
seus produtos, objetivando maior re- todo o suporte para o desenvolvimento dos desenvolvidas de forma sustentável e tra-
torno econômico de suas atividades. comitês de bacias hidrográficas. A crescen- balhadas integradamente. Somente com
Qual a implicação ambiental do fun- te poluição das águas por atividades agro- a participação e o comprometimento de
cionamento dessas agroindústrias? todos os usuários de água é que será pos-
pecuárias no Brasil é um fato que deveria
Tilden Santiago – O fato de criarem agro- preocupar e mobilizar a todos, para a sua sível evitar a degradação e o comprome-
indústrias não significa necessariamente superação. São muitos os prejuízos que timento dos recursos hídricos.
degradação ambiental. Em Conceição do podem advir de práticas agropecuárias
Mato Dentro, por exemplo, foi criada uma descompromissadas com a proteção e a IA - Como se encontra a questão da pre-
agroindústria de sucos, na qual o meio conservação dos recursos hídricos. E esses servação ambiental em Minas Gerais
ambiente é respeitado. Esta agroindústria prejuízos não dizem respeito apenas ao e quais as ações/estratégias da Se-
fomentou a agricultura familiar, a medicina meio ambiente. Mais cedo ou mais tarde cretaria de Meio Ambiente para o
alternativa e a educação ambiental. Outro eles atingirão em cheio a própria agro- ano 2000?
exemplo semelhante são as agrovilas ao pecuária, que poderá ficar inviabilizada
redor de Brasília. Eu mesmo vivi no Nordes- pela falta de água com qualidade e quan- Tilden Santiago – Segundo dados do Mi-
te brasileiro e em Israel experiências agrí- tidade requeridas por essa importante nistério do Meio Ambiente e secretarias
colas como os kibutzim, que são agroindús- atividade econômica e social. E há ainda estaduais, há um consenso de que Minas
trias não-agressoras. Contudo, existem os malefícios sobre a própria saúde huma- Gerais foi o que mais avançou na organi-
outros empreendimentos de produção em na, associados à deterioração da qualida- zação do aparelho de Estado que cuida
larga escala, de grandes grupos econô- de e à redução da quantidade da água do meio ambiente. Entre as principais pro-
micos, que não têm preocupação com a superficial e subterrânea, utilizadas para postas da Semad para o próximo ano,
educação ambiental, proteção dos solos e consumo humano. A solução dos proble- destacam-se: o esforço de trabalhar para
nascentes. Portanto, o que se conclui é que mas relacionados com a poluição das descentralização da gestão ambiental,
falta consciência em alguns casos e, para águas em áreas rurais passa sobretudo incentivo à criação e fortalecimento dos
estes, somente uma legislação orientadora pela conscientização da população envol- Codemas e das secretarias municipais, for-
e punitiva. vida e pela sua capacitação para a adoção talecimento dos escritórios regionais e lo-
de práticas adequadas de conservação cais do IEF. Criação e fortalecimento dos
IA - A compostagem de resíduos sólidos do solo e da água. Esta degradação pode comitês de bacias hidrográficas, muni-
urbanos (lixo) pode proporcionar al- ser evitada através da utilização racional e cipalização, dentro do possível, de instân-
guma contribuição para a mitigação responsável de fertilizantes e de agrotóxi- cias locais de planejamento e de licen-
de impactos ambientais em áreas cos; disposição adequada de dejetos; ma- ciamento ambiental. Intensificação da edu-
rurais? nutenção e/ou recomposição da cobertura cação ambiental no sentido de dar ênfase
Tilden Santiago – Quanto melhor organiza- vegetal sobretudo em áreas essenciais ao caráter preventivo e pedagógico do sis-
dos estiverem os municípios para a implan- como as de recarga de água subterrânea tema, sem abandonar as tarefas de mo-
tação de usinas de compostagem – adequa- (matas de topo e bosquetes transversais e nitoramento e vigilância dos agentes po-
das ao porte da região – mais benefícios a longitudinais) e aquelas situadas ao longo luentes. Na comemoração dos 500 anos
agricultura terá. O resultado desta compos- de corpos de água (matas ciliares); prote- de descobrimento do Brasil, será iniciada
tagem é um adubo limpo, ambientalmente ção de nascentes e veredas; utilização da campanha de plantio de pau-brasil, Projeto
saudável. A Semad está implementando terra respeitando a sua capacidade de uso Mudas Brasil, que vai estender-se por dois
um programa de apoio à organização des- e adotando práticas corretas de cultivo; con- anos. Implementar o Programa Lixo e Cida-
ses municípios na escolha das formas mais trole das enxurradas e das erosões; emba- dania no Estado, promovido pela Unicef.
adequadas de gestão do lixo. ciamento das águas pluviais de estradas; Implantar unidades de conservação esta-
limitação das captações de água à capa- duais (reservas naturais protegidas). In-
IA - Como as atividades pecuárias con- cidade dos respectivos mananciais e aqüí- tensificar o percentual de matas ciliares e
tribuem para a degradação dos feros; emprego de sistemas, manejos e de topo, para evitar assoreamentos e ero-
recursos naturais? tecnologias poupadoras de insumos, de sões.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.1-2, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 3

REVISTA BIMESTRAL
ISSN 0100-3364
INPI: 1231/0650500
Sustentabilidade - O desafio da
COMISSÃO EDITORIAL
Márcio Amaral
pesquisa
Marcos Reis Araújo
Marcelo Franco
Antônio M. S. Andrade Estimativas indicam que, atualmente, 40% da produção lí-
Luthero Rios Alvarenga
José Braz Façanha quida primária da biosfera, em termos de apropriação de recursos
Eustáquio da Abadia Amaral
Vânia Lúcia Alves Lacerda naturais e energia, segundo a Organização das Nações Unidas

EDITOR para Agricultura e Alimentação(FAO), já está comprometida


Vânia Lúcia Alves Lacerda para o consumo humano. A população cresce num ritmo acele-
COORDENAÇÃO TÉCNICA rado e a demanda por alimentos exerce forte pressão sobre os
Maria Inês Nogueira Alvarenga e Hugo Adelande Mesquita
recursos hídricos, causando conflitos entre agricultura, abaste-
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Marlene A. Ribeiro Gomide cimento urbano e geração de energia. Técnicos do comitê
AUTORIA DOS ARTIGOS Global Water Partnership (G.W.P.) estimam que para cada to-
Alessandro Vanini Amaral de Souza, Antônio Carlos da Silva Zanzini, nelada de grãos, são necessários, atualmente, 1.000 a 10.000m3
Antônio de Arruda Tsukamoto Filho, Carlos Eduardo Mazzetto Silva,
Carlos Ernesto Schaefer, Charles Aparecido Gonçalves Ferreira, Felipe de água.
Bello Simas, Helcio Andrade, Helena Maria Ramos Alves, Hugo
Adelande Mesquita, Ivan Pereira Leite, Jackson C. Ferreira Campos, As projeções apontam escassez de água para 20% da popula-
Jeferson Antônio de Souza, Jésus José de Oliveira, José Francisco do
ção mundial, dentro de 25 anos. Além de ser fonte de vida, os
Prado Filho, Júlio N. C. Louzada, Leopoldo Loreto Charmelo, Marcelo
Nivert Schilindwein, Márcia Ferreira Guerra, Marcos Affonso Ortiz recursos hídricos são imprescindíveis na geração de riqueza,
Gomes, Maria Inês Nogueira Alvarenga, Miralda Bueno de Paula,
Miriam Abreu Albuquerque, Nelson Venturin, Newton Moreno Sanches, sendo, portanto, um bem natural, ecológico, social e econômico,
Renato Luiz Grisi Macedo, Ricardo Silveira de Carvalho, Rodrigo De
Filippo, Rose Myrian Alves Ferreira e Tatiana Grossi Chquiloff Vieira daí a importância de compatibilizar o gerenciamento desse
recurso com o desenvolvimento e proteção do meio ambiente.
REVISÃO LINGÜÍSTICA E GRÁFICA
Marlene A. Ribeiro Gomide, Rosely A. R. Battista Pereira A agricultura intensiva tende a produzir ecossistemas homo-
NORMALIZAÇÃO gêneos e cada vez mais simplificados, sendo que estas mudanças
Fátima Rocha Gomes e Maria Lúcia de Melo Silveira no processo produtivo aumentam a produtividade, mas geram
PRODUÇÃO E ARTE distúrbios no agroecossistema.
Digitação: Maria Alice Vieira e Rosangela Maria Mota Ennes A questão ambiental, portanto, não é apenas um detalhe do
Formatação: Maria Alice Vieira e Rosangela Maria Mota Ennes
Capa: Lamounier Lucas Pereira Júnior sistema de produção, mas um imperativo dentro do conceito
Programação visual: Lamounier Lucas Pereira Júnior de desenvolvimento sustentável. A agricultura sustentável não
IMPRESSÃO
constitui um conjunto de práticas especiais, mas um objetivo,
que contemple, dentre outros, a conservação dos recursos natu-
rais e produtividade dos sistemas agropecuários.
PUBLICIDADE
Miguel Talini Marques Filho A atividade rural brasileira tem passado por profundas mo-
Assessoria de Marketing
Av. Amazonas, 115 - CEP 30180-902 - Belo Horizonte-MG dificações e não pode mais ser tomada como um conjunto de
Fone: (31) 273-3544 e 274-8194 - Fax: (31) 273-3884
atividades agropecuárias e/ou agroindustriais. O meio rural ga-
Copyright © - EPAMIG - 1977 nhou novas funções, podendo oferecer água, ar, turismo, lazer
É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios,
sem autorização escrita do editor. Todos os direitos são e bens de saúde. Ciente disto, a EPAMIG tem procurado orientar
reservados à EPAMIG.
sua pesquisa para monitorar os problemas relacionados com a
Informe Agropecuário. - v.3, n.25 - (jan. 1977) - .-
Belo Horizonte: EPAMIG, 1977 - . degradação ambiental, conservar os recursos genéticos, a
v.: il.
biodiversidade em áreas prioritárias e desenvolver tecnologias
Bimestral
Cont. de Informe Agropecuário: conjuntura e estatística. - ambientalmente adaptadas, que assegurem a lucratividade e
v.1, n.1 - (abr.1975).
a sustentabilidade do setor agropecuário e, conseqüentemente,
ISSN 0100-3364
o desenvolvimento social e econômico do país.
1. Agropecuária - Periódico. 2. Agricultura - Aspecto
Econômico - Periódico. I. EPAMIG.
CDD 630.5
ASSINATURAS: SETA/EPAMIG Márcio Amaral
Amazonas, 115 - 6o andar - Caixa Postal 515 - Fone: (031) 273-3544 Ramais 137/149
Fax: (031) 201-8867 - CEP 30180-902 Belo Horizonte, MG, Brasil Presidente da EPAMIG
CGC(MF) 17.138.140/0001-23 - Insc. Est.: 062.150146.0047

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, jan./fev. 2000


4
Nesta
Edição
As alterações ambientais provenientes da degradação dos ecossistemas, notadamente pelo uso excessivo das terras, além de
sua capacidade e/ou de sua aptidão agrícola, são cada vez mais evidentes. Nessa interface ficam os produtores como os
principais responsáveis. Entretanto, a sociedade precisa lembrar que é o setor agropecuário que proporciona maior número de
empregos, levando o desenvolvimento para várias regiões do país, e aliar-se a ele para cobrar dos dirigentes nacionais e
entidades internacionais, alternativas e medidas que realmente venham contribuir para o desenvolvimento agrícola do país.
A EPAMIG preocupada com os rumos do setor e consciente de sua importância social, conta com uma equipe multidisciplinar,
para avaliação das implicações ambientais de suas pesquisas. Promove também esclarecimentos técnicos sobre estas implicações
através de dias de campo, de cursos para extensionistas e de suas várias publicações, com ampla penetração nos meios
produtivos acadêmicos, de extensão e até científico. Esta edição, sobre o tema Agropecuária e Ambiente, visa o desenvolvimento
do setor agropecuário, em harmonia com o ambiente. Através da abordagem geral de como essas atividades afetam os
diferentes componentes do ambiente são apresentados esclarecimentos técnicos para mitigação dos impactos negativos e
maximização dos positivos, provenientes do setor.
A coordenação técnica

Sumário
Avaliação do impacto ambiental e a legislação brasileira
Rose Myrian Alves Ferreira ......................................................................................................................................................................... 5
Bases para a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA)
Maria Inês Nogueira Alvarenga e Jeferson Antônio de Souza ..................................................................................................................... 12
Elementos da paisagem e a gestão da qualidade ambiental
Carlos Ernesto Schaefer, Miriam Abreu Albuquerque, Leopoldo Loreto Charmelo, Jackson C. Ferreira Campos e Felipe Bello Simas .... 20
Impactos ambientais sobre os ecossistemas aquáticos
Rodrigo De Filippo ...................................................................................................................................................................................... 45
Educação ambiental
Márcia Ferreira Guerra ............................................................................................................................................................................... 54
Indicadores de impactos das atividades agropecuárias
Hugo Adelande Mesquita, Miralda Bueno de Paula e Maria Inês Nogueira Alvarenga ................................................................................. 57
Bioindicadores de qualidade e de impactos ambientais da atividade agropecuária
Júlio N. C. Louzada, Newton Moreno Sanches e Marcelo Nivert Schilindwein ............................................................................................ 72
Impacto da atividade agropecuária sobre a fauna silvestre
Antônio Carlos da Silva Zanzini e José Francisco do Prado Filho .............................................................................................................. 78
Criação comercial de animais silvestres: fonte alternativa de renda
Jésus José de Oliveira e Ivan Pereira Leite ................................................................................................................................................ 88
Princípios de agrossilvicultura como subsídio do manejo sustentável
Renato Luiz Grisi Macedo, Nelson Venturin e Antônio de Arruda Tsukamoto Filho .................................................................................... 93
Sistemas de informação geográfica na avaliação de impactos ambientais provenientes de atividades agropecuárias
Helena Maria Ramos Alves, Tatiana Grossi Chquiloff Vieira e Helcio Andrade .......................................................................................... 99
Diagnóstico Rápido Participativo (DRP) como mitigador de impactos sócio-econômicos em empreendimentos agropecuários
Marcos Affonso Ortiz Gomes, Alessandro Vanini Amaral de Souza e Ricardo Silveira de Carvalho .......................................................... 110
Sustentabilidade ambiental e gestão do uso da terra: uma abordagem voltada aos assentamentos de reforma agrária
Carlos Eduardo Mazzetto Silva ................................................................................................................................................................... 120
Recuperação de áreas degradadas
Charles Aparecido Gonçalves Ferreira ....................................................................................................................................................... 127

Informe Agropecuário Belo Horizonte v. 21 n.202 p.1-132 jan./fev. 2000

O Informe Agropecuário é indexado nas


Bases de Dados: CAB INTERNATIONAL e AGRIS.
Os nomes comerciais apresentados nesta revista são citados apenas para conveniência do leitor,
não havendo preferências, por parte da EPAMIG, por este ou aquele produto comercial. A citação de termos técnicos seguiu a
nomenclatura proposta pelos autores deInforme
cada Agropecuário,
artigo. Belo Horizonte, v.20, n.199, jul./ago. 1999
Agropecuária e Ambiente 5

Avaliação do impacto ambiental e a legislação brasileira


Rose Myrian Alves Ferreira1

Resumo - A agropecuária é uma atividade que interfere e/ou se utiliza dos recursos
naturais, podendo provocar impactos negativos ao meio ambiente, sendo portanto
considerada potencialmente degradadora e/ou poluidora do meio ambiente. Para
minimizar ou evitar os impactos negativos gerados ao meio ambiente, é importante
que o agropecuarista quebre barreiras existentes com relação à legislação ambiental,
avaliando os impactos negativos e positivos gerados pela atividade. Um dos
instrumentos que muito auxiliam neste processo é o licenciamento ambiental, devendo
o empreendedor fazer uma consulta, junto ao órgão estadual do meio ambiente,
sobre a necessidade de licenciamento ambiental da atividade a ser desenvolvida ou
até mesmo iniciada. Desse modo, os agropecuaristas poderão orientar-se como
proceder uma atividade produtiva e ambientalmente correta, estendendo por muitos
anos a vida útil das propriedades agrícolas.

Palavras-chave: Agropecuária; Impacto ambiental; Licenciamento ambiental; Le-


gislação; Orientação.

INTRODUÇÃO cionistas (Tauk-Tornisielo et al., 1995). nenhum tratamento, nos cursos d’água.
Num país onde extensas áreas são ocupa- As conseqüências de atos lesivos ao meio
A humanidade, através dos séculos,
das pela agropecuária, é fundamental cons- ambiente muitas vezes vêm sendo conside-
vem conquistando espaços, isto quase
sempre às custas de contínua e crescente cientizar os proprietários rurais, profissio- radas inevitáveis ou associadas à má-sorte,
pressão sobre os recursos naturais. Esta nais e empresários do setor, que a atividade quando, na realidade, podemos considerar
conquista, na maioria das vezes, visa benefí- agropecuária é considerada potencialmen- que é um uso inadequado dos recursos
cios imediatos, privilegiando o crescimento te degradadora e/ou poluidora do meio naturais.
econômico a qualquer custo e relegando, a ambiente, pois ela interfere e/ou se utiliza Essa discussão tem sido ampla , porém,
um segundo plano, a capacidade de recu- dos recursos naturais, quais sejam, solo, observamos que há uma lacuna entre a le-
peração dos ecossistemas (Tauk-Tornisielo água, vegetação natural , espécies da fauna gislação ambiental e a sua aplicação. Estes
et al., 1995). silvestre, peixes etc. instrumentos ainda são desconhecidos da
Desse modo, são relativamente co- A distância temporal entre a atividade maioria das pessoas, inclusive daquelas
muns, hoje, a contaminação das coleções agropecuária, que é uma prática milenar, e que atuam em atividades que se utilizam
d’água, a poluição atmosférica e a substi- a questão ambiental, despertada há poucas dos recursos naturais. Achar responsáveis
tuição indiscriminada da cobertura vegetal décadas, pode ser um dos fatores respon- por este desconhecimento não é tão sim-
nativa, com a conseqüente redução dos sáveis pela pouca, ou nenhuma, consciên- ples. Não é raro depararmos com congres-
habitats silvestres, entre outras, como for- cia das pessoas, quanto aos impactos ne- sos, seminários, simpósios, reuniões entre
mas de degradação do meio ambiente (Sil- gativos gerados ao meio ambiente. Estes especialistas de diversas áreas, objetivan-
va, 1988 e Silva, 1994, citados por Silva, impactos são ainda maiores, se considerar- do discutir temas sobre legislação ambien-
1998). mos que muitas destas atividades agro- tal e outros instrumentos legais.
Estabelecida esta situação, surgiu, a pecuárias são realizadas sem a adoção de A atividade agropecuária não está excluí-
partir da década de 60, a preocupação das práticas conservacionistas e sem tratamen- da deste quadro de desconhecimento/des-
nações em procurar um ponto de equilíbrio to dos resíduos gerados, como por exem- cumprimento das exigências legais relativas
entre o desenvolvimento e as práticas am- plo, na pecuária leiteira, em que o material à questão ambiental. Isto é preocupante,
bientais conservacionistas e preserva- de lavagem de estábulos é lançado, sem pois ela é considerada uma atividade eco-

1
Enga Agra, M.S., IBAMA, Rua Bernardino Macieira 220, CEP 37200-000 Lavras-MG. E-mail: ibama@lavras.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.5-11, jan./fev. 2000


6 Agropecuária e Ambiente

nomicamente básica, ocupando áreas geo- b) degradação da qualidade ambiental: efeitos da ação humana sobre o meio am-
graficamente extensas. alteração adversa das características biente, isto é, não considera os efeitos ori-
Os impactos positivos da atividade agro- do meio ambiente. undos de fenômenos naturais, e ainda dá
pecuária, como geração de empregos, ofer- ênfase principalmente aos efeitos destes
c) poluição: a degradação da qualidade
ta de alimentos, produtos essenciais à vi- impactos no homem, demonstrando uma
ambiental de atividade que direta ou
da humana, fixação do homem no campo conotação antropocêntrica dessa defini-
indiretamente pode:
ou em pequenos centros, são evidentes, ção.
amplamente reconhecidos e de grande im- - prejudicar a saúde, a segurança e o A Avaliação de Impacto Ambiental
portância. Mas, de certa forma a sociedade bem-estar da população; (AIA) é um instrumento da Política Nacio-
tem sido complacente com os danos am- - criar condições adversas às ati- nal do Meio Ambiente (PNMA), de grande
bientais provocados pelas atividades agro- vidades sociais e econômicas; importância para gestão institucional de
pecuárias, em favor dos benefícios gerados planos, programas e projetos, em nível fe-
- afetar desfavoravelmente a biota; deral, estadual e municipal, permitindo à
pelo setor. No entanto, é irracional e injus-
tificável que, para produzirmos o alimento - afetar as condições estéticas ou sociedade e ao Estado dimensionarem as
de hoje, comprometamos os recursos natu- sanitárias do meio ambiente; ações de desenvolvimento e propostas, an-
rais de amanhã. tes que estas venham a ocorrer, levando
- lançar matérias ou energia em de-
Assim, a legislação e outros instru- em consideração as questões ambientais e
sacordo com os padrões ambien-
mentos legais relativos ao meio ambiente sócio-econômicas. Desse modo, na avalia-
tais estabelecidos.
devem ser de amplo conhecimento e em ção não se deve considerar apenas o lado
uma linguagem de melhor compreensão, d) poluidor: a pessoa física ou jurídica, técnico/ambiental, mas a opinião de diver-
pois através da disseminação e interna- de direito público ou privado, res- sos grupos sociais, que de forma direta ou
lização dessas informações, por meio da ponsável direta ou indiretamente por indireta estão envolvidos no processo. Na
educação e extensão ambiental, poderemos atividades causadoras de degrada- avaliação, incluem-se as fases de Estudos
evoluir, no sentido de realizar uma atividade ção ambiental; de Impacto Ambiental (EIA), Relatório de
Impactos Ambientais (RIMA), audiência
agropecuária sustentável que leve, conse- e) recursos ambientais: a atmosfera, as
pública e decisão do órgão de meio ambien-
qüentemente, a um meio ambiente mais águas interiores, superficiais e sub-
te, destinados a fazerem um exame siste-
equilibrado. terrâneas, os estuários, o mar terri-
mático das conseqüências ambientais das
Este trabalho tem como proposta, des- torial, o solo, o subsolo e os elemen-
ações propostas (projetos, planos, progra-
pertar nos proprietários rurais e profissio- tos da biosfera, a fauna e a flora.
ma e políticas).
nais que atuam na atividade agropecuária,
O impacto ambiental é definido pela Re-
a importância de quebrar as barreiras exis-
solução do Conselho Nacional do Meio HISTÓRICO
tentes com relação à legislação ambiental e
Ambiente (Conama) 001/86 (Conama, 1992),
seus instrumentos, de forma que venham a Desde os primórdios da história das
como qualquer alteração das propriedades
conhecê-los e usá-los em benefício de uma civilizações, o homem buscou reconhecer
físicas, químicas e biológicas do meio am-
agropecuária produtiva e com os impactos e experimentar o ambiente em que vive, po-
biente, causada por qualquer forma de ma-
ambientais negativos minimizados ou até rém, a institucionalização da AIA é recente.
téria ou energia resultante das atividades
mesmo evitados. Diversos países, incluindo o Brasil, nor-
humanas que direta ou indiretamente afe-
tearam-se em experiências americanas para
tam:
AVALIAÇÃO DO IMPACTO institucionalizar a AIA.
AMBIENTAL a) a saúde, a segurança e o bem-estar Com a aprovação nos Estados Unidos,
da população; em 1969, do National Environmental Policy
Antes de iniciarmos o tema é importante
b) as atividades sociais e econômicas; Act of 1969 (Nepa), que corresponderia no
que tenhamos conhecimento de alguns
Brasil ao PNMA, instituiu-se a AIA in-
termos definidos pela Lei 6.938/81, art. 3o c) a biota; terdisciplinar para projetos, planos e pro-
(Pinto, 1996):
d) as condições estéticas e sanitárias gramas e para propostas legislativas de
a) meio ambiente: o conjunto de con- do meio ambiente; intervenção no meio ambiente. O documen-
dições, leis, influências e interações to que apresenta o resultado dos estudos
e) a qualidade dos recursos ambientais.
de ordem física e biológica, que per- produzidos pela AIA recebeu o nome de
mite, abriga e rege a vida em todas É importante ressaltar que o conceito Environmental Impact Statement (EIS), isto
as suas formas. de impacto ambiental abrange apenas os é, Declaração de Impacto Ambiental. Este
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.5-11, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 7

documento mostrou ser um instrumento efi- siderando o meio ambiente como biente é passada a todos os cidadãos e
ciente, principalmente no que se refere à um patrimônio público a ser ne- não somente aos órgãos governamentais,
participação da sociedade civil nas toma- cessariamente assegurado e pro- que têm a incumbência primordial de asse-
das de decisão pelos órgãos ambientais, tegido, tendo em vista o uso cole- gurar este direito referido.
via audiências públicas (Avaliação...,1995). tivo; A obrigação de avaliar o impacto am-
O processo de institucionalização da biental foi reforçada com a promulgação
II - racionalização do uso do solo, do
AIA, como instrumento de gestão ambien- da Constituição Federal, em 1988, através
subsolo, da água e do ar;
tal, foi liderado por empresas, centros de do seu art. 225, item IV, em que exige, na
pesquisas e universidades de países de- III - planejamento e fiscalização do forma da lei, o estudo prévio de impacto
senvolvidos, a partir da realização da Con- uso dos recursos ambientais; ambiental para instalação de obra ou ati-
ferência das Nações Unidas para o Meio IV - proteção dos ecossistemas, com vidade potencialmente causadora de signi-
Ambiente, em 1972, em Estocolmo, Suécia. a preservação de áreas represen- ficativa degradação do meio ambiente, e
Nessa conferência foi recomendada aos tativas; que ainda seja dada a publicidade do mes-
países, de modo geral, a inclusão da AIA mo, isto quer dizer que este estudo deve
V - controle e zoneamento das ativi-
no processo de planejamento e decisão de ser divulgado à comunidade, permitindo
dades potencial ou efetivamente que ela possa participar, avaliando e opi-
planos, programas e projetos de desen-
poluidoras; nando nas decisões (Oliveira, 1992).
volvimento. Isto propiciou o surgimento
de uma ampla literatura especializada sobre VI - incentivos ao estudo e à pesquisa O art. 225 ainda determina que aquele
AIA e EIA/RIMA, alterando políticas de de tecnologias orientadas para o que explorar recursos minerais fica obriga-
desenvolvimento e intervenções econô- uso racional e a proteção dos re- do a recuperar o meio ambiente degradado,
micas, antes orientadas por parâmetros cursos ambientais; de acordo com solução técnica exigida pelo
exclusivamente econômicos - financeiros órgão público competente, na forma da lei.
VII - acompanhamento do estado da
(Avaliação..., 1995) e porque não dizer, O proprietário rural tem que estar ciente
qualidade ambiental;
imediatistas. desta obrigação, pois quando ceder uma
No Brasil, a AIA foi adotada, princi- VIII - recuperação de áreas degrada- área em sua propriedade para extração mi-
palmente, por exigências de organismos de das; neral, deverá prever em contrato, dentre
financiamento como o Banco Mundial outras cláusulas, a reparação do dano am-
IX - proteção de áreas ameaçadas de
(BIRD) e o Banco Interamericano de De- biental pelo empreendedor (empresa mine-
degradação;
senvolvimento (BID). Essas exigências radora) e acompanhar se está sendo cum-
X - educação ambiental a todos os ní- prido o previsto em contrato e na legislação
ocorreram tanto em função das repercus-
veis de ensino, inclusive a educa- ambiental vigente. Caso contrário ele po-
sões internacionais dos impactos ambien-
ção da comunidade, objetivando derá ser considerado co-responsável pelo
tais negativos causados pelos grandes pro-
capacitá-la para participação ati- dano ambiental ocorrido em sua proprie-
jetos de desenvolvimento implantados na
va na defesa do meio ambiente”. dade, segundo a Lei de Crimes Ambientais
década de 70, como dos desdobramentos
de no 9.605/98 (Lei..., 1998).
da Conferência de Estocolmo, em 1972, Constituição Federal Para que se possa atingir os objetivos
conforme já mencionado anteriormente. Brasileira na história da citados, a Constituição Federal estabelece,
A AIA foi instituída como instrumento proteção ambiental quanto à questão ambiental, a competência
legal no Brasil, através da Lei 6.938/81, que
A Constituição Federal de 1988 veio comum da União, Estados e do município
dispõe sobre a PNMA e seus instrumentos
contribuir sobremaneira à proteção am- em “ proteger o meio ambiente e comba-
(Pinto, 1996). “Esta política tem por objetivo
biental, dedicando o Capítulo VI ao meio ter a poluição em qualquer de suas formas
preservar, melhorar e recuperar a qualidade
ambiente, o qual estabelece no seu artigo e preservar a floresta, a fauna e a flora”
ambiental propícia à vida, visando assegu-
225, que “Todos têm direito ao meio am- (art. 23, VI e VII ). Já a competência de le-
rar, no país, condições ao desenvolvimento
biente ecologicamente equilibrado, bem gislar é concorrente da União, Estados e
sócio-econômico, aos interesses da segu-
de uso comum do povo e essencial à sadia Distrito Federal (art. 24, 1o), cabendo à União
rança nacional e à proteção da dignidade
qualidade de vida, impondo-se ao Poder tão-somente estabelecer normas gerais, o
da vida humana, atendidos os seguintes
Público e à coletividade o dever de defendê- que não exclui a competência suplementar
princípios:
lo e preservá-lo para as presentes e futuras dos Estados para atender peculiaridades
I - ação governamental na manuten- gerações...” (Oliveira, 1992). Neste artigo, (art. 24, 2o). No caso de inexistência de
ção do equilíbrio ecológico, con- a responsabilidade de cuidar do meio am- normas gerais, os Estados exercerão a com-
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.5-11, jan./fev. 2000
8 Agropecuária e Ambiente

petência plena, para atender suas pecu- Órgãos Colegiados ambiental do Estado. Sua estrutura, com
liaridades (art. 24, 3o). Se houver uma lei Conselho Nacional do Meio Ambi- base em um sistema colegiado, composto
federal superveniente (art. 24, 4o), sob for- ente (Conama) por representantes do governo e da socie-
ma de normas gerais, a eficácia da lei esta- dade civil, consagrou a fórmula do geren-
Conselho Nacional da Amazônia Le-
dual é suspensa, no que colidir com a pri- ciamento participativo do Conama (Feam,
gal (Conamaz)
meira. 1998).
Conselho Nacional de Recursos Hí-
Para assegurar a proteção ao meio am- A evolução do processo de institu-
dricos
biente, estabelecida pela Constituição Fe- cionalização da política ambiental no estado
deral, a Lei no 6.938/81(alterada pela Lei Comitê do Fundo Nacional do Meio de Minas Gerais levou, em 1995, à criação
no 7.804/89 e regulamentada pelo Decreto Ambiente da Secretaria de Estado de Meio Ambiente
99.274/90) e a Lei de Crimes Ambientais Entidades Vinculadas e Desenvolvimento Sustentável (Semad),
(Lei..., 1998) regulamentada pelo Decreto tendo como entidades vinculadas: o Insti-
Instituto Brasileiro do Meio Am-
3.179/99 têm sido instrumentos legais muito tuto Estadual de Florestas (IEF), a Funda-
biente e dos Recursos Naturais Re-
importantes (Brasil, 1999). ção Estadual do Meio Ambiente (Feam),
nováveis (Ibama)
Instituto Mineiro de Gestão das Águas
Companhia de Desenvolvimento de
SISTEMA NACIONAL DO MEIO (Igam), cada um com suas funções específi-
Barcarena (Codebar)
AMBIENTE (SISNAMA) cas, trabalhando com legislações estaduais
e, no caso de ausência destas, com as fede-
Para a execução da PNMA, a Lei 6.938/81, Entidades seccionais
rais. Como exemplo de legislação estadual,
regulamentada pelo Decreto 99.274/90, es- Órgãos ou entidades da Administra-
em Minas Gerais, temos a Lei Florestal no
tabeleceu o Sisnama, constituído por ór- ção Pública Federal direta e indireta, as
10.561/91 que trata da proteção às florestas
gãos e entidades da União, dos Estados, fundações instituídas pelo poder público,
e demais formações vegetais (Minas Gerais,
do Distrito Federal, dos territórios e dos cujas atividades estejam associadas as de
1995); a Lei no12.265/96 que dispõe sobre a
municípios, bem como das fundações insti- proteção da qualidade ambiental ou aque-
política de proteção à fauna aquática e de
tuídas pelo poder público, responsáveis las de disciplinamento do uso de recursos
desenvolvimento da pesca e da aqüicultura
pela proteção e melhoria da qualidade am- ambientais, bem como os órgãos e entida-
no Estado e outros instrumentos legais que
biental. A competência de cada órgão ou des estaduais responsáveis pela execução
auxiliam na proteção do meio ambiente
entidade que compõe o Sisnama está esta- de programas e projetos e pelo controle e
(Minas Gerais, 1996).
belecida em legislação própria. Com o pas- fiscalização de atividades capazes de pro-
sar dos anos algumas alterações foram vocar a degradação ambiental. Neste gru-
LICENCIAMENTO AMBIENTAL
realizadas. Atualmente, o Sisnama tem a po de entidades estão incluídas as Orga-
seguinte estrutura (alterações recentes fei- nizações Estaduais do Meio Ambiente O licenciamento ambiental, um dos
tas pela Medida Provisória no 1.795/99 e (OEMAs), como as Secretarias Estaduais instrumentos da PNMA, é o “procedimento
Decreto 2.923/99) (História..., 1999): do Meio Ambiente e órgãos a elas vincu- administrativo pelo qual o órgão ambiental
lados. competente, licencia a localização, instala-
Órgão Superior (Conselho do Governo); ção, ampliação, e a operação de empreen-
Órgãos locais dimentos e atividades utilizadoras de re-
Órgão Central - Ministério do Meio
Órgãos ou entidades municipais res- cursos ambientais, consideradas efetiva ou
Ambiente (MMA);
ponsáveis pelo controle e fiscalização das potencialmente poluidoras ou daquelas
Órgãos Específicos Singulares atividades previstas como de execução da que, sob qualquer forma, possam causar
Secretaria de Qualidade Ambiental PNMA, nas suas respectivas jurisdições. degradação ambiental, considerando as dis-
nos Assentamentos Humanos Neste nível estão incluídos as Secretarias posições legais e regulamentares e as nor-
Secretaria de Biodiversidade e Flo- e os Conselhos Municipais de Meio Am- mas técnicas aplicáveis ao caso” (Conama,
biente. 1997).
restas
Dentro do que institui a Lei no 6.938/81 A competência do licenciamento, es-
Secretaria de Recursos Hídricos
e a Constituição Federal, os Estados vêm tabelecida pela Lei no 6.938/81, alterada pela
(SRH)
estabelecendo sua política ambiental. Em Lei no 7.804/89, regulamentada pelo De-
Secretaria de Coordenação da Ama- Minas Gerais, o Conselho Estadual de creto no 99.274/90 e pela Resolução Conama
zônia Política Ambiental (Copam) exerce o papel no 237/97, é do órgão estadual, integrante
Instituto de Pesquisas do Jardim Bo- de órgão colegiado do sistema ambiental, do Sisnama, e do Ibama em caráter suple-
tânico do Rio de Janeiro responsável pela formulação da política tivo, sem prejuízo de outras licenças exigí-
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.5-11, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 9

veis. No caso de atividade e obras com rios básicos e as diretrizes gerais para o condicionantes a serem atendidos
significativo impacto ambiental, de âmbito uso, a implementação da AIA, como um nas próximas fases de sua implemen-
nacional e regional a competência do li- dos instrumentos da PNMA, necessários tação;
cenciamento é do Ibama. A definição de ao licenciamento ambiental, são estabele-
b) licença de instalação (LI): autoriza
impacto ambiental regional é dada pela Re- cidas pela Resolução Conama no 001/86,
a instalação do empreendimento ou
solução Conama no 237/97 (Conama, 1997), 011/86, 009/90 e 010/90 e 237/97 (Conama,
atividade de acordo com as espe-
como “...todo e qualquer impacto que afete 1992, 1997). Aqui, é importante lembrar
cificações constantes dos planos,
diretamente (área de influência direta do que, além de termos noções sobre procedi-
programas e projetos aprovados,
projeto), no todo ou em parte, o território mentos em nível federal, temos que saber
incluindo as medidas de controle
de dois ou mais Estados”. Conforme o arti- quais são as exigências legais dentro do
ambiental e demais condicionantes,
go 4o desta Resolução, compete ao Ibama, Estado e município em que estamos ou que
da qual constituem motivo deter-
órgão executor do Sisnama, o licenciamento vamos trabalhar.
minante;
ambiental de empreendimentos e atividades Em Minas Gerais, o licenciamento é
com significativo impacto ambiental de exercido pelo Copam, por intermédio das c) licença de operação (LO): autoriza
âmbito nacional ou regional, quais sejam: Câmaras Especializadas, subsidiadas tecni- a operação da atividade ou empreen-
camente pela Feam, no tocante às ativida- dimento, após a verificação do efeti-
a) localizadas ou desenvolvidas con-
des industriais, minerárias e de infra-estru- vo cumprimento do que consta das
juntamente no Brasil e em país limí-
tura e o IEF, no tocante às atividades agrí- licenças anteriores, com as medidas
trofe; no mar territorial; na plataforma
colas, pecuárias e florestais. de controle ambiental e condicio-
continental; na zona econômica ex- nantes determinados para a opera-
Em nível federal, a obrigatoriedade de
clusiva; em terras indígenas ou em ção.
licenciamento ambiental das atividades
unidades de conservação do domínio
agropecuárias não estava bem definida. Re- O procedimento de licenciamento am-
da União;
centemente, com a Resolução Conama no biental obedecerá às seguintes etapas:
b) localizadas ou desenvolvidas em 237/97, as atividades como: projeto agríco-
dois ou mais Estados; a) definição pelo órgão ambiental com-
la; criação de animais e projetos de assen-
petente, com a participação do empre-
c) cujos impactos ambientais diretos ul- tamentos e de colonização, foram incluídas
endedor, dos documentos, projetos
trapassem os limites territoriais do nas atividades/empreendimentos sujeitas
e estudos ambientais, necessários ao
país ou de um ou mais Estados; ao licenciamento ambiental (Conama, 1997).
início do processo de licenciamento
Outras atividades como aqüicultura
d) destinados a pesquisar, lavrar, pro- correspondente à licença a ser reque-
(piscicultura, ranicultura etc.), criadouros
duzir, beneficiar, transportar, arma- rida;
da fauna silvestre com finalidade econô-
zenar e dispor material radioativo, em b) requerimento da licença ambiental
mica, que têm sido considerados como
qualquer estádio, ou que utilizem pelo empreendedor, acompanhado
fontes alternativas do meio rural, silvicul-
energia nuclear em qualquer de suas dos documentos, projetos e estudos
tura, introdução de espécies exóticas e/ou
formas e aplicações, mediante pare- ambientais pertinentes, dando-se a
geneticamente modificadas (por exemplo,
cer da Comissão Nacional de Energia devida publicidade;
plantas transgênicas) etc., estão também
Nuclear (CNEN);
incluídas, na Resolução Conama no 237/97, c) análise pelo órgão ambiental com-
e) bases ou empreendimentos militares, como atividades que estão sujeitas ao licen- petente, integrante do Sisnama, dos
quando couber, observada a legisla- ciamento ambiental, porém no grupo “uso documentos, projetos e estudos am-
ção específica. de recursos naturais” bientais apresentados e a realização
O processo de licenciamento ambiental de vistorias técnicas, quando neces-
O Ibama fará o licenciamento nos casos
está caracterizado através de três fases (Re- sárias;
acima mencionados, após considerar o exa-
solução Conama no 237/97), quais sejam:
me técnico procedido pelos órgãos ambien- d) solicitação de esclarecimentos e
tais dos Estados e municípios em que se a) licença prévia (LP): concedida na complementações pelo órgão am-
localizar a atividade ou empreendimento, fase preliminar do planejamento do biental competente, integrante do
bem como, quando couber, o parecer dos empreendimento ou atividade, apro- Sisnama, uma única vez, em decor-
demais órgãos envolvidos no procedimen- vando sua localização e concepção, rência da análise dos documentos,
to de licenciamento. a qual atesta a viabilidade ambiental projetos e estudos ambientais apre-
As definições, responsabilidades, crité- e estabelece os requisitos básicos e sentados, quando couber, podendo
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.5-11, jan./fev. 2000
10 Agropecuária e Ambiente

haver a reiteração da mesma soli- mentares e inter-relacionados, dentre eles 237/97 (Conama, 1997), reforça a exigência
citação caso os esclarecimentos e o licenciamento ambiental, que foi discutido de elaboração do EIA/RIMA, para empre-
complementações não tenham sido anteriormente. A seguir estão relacionados endimentos e atividades consideradas efe-
satisfatórios; alguns documentos técnicos necessários tivas ou potencialmente causadoras de
ao licenciamento ambiental. significativa degradação do meio ambiente,
e) audiência pública, quando couber,
ao qual dar-se-á publicidade, garantida a
de acordo com a regulamentação
Estudo do Impacto Ambiental realização de audiências públicas, quando
pertinente;
(EIA) e seu respectivo couber, de acordo com a regulamentação.
f) solicitação de esclarecimentos e Relatório de Impacto O EIA/RIMA poderá ser dispensado e
complementações pelo órgão am- Ambiental (RIMA) substituído por outro estudo, a critério do
biental competente, decorrentes de O EIA foi introduzido no sistema nor- órgão ambiental competente, caso verifique
audiências públicas, quando cou- mativo brasileiro em 1980, e tornou obriga- que a atividade ou empreendimento não é
ber, podendo haver reiteração da tória a apresentação de “estudos especiais potencialmente causador de significativa
solicitação, quando os esclarecimen- de alternativa de avaliações de impacto” degradação do meio ambiente.
tos e complementações não tenham para a localização de pólos petroquímicos, O EIA/RIMA deverá ser realizado por
sido satisfatórias; cloroquímicos, carboquímicos, e instala- profissionais legalmente habilitados, às
ções nucleares. expensas do empreendedor. A respon-
g) emissão de parecer técnico conclu-
Posteriormente, a Resolução Conama sabilidade pelas informações apresentadas
sivo e, quando couber, parecer jurí-
001/86 estabeleceu a exigência de ela- no EIA será de responsabilidade do em-
dico;
boração do EIA e do seu respectivo RIMA preendedor e dos profissionais que o subs-
h) deferimento ou indeferimento do creveram (Conama, 1997).
para o licenciamento de diversas atividades
pedido de licença, dando-se a devi-
modificadoras do meio ambiente, bem como
da publicidade. Plano de Controle Ambiental
as diretrizes e atividades técnicas para sua
(PCA) e Relatório de
No procedimento de licenciamento execução (Conama, 1992). Dentre o tema
Controle Ambiental (RCA)
ambiental deverá constar, obrigatoria- que estamos discutindo, destacamos a ne-
mente, a certidão da prefeitura municipal, cessidade de elaboração do EIA/RIMA, O PCA e RCA são exigidos para a con-
declarando que o local e o tipo de empreen- cessão de licença de instalação de atividade
conforme a Resolução acima, no seu artigo
dimento ou atividade estão em conformi- de extração mineral, sendo adicionais ao
2o, incisos VII e XVII, para:
dade com a legislação aplicável ao uso e EIA/RIMA apresentado na fase anterior,
a) obras hidráulicas para exploração de ou seja, licença prévia.
ocupação do solo e, quando for o caso, a
recursos hídricos, tais como: bar- Alguns órgãos estaduais de meio am-
autorização para supressão de vegetação
ragens para fins hidrelétricos, acima biente têm exigido estes estudos para o
e a outorga para o uso da água, emitidas
de 10 MW, de saneamento ou de licenciamento de outras atividades, ou até
pelos órgãos competentes, isto é, IEF ou
irrigação, abertura de canais de nave- mesmo como substitutivo do EIA/RIMA,
Ibama e Igam, respectivamente.
gação, drenagem e irrigação, retifica- quando o órgão ambiental competente ve-
O prazo máximo de análise para cada
ção de cursos d’água, abertura de rifica, no processo de licenciamento, que a
modalidade de licença (LP, LI e LO) é de
barras e embocaduras, transposição atividade e/ou empreendimento não são
seis meses a contar do protocolo do reque-
de bacias, diques; potencialmente causadores de significativa
rimento até seu deferimento ou indeferi-
degradação do meio ambiente, conforme
mento, ressalvados os casos em que hou- b) projetos agropecuários que contem-
mencionado anteriormente.
ver EIA/RIMA e/ou audiência pública, plem áreas acima de 1.000 hectares
quando o prazo será de até 12 meses. A ou menores, nesse caso, quando se Plano de Recuperação de
contagem dos prazos será suspensa duran- tratar de áreas significativas em ter- Área Degradada (PRAD)
te a elaboração dos estudos ambientais mos percentuais ou de importância
O PRAD tem sido utilizado para a re-
complementares ou preparação de esclare- do ponto de vista ambiental, inclu-
composição de áreas degradadas pela
cimentos pelo empreendedor. sive nas áreas de proteção ambiental.
atividade de mineração e até mesmo em
A Constituição Federal fixou, através outras atividades, nas quais a degradação
IMPLEMENTAÇÃO DA
do seu artigo 225, inciso IV, a obriga- do meio ambiente ocorrida é considerada
AVALIAÇÃO DO IMPACTO
toriedade da exigência do EIA, pelo poder pouco significativa. As diretrizes de elabo-
AMBIENTAL
público, conforme já mencionado ante- ração do PRAD no caso de atividades mi-
Para a implementação da AIA está pre- riormente. nerárias são fixadas pela NBR 13030, da
vista uma série de instrumentos comple- Recentemente, a Resolução Conama Associação Brasileira de Normas Técnicas
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.5-11, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 11

(ABNT) e outras pertinentes. No caso de a) respeitar a área de preservação, como REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
outras atividades, a associação não possui de proteção de nascentes, margens AGUIAR, R. A. R. de. Direito do meio ambi-
diretrizes. de cursos d’água, topo de morros ente e participação popular. Brasília:
etc.; IBAMA, 1994. 110 p.
CONSIDERAÇÕES FINAIS AVALIAÇÃO de impacto ambiental: agentes
b) manejar adequadamente os agrotó-
sociais, procedimentos e ferramentas. Bra-
De modo geral, a preocupação e a res- xicos, inclusive os restos de embala- sília: IBAMA,1995. 132 p.
ponsabilidade com respeito à questão gem, evitando a contaminação dos
BRASIL. Decreto no 3.179, de 22 set. 1999.
ambiental não são exclusivas do poder corpos d’água; Dispõe sobre a especificação das sanções
público. Neste contexto, independente de aplicáveis às condutas e atividades lesivas
c) adotar práticas de conservação de
questões legais, há de se considerar que o ao meio ambiente e dá outras providências.
solos, evitando a erosão, desbarran-
direito de propriedade de uma área, não Diário Oficial [da República Federativa
camento e o conseqüente assorea- do Brasil], Brasília, n.182, p.1-5, 22 set.
significa direito de uso dos recursos na-
mento (entupimento) dos cursos 1999. Seção 1.
turais, sem nenhum compromisso com o
d’água; CONAMA (Brasília, DF). Resoluções do
outro ou com o amanhã. A visão indivi-
dualista e acomodada de algumas pessoas d) inibir a pesca predatória e a caça ile- Conama 1984/91. 4.ed.rev.aum. Brasília:
IBAMA, 1992. 245p.
pode e deve ser mudada. Estamos num mo- gal em sua propriedade;
mento de refletir se vamos produzir ali- CONAMA. Resolução no 237, de 19 dez. 1997.
e) tratar dos resíduos gerados pela ati- Diário Oficial [da República Federativa
mento preservando/cuidando dos recursos
vidade agropecuária, como os da do Brasil], Brasília, 22 dez. 1997.
naturais, ou apenas explorando estes re-
suinocultura, avicultura, lavagem de FEAM - Fundação Estadual do Meio Ambien-
cursos.
currais etc. te. Belo Horizonte, 1998. 19p.
A preocupação do agropecuarista em
HISTÓRIA do Ministério do Meio Ambien-
desenvolver uma agricultura e pecuária de O agropecuarista que desenvolve suas
te. Disponível site MMA (1999). URL:
forma produtiva e ambientalmente adequa- atividades dentro do conceito de desen- http://www.mma.gov.br Consultado em 25
da é o ponto básico para se estender, por volvimento sustentável, isto é, produção mar. 1999.
muitos anos, a vida útil das propriedades associada ao respeito e à proteção do meio LEI da natureza: a lei de crimes ambientais.
agrícolas, e pensar em deixar algo produtivo ambiental, além de estar conservando os Brasília: IBAMA, 1998. 62p.
para as gerações futuras. recursos naturais de sua propriedade está, MINAS GERAIS. Lei Florestal: Lei 10561 de
Pelo fato de a atividade agropecuária de forma indireta, realizando um trabalho 27 dez. 1991. Belo Horizonte: IEF, 1995.
ser potencialmente poluidora e/ou degra- de educação e extensão ambiental eficiente, 26p.
dadora do meio ambiente, o produtor rural pois é através de atitudes ambientalmente MINAS GERAIS. Lei no 12.265, de 24 jul. 1996.
e os profissionais da área devem estar cien- corretas é que conseguiremos um meio Dispõe sobre a política de proteção à fauna
tes da necessidade de buscar orientações, ambiente equilibrado. aquática e de desenvolvimento da pesca e
da aqüicultura no Estado e dá outras provi-
quanto às possíveis maneiras de se reduzir Tudo isso só será possível, se desen-
dências. Minas Gerais, Belo Horizonte,
ou até mesmo eliminar os danos ao meio volvermos um esforço conjunto da mídia, p.4-6, 25 jul. 1996. pt. 1: Diário do Execu-
ambiente provocados pela agropecuária. escolas, universidades, Organizações Não- tivo.
Para isto, é importante que o empre- Governamentais (Ongs), empresas públicas OLIVEIRA, J. de. Constituição da Repúbli-
endedor faça uma consulta prévia junto ao e privadas, no sentido de buscar uma cons- ca Federativa do Brasil: 1988. São Paulo:
órgão estadual do meio ambiente, sobre a ciência de desenvolvimento de vida com Saraiva, 1992. 168p.
necessidade, ou não, do licenciamento am- qualidade, isto é, socialmente correta e am- PINTO, W. de D. Legislação federal de meio
biental para a atividade a ser exercida ou bientalmente equilibrada, não deixando ambiente. Brasília: IBAMA, 1996. 2081p.
mesmo uma atividade já existente. apenas para as futuras gerações esta res- SILVA, E. Curso de gestão de recursos
Outra visão a ser desenvolvida pelos ponsabilidade. hídricos para o desenvolvimento susten-
agropecuaristas é o seu fundamental papel tado de projetos hidroagrícolas: avalia-
como um dos contribuintes, para assegurar ção do impacto ambiental de projetos
AGRADECIMENTO hidroagrícolas. Brasília: ABEAS/Viçosa:
o direito a todos de habitar em um meio am-
UFV, 1998. 88p.
biente ecologicamente equilibrado, não Agradeço e dedico este trabalho ao pro-
TAUK-TORNISIELO, S.M.; GOBBI, N.;
isentando a responsabilidade dos outros fessor Gilmar Tavares, do Departamento de
FORESTI, C.; LIMA, S.T. Análise ambi-
setores. Esta forma de contribuição pode Engenharia da Ufla, por ter-me mostrado ental: estratégias e ações. São Paulo: T.A.
ser feita no cotidiano, assim como por que a capacidade do homem vai além do Queiroz/Fundação Salim Farah Maluf,
exemplo: que podemos imaginar... 1995. p.9-12.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.5-11, jan./fev. 2000


12 Agropecuária e Ambiente

Bases para a Elaboração do Estudo de


Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto
ao Meio Ambiente (RIMA)
Maria Inês Nogueira Alvarenga 1
Jeferson Antônio de Souza2

Resumo - Apresenta-se de uma forma simplificada o Estudo de Impacto Ambiental


(EIA) / Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA) e como devem ser elaborados,
de acordo com a legislação ambiental vigente.

Palavras-chave: Avaliação de impactos; Impacto ambiental; Legislação ambiental.

INTRODUÇÃO (AIA) é poder escolher entre várias alter- benéficas que o empreendimento fará ao
o nativas, inclusive a de não executar o pro- ambiente com sua implantação e funcio-
Através da Resolução n 001 de 21 de
jeto, aquela que, sendo economicamente namento.
janeiro de 1986 do Conselho Nacional do
viável, apresenta menor impacto ambiental. O estudo do impacto ambiental tem
Meio Ambiente (Conama, 1990), foram de-
Portanto, a avaliação deste impacto não início com a caracterização da situação atual
finidos os tipos de empreendimentos sujei-
deve ser concebida como um processo que dos ecossistemas naturais e antrópicos
tos à avaliação de impactos ambientais e o
termina com a entrega do EIA/RIMA e com na área de influência do empreendimento
conteúdo mínimo do Estudo de Impacto
a aprovação do projeto. No caso de um (diagnóstico ambiental). Prossegue com a
Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto
empreendimento minerário, por exemplo, as identificação e análise dos impactos, em
Ambiental (RIMA).
atividades de monitoramento ambiental função dos fatores ambientais modificados
Tais estudos são realizados com base
podem fornecer informações que levem à a partir da implementação do empre-
nos termos de referência, os quais são espe-
adoção de medidas de atenuação dos im- endimento e com a adoção e aplicação das
cíficos para cada setor de atividade, devido
pactos, depois que o empreendimento já medidas mitigadoras (prognóstico am-
ao fato de as características destas ativi-
esteja em atividade. Tais medidas permitem biental). E, finalmente, termina com a moni-
dades, sob o ponto de vista ambiental, po-
minimizar, além dos impactos previstos, torização dos impactos prognosticados.
derem variar enormemente de setor para
setor. Entretanto, cabe ressaltar que, a sim- aqueles que não puderam ser detectados
na AIA e maximizar os impactos positivos. O ESTUDO DE IMPACTO
ples utilização de termos de referência não
Um impacto ambiental decorre de al- AMBIENTAL (EIA)
garante por si só a qualidade dos estudos
de impacto ambiental. Eles servem para fixar guma atividade humana, ou seja, de ações O EIA é um relatório técnico que en-
as regras do jogo, ou seja, estabelecem, que produzem alterações no meio, em al- globa os vários componentes do ambiente.
perante os atores sociais envolvidos - o guns ou em todos os fatores componentes Aborda, portanto, aspectos dos meios
proponente do projeto, a equipe executora do sistema ambiental. Assim, pode-se físico, biótico e sócio-econômico.
do EIA, o órgão ambiental e o público - os definir o impacto de um empreendimento O objetivo de um EIA é determinar os
requisitos mínimos para a elaboração e aná- sobre o ambiente atual, como as modifi- efeitos potenciais ambiental, social e sa-
lise do EIA, contribuindo assim, para que cações ocorridas durante e após a implanta- nitário de um empreendimento proposto.
se diminua o risco de conflitos quanto ao ção deste empreendimento, bem como as Desta forma, é um estudo dos efeitos fí-
conteúdo e ao escopo do EIA e também conseqüências dessas alterações. Impac- sicos, biológicos e sócio-econômicos, que
para que se evitem atrasos na análise do tos negativos são as modificações e conse- permite tomar decisões lógicas e racionais
estudo por parte do órgão ambiental. qüências prejudiciais do empreendimento e, conseqüentemente, reduzir ou mitigar
Um dos objetivos fundamentais (teóri- ao ambiente como um todo, ao passo que alguns impactos potenciais adversos. As-
cos) da Avaliação de Impactos Ambientais impactos positivos são as modificações sim, não existe nem poderá existir, segundo

1
Enga Agra, D.Sc., EPAMIG-CTSM, Caixa Postal 176, CEP 37200-000 Lavras-MG. E-mail: mines@ufla.br
2
Engo Agro, D.Sc., EPAMIG-CTTP, Caixa Postal 351, CEP 38001-970 Uberaba-MG. E-mail: jefersoncttp@mednet.com.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.12-19, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 13

Clark (1991), uma definição geral e uni- perados, ou seja, uma melhor qualidade de detalhadas para cada uma delas.
versalmente aceita do EIA, partindo-se do vida, que nada mais é que uma utilização Também devem ser apresentadas
pressuposto de que cada empreendimento racional de todos os recursos ambientais, alternativas tecnológicas e/ou loca-
possui características bem específicas, daí que promove maior conforto para a po- cionais.
a necessidade de se ajustar cada termo de pulação, sem prejuízo para os demais ocu-
O detalhamento do empreendimento em
referência ao empreendimento. pantes do espaço em questão.
todas as suas fases irá facilitar a avaliação
O nível de detalhamento destes estudos O estudo de impacto ambiental tem seu
dos impactos, isto, de maneira geral, é
deve ser o maior possível, entretanto, este conteúdo variável em função do tipo de
constituído pela:
detalhamento depende do tempo dis- empreendimento, ou até mesmo dentro do
ponível para a realização dos estudos e da mesmo tipo, ou seja, o mesmo termo de re- a) caracterização geológica da jazida
implantação do empreendimento; do nível ferência pode não ser adequado para duas (incluindo trabalhos de pesquisa,
de detalhamento dos dados secundários, explorações de granito, por exemplo. En- reserva geológica, reserva lavrável
dados já existentes na literatura; do tama- tretanto, para fins de exemplificação, será etc.);
nho do empreendimento; da disponibi- apresentada uma proposta de termos de b) caracterização do minério (compo-
lidade dos dados existentes e do custo dos referência para mineração; por ser um tipo sição mineralógica e química, po-
estudos, ou seja, levantamentos, análises de empreendimento que, normalmente, cau- tencial de poluição etc.);
de laboratórios, remuneração dos consul- sa impactos localizados de grande magni- c) caracterização dos estéreis (compo-
tores etc., o que muitas vezes é limitante tude e que afetam vários componentes sição mineralógica e química, po-
para o empreendedor. Desta forma, o nível ambientais. tencial de poluição etc.);
de detalhamento, na maior parte das vezes, d) descrição de cada uma das fases do
fica na dependência de um entendimento Informações gerais
projeto (lavra, construção de vias de
entre os seguimentos empreendedor, so- Neste item são apresentados o histó- acesso, desmatamento, depósito de
licitante e executor do estudo. rico, os objetivos e as justificativas do estéreis, decapeamento e estocagem
Este tipo de relatório é solicitado pe- empreendimento, além de uma discussão do solo - para as fases de operação,
lo órgão ambiental estadual integrante da sua relação com as políticas setoriais, recuperação, suspensão temporária
do Sistema Nacional do Meio Ambiente planos e programas governamentais. e desativação; beneficiamento para
(Sisnama), responsável pela análise dos Para o caso da mineração, deve-se des- as fases de operação e desativação;
estudos apresentados pelo executor (na crever, resumidamente, o mercado do bem disposição de rejeitos para a fase de
maioria das vezes uma empresa de consul- minerado e informar a situação ao Depar- operação; abandono e transporte do
toria ou um consórcio de consultores autô- tamento Nacional de Pesquisas Minerais produto final e insumos; e apoio);
nomos credenciados para tal). (DNPM). Em qualquer caso, devem-se
e) caracterização dos rejeitos (com-
O financiamento de tal estudo fica a apresentar mapas de localização da área e
posição mineralógica e química, gra-
cargo do empreendedor, que pode ser o citar a existência de projetos semelhantes.
nulometria e geração de poluentes);
próprio governo, que está interessado em
implantar o empreendimento que irá causar Caracterização do f) descrição detalhada de todos os
impactos ao ambiente. Entre estes empreen- empreendimento insumos consumidos pelo empreen-
dimentos podem-se citar, como exemplo, a dimento;
Consiste em:
construção de estradas, de barragens, mi- g) descrição detalhada de todos os
neração de ouro, cassiterita, exploração de a) apresentar uma identificação do em-
poluentes gerados pelo empreen-
granito, bauxita, xisto, grandes projetos preendedor, incluindo nome, razão
dimento em cada fase;
agropecuários, implantação de usinas de social, endereço para correspon-
dência, inscrição estadual e CGC. h) descrição da mão-de-obra direta em-
tratamento de lixo etc. pregada em cada fase do empreen-
A execução do estudo, quando de em- Outras informações gerais poderão
ser feitas neste item, ou seja, tecno- dimento;
preendimento público, fica definida após
logias a serem empregadas, tipos de i) plano de recuperação das áreas de-
concorrência pública, em que os interes-
sados, para participarem, devem preencher atividades a serem desenvolvidas, gradadas com cronograma e es-
determinados requisitos que são divul- previsão de etapas de implantação timativa de custos.
gados em editais pelos jornais ou por carta- do empreendimento etc;
convite. A equipe que executa o estudo b) apresentar uma caracterização do Definição das áreas de
deve ser multidisciplinar e tecnicamente empreendimento nas fases de plane- influência
capacitada para abordar os vários aspectos jamento, implantação, operação e São áreas geográficas afetadas direta
ambientais envolvidos no contexto do em- desativação, quando for o caso. ou indiretamente pelas ações dos empreen-
preendimento. Quando a implantação for em etapas dimentos que causam impactos.
A partir deste estudo multidisciplinar é ou quando forem previstas expan- A área de influência deve ser apre-
que podem ser obtidos os resultados es- sões, as informações deverão ser sentada em termos de limites geográficos e
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.12-19, jan./fev. 2000
14 Agropecuária e Ambiente

está dividida em área de influência (também e) hidrologia: rede hidrográfica, dados que forem identificados como importantes
denominada de influência indireta) e área pluviométricos e fluviométricos; na caracterização da interferência do em-
diretamente afetada (ou área de influência f) qualidade das águas de superfície; preendimento no equilíbrio do ambiente.
direta, ou área de incidência de impactos).
g) climatologia regional;
O limite geográfico da área de influência Identificação dos impactos
deve abranger os distintos contornos para h) qualidade do ar; Em cada fase do empreendimento deve-
as diversas variáveis afetadas. Em muitos i) ruídos; se fazer uma identificação sistemática dos
casos, a delimitação da área de influência, j) vibrações; prováveis impactos diretos e indiretos, dis-
para os meios físico e biótico, coincidem correndo sobre sua reversibilidade, exten-
k) radiações ionizantes (no caso de
com a delimitação da bacia hidrográfica que são espacial e temporal.
minerais radioativos).
contém o empreendimento, enquanto que Para análise dos impactos, recomenda-
para o meio sócio-econômico extrapola es- Meio biótico se a aplicação de um critério de importância
tes limites. Como exemplo, pode-se citar o Da mesma forma, deverão ser aborda- aos impactos identificados, ou seja, faz-se
caso de uma mineração de ouro em de- dos itens que caracterizam o meio biótico uma seleção dos mais importantes para es-
terminado ponto do rio Madeira, que terá tudos mais aprofundados.
de acordo com o tipo e o porte do empreen-
seu produto comercializado a muitos qui- dimento e características da região. A análise dos impactos ambientais,
lômetros dali, na capital do Estado, Porto também denominada prognóstico, destina-
Velho, ou a implantação de pecuária de cor- a) ecossistemas terrestres: caracteriza-
se a apresentar a identificação, valoração e
te no estado do Acre, sendo o abate dos ção da fauna e flora;
interpretação dos prováveis impactos nas
bois e a comercialização da carne feitos no b) ecossistemas aquáticos: caracteriza- várias fases do empreendimento (plane-
estado de São Paulo. ção da fauna e flora aquática. jamento, implantação, operação e desati-
Meio antrópico ou sócio- vação), sobre os meios físico, biótico e
Diagnóstico ambiental antrópico.
econômico
Deverão ser apresentadas uma des- Os impactos serão avaliados nas áreas
crição e uma análise dos fatores ambientais Também deverão ser abordados itens de estudo, definidas para cada um dos fato-
e suas interações, caracterizando a situação que caracterizam o meio antrópico de acor- res estudados, caracterizados no “Diag-
ambiental da área de influência, antes da do com o tipo e o porte do empreendimento nóstico Ambiental da Área de Influência”,
implantação do empreendimento. Estes e características da região. podendo, para efeito de análise, ser consi-
fatores englobam: a) dinâmica populacional: caracteri- derados como:
a) as variações suscetíveis de sofrerem, rização da estrutura e distribuição da a) impacto direto ou indireto: refere-se
direta ou indiretamente, efeitos sig- população, fluxos migratórios e des- à relação causa/efeito;
nificativos das ações nas fases de locamentos periódicos;
b) impacto benéfico positivo ou adver-
planejamento, implantação, opera- b) nível de vida: educação, saúde, sa- so (negativo): refere-se à qualifica-
ção e, quando for o caso, desati- neamento básico, habitação, oferta ção ou natureza do impacto;
vação do empreendimento; e consumo de energia, transporte,
c) impacto temporário, permanente ou
b) as informações cartográficas com a alimentação e lazer;
cíclico: refere-se à duração e periodi-
área de influência, devidamente c) economia; cidade do impacto;
caracterizada, em escalas compa-
d) uso do solo: zona rural e urbana; d) impacto imediato ou a médio e longo
tíveis com o nível de detalhamento
dos fatores ambientais estudados. e) uso dos recursos naturais; prazos: refere-se à temporalidade do
f) fatores culturais; impacto;
Meio físico e) impacto reversível ou irreversível: re-
g) quadro legal: legislação aplicável à
Apresentar uma descrição e análise dos fere-se ao dinamismo do impacto;
área.
fatores ambientais do meio físico de acordo f) impacto local, regional ou estraté-
com o tipo e o porte do empreendimento e Para ilustração, pode-se apresentar um
gico: refere-se à abrangência espa-
características da região: quadro sintético em que os fatores am-
cial do impacto;
bientais físicos, biológicos e sócio-econô-
a) geologia regional e local; g) impacto de alta, média ou baixa mag-
micos são inter-relacionados, indicando-
b) geomorfologia regional e local e se, ainda, os métodos adotados para análise nitude - refere-se à grandeza do im-
dinâmica do relevo; destas interações com o objetivo de descre- pacto em termos absolutos.
c) pedologia: caracterização dos solos, ver as inter-relações entre os componentes A análise dos impactos ambientais in-
aptidão agrícola e potencial de reu- bióticos, abióticos e antrópicos do sistema clui, necessariamente, identificação, pre-
tilização; a ser afetado pelo empreendimento. Podem- visão de magnitude e interpretação da im-
d) hidrogeologia: caracterização dos se, ainda, indicar, além do referente quadro, portância de cada um deles, permitindo uma
aqüíferos; as tendências evolutivas daqueles fatores apreciação abrangente das repercussões
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.12-19, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 15

do empreendimento sobre o meio ambi- É necessário mencionar os métodos de xograma de ação-impacto, para cada fase
ente, entendido na sua forma mais ampla. identificação de impactos, as técnicas de do empreendimento, mostrando de forma
O resultado desta análise constituirá previsão de magnitude e os critérios ado- qualitativa os efeitos do empreendimento
um prognóstico da qualidade ambiental da tados para interpretação e análise de suas sobre o meio.
área de influência do empreendimento, nos interações. Da mesma forma apresentam-se, após
casos de adoção do projeto e suas alterna- Em resumo, a avaliação, ou seja, o prog- estudo de todas as ações e de todos seus
tivas e mesmo na hipótese de sua não im- nóstico, consiste em identificar e avaliar, efeitos relevantes sobre os fatores am-
plementação. para poder prevenir as conseqüências da- bientais, nas várias fases do empreendi-
Este item deverá apresentar uma síntese nosas decorrentes das interferências aos mento, uma síntese e uma classificação de
conclusiva dos impactos relevantes de ecossistemas e ao homem, neles inseridos. impactos, conforme pode ser observado
cada fase prevista para o empreendimento Esta fase é a mais importante deste nos exemplos dos Quadros 2 e 3, seguidos
(planejamento, implantação, operação e estudo, no sentido de que é aqui que se faz da descrição detalhada de cada ação e de
desativação) e, para o caso de acidentes,
uma apreciação dos efeitos do empreen- seus efeitos, tanto positivos quanto nega-
deve ser acompanhada da análise (iden-
dimento sobre o meio ambiente. Portanto, tivos.
tificação, previsão da magnitude e inter-
uma visualização conjunta dos fatores Apesar da evolução das metodologias
pretação) de suas interações. Deve também
ambientais envolvidos é bastante útil nesta de avaliação de impactos ambientais, no
apresentar uma descrição detalhada dos
fase de estudo, o que pode ser feito através sentido de quantificá-los, cabe ressaltar
impactos sobre cada fator ambiental rele-
da matriz referencial de impacto, conforme que muitas vezes na falta de informações
vante considerado no diagnóstico, quais
o exemplo no Quadro 1. quantitativas, estes são classificados mui-
sejam:
Portanto, a partir de uma matriz refe- to subjetivamente, ficando a avaliação
a) impactos sobre o meio físico; rencial de impacto já se tem uma idéia das mais a critério da experiência do técnico
b) impactos sobre o meio biótico; inter-relações entre ações do empreendi- responsável, o que não invalida o estudo,
c) impactos sobre o meio sócio-eco- mento e fatores ambientais afetados por apesar de não ser esta a forma ideal de ava-
nômico. elas. Pode-se também elaborar um flu- liação.

QUADRO 1 - Matriz referencial de impactos para as fases de implantação e operação de um empreendimento hipotético
Componentes ambientais

Meio físico Meio biótico Meio antrópico


Ações
Solo e Reservas Recursos Qualidade Saúde/ Recursos Renda
Vegetação Fauna Paisagem
seu uso minerais hídricos do ar educação financeiros familiar

Fase de Implantação
Contratação de mão-de-obra x x x
Instalação de infra-estrutura x x x x x
Montagem dos equipamentos x x x

Fase de Operação
Remoção da cobertura vegetal x x x x x x
Desmonte mecânico x x x x x x
Desmonte com explosivos x x x x x x x x
Transporte interno do minério, rejeito, x x x x x
estéril
Beneficiamento x x x x x x
Produção de rejeito e estéril x x x x
Recomposição topográfica x x x x x x
Drenagem artificial x x x x
Revegetação x x x x x
Comercialização x x x
Transporte x x x x

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.12-19, jan./fev. 2000


16 Agropecuária e Ambiente

QUADRO 2 - Síntese da classificação dos impactos e medidas mitigadoras da fase de implantação de um empreendimento hipotético

Ação Efeito
Medidas mitigadoras
(recomendações)
Causa Característica Impacto +/- Grau

Contratação de Serão contratados 15 empregados, com Geração de empregos diretos e Elaborar cartilha esclarecendo os ris-
mão-de-obra carteira assinada, com remuneração de indiretos. + 4 cos de acidentes mais prováveis.
dois salários mensais, mais hora extra Aumento da renda familiar. + 2
Fazer manutenção e melhoria das ins-
proporcional. Melhoria da qualidade de vida. + 2
talações para refeição.

Instalação de infra- Preparo da área com limpeza e ter- Terraplenagem/movimentação de Fazer manutenção de equipamentos
estrutura raplenagem, para instalação da infra- terra. - 1 e acessórios de segurança do traba-
estrutura básica, bem como limpeza e Compactação do solo. - 1 lho.
reforma daquela já existente, além de Afugentamento/estresse da fauna. - 1
Exigir uso de EPI.
pátio de armazenagem e bacias de se- Alteração da paisagem. - 2
dimentação. Risco de acidentes. - 1

Montagem de equi- Montagem da unidade de beneficia- Afugentamento/estresse da fauna. - 1 Fazer manutenção de equipamentos
pamentos mento, conforme descrito na carac- Alteração da paisagem. - 1 e acessórios de segurança do traba-
terização do empreendimento inclusive Risco de acidentes. - 1 lho.
oficina Exigir uso de EPI.

QUADRO 3 - Síntese da classificação dos impactos e medidas mitigadoras da fase de operação de um empreendimento hipotético

Ação Efeito
Medidas mitigadoras
(recomendações)
Causa Característica Impacto +/- Grau
(continua )

Remoção da cober- Antes de fazer o desmonte (mecânico Exposição e movimentação do solo. - 4 Planejar abertura das frentes de lavra
tura vegetal e cama- e/ou com explosivos) faz-se o preparo Alteração da qualidade da água. - 2 para evitar excessivo decapeamento
da superficial do solo da frente de lavra, removendo a cober- Afugentamento/estresse da fauna. - 4 da rocha.
tura vegetal e a camada superficial do Alteração da pedoforma e uso da Escolher área para armazenamento
solo que recobre o minério a ser explo- terra. - 4 da camada superficial do solo.
rado. Alteração da paisagem. - 4 Exigir uso de EPI.
Risco de acidentes. - 2

Desmonte mecânico Neste serviço será utilizado um trator Compactação do solo pelo tráfego Fazer manutenção de equipamentos
tipo D6D da Caterpillar. Corresponde de máquinas pesadas. - 3 e acessórios de segurança do trabalho.
a 85% da lavra, perfazendo 12.750t, Afugentamento/estresse da fauna. - 3
das quais 9.000t de estéril e 3.750t de Intensificação dos processos ero- Delimitar área de manobras.
minério, em volume 7875m3/mês. sivos. - 3
Poluição atmosférica e hídrica. - ½ Exigir uso de EPI.
Produção de estéril. - 3
Alteração da paisagem. - 3
Risco de acidentes. - 2

Desmonte com ex- Após perfuração com martelete em Afugentamento/estresse da fauna. - 4 Planejar hora de explosão e acionar
plosivos malha tipo “pé de galinha” e limpeza Poluição sonora. - 2 sirene de aviso.
dos furos, introduzir-se-ão o cordel e o Entupimento dos drenos. - 1 Recolher pedras atiradas durante a
explosivo e tamponamento. O aciona- Produção de estéril. - explosão.
2
mento com espoleta simples presa ao Poluição atmosférica e hídrica. - Fazer manutenção de equipamentos.
½
cordel e estopim de 1,0m e tempo su-
Alteração da paisagem. - 2 Isolar os paiós de explosivos.
ficiente para se posicionar em lugar
Risco de acidentes. - 2 Exigir uso de EPI.
seguro.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.12-19, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 17

Ação Efeito
Medidas mitigadoras
(recomendações)
Causa Característica Impacto +/- Grau
(conclusão)

Transporte interno Todo o transporte interno será feito Compactação do solo. - 2 Delimitar área de manobras e depo-
do minério, rejeito, com caminhões Mercedes Bens LK Afugentamento/estresse da fauna. - 2 sição de estéril e rejeitos.
estéril 1114. Poluição atmosférica. - 1

Beneficiamento do O minério de manganês será tratado Deposição de sedimentos na vege- Umedecer minério na saída das es-
minério numa instalação da linha “Faco”, con- tação. - 2 teiras transportadoras.
forme descrito na caracterização do Afugentamento/estresse da fauna. - 3
empreendimento. Poluição atmosférica e hídrica. - 3 Plantar cortina de vegetação.
Poluição sonora. - 3
Risco de acidentes. - 2 Exigir uso de EPI.

Estocagem de rejei- Está prevista uma movimentação média Compactação do solo e alteração Antes de iniciar as atividades, pla-
to e estéril mensal de grandes volumes de estéril/ da pedoforma. - 3 nejar a localização adequada do estéril
rejeito, em torno de 6.000m3/mês de Eliminação da vegetação. - 3 e do rejeito.
material. Afugentamento/estresse da fauna. - 2
Alteração da paisagem. - 3

Recomposição to- Todas as áreas trabalhadas receberão ser- Alteração da pedoforma e uso do Aproximar do modelado original do
pográfica viços mecânicos de estabilização. Nas solo. + 3 terreno.
áreas mais suaves o preparo para reve- Compactação do solo. + 1
getação será com equipamentos agríco- Afugentamento/estresse da fauna. - 1 Prever escoamento superficial da
las, Nos locais mais inclinados (taludes) Alteração da paisagem. + 4 água.
o preparo será manual, com escarifi- Risco de acidentes. - 2
cação das superfícies através de cana- Exigir uso de EPI.
letação em curva de nível.

Drenagem artifi- As frentes de serviço receberão canale- Alteração do percurso natural da Planejar drenagem artificial até as
cial tas de contorno para direcionamento água. + 4 lagoas de sedimentação.
das águas pluviais, evitando o fluxo so- Concentração de sólidos em suspen-
bre o material solto e seu conseqüente são. + 4
carreamento. Alteração da qualidade da água. + 3
Alteração da paisagem. +/- 3/1

Revegetação Utilizar-se-ão espécies tanto nativas, Controle de erosão. + 3 Elaborar o plano de revegetação.
quanto exóticas, visando o rápido reco- Alteração da qualidade da água. 3
+
brimento do solo; sendo os métodos de Colocar comedouros para atração da
Atração da fauna. + 4
plantio desde covas até semeadura a avifauna.
lanço. Alteração da paisagem. + 4

Comercialização O minério será comercializado com Aumento na arrecadação de impos- Transportar carga sempre protegida
várias empresas. tos. + 3 (tranporte interno).
Ampliação de mercado. + 2 Manter qualidade do produto e aten-
Geração de empregos. + 2 dimento.
Melhoria da qualidade de vida. + 2

Transporte O transporte após comercialização, se- Poluição atmosférica. 1


- Transportar carga sempre protegida.
rá feito em caminhões cobertos com Geração de empregos. + 2
lona. Melhoria da qualidade de vida. + 2 Exigir uso de EPI.
Risco de acidentes. - 2

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.12-19, jan./fev. 2000


18 Agropecuária e Ambiente

Previsão dos impactos tes, mas também quanto ao estado de b) fase do empreendimento: em que
Sempre que possível, é recomendável conservação deles. fase deverão ser adotadas (plane-
uma previsão quantitativa da magnitude Deve-se fazer um relatório de quantas jamento, implantação, operação e
para cada um dos impactos prováveis iden- pessoas trabalham nos locais de maior desativação), bem como para o caso
tificados na etapa anterior. Justificar em periculosidade, de como são treinados para de acidentes;
todos os casos as técnicas empregadas agir no caso de acidentes e, se os equipa- c) fator ambiental a que se destina: fí-
apresentando uma estimativa da incerteza mentos usados estão em bom estado de sico, biológico ou sócio-econômico;
de tais previsões. conservação. É bom lembrar que muitas
d) prazo de permanência de sua apli-
vezes são fornecidos os equipamentos
cação: curto, médio ou longo;
Avaliação dos impactos adequados, mas os usuários preferem igno-
rá-los alegando vários motivos, tais como, e) responsabilidade por sua implan-
Para apreciação da equipe avaliadora tação: empreendedor, poder público
perda de tato (caso de luvas), calor exces-
apresentar um prognóstico de cada impacto ou outros;
sivo (macacões e capacetes) etc.
previsto, explicitando, em todos os casos,
No caso de se constatarem incorreções f) avaliação de custos das medidas
os critérios de importância utilizados. Dis-
no uso ou ausência de equipamentos, fazer mitigadoras.
correr sobre a distribuição dos custos am-
referência neste item em relação ao local de Deverão ser mencionados os impactos
bientais entre diferentes grupos sociais.
uso, número de usuários, número de equi- adversos que não possam ser evitados ou
A análise dos impactos deve visar a
pamentos, bem como sugerir reuniões de mitigados.
caracterização da qualidade ambiental fu-
treinamento para todos os empregados Essas medidas poderão ser apresenta-
tura da área de influência, comparando as
envolvidos, tanto de escritório como da das na forma de planos e programas de con-
diferentes situações de adoção do projeto
produção, transporte etc. trole ambiental e é a partir delas que será
e suas alternativas, bem como a hipóte-
se de sua não-realização de acordo com o feita a monitorização dos impactos ambien-
Medidas de atenuação e tais.
Art. 9o, inciso V da Resolução no 001/86 do compensação dos impactos
Conama (Conama, 1990).
A equipe técnica responsável pelo es- Plano de monitoramento
Análise de riscos tudo, deve incorporar ao EIA uma série de Neste item deverão ser apresentados os
medidas que vise minimizar os impactos programas de acompanhamento das evo-
Deve ser apresentada a análise de riscos
negativos previstos. luções dos impactos ambientais positivos e
para cada componente (lavra, beneficia-
Tais medidas não eliminam os impactos negativos causados pelo empreendimento,
mento, disposição de rejeitos, instalações
ambientais causados pelo empreendimento, considerando-se as fases de planejamento,
de apoio, transporte de insumos e do pro-
entretanto reduzem estes impactos e rela- implantação, operação e desativação e,
duto final) e para cada fase do empreen-
cionam uma gama de atividades que darão, quando for o caso, os programas educati-
dimento (implantação, operação e desa-
à área afetada, condições de recuperação, vos, inclusive no que diz respeito a acidentes
tivação).
pelo menos em parte, das características de trabalho. Poderão ser incluídas:
Nesta análise devem ser descritos os
originais. Em último caso, visa aproximar
seguintes tópicos: a) indicação e justificativa dos méto-
ao máximo, da condição atual.
dos de coleta e de análise de amos-
a) classificação dos tipos de acidentes Hoje, já constam nos projetos estas me-
tras;
possíveis; didas, o que facilita sobremaneira a rea-
bilitação da área, prevendo desde a fase de b) indicação e justificativa da perio-
b) identificação dos impactos em caso
planejamento, atividades que venham a dicidade da amostragem para cada
de acidentes;
facilitar e reduzir os custos de sua recupe- parâmetro, segundo os diversos fa-
c) medidas a serem tomadas em caso ração, sem adoção de medidas adicionais. tores ambientais;
de acidentes; Portanto, este item deve constar de medi- c) indicação e justificativa dos mé-
d) métodos e meios de intervenção em das que visem minimizar os impactos todos a serem empregados no pro-
casos de acidentes. adversos identificados e quantificados an- cessamento das informações levan-
Neste item, devem-se abordar todas as teriormente. Quando o EIA já incorpora tadas, visando retratar o quadro
ações do empreendimento com potencial estas medidas, sua função passa a ser a de evolutivo dos impactos ambientais
de causar e/ou favorecer acidentes. avaliar a eficiência daquelas já propostas causados pelo empreendimento.
Dependendo da atividade do empreen- e, caso necessário, propor medidas adicio-
dimento, determinados tipos de acidentes nais. Análise de custo x
podem ocorrer com maior freqüência, de As medidas mitigadoras devem ser benefício
maneira que todas as possibilidades deve- apresentadas e classificadas quanto: Na medida do possível apresentar, tam-
rão ser checadas não só quanto aos méto- a) sua natureza: preventivas ou cor- bém dentro do EIA, uma análise do custo
dos e equipamentos de controle de aciden- retivas; total do empreendimento e dos seus bene-

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.12-19, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 19

fícios totais. Normalmente, quando o em- que pode vir após cada capítulo, ou no final pulação na tomada de decisões a respeito
preendimento é de interesse do governo, do trabalho em conjunto. do empreendimento. Em outras palavras,
como por exemplo, uma hidrelétrica, consi- A literatura deverá ser apresentada em com base nas conclusões apresentadas
dera-se que o benefício, independente de ordem alfabética crescente e segundo as pelo RIMA, a população pode acatar ou
seu valor financeiro, justifica seu custo, normas vigentes de citação de referências não o empreendimento.
que é elevadíssimo. bibliográficas.
A análise de custo x benefício pode ser COORDENAÇÃO
apresentada também como parte da justifi- Anexos
cativa técnico-econômica do empreen- Responsabiliza-se pela intermediação
Muitas figuras, quadros, mapas, foto-
dimento. entre empreendedor e equipe de elaboração
grafias etc., que não são apresentados no
do estudo. Também é responsável pela uni-
corpo do trabalho são colocados em anexo
Legislação ambiental formização dialética das informações, ela-
com as devidas indicações no texto. A op-
Para cada tipo de empreendimento ou boradas por equipe multidisciplinar, bem
ção de onde colocá-los depende, muitas
para cada fator ambiental envolvido, existe como acabamento estético e organizacional
vezes, do espaço disponível, de forma que do estudo.
uma legislação que tem como objetivo o bom-senso da equipe de coordenação e
proteger, preservar e até mesmo recuperar montagem final do trabalho é que decide o
o ambiente. De forma que deve-se observar, modo de apresentação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
se o que se propõe com o empreendimento
não está em desacordo com a legislação CLARK, B.D. Environmental Impact Assess-
O RELATÓRIO DE IMPACTO ment (EIA) and environmental policies. In:
ambiental.
AMBIENTAL (RIMA) ENCONTRO TÉCNICO SOBRE O
Deve-se, então, apresentar neste item
uma listagem das leis que estão envolvidas O RIMA é uma síntese do EIA, que de- MEIO AMBIENTE E DESENVOLVI-
MENTO, 1991, Rio de Janeiro. [Anais...].
no contexto do estudo, pela última resolu- ve ser apresentado de forma acessível ao
Rio de Janeiro, 1991.
ção do Conama, de tal forma que permita público interessado. Este público é, na
uma análise para esclarecer se o empreen- maioria das vezes, a população afetada pelo CONAMA (Brasília, DF). Resoluções do
CONAMA - 1984/90. 3.ed. Brasília:
dimento proposto está de acordo. Quando empreendimento, ou seja, é um público co-
IBAMA, 1990. 232p.
contrariar a legislação, poderão ser sugeri- mum onde a linguagem técnica não é aces-
das alterações para enquadramento na le- sível, devendo então ser apresentado em
gislação vigente. uma linguagem jornalística, podendo ser BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
na forma de álbum seriado, filme, relatório CLÁUDIO, C.F.B.R. Implicações da avaliação
Equipe técnica em linguagem comum. Normalmente, quan- de impacto ambiental. Ambiente, São Pau-
Apresentar a equipe técnica respon- to mais ilustrado com mapas, croquis, foto- lo, v.1, n.3, p.159-162, 1987.
sável pelo estudo, indicando a especialida- grafias etc., mais eficiente será o resultado. FORMATO básico para apresentação de pro-
de de cada um e o número dos respectivos O EIA, por se tratar de um estudo bási- jetos de recuperação/reabilitação de áreas
registros profissionais. co, tem que ser apresentado em linguagem degradadas por atividades agropecuárias.
técnica, sendo que cada área de estudo é Belo Horizonte: FEAM-MG, 1989. 3p.
Conclusão detalhada minuciosa e tecnicamente pelos Uma NOVA consciência sobre questões am-
Após uma análise multidisciplinar do especialistas envolvidos. Ao contrário do bientais: roteiro para desenvolver o RIMA
empreendimento e de seus impactos, che- EIA, o RIMA é um documento de acesso em mineração - Relatório Especial Meio
ga-se a uma conclusão quanto à sua viabili- público, não técnico, muitas vezes exami- Ambiente, III - minérios. [Rio de Janeiro]:
dade. Muitas vezes, quando são oferecidas CVRD, 1990. p.20-27.
nado por leigos na maioria dos assuntos.
alternativas pelo empreendedor, pode-se Daí, a necessidade de traduzir em linguagem PROJETO de implantação de pecuária na fa-
concluir que uma determinada escolha é zenda Sta Carmen, em Porto Velho, RO:
popular os termos técnicos do EIA. Na es-
mais aconselhável no que diz respeito ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu
sência, o RIMA não pode diferir do EIA,
ambiente. Quando não são oferecidas alter- respectivo Relatório de Impacto no Meio
apenas a linguagem usada para os dois é Ambiente (RIMA) - versão preliminar. Rio
nativas, pode-se concluir que o empreen- diferente, o que proporcionará perfeito de Janeiro: Escritório Técnico H. Lisboa da
dimento da maneira como foi proposto é entendimento ao público sobre todas as Cunha, 1992.
inviável, devido ao estrago ambiental que ações e impactos do empreendimento. ROTEIRO básico para elaboração de estudo de
poderá causar. Neste caso os executores do A importância do RIMA é esclarecer Impacto Ambiental - EFA. Manaus: IMA-
estudo poderão sugerir novas alternativas. ao público os prós e contras que um deter- AM, [19--]. 5p.
minado empreendimento pode propor- USINA de tratamento de lixo de Uberaba: Pla-
Bibliografia cionar ao ambiente da área de influência no de Controle Ambiental (PCA). Rio de
Pode-se apresentar apenas uma lis- como um todo, inclusive ao homem, bem Janeiro: Escritório Técnico H. Lisboa da
tagem na forma de literatura consultada, como a importância da participação da po- Cunha, 1991.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.12-19, jan./fev. 2000


20 Agropecuária e Ambiente

Elementos da paisagem
e a gestão da qualidade ambiental
Carlos Ernesto Schaefer 1
Miriam Abreu Albuquerque 2
Leopoldo Loreto Charmelo 3
Jackson C. Ferreira Campos 4
Felipe Bello Simas 5

Resumo - Os elementos da paisagem são abordados dentro do contexto da gestão da


qualidade ambiental em seu sentido mais amplo. Num primeiro plano, identifica-se a
personalidade jurídica da paisagem e seus componentes, enfatizando a progressiva
atitude conservacionista da legislação diante do uso. Sobre o formato ideal dos EIA, des-
taca-se a importância da flexibilização das diretrizes nos termos de referência para dirigir
inventários técnicos que atendam às demandas e peculiaridades de cada situação. Os
poluentes são identificados, e discutida a forma como afetam os elementos da paisagem
impactada. Um esforço de sintetizar os principais aspectos relacionados com o impacto
ambiental sobre as rochas, o relevo e os solos é apresentado, destacando-se as inter-
relações e covariâncias entre estes componentes do meio físico. Vários são os exemplos,
ilustrativos e informativos em condições brasileiras que consubstanciam a argumentação
e evidenciam a natureza complexa e multifacetada dos problemas ambientais na
paisagem. A forma de apropriação dos solos e da paisagem brasileira é discutida,
enfatizando as diferenças básicas entre os modelos agrícolas primitivos e tecnificados,
assim como o impacto do uso sobre a qualidade do ar e da água. Problemas ligados aos
ciclos de carbono, fósforo, enxofre, nitrogênio, elementos-traço e pesticidas são definidos
e interpretados. No esforço de síntese, propõe-se a ecologia da paisagem como
abordagem conceitual privilegiada para estudar a dinâmica dos impactos e seus processos
funcionais, dentro de uma abordagem mais integradora. Essa integração mais efetiva
deve permear os relatórios técnicos dos EIA, para que estes se tornem mais efetivos no
processo de transferência da informação para a gestão.
Palavras-chave: Elementos da paisagem; Qualidade ambiental; Dinâmica dos impactos.

INTRODUÇÃO sagem algo complexo. Contudo, uma abor- químicas e biológicas) daí decorrentes. Pa-
dagem multidisciplinar é possível, e o es- ra tanto, é importante destacar o crescente
As paisagens naturais diferenciam-se reconhecimento da paisagem como in-
copo deste trabalho foi desenvolver o tema
pelos atributos climáticos, geológicos, de da gestão ambiental da paisagem, a partir divíduo dotado de personalidade jurídica,
relevo, solos, cobertura vegetal, entre ou- de seus elementos constitutivos, com- a partir da qual iniciou-se uma demanda
tros. Uma visão integradora dos vários preendendo sua estruturação, funções e por critérios técnicos para a avaliação dos
componentes pressupõe a capacidade de variabilidade; além disso, objetivou ainda impactos dos empreendimentos e ações
associar os fenômenos correlatos e inter- discutir a apropriação da paisagem pelo ho- humanas na paisagem.
dependentes, que tornam o estudo da pai- mem, e as mudanças funcionais (físicas, Do ponto de vista da Legislação Ambi-

1
Engo Agro, Ph.D., Prof. Adj. Bolsista CNPq, UFV-Depto Solos, CEP 36570-000 Viçosa-MG. E-mail carloschaefer@solos.ufv.br
2
Enga Agra, Ph.D., Profa. UNIMONTES, CEP 39440-000 Janaúba-MG.
3
Engo Agro, D.Sc., Prof. FUNEC, CEP 35300-000 Caratinga-MG. E-mail loreto@ei.com.br
4
Geógrafo, M.Sc., Prof. FUNEC, CEP 35300-000 Caratinga-MG. E-mail campos@funec.br
5
Graduando Agronomia UFV, Bolsista CNPq/PIBIC.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 21

ental, a paisagem e seus componentes dos para que os inventários técnicos alcan- bém em consideração sua biodegrada-
passam a representar, ainda que embrio- cem a qualidade desejada. bilidade. Os pesticidas se tornarão po-
nariamente, um indivíduo jurídico no Brasil, luentes se estes apresentarem-se em locais
a partir dos anos 30, através do código das POLUIÇÃO, QUALIDADE DO diferentes de sua aplicação em concen-
águas do Governo Vargas (1934), e do AMBIENTE E DA PAISAGEM trações suficientes para causar perigo a um
Código Florestal (1965), dois instrumentos organismo.
legais cuja importância na gestão ambiental A qualidade de nosso ambiente é uma O Quadro 1 apresenta um esquema
alcança os nossos dias. Na Resolução do função dos fenômenos e processos natu- amplo de classificação dos poluentes da
Conama no 001, de 23/01/1986, estabeleceu- rais e das atividades humanas na paisagem, paisagem, com base em suas características
se em seu Art. 6o, que, para fins de ela- que podem causar poluição. Mas o que é gerais e usos. Além dos exemplos listados,
boração de Diagnósticos Ambientais, os poluição? Uma definição do termo precisa ressalta-se que muitos outros podem ocor-
estudos de meio físico devem considerar ser apresentada. Alguns consideram que rer, mas seus impactos não são tão gene-
“o subsolo, as águas, o ar e o clima, des- o uso de certas substâncias, como por ralizados e comuns.
tacando os recursos minerais, a topografia, exemplo pesticidas, dentro de certos limites
os tipos de aptidões do solo, os corpos aceitáveis, não causam problemas de A rocha e sua influência
d’água, o regime hidrológico, as correntes poluição, embora outros considerem qual- bioquímica e física na
marinhas, as condições atmosféricas”. Essa quer uso inaceitável. No primeiro caso, o paisagem
resolução, que estabelece os critérios, res- pesticida é um poluente somente se efeitos As rochas, em qualquer estado, afetam
ponsabilidades e diretrizes gerais para uso indesejáveis ocorrerem; enquanto no se- a paisagem, conferindo-lhe atributos e
e implementação da avaliação do impacto gundo caso, o pesticida será sempre um qualidades diferenciadas. Contudo, os
ambiental, define claramente e de forma poluente. O que constitui um nível aceitável relatórios temáticos de geologia contidos
integrada a importância dos elementos bá- de poluição é outra forma de encarar o pro- nos EIA/RIMA, raramente geram deman-
sicos da paisagem (solo, água, relevo, clima blema: As atitudes variam, desde aquelas das dos órgãos fiscalizadores. Nas áreas
e rocha) como eixo norteador da avaliação que não aceitam qualquer poluente (eco- continentais brasileiras, onde o embasa-
técnica da situação ambiental da área. Tal cêntricos), até aqueles que consideram mento geológico aflora, podemos encon-
fato confere, em caráter inédito, uma per- aceitável qualquer nível, desde que não lhe trar três tipos básicos de rochas formadoras
sonalidade jurídica única à paisagem, afete diretamente, se é que isto é possível de solos: ígneas, metamórficas e sedimen-
através de seus componentes, em contraste (egocêntricos). tares. As rochas ígneas são formadas
com os Códigos e leis anteriores. Essa con- Podemos ainda definir poluição dentro diretamente da solidificação do magma
dição é corroborada pela leitura do Art. 1o, da distinção entre fontes antropogênicas (lava) e incluem o granito, basalto e diorito.
em que “as condições do meio ambiente e fontes naturais. Um vulcão lança uma As rochas sedimentares formam-se a partir
e a qualidade dos recursos ambientais quantidade maior de gases tóxicos na at- da deposição de sedimentos, oriundos da
(Parágrafos IV e V) são consideradas expli- mosfera do que várias plantas industriais, destruição e erosão de outras rochas. O
citamente como afetadas pelos impactos mas alguns poderiam não considerar o lan- arenito, por exemplo, é uma rocha sedimen-
ambientais das ações humanas (Conama, çamento de um vulcão como poluente, por tar formada a partir da consolidação de
1992). sua origem natural. De maneira similar, areias quartzosas. As rochas sedimentares
Essas diretrizes pressupõem que, em atividades de mineração de metais pesa- incluem os calcários, dolomitas, arenitos e
face das peculiaridades de cada projeto e dos podem poluir os solos com esses ele- argilitos. As rochas metamórficas são for-
da situação ambiental de cada área, cabe mentos, ainda que, solos com altas concen- madas pelo metamorfismo, ou mudança de
aos órgãos estaduais competentes definir trações de metais pesados possam ocorrer minerais, a partir de rochas preexistentes,
diretrizes adicionais, nos termos de refe- naturalmente devido à proximidade das quando as ígneas e sedimentares são sub-
rência que vão requerer inventários técni- jazidas. metidas às altas pressão e temperatura, mo-
cos modificados ou aprofundados. Neste Diante dessa colocação, uma definição dificando sua forma física e química. As
sentido, ressalta-se que não deve existir razoável de poluente poderia ser um com- rochas ígneas podem ser convertidas a
uma padronização rígida de formato dos posto químico ou material fora do seu lugar gnaisses ou xistos. As rochas sedimen-
Estudos de Impactos Ambientais (EIAs), ou presente em concentrações tão acima tares podem ser convertidas em quartzitos,
necessitando-se assim de uma atitude sen- do normal que apresentem efeitos adversos a partir de arenitos; ardósias, filitos ou
sível e realística, visando dar maior obje- sobre qualquer organismo. As implicações xistos, a partir de argilitos; mármores, a
tividade e efetividade aos Estudos de Im- desta definição são que os pesticidas apli- partir de calcários.
pacto Ambiental/Relatório de Impacto cados aos solos agrícolas não são poluen- Vamos nos ater apenas às rochas que
Ambiental (EIA/RIMA). Assim os estudos tes, se considerarmos que estes não se possuem maior expressão geográfica no
que envolvem a paisagem, sua funcionali- movimentarão abaixo da zona radicular ou Brasil, como os materiais de origem de maior
dade e processos, são elementos destaca- serão levados pela erosão, levando-se tam- importância na gênese dos solos, e os pro-

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


22 Agropecuária e Ambiente

QUADRO 1 - Classificação dos poluentes e os elementos de impacto na paisagem

Elementos de impacto na paisagem

Tipos de poluentes Exemplos Água


Solo Ar
Lençol Superfície

Nutrientes Nitrogênio e fósforo em fertilizantes comerciais, adubos, lodos de


esgoto, resíduos sólidos urbanos x x x _

Pesticidas Inseticidas, herbicidas e fungicidas x x x _

Substâncias orgânicas perigosas Combustíveis, solventes, componentes orgânicos voláteis x x x x

Acidificação Chuva ácida, drenagem ácida de mineração x x x x

Salinidade e sodicidade Água salina de irrigação x x x _

Elementos-traços Metais catíônicos, ânions, microelementos normalmente presentes


em pequena concentração em solos e plantas x x x _

Sedimentos detríticos e químicos Perda de solo devido à erosão _ _ x x

Partículas Dióxido de carbono, metano, óxido nitroso, clorofluorcarbono _ _ _ x

Emissão de gases/componentes da fumaça Ozônio, produtos secundários da combustão _ _ _ x

blemas ambientais associados. Esses ma- QUADRO 2 - Associações geoquímicas entre rochas e elementos, e problemas ambientais mais
teriais de origem possuem características comuns
próprias, que influenciam na qualidade Elementos em
ambiental (Quadro 2). Rochas
concentrações mais altas
Problemas de impacto ambiental co-
muns, no Brasil, são relacionados, por Ultramáficas Cr, Co, Ni, Cu
exemplo, com a mineração de níquel em
corpos ultramáficos, a qual pode provocar Basaltos e rochas máficas Ti, V, Sc, Ni, Co, Cu, Pt
uma concentração de cromo nos rejeitos
lateríticos. Concentrações de terras raras
Alcalinas (sienitos) Nb, Ti, Ta, Zr, P, terras raras
com a mineralização do urânio em corpos
alcalinos (Poços de Caldas, por exemplo);
Pegmatitos (veios mineralizados) Li, Nb, Ta, U, Th, Zr, terras raras
problemas com arsênio em rejeitos de mi-
neração de ouro (Morro Velho, Paracatu);
drenagem ácida em áreas de mineração de Sulfetos Pb, Zn, Cu, Au, Ag, As, Hg, Cd
carvão, e outros tantos. A possibilidade
de contaminações com concentrações mais Fosforitas Terras raras, U, V
elevadas dos elementos listados no Qua-
dro 2, em cada caso de empreendimento Lateritas Ni, Cr, V
exploratório, torna-se quase que necessá-
rio um acompanhamento técnico especia- Aluviões e areias dos rios Au, Pt, Sn, Nb, Ta, Zr, Th, terras raras
lizado, de forma que venha a monitorar as
transferências e a cinética de liberação de Bauxita Nb, Ti, Ga, Be
elementos tóxicos às águas, solos e cul-
turas, o que raramente é verificado. Esse Tufitos Ag, Cu, Zn, Ag, Mn, Ni, Cr, V
monitoramento deveria preceder qualquer
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 23

avaliação técnica responsável, algo, in- orientam a dissecação, constituindo, junto O relevo e os riscos
felizmente, ainda incipiente no Brasil. aos quartzitos, um relevo controlado pela ambientais associados
As rochas têm uma importância acen- estrutura. No detalhe da Figura 1 é apre- Os diagnósticos geomorfológicos con-
tuada do risco ambiental de uma área, não sentado um corte esquemático dos solos tidos nos EIA/RIMA orientam-se pelos
apenas por suas características químicas sobre um gnaisse mesocrático, com bandas possíveis impactos indiretos do empre-
ou geoquímicas (Quadro 2), mas também biotíticas (escuras), o que evidencia maior endimento sobre os aspectos do relevo,
pela forma como ocorrem na superfície. profundidade dos solos nos estratos mais tais como a erosão, assoreamento, riscos
Rochas metamórficas e metassedimentares inclinados, condicionando uma vegetação de inundações, ou mesmo diretos, como
possuem uma tendência a mostrar bandas florestal, sobre solos mais avermelhados e na forma de cortes e aterros, sistemas de
ou estratos, e dependendo da inclinação uma vegetação de campo sujo sobre solos drenagem e retificação de canais fluviais.
destes em relação à superfície, elas terão mais amarelos. O correto diagnóstico dos riscos diretos e
maior suscetibilidade à erosão e degrada- O risco ambiental em cada porção dessa indiretos da ação empreendedora sobre o
ção física (Quadro 3), conforme mostrado paisagem tropical hipotética varia conforme relevo, pressupõe um bom entendimento
na paisagem hipotética da Figura 1 e nos a natureza geoquímica, e ainda, pela orienta- das interações relevo-rocha-solo-clima,
cortes apresentados. Rochas calcárias, ção dos estratos presentes, indicando uma sendo o relevo fruto da ação combinada
mesmo que em estratos horizontalizados, complexa interação geológica, pedológica dos fatores exógenos e endógenos na in-
tendem a formar superfícies mais aplai- e geomorfológica. Sua compreensão vai terface dinâmica da superfície terrestre.
nadas, pelo intenso intemperismo químico depender de uma correta avaliação do pa- A cartografia geomorfológica no Brasil
por dissolução (Fig. 1). Rochas quartzíticas, pel de cada fator e seu peso no controle tem mostrado uma considerável variação
em estratos mais inclinados, formam cristas dos fluxos de matéria e energia. De maneira metodológica, com soluções particulares
aguçadas, sob intensa morfogênese, com geral, as rochas, por controlarem o fluxo de para diferentes áreas e grupos de técnicos
solos rasos ou afloramentos de rocha. Nas liberações de nutrientes, condicionam a (Ross, 1992, Manual..., 1995 e Schaefer et
áreas de xistos/gnaisses ilustradas na Fi- cobertura vegetal, os solos e os mecanis- al., 1998).
gura 1, colinas e cristas convexas e porções mos erosivos mais freqüentes (Quadro 3). De maneira geral podemos reconhecer
côncavas seguem de perto o comporta- Contudo, outros fatores podem alterar esse unidades morfológicas de duas naturezas
mento do bandeamento e foliação, que quadro generalizado de tendências. básicas em sua formação: a forma de erosão

QUADRO 3 - Síntese de classificação das rochas por grupos afins, e problemas nutricionais, hídricos e de erosão associados
Nutrientes/ Nutrientes
Grupo de rochas Características elementos comuns Problemas de erosão
deficientes no solo
no solo
Grupo I Granitos, Gnaisses, Migmatitos. K, toxidez de Al, B Ca, Mg, Fe, Mn, Cu, Em sulcos e ravinas comuns; vo-
Rochas Cristalinas Ácidas Teores de SiO2 > 65% Zn, P, Co çorocas onde ocorrem saprolitos
profundos, expostos (áreas de Cam-
bissolos).

Grupo II Basaltos, Diabásios, Gabros, Dioritos Ca, Mg, Fe, Cu, Mn, Co K, B, Zn Erosão em sulcos comum nos La-
Rochas Cristalinas Básicas Teores de SiO2 entre 54 e 65% tossolos roxos.
Xistos

Grupo III Quartzitos, Mármores K e Al tóxicos nos xistos Generalizados nos Erosão depende da inclinação dos
Rochas Metamórficas e quartzitos estratos sedimentares (xistos). Ra-
Metassedimentares vinas e voçorocas são comuns, em
saprolitos mais profundos de xistos.

Ca/Mg nos mármores Cu, Fe, Zn, Mn nos Formas de dissolução nos mármores
mármores com drenagem subterrânea oca-
sional.

Grupo IV Arenitos Depende do tipo de argila Cu, Fe, Zn, Mn em Erosão em ravina e voçorocas nos
Rochas Sedimentares Siltitos e areias geral pobres no arenitos.
Clásticas Argilitos Brasil Erosão laminar acentuada nos sil-
titos e argilitos.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


24 Agropecuária e Ambiente

Figura 1 - Bloco de diagrama hipotético com inter-relações entre a litologia e o relevo, com diferentes inclinações dos estratos
metassedimentares e bandas gnáissicas

(ou denudação) e as formas de acumulação genéricas devem ser tomadas com cautela, gendo a borda NE da bacia do rio Paraná, é
(ou agradação). As formas erosivas podem pois certas nuanças locais (inclinação dos um exemplo de como podemos ilustrar e
ser tabulares, dissecadas em formas conve- estratos, presença de falhas, presença de condensar os principais aspectos geo-
xas, dissecadas em cristas, escarpas, entre diques e soleiras, aqüíferos e nascentes, ambientais da paisagem. Áreas de aflo-
outras; a forma de acumulação são planí- entre outras) podem alterar sensivelmente ramentos de rochas máficas (basaltos)
cies lacustres, fluviais, marinhas e fluvio- o quadro preditivo de riscos ambientais, mostram tabularidade concordante com a
marinhas; terraços, dunas, e outras formas por via de regra agravando-os. arquitetura dos derrames basálticos na
de menor importância. A paisagem brasileira, entretanto, bacia sedimentar. O impacto do uso da terra
No caso das unidades de dissecação, mostra um conjunto contínuo e complexo em áreas de Chapadas são, predominan-
estas envolvem um considerável risco am- de interações entre os modelados adjacen- temente, a erosão acelerada e a contami-
biental, que depende de aspectos como o tes, em escalas que variam desde regional nação de aqüíferos por pesticidas. No outro
grau de entalhamento da drenagem, as di- (Fig. 2 e 3) até local (Fig. 4 e 5). Em escala extremo, nas áreas mais dobradas dos
mensões do interflúvio e a natureza do solo regional, há uma grande quantidade de metafilitos do Bambuí e xistos Araxá, solos
sotoposto. De forma sintética, o Quadro 4 informações contidas de forma genérica, mais rasos, pobres e álicos, sob cerrado,
procura sintetizar e ilustrar o risco ambiental que podem auxiliar na compreensão ampla pastagens degradadas nas áreas mais de-
associado à cada uma dessas combinações do comportamento de uma bacia hidrográ- clivosas convivem com secular problema
possíveis. fica ou região geomorfológica, com perda de erosão (ravinas e voçorocas), sempre
Apesar de o Quadro 4 relacionar os fa- sensível de detalhes para cada unidade. Já acelerados onde o embasamento mais
tos de forma genérica, há uma grande den- em escalas maiores, local, é possível coorde- pobre em ferro aflora. Zonas dômicas, asso-
sidade de informações de pesquisa e fun- nar e organizar as informações mais detalha- ciadas a intrusões alcalinas ou ultramáficas,
damentos teóricos aí agrupados e interre- das, o que permite uma compreensão mais podem ter problemas ambientais espe-
lacionados, e que permite sua predição bem específica dos riscos ambientais e das cíficos ao relevo.
razoável de riscos ambientais. Deve-se relações dinâmicas entre os modelados e Na Figura 3, pode-se observar um corte
salientar, contudo, que em cada caso e para geoambientes. esquemático de uma paisagem regional, no
cada empreendimento, essas informações O bloco diagrama da Figura 2, abran- caso a bacia do rio São Mateus (MG-ES),

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 25

permitindo associar os aspectos geológi- denotando o caráter neotectônico das es- relevo são comuns à fachada atlântica do
cos aos solos e ao relevo. O corte eviden- carpas que limitam os Maciços com os Sudeste ao Sul da Bahia. Nas áreas mais
cia o papel destacado da geotectônica na Patamares, Colinas e Tabuleiros. Sobre este secas, dos Planaltos Deprimidos, solos
compartimentalização da paisagem. Obser- pano de fundo geoambiental, as principais podzolizados eutróficos estão associados
va-se que as áreas de sotavento dos blocos nuanças de uso da terra são ilustradas com à pastagem de capim-colonião (Panicum
montanhosos são sombras de chuvas, seus respectivos problemas geoambientais maximum). A erodibilidade acentuada des-
onde o efeito orográfico se faz sentir, ori- próprios. Estes problemas são profun- tes solos e a prática de queima para rebrota
ginando áreas de solos mais jovens, a mais damente diferenciados, entre os Tabuleiros expõem os horizontes superficiais e, por
ricos (Podzólicos Vermelho-Escuro eutró- e Patamares, onde predominam pastagens serem rasos, há uma acentuada perda de
ficos), à retaguarda dos Maciços Monta- extensivas, eucalipto, mamão e café Conil- solo, apesar de manter boa produtividade
nhosos, Serra dos Planaltos, onde dominam lon, com aquelas existentes nas áreas mais das pastagens. Isso se deve à reposição
os Latossolos e Podzólicos Vermelho-Ama- elevadas, com pastagem de capim-colonião química pela reserva em nutrientes do sub-
relos, distróficos ou álicos. Ocorrem ainda nos pés e café Arábica e capim-gordura solo, assentado sob rochas gnaissicas rela-
residuais de sedimentos Terciários soer- nos Latossolos Vermelho-Amarelos e Cam- tivamente ricas.
guidos dentro de Blocos Montanhosos, bissolos. Esses cenários de uso, solos e Em escalas maiores locais, os fenôme-

QUADRO 4 - Síntese dos riscos ambientais associados aos tipos de modelados e respectivos ambientes pedológicos, no Brasil

Formas (modelados) Pedoambientes associados Riscos ambientais

Acumulação: Planícies Marinhas e Salinos e Gleis; solos orgânicos e solos indis- Severos onde há ação antrópica, seja pela remoção de
Fluviomarinhas criminados de mangues vegetação tamponante (manguezais), seja pela queima
de matéria orgânica nos Gleis e Orgânicos, o que conduz
à acidificação

Acumulação: Planícies Fluviais e Lacustres Aluviais Gleis e raros Cambissolos; solos salinos Alto, associado com erosão laminar, assoreamento e
sódicos na área semi-árida enterramento de solos; riscos associados à intervenção
antrópica para retificação de canais e drenagem

Acumulação: Terraços Fluviais Cambissolos e Podzólicos; Planossolos em regiões Alto, com erosão laminar e perda de solo arável. Áreas
mais secas preferenciais de cultivos de subsistência, com risco
poluidor por pesticidas em manejos mais tecnificados

Dissecação: Cristas e Escarpas Cambissolos e Litólicos; Cambissolos latos-sólicos Severo, com movimento de massa, formação de ravi-
nas e voçorocas sob intervenção antrópica, ou pasta-
gem degradada, e decapitação dos solos em rochas mais
félsicas. Grave risco de deslizamentos

Dissecação: Convexa em clima úmido Latossolos Vermelho-Amarelos e Cambissolos Moderado a baixo nos LV; moderado a alto nos Cam-
(mar de morros) latossólicos; Podzólicos Vermelho-Amarelos e bissolos latossólicos e alto a severo nos Podzólicos em
Vermelho-Escuros partes rebaixadas função da erodibilidade acentuada nos PE/PV e intensa
morfogênese, com solos mais rasos e expostos

Dissecação: convexa em clima seco Podzólicos Vermelho-Escuros e Brunos-Não- Severo, com intensa morfogênese e graves riscos de
Cálcico do semi-árido; Planossolos eutróficos e intervenção, com uso de tecnologia. Risco menor sob
Regossolos; raros Litólicos e Cambissolos em agricultura de subsistência, com formas de manejo
relevo suavizado. Alguns Podzólicos Vermelho- conservadoras (manejo de leguminosas forrageiras,
Amarelos eutróficos enleiramento de pedras, pequenas barragens etc.)

Dissecação: Tabular (Chapadas e Latossolos Amarelos, Vermelho-Amarelos, Baixo nos LV e LE argilosos; moderado nos LR em função
Tabuleiros Costeiros) Vermelho-Escuros, Latossolos Roxos, Areias da pouca coesão entre microagregados; alto a severo nas
Quartzosas Areias, com formação freqüente de voçorocas sob relevo
plano pelo escoamento difuso. Latossolos com textura
média com risco moderado a alto. Riscos de deslizamento
nas areias. Nos LA ocorre risco moderado a alto pela
erosão laminar acentuada pela exposição do solo. Nestes
solos, o ambiente conservador preserva nutrientes, mas
também retarda a saída de poluentes e pesticidas.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


26 Agropecuária e Ambiente

PLANALTOS E CHAPADAS DA BACIA DO PARANÁ PLANALTOS DO ALTO PARANAÍBA

Rio Paranaíba Divisor São Francisco/Paranaíba


Franci

lentes de arenito basaltos xistos Araxá ultramáficas metapelitos embasamento


Bambuí cristalino

Figura 2 - Bloco diagrama da borda Nordeste da bacia do Paranaíba, entre os divisores Paranaíba/São Francisco, à direita, em São
Gotardo-Patos (Planaltos do Alto Paranaíba), até a calha principal do rio Paranaíba, à esquerda (Planaltos e Chapadas do
Norte da Bacia do Paraná), ilustrando os aspectos morfológicos gerais e o condicionamento litológico do relevo
FONTE: Schaefer et al. (1999).

Café Arábica e Pastagens

Mamão, Reflorestamento Eucalipto, Fruteiras,


Café Conillon, Pastagens

PAadeLAa

Figura 3 - Corte esquemático geomorfopedológico da paisagem das bacias dos rios São Mateus e Itaúna, entre a Serra do Paiol e
Itaúna
NOTA: PEϒmt - Complexo Montanha. Biotita granitóides e gnaisses; PEm - Grupo Macaúbas. Biotita xistos; PEϒg - Suíte Intrusiva
Galiléia. Granodioritos e dioritos com hornblenda e biotita; ϒ1 - Biotita-granito-pórfiro; PEϒm - Complexo Medina. Rochas
graníticas a Biotita; TQbar - Grupo Barreiras. Arenitos imaturos, argilas variegadas, conglomerados, coberturas detríticas
latolizadas; PEpskz - Complexo Paraíba do Sul. Metatexitos, gnaisses mesocráticos, kinzigitos.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 27

Figura 4 - Detalhe das características pedoambientais das pastagens de capim-colonião em áreas de Podzólicos Vermelho-Escuros
eutróficos, mostrados na Figura 3

Escalas aproximadas: horizontal 1:2000; vertical 1:400; espessura das camadas 1:100
Horizonte A - textura argilosa a média
Horizonte A - textura arenosa
Latossolos Vermelho-Amarelos Horizonte B latossólico vermelho-amarelo em blocos
Latossolos Vermelho-Amarelos Horizonte B latossólico degradado
Horizonte C róseo-saprolito
Horizonte C vermelho com atração magnética
Horizonte C acinzentado com mosqueados
Horizonte C acinzentado (glei)
Horizonte C mosqueado de vermelho a amarelo
Horizonte C esbranquiçado com manchas ferruginosas
Nódulos

Areias Quartzosas
Areias
Hidromórficas e
Quartzosas
Podzóis

Figura 5 - Representação esquemática dos perfis de solos ao longo de seqüência LV-Areia Quartzosa Hidromórfica, no estado do
Amazonas
FONTE: Andrade et al. (1997).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


28 Agropecuária e Ambiente

nos pedológicos ganham em importância, risco potencial de poluição, para onde con- ao status químico original. Nas manchas
permitindo visualizar os fenômenos geo- vergem todos os fluxos hídricos superfi- de terra Preta de Índio, os acúmulos secula-
ambientais que ocorrem ao longo de uma ciais e subsuperficiais da paisagem. A res de restos orgânicos propiciam um am-
vertente (Fig. 5) ou conjunto seqüencial matéria orgânica acumulada, neste ambien- biente bem mais rico, intensamente apro-
de paisagem (Schaefer et al., 1999). Nestes te, pode ser carreada através do solo, le- veitado pelas roças dos caboclos na região,
casos, é possível, inclusive, ilustrar aspec- vando consigo elementos de importância, ainda que passíveis de degradação. As
tos de vegetação, covariante, bem como como o fósforo. É um ambiente de pouca várzeas, compartimento mais baixo da se-
suas inter-relações com o substrato pedo- retenção de água e nutrientes e, por isso, qüência da paisagem, compreendem solos
lógico adjacente. Problemas ambientais de com menor biomassa, apesar da inundação de fertilidade química muito superior, com
caráter mais local, específicos, podem ser sazonal. influência de sedimentos trazidos dos An-
previstos e analisados. Na seqüência a seguir (Fig. 6), apre- des e dominância de siltes e argilas com
Na paisagem ilustrada na Figura 5, é senta-se a ocorrência típica dos solos no elevada capacidade de troca de cations
possível prever riscos ambientais diferencia- contato terra firme-várzeas ao longo do Al- (CTC) e teores de nutrientes. Os problemas,
dos ao longo da vertente, desde o topo, com to e Médio Amazonas, onde os impactos e neste caso, são de natureza fitossanitárias
LV argilosos, até a base da vertente, com riscos ambientais são igualmente distintos e decorrentes do excesso de água no perío-
solos mais arenosos (Podzóis a Areias). Os entre os diversos ambientes. Na terra firme, do das cheias. Onde se faz uso de pesticidas
solos da parte superior, mais argilosos, são mancha de solos melhores, antropogê- para o controle de pragas e doenças, o risco
bem mais “tamponados”, retendo nu- nicos, ocorre em meio a um domínio pe- de poluição é grande, pela baixa infiltração
trientes e substâncias químicas, como pes- dológico de Latossolos muito pobres e e mobilidade da água nestes solos. Por ou-
ticidas, com maior eficiência. Já na parte álicos nestes últimos. A sustentabilidade tro lado, a atividade biológica, mas ativa,
inferior, as areias em regime sazonal de dos agrossistemas, após a remoção da flo- condiciona a maior capacidade de biode-
saturação com água, com elevada acidez, resta pela queima, é muito limitada, e longos gradação.
se traduzem em um ambiente de grande pousios se fazem necessários para retornar A Figura 7 ilustra os impactos am-

Ae arenosos LA/PA

Terra Preta
PVpl a

GPHe/GHe

Figura 6 - Seqüência de solos da terra firme até a várzea, às margens do rio Solimões a jusante de Manaus
FONTE: Schaefer et al. (1999).
NOTA: As classes de solos de ocorrência são simbolizadas por: Ae - aluviais eutróficos, GPHe e GHe - Glei Pouco Húmico e Glei
Húmico, eutróficos, PVpla - Podzólico Vermelho-Amarelo plintico e LA/PA - Latossolo Amarelo álico e Podzólico Amarelo álico.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 29

Latossolos e Areias

Cambissolos Eutróficos

Terra Roxa

Aluviais

Arenitos
Basalto

Figura 7 - Corte esquemático da paisagem geomorfopedológica de uma seqüência de arenito do Grupo Bauru ao basalto da
Formação Serra Geral, entre Prata e Itumbiara, próximo ao rio da Babilônia, cujas nascentes se localizam próximas à
Uberlândia

bientais diferenciados na transição de dois nossa atenção para uma correta avaliação intensamente.
geoambientes. Incisão da drenagem pela dos impactos ambientais. De maneira geral, os solos brasileiros
morfogênese expõe os basaltos, criando Os organismos que colonizam a super- são dominados por argilas de baixa ati-
pedoambientes eutróficos (Ce, TRe) outro- fície terrestre são um dos principais agentes vidade com poucas cargas negativas de
ra revestidos de florestas e hoje intensa- na formação dos solos, ao lado de fatores superfície, em função do intemperismo
mente antropizados, dominam aí atividades como clima, relevo e material de origem. A muito acentuado. Além da caulinita, os prin-
de subsistência em modelo de pequena intemperização da rocha, que resulta de cipais minerais secundários, dos solos bra-
agricultura. Nos topos aplainados, predo- processos físicos, químicos e biológicos, sileiros (Quadro 5), goethita, hematita e
minam os Latossolos Vermelho-Amarelos origina um manto intemperizado, ou regoli- gibbsita, têm uma capacidade elevada de
ou Vermelho-Escuros distróficos ou álicos, to, e sobre este se desenvolve o solo. No adsorção de fosfatos, tamponando o fós-
sob cerrado. Nas áreas aplainadas mais ex- processo de intemperização, diferenciam- foro e reduzindo sua biodisponibilidade.
tensas, estes solos são intensamente culti- se horizontes distintos com características Na faixa de pH comuns nos solos tropicais,
vados com soja, algodão e arroz de se- próprias. Na parte superior do perfil, o a quantidade de cargas negativas é muito
queiro, em agrossistemas modernos de alta horizonte O contém matéria orgânica na baixa, o que acarreta uma retenção muito
tecnologia (Schaefer et al., 1999). forma de húmus, formada de materiais de limitada de nutrientes catiônicos pelos mi-
plantas e animais depositados na superfí- nerais de argila. Assim, a matéria orgânica
Os solos e a qualidade cie. Logo abaixo, ocorre um horizonte mine- presente nos solos representa, em condi-
ambiental ral rico em matéria orgânica, caracterizado ções tropicais, uma importante fonte de
Conforme discutido nos itens ante- como horizonte A. O horizonte B é menos cargas elétricas, contribuindo para aumen-
riores, os solos representam um importante afetado pela ação biológica, predominan- tar os valores de CTC nesses solos. Além
balizador dos impactos ambientais, espe- do a acumulação de óxidos de ferro e alu- de contribuir nos fenômenos de troca de
cialmente em escalas locais, em associação mínio e argilas silicatadas, principalmente íons, a matéria orgânica possui muitos ou-
com as rochas e o relevo. Neste item, vamos na parte inferior. Abaixo o horizonte C pos- tros efeitos benéficos aos solos e ao am-
procurar discutir os processos e caracte- sui minerais primários de tamanho mais biente como um todo, conforme ilustrado
rísticas específicas dos solos que merecem grosseiro, e a atividade biológica ocorre no Quadro 6.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


30 Agropecuária e Ambiente

QUADRO 5 - Minerais primários e secundários mais comuns nos solos brasileiros

Mineral Fórmula química Resistência

Minerais primários
Quartzo (dominante) SiO2 Mais resistente
Muscovita KAl3SiO10(OH)2
Feldspato Potássico KAlSi3O8
Biotita KAl(Mg,Fe)3Si3O10(OH)2
Albita NaAlSi3O8
Hornblenda Ca2Al2Mg2Fe3Si6O22(OH)2
Anortita CaAl2Si2O8 Menos resistente

Minerais secundários (dominantes)


Goethita FeOOH Mais resistente
Hematita Fe 2 O 3
Gibsita Al(OH)3

Minerais silicatados de argila


1:1
- Caulinita Al4Si4O10(OH) 8
- Haloisita (incomum) Al4Si4O10(OH)84H2O

2:1 (menos comuns)


- Illita Al4(Si6Al2)O20(OH)4nH2 O
- Esmectitas
Montmorillonita Mx(Al4-xMgx)Si8O20(OH)4
Beidellita MxAl(Si8-xAlx)O20(OH)4
Nontronita MxFe4(Si8-xAlx)O20(OH)4
- Vermiculita Mg(Al,Fe,Mg)4(Si6Al2)O20(OH)4nH2O

2:1:1 (incomum) Menos resistente


- Clorita Mg6(OH)12(Mg5Al)(Si6Al2)O20(OH4)
- Calcita CaCO3

NOTA: M representa um cátion monovalente.

A qualidade de um solo pode ser ava- nentes orgânicos e inorgânicos que deter- termos de sua poluição com concentrações
liada de diferentes maneiras, dependendo minam características, tais como: fertilidade excessivas de nutrientes, pesticidas, subs-
do uso desejado. Em um contexto mais do solo, atividade biológica e salinidade tâncias perigosas e elementos-traços. A
amplo, as propriedades químicas e físicas que são quantificáveis. qualidade de um solo pode ainda ser avalia-
determinam a qualidade do solo. As pro- da pela sua habilidade intrínseca em manter
priedades físicas tais como densidade Os solos sob uso: um ecossistema, em condições naturais.
aparente e textura influenciam na aeração, apropriação da paisagem e Por exemplo, um solo desenvolvido sob
permeabilidade, infiltrabilidade e capacida- ruptura do equilíbrio uma floresta tropical tem a habilidade de
de de retenção de água. As propriedades Quando convertido em solo agrícola, a manter esse ecossistema. Se a floresta for
químicas são as concentrações de compo- qualidade do solo pode ser pensada em removida e substituída por culturas agrí-

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 31

QUADRO 6 - Propriedades de matéria orgânica do solo e seus efeitos associados no solo

Propriedade Observações Efeito no solo

Cor A cor escura típica de muitos solos é causada pela Pode facilitar o aquecimento
matéria orgânica

Retenção de água A matéria orgânica pode aumentar 20 vezes seu peso Ajuda a prevenir os efeitos dos ciclos de umedeci-
na água mento e secagem. Pode melhorar significativamente
as propriedades de retenção de umidade de solos
arenosos

Combinação com minerais de argila Une as partículas de solo em unidades estruturais Permite a troca de gases, estabiliza a estrutura,
chamadas agregados, estabilizando-os aumenta a permeabilidade

Quelação Forma complexos estáveis com Cu2+, Mn2+, Zn2+, Pode aumentar a disponibilidade de micronutri-
Al3+, Fe3+ e outros cátions polivalentes entes para plantas superiores

Solubilidade em água A insolubilidade da matéria orgânica ocorre devido à Pouca matéria orgânica é perdida no lixiviado (áci-
sua associação com argila. Além disso, os sais de dos fúlvicos)
cátions divalentes e trivalentes são pouco solúveis
com matéria orgânica

Efeito tampão A matéria orgânica tampona o solo Ajuda a manter uma reação (pH) uniforme no solo

Troca de cátions A acidez das frações húmicas isoladas variam de Pode aumentar a CTC do solo. De 20 a 70% da CTC
300 a 1.400 cmol/kg de muitos solos (com A chernozêmico) é causada pela
matéria orgânica

Mineralização Decomposição de matéria orgânica produz CO2, Uma fonte de elementos nutrientes para o crescimento
NH4+, NO3-, PO4-3, e SO4-2 da planta

Ligações com moléculas orgânicas Afeta a bioatividade, a persistência e a biodegrada- Modifica a taxa de aplicação de pesticidas por controle
ção dos pesticidas efetivo

FONTE: Pierzynski et al. (1994).

colas, a produção agrícola é mantida so- muito dificilmente retorna à condição ori- micos e orgânicos in situ. A maioria dos
mente por poucos anos, devido ao rápido ginal (Gráfico 1). De maneira geral, po- solos é capaz, em maior ou menor grau, de
declínio na matéria orgânica do solo, perdas demos distinguir algumas características adsorver e neutralizar muitos poluentes
de nutrientes e redução em qualidades bem diferenciadas entre os sistemas agrí- em níveis menos perigosos, através de
físicas do solo. Com a exposição da super- colas de baixo insumos e aqueles conven- processos químicos e bioquímicos. En-
fície desprotegida, a erosão é acelerada cionais, que se encontram sintetizadas do tretanto, há limites para a capacidade do
devido à alta intensidade de chuva. Em al- Quadro 7 e Figuras 9, 10 e 11. solo em receber rejeitos sem que provo-
guns casos, tanto a erosão quanto as mu- Sob uso, a poluição do solo é definida quem efeitos negativos.
danças na fertilidade do solo tornam-no geralmente como o resultado de conta-
inapto para sustentar um ecossistema flo- minação química, pelo uso excessivo de OUTRAS ESFERAS TERRESTRES
restal ou um cultivo agrícola, especialmente pesticidas e fertilizantes que levam à con- SOB IMPACTO
onde as pressões populacionais levam a taminação de águas superficiais e do Além de depender da litosfera e seus
pousios cada vez mais curtos entre os cul- lençol freático. Entretanto, há outras for- componentes (solo, rochas, relevo), a bios-
tivos, diminuindo a sustentabilidade dos mas de poluição ou degradação do solo, fera que constitui a totalidade de organis-
solos cultivados (Gráfico 1 e Fig. 8, p.64). incluindo erosão, compactação e sali- mos vivos, é fortemente dependente dos
Neste caso, chega-se à condição conhecida nização. Os solos são cada vez mais usa- fenômenos que ocorrem nas demais es-
como um equilíbrio de baixa biomassa, que dos como repositórios de rejeitos quí- feras: atmosfera e hidrosfera.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


32 Agropecuária e Ambiente

desnecessário
necessário
anos de
cultivo tempo de pousio

pousio total
cultivo

queda de
pousio
cultivo total produtividade
Gráfico 1 - Relação
entre o tempo de
pousio e a
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 produtividade do
ANOS solo em sistema de
cultivo itinerante

QUADRO 7 - Principais diferenças entre agricultura de baixo insumo, normalmente mais sustentável, e modelos de agricultura convencional

Aspectos Agricultura de baixo insumo Agricultura convencional

Tecnológicos Adapta-se às diferentes condições regionais, aproveitando Desconsideram-se as condições locais, impondo pacotes tecno-
ao máximo os recursos locais. lógicos.

Práticas de convivência com limitações Práticas de redução de limitações


Atua considerando o agrossistema como um todo, pro- Atua diferentemente sobre os indivíduos produtivos,
curando antever as possíveis conseqüências da adoção visando somente o aumento da produção e da produ-
das técnicas. tividade.
O manejo do solo visa movimentação mínima, con- O manejo do solo, com intensa movimentação, descon-
servando a fauna e a flora. sidera sua atividade orgânica e biológica.

Ecológicos Grande diversificação. Policultura e/ou culturas em rotação. Pouca diversificação. Predominância de monoculturas.
Integra, sustenta e intensifica as interações biológicas. Reduz e simplifica as interações biológicas.
Associação da produção animal à vegetal Sistemas pouco estáveis, com grandes possibilidades de de-
sequilíbrios.
Agrossistemas formados por indivíduos de potencial pro- Formado por indivíduos com alto potencial produtivo, que
dutivo alto ou médio e com relativa resistência às variações necessitam de condições especiais para produzir e são altamente
das condições ambientais. suscetíveis às variações ambientais.

Sócio-econômicos Retorno econômico a médio e longo prazos, com elevado Rápido retorno econômico, com objetivo social de classe.
objetivo social.
Baixa relação capital/homem Maior relação capital/homem
Alta eficiência energética. Grande parte da energia introduzida Baixa eficiência energética. A maior parte da energia gasta no
e produzida é reciclada. processo produtivo é introduzida, e é, em grande parte,
dissipada.
Alimentos de alto valor biológico e sem resíduos químicos. Alimentos de menor valor biológico e com resíduos químicos.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 33

Figura 9 - Corte esquemático de área de terra roxa e Podzólico Vermelho-Escuro eutrófico em agricultura de subsistência, com
banana, milho e pecuária extensiva numa área da Colônia do Taiano - Roraima (Amazônia)
NOTA: Esses agrossistemas têm-se mantido produtivos por mais de 30 anos, com pouco ou nenhum uso de insumos.

Figura 10 - Bloco diagrama da paisagem de área desmatada de terra firme com pastagem, em Podzólico Vermelho-Escuro eutrófico
(topos planos) e Cambissolo eutrófico Ta (parte mais dissecada), no Acre, próximo a Senador Guiomard
NOTA: Em primeiro plano, notam-se remanescentes de Floresta Amazônica Subperenifólia, com castanheiras (Bertholetia sp.). Este
pedoambiente de solos rasos e eutróficos, com argilas de atividade alta, constitui um cenário pedológico promissor para a
efetivação de modelos agrícolas de pequena produção, com uso mínimo de insumos, e com elevada sustentabilidade. Proble-
mas relativos à erodibilidade dos solos podem ser contornados com uso de técnicas baratas e acessíveis, desde que haja apoio
oficial e políticas públicas.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


34 Agropecuária e Ambiente

Figura 11 - Visão esquemática do vale do rio Alcobaça, entre Bertópolis e Umburatiba, em áreas de penetração dos Patamares e
Colinas
NOTA: Retoque erosivo originou solos mais jovens e ricos como os Podzólicos Vermelho-Escuros, com restos de cobertura latossólica
nos residuais aplainados mais conservados. Área de uso intensivo com pastagens, com modelo fundiário de propriedades
médias e grandes.

Atmosfera Hidrosfera mando turfa. As condições ácidas e anóxi-


Devido à magnitude da concentração A paisagem influenciada pelas águas cas desses ambientes restringem a recicla-
de N2 (78%) e O2 (21%) na atmosfera, estes nas camadas superficiais da hidrosfera gem do carbono e podem contribuir para o
elementos se mantêm relativamente cons- (rios, lagos e mares), na interface com a acúmulo de combustíveis fósseis.
tantes. Outros gases, incluindo os po- atmosfera, é o habitat favorável aos micror- Bactérias que crescem na porção anóxi-
luentes, são fortemente alterados pelas ganismos fotoautotróficos, com acesso ao ca de alguns solos e sedimentos com má
emissões antropogênicas. Grandes quan- CO2 da atmosfera e à radiação luminosa. drenagem dependem dos compostos or-
tidades de poluentes estão sendo liberadas Alguns nutrientes e metais são mais con- gânicos da zona superficial. O sedimento
na atmosfera diariamente. A qualidade do centrados nesta zona superficial. Os pro- favorece a proliferação e a decomposição
ar é tão importante quanto a do solo e da dutores secundários também proliferam anaeróbia abaixo da superfície onde o oxi-
água, uma vez que a atmosfera circunda nesta camada, devido à alta concentração gênio é ausente. Os fatores químicos são
toda a Terra, enquanto o solo e a água não. de O2 disponível na atmosfera. O número parâmetros importantes para o crescimento
Grande parte do ciclo biogeoquímico se dá de microrganismos na interface atmosfera/ de microrganismos. Concentrações de nu-
na atmosfera. Portanto, a atmosfera tem hidrosfera de lagos, rios e mares chega a trientes inorgânicos, especialmente fósforo
uma importante participação nos fluxos dos ser de 10 a 100 vezes maior que nas ca- e nitrogênio, são importantes para deter-
nutrientes e transporte de contaminan- madas inferiores de água. Problemas de eu- minar a habilidade do habitat que suportará
tes. trofização da água podem-se tornar graves o crescimento e metabolismo microbiano.
A atmosfera consiste de quatro cama- para toda a cadeia alimentar (Quadro 8), O pH é outro fator, além da salinidade, que
das: troposfera, estratosfera, mesosfera e aumentando os custos de tratamento da influencia no crescimento microbiano nes-
termosfera. Dessas camadas, a troposfera água para consumo humano. tes solos.
é a de maior importância, a qual compre- Em áreas de solos pantanosos ou en- Os rios possuem em seu curso superior
ende a camada de contato com a superfície charcados, sob condições de má drenagem, um alto grau de oxigenação e temperatura
da terra, importante nos processos bio- a produção primária é alta na superfície, mais baixa. Neste local a produção primária
geoquímicos. A estratosfera é importante enquanto que no sedimento submerso a é maior. A maioria dos microrganismos em
no transporte global de algumas substân- condição é anóxica, e grandes quantidades rios cresce aderidos às superfícies, como
cias e nos processos químicos do ozônio. de materiais húmicos acumulam-se, for- rochas submersas. Parte dos nutrientes dis-
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 35

QUADRO 8 - Problemas de qualidade da água associados com a eutrofização

Problema de qualidade da água Fatores da eutrofização que contribuem

Qualidade, gosto e odor da água Nutrientes, sedimentos suspensos degradam a qualidade da água e aumentam o custo da purificação
de água potável; as condições anóxicas e as toxinas produzidas durante o crescimento de algas podem
causar a morte dos peixes e fazer com que a água se torne nociva para aves e outros animais.
Antibióticos e substâncias orgânicas nos sistemas de agricultura podem causar danos.

Baixa diversidade de espécies O crescimento estimulado de certos organismos diminui o número e o tamanho da população de
outras espécies; com o tempo, os lagos passam a ser dominados por algas e peixes de rápido
crescimento.

Prejuízos do uso em recreação e navegação O aumento da sedimentação diminui a profundidade do lago, o crescimento vegetativo acelerado
bloqueia as águas navegáveis; biomassa de algas em decomposição promove a proliferação de insetos
e produz espumas de odor repugnante.

solvidos é rapidamente absorvidos por es- nicos decaindo a concentração de O2 pela cada vez mais comum em áreas agrícolas
ses microrganismos aderidos e liberados utilização microbiana para própria decom- de monocultivo altamente tecnificadas, co-
após a morte, sendo perdidos com a cor- posição da matéria orgânica. Os efluentes mo por exemplo nas bordas elevadas dos
renteza. industriais introduzem compostos tóxicos, planaltos que circundam o Pantanal de
Desta maneira os nutrientes de um rio como metais pesados, que afetam a ativi- Mato Grosso, que carregam imensas quan-
têm muito menos ciclagem, e o transporte dade e sobrevivência dos microrganismos. tidades de poluentes e sedimentos ao Pan-
remove-os antes do ciclo ser completado. Os rios também recebem compostos tanal, através dos rios Paraguai e São Lou-
Muitos rios recebem altas quantidades de oriundos da atividade agrícola através da renço. Em áreas de arenito, com coberturas
efluentes de indústrias e de núcleos ur- erosão, como herbicidas, fungicidas e in- latossólicas nas Chapadas, o risco am-
banos. Os efluentes urbanos introduzem seticidas, além de resíduos de adubos e biental de poluição das veredas, a jusante,
altas concentrações de compostos orgâ- corretivos. Este tem sido um problema é muito elevado (Fig. 12 e 13).

Latossolos Vermelho-Amarelos
textura média

Gleis Orgânicos

Coberturas
Terciárias

Arenito Bauru

Figura 12 - Os fluxos hídricos têm sua qualidade afetada pelo uso de substâncias solúveis nas Chapadas, que podem contaminar
facilmente os aqüíferos e solos a jusante
NOTA: Representação esquemática de uma seqüência geomorfológica sobre arenito do Grupo Bauru (Formação Adamantina), em
Latossolos Vermelho-Amarelos textura média sob Cerrado e Veredas de Buritis em baixadas hidromórficas com solos Glei
Húmicos e Orgânicos, na região do Alto Rio da Prata, na divisa de Mato Grosso do Sul e Goiás (divisores Araguaia/
Paranaíba/Paraguai.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


36 Agropecuária e Ambiente

Figura 13 - Detalhe esquemático de uma pedofitoseqüência de vereda (Floresta Hidrófila de Buritis) com solos orgânicos, campo
higrófilos/hidrófilos de várzeas (solos gleizados) até campo cerrado, com substrato em arenitos silicificados do Grupo
Bauru (Formação Adamantina)
NOTA: Nota-se concentração de Petroplintita (agregação do ferro oxidado) nas rupturas suaves de declive, balizando o contato cam-
po cerrado/campo de várzeas. A dinâmica hídrica é mantida pela eficiente recarga dos aqüíferos nos saprolitos areníticos,
que garantem a perenicidade dos cursos d’água nas veredas, no mesmo tempo que ilustram a extrema fragilidade do
ambiente com aporte de pesticidas.

AGENTES DE POLUIÇÃO NA XIX, as atividades humanas têm injetado de CO2 na atmosfera retém grande parte
PAISAGEM AGRÍCOLA E uma significativa quantidade de carbono dessa radiação, conseqüentemente, aque-
INDUSTRIAL inorgânico fóssil, na forma de CO2, na cendo a Terra. Cientistas geralmente con-
atmosfera pela queima de combustíveis. cordam que a temperatura global aumentará,
Os poluentes foram classificados em Atividades humanas têm, recentemente, in- mas há discordância e desconhecimento a
orgânicos e inorgânicos para melhor es- troduzido grandes e mensuráveis mudan- respeito da intensidade e de como este
truturação e explicação. Cada categoria de ças no ciclo do carbono. O reservatório está fenômeno afetará o clima. Além disso, este
poluente pode causar impacto em mais de aumentando de ano a ano. Como resultado aumento da temperatura global pode re-
um ecossistema, além de representar nume- o ciclo do carbono global sofrera modifi- duzir o tamanho das geleiras polares,
rosos processos. Por exemplo, a acidifica- cações. Entre 1860 e 1980, o CO2 atmosfé- aumentando substancialmente o nível dos
ção consiste de várias reações não-relacio- rico subiu em aproximadamente 70 ppm, oceanos.
nadas, algumas ocorrendo na atmosfera e passando de 270 ppm, antes da indus-
outras na litosfera, que formam produtos trialização, para 340 ppm. O aumento na Nitrogênio
ácidos que afetam negativamente seus concentração do CO2 atmosférico é devido, O nitrogênio (N) é um dos nutrientes
respectivos pontos finais. principalmente, à queima de combustíveis mais importantes tanto para as plantas
fósseis, com contribuição adicional de CO2 quanto para os microrganismos. Enquanto
Impacto dos poluentes liberado de biomassa florestal e húmus seu uso intensivo na agricultura moderna
inorgânicos na paisagem provenientes do desmatamento para a na forma de fertilizantes é extremamente
Entre os poluentes inorgânicos relacio- atividade agrícola. Existe, atualmente, uma necessário, uma série de impactos ambien-
nados com os agroecossistemas, os mais preocupação nesse contínuo aumento do tais potencialmente sérios tem também sido
expressivos estão descritos a seguir. CO2 atmosférico, sendo sua taxa da ordem mostrados (Quadro 9). O uso intenso de
de aproximadamente 1 ppm/ano, devido ao fertilizantes nitrogenados na agricultura
Dióxido de carbono “efeito estufa”. O CO2 é transparente, po- pode aumentar o pool de nitrato no ciclo
O maior reservatório de carbono reciclá- rém absorve fortemente a radiação com do N. O nitrato é relativamente inócuo, mas
vel é o CO2 atmosférico. Desde o começo comprimento de onda na faixa do infraver- sua conversão redutiva microbiana resulta
da revolução industrial, no início do século melho. Dessa forma, a alta concentração em produtos que causam problemas de po-

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 37

QUADRO 9 - Sumário dos problemas ambientais associados com nitrogênio

Problema ambiental Mecanismos causadores e impactos

Saúde humana e animal

Metamoglobinemia Consumo de água com elevado nitrato; importante especialmente para as crianças, pois
interrompe o sistema de transporte de oxigênio no sangue

Câncer Consumo de água com elevado nitrato; importante especialmente para as crianças, pois
interrompe o sistema de transporte de oxigênio no sangue

Envenenamento por nitrato Ingestão de águas ou alimentos com alto teor de nitrato

Dano ao ecossistema e solos

Contaminação dos lençóis d’água Lixiviação de nitrato proveniente de fertilizantes, manejos, argilas, água suja, fossas sépticas;
pode causar impacto na saúde humana e animal, e no estado eutrófico das águas superficiais

Eutrofização das águas superficiais Nitrogênio solúvel ou ligado a sedimentos provenientes de erosão; descarga direta de N de
usinas de tratamento de águas, de rejeito municipal ou industrial; deposição atmosférica de
amônia e ácido nítrico; degradação geral da qualidade da água e diversidade biológica das águas.

Chuva ácida O ácido nítrico, originado pela reação de óxidos de N com umidade na atmosfera retorna ao
ecossistema terrestre na forma de chuva, neve, névoa ou nevoeiro (deposição úmida) ácidos ou
como partículas ácidas (deposição seca)

Diminuição da camada de ozônio na Os óxidos nitrosos provenientes da queima de combustíveis fósseis e da desnitrificação do
estratosfera, mudança no clima global nitrato nos solos são transportados para a estratosfera, onde ocorre a destruição da camada de
ozônio; o incidente da radiação ultravioleta aumenta o calor global na superfície terrestre

luição local e global. O nitrato pode ser genados, as nitrosaminas, é de grande simbiótica do N, o que não tem sido obser-
reduzido a nitrito em solos, sedimentos e importância para a saúde pública, por apre- vado nos países mais ricos do globo.
ambientes aquáticos, em condições anae- sentar um potencial efeito carcinogêni- O ácido nítrico (HNO3) é um dos maio-
róbias. A redução microbiana anaeróbia de co. As nitrosaminas (R2N-N=0) são for- res componentes de “chuva ácida”, causa-
nitrito em solos e sedimentos leva à for- madas pela reação, sob condições ácidas da pela liberação de óxidos de nitrogênio
mação de amônia, óxido nítrico, óxido ni- (pH < 4), das aminas secundárias e terciá- (N2O, NO) para a atmosfera, durante a
troso e/ou N elementar. O N2O e o N2 são rias (R2NH, R3N) com ácido nitroso anidro queima de combustíveis fósseis. A chuva
produtos da desnitrificação, sendo que, a (N2O3), proveniente do NO2-. ácida (pH < 5,6) ou deposição de partículas
liberação destes predomina em condições Em tese, o óxido nítrico (NO) provenien- ácidas pode afetar de forma intensamente
de baixo pH. O N2O sobe à estratosfera e te da desnitrificação poderia reagir com negativa os ecossistemas florestais e a água
através de sua fotodecomposição contribui ozônio, causando assim a destruição da ca- superficial.
para a destruição da camada de ozônio da mada de ozônio através de várias reações. O N tem uma importância muito grande
atmosfera. A excessiva desnitrificação, Há pouca dúvida de que o aumento da des- na eutrofização de águas naturais. A eutro-
resultante de um elevado input de nitrato nitrificação, causado pelo uso intensivo de fização é definida como um aumento na
através de adições de fertilizantes, torna- fertilizantes nitrogenados, contribui para a concentração de nutrientes de águas natu-
se um problema de poluição global. No Qua- destruição do ozônio. O uso mais prudente rais que causa crescimento acelerado de
dro 10, apresentam-se, resumidamente, os e racional de fertilizantes nitrogenados algas e plantas aquáticas, diminuição de
principais mecanismos causadores de im- poderia controlar o problema, mas isto oxigênio dissolvido, aumento da turbidez
pactos ambientais pelas alterações nos flu- poderia também resultar em menor pro- e degradação geral da qualidade da água.
xos de N nos solos e nos sistemas naturais. dutividade agrícola. Esse problema poderia Esse aumento da concentração do N nas
Uma outra classe de compostos nitro- ser contornado, investindo-se na fixação águas naturais é conseqüência do uso
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000
38 Agropecuária e Ambiente

exagerado do N na agricultura (poluição As preocupações ambientais relacio- sendo a reação química como descrita a
não-pontual) e de inputs de N da descarga nadas com o S são: deposição ácida, drena- seguir:
direta de águas residuais urbanas, indus- gem ácida de mineração, acidez nos solos Thiobacillus thiooxidans e T. ferroxidans
triais e áreas de recreação (Quadro 8). e contaminação do lençol freático (Qua- são comuns em áreas mineradas. Quando
dro 10). A oxidação de sulfetos em solos as operações de mineração expõem grandes
Fósforo
produz quantidades substanciais de ácidos quantidades de minerais reduzidos (sul-
O fósforo (P) é essencial para todas as fortes. Em condições anaeróbias, o solo feto), as atividades dessas bactérias pro-
formas de vida na Terra, não apresentando produz grandes quantidades de sulfeto e S duzem uma drenagem ácida a qual é um
efeitos tóxicos conhecidos. A principal elementar (formas reduzidas do S). Se esse fenômeno destrutivo de poluição, extrema-
preocupação associada ao P no ambiente ambiente vir a sofrer modificações pela dre- mente comum em áreas de mineração em
é o seu efeito na eutrofização de ecossiste- nagem e, com isso, sua exposição à oxida- Minas Gerais.
mas aquáticos e da água de consumo (Qua-
ção, bactérias quimioautotróficas oxidam Os combustíveis fósseis (carvão, petró-
dro 8). O entendimento claro do processo
as formas reduzidas do S, com a finalidade leo etc.), contêm substanciais quantidades
de eutrofização, como sendo a maior forma
de obter energia através dessa oxidação, de S. Muito desse S está presente como
de impacto ambiental causado pelo P, é es-
sencial para o desenvolvimento de estraté-
gias para seu manejo. Em ambientes aquá-
ticos oligotróficos, as concentrações de P QUADRO 10 - Impactos potenciais ao ambiente causados pelo enxofre
solúveis e adsorvidas nos sedimentos são
Fenômeno Descrição do problema
baixas e limitam o crescimento de algas e
plantas aquáticas. O aumento na entrada Deposição ácida A formação de ácido sulfúrico (H2SO4) na atmosfera resulta
de P nesses sistemas, através de usinas de na deposição úmida (chuva, neve, neblina) e deposição
tratamento de águas residuais, da conver-
seca (particulados) que podem ser prejudiciais à vegetação,
são de terras florestadas para o uso agrícola
às fontes de água, estruturas e construções, e ao ser humano
e da erosão, estimula o crescimento de algas
e plantas aquáticas, iniciando o processo
de eutrofização. Níveis adequados de P em
solos são essenciais para a produção agrí- Solos ácidos com sulfato Causado pela liberação de H2SO4 nos solos devido à
cola. A fertilização com P é, portanto, um oxidação de materiais sulfídricos que estão normalmente
componente vital da agricultura moderna. associados com regiões costeiras e operações em minas de
O P encontrado no ambiente terrestre é carvão
originado primariamente da ciclagem bioló-
gica e da intemperização de minerais dos
solos e rochas. O P solubilizado é então
Atividade de microrganismos A oxidação das formas reduzidas de S a partir das ati-
acumulado pelas plantas e animais (formas
vidades minerarias produz H2SO4, que pode impactar os
estáveis), adsorvido pelos oxi-hidróxidos
ou erodido para os cursos d’água e ocea- solos ou estéreis, bem como a superfície das águas nas
nos. A quantidade total de P em um lago proximidades
ou outra fonte de água superficial será
controlada pelo balanço entre a entrada de
fontes externas de P e a sua saída pela dre- Contaminação dos lençóis de água Altos níveis de SO4 podem tornar os lençóis de água
nagem via rios ou outros cursos d’água. O potável impróprios para o consumo humano e animal
balanço positivo de P aumentará a proba-
bilidade de eutrofização.

Enxofre Intoxicação com enxofre Animais ruminantes e não-ruminantes podem sofrer


O enxofre (S) é um elemento essencial de intoxicação com S; os ruminantes são suscetíveis a
que é requerido por todos os organismos (NH4)2 SO4 e gesso (CaSO4) quando estes são usados
vivos, sendo constituinte de alguns amino- como fontes de N (sem proteína) ou fontes de alimento
ácidos, vitaminas e hormônios. O S ocorre Ca, respectivamente; os não-ruminantes são susceptíveis
naturalmente em várias formas orgânicas e ao excesso de aminoácidos-S, principalmente metionina,
inorgânicas que são parte da geoquímica
em sua alimentação.
do ciclo global desse elemento.
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 39

pirita (FeS2) originada do H2S produzido Devido aos problemas de poluição, pa- Os resíduos orgânicos possuem con-
pelas bactérias redutoras do sulfato. Quan- drões de qualidade do ar pressionam para centrações variadas de elementos-traços,
do esses materiais são queimados, a maioria a limitação das emissões de dióxido de en- com potencial ação poluidora da paisagem
desse S é convertido a SO2, o qual se com- xofre. Sistemas para remover SO2, quando (Quadro 11) e, por isso, devem ser alvo de
combustíveis com alto teor de S são usa-
bina com a água da atmosfera, formando uma avaliação criteriosa antes de ser utili-
dos, são caros e apresentam uma variedade
ácido sulfuroso (H2SO3). A fotooxidação de problemas operacionais. Microrganis- zados com fins agrícolas ou reciclados de
também converte alguns SO2 a SO32-, tendo- mos mostram algum potencial para remover qualquer outra forma.
se como resultado final ácido sulfúrico S dos combustíveis fósseis antes da quei- Os elementos-traços do solo podem ser
(H2SO4). Inversões atmosféricas em áreas ma. A atividade de bactérias oxidantes do divididos em três categorias, com base na
urbanas, no inverno, levam à formação de S poderia teoricamente ser utilizada para forma química esperada na sua solução. Os
nuvens ácidas altamente irritantes e pouco esse propósito, talvez a um custo viável. metais catiônicos, são elementos metálicos
saudáveis. cujas formas predominantes, na solução de
Elementos-traços
A queima de combustíveis fósseis tam- solo, são cátions (As+, Cd2+, Co2+, Cr3+,
bém leva à formação da chuva ácida, como Os elementos-traços normalmente es- Cu2+, Hg2+, Ni2+, Pb2+ e Zn2+). Os oxiânions,
ocorre com o N. A água da chuva tem um tão presentes em concentrações relativa- são elementos que quando combinados
pH ligeiramente abaixo da neutralidade, mente baixas, nos solos ou nas plantas. Os com oxigênio apresentam na sua molécu-
devido à acidez fraca do H2CO3, que pode termos micronutrientes e metais pesados la balanço de cargas negativas (AsO43-,
tornar-se bastante ácida (pH 3,4 – 4,0) por são usados para descrever categorias de B(OH)4-, CrO42-, MoO42-, HSeO3- e SeO24-).
causa dos ácidos sulfuroso e sulfúrico. A elementos-traços. O uso do termo micronu- Os halogênios são membros do grupo VIIA
chuva ácida, por sua vez, corrói constru- trientes não será usado neste trabalho por- na tabela periódica e estão presentes como
ções e monumentos feitos de calcário e que implica os elementos essenciais para o ânions na solução de solo (F-, Cl-, Br- e I-).
mármore, danifica as plantas, pode causar crescimento e desenvolvimento de algum Alguns elementos podem ocorrer em mais
decréscimo substancial do pH em solo e organismo, porém muitos elementos-traços de uma categoria. Os usos dos elementos-
águas, levando à eliminação de espécies não são essenciais. O uso do termo metais traços são bem variados e numerosos. Con-
tanto microbianas como de plantas e ani- pesados também não deverá ser usado, siderável interesse de utilização dos elemen-
mais. As regiões industrializadas não são porque ele se refere a elementos metálicos tos-traços se concentra na área de suple-
as únicas áreas afetadas pela chuva ácida. com uma massa atômica maior que a do mentos dietéticos para uso humano, por ser
As correntes de ar distribuem os poluentes ferro (55.8 g/mol), ou elementos com densi- alguns deles elementos essenciais. O Pb e o
do ar. Esse processo acelera também o in- dade superior a 5,0 g/cm3, e isto exclui mui- As são usados, comumente, em pesticidas.
temperismo químico. tos elementos-traços. O Pb também está contido na gasolina e nas

QUADRO 11 - Concentrações máximas, limites legais, taxa de carga anual e acumulativa para elementos traços presentes em resíduos orgânicos

Concentração máxima Carga acumulada Carga máxima anual


Elementos-traços
(mg/kg) (kg/ha) (kg/ha/ano)

Arsênio (As) 75 41 2,0

Cádmio (Cd) 85 39 1,9

Cromo (Cr) 3.000 3.000 150

Cobre (Cu) 4.300 1.500 75

Chumbo (Pb) 840 300 15

Mercúrio (Hg) 57 17 0,85

Molibdênio (Mo) 75 18 0,90

Níquel (Ni) 420 420 21

Selênio (Se) 100 100 5,0

Zinco (Zn) 7.500 2.800 140

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


40 Agropecuária e Ambiente

tintas. O Zn é usado extensivamente na ma- mentos no ambiente é atribuída ao sistema sia o conceito de paisagem manteve sua
nufatura de produtos de borracha, metais responsável para a geração anaeróbia de visão holística, incluindo fenômenos da
galvanizados e no branqueamento de caulim. metano. Alguns microrganismos também geosfera e biosfera. Na Austrália, nos anos
O Cr é usado em componentes de automó- são capazes de mobilizar e acumular ele- 60, surgiria a “Divisão de Pesquisa da Ter-
veis e na manufatura de aço. mentos-traços. ra”, hoje “Divisão do Uso da Terra”, que
Em função da existência dos mais varia- adotou um sistema inovador de levanta-
Pesticidas
dos usos para elementos-traços, há também mento do Uso da Terra e Avaliação da
variadas maneiras para a contaminação do O impacto do advento dos pesticidas Aptidão Agrícola, levando em conta fatores
solo por eles. A mineração de alguns desses organosintéticos na paisagem agrícola mun- ecológicos e sócio-econômicos no planeja-
elementos tem criado problemas de con- dial é hoje uma das maiores preocupações mento do uso da Terra (Christian & Stewart,
taminação do solo. Usinas de tratamento ambientais globais, que afeta a qualida- 1968). Na Holanda, o Instituto Internacional
de águas residuais municipais (doméstico de de vida humana e biológica, através dos para Levantamentos Aéreos e Ciências da
e industrial) geram lodo de esgoto e este, efeitos na atmosfera, hidrosfera e solo. As Terra (ITC) desenvolveu a Ciência da Pai-
quando aplicado no solo, enriquece-o com categorias de pesticidas variam desde sagem em relação estreita com fatores eco-
elementos-traços. Veículos motorizados, herbicidas, inseticidas, fungicidas, bac- lógicos.
movidos a óleo diessel, emitem Cd, Zn, Ni, tericidas, nematicidas e acaricidas, até os Os sistemas naturais e mesmo antró-
Cr, V, W e Mo do atrito de pneus e metais, modernos rodenticidas utilizados para o picos tendem a mostrar uma notável auto-
e os movidos à gasolina, Pb. Resíduos de controle de ratos e outros roedores do- organização e diversos mecanismos de
metais são encontrados também em alguns mésticos no armazenamento de grãos. Os simbiose. Na prática, reconhecemos hoje
sprays agrícolas e corretivos do solo. O efeitos adversos e impactos na paisagem uma verdadeira tendência à ordem (orga-
cobre é usado como suplemento dietético na podem ser muito variáveis, e, no Brasil, seu nização) através da flutuação. Até recente-
alimentação de suínos, produzindo dejetos monitoramento se encontra em estado mente, tratava-se o não-equilíbrio termo-
ricos desse elemento, que podem ser aplica- inicial, excetuando-se talvez os trabalhos dinâmico nos sistemas naturais como um
dos em solos agrícolas. As áreas urbanas da Companhia de Tecnologia de Sanea- distúrbio temporário do equilíbrio, até que
próximas a fontes de elementos-traços terão mento Ambiental (Cetesb) em São Paulo, e estudos demonstraram ser possível que o
concentrações altas deles nos solos. nos monitoramentos assistemáticos e não-equilíbrio fosse também uma fonte de
A erosão do solo é o mecanismo princi- pontuais em outros Estados da Federação. ordem e organização (Prigogine, 1976 e
pal por meio do qual os elementos-traços No Quadro 12 estão ilustrados os prin- Zaveh & Lieberman, 1993). Conceitos pe-
são transferidos dos solos para os ambien- cipais processos de transferência de subs- dológicos incorporaram, ao mesmo tempo,
tes aquáticos. Os efeitos de concentrações tâncias químicas orgânicas, que possuem a idéia de Caos, ou um permanente estado
elevadas de elementos-traços em ambien- potencial poluidor nos solos, com ênfase de desequilíbrio, para explicar a comple-
tes aquáticos são extremamente difíceis de nos pesticidas organosintéticos. xidade dos processos pedogenéticos.
determinar, devido, em grande parte, à Os impactos gerais da aplicação dos Segundo estes estudos, a ordem biológica
mobilidade de alguns deles e à dificuldade pesticidas na qualidade ambiental encon- dos sistemas naturais operariam fora dos
de separar os efeitos da água contaminada tram-se resumidos no Quadro 13. domínios do conceito clássico de equilí-
com os dos sedimentos contaminados. brio, e portanto, precisamos considerar
O processo de metilação de alguns ele- UMA SÍNTESE: A ECOLOGIA DA situações de não-equilíbrio para explicar os
mentos-traços (Hg, Se, As) resulta no au- PAISAGEM NA GESTÃO fenômenos naturais.
mento de sua toxidez e biomagnificação. AMBIENTAL A ecologia da paisagem é o estudo das
Os microrganismos são capazes de trans- O termo “paisagem” foi introduzido no inter-relações dos fenômenos da geosfera
ferir grupos metila para esses elementos. meio geográfico-científico no início do e biosfera; sua dinâmica e processos fun-
As interações microbianas com alguns século XIX por Alexander von Humbol, o cionais, que definem a ecologia da paisa-
desses elementos resultam na mobilização sábio alemão pioneiro da Geografia Física gem. Esses estudos abrangem a paisagem
e potencialização deles como sérios po- e Geobotânica. Contudo, com o avanço humana e envolvem graus de modificação
luentes ambientais. O mercúrio, o qual tem das ciências da terra, o conceito estreitou- (interferência) antrópica. Levam em conta
recebido muita atenção, serve para ilustrar se, tornando-se sinônimo na Comunidade ainda, fatores sócio-econômicos, além de
bem o processo. O fenômeno mostra a ten- Acadêmica Ocidental de Fisiografia ou, ecológicos. É um conceito novo que agrega
dência geral das cadeias alimentares, no mais especificamente, dos Estudos das For- muitas das ciências tradicionalmente envol-
ambiente aquático, de acumular esses ele- mas da Terra - a Geomorfologia. vidas com o meio ambiente, dentro de um
mentos. A metilação de Hg e outros ele- Na Alemanha e, especialmente, na Rús- paradigma diferenciado, de visão holística
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 41

QUADRO 12 - Dinâmica das substâncias químicas orgânicas (SQO) nos solos e meio ambiente, com referência especial aos pesticidas

Processo Conseqüência Fatores

Transferência (processos que reco-


locam SQO sem alterar sua estru-
tura)

Deriva física Movimento de SQO devido à ação do vento Velocidade do vento, tamanho da gota, distância física
do objeto

Volatilização Perda devido à evaporação a partir do solo, planta ou Pressão do vapor, velocidade do vento, temperatura
dos ecossistemas aquáticos

Adsorção Remoção das SQO pela interação com plantas, solos Argila e conteúdo de matéria orgânica, tipo de argila,
e sedimentos umidade

Absorção Entrada de SQO pelas raízes das plantas ou ingestão Transporte de membrana celular, tempo de contato e
animal susceptibilidade

Lixiviação Translocação de SQO lateralmente ou descendente Conteúdo de água, macroporos, textura do solo, argila e

através dos solos conteúdo de matéria orgânica

Erosão Movimento de SQO devido à ação da água Chuva, velocidade do vento, tamanho das partículas de
argila com matéria orgânica com SQO nela absorvidos

Degradação (processos que alteram


a estrutura química)

Fotoquímica Separação das SQO devido à adsorção da luz do sol Estrutura de SQO, intensidade e duração da luz do sol
(raio ultravioleta) (exposição)

Microbiológico Degradação de SQO pelos microrganismos Fatores ambientais (pH, umidade, temperatura), status
de nutriente, conteúdo de matéria orgânica

Química Alteração da SQO pelos processos químicos, assim Alto e baixo pH, mesmos fatores como para degradação
como reações de hidrólise e redox “microbial”

Metabolismo Transformação química das SQO depois de ser absor- Pode ser absorvido, metabolismo do organismo, inte-
vidas pelas plantas ou animais rações com o organismo

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


42 Agropecuária e Ambiente

QUADRO 13 - Impactos das aplicações de pesticidas na qualidade ambiental e eficácia do controle de pestes

Impactos
Especificações
Qualidade ambiental Controle de pestes

Tipo de pesticida Alta sorção, baixa lixiviação. Rápida degradação - não- Eficácia do controle, dependendo do pesticida
transportado. Toxidez - determina a concentração máxima
permitida em água

Tipo de aplicação Incorporado ao solo - maior chance de contaminação dos Toxidez para peste, microbiota e plantas
lençóis d’água. Aplicação no subsolo - diminui o risco de
deriva do pesticida

Tecnologia spray Muitas gotas - deriva física reduzida Condições úmidas do solo podem prejudicar o tempo
de otimização

Período de aplicação Perto de caminhos de enxurradas ou irrigação - aumenta a Grandes dosagens podem diminuir a eficácia. A eficácia
chance para a contaminação dos lençóis subterrâneos do pesticida depende do tempo adequado

Horário da irrigação Irrigação planejada - reduz o potencial de contaminação Mudanças na umidade do solo podem afetar as pragas
das águas nos lençóis subterrâneos e na superfície.

Lavoura Efeitos mínimos na lavoura - reduz escorrimento su- Aumenta a densidade das pragas, sendo necessária a
perficial, requer maiores níveis de pesticida, maior risco aplicação adicional de pesticida
de lixiviação ou deriva do pesticida

Procedimentos próprios da Abuso (uso incorreto) de pesticida - aumenta a conta- Não há efeitos negativos no controle de pestes
irrigação minação da água e do solo

e abrangente, integrando os diferentes as- solar para que ocorra essa ação or- mos quase sempre em conflito aberto.
pectos da paisagem numa visão orgâni- ganizadora. Uma visão mais integradora da paisa-
ca. Os estudos de ecologia da paisagem gem é possível e desejável, a partir das
Dentre os principais que regem a eco- permitem concluir que a “civilização hu- informações dos relatórios técnicos temá-
logia da paisagem, destacamos: mana”, sendo um dos mais complexos sis- ticos de geomorfologia e pedologia, pois
a) a auto-organização dos sistemas temas ecológicos, é também um dos mais estes representam a interface viva e dinâ-
naturais; vulneráveis, com muitas relações de de- mica da paisagem total. Através da coor-
pendência. Em um cenário de paisagens denação das informações de litologia,
b) a existência da “ordem” através da
totalmente modificadas, poluídas e radioa- estrutura, morfologia e solos, é possível
flutuação;
tivas, o ser humano será o primeiro a sofrer uma predição sintetizada dos riscos am-
c) sistemas sob estresse são regra, não as conseqüências, muito antes que os bientais e impactantes, em escalas variá-
exceção; biossistemas venham a sofrer danos mais veis. Como exemplo ilustrativo, citamos o
d) a “ordem” imposta pela ação bioló- sérios. Isso nos leva a pensar na urgência recente Plano Diretor de Recursos Hídri-
gica na superfície terrestre é a única de reconciliar nossas necessidades huma- cos das Bacias de Leste, com ênfase hidro-
que contraria a “entropia ou tendên- nas de bem-estar com as leis fundamentais lógica voltada à gestão das águas na paisa-
cia à desordem”; depende da energia de equilíbrio da natureza, com as quais esta- gem (Quadro 14).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 43

QUADRO 14 - Síntese das características gerais associadas às Unidades Geomorfológicas identificadas na área de abrangência do PDRH – Bacias dos rios do Leste
Unidade
Padrão Morfodinâmica Síntese ambiental com ênfase hidrológica
geomor- Litologia Estrutura Solos
morfológico atual e erosão
fológica (continua)

Planície Depósitos Sedimentar, hori- Feições baixas e Pedogênese inci- Erosão fluvioma- Zona de acumulação de hot-spot de polu-
Costeira fluviomarinhos zontal, discordan- planas de delta, piente. AM, solos rinha e construção entes.
Quaternários. te do paleo - relevo mangues e estuá- indiscriminados de deltaica ativa, ca-
inundado. rios. Eventuais du- mangue, solos Glei. nais fluviais retilí- Poluição de aqüíferos em lixões urbanos nas
nas e terraços ma- neos, paralelos à li- áreas turísticas litorâneas.
rinhos proeminen- nha de costa.
Degradação das planícies costeiras e mangue-
tes.
zais interrompe ciclo biogeoquímico impor-
tante.

Assoreamento de canais e aterros em man-


gues.

Tabuleiros Areias, Sedimentar, subori- Relevo tabular, co- Pedogênese mode- Forte dissecação Aqüíferos nos contatos entre lentes arenosas
argilas e zonal a horizontal, linas de topos ni- rada sobre sedimen- fluvial; padrão de e argilosas do sedimento Barreiras.
conglomerados inundando superfí- velados e vales de tos pré-intemperi- drenagem paralelo
terciários; cie irregular do em- fundo chato. zados. Fenômeno a subparalelo, sob Fluxo hídrico subsuperficial até pontos de
coberturas. basamento. de perda de argila em controle neotectô- surgência nas bordas dos vales de fundo
superfície (ferroli- nico. Erosão mecâ- chato.
se) e podzólização nica em lençol.
Poluição por pesticidas em áreas de cultura
rebaixando a paisa-
intensiva (mamão e café Conillon).
gem PA/LA/LV.
Degradação de solos sob pastagem.

Patamares Granitos e Exumação de estru- Patamares com Pedogênese mode- Dissecação fluvial Degradação dos solos sob pastagens.
e Colinas Gnaisses turas Pré-cambria- frentes escarpadas rada sobre sapro- homogênea. Ero-
diversos com nas reativadas nos e colinas convexas litos pré-intempe- são em lençol. Voçorocamento nos solos rasos sobre sa-
coberturas sucessivos ciclos geo- de topo nivelado. rizados Canais retilíneos e prolitos de granitóides.
terciárias tectônicos. PVde, LVad, LAa. meandrantes, sob
Desmatamento favorece escoamento super-
associadas. controle tectônico
ficial e colmatagem dos vales.
local.
Priorizar reflorestamento desta unidade.

Depressão Sedimentos Sedimentos de ori- Feições de outei- Pedogênese inci- Dissecação fluvial Risco de colmatagem acelerada.
Fluvial argilo-arenosos gem neotectônica, ros e colinas sua- piente. HPH, Gleis. homogênea, dife-
Hot-spots de poluição sob agricultura in-
colúvios seja por falhas nor- ves, ladeadas por rencial e escalona-
tensiva.
fluviais mais, seja em zonas escarpas. da. Padrão de dre-
lacustres. de transcorrência. nagem subdendrí- Solos com camadas encrostadas – excesso
tica e retangular. de pastejo – erosão laminar.

Planalto Xistos, mica- Dobramentos de Feições colinosas Pedogênese inci- Erosão fluvial re- Problemas associados à pressão de pastejo.
Deprimido xistos, biotita fundo, marcados com áreas aplaina- piente. PVe, PE e, montante, morfo-
gnaisses. por rebordos ero- das de extensão li- Cambissolos eutró- gênese ativa, canais Desmatamento quase completo das matas
sivos / estruturais; mitada. ficos. retilíneos e mean- estacionais – erosão mecânica acelerada,
contatos tectônicos drantes, sob con- associada com colonião e braquiária.
freqüentes com pla- trole tectônico lo-
naltos dissecados cal. Concentração fundiária, menor disponi-
adjacentes. bilidade de água para sustentar pequena
produção.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


44 Agropecuária e Ambiente

Unidade
Padrão Morfodinâmica Síntese ambiental com ênfase hidrológica
geomor- Litologia Estrutura Solos
morfológico atual e erosão
fológica (conclusão)

Planalto Biotita-xistos Fortemente dobra- Topos planos e co- Pedogênese > Mor- Erosão em sulcos Problemas de erosão em áreas mais félsicas
Dissecado e rochas da; tabular a subori- linas convexas. fogênese. moderada, exceto e saprolitos de zonas tectonicamente ativas.
granítico- zontal geralmente Presença de cristas LV, PV, álicos e dis- nos saprolitos de
gnaissaica e colinas de verten- tróficos. granitóides, onde Grande densidade de drenagem favorece
tes ravinadas e va- ocorrem sulcos e pequena produção, apesar dos solos serem de
les encaixados, com voçorocas. Padrão baixa fertilidade.
terraços embutidos. de drenagem sub-
dendrítico. Queima e cultivos sucessivos expõem sub-
solo – erosão em sulcos com alto risco de
poluição ambiental.

Maciço Granitos, Fraturas NE/SW Relevo acidentado, Equilíbrio entre Pe- Erosão em sulcos Áreas colmatadas extensamente com relevo
Monta- gnaisses e NNE/SSW dobrada colinas convexas e dogênese & Mor- acelerada, com in- forte ondulado a montanhoso.
nhoso quartzitos e falhada, com re- cristas aguçadas - fogênese. tenso voçoroca-
manescentes esca- colinas de vertentes Litólicos, LV e PV, mento nos sapro- Erosão em ravinas e voçorocas provocam
lonados da super- ravinadas e vales álicos e distróficos. litos de granitóides. colmatagem de rios e córregos.
fície de cimeira, encaixados (V). Padrão de drena-
aplainada. Raros topos planos gem subdendrítico, Poluição pontual com pesticidas usados em
e picos proeminen- com angulosidades café arábica.
tes esparsos. e inflexões.
Lixões urbanos com problemas a jusante.

Pontões e Granitos Falhada, residual de Cristas e Pontões Morfogênese >> Erosão acelerada, Águas nascentes com possibilidade de apro-
Cristas félsicos, núcleos graníticos salientes com ver- Pedogênese. AR e com exposição dos veitamento como bens minerais – alto
ocasionais massivos. tentes ravinadas ou Litólicos. núcleos rochosos valor.
gnaisses e superfície rochosa ou raízes de sapro-
migmatitos. exposta. litos. Proteção das nascentes em pontões – ne-
Residuais de Plú- Padrão de drena- cessidade de lei ambiental específica.
tons ou falhamen- gem subdendrítico e
tos neotectônicos e dômico. Feições de Necessidade de incentivar o replantio de
fraturas de alívio pseudokaren nos encostas rochosas com solos muito rasos.
icebergs graníticos
proeminentes.
FONTE: Schaefer et al. (1998).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MANUAL técnico de geomorfologia. Rio de CHARMELO, L.L.; MARQUES, A.F.
Janeiro: IBGE, 1995. 111p. (Série Manuais S.M.; SAADI, A.; KER, J.C. (Coord.). Le-
ANDRADE, H.; SCHAEFER, C.E.G.R.;
Técnicos em Geociências, 5). vantamento geomorfológico da Bacia do
DEMATTÊ, J.L.; ANDRADE, F.V. Pedo-
Rio Paranaíba, como parte do meio físico
morfologia e micropedologia de uma PIERZYNSKI, G.M.; SIMS, J.T.; VANCE, G.F.
do Plano Diretor de Recursos Hídricos
seqüência latossolo-areia quartzosa hidro- Soils and environmental quality. Boca
da bacia do Paranaíba. Viçosa: FUNARBE,
mórfica sobre rochas cristalinas do estado Raton: Lewis, 1994. 313p.
1999. 48p.
do Amazonas. Geonomos, Belo Horizonte, PRIGOGINE, I. Order through fluctuation: self
v.5, n.1, p.55-66, 1997. SCHAEFER, C.E.R.; CAMPOS, J.C.F.;
organization and social systems. In:
CHARMELO, L.L.; MARQUES, A.F.S.
CHRISTIAN, C.S.; STEWART, G.A. Metho- JANTSCH, E.; WADDINGTON, C.W.
M.; SAADI, A.; KER, J.C. (Coord.). Le-
dology of integrated surveys: In: CONFE- (Ed.). Evolution and counciousness: hu-
vantamento geomorfológico das Bacias
RENCE ON AERIAL SURVEYS AND man systems in transition. Reading:
do Leste, como parte do meio físico do
INTEGRATED STUDIES, 1968, Tou- Addison Wesley, 1976. p.93-130.
Plano Diretor de Recursos Hídricos da
louse. Proceedings... Toulouse: UNESCO, ROSS, J.L.S. Geomorfologia aplicada aos EIA- Bacias do Leste. Viçosa: FUNARBE, 1998.
1968. p.233-280. RIMA. In: GUERRA, A.J.T.; CUNHA, S.B. 45p.
CONAMA (Brasília, DF). Resolução do Geomorfologia e meio ambiente. Rio de
ZAVEH, Z.; LIEBERMAN, A. Landscape
CONAMA 1984/91. 4.ed.rev.aum. Brasília: Janeiro: Bertrand Brasil, 1992. p.291-336.
ecology: theory and application. 2.ed. New
IBAMA, 1992. 245p. SCHAEFER, C.E.R.; CAMPOS, J.C.F.; York: Springer Verlag, 1993. p.4-50.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.20-44, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 45

Impactos ambientais sobre os ecossistemas aquáticos


Rodrigo De Filippo 1

Resumo - Desenvolvimento de estudos limnológicos e de qualidade da água no contexto


da Avaliação de Impactos Ambientais (EIA), destacando aspectos que devem ser
levados em consideração, desde o seu planejamento à execução. São apresentados os
impactos ambientais mais relevantes provocados por minerações, projetos agro-
pecuários e, principalmente, por barragens.
Palavras-chave: Limnologia; Qualidade da água; Impacto ambiental; Monitoramento.

INTRODUÇÃO mente distintas. Os rios são sistemas deno- i) aterros sanitários, processamento e
minados lóticos, ou seja, de água corrente, destino final de resíduos tóxicos ou
As ações do homem sobre o ambiente
e os lagos sistemas lênticos, isto é, de águas perigosos;
refletem-se freqüentemente nos sistemas
paradas. A variável velocidade determina j) usinas de energia elétrica;
aquáticos continentais e marinhos. Como
uma série de processos físicos, químicos e
não poderia deixar de ser, o homem tem uma k) complexos e unidades industriais e
biológicos que obriga uma análise diferen-
relação estreita com a água por depender agroindustriais;
ciada pelos que avaliam impactos ambien-
dela para todas as suas atividades, inclu-
tais provocados por um empreendimento l) distritos industriais;
sive para a disposição de seus resíduos. O
que se instale em sua bacia hidrográfica. m) exploração econômica de madeira ou
simples desmatamento para a plantação de
uma lavoura, a instalação de complexos in- lenha;
dustriais, e ainda as desmensuradas aglu- LEGISLAÇÃO AMBIENTAL
n) projetos urbanísticos;
tinações urbanas, alteram de alguma forma, Os órgãos ambientais utilizam-se das o) atividades que utilizem acima de dez
temporária ou permanentemente, as carac- resoluções do Conselho Nacional de Meio toneladas por dia de carvão vegetal.
terísticas dos sistemas aquáticos mais pró- Ambiente (Conama), como referência para
ximos. exigir estudos de impacto ambiental, avaliar A Resolução 020/86 (Conama, 1992)
As águas continentais, ou águas do- e/ou licenciar empreendimentos modifi- estabelece a classificação das águas do-
ces, englobam rios, lagos naturais e reser- cadores do meio ambiente. A Resolução ces, salobras e salinas no território nacional.
vatórios. São consideradas águas doces 001/86 (Conama, 1992) determina a reali- A resolução definiu cinco categorias para
aquelas cuja salinidade é igual ou inferior zação de estudos de impacto ambiental para águas doces, duas para águas salinas e ou-
a 0,50%. As águas epicontinentais (de fins de licenciamento das obras a seguir, tras duas para águas salobras, de acordo
superfície) constituem cerca de 230 mil km3, respeitadas as dimensões nela estabele- com usos preponderantes. O Quadro 1
ou 0,02% de todo o volume de água do pla- cidas: apresenta os principais usos que determi-
neta (Margalef,1983). A limnologia é a parte nam cada uma das quatro categorias de
a) estradas de rodagem e ferrovias;
da ciência que estuda esses ecossistemas, águas doces estabelecidas.
com uma ampla interface com as pesquisas b) portos e terminais de minério, pe- Para cada categoria foram definidos li-
desenvolvidas pela Engenharia Sanitária, tróleo e produtos químicos; mites máximos de substâncias potencial-
embora seus enfoques sejam diferentes. c) aeroportos; mente nocivas ao ecossistema aquático e
A produção hídrica mundial é da ordem d) oleodutos, gasodutos, minerodutos, ao homem. A mesma norma estabelece ain-
de 990 mil m3/s. A América do Sul responde troncos coletores e emissários de es- da padrões para o lançamento de efluentes
com 334 mil m3/s, dos quais 168.790 m3/s gotos sanitários; nos corpos receptores e padrões de balnea-
são gerados pelas bacias hidrográficas bra- e) linhas de transmissão; bilidade para os cursos d’água, com base
sileiras. Portanto, o Brasil concentra 17,07% na concentração de coliformes fecais. A
f) extração de combustível fóssil; fiscalização para o cumprimento da legis-
da produção hídrica mundial e 51,15% da
produção sul-americana. g) obras hidráulicas; lação fica a cargo dos órgãos estaduais de
Rios e lagos têm características clara- h) extração de minério; controle ambiental.

1
Biólogo, M.Sc., FURNAS Centrais Elétricas S.A. - Depto Meio Ambiente, R. Real Grandeza, 219 - Bloco C - Sala 1205 - Botafogo, CEP 22283-900
Rio de Janeiro-RJ. E-mail: defilipp@furnas.com.br
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.45-53, jan./fev. 2000
46 Agropecuária e Ambiente

QUADRO 1 - Classificação das águas doces e seus usos da água contaminada. A causa principal é
a ausência de uma educação sanitária
Classes
abrangente e de uma política nacional de
Especial 1 2 3 4
saneamento básico.

Abastecimento Abastecimento do- Abastecimento do- Abastecimento do- Navegação EUTROFIZAÇÃO


doméstico sem méstico após tra- méstico após tra- méstico após tra-
A eutrofização é o processo de enrique-
prévia ou simples tamento simplifi- tamento conven- tamento conven-
cimento dos corpos d’água com nutrientes
desinfecção cado cional cional
(N e P), cuja conseqüência é o crescimento
excessivo de algas ou de plantas aquáticas.
Preservação do Proteção das co- Proteção das co- Irrigação de cul- Harmonia paisagís-
A eutrofização é o resultado da interação
equilíbrio natural munidades aquá- munidades aquá- turas arbóreas, ce- tica
dos sistemas lacustres com o ambiente ter-
das comunidades ticas ticas realíferas e forra-
restre que o circundam (Margalef,1977), e
aquáticas geiras
pode ser acelerada na medida em que as
ações do homem na bacia contribuírem para
_ Recreação de con- Recreação de con- Dessedentação de Usos menos exigen-
tal.
tato primário tato primário animais tes
O P é o principal fator limitante para o
_ _ _ crescimento biológico nos ecossistemas
Irrigação de hor- Irrigação de hor-
lênticos. O processo de eutrofização está
taliças consumi- taliças e de plan-
associado tanto ao aumento da concen-
das cruas tas frutíferas
tração de P na água, quanto à redução da
_ _ _ profundidade do lago.
Aqüicultura para Aqüicultura para
A eutrofização dificilmente é percebida
alimentação hu- alimentação hu-
em sistemas fluviais, devido às limitações
mana mana
impostas pela correnteza, variação de nível
FONTE: Conama (1992). e turbidez da água ao crescimento algal ou
de macrófitas. Ao mesmo tempo, rios pos-
suem maior potencial depurador, pois o am-
FONTES DE POLUIÇÃO de grandes áreas ou com a movimentação
biente francamente oxigenado e turbulento
HÍDRICA de grande volume de terra. As partículas favorece a sedimentação do P, na forma de
Poluição é uma alteração significativa de solo suspensas na água tenderão a se- fosfato de cálcio, insolúvel em ambientes
das características físico-químicas ou bio- dimentar em trechos mais a jusante, levando aeróbios.
lógicas da água, as quais prejudicam o ao assoreamento do curso d’água afetado, A tendência evolutiva de todos os lagos
homem pelo seu uso ou causam rupturas com implicações sobre toda a biota aquá- é o seu desaparecimento pelo assoreamen-
nos ecossistemas aquáticos (Silveira & tica e ripária. to. Em lagos profundos, as moléculas de
Sant’Anna, 1990). A poluição dos recur- A poluição química ocorre, quando são fosfato agregadas às partículas inorgâni-
sos hídricos possui três origens básicas: despejados resíduos domésticos, agrícolas cas em suspensão, ou na forma de molécu-
doméstica, que incluem-se as águas servi- ou industriais que alterem a composição las orgânicas, se sedimentam. A grande
das, resíduos sólidos e o escoamento su- química da água. Esgotos domésticos são distância entre superfície e fundo impede
perficial de áreas urbanas; industriais, que ricos em gorduras e detergentes, além de a sua ressuspensão e a reabsorção pelo fi-
são os resíduos de mineração (Fig. 14, p.64); compostos orgânicos contendo nitrogê- toplâncton, perdendo-se no sedimento.
e processos industriais de transformação nio (N) e fósforo (P). Já os efluentes in- Em profundidades menores, os movi-
(Fig. 15, p.64) e agrícolas, isto é, os resíduos dustriais apresentam concentrações eleva- mentos verticais de circulação tornam-se
de granjas (Fig. 16, p.64), matadouros, fer- das de metais pesados, cianetos, mercúrio mais intensos e reduzem a taxa de sedimen-
tilizantes e pesticidas (Fig. 17, p.64). e outras substâncias geralmente tóxicas tação de P. Levando-se em conta o maior
A natureza da poluição pode ser física, para as comunidades aquáticas e para o aporte de P, devido a fontes poluidoras,
química ou biológica. A poluição de nature- homem. Os grandes empreendimentos agrí- maiores concentrações permanecem dispo-
za física decorre, por exemplo, do lança- colas geram grandes quantidades de resí- níveis para as algas, suportando a explosão
mento de água dos sistemas de refrigeração duos orgânicos sólidos ou líquidos, ricos populacional. O crescimento massivo de
de usinas termelétricas e complexos indus- em fertilizantes inorgânicos e pesticidas algas, além de criar um cenário desagradá-
triais, provocando a elevação da tempe- organoclorados ou fosforados. vel na paisagem, pode alterar significativa-
ratura do corpo receptor. Outra forma de A poluição de natureza biológica é mente o equilíbrio entre as populações de
poluição física é o aumento da turbidez, representada pelo aumento de espécies pa- peixes, bem como provocar oscilações
decorrente de atividades mineradoras, togências no corpo d’água. Doenças co- bruscas na concentração de oxigênio dis-
garimpos, desmatamentos ou quaisquer mo tifo, esquistossomose, cólera e hepatite solvido que, por vezes ocasionam mortan-
ações relacionadas com o decapeamento são transmitidas via contato ou ingestão dade de peixes. Algumas espécies de algas,
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.45-53, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 47

as cianofíceas, produzem neurotoxinas e o que verificaram de mais relevante em sua c) os municípios mais próximos a mon-
hepatotoxinas potentes que podem levar à especialização. A troca de informações tante e a jusante do projeto;
morte animais de grande porte, como bois permitirá que cada especialista possa rever d) os usos da água a montante e a ju-
e cavalos. A literatura científica é farta em sua expectativa de impactos potenciais a sante do projeto;
relatos dessa natureza, podendo ser cons- partir da integração entre as diversas áreas.
e) os parâmetros de qualidade da água
tatado em Repavich (1990) e De Mott O limnólogo, em especial, deve interagir
potencialmente alterados pelo pro-
(1991). com quase todos os profissionais, uma vez
jeto;
Todavia nem sempre a eutrofização que as diversas áreas abordarão aspectos
favorece as cianofíceas. Sua habilidade em que, de forma direta ou indireta, terão re- f) a extensão provável das alterações
conquistar o ambiente eutrofizado está na flexos sobre a qualidade da água. provocadas a jusante do projeto.
capacidade de absorção de N atmosférico. Durante a viagem de reconhecimento O plano de trabalho deverá contemplar
Quando a relação N/P é maior, esta capaci- devem ser observadas características de uma rede de amostragem cujos pontos de
dade não lhe dá vantagens competitivas e ocupação do solo, a cobertura vegetal coleta deverão ser selecionados em função
outros grupos podem prevalecer. predominante, a localização de centros das condições de acesso em qualquer épo-
urbanos, seu porte e atividades econô- ca do ano e de sua representatividade para
PROCEDIMENTOS PARA A micas. Os rios e lagos devem ser avaliados a obtenção das informações necessárias
ELABORAÇÃO DE ESTUDOS DE quanto à proximidade do empreendimento, ao estudo. A seleção dos pontos de coleta
IMPACTOS AMBIENTAIS SOBRE sua dimensão, caudal, profundidade e grau em lagos é facilitada pelo deslocamento por
OS RECURSOS HÍDRICOS de deterioração em face das ações antró- barco.
picas na bacia. Devem ser levantados ainda A amostragem em rios depende de es-
Os estudos de impacto ambiental di-
os usos da água a montante e a jusante da tradas e da navegabilidade dos trechos de
videm-se em duas fases: caracterização
área do projeto. interesse. O número excessivo de corre-
(diagnóstico ambiental) e avaliação (prog-
nósticos e avaliação dos impactos discrimi- deiras, a velocidade de correnteza na cheia
Elaboração do plano de e o caudal reduzido na seca limitam a uti-
nados). O desenvolvimento dos trabalhos
trabalho lização dos rios como via de transporte de
cumpre, entretanto, um roteiro básico co-
mum a estudos ambientais de empreendi- A partir das informações levantadas o um local de coleta para outro.
mentos de qualquer natureza, roteiro este profissional deverá elaborar as hipóteses Para efeito de seleção de locais de amos-
pormenorizado a seguir, no que tange aos de impactos potenciais, estimando sua re- tragem deve ser observada a presença de
aspectos de limnologia e qualidade da água. levância diante das demais áreas do meio esgotamentos sanitários e industriais a
ambiente. Relações de causa e efeito de- montante, cuidando-se que estes estejam
Levantamentos preliminares vem ser especificadas para justificarem o distantes o suficiente para a homogenei-
Conforme a lista de empreendimentos programa de amostragem a ser elaborado. zação adequada dos efluentes.
da Resolução 001/86 (Conama, 1992), de- Devido às características multidisciplinares
dos estudos ambientais, cada especiali- Freqüência de amostragem e
preende-se que nem todos os projetos têm duração do programa
efeitos significativos sobre os recursos zação deve otimizar seus custos dentro dos
hídricos. O primeiro e óbvio procedimento prazos e dos recursos disponíveis. Lem- A freqüência e a duração dos trabalhos,
brando que estes estudos são desenvol- em geral, são determinadas pelo termo de
é a análise do projeto e a identificação de
vidos por empresas privadas que disputam referência elaborado pelo órgão ambiental.
todas as atividades relacionadas com as
entre si, segundo critérios técnicos e or- Há situações, entretanto, em que as diretri-
fases de implantação e operação que pos-
çamentários, o equacionamento de custo e zes são expostas de maneira apenas gené-
sam exercer alguma influência sobre os
grau de profundidade dos estudos e um rica, cabendo ao profissional detalhá-las
sistemas fluviais e lacustres localizados na
parâmetro aferidor de eficiência profis- no plano de trabalho. Novamente, é preciso
área de influência. Este levantamento é feito
sional. Deve-se ter em mente que um estudo equacionar o binômio custo versus profun-
através da leitura detalhada do projeto e
ambiental tem prazos determinados e cus- didade dos estudos, conforme a relevância
de entrevistas com os técnicos respon-
tos pré-dimensionados, e que o plano de dos impactos previstos e dos prazos ofere-
sáveis. Todas as atividades impactantes
trabalho a ser elaborado deve ser compatí- cidos.
devem ser identificadas, ainda que seus
vel com esses dois fatores. É comum que se estabeleçam amostra-
prováveis efeitos sejam reduzidos.
Para o desenvolvimento de suas ativida- gens com freqüência bimestral ou trimestral,
O segundo passo nesta etapa de le-
des, o profissional deve elaborar um pro- ao longo de um ciclo hidrológico completo,
vantamentos é igualmente óbvia. Após a
grama de amostragem, levando em consi- isto é, que contemplem as fases de enchen-
leitura do projeto deve ser realizada uma
visita ao local da obra e à área de influência deração aspectos identificados na viagem te, cheia, vazante e seca. O profissional
para a confirmação das hipóteses elabora- de reconhecimento, tais como: deverá alertar o cliente sobre os riscos de
das. Profissionais das diversas áreas do a) os rios ou lagos mais afetados pelo pouca consistência dos resultados, sempre
meio ambiente devem participar da viagem, projeto; que prazos e/ou recursos não permitirem o
assistidos pelos técnicos responsáveis pe- b) os tributários mais importantes a desenvolvimento adequado dos trabalhos.
lo projeto, e trocar suas impressões sobre montante e a jusante do projeto; Nenhum ciclo hidrológico é igual ao
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.45-53, jan./fev. 2000
48 Agropecuária e Ambiente

anterior, tampouco deverá ser idêntico ao QUADRO 2 - Parâmetros de qualidade de água


seguinte, portanto a freqüência de amos- Parâmetro Justificativa
tragem deve ser bem definida. Para lagos,
cuja influência de atividades antrópicas na
Cor Existência de substâncias em solução, geralmente orgânicas
bacia não seja significativa, a freqüência
trimestral de coleta poderá ser satisfatória. Odor Odores são desfavoráveis ao consumo
Para os rios, a mesma lógica pode preva- Turbidez Presença de sólidos suspensos, sejam inorgânicos ou microrganismos
lecer, porém as variações bruscas de vazão Sólidos totais Provocam sabor na água e irritações gastrintestinais
podem ocasionar variações igualmente
pH Relacionado com a capacidade de corrosão ou incrustação de sistemas
bruscas dos parâmetros de qualidade da
água analisados, gerando assim um con- Surfactantes Produzem espuma e sabor
junto inadequado de informações à avalia- Fenóis Produzem sabor, sobretudo em águas cloradas
ção ambiental. É importante considerar Dureza total Sais que conferem dureza à água e produzem incrustações
também a possibilidade de estudos intensi-
Cálcio Forma incrustações
vos durante ciclos de 24 horas no curso
mais afetado pelo empreendimento, de for- Cloretos Indica mistura recente ou remota com águas residuárias
ma que venha detalhar essas variações de Cobre Confere gosto e cor, provoca corrosão
curto prazo. Ferro Sabor e coloração. Ferrobactérias conferem turbidez
Um dos elementos mais representativos
Magnésio Confere dureza e provoca problemas intestinais
que definem os custos de um estudo de
qualidade da água é o deslocamento de pes- Manganês Sabor, coloração e turbidez
soal e equipamentos para a área de estudo. Sulfato Problemas intestinais
A possibilidade de utilização de mão-de- Oxigênio consumido Quantidade de matéria orgânica
obra local permite uma redução conside-
Oxigênio dissolvido Condições de manutenção da vida aeróbia
rável desses custos, e a sua ocupação para
realização de medições específicas ou coleta Nitrito Contaminação recente por matéria orgânica
de amostras com uma freqüência mais inten- Nitrogênio amoniacal Contaminação recente por matéria orgânica
siva pode melhorar em muito a consistência Fósforo Provoca proliferação excessiva de algas
dos dados.
Cloro residual Bactericida
Parâmetros a serem analisados Alcalinidade total Indica possibilidade de corrosão ou incrustação nas tubulações
e procedimentos de coleta Alumínio Provoca turbidez na água tratada
O preço das análises laboratoriais é ou- FONTE: Técnicas... (1976).
tro componente de peso na definição dos
custos de um estudo de qualidade da água.
Nem todos os projetos provocam impactos logística necessária, os procedimentos de onde se acumulam detritos. Por vezes é ne-
ambientais tão grandes que exijam tantas coleta, o tratamento e preservação das cessário que o coletor entre no rio para al-
análises, por isso é importante que o profis- amostras. Manuais de coleta e preservação cançar o fluxo principal. Este procedimento
sional justifique no plano de trabalho a de amostras de água e sedimento foram pu- não é recomendável em condições de cheia,
necessidade de cada parâmetro por ele sele- blicados por empresas públicas, como por quando a velocidade da correnteza torna-
cionado. O profissional deverá negociar exemplo o da Fundação Estadual de Enge- se mais forte. Nesse caso, o coletor deve
com o órgão ambiental a exclusão dos pa- nharia do Meio Ambiente (FEEMA) (Ma- observar como a água flui pela calha do rio
râmetros que, eventualmente exigidos, não nual..., 1983), envolvidas com o monito- e escolher o local mais apropriado (e se-
contribuam para a avaliação dos impactos ramento da qualidade da água de seus guro) para proceder à coleta de margem.
previstos. estados. Esses manuais se baseiam em
O Quadro 2 apresenta as justificativas grande parte nos procedimentos mundial- Diagnóstico ambiental
para alguns parâmetros de qualidade da mente consagrados e periodicamente revi- De posse de todas as informações acu-
água mais comumente analisados. Outros sados pela American Public Health Asso- muladas durante o período de coleta, o
mais deverão ser incluídos sempre que hou- ciation (APHA) (Standard...,1992). profissional terá condições de elaborar o
ver alguma relação direta com o empreen- Para a coleta em rios, geralmente pro- diagnóstico ambiental dos cursos hídricos
dimento em estudo. cura-se a calha central, onde é assegurada estudados. Desse diagnóstico deverão ser
Definidos os parâmetros, locais de co- a maior homogeneização da massa d’água. abordados os problemas ambientais já
leta, freqüência e prazo de execução, o pla- As coletas de margem devem ser cuidado- presentes, o grau de alteração dos ecossis-
no de amostragem deverá prever ainda a samente planejadas, evitando-se remansos temas aquáticos e o seu poder de recupera-
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.45-53, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 49

ção atual. Deverão ser identificadas as o levantamento de informações não obtidas A proposição de medidas mitigadoras
ações antrópicas atuais que possam reper- na fase de caracterização. Nem sempre as viabiliza ambientalmente o projeto, todavia
cutir em degradação ambiental posterior. medidas de controle de poluição estão pre- há que se garantir o controle de sua eficiên-
Atenção deve ser dada também à sazonali- vistas no projeto e, por vezes, podem ser cia com o monitoramento da qualidade da
dade, indicando-se os períodos mais críti- encontradas propostas inadequadas para água dos rios e lagos afetados. Esse mo-
cos. O diagnóstico deve apontar, da mesma este fim. Caberá ao profissional apontar as nitoramento deve ser iniciado ainda na fase
forma, as lacunas a serem preenchidas por falhas de projeto e propor as correções ne- de implantação do empreendimento e per-
estudos complementares que deverão ser cessárias, como as citadas a seguir: petuar-se ao longo de sua operação.
sugeridos quando da avaliação ambiental. a) os efluentes líquidos devem ser tra-
tados antes de ser lançados no corpo IMPACTOS AMBIENTAIS
Prognósticos ambientais receptor. O projeto deverá contem- PROVOCADOS POR PROJETOS
Os prognósticos são elaborados de plar fossas sépticas e sumidouros AGROPECUÁRIOS
acordo com a metodologia de avaliação am- para dormitórios, refeitórios e sani-
tários do canteiro de obras, quando A agricultura planejada atingiu um
biental estabelecida. Algumas delas não
não houver ligação com o sistema de sofisticado nível de mecanização, incor-
dão espaço para uma descrição detalhada
esgotamento público. As oficinas porando tecnologias de manejo de solo e
dos processos geradores de impacto e de
deverão possuir caixas de separação melhoramento genético. Todavia a neces-
seus cenários. Tais descrições são de gran-
de óleo e a lavagem de veículos e sidade por mais terras férteis é ininterrupta
de valia para a orientação dos técnicos dos
peças não deve ser realizada na mar- e, assim, o homem vai substituindo a pai-
órgãos ambientais responsáveis pela ava-
gem dos cursos d’água. Os efluen- sagem natural por outra controlada por ele
liação do trabalho.
tes da lavagem de minérios devem ser para gerar alimento (Fig. 18, p. 65).
O prognóstico ambiental não pode levar
lançados em bacias de contenção de A primeira ação impactante é, por si só,
em conta hipóteses não investigadas na fase
sólidos, para evitar o assoreamento o desmatamento. Apesar de toda legislação
anterior, de caracterização, a menos que o
do corpo receptor e sua contamina- ambiental em vigor, extensas áreas são des-
profissional se valha de sua experiência e se
disponha a arcar com o risco de conclusões ção com resíduos químicos; providas de vegetação, incluindo aí a vege-
não fundamentadas pelo estudo. b) os resíduos sólidos devem ser dis- tação ripária e as nascentes. Se não são
Os modelos matemáticos de previsão postos de maneira adequada. O lixo utilizadas técnicas adequadas de conser-
de qualidade da água são instrumentos de doméstico deve ser coletado siste- vação do solo, a infiltração da água no solo
apoio à elaboração de prognósticos am- maticamente e disposto nos aterros fica reduzida e o escoamento superficial
bientais, porém sujeitos a inúmeras limita- sanitários dos municípios mais pró- torna-se mais intenso. O regime hídrico
ções. A primeira delas é justamente o volu- ximos, ou ter um destino adequado. passa a ter um padrão mais torrencial e os
me de dados geralmente insuficiente para O lixo tóxico deve ser estocado em processos erosivos ganham curso e ace-
a alimentação do modelo, o que força a utili- áreas impermeabilizadas, para que leram o transporte de sólidos para os cursos
zação de parâmetros e coeficientes que po- não contamine o lençol subterrâneo; d’água. A elevação da turbidez em certos
dem não ser adequados para o ecossistema c) filtros de ar devem ser instalados nos trechos de rio pode comprometer a reprodu-
em estudo. complexos industriais para a redução ção de espécies aquáticas, especialmente
Modelos matemáticos podem ser apli- das emissões atmosféricas, assim pelo assoreamento de locais de nidificação.
cados para avaliar a qualidade da água de como catalisadores que reduzam a Rios assoreados possuem um número me-
rios, lagos e reservatórios, cada qual com emissão de gases que aumentem o nor de microambientes e, por isso, supor-
sua abordagem, enfocando situações es- poder de corrosão da água de chuva; tam uma diversidade de espécies menor.
pecíficas. Há modelos de eutrofização, de d) o volume de captação de água de um Lagos assoreados, por sua vez, perderam
assoreamento, de dispersão de cargas po- projeto industrial ou de irrigação deve o seu potencial diluidor e tornaram-se su-
luidoras, etc. É importante que a utilização ser definido de modo que não preju- jeitos ao processo de eutrofização.
de modelos matemáticos seja decidida ain- dique o uso da água a jusante. A pro- Além do impacto de natureza física
da na fase de planejamento amostral, para posta de captação a jusante do ponto descrito anteriormente, rios e lagos podem
que o levantamento de dados contemple de lançamento dos próprios efluen- sofrer também impactos de natureza quí-
as informações necessárias à sua aplica- tes, embora quase sempre rejeitada mica decorrentes da implantação de ativida-
ção. pelos empreendedores, é uma forma des agropecuárias na bacia de drenagem,
de garantir o controle adequado da na utilização de insumos e defensivos agrí-
Medidas mitigadoras e poluição hídrica; colas, e dos efluentes das agroindústrias,
estudos complementares cada qual com impactos específicos sobre
e) áreas a serem inundadas pela forma-
As medidas necessárias à minimização ção de reservatórios deverão ser es- o ecossistema aquático.
dos impactos ambientais previstos deve- tudadas para fins de desmatamento Os insumos agrícolas, quando utiliza-
rão ser recomendadas pelo profissional, e prevenção de problemas de quali- dos em quantidades excessivas ou sem as
assim como a continuidade dos estudos e dade da água. devidas prevenções contra a erosão, são
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.45-53, jan./fev. 2000
50 Agropecuária e Ambiente

carreados pelas chuvas para os rios e la- trientes, sem que o rio esteja com volume minério explorado. O beneficiamento dos
gos adjacentes às culturas. O N e o P são suficiente para diluí-los. O início da estação minérios pode ser de natureza física (bri-
os elementos responsáveis pelo processo chuvosa pode, assim, ser tão problemático tagem, lavagem e peneiramento) ou química,
de eutrofização. quanto o período seco. a base de reagentes químicos e orgânicos.
Para assegurar a produção agrícola é O efeito mais aparente da atividade agrí- A deposição de sedimento na calha
necessária a aplicação de uma variedade cola sobre a paisagem é exatamente a derru- do rio reduz sua profundidade, destruindo
de produtos controladores de pragas. Nas bada da cobertura vegetal original. Extensas os habitats típicos de substratos pedre-
décadas passadas, milhares de toneladas áreas são necessárias para a implantação gosos. Com o leito gradativamente mais
de herbicidas e inseticidas foram indiscrimi- de projetos agrícolas, bem como do assen- raso, a área de inundação na época das
nadamente aplicadas às culturas agríco- tamento de populações no ambiente rural. cheias torna-se maior, levando à conse-
las no mundo todo. Dentre eles, o di- qüente deposição de sedimentos nas
clorodifeiltricloroetano (DDT), lançado em IMPACTOS AMBIENTAIS áreas marginais antes não atingidas pelas
1942, foi talvez o inseticida mais ampla- PROVOCADOS POR águas. A vegetação ripária passa a sofrer
mente consumido no planeta. MINERAÇÃO a asfixia de seu sistema radicular, tanto
Os primeiros defensivos utilizavam pela inundação quanto pela colmatação
compostos organoclorados como princípio A atividade mineradora geralmente pro-
da argila depositada. A um prazo maior
ativo e foram largamente produzidos, de- voca impactos ambientais significativos
ocorre a própria destruição da vegetação
vido ao custo relativamente baixo. Apenas nos cursos d’água da bacia de drenagem
ciliar e, portanto, a perda de habitats para
na década de 70, o mundo começou a perce- que ocupa. Mascarenhas (1987) descreve
fauna terrestre.
ber os seus efeitos danosos ao meio am- três tipos de lavras potencialmente impac-
As mineradoras procuram minimizar
biente, causados pela longa atividade do tantes dos ecossistemas de águas doces:
esses impactos construindo represas para
composto e de seu poder de acumulação a céu aberto, a subterrânea e a dragagem.
a contenção dos efluentes líquidos ricos
nos tecidos orgânicos. A partir de então As atividades mineradoras compõem-se
em sólidos suspensos. Com vida útil que
foram pesquisadas alternativas e se desen- das etapas de extração e beneficiamento.
pode chegar a dez ou quinze anos, esses
volveram os compostos organofosforados O processo de extração pode provocar de-
reservatórios geram, numa escala menor,
e carbamatos. Estes últimos não são con- soxigenação da água, aumento da turbidez
impactos similares aos provocados por pro-
siderados poluentes sérios para o ecossis- e condutividade elétrica e alteração na cor
jetos hidrelétricos, respeitadas as diferen-
tema aquático, devido à sua rápida decom- da água, além do risco de assoreamento do
ças de proporção e de usos da água.
posição (Allan,1991). leito do rio e destruição de habitats para a
Para a avaliação do impacto ambiental
Os efluentes agroindustriais, além de fauna aquática. Segundo este autor, a etapa
de uma mineração nos sistemas aquáticos,
ricos em N e P, contêm enorme carga or- de beneficiamento pode provocar, além dos
o profissional deve levar em consideração
gânica. A produção de seis toneladas de impactos já citados, a contaminação por
os seguintes aspectos:
cerveja, álcool e papel, equivale à poluição reagentes orgânicos, metais pesados, me-
rcúrio e cianetos, e alteração do pH. a) delimitação da concessão de lavra e
pelos esgotos de 8 mil, 24 mil e 30 mil pes-
As instalações residenciais, admistra- demarcação dos cursos d’água afe-
soas, respectivamente. A carga orgânica
tivas e de manutenção produzem efluentes tados;
tem efeito mais drástico e danoso no siste-
ma aquático, porque sua decomposição que podem provocar a contaminação dos b) características do minério explorado
pode consumir o oxigênio disponível na cursos d’água com esgotos domésticos, e sua constituição química;
água e eliminar as formas de vida aeróbia. óleos e detergentes. c) características da calha dos rios e
Portanto, todo projeto de agroindústrias Produzem-se dois tipos de resíduos bá- ocorrência de áreas alagadiças e la-
deve contemplar um capítulo específico re- sicos: rejeitos sólidos e efluentes líquidos. goas marginais;
ferente ao tratamento dos efluentes produ- Os rejeitos sólidos derivam do deca-
d) caracterização dos usos da água a
zidos. peamento da jazida e da extração física do
jusante da área de lavra;
Os efluentes agroindustriais podem ser minério. Esses rejeitos, denominados esté-
reis, são depositados em áreas seleciona- e) usos da água a jusante da mineração.
de caráter sazonal e a identificação do pe-
ríodo em que são lançados no ambiente das, na forma de pilhas, ou reconduzidos à Além desses aspectos, o especialista
pode ser de grande importância para a viabi- própria cava (no caso de mineração subter- deve observar as características do plano
lização do projeto, isto porque os rios tor- rânea). A recomposição das áreas minera- de lavra, tais como cronograma, processos
nam-se mais sensíveis a eles durante todo das e das pilhas de rejeito, para fins de con- de beneficiamento do minério e tipos de
o período de estiagem, quando as vazões e trole de processos erosivos, se faz por meio resíduos produzidos, locais de deposição
o potencial depurador são mais reduzidos. da reutilização do solo extraído na cava, da de rejeito, técnicas de controle de erosão,
A retomada das chuvas não significa a dispersão de sementes de gramíneas e do dimensão dos reservatórios de contenção
imediata retomada das vazões. As primeiras plantio de mudas de espécies nativas. e sua localização, população operária,
chuvas lavam o terreno e, após a infiltração Os efluentes líquidos, gerados pelo be- disposição de efluentes sanitários sólidos
no solo, drenam para os cursos d’água, le- neficiamento do minério, terão caracterís- e líquidos e sistema de retenção de óleos e
vando consigo altas concentrações de nu- ticas físicas e químicas conforme o tipo de graxas das oficinas.
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.45-53, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 51

IMPACTOS AMBIENTAIS interferência que resulte em impactos am- estiagem.


PROVOCADOS POR bientais expressivos, nesta etapa relacio- Geralmente é necessária uma estação
RESERVATÓRIOS nados basicamente com a movimentação chuvosa para a formação do reservatório,
de terra. de modo que pelo menos um ciclo repro-
Reservatórios são formados a partir do
O aumento da turbidez e o assorea- dutivo da ictiofauna corra o risco de ser
barramento do leito de um rio para atender mento da calha do rio podem vir a ocorrer afetado. Os efeitos sobre a ictiofauna serão
a diversas finalidades, tais como a geração próximos ao canteiro de obras e às áreas mais graves se o rio em questão comportar
de energia, o controle de cheias, abaste- de empréstimo e de bota-fora. Entretanto populações de peixes migradores, os quais
cimento público, retenção de sólidos, irri- tais impactos podem ser minimizados com poderão não alcançar os habitats originais
gação etc. Tundisi (1988) apresenta uma medidas de controle de erosão. de reprodução, e se não houver rotas alter-
ampla abordagem dos impactos de reserva- Impactos relacionados com a poluição nativas de migração para essas espécies.
tórios sobre os ecossistemas aquáticos. orgânica podem ocorrer em razão dos Ao mesmo tempo, o nível da água reduzido
Os estudos ambientais, bem como os despejos de águas servidas dos escritórios, pode impossibilitar o acesso das formas
termos de referência em que se orientam, alojamentos e oficinas mecânicas. A insta- juvenis às lagoas marginais importantes pa-
costumam apresentar os efeitos sobre os lação de fossas sépticas, sumidouros e cai- ra o seu crescimento.
sistemas aquáticos na forma genérica de xas de retenção de óleo são práticas co- Além das complicações com a biota
“alterações na qualidade da água”. Tal muns de prevenção contra esse tipo de po- aquática, a etapa de enchimento pode pre-
simplificação impossibilita a expressão luição. judicar temporariamente o abastecimento
de previsões acerca das características Riscos de poluição por lixo são facil- de água de cidades, indústrias e projetos
do futuro reservatório e suas implicações mente eliminados com um sistema ade- de irrigação, bem como a diluição dos
(Fig, 19, p.65). quado de coleta e disposição dos resíduos. efluentes das atividades humanas.
Para a avaliação dos impactos na qua- A ictiofauna pode ser afetada ainda na Na bacia de acumulação, o enchimento
lidade da água devem ser considerados a fase de construção pelo desvio do rio de provoca a inundação de áreas com cobertu-
própria barragem, a bacia de acumulação e seu leito natural. O fluxo da água confinada ra vegetal, cuja decomposição pode provo-
o curso do rio a jusante. Para a avaliação no canal de desvio, mais estreito e profundo car a redução brusca das concentrações de
dos impactos sobre a ictiofauna deve-se que a calha original, tende a ser mais rápido, oxigênio dissolvido na água. Mortandades
levar em conta, ainda, o trecho de rio a mon- podendo interromper a migração dos peixes e fugas de peixes podem ocorrer já nos
tante do reservatório. na piracema. A velocidade é ainda maior primeiros dias do enchimento. O tempo de
Os impactos ambientais devem ser em túneis de desvio, onde a ausência de residência prolongado faz com que o efeito
previstos para as três etapas do projeto: luz pode inibir as tentativas de se transpor diluidor do acúmulo de água não seja su-
construção, enchimento e operação. É pre- esse obstáculo. Desta forma, é possível pre- ficiente para a rápida recomposição de um
ciso salientar que as dimensões do lago, ver a redução da atividade pesqueira a ambiente aeróbio e, assim, a anoxia do meio
sua morfologia, suas características hi- montante do eixo da barragem já na fase de pode persistir por mais tempo.
dráulicas, a ocupação da bacia de drenagem construção. O processo de decomposição de fito-
e a rede hidrográfica a jusante da barragem massa alagada libera amônia e fosfatos, re-
podem resultar em avaliações diferentes Impactos previstos para a duz o pH, aumenta a concentração de gás
para projetos diferentes. É preciso tomar etapa de enchimento carbônico, gás sulfídrico e metano. A água
cuidado para não exacerbar problemas O enchimento do reservatório gera os torna-se mais agressiva ao concreto e às
ocorridos em outros reservatórios. Quanto principais impactos provocados pelo em- estruturas metálicas de geração, aumen-
maior a experiência profissional, mais apu- preendimento, alguns dos quais se estendem tando o risco de corrosão das peças.
rada será a avaliação, porque as diferenças por toda a operação. A legislação determina O cumprimento da Portaria DCAE/
entre projetos podem ser sutis aos olhos que 70% da vazão mínima média mensal seja DCRH no 02, do DNAEE, que determina que
de alguém inexperiente. Citando dois exem- mantida durante a formação do lago, a fim “a vazão remanescente no curso d’água, a
plos, o tempo de residência da água no lago de que o rio não fique seco a jusante. jusante do barramento, não poderá ser in-
e a posição da tomada d’água podem alterar O enchimento é mais ou menos impac- ferior a 80% da vazão mínima mensal”, pode
significativamente uma avaliação ambien- tante, conforme o tempo necessário de obs- agravar as condições de jusante, se a quali-
tal, sem falar na cobertura vegetal a ser inun- trução do fluxo de água, a distância entre o dade da água liberada não for satisfatória à
dada. A densidade da fitomassa e sua barramento e o tributário mais próximo e a vida aquática e se o rio não favorecer sua
disposição no lago podem provocar o con- contribuição da bacia neste mesmo trecho. rápida depuração.
sumo de todo o oxigênio dissolvido na A duração do enchimento é determi- As medidas mitigadoras necessárias à
água, ou apenas em alguns setores do es- nada pelo projeto. Reservatórios com tem- prevenção dos impactos citados devem ser
pelho d’água. po de residência prolongado demoram mais tomadas durante as etapas de construção
a encher que os de tempo de residência ou mesmo durante a elaboração do projeto
Impactos previstos para a curto. A época de fechamento das adufas da usina.
etapa de construção também é determinada pelo projeto de A deterioração da qualidade da água
Durante a construção da barragem, a engenharia, podendo ocorrer às vésperas pode ser menor se uma limpeza da bacia de
área de inundação sofre pouca ou nenhuma do período chuvoso ou mesmo em plena acumulação for realizada previamente ao
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.45-53, jan./fev. 2000
52 Agropecuária e Ambiente

enchimento. O desmatamento, entretanto, A fitomassa inundada ganha maior no trecho de rio a jusante estão condiciona-
tem um custo muito elevado e os benefícios representatividade nos projetos localiza- dos às regras operativas e à qualidade da
devem ser avaliados antes de uma decisão dos na Amazônia. Nas regiões Sul e Su- água defluente. Os primeiros testes de tur-
a esse respeito. deste a poluição doméstica e industrial binas e a entrada final em operação geral-
Estudos de fitomassa devem ser rea- podem deteriorar as condições do lago re- mente liberam águas alteradas pela de-
lizados para que se dimensione a biomassa cém-formado. No primeiro caso, as chances composição da fitomassa alagada, cujos
total alagada. Com base ainda no volume de recuperação são maiores que no segun- teores de gás sulfídrico podem provocar a
do reservatório e no tempo de residência, do, já que inexiste uma política nacional de morte dos peixes próximos à barragem
pode-se avaliar o impacto da decomposição saneamento e de controle de poluição. (Bernacser,1984).
da matéria orgânica. Através da morfologia Habitats diferenciados podem ser cria- O controle das cheias, com a redução
do lago podem ser identificadas áreas em dos em braços e reentrâncias do espelho de seus picos de enchente, benéficos aos
que o desmatamento se faça mais premente, d’água, propiciando condições de desen- interesses do homem, pode ser desastroso
uma vez que a limpeza de toda a bacia de volvimento da ictiofauna adaptada a ecos- para a ictiofauna, impedida de acessar am-
acumulação é praticamente impossível, sistemas lacustres, assim como poderão bientes marginais importantes para o de-
quando não inútil. Por via de regra, esse ocorrer setores cujo isolamento hidráulico senvolvimento das formas juvenis.
procedimento só é realizado em pequenos determine condições menos favoráveis. Os O vertimento pode provocar a super-
reservatórios destinados ao abastecimento novos ambientes marginais podem favo- saturação da água com oxigênio e destruir
público. recer ainda a proliferação de insetos (anofe- ovos e larvas no trecho de rio mais próximo
A revisão do projeto de engenharia po- linos) ou moluscos (Biomphalaria spp.) da barragem (Agostinho et al., 1992). Por
de reduzir o impacto da qualidade da água vetores de endemias. outro lado, o turbinamento de águas pro-
sobre as estruturas da usina. A redução Os processos de circulação vertical e fundas e anóxicas pode provocar a morte
das dimensões da hidrelétrica para se re- horizontal da massa d’água no reservatório não apenas das formas juvenis, como tam-
duzir o tempo de residência da água, o dependem das condições de clima e geo- bém dos indivíduos adultos.
posicionamento da tomada d’água mais morfologia, tanto da bacia de acumulação A baixa velocidade da água no reserva-
profundo para se evitar a formação de zo- quanto do seu entorno. Esses processos tório faz com que o material particulado em
são importantes para a dispersão e imobi- suspensão, transportado pelo rio, seja
nas permanentes de água estagnada e de
lização de poluentes no sedimento. depositado ao longo do leito do novo reser-
qualidade ruim, o posicionamento mais ele-
Enfim, tantos fatores interferem no vatório, fazendo com que a concentração
vado para a tomada dos sistemas de refrige-
potencial autodepurador do novo lago que de particulado em suspensão a jusante seja
ração para prevenir a corrosão e/ou incrus-
é difícil estabelecer um padrão comum. inferior à concentração afluente. Águas
tação das tubulações; todas essas medidas
Caberá ao especialista avaliar cuidado- transportando menos partículas alcançam
devem ser avaliadas no contexto do pro-
samente cada um desses fatores e interagi- um novo equilíbrio com a erosão da calha
pósito original do projeto, a geração de
los para definir o cenário mais provável. e a margem do rio, de modo que bancos de
energia.
A ictiofauna do reservatório geralmen- areia e remansos que sejam importantes
te tem sua composição alterada em relação ambientes para a ictiofauna e outros repre-
Impactos previstos para a
à comunidade original. O regime lacustre sentantes da fauna aquática correm o risco
etapa de operação
favorecerá outro conjunto de espécies, de ser destruídos a partir da operação da
Passada a fase inicial de estresse am- menos comuns em ambientes lóticos. Po- barragem. A maior transparência da água a
biental, o volume do reservatório passa a dem ser esperados grandes crescimentos jusante aumenta a taxa de predação, devido
se tornar predominantemente aeróbio nos populacionais de espécies de pequeno à maior facilidade de se detectarem as pre-
primeiros metros e anóxico abaixo de certa valor comercial e de menor porte. O cres- sas, o que pode reduzir o número de indiví-
profundidade. A operação da barragem é, cimento populacional terá como suporte a duos jovens na população ictíica (Agos-
por si só, um fator de recuperação do lago, disponibilidade de alimento em todos os tinho et al.,1992).
pois determina o ritmo de renovação das elos da cadeia alimentar, devido à instabi- A comunidade ictíica frugívora sofrerá
águas do reservatório. lidade do sistema e à liberação de nutrientes uma limitação em razão da redução da dispo-
A recuperação da qualidade da água (via decomposição da vegetação) para o nibilidade de alimento para peixes frugívoros,
dependerá de vários fatores intrínsecos ao desenvolvimento de fitoplâncton, perifíton redução da relação área terrestre versus área
novo ambiente formado e à bacia de drena- e macrófitas aquáticas. Recentemente, tem aquática no reservatório (Agostinho et al.,
gem. A morfologia, a morfometria, o tempo sido estudada a importância da cadeia he- 1992). Os frugívoros serão ainda mais afe-
de residência, o posicionamento da tomada terotrófica (com base nas populações de tados quando a nova cobertura vegetal ri-
d’água, a climatologia e os usos do solo bactérias) na sustentação da biota lacustre. pária tiver composição específica muito
podem adquirir maior ou menor relevância, Com a evolução do sistema, há uma diversa da mata ciliar então alagada.
segundo as peculiaridades de cada projeto. tendência gradual de redução da disponi- O posicionamento da tomada d’água, a
Associadas, essas informações podem em- bilidade de nutrientes e as populações ten- proporção entre vazão vertida e turbinada,
basar uma previsão de recuperação rápida dem a se reduzir, buscando um novo ponto a freqüência do vertimento e o posiciona-
(após alguns meses) ou gradual (alguns de equilíbrio. mento do vertedouro em relação ao canal
anos) da qualidade da água. Os impactos da operação de represas de fuga são parâmetros de grande impor-
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.45-53, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 53

tância para a definição da qualidade da um novo comportamento de desenvolvi- 1992. Suplemento.


água de jusante. mento econômico com menor agressão ao ALLAN,R.J. Organic pesticides in aquatic
O posicionamento da tomada d’água meio ambiente. A idéia pode ter rendido environment with emphasis on sources and
determinará a captação de água com mais bons dividendos ao seu autor, porém está fate in Great Lakes.In: MATSUI,S.
ou menos oxigênio dissolvido em períodos longe de ser factível. Falta definir basica- Guidelines of lake management. Otsu,
de estratificação térmica. Em caso de massa mente que modelo econômico e social Japan: ILEC, 1991. v.4: Toxic substances
d’água anóxica, a pequena energia cinética deverá ser adotado e levado a todas as re- management in lakes and reservoirs. p.87-
na saída das turbinas pode não favorecer a giões do mundo. O planeta fatalmente não 112.
eficiente reoxigenação ao longo do canal resistiria a cinco bilhões de habitantes com BERNACSER, G. M. Dam design and
de fuga. A recomposição dos níveis de oxi- o mesmo padrão de consumo americano operation to optimize fish production in
gênio na água deverá ficar a cargo da calha ou europeu. As reservas naturais de com- impounded river basins. Rome: CIFA,
natural do rio, dependendo da ocorrência bustível e matéria-prima esgotar-se-iam 1984. p.1-98. (CIFA. Technical Paper, 11).
de cachoeiras e corredeiras. rapidamente. E como convencer o Primeiro CONAMA (Brasília, DF). Resolução do
A relação entre vazões vertidas e turbi- Mundo a reduzir o consumo? CONAMA 1984/91. 4. ed. ver. aum.
nadas, bem como a freqüência de verti- O potencial hidrelétrico brasileiro nas Brasília: IBAMA, 1992. 245p.
mento, define em que períodos poder-se-á regiões Sul/Sudeste está chegando ao li-
DE MOTT, W.R.; ZHANG, Q.X.;
contar com o vertimento para melhorar as mite. As opções de energia para a região
CARMICHAEL, W.W. Effects of toxic
condições de oxigenação da água de ju- mais industrializada do país restringem-se
cyanobacteria and purified toxins on the
sante. O vertimento planejado pode ser à construção de grandes barragens cada survival and feeding of a copepod and
uma poderosa ferramenta para o manejo da vez mais distantes ou à implantação de cen- three species of Daphia. Limnology and
qualidade da água dos reservatórios. O trais térmicas (a óleo ou nucleares). Estas Oceanography, New York, v.36, p.1346-
posicionamento do vertedouro em relação últimas sofrem inúmeras restrições por 1357, 1991.
ao canal de fuga permite a avaliação da efi- parte da opinião pública, devido à poluição
MANUAL de amostragem de qualidade da
ciência da mistura das massas de água verti- atmosférica ou aos riscos ambientais de um
água. Rio de Janeiro: FEEMA, 1983. 32p.
das e turbinadas, e da recomposição dos acidente nuclear. No jogo de pressões eco- (Cadernos FEEMA. Série Técnica, 19/83).
teores de oxigênio dissolvido. nômicas e de ambientalistas, os custos
ambientais do desenvolvimento industrial MARGALEF, R. Ecologia, Barcelona: Omega,
1977. 951p.
CONSIDERAÇÕES FINAIS e social dos grandes centros urbanos re-
caem predominantemente sobre as áreas MARGALEF, R. Limnología. Barcelona:
Diante da ampla disponibilidade de rurais ou núcleos urbanos de menor porte Omega, 1983. 1010p.
recursos hídricos, as autoridades brasilei- e menos mobilizados. MASCARENHAS, G. R. Aspectos ambientais
ras parecem ter grande dificuldade em Não basta acusar as autoridades de na elaboração do Plano de Controle
compreender a importância de uma políti- desleixo ou as grandes empresas de polui- Econômico (PAE). In: CURSO de controle
ca de gerenciamento dos recursos hídricos doras. Cada cidadão, dentro de seu peque- de poluição por mineração: alguns aspectos.
(Fig. 20, p.65). O desconhecimento técnico no círculo de atuação no contexto social, Brasília: DNPM, 1987. v.1.
e a escassez de recursos financeiros não tem responsabilidades e deve exigir de si
estimulam a implantação de sistemas efi- REPAVICH, W.M.; SONZOGNI, W.C.;
mesmo os cuidados com o ambiente urbano STANDRIDGE, J.H.; WEDEPOHL, R.E.;
cientes de tratamento de efluentes líqui- que costuma reclamar aos que fazem uso MEISNER, L.F. Cyanobacteria (blue-green
dos e de disposição de resíduos sólidos. dos recursos naturais. Nesse contexto, o Algae) in Wisconsin waters: acute and
Tampouco há um esforço de se fiscaliza- simples gesto de lançar um papel na rua, chronic toxicity. Water Research,
rem, sistematicamente, as emissões indus- ou lixo na margem de um rio, torna-se uma Hallioxford, v.24, p.225-231, 1990.
triais. É lamentável que tais medidas dificil- ação tão nociva ao ambiente urbano quanto
mente se traduzem em benefícios eleitorais, SILVEIRA, S. S. B.; SANT’ANNA, F. S. P.
à derrubada de uma árvore no Cerrado ou Poluição hídrica. In: MARGULIS, S. (Ed.).
além do que podem contrariar interesses na Amazônia. O gesto isolado, aparente- Meio ambiente, aspectos técnicos e
políticos e econômicos locais. mente irrelevante, agiganta-se, quando econômicos. Brasília: IPEA/PNUD, 1990.
A mudança de consciência das autorida- conscientemente repetido centenas de mi- p.57-86.
des passa antes pela mudança do comporta- lhares de vezes ao dia.
mento da própria sociedade em relação à STANDARD methods for the examination of
utilização dos recursos naturais, através de water and wastewater. 18.ed. Baltimore:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APHA, 1992.
uma reflexão sobre o consumo de bens e
seus impactos sobre o meio ambiente. AGOSTINHO, A. A.; JÚLIO JÚNIOR, H. F.; TÉCNICAS de abastecimento e tratamento de
Matéria-prima e energia em abundância BORGHETTI, J. R. Considerações sobre água. São Paulo: CETESB, 1976. v.1.2a.
são indispensáveis à manutenção do de- os impactos dos represamentos na TUNDISI,J.G. Limnologia e manejo de
senvolvimento econômico e tecnológico. ictiofauna e medidas para a sua atenuação - represas. São Carlos: EESC-USP/CRHEA/
A expressão “desenvolvimento sustenta- um estudo de caso: reservatório de Itaipu. ACIESP, 1988. t.1/2. (Série Monografias
do” foi criada como uma tentativa de definir Revista Unimar, Maringá, v.14, p.89-107, em Limnologia, 1).
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.45-53, jan./fev. 2000
54 Agropecuária e Ambiente

Educação ambiental
Márcia Ferreira Guerra 1

Resumo - A elaboração e implantação de programas educativos voltados para o meio


ambiente requer uma reflexão inicial acerca da educação ambiental, seus objetivos
gerais e pressupostos básicos. O desenvolvimento de programas de educação ambiental
deve utilizar metodologias participativas, tanto na fase de planejamento, quanto na
fase de execução das ações previstas. A participação ativa dos atores envolvidos nos
programas é de fundamental importância para a criação de um vínculo de co-
responsabilidade entre a equipe técnica responsável pelos programas e o público-alvo
do processo educativo.
Palavras-chave: Educação ambiental; Ética ambiental; Agroecologia; Participação.

INTRODUÇÃO tal encontrada nas diferentes localidades. Após a Conferência Intergovernamen-


Considerada um suporte básico para tal sobre Educação Ambiental realizada em
O século XX foi marcado por avanços
qualquer projeto que interfira no meio am- 1977, em Tbilisi, Georgia (ex URSS), to-
tecnológicos e científicos de grande mag-
biente, a educação ambiental deve ser um dos os pressupostos dos programas do
nitude. Contudo, desastres ambientais tor-
instrumento capaz de despertar nos indi- PNUMA passaram a incluir a educação e a
naram-se cada vez mais freqüentes, sendo
víduos sua própria importância como agen- formação ambiental entre seus principais
objeto de preocupação mundial. Estaremos
tes de mudança. componentes nas atividades de apoio ao
nós impossibilitando a existência da pró-
Programa, caracterizando a importância da
pria vida? SÍNTESE HISTÓRICA
É neste contexto que surge a educação educação ambiental, enquanto atividade
No final da década de 60, foi mundial- suporte em projetos voltados para o meio
ambiental, buscando desenvolver condu-
mente reconhecida a necessidade de uma ambiente.
tas que respeitem o meio ambiente e suas
educação voltada para o meio ambiente. As recomendações internacionais tam-
diferentes formas de vida. A educação
Em 1968, a Conferência da Unesco sobre a bém refletiram-se no Brasil, alcançando uma
ambiental surge como um reflexo dessa
Biosfera postulou e sugeriu um programa extensão maior durante a década de 80. A
preocupação mundial com o meio ambiente integrado, contínuo e permanente de edu-
e da necessidade de estabelecer uma ética Constituição da República Federativa de
cação e informação sobre o meio. 1988 dispõe ser competência do poder pú-
ambiental. A valorização da própria huma- Em 1972, a Conferência das Nações Uni-
nidade não é excludente a este processo blico promover a educação ambiental em
das sobre Desenvolvimento e Meio Am-
de valorização do patrimônio ambiental. todos os níveis de ensino e a conscienti-
biente, realizada em Estocolmo, recomendou
Mas, como valorizar o meio em que vive- zação pública para a preservação do meio
a adoção de um programa internacional de
mos, se grande número de pessoas vive ambiente, o que repercutiu nas constitui-
educação para o meio ambiente de enfoque
em situação calamitosa e padece em con- ções estaduais e leis orgânicas municipais,
interdisciplinar e com caráter escolar e extra-
dições subumanas, na miséria, na fome, em que passaram a mencionar a educação am-
escolar, que abarcasse todos os níveis de
guerras e conflitos políticos? ensino e se dirigisse ao público em geral. biental em seus respectivos capítulos do
A educação ambiental traz consigo O Seminário de Educação Ambiental, meio ambiente. Neste mesmo ano foi reali-
conceitos como cidadania e desenvolvi- realizado em Belgrado em 1975 (Educa- zado no Rio de Janeiro o 1o Encontro Nacio-
mento sustentável, porque resgata o papel ção..., 1994), considerado um marco concei- nal de Educação para o Meio Ambiente,
transformador dos indivíduos perante a tual para a educação ambiental, resultou com recursos da Finep, do CNPq e da anti-
realidade e preocupa-se com a qualidade de no lançamento do Programa Internacio- ga Secretaria Especial de Meio Ambiente
vida herdada pelas gerações futuras. Em- nal de Educação Ambiental (PIEA) pela (Sema), dentre outros, que contou com a
bora estejam pautadas em princípios bási- Unesco, em colaboração com o Programa participação de cerca de 350 representantes
cos, as ações educativas são específicas e das Nações Unidas sobre Meio Ambiente das diferentes regiões do país.
variam conforme a realidade sócio-ambien- (Pnuma). Em 1992, durante a 2a Conferência das

1
Bióloga, Diretora do Centro de Educação Ambiental (CEA) da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAC/ RJ), Rua Afonso Cavalcanti, 455/
o
12 andar, CEP 20211-110 Rio de Janeiro-RJ. E-mail: mfguerra@perj.rj.gov.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.54-56, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 55

Nações Unidas sobre Desenvolvimento e avaliação dos programas e a verificação de tiva mais equilibrada da vida (Fig. 23,
Meio Ambiente, a RIO 92, vários documen- que os objetivos foram alcançados. p.65);
tos foram assinados por órgãos governa- Conforme apresentado na Figura 21, se- c) o desenvolvimento de habilidades é
mentais e organizações não-governa- guem alguns preceitos básicos da educação fundamental para a utilização de téc-
mentais. Dentre eles, destacam-se a Agenda ambiental, fundamentais para a concepção nicas voltadas para a melhoria do
21, assinada por 170 países, que recomenda e a realização dos programas educativos: meio ambiente e de extrema impor-
ações de educação ambiental, e o Tratado a) a compreensão do meio ambiente em tância para o desenvolvimento das
de Educação Ambiental para as Sociedades sua totalidade requer a aquisição de aptidões necessárias para enfrentar
Sustentáveis, elaborado pelo Fórum de Edu- conhecimentos básicos, de ordem os problemas (Fig. 24, p.65);
cação Ambiental das Organizações Não- social e científica, necessários para a d) a resolução dos problemas ambien-
Governamentais (ONGs), que revela o com- resolução dos problemas ambientais. tais requer a busca de alternativas
promisso da sociedade civil para a constru- Desta forma, amplia-se o nível cogni- que, por sua vez, prescinde criativi-
ção de um modelo mais humano e harmônico tivo dos indivíduos e grupos socias, dade e novas formas de expressão.
de desenvolvimento. facilitando o processo de conscientiza- A educação ambiental deve dar for-
Nos anos seguintes, em cumprimento ção deles, acerca do meio ambiente e ma a novas vias de aprendizagem, nas
às recomendações da Agenda 21, é aprova- dos problemas conexos (Fig. 22, p.65); quais a criatividade e a cooperação,
do no Brasil o Programa Nacional de Educa- e não a competência, sejam as princi-
b) a sensibilização, com relação ao meio
ção Ambiental (Pronea), que define linhas pais diretrizes;
ambiente e seus problemas, é primor-
de ação para a educação ambiental. Também
dial para o processo de conscienti- e) através de um enfoque crítico acerca
são aprovados os novos Parâmetros Curri-
zação. Além da razão, é preciso des- da realidade, desenvolve-se um pen-
culares Nacionais (PCNs), que tratam o meio
pertar o sentimento e a emoção das samento crítico, inerente à avaliação
ambiente como tema transversal em todas
pessoas diante da questão sócio- de qualquer programa de cunho edu-
as disciplinas (Padua & Tabanez, 1997).
ambiental, propiciando uma perspec- cativo e essencial para que os indi-
Em 1997, após diversos eventos prepa-
ratórios em todo o mundo, como a Confe-
rência Nacional de Educação Ambiental
em Brasília, foi realizada em Thessaloniki QUADRO 1 - Objetivos gerais da educação ambiental
(Grécia) a Conferência Internacional sobre Objetivos Indicadores
Meio Ambiente e Sociedade: Educação e
Consciência Pública da Sustentabilidade, Tomada de consciência Maior consciência do meio ambiente e dos problemas conexos (sen-
que reiterou as recomendações e os planos sibilização).
de ação das conferências internacionais an- Conhecimentos Compreensão básica do meio ambiente em sua totalidade e da presença
teriores e propôs uma conferência inter- e função da humanidade nele.
nacional, em 2007, para avaliar a implemen- Atitudes Valores e comportamentos favoráveis à melhoria da qualidade do meio
tação e o progresso do processo educativo ambiente.
sugerido (Implantação..., 1998).
Aptidões Faculdades práticas necessárias à resolução dos problemas ambien-
tais.
PRESSUPOSTOS BÁSICOS
Capacidade de avaliação Avaliação das medidas e programas em função dos fatores ecológicos,
A educação ambiental apresenta um en- políticos, econômicos, sociais, estéticos e educacionais.
foque ético de transformação da sociedade,
uma mudança nos propósitos do processo Participação Atuação para assegurar a adoção das medidas adequadas aos problemas
civilizatório, abordando problemas, na ambientais.
tentativa de promover ações que visem a
sua resolução. O enfoque crítico e o es-
pírito criativo são fundamentais para o
processo de tomada de consciência acerca Conhecimento Cognitivo Consciência

do meio ambiente e seus problemas cone- Sensibilidade Sentimento Equilíbrio


xos. A compreensão da presença e a função Técnica Aptidões
Habilidade
da humanidade no meio ambiente requerem
Educação Expressão Resolução
Criatividade Alternativas
responsabilidade crítica, vital para a busca Ambiental dos Problemas
de soluções e adoção das medidas cabíveis. Enfoque Crítico Pensamento Crítico Avaliação
Os objetivos gerais da educação ambien- Participação Ativa Responsabilidade Atitudes
tal (Quadro 1), assim como os específicos,
Valores Comportamento Ética
representam o ponto de partida para a avalia-
ção do próprio programa. A escolha de indica-
dores sócio-ambientais auxilia o processo de Figura 21 - Preceitos básicos da educação ambiental

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.54-56, jan./fev. 2000


56 Agropecuária e Ambiente

víduos se neguem a aceitar cegamen- trabalho deverá conter ações práticas, a deve conter aspectos quantitativos e quali-
te que as coisas sigam como são; serem implementadas na forma de projetos, tativos, antes e depois de iniciado o traba-
f) a participação ativa dos indivíduos compatíveis com as necessidades e os inte- lho, para auxiliar na verificação do alcance
envolvidos em um programa de edu- resses da própria população. do programa.
cação ambiental estimula as suas A utilização de metodologias partici- O leque de opções é extenso e as pos-
responsabilidades com relação às pativas proporciona a integração direta e sibilidades de ação variam de acordo com
ações promovidas. Quando há res- ativa dos indivíduos no planejamento das as necessidades e os potenciais existentes
ponsabilidade crítica, os indivíduos ações e/ou atividades educativas a serem nas áreas de atuação dos programas. Con-
passam a adquirir um compromisso desempenhadas, propiciando um com- tudo é fundamental não reduzir a educação
permanente de melhorar o meio hu- prometimento maior das pessoas durante ambiental a atividades/eventos por si só,
mano e a qualidade de vida. Conse- a implementação do programa. esquecendo-se de que ela faz parte de um
qüentemente, desenvolvem-se atitu- Considerando as particularidades e processo de democratização e construção
des favoráveis à resolução dos pro- especificidades da área de implantação dos da cidadania em busca de uma sociedade
blemas emergentes (Fig. 25, p.65); programas e seus respectivos projetos, se- ecologicamente equilibrada e socialmente
ja no nível formal (escolas) ou não-formal mais justa. A educação ambiental é uma
g) todo sistema ou programa educacio-
(extra-escolar), as ações educativas devem briga política para que a existência fique à
nal apresenta determinados princí-
contemplar assuntos consonantes com a altura da vida. Por isso, deve estimular os
pios intrínsecos e compartilha certos
temática agroecológica, que poderão nor- indivíduos a conceberem-se não apenas no
valores, imprescindíveis para a sua
tr as ações educativas a serem desenvol- mundo, mas com o mundo. Assim sendo,
manutenção. A mudança de compor-
vidas (Fig. 26). abrem-se possibilidades para refazermos o
tamentos inicia-se com uma avalia-
A avaliação dos programas de educa- mundo e, refazendo-o, refazemo-nos tam-
ção acerca do próprio estilo de vida,
ção ambiental deve ter caráter permanente, bém. Já não bastam palavras, mas ações, a
o que subentende a reformulação de
com reuniões entre o próprio corpo técnico busca de novas práticas, novas atitudes
valores e o surgimento de uma ética
envolvido e entre técnicos e representantes (Freire, 1987). Precisamos desenvolver va-
ambiental, cujas normas e fundamen-
do público-alvo, entrevistas e aplicação de lores éticos que recuperem a humanidade
tos tenham como base a cooperação,
questionários. O processo de avaliação das pessoas.
a solidariedade e uma nova concep-
ção de progresso e desenvolvimento
que contemple profundas inovações Sugestões temáticas
e não apenas as tecnológicas.
➫ A bacia hidrográfica como unidade de estudo e planejamento
ELABORAÇÃO DE PROGRAMAS ➫ Conservação do solo
DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM ➫ Manutenção de remanescentes florestais
ÁREAS AGRÍCOLAS ➫ Proteção de mananciais hídricos
Nas áreas agrícolas há uma gama de ➫ Manejo para abastecimento de madeira
fatores ambientais a ser tratada. Norteados ➫ Recuperação de áreas degradadas
pela realidade local, sem perder de vista ➫ Correta utilização de defensivos e fertilizantes químicos X problemas gerados
aspectos globais, os programas de edu-
por estes produtos
cação ambiental não consistem em pacotes
fechados e devem ser concebidos a partir ➫ Destinação adequada dos resíduos sólidos e alternativas para o seu reaproveitamento
de um diagnóstico sócio-ambiental da área ➫ Agricultura orgânica
e da definição dos diferentes atores envol- ➫ Controle biológico de pragas
vidos no processo. Dessa forma, são identi-
➫ Capacitação em assuntos ligados à agroecologia
ficados os principais problemas, defini-
do o perfil do público-alvo e selecionados ➫ Aproveitamento integral dos alimentos
possíveis indicadores para a verificação do ➫ Formas de manejo e uso do solo X saúde dos agricultores
alcance do programa. Figura 26 - Sugestão de temas agroecológicos para nortear as ações educativas
Esta fase inicial de estudo/diagnóstico
é vital para a elaboração de um plano de
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
trabalho eficaz e para a escolha de estraté-
gias apropriadas, que deverão ser apresen- EDUCAÇÃO ambiental e desenvolvimento: A IMPLANTAÇÃO da educação ambiental
tados à população e discutidos em seminá- documentos oficiais. São Paulo: Secreta- no Brasil. Brasília: Ministério da Educa-
rios, encontros e reuniões, para modificação ria do Meio Ambiente, 1994. ção e do Desporto, 1998.
e adequação das propostas inicialmente FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17.ed. PADUA, S.M.; TABANEZ, M.F. (Org.).
previstas, de acordo com as proposições e Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. (O Educação ambiental: caminhos trilha-
sugestões dos participantes. O plano de Mundo Hoje, 21). dos no Brasil. Brasília, 1997. 283p.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.54-56, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 57

Indicadores de impactos das atividades agropecuárias


Hugo Adelande Mesquita 1
Miralda Bueno de Paula 2
Maria Inês Nogueira Alvarenga 3

Resumo - A expansão da fronteira agrícola tem provocado crescente pressão sobre os


recursos naturais e gerado situações de conflito em algumas áreas, principalmente
sobre os recursos hídricos, uma vez que tem ocorrido o aumento no consumo da
água para múltiplas atividades, como a geração de energia, abastecimento urbano e
principalmente para irrigação. A oportunidade da pesquisa multidisciplinar é relevante
na busca de soluções para os processos ambientais e para a produtividade agro-
alimentar, na medida em que a sociedade está sendo orientada pela demanda de
produtos mais sadios concomitante com a preservação dos recursos naturais. A maneira
mais adequada de utilização está no limite entre o uso racional e adequado dos recursos
naturais e o desenvolvimento econômico, promovendo a melhoria das condições,
qualidade de vida e bem-estar da sociedade. Também é necessário mudança de atitudes
tanto de técnicos, produtores, governo, como da sociedade em geral, ao se interferir
no meio ambiente.

Palavras-chave: Degradação; Solo; Sustentabilidade; Recursos naturais; Agroecolo-


gia.

INTRODUÇÃO tistas, decorrentes quase sempre da ação O SOLO COMO COMPONENTE


de estímulos políticos e econômicos, favo- DO AMBIENTE
Tem surgido nos últimos anos uma
crescente consciência ecológica sobre a recendo a exploração cíclica e migratória.
A agricultura, ou seja, a exploração agrí-
qualidade do solo, que é um conceito emer- Responsáveis pela produção agrícola e cola dos solos, pode ser observada como
gente integrando avaliações descritivas e cultivados continuamente, têm suas pro- um componente do ambiente ou, porque
analíticas das propriedades físicas, quí- dutividades diminuídas cada vez mais, não dizer, um agroecossistema. Para melhor
micas e biológicas dos solos. A qualidade devido principalmente à erosão e ao manejo entender essa colocação, deve-se atentar
do solo é definida atualmente como a ca- inadequado. para as esferas formadas dos ecossistemas:
pacidade de produzir alimentos a longo O estado de Minas Gerais em virtude hidrosfera, atmosfera, biosfera e litosfera
prazo, de forma sustentável, e de contribuir de sua vasta extensão territorial e varia- (Resende, 1988). Numa perspectiva mais
para o bem-estar dos seres vivos, sem de- bilidade edafoclimática apresenta uma voltada para o ambiente agrícola, a hidros-
teriorar os recursos naturais básicos ou grande diversidade de sistemas agrícolas, fera compõe-se das águas (cursos d’água,
prejudicar o meio ambiente (Warkentin, carentes de técnicas de manejo em acordo oceanos), a atmosfera pode ser represen-
1995). Dessa forma, a sustentabilidade do com as realidades regionais. A falta de um tada pelas precipitações e radiação solar, a
solo somente ocorrerá, quando a qualidade manejo correto dos recursos naturais, prin- litosfera é composta pelas rochas e sedi-
for mantida ou melhorada, concomitante- cipalmente solo e água, expõe estes ecos- mentos e a biosfera representada pelos
mente com a qualidade do ar, da água e dos sistemas à degradação, transformando organismos em geral (plantas, animais,
alimentos. solos de boa qualidade em solos de pouca inclusive o homem). Infere-se daí que um
A utilização do solo nas regiões tro- produtividade ou até mesmo improdutivos. ecossistema é o produto da interação des-
picais brasileiras desde os primórdios da Este fato implica na necessidade de recupe- sas esferas e que na união delas encontra-
colonização tem sido caracterizada pela im- ração do solo, o que nem sempre é total- se o solo, produto da interação de fatores
plantação de sistemas agrícolas imedia- mente possível e economicamente viável. representados por alguns componentes

1
Engo Agro, M.Sc., Pesq. EPAMIG-CTSM, Caixa Postal 176, CEP 37200-000 Lavras-MG. E-mail: epamig@ufla.br
2
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EPAMIG-CTSM, Caixa Postal 176, CEP 37200-000 Lavras-MG. E-mail: bueno@ufla.br
3
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EPAMIG-CTSM, Caixa Postal 176, CEP 37200-000 Lavras-MG. E-mail: mines@ufla.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.57-62, 70-71, jan./fev. 2000
58 Agropecuária e Ambiente

das esferas formadoras dos ecossistemas:


clima (atmosfera e hidrosfera), organismos
(biosfera), material de origem (litosfera), E sferas formadoras
Esferas form adoras dos
dos
D efinição da
Definição da Aagricultura
gric ultura
eco ssistem as
ecossistemas
que sob ação do tempo, sofre também in-
fluência da posição no relevo (Alvarenga
& Souza, 1997).
O solo, por ser um recurso natural, ocu-
pa uma posição peculiar, podendo ser de-
Radiação solar Atmosfera
nominado, por analogia, de pedosfera, que
contém as várias ramificações das esferas Água Hidrosfera
formadoras dos ecossistemas. Numa visão
Nutrientes Litosfera
simplista, ele é composto por segmen-
tos da atmosfera (25% de ar), hidrosfera
Plantas Biosfera
(25% de água), litosfera (45% da fração mi-
neral) e da biosfera (5% de matéria orgânica) Figura 28 - Paralelo entre a definição de agricultura e as esferas formadoras dos ecossis-
(Fig. 27). temas

Atmosfera terrestre da biosfera, em termos de apro- atender suas expectativas. Qualquer so-
Solo priação de recursos naturais e energia, já ciedade com alto padrão de desenvolvi-
está comprometida para consumo humano. mento social, econômico e ecológico, po-
Tal escala de atividades aponta limites bas- rém sob regime autoritário, terá na demo-
Litosfera Hidrosfera tante restritos ao crescimento e, ao mesmo cratização sua maior prioridade. Em quais-
tempo, requer exigências bastante severas quer destes casos, ainda segundo Flores
ao avanço tecnológico que atenuem estas & Nascimento (1994), a sustentabilidade
restrições (Motta, 1997). Assim é prudente do desenvolvimento não está estabeleci-
Biosfera identificar os níveis mínimos de segurança da, havendo ameaças de rupturas da ordem
Figura 27 - O solo (pedosfera) como “in- ou a capacidade suporte dos recursos na- das coisas.
terface” entre litosfera, atmos- turais que estão sendo apropriados na ge- O desenvolvimento sustentável, segun-
fera, biosfera e hidrosfera ração de renda. do Veiga (1994), é aquele que garanta:
FONTE: Resende (1988). O conceito de sustentabilidade surge a) a manutenção a longo prazo dos re-
formalmente, no relatório Bruntland, reali- cursos naturais e da produtividade
zado pela Comissão Mundial sobre o Meio agrícola;
Fazendo um paralelo com a definição Ambiente e Desenvolvimento das Nações
de agricultura de Monteith (1958) (Fig. 28): b) mínimo de impactos adversos aos
Unidas (CMMAD), em 1988, que diz que
“É a exploração da radiação solar, possível produtores;
“a sustentabilidade é o desenvolvimento
através do suprimento de água e nutrientes que satisfaz as necessidades da geração c) retorno adequado aos produtores;
para manter o crescimento das plantas, e presente, sem comprometer as possibili- d) otimização da produção com mínimo
as esferas formadoras dos ecossistemas.” dades das gerações futuras, em satisfazer de insumos externos;
Pela própria definição, observa-se que suas necessidades” (Nosso..., 1988).
a agricultura é o resultado da interação das e) satisfação das necessidades sociais
A busca do desenvolvimento susten-
esferas dos ecossistemas, que atuam na das famílias e das comunidades ru-
tável está diretamente ligada ao grau de
pedosfera, e por isso os sistemas agrícolas rais;
satisfação da sociedade em relação às suas
podem ser considerados como agroecos- f) satisfação das necessidades huma-
expectativas. Estas expectativas se referem
sistemas. nas de alimentos e renda.
ao estádio de desenvolvimento sob quatro
Considerando ainda que o solo é um
aspectos: social, econômico, ecológico e A sustentabilidade é ainda a complexa
recurso natural não-renovável, degradá-lo
político (Flores & Nascimento, 1994), como interação entre fatores biológicos, físicos
é perder a chance de recuperar o estabele-
pode ser observado na Figura 29. Segundo e sócio-econômicos. Entre os fatores bio-
cimento do ecossistema ou manejá-lo satis-
estes autores, uma sociedade democrática, lógicos, podem-se incluir a manutenção e
fatoriamente.
com altos padrões de desenvolvimento o fortalecimento dos recursos genéticos, a
econômico e social, dará prioridade aos produtividade, o controle do uso de agro-
A SUSTENTABILIDADE DO
avanços no controle ambiental. Uma socie- tóxicos e sistemas de equilíbrio entre ati-
SISTEMA AGRÍCOLA
dade, que por outro lado, tenha níveis de vidades de agricultura e pecuária. Aspec-
Algumas estimativas indicam que atual- pobreza e desigualdade social acentuados, tos físicos, incluem a gerência do uso da
mente 40% da produção líquida primária terá nesses temas maiores prioridades para água e do solo, uso de químicos agríco-

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.57-62, 70-71, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 59

que assegurem a lucratividade e a susten-


tabilidade do setor agropecuário e florestal
Biodiversidade
e, em conseqüência, o desenvolvimento so-
Alternativas
cial e econômico.
de produção Oferta de O planejamento adequado no processo
empregos

Avanço do Política
de transformação da agricultura, segundo
conhecimento Política ambiental Desenvolvimento Flores & Nascimento (1994), deverá prever
global cultural
a evolução da agricultura “tradicional” para
a “agricultura tecnologicamente susten-
Participação
social Político tável”, isto é, não apenas para a agricultura
Conservação tecnológica, como ocorreu em passado re-
da natureza
Otimização cente. De modo geral, as soluções da pes-
de resultados
quisa poderão vir antes da avaliação do
Novas
potencial dos ecossistemas, de modo que
idéias e venha a indicar áreas de preservação, apre-
Integração Desenvolvimento atitudes
Econômico Ecológico sentando alternativas de produção de ali-
nacional e sustentável
internacional
Monitoramento mentos que minimizem a degradação dos
recursos naturais.
Distribuição
da riqueza Operação
de novas
oportuni- INDICADORES DE IMPACTOS
Social dades
Para saber se estamos caminhando para
Harmonia
rumos sustentáveis devemos avaliar e me-
homem x Segurança Satisfação das dir o grau de sustentabilidade dos sistemas
natureza alimentar necessidades Redução da
pobreza produtivos. Esta realidade nos faz buscar
instrumentos para medir e monitorar os
graus de sustentabilidade dos diferentes
Eliminação modelos de produção agropecuária. Estes
da miséria
instrumentos podem ser fornecidos por
indicadores de sustentabilidade que nos
permitam verificar como as tecnologias
Figura 29 - Conceito multidimensional do desenvolvimento sustentável
empregadas na propriedade, em diferentes
FONTE: Flores & Nascimento (1994).
sistemas de produção, estão afetando ne-
gativa ou positivamente a sustentabilidade
dos agroecossistemas. Os indicadores, se-
las, mudanças atmosféricas e consumo de O aumento da exigência de consumi-
gundo Ferraz (1991), devem apresentar,
energia. Fatores sócio-econômicos tam- dores por produtos com menor nível de re-
entre outros fatores, simplicidade de men-
bém podem promover ou inibir a sustenta- síduos químicos e novos padrões de quali-
suração e repetibilidade ao longo do tempo,
bilidade, dependendo da capacidade do dade, implica na utilização de tecnologias
sensibilidade para detectar mudanças no
governo na formação de políticas adequa- capazes de manter a produtividade e de
sistema e permitir o cruzamento com outros
das para crédito, insumos e mercado. É garantir a qualidade exigida.
indicadores. É necessário também, segun-
necessário que estes fatores se juntem para do este autor, obter informações de níveis
criar uma situação viável economicamente, PESQUISA E O
máximo e mínimo para os indicadores, de
para que a sustentabilidade torne-se uma DESENVOLVIMENTO acordo com a capacidade de suporte do
alternativa para famílias de produtores. SUSTENTÁVEL sistema, devendo-se também estabelecer
O maior objetivo a ser alcançado pelo As tecnologias não são solução para o seu grau de importância para cada situa-
setor agropecuário é o de garantir que os todas as questões ambientais, mas elas po- ção. Além disso, os indicadores devem ser
agroecossistemas sejam produtivos, com- dem ser desenvolvidas, visando contribuir eficientes para medir o grau de sustentabi-
petitivos e sustentáveis ao longo do tem- para a crescente sustentabilidade dos sis- lidade tanto em nível local como regional,
po. A competitividade do setor agrope- temas agropecuários. A agricultura susten- contemplando aspectos ecológicos, eco-
cuário, segundo Flores & Nascimento tável só é viável com a obtenção de níveis nômicos e sociais.
(1994), está diretamente dependente, não econômicos de produtividade; e as novas No Quadro 1 é apresentada a síntese
só da eficiência econômica, em que a pro- soluções tecnológicas devem ser desen- de algumas atividades agropecuárias, com
dutividade constitui a principal variável, volvidas com restrições severas em relação suas características e principais impactos
mas também da qualidade ambiental e da ao potencial de degradação ambiental. A gerados ao ambiente, bem como a sugestão
diversificação da produção, de acordo com pesquisa agropecuária deverá desenvolver de medidas mitigadoras e/ou de reversão
a demanda do mercado. tecnologias ambientalmente adaptadas, de impactos.
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.57-62, 70-71, jan./fev. 2000
60 Agropecuária e Ambiente

QUADRO 1 - Síntese das atividades agropecuárias, problemas, impactos ambientais e medidas de controle

Problemas e/ou
Atividades agropecuárias Características Principais impactos ambientais Medidas mitigadoras e/ou de reversão
atividades (continua )
Culturas intensivas e pro- Grandes áreas de cul- Mecanização intensi- Degradação física, química e bioló- Empregar práticas de conservação de so-
jetos agroindustriais tivo va do plantio à colhei- gica do solo lo e água
ta
Erosão
Respeitar e/ou recompor as matas cilia-
Perda do equilíbrio do ecossistema res e de topo mantidas por lei

Uso intensivo de fer- Carreamento sazonal de agrotóxi- Usar técnicas de manejo integrado de
tilizantes agrotóxicos cos, contaminando solo, água e len- pragas e doenças
çol freático

Perda do equilíbrio do ecossistema Usar técnicas alternativas

Produção de resíduos Poluição solo, água com resíduos Dar destino adequado aos resíduos agroin-
agroindustriais agroindustriais dustriais
Aumento do consumo de água, cau- Respeitar as matas ciliares
sando conflitos com usos antró- Manter a vegetação nativa nas áreas de
picos e com o ambiente recarga de lençóis

Demanda por água pa- Poluição do solo, água com resíduos Coordenar o uso da água através do sis-
ra irrigação agroindustriais tema de outorga dos direitos de uso
Aumento do consumo de água, cau-
Adotar tecnologias de baixo consumo de
sando conflitos com usos antró-
água
picos e com o ambiente

Horticultura e Fruticultura Sistemas explorató- Mecanização inten- Pulverização, compactação, ex- Empregar práticas de conservação do solo
rios intensivos siva (hortaliças) posição e erosão do solo e água

Degradações físicas, químicas e Respeitar a legislação ambiental, quanto


biológicas do solo à localização das lavouras

Rebaixamento do nível lençol freá- Promover a racionalização do uso de agro-


tico, e nível de água de riachos, ri- tóxicos, fertilizantes e insumos agrícolas
beirões e reservatórios

Falta do uso de prá- Uso intensivo e indis- Degradações físicas, químicas e Utilizar técnicas de manejo integrado de
ticas conservacionis- criminado de fertili- biológicas do solo pragas e doenças
tas zantes, agrotóxicos e
insumos agrícolas Carreamento sazonal de agrotó- Utilizar técnicas de conservação de água
xicos e fertilizantes, contaminando e solo
água, solo e lençol freático

Contaminação de alimentos com Racionalizar o uso de agrotóxicos, atra-


resíduos de agrotóxicos vés de receituário agronômico

Alto consumo de água Carreamento sazonal de agrotó- Utilizar técnicas alternativas nativas de
xicos e fertilizantes, contaminando controle de doenças e pragas
água, solo e lençol freático
Coordenar o uso da água através de outor-
Rebaixamento do nível lençol freá- gas dos direitos de uso
tico, e nível de água de riachos, ri-
Adotar tecnologia de baixo consumo de
beirões e reservatórios
água

Manter a vegetação nativa nas áreas de


recarga de lençóis e preservar as matas
ciliares

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.57-62, 70-71, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 61

Problemas e/ou
Atividades agropecuárias Características Principais impactos ambientais Medidas mitigadoras e/ou de reversão
atividades ( conclusão )
Reflorestamento Implantação de gran- Mecanização intensi- Erosão do solo Utilizar técnicas de conservação de solo
(Fig. 30, p.66) des maciços flores- va Compactação do solo e água
tais
Degradação física, química e bioló- Respeitar as matas ciliares mantidas por
gica do solo lei
Rebaixamento do lençol freático
Manter corredores biológicos

Maciços de florestas Rebaixamento do lençol freático


Usar faixas de vegetação nativa
homogêneas Redução da biodiversidade
Perda do equilíbrio do ecossistema Empregar práticas de manejo adequadas

Uso intensivo de agro- Contaminação ambiental do solo e Utilizar técnicas de manejo integrado e
tóxicos e insumos da água por agrotóxicos alternativas
Perda do equilíbrio do ecossistema

Bovinos Excesso de unidade Pisoteio excessivo Compactação e erosão do solo Utilizar áreas de acordo com a capacidade
animal/área de uso do solo
Baixa retenção de água
Formar pastagens melhoradas
Baixa capacidade de Degradação das pas- Incorporação de áreas impróprias Utilizar técnicas de conservação do solo
suporte das pastagens tagens Rebaixamento do lençol freático e água
Baixa retenção de água Respeitar as matas ciliares e de topo man-
tidas por lei
Exploração extrati- Ocupação de novas
Racionalizar o uso de agrotóxicos, me-
vista das pastagens áreas
dicamentos e insumos e técnicas alter-
nativas
Queima de pastagens Pastagens degradadas Rebaixamento do lençol freático
(Fig. 31, p.66) Baixa retenção de água Empregar práticas de manejo agropasto-
ril adequadas

Uso indiscriminado de Restrições à exporta- Contaminação do solo e da água Tratar do resíduo através de tanques de
medicamentos, agro- ção de carne e leite Contaminação da carne e do leite decantação
tóxicos e insumos

Avicultura Sistemas explorató- Uso intensivo de me- Contaminação ambiental da água e Racionalizar o uso de medicamentos e
rios concentrados e dicamentos e/ou insu- do solo insumos
intensivos mos Contaminação de alimentos
Dar destino adequado aos dejetos
Grande produção de Contaminação ambiental da água e Usar técnicas alternativas de reaprovei-
dejetos e resíduos do solo tamento de dejetos e resíduos na adubação
Contaminação de alimentos orgânica e na alimentação de animais

Suinocultura Sistemas de produção Aumento do volume Contaminação da água e do solo Racionalizar o consumo de água, visando
(Fig. 32, p.66) intensivos e concen- de dejetos produzidos por agentes patogênicos diminuir a produção de volume de resíduos
trados por unidade de área
Contaminação da água e do solo Associar o uso de dejetos a palhadas de
por resíduos orgânicos e minerais culturas (arroz, milho, feijão, resíduos de
Atividade potencial- capineira, palha de café etc.) para produ-
Contaminação da água e do solo
mente causadora de ção de composto orgânico
por agentes patogênicos
degradação ambiental,
Contaminação da água e do solo Usar dejetos associados ou não a palhadas
impedindo a expansão
por resíduos orgânicos e minerais em substituição a fertilizantes químicos
da suinocultura como
atividade econômica Obter licenciamento técnico-ambiental
de acordo com a norma deliberativa do
Uso intensivo de me- Conselho Estadual de Política Ambiental
Contaminação da água e do solo
dicamentos e insumos (Copam)
por resíduos orgânicos e minerais
Fator de risco à saúde animal e hu- Racionalizar o uso de medicamentos e
mana insumos

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.57-62, 70-71, jan./fev. 2000
62 Agropecuária e Ambiente

No tocante a indicadores de impactos do se trata da presença da matéria orgânica dos tóxicos, como Cd, cromo (Cr) e chum-
no solo, observa-se que alguns parâmetros no solo. bo (Pb), cujo teor pode chegar a milhares
são bastante sensíveis às alterações pro- de mg/kg.
vocadas pelos diferentes manejos adota- Macro e micronutrientes do
solo Carbono orgânico e matéria
dos em atividades agrícolas, ou seja, nos
A primeira etapa de ocupação da terra orgânica
agroecossistemas. Apesar de esses parâ-
metros indicarem impactos nos agroecos- é a destruição da vegetação natural e a sua A matéria orgânica é a responsável pela
sistemas, ainda é premente a necessidade substituição por atividade agropecuária, manutenção da micro e mesovida no solo e
de estabelecer níveis que indiquem os limi- urbana, industrial ou de exploração mineral. a bioestrutura e produtividade do solo ba-
tes, além dos quais as alterações possam A queda de fertilidade nos solos intensa- seiam-se na sua presença. Possui em média
ser consideradas degradativas ou apenas mente cultivados e/ou mal-planejados está 58% de carbono (conversão 1,72). A ma-
modificações no equilíbrio dinâmico do am- diretamente relacionada com a diminuição téria orgânica existe, em parte como raízes
biente (Alvarenga, 1996). de matéria orgânica, a qual exerce efeitos mortas e folhas e como produtos inter-
A seguir, serão apresentados atributos benéficos, entre outros, sobre a capacidade mediários de decomposição (ácidos poliu-
de solo usados como indicadores de alte- de troca catiônica do solo e a disponibi- rônicos) e, às vezes, como substâncias
ração ambiental e, por conseguinte, de im- lidade de nutrientes para as plantas. húmicas (Primavesi, 1990).
pacto no solo. Quando se considera a necessidade de Segundo Santos (1993), o decréscimo
garantir o abastecimento crescente de na produtividade do solo nas regiões tropi-
Indicadores físicos alimentos, fibra e energia renovável, o papel cais tem sido atribuído ao processo erosivo
maior cabe ao aumento na produtividade e à redução nos teores de matéria orgânica.
Os impactos sobre os atributos físicos
da terra, através do emprego de práticas Nos sistemas de agricultura intensiva,
do solo, na maioria das vezes, são pro-
adequadas de manejo do solo, água e corre- os componentes orgânicos do solo podem
venientes de fatores extrínsecos à sua na-
ção da fertilidade. Os corretivos e fertilizan- atuar como um reservatório temporário de
tureza, normalmente por causa do manejo
tes favorecem a recuperação da fertilidade, nutrientes, quando bem manejado, possi-
inadequado que culmina com a erosão, in-
o desenvolvimento da cobertura vegetal e bilita o aumento da eficiência de uso dos
tensificada pela mecanização inadequada e
a formação de matéria orgânica, e, graças nutrientes já presentes no solo ou prove-
o uso além da sua capacidade de suporte.
às maiores produções, aumentam a produ- nientes de fertilizações químicas. O teor de
Isso contribui para a compactação e/ou tividade de áreas já cultivadas, reduzindo matéria orgânica presente no solo é função
pulverização e conseqüente degradação da assim a ocupação de novas áreas para au- de seu manejo atual, bem como do histórico
estrutura dos solos e, ainda, para a dimi- mento da produção agrícola. de seus restos culturais. As duas principais
nuição da capacidade de infiltração de água A presença de metais pesados e outros fontes de matéria orgânica nos agrossiste-
das chuvas e aumento da erosão. elementos tóxicos em fertilizantes, segundo mas são remanescência de resíduos ani-
A erosão tem conseqüências diversas, Malavolta (1994), não é fato novo, princi- mais e de decomposição da vegetação na-
entre as quais destacam-se o assoreamento palmente porque muitos países vêm utili- tiva e a introdução de matéria orgânica pela
das partes baixas e dos cursos d’água, a zando subprodutos e resíduos industriais, adição de restos culturais ao solo. A forma
contaminação da água e do solo, quando o bem como lodo de esgoto para sua pro- menos dispendiosa de elevar os teores de
manejo inclui o uso de agrotóxicos, além dução. matéria orgânica de um solo é a sua produ-
da perda de nutrientes e corretivos que A toxidez dos metais pesados para as ção in situ, ou seja, a utilização de restos
promovem a eutrofização de mananciais, plantas e, eventualmente, para os animais vegetais produzidos no próprio local.
potencializando o prejuízo dos produto- tem duas causas: a própria natureza e o ho- A matéria orgânica é referencial da ativi-
res. mem, isto é, antropogênica. Segundo Ma- dade microbiana nos diferentes ecossis-
Entre os atributos físicos que indicam lavolta (1994), a acumulação de metais temas, bem como resultado da influência
impactos no solo, podem ser usados a per- pesados tóxicos no solo como conse- da cobertura vegetal. Quando correlacio-
da de solo por erosão, a densidade do solo qüência do uso continuado de adubos em nada com composição química da serrapi-
e de partícula, a textura, a estrutura e a dis- ensaios de longa duração, tem sido avalia- lheira, dá um indicativo da sua velocidade
tribuição de poros no solo, bem como a es- da em outros países e os dados obtidos de decomposição, também pode ser rela-
tabilidade dos agregados e a permeabi- mostram que a acumulação de cádmio (Cd), cionada com parâmetros físicos do solo e
lidade do perfil. por exemplo, resulta em aumentos des- com a resistência do solo à erosão.
prezíveis no seu teor na planta. Em escala
Indicadores químicos mundial os adubos minerais contribuem
CONTAMINAÇÃO DO SOLO E
Os indicadores químicos estão relacio- em menos de 1% da adição de metais pe-
DA ÁGUA POR AGROTÓXICOS
nados com os aspectos de nutrição de sados no solo. Entre os adubos orgânicos,
plantas, sendo de efeito direto no caso dos segundo este autor o lodo de esgoto pa- Segundo Kitamura (1994), a partir da
macro e micronutrientes, ou indiretos, quan- rece ser a fonte mais rica de metais pesa- década de 70, vários países engajaram na
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.57-62, 70-71, jan./fev. 2000
64 Agropecuária e Ambiente

Cambissolo álico - Mata Nativa


mg.g-1 AF: 3,02 AH: 3,11 HU: 9,85

Figura 14 - Poluição hídrica por mineração de areia

Foto: Folha Agrosul


Cambissolo álico - Fogo recente
mg.g-1 AF: 7,80 AH: 12,37 HU: 27,79

Figura 8 - Seção fina (corte) de um cambissolo álico sob mata Figura 15 - Resíduos de agroindústrias
nativa (A) e sob manejo de fogo recente (1 ano) e
pastagem (B), indicando os valores absolutos de ácidos
fúlvicos, húmicos e huminas nos dois casos

Foto: Folha Agrosul


Foto: Folha Agrosul

Figura 16 - Poluição hídrica por granjas Figura 17 - Fosso para vasilhames de agrotóxico

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v . 2 1 , n . 2 0 2 , j a n . / f e v. 2 0 0 0
Agropecuária e Ambiente 65

Foto: Folha Agrosul


Foto: Folha Agrosul

Figura 18 - Utilização agrícola das terras na geração de alimentos Figura 19 - A construção de reservatórios tem implicações
ambientais e exige avaliação prévia de impactos

Figura 20 - A região Sudeste possui grande disponibilidade de Figura 22 - Conscientização dos indivíduos e grupos sociais
recursos hídricos, que precisam ser utilizados ade- acerca do meio ambiente e dos problemas conexos
quadamente (Cachoeira da Zilda, Carrancas - MG)

Figura 23 - O sentimento e a emoção das pessoas: uma pers- Figura 24 - Desenvolver habilidades é essencial para utilização
pectiva mais equilibrada da vida de técnicas voltadas à melhoria do ambiente

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 2 1 , n . 2 0 2 , j a n . / f e v. 2 0 0 0
66 Agropecuária e Ambiente

Foto: Folha Agrosul


Figura 25 - Participação ativa dos indivíduos envolvidos em
educação ambiental estimula responsabilidades com
relação às ações promovidas

Figura 31 - Queimada Figura 30 - Área reflorestada com eucalipto


Foto: Folha Agrosul

Figura 32 - Lagoa de estabilização de dejetos de suínos

Figura 33 - Níveis de respostas bioindicadoras, em função do


tempo de resposta e da relevância ecológica ou
toxicológica

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v . 2 1 , n . 2 0 2 , j a n . / f e v. 2 0 0 0
Agropecuária e Ambiente 67

Figura 35 - Utilização de características dos organismos vivos como


Figura 34 - Características bioindicadoras em nível de comunidade bioindicadores da eficiência de medicamento ou vacina
biótica

Figura 36 - Os pássaros (A) contribuem para a dispersão de se- Figura 37 - Cercas vivas naturais ou plantadas (A) podem
mentes de espécies da família Melastomataceae (B) contribuir para minimizar o impacto negativo da
eliminação ou fragmentação do habitat (B) sobre a
fauna silvestre

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 2 1 , n . 2 0 2 , j a n . / f e v. 2 0 0 0
68 Agropecuária e Ambiente

Figura 53 - Agricultores nas discussões durante a aplicação do


Diagrama de Venn
NOTA: Projeto de Assentamento Arizona – RN.

Figura 38 - Pequenos animais como o tapiti (Sylvilagus brasiliensis) Figura 54 - Aplicação de uma técnica do DRP em assentamento
(A) protegem-se dos predadores nas matas ciliares (B) de reforma agrária
NOTA: Projeto de Assentamento Vernona – MA.

Foto: Folha Agrosul

Figura 57 - Processo intenso de erosão do solo ocorre em mui- Figura 58 - A distribuição dos cultivos e/ou uso do solo, de
tas regiões do país, intensificando a degradação acordo com sua capacidade suporte, favorece a
ambiental conservação ambiental

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v . 2 1 , n . 2 0 2 , j a n . / f e v. 2 0 0 0
Agropecuária e Ambiente 69
63

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.57-62, 70-71, jan./fev. 2000
70
64 Agropecuária e Ambiente

chamada “revolução verde”, fundamentada dutividade local e regional do solo e da água, agrotóxicos são os efeitos diretos sobre as
basicamente no aumento da produtividade através da erosão, sedimentação poluição formas de vida natural e os indiretos pela
pelo uso intensivo de insumos químicos, química, diminuição da biodiversidade. acumulação na cadeia alimentar sobre os
de variedades de alto rendimento, da irriga- A crescente demanda por alimentos e a diversos animais.
ção e da mecanização. Os objetivos, então necessidade de produzir alimentos com O uso de agrotóxicos é o fator mais im-
estabelecidos, eram consistentes com o ce- maior qualidade levam à utilização de agro- portante na redução da biodiversidade,
nário do período de crise mundial no mer- tóxicos, que se destaca entre as principais dentre as práticas de produção agrícola. A
cado de grãos alimentícios, pelo aumento formas de controle de doenças, pragas e supressão da atividade e da diversidade
da demanda e rápido crescimento demográ- plantas invasoras. Os princípios ativos têm de espécie da flora e da fauna tem grande
fico. como ponto final de depósito o solo ou a influência nas propriedades físicas, quí-
Apesar do sucesso obtido nas décadas água, sendo que a maior parte acaba atin- micas e biológicas do solo, refletindo nos
de 60, 70 e 80, segundo Kitamura (1994), gindo o solo. Uma parte é rapidamente de- aspectos nutricionais, e também no equilí-
atualmente reconhece-se que a “revolução gradada pelos microorganismos, e a outra brio biológico do solo, visto que desequi-
verde” trouxe também sérios problemas de é retida na matéria orgânica e/ou nas argilas. líbrios na cadeia trófica eliminam agentes
eqüidade social e especialmente de sus- Após a retenção, esses produtos podem supressores de pragas e doenças.
tentabilidade da produção agrícola a longo ser perdidos tanto para a atmosfera como As formas mais adequadas de reduzir
prazo. arrastados pela erosão. A contaminação da os problemas de contaminação ambiental
Os problemas ambientais resultantes água pode ocorrer diretamente pela deriva são a redução ou uso adequado de agro-
deste modelo têm-se tornado cada vez mais de pulverizações, pela lixiviação da água tóxicos, manejo integrado de pragas e doen-
um fator limitante, e gerado importantes de drenagem, erosão e/ou lavagem de tan- ças e emprego de práticas de manejo ade-
conseqüências que ameaçam diversos com- ques e embalagens. A persistência dos pro- quado de solo e água.
ponentes sejam eles econômicos, sociais dutos depende do princípio ativo, tanto no
ou ecológicos (Ferraz, 1991). Tais conse- solo quanto na água. Os dois aspectos mais Fontes de poluição hídrica
qüências traduzem-se pelo declínio da pro- importantes da poluição ambiental com As ações do homem sobre o ambiente

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.57-62, 70-71, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 71
65

refletem-se freqüentemente nos sistemas concentração de oxigênio dissolvido, o que Jaguariúna, v.1, n.1, p.10-17, jan./abr. 1994.
aquáticos. O homem tem uma relação estrei- pode causar a morte de peixes. Algumas KITAMURA, P.C. A agricultura e o desen-
ta com a água por depender dela para todas espécies de algas produzem neurotoxinas e volvimento sustentável. Agricultura Sus-
as suas atividades, inclusive para a dispo- hepatotoxinas, que podem levar à morte tentável, Jaguariúna, v.1, n.1, p.27-32, jan./
sição de seus resíduos. animais de grande porte, como bois e cava- abr. 1994.
Segundo Tundisi (1988), a poluição dos los (Tundisi, 1988).
MALAVOLTA, E. Fertilizantes e seu im-
recursos hídricos possui três origens bási-
pacto ambiental: micronutrientes e metais
cas: doméstica (incluem-se as águas ser- CONSIDERAÇÕES FINAIS
pesados, mitos, mistificação e fatos. São
vidas, resíduos sólidos e o escoamento
A busca de indicadores geomorfo- Paulo: Produquímica, 1994. 153p.
superficial de áreas urbanas), industriais
lógicos para a sustentabilidade ambien- MONTEITH, J.L. The heat balance of soil
(resíduos de mineração e processos indus-
tal se traduz em dados quantitativos e, beneath crops. In: SYMPOSIUM ZONE
triais de transformação) e agrícolas (resí-
sobretudo, qualitativo, a fim de estabelecer RES CLIMATOLOGY AND MICRO-
duos de granjas, matadouro e fertilizantes
os limites de equilíbrio do sistema ambien- CLIMATOLOGY, 11, 1958, Camberra.
e pesticidas). A poluição química ocorre
tal. Segundo Cunha (1994), o desenvolvi- Proceedings... London: UNESCO, 1958.
quando despejados resíduos domésticos,
mento sustentável deverá atender: v.2, p.123-128.
agrícolas ou industriais que alteram a
composição química da água. Esgotos do- a) incremento da qualidade de vida, MOTTA, R.S. A questão econômica da questão
mésticos são ricos em gordura e deter- crescimento da produção agrícola ambiental. In: SHIKI, S.; SILVA, J.G. da;
gentes, além de compostos orgânicos em ritmo comparável com o cres- ORTEGA, A.C. (Org.). Agricultura, meio
contendo nitrogênio (N) e fósforo (P). Já cimento da demanda; ambiente e sustentabilidade do cerra-
os efluentes industriais apresentam con- do brasileiro. Uberlândia : UFU, 1997.
b) maior controle dos processos bio-
centrações elevadas de metais pesados, p. 25-31.
lógicos pela própria agricultura;
cianetos, mercúrio e outras substâncias NOSSO futuro comum. Rio de Janeiro: FVG/
c) uso mais eficiente dos recursos na-
geralmente tóxicas para as comunidades CMMD, 1988. 430p.
turais e melhoria da eficiência dos
aquáticas e para o homem. No caso es- PRIMAVESI, A. A matéria orgânica. In:
fatores de produção;
pecífico da agropecuária, os empreendi- MANEJO ecológico do solo: a agricultura
mentos agrícolas geram resíduos orgânicos d) aumento do nível de bem-estar de uma
em regiões tropicais. São Paulo: Nobel, 1990.
sólidos ou líquidos, ricos em fertilizantes geração sem o sacrifício de outras.
p.107-165.
inorgânicos e agrotóxicos organoclorados
RESENDE, M. Caracterização dos solos
ou fosforados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS tropicais brasileiros. Brasilia: ABEAS,
1988. Curso de Agricultura Tropical:
Eutrofização ALVARENGA, M.I.N. Propriedades físicas,
Módulo 2.1.
A eutrofização é o processo de enrique- químicas e biológicas de um Latossolo
Vermelho-Escuro em diferentes ecos- SANTOS, J.C.F. Comportamento de pro-
cimento dos corpos d’água com nutrientes,
sistemas. Lavras: UFLA, 1996. 211p. Tese priedades físicas e químicas de dois
principalmente N e P, cuja conseqüência é
(Doutorado) – Universidade Federal de Latossolos Roxos sob diferentes siste-
o crescimento excessivo de algas ou de
Lavras, 1996. mas de rotação de culturas em plantio
plantas aquáticas. O processo de eutrofi-
direto. Lavras: ESAL, 1993. 101p. Dis-
zação está associado tanto ao aumento da ALVARENGA, M.I.N.; SOUZA, J.A. de. sertação (Mestrado em Solos e Nutrição de
concentração de P na água quanto à redu- Atributos do solo e o impacto ambien- Plantas) – Escola Superior de Agricultura
ção da profundidade do lago. A tendên- tal. Lavras: UFLA-FAEPE, 1997. 205p. de Lavras, 1993.
cia evolutiva é o seu desaparecimento pelo
CUNHA, A.S. Uma avaliação da susten- TUNDISI, J.G. Limnologia e manejo de
assoreamento.
tabilidade da agricultura nos cerrados. represas. São Pau-lo: USP-EESC, 1988.
Em lagos profundos as moléculas de
Brasília: IPEA, 1994. 2v. (IPEA. Estudos t.1/2. (USP. Monografias em Limnolo-
fosfato agregadas a partículas inorgâni-
de Política Agrícola,1. Relatórios de Pesqui- gia, 1).
cas em suspensão, ou na forma de molé-
sa 11).
culas orgânicas sedimentam-se. A grande VEIGA, J.E. Problemas de transição à agricultu-
distância entre superfície e fundo impede a FERRAZ, J.M.G. Indicadores de sustenta- ra sustentável. Estudos Econômicos, São
sua ressuspensão e a reabsorção pelo fito- bilidade agrícola. Informativo, Jaguariúna, Paulo, v.24, p.9-29, 1994.
pâncton, perdendo-se no sedimento. O v.2, n. 3. fev. /mar. 1991.
WARKENTIN, B. The changing concept of soil
crescimento maciço de algas pode alterar FLORES, M.X.; NASCIMENTO, J.C. Novos quality. Journal of Soil and Water Con-
o equilíbrio entre as populações de peixes, desafios da pesquisa para o desenvolvimen- servation, Ankeny, v.50, n.3, p.226-228,
bem como provocar oscilações bruscas na to sustentável. Agricultura Sustentável, 1995.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.57-62, 70-71, jan./fev. 2000
72 Agropecuária e Ambiente

Bioindicadores de qualidade e de impactos ambientais


da atividade agropecuária
Júlio N. C. Louzada 1
Newton Moreno Sanches2
Marcelo Nivert Schilindwein 3

Resumo - A crescente demanda de tecnologias ecologicamente corretas tem pro-


porcionado o avanço de estudos em áreas outrora restritas. Uma das novas tecnologias
que se têm mostrado de grande utilidade, para avaliar os impactos ambientais e
monitorar a recuperação do meio ambiente, é o uso de espécies bioindicadoras. Estas
espécies podem indicar o grau com que o ambiente foi perturbado ou a sua velocidade
de recuperação, após um distúrbio. Entretanto, nota-se que o emprego de bioindicado-
res é mais amplo que a trivial função de avaliar impacto ambiental. São apresentadas
as bases para a utilização de bioindicadores em diversas atividades envolvendo a
agropecuária.

Palavras-chave: Bioindicadores de qualidade; Impacto ambiental; Meio ambiente;


Agropecuária.

INTRODUÇÃO efeito de algum agente estressor sobre os b) permitem que se identifiquem as cau-
organismos vivos (Vos et al., 1985). Os bioin- sas e efeitos entre os agentes estres-
Com a crescente demanda de tecnolo-
dicadores podem variar desde respostas sores e as respostas biológicas;
gias e produtos “ecologicamente corretos”,
moleculares até respostas em nível de po- c) oferecem um panorama da resposta
várias estratégias de aferição da qualidade
pulações e comunidades biológicas (Fig. 33, integrada dos organismos a mo-
ambiental de produtos e serviços têm sido
p.66). dificações ambientais;
desenvolvidas (Spellerberg, 1991). O uso
Os bioindicadores são tipicamente utili- d) permitem avaliar a efetividade de
de organismos vivos, ou processos bioló-
zados para verificar os efeitos de agentes ações mitigadoras tomadas para con-
gicos, como bioindicadores de qualidade
estressantes (poluentes e degradação de tornar os problemas criados pelo ho-
ambiental apresenta-se como uma das no-
vegetação) em ambientes naturais (Man- mem.
vas estratégias para o monitoramento do
ning & Feder, 1980). Contudo, veremos Existem muitos usos do termo bioin-
ambiente e avaliação da qualidade de pro-
adiante que o emprego de bioindicadores dicador, ou espécie bioindicadora, em múl-
dutos, com uso potencial na agropecuária.
pode estar ligado a um grande número de tiplas atividades, que permitem a distinção
Neste trabalho, são apresentados os pon-
tos básicos sobre o uso de bioindicadores, atividades agrícolas e da agroindústria. de vários grupos de espécies indicadoras
visando subsidiar posturas e trabalhos na Os bioindicadores são usados de forma (Spellerberg, 1991). Dentre elas podemos
agropecuária. geral para o monitoramento da recuperação diferenciar os seguintes grupos principais:
O uso de bioindicadores envolve ava- e qualidade do ambiente. Conforme Vos et
a) espécies sentinelas: organismos sen-
liações múltiplas a respeito da qualidade al. (1985), a justificativa de seu uso está li-
síveis que, após introduzidos em uma
e quantidade da atividade biológica. Es- gada a uma, ou mais, de suas propriedades área, oferecem uma idéia geral do ní-
tas avaliações incluem vários níveis de listadas a seguir: vel de degradação ou de presença de
organização biológica e utilizam múltiplas a) fornecem sinais rápidos sobre pro- uma substância poluente. Por exem-
escalas temporais de resposta. O uso des- blemas ambientais, mesmo antes do plo, canários em minas subterrâneas
tes estudos permite ao pesquisador infe- homem perceber sua ocorrência e para indicar a presença de gás me-
rir sobre a qualidade do ambiente ou o amplitude; tano;

1
Biólogo, M.Sc., Prof. UFLA, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras-MG.
2
Biólogo, M.Sc., Pesq. UFLA, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras-MG.
3
Biólogo, D.S., Prof. UFLA, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras-MG.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.72-77, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 73

b) detectoras: espécies que ocorrem dores em nível de populações e comunida- et al., 1982). Este desvio de rota pode ge-
naturalmente na área estudada e des. Nestes casos, as respostas são obtidas rar disfunções fisiológicas ou até mesmo
respondem de maneira mensurável após acompanhamento a longo prazo e são mudança na estrutura histológica do orga-
quando há mudança do ambiente. estudos que apresentam grande relevância nismo. Tais modificações podem ser utili-
Estas mudanças podem ser no com- ecológica (Fig. 33, p.66). zadas como bioindicadoras.
portamento, densidade, estrutura etá- Por outro lado, avaliações rápidas e de Um dos exemplos mais ilustrativos é a
ria etc.; curto prazo, visando avaliar a toxidade de utilização de testes com microrganismos e
c) exploradoras: espécies em que a sua algum produto sobre os seres vivos, envol- cobaias para avaliar o efeito de substân-
presença indica a probabilidade de vem o uso de escalas mais restritas. Dessa cias carcinogênicas e/ou mutagênicas, que
distúrbio ou poluição. Elas freqüen- forma, prima-se mais pela precisão das res- possam estar contidas em medicamentos e
temente tornam-se abundantes em postas (Fig. 33, p.66). alimentos industrializados. Estas substân-
áreas poluídas devido à ausência de cias podem provocar o aparecimento de
competição com as espécies elimina- Níveis bioquímico, câncer e alterações no material genético; e
das; histológico e fisiológico o uso destes bioindicadores é uma etapa
d) acumuladoras: organismos que acu- Todos os organismos vivos são com- fundamental antes da liberação de novos
mulam substâncias químicas em postos por moléculas orgânicas, sinte- produtos e tecnologias.
quantidades mensuráveis. Por exem- tizadas de forma constitutiva ou indutiva, Vários testes utilizando microrganis-
plo, o uso de invertebrados aquáti- que seguem rotas metabólicas próprias. mos foram desenvolvidos para detectar os
cos para avaliar a concentração de A modificação do ambiente biótico, pela efeitos mutagênico e carcinogênico de
metais pesados na água de reserva- ação de um agente externo ou introdução substâncias químicas e agentes físicos
tórios e rios (Gaufin & Tarzwell, 1952); de alguma substância poluente, pode fa- (Quadro 2). Estes testes baseiam-se no prin-
vorecer ou inibir a produção de algumas cípio de que a estrutura do material gené-
e) organismos de bioensaios: orga-
dessas moléculas, ou ainda alterar sua rota tico é, em grande parte, universal; e subs-
nismos selecionados para trabalhos
de produção (Buikema et al., 1982 e Andre tâncias que alterem o material genético e
experimentais, que visam detectar a
presença de substâncias tóxicas ou
organizá-las em ordem de toxidade. Por
exemplo, ratos, hamsters, macacos e QUADRO 1 - Níveis de abordagem do uso de bioindicadores
porcos utilizados como cobaias em Bioquímico Fisiológico Histológico Indivíduos Populações Comunidades Ecossistemas
testes de medicamentos, vacinas e to- Integridade de Atividade Necrose de Crescimento Abundância Diversidade de Taxa de
xidade de substâncias químicas. DNA enzimática tecidos espécies decomposição

Metabólitos Nível de Agregados de Acúmulo de Distribuição Equitatividade Produtividade


NÍVEIS DE ABORDAGEM biliares cortisona macrófagos gordura etária

Uma grande variedade de medidas bio- Enzimas Triglicerídeos Lesões feitas Lesões Razão sexual Estabilidade Quantidade de
lógicas pode ser tomada como bioindica- antioxidantes por parasitas nutrientes

doras de alguma modificação ambiental, _ Hormônios Tumores Anomalias Movimentação Estrutura trófica Exportação de
ou de qualidade de algum produto (Qua- matéria
dro 1). Tais medidas envolvem várias esca-
las, o que exige às vezes a ação de profissio-
nais de diferentes ramos e especializações. QUADRO 2 - Testes bioquímicos para indicar a ação de agentes carcinogênicos e mutagênicos empre-
Contudo, a escolha do parâmetro biológico gando bioindicadores
que será utilizado como bioindicador de-
Tipo de teste Organismos utilizados Resposta bioindicadora
pende mais dos objetivos da análise e da
disponibilidade de materiais e pessoal téc- Teste de Ames Salmonella Freqüência e quantidade de mutantes que
nico do que da necessidade pura e simples surgem após exposição à substância sus-
de avaliação em todas as escalas possíveis. peita, em diferentes doses
No geral, o nível de abordagem que é
Teste de indução de mutação Salmonella e Bacillus Ocorrência de mutações no material gené-
empregado, para avaliar um determinado
tico que induzam resistência a substâncias
problema ambiental, é uma função do tem-
químicas e alterações na produção de espo-
po que se dispõe para a obtenção de res-
ros (em Bacillus)
postas e do agente estressante envolvido
(Fig. 33, p.66).
Teste de inibição diferencial Escherichia, Bacillus e Modificações no sistema de reparo do DNA
Alterações ambientais de larga escala,
do crescimento Salmonella que alterem a capacidade de crescimento de
tais como desmatamentos e queimadas, mutantes em relação a linhagens selvagens
são avaliadas e monitoradas com bioindica-
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.72-77, jan./fev. 2000
74 Agropecuária e Ambiente

rotas metabólicas dos microrganismos têm reproduzem-se em um determinado local ou, em outras palavras, o número relativo
também grande possibilidade de provocar (Begon et al., 1996). O tamanho das popu- de indivíduos de cada espécie dentro da
alterações em vertebrados. lações é regulado primariamente pelas taxas comunidade. Por último, a propriedade que
A presença de substâncias tóxicas no de natalidade, mortalidade, emigração e imi- determina a composição de espécies da co-
ambiente pode ser detectada pelo seu acú- gração. Assim, o tamanho de uma popula- munidade. Estas três propriedades podem
mulo em tecidos. Um exemplo é a presença ção qualquer ativa em um local é o resulta- fornecer bastante informação sobre a de-
de policiclobenzenos (PCBs) e metais pesa- do de um balanço entre os indivíduos que gradação do ambiente, quando se compara
dos que se acumulam nos tecidos de peixes nascem ou chegam de outros locais menos um local isento (ou anterior) de modificação
e outros animais, os quais servem como aqueles que morrem ou vão embora. com locais onde ocorreram níveis variados
indicadores da poluição. Alguns fatores Vários fatores intrínsecos ou extrínse- de degradação ambiental (Fig. 34, p.67).
não são necessariamente acumulados em cos à população podem afetar as taxas de Através da comparação entre as dife-
quantidades detectáveis, mas seu efeito na natalidade, mortalidade, imigração e emigra- rentes comunidades de espécies é possível
fisiologia do animal, como a queda na taxa ção. Estes podem ser do ambiente físico e estabelecer parâmetros sobre a qualidade
de reprodução, modificações nas taxas hor- químico (nutrientes, clima, luz, pH do solo ambiental da área e tomar medidas de pla-
monais ou alterações histológicas, pode etc.) ou do ambiente biótico da espécie (pre- nejamento e de escolhas de áreas a serem
indicar sua presença no ambiente. dadores, presas, competidores, parasitas manejadas ou preservadas.
etc.).
Nível de indivíduos As modificações no ambiente provo- Nível de ecossistemas
Indivíduos são as unidades identifi- cadas pelo homem, ou suas atividades Os ecossistemas são agrupamentos de
cáveis em uma população e se constituem podem alterar o balanço de forças que atua plantas e animais reunidos pelas exigências
na unidade fundamental da ecologia. Os regulando as populações, fazendo com que dos fatores do meio. Nos ecossistemas iden-
organismos seriam o primeiro nível de orga- estas respondam de diferentes maneiras. tificamos necessariamente dois compo-
nização biológica que a ecologia investiga É possível, por exemplo, que determinada nentes, um biótico, que engloba todos os
(Begon et al., 1996). Para sobreviver em um modificação ambiental favoreça o aumento seres vivos, e outro abiótico, que engloba
ambiente, os indivíduos precisam ser capa- do tamanho de uma população, enquanto os meios físico e químico (Begon et al., 1996).
zes de crescer e reproduzir-se. leva à diminuição de outras (Fig. 34, p.67). Os ecossistemas são extremamente di-
As alterações ambientais provocadas Outras características, como a distribuição nâmicos, ocorrendo um constante fluxo de
pelo homem podem induzir a uma série de etária e a movimentação, podem também energia e ciclagem da matéria entre os seus
efeitos sobre os indivíduos. Estes efeitos ser utilizadas como bioindicadoras (Le componentes, bióticos e abióticos. Esta
são refletidos em características percep- Blanc & Sloover, 1970) (Quadro 1). passagem de energia e de matéria entre os
tíveis, muitas vezes até sem instrumentos O uso de populações como bioindi- componentes dos ecossistemas deve-se às
de mensuração. Um bom exemplo é o uso cadoras pode ser feito também com dados relações tróficas que se estabelecem entre
de taxa de engorda ou de produção de leite de presença, ou ausência, de determinada os componentes bióticos e a passagem dos
do gado, para avaliar a qualidade de pasta- espécie no ambiente. Por exemplo, a con- nutrientes para o meio abiótico através da
gens ou de combinações de ingredientes taminação de produtos por organismos decomposição.
em ração. patogênicos é feita pela detecção ou não As relações tróficas em um ecossistema
O uso de propriedades individuais co- destas espécies no produto, independente unem as espécies em cadeias e teias alimen-
mo bioindicadoras pode determinar também da sua quantidade ou status populacional tares de diferentes tamanhos. Este conjun-
os limites de tolerância que a espécie pode (Spellerberg, 1991). to das relações tróficas de um ecossistema
estar submetida (isto é, o nível máximo e irá constituir as diferentes cadeias alimen-
mínimo de determinada condição, fator ou Nível de comunidades tares. Em uma cadeia alimentar um vegetal
concentração que uma espécie pode su- Uma comunidade pode ser definida serve de alimento a um herbívoro, que por
portar), podendo ser estimados os efeitos como um conjunto de populações vivendo sua vez serve de alimento a um carnívoro,
que estas situações máximas e mínimas e interagindo em um determinado local. As que pode ou não servir de alimento a um
causam nos indivíduos submetidos ao am- comunidades normalmente apresentam outro carnívoro, formando assim uma ca-
biente modificado (Gaufin & Tarzwell, 1952). uma série de propriedades, que compõe e deia de interações. Estas interações podem
Os limites de tolerância determinam em gran- caracteriza sua estrutura e composição (Be- ser estudadas a partir da análise dos seus
de parte a distribuição e abundância de vá- gon et al., 1996). componentes, que indicará como este sis-
rios organismos, podendo portanto servir Três propriedades das comunidades tema interligado foi afetado por qualquer
para quantificar o efeito de uma alteração podem ser utilizadas para inferir sobre os tipo de alteração ou perturbação.
ou perturbação ambiental (Le Blanc & efeitos de modificações ambientais e para Uma área agrícola é um ecossistema
Sloover, 1970). o monitoramento de áreas em recuperação. artificial, que exige intervenção humana
A primeira diz respeito ao número de es- constante: a preparação e a semeadura me-
Nível de populações pécies que existe em um local, também co- canizada substituem a dispersão; os pesti-
Populações são conjuntos de indiví- nhecida como diversidade de espécies. A cidas substituem o controle natural das
duos de uma mesma espécie, que vivem e segunda propriedade é a equitatividade, populações de insetos e agentes patogê-
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.72-77, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 75

nicos; a manipulação genética substitui os jam extrapoladas para o organismo no qual da hidrologia, pode também ser importante
processos naturais de seleção e evolução o medicamento ou vacina de estudo seja fonte de inimigos naturais contra as pragas
das plantas (Altieri, 1994). dirigido (Fig.35, p.67). das lavouras (Altieri, 1994).
Esta intervenção humana pode repre- Outras práticas comuns no meio rural,
sentar também danos ao meio ambiente, Na avaliação de impactos como as queimadas por exemplo, podem
principalmente se for conduzida sem co- ambientais provocar modificações profundas nas co-
nhecimento detalhado do funcionamento A avaliação de impactos ambientais, munidades bióticas. Estas mudanças podem
do sistema e da integração entre seus com- associada à atividade industrial, tem sido ser utilizadas para avaliar o dano total pro-
ponentes. A diminuição das taxas de reci- uma exigência cada vez mais freqüente dos vocado. Louzada et al. (1996) utilizaram a
clagem da matéria, por exemplo, pode ser órgãos de proteção ambiental. Esta prática comunidade de besouros rola-bosta (Sca-
tomada como bioindicadora dos efeitos da na agropecuária ainda é insipiente, mas rabaeidae) para avaliar o dano provocado
atividade agrícola sobre a dinâmica do tem-se mostrado de fundamental impor- pela queimada na vegetação de restinga,
ecossistema (Louzada et al., 1997). tância para a manutenção da sustentabi- no litoral do Espírito Santo. Estes autores
lidade dos sistemas agrícolas. observaram a redução drástica das popu-
USO DE BIOINDICADORES lações de duas espécies de Dichotomius,
Provocados por práticas em área onde houve queimada, e aumento
O uso de bioindicadores no meio rural é
agrícolas populacional de Ateuchus squalidus (Grá-
amplo, apesar de não ser reconhecido como
As atividades agrícolas simplificam as fico 1). Com essas informações, Louzada et
tal.
comunidades naturais, tendo efeito sobre al. (1996) propuseram o acompanhamento
Bioindicadores na cultura a riqueza e composição de espécies e abun- do status populacional destas espécies de
popular dância de indivíduos (Fig. 34, p.67). Pode- besouros, como forma de avaliar as modifi-
mos ter duas principais categorias de fato- cações provocadas pelo homem naquele
O homem do campo em sua interação ecossistema.
constante com a natureza identificou, por res de alteração ambiental causados pelo
homem: As práticas agrícolas podem também
exemplo, vários indicadores de qualidade alterar profundamente as condições quími-
de solos que têm fundamentos científicos a) por desmatamento e substituição de
cas e físicas do ambiente. O uso de defensi-
comprovados. Um exemplo, entre eles, está vegetação;
vos agrícolas afeta diferentes organismos,
na ocorrência de alguns tipos de plantas b) pela introdução de insumos agrí- inclusive os seres humanos. Outras prá-
em solos tidos como ruins ou ácidos (sapê, colas. ticas comuns, como o manejo inadequado
samambaia etc.). Estas plantas servem, na A alteração de habitats por desmata- de programas de irrigação e adubação, po-
cultura popular, como bioindicadoras da mento e substituição de vegetação é res- dem levar à salinização e ao acúmulo de
qualidade do solo, em caso de aquisição ponsável por, aproximadamente, 30% das substâncias nocivas. E o uso de espécies
de terras ou planejamento de plantios. extinções de espécies no mundo (Wilson, sentinelas e monitoras pode quantificar e
Entretanto, existe uma gama muito am- 1989), e é inerente à ocupação agrícola. Na qualificar estes efeitos indicando a necessi-
pla de outras aplicações, que permite a ava- implantação da agricultura dita comercial dade de alterações nas práticas de manejo.
liação de situações onde as respostas são (monoculturas), é freqüente a retirada da
integradas e dependentes da interação de vegetação original e a introdução das cul- Provocados por
vários fatores. Nestas situações, os equipa- tivares. A preocupação em manter a diversi- agroindústrias
mentos de medição ou são substituídos ou dade biológica é uma medida estratégica Um dos problemas ambientais provo-
atuam de forma conjunta com a resposta em sistemas agrícolas que visam à susten- cados pela agroindústria é a poluição de
que organismos vivos apresentam aos tabilidade ambiental, pois sabemos que a mananciais e cursos d’água por dejetos
agentes modificadores. saúde do solo e da água depende da esta- orgânicos e, algumas vezes, produtos quí-
bilidade dos sistemas. Por exemplo, atual- micos. O nível de impacto provocado por
Na avaliação da eficiência mente sabe-se que as formigas e cupins estes agentes pode ser avaliado e monito-
de remédios e vacinas são tão ou mais importantes para a ferti- rado com o uso de bioindicadores. É possí-
O uso de novos medicamentos e va- lidade dos solos tropicais quanto as mi- vel usar vários dos níveis de abordagem
cinas deve ter sua segurança verificada em nhocas. para proceder esta tarefa, conforme são
modelos que se aproximem ao máximo do Podemos utilizar as formigas para ava- apresentados no Quadro 1.
organismo no qual ele é direcionado. Nes- liar o impacto do desmatamento, utilizando Uma das conseqüências da emissão de
tes casos, são escolhidos animais modelos características das comunidades para in- dejetos é o aumento significativo da maté-
que servem como indicadores para reações dicar o efeito que o processo de ocupação ria orgânica dissolvida na água. Essa ma-
adversas que o novo fármaco possa causar. humana teve sobre a fauna original (Fowler téria orgânica é utilizada por microorga-
A fisiologia, histologia e sistema imunoló- et al., 1994). A manutenção da diversidade nismos como recurso alimentar, para seu
gico desses animais devem ser bem conhe- de espécies na propriedade agrícola, além crescimento e divisão. Conseqüentemente,
cidos para que as reações observadas se- de ser importante para o manejo do solo e o aumento da matéria orgânica no geral

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.72-77, jan./fev. 2000


76 Agropecuária e Ambiente

pequenas quantidades. Entretanto, a ava-


160
Abundância média
140
liação da potabilidade da água não pode
120 ser feita através da identificação e quanti-
100 ficação direta destes microrganismos e
80
vírus, pois:
60
40 a) sua sobrevivência na água é por curto
20 período, podendo não ser detectada
0
após a rotina de coleta, transporte e
Área queimada Área preservada análise em laboratório das amostras
Dichotomius sericeus de água;
b) mesmo em pequenas quantidades
podem ser altamente patogênicos,
140 contudo em baixa densidade podem
Abundância média

120 não ser detectados;


100
c) a presença de microrganismos pato-
80
gênicos pode comprometer a saúde
60
das pessoas que consumam a água
40

20
entre o intervalo da coleta de amostras
0
e a obtenção de resultados que indi-
Área queimada Área preservada quem sua presença;
d) a detecção de vírus entéricos por mé-
Dichotomius sp.
todos diretos é cara e exige técnicas
moleculares.
Em função destes motivos, a potabi-
160
lidade da água é aferida através do uso de
Abundância média

140
120 bioindicadores microbianos. Estes indi-
100 cadores são bactérias que habitam natural-
80 mente o intestino do homem e de outros
60
animais de sangue quente. Estas bactérias
40
20
apresentam algumas características que as
0 tornam facilmente identificadas, tais como:
Área queimada Área preservada a capacidade de fermentar lactose com pro-
Ateuchus squalidus dução de gás em 48 horas, apresentar co-
loração diferenciada em meio de cultura
Gráfico 1 - Respostas populacionais de espécies de Scarabaeidae coprófagos à quei- seletivo e capacidade de assimilação de
mada da vegetação de restinga certas fontes de carbono. A detecção de
FONTE: Louzada et al. (1996). microrganismos que se encaixam nestas
características (denominados coliformes
fecais) indica que a água em análise está
provoca o crescimento exagerado de popu- da poluição. potencialmente contaminada com bactérias
lações de microrganismos, em um proces- Por outro lado, a adição de nutrientes patogênicas.
so denominado eutrofização. na água pode favorecer o crescimento de Entretanto, a ausência de coliformes
Contudo, uma parte significativa dos algas, o que muda a cor e características fí- fecais não descarta a presença de vírus en-
microrganismos necessita também de oxi- sico-químicas da água. Estas mudanças téricos humanos, os quais podem ter a
gênio para sua sobrevivência. Este oxi- podem servir como bioindicadoras do grau presença indicada pela detecção de bacte-
gênio está dissolvido na água e é disputado de adição de nutrientes na água de um rio riófagos que infectam bactérias da micro-
com os peixes e demais organismos aquá- ou lago. biota intestinal. Estes podem ser facilmente
ticos. Assim, a eutrofização pode levar à detectados pela capacidade de formação
diminuição da taxa de crescimento de or- Na avaliação da qualidade de placas de lise em colônias de bactérias
ganismos aquáticos, ao aumento na taxa da água (Brock & Madigan, 1988).
de mortalidade e mesmo à exclusão de algu- Os poluentes aquáticos de origem bio- Assim, o uso de coliformes fecais e bac-
mas espécies mais exigentes. Todas estas lógica são microrganismos e vírus entéri- teriófagos como bioindicadores garante uma
mudanças no panorama natural podem ser cos que podem ser os causadores de doen- aferição da qualidade da água de consumo
utilizadas como bioindicadoras dos efeitos ças e intoxicações, mesmo se ingeridos em humano e da agroindústria, mesmo em mu-

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.72-77, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 77

nicípios pobres e com poucas condições téc- A resposta a um dado estímulo nem communities. 3.ed. New York: Blackwell
nicas e de equipamentos. Este processo de sempre é prontamente identificada, po- Science, 1996. 1068p.
análise permite o desenvolvimento de ro- dendo, para tanto, necessitar de métodos BELKIN, S.; LA ROSSA, R.A. Biotechnological
applications of microbial stress responses:
tinas e regras que pode servir para toda e aparelhos sofisticados. A construção de
new trends in environmental monitoring. In:
uma região geográfica, além de formar pro- bactérias contendo genes para lumines- MARTINS, M.T.; SATO, M.I.Z.; TIEDJE,
tocolos de qualidade a serem acompanha- cência, que se ativam quando estimulados J.M.; HAGLER, L.C.N.; DÖBEREINER, J.;
dos por uma série de atividades industriais. por alguma variação externa, tem sido em- SANCHEZ, P.S. (Ed.). Progress in micro-
pregada como um sensor seguro e sensi- bial ecology. São Paulo: SBM/ICOME, 1997.
p.565-572.
Na avaliação de novas tivo para o monitoramento de modificações
tecnologias ambientais. As bactérias podem ser cons- BROCK, T.D.; MADIGAN, M.T. Biology of
microorganisms. 5.ed. New Jersey: Prentice
O desenvolvimento científico necessa- truídas para responder a diferentes estímu- Hall, 1988. 835p.
riamente conduz ao desenvolvimento de los com variados comprimentos de ondas
BUIKEMA, A.L.; NIEDERLEHNER, B.R.;
novas tecnologias de utilização do am- de luz emitida (Belkin & La Rossa, 1997). CAIRNS, J. Biological monitoring: part
biente. Estas novas tecnologias podem afe- Tais microrganismos podem servir como IV - toxicity testing. Water Research,
tar de maneira imprevisível os ambientes ferramentas para o estudo de respostas de Melborn, v.16, p.239-262, 1982.
naturais. Por isso, o emprego de novas tec- estresse bacteriano, como um sensível FOWLER, H.G.; SCHLINDWEIN, M.N.;
nologias deve ser acompanhado de estu- biossensor para diferentes classes de pro- MEDEIROS, M.A. Exotics ants and
dutos químicos, monitoramento em tempo community simplification in Brazil: a review
dos prévios de avaliação e de monitora- of the impact of exotic ants on native assem-
mento após implantação (Andre et al., 1982). real do ambiente, tratamento de águas, bior-
blages. In: WILLIAMS, D.F. Exotics ants.
Para este acompanhamento e monitoramen- remediações e controle de processos in- Boulder: Westview Press, 1994. p.151-173.
to, os bioindicadores podem ser ferra- dustriais (Barkay, 1997). GAUFIN, A.R.; TARZWELL, C.M. Aquatic
mentas de utilidade inestimável. invertebrates as indicators of stream pollution.
CONCLUSÃO Public Health Reports, Chicago, v.67,
Monitoramento ambiental p.57-64, 1952.
O uso de bioindicadores é muito mais
por resposta microbiana amplo que o delineado na literatura especia-
LE BLANC, F.; SLOOVER, J. de. Relation between
industrialization and the distri-bution and
Microrganismos são considerados lizada, e o reconhecimento da amplitude de growth of ephytic lichens and mosses in
bons indicadores de diversas alterações sua aplicação pode abrir novos horizontes Montreal. Canadian Journal of Botany,
ambientais. Normalmente os microrganis- para a pesquisa agropecuária. A utilização Toronto. v.48. p.1485-1496, 1970.
mos respondem mais rapidamente a uma em nível de campo ainda carece de meto- LOUZADA, J.N.C.; SCHIFFLER, G.; VAZ DE
situação de estresse do que um organismo dologia especializada e estudos mais apro- MELLO, F.Z. Efeitos do fogo sobre a com-
posição e estrutura da comunidade de
superior. Esta velocidade de resposta está fundados. Entretanto, em face dos bons
Scarabaeidae (Insecta: Coleoptera) na
relacionada com o seu metabolismo, que resultados que se obtêm nos casos em que restinga da Ilha de Guriri, norte do ES. In:
apresenta uma economia de processos, da- as rotinas de análise já foram desenvolvidas, MIRANDA, H.S.; SAITO, C.H.; DIAS, B.F.
do o tamanho diminuto do genoma de mi- é altamente recomendável a ampliação dos (Ed.). Impactos de queimadas em áreas
crorganismos quando comparado com estudos visando identificar bioindicadores de cerrado e restinga. Brasília: UnB/ECL,
de qualidade e impactos para as diferentes 1996. p.161-169.
organismos superiores (Brock & Madigan,
atividades do setor agrícola. LOUZADA, J.N.C.; SCHOEREDER, J.H.; DE
1988).
MARCO JUNIOR., P. Litter decomposition
Sobre condições ótimas, as bactérias in semideciderous forest and Eucalyptus spp.
utilizam apenas uma pequena fração do seu crop: na comparison in southern Brazil. Forest
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Ecology and Management, Amsterdam,
potencial genético disponível. Grande parte
do material genético encontra-se inativo, ANDRE, H.M.; BOLLY, C.; LEBRUM, P.H. v.94, n.1, p.31-36, jan. 1997.
porém de prontidão para ser ativado no ca- Monitoring and mapping air pollution through MANNING, W. J.; FEDER, W.A. Biomonito-
na animal indicator: na new and quick method. ring air pollutants with plants. New York:
so de alguma mudança nas condições am- Applied Science, 1980. 234p.
Journal of Applied Ecology, London, v.19,
bientais. Enquanto que algumas das pos- p.107-111, 1982. MARTINS, M.T.; SATO, M.I.Z.; TIEDJE, J.M.;
síveis respostas para tais mudanças são ALTIERI, M.A. Biodiversity and pest ma- HAGLER, L.C.N.; DÖBEREINER, J.;
altamente específicas na natureza, outras nagement in agroecosystems. New York: SANCHEZ, P.S. Progress in microbial
são caracterizadas por uma vasta especi- Prentice Hall, 1994. 323p. ecology. São Paulo: SBM/ICOME, 1997. 619p.
ficidade. Uma bactéria pode responder de BARKAY, T. A mer-lux reporter system to study SPELLERBERG, I.F. Monitoring ecological
maneira ampla para vários estímulos am- factors that determine mercury availability change. Cambridge: Cambridge University
to bacteria. In: MARTINS, M. T.; SATO, Press, 1991. 334p.
bientais, incluindo variações na tempera-
M.I.Z.; TIEDJE, J.M.; HAGLER, L.C.N.; VOS, J.B.; FEENSTRA, J.F.; BOER, J. de.; BRAAT,
tura, mudanças de concentração de sais, DÖBEREINER, J.; SANCHEZ, P.S. (Ed.). L.C.; BAALEN, J. van. Indicators for the
mudanças de pH, estresse oxidativo, infec- Progress in microbial ecology. São Paulo: state of the environment. Amsterdam: Ins-
ção por parasitas, ausência de nutrientes, SBM/ICOME, 1997. p.551-558. titute for Environmental Studies, 1985. 425p.
danos ao DNA ou contato com metais pe- BEGON, M.; HARPER, J.L.; TOWNSEND, C.R. WILSON, E.O. Biodiversity. New York: National
sados (Martins et al., 1997). Ecology: individuals, populations and Academic Press, 1989. 354p.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.72-77, jan./fev. 2000


78 Agropecuária e Ambiente

Impacto da atividade agropecuária


sobre a fauna silvestre
Antônio Carlos da Silva Zanzini1
José Francisco do Prado Filho 2

Resumo - A fauna silvestre constitui, junto com a flora, o solo e a água, os quatro
recursos naturais básicos que subsidiaram o progresso da humanidade. Além de sua
importância científica, social e econômica, a fauna silvestre exerce um papel de
fundamental importância no equilíbrio dinâmico do ambiente. Com a expansão da
fronteira agropecuária os ecossistemas naturais vêm sendo substituídos por áreas de
produção agropecuária e, em conseqüência, muitas espécies de animais silvestres
encontram-se ameaçadas de extinção. São apresentados os principais impactos
negativos da atividade agropecuária sobre a fauna silvestre e algumas medidas que
podem contribuir para minimizar o problema.
Palavras-chave: Fauna silvestre; Agropecuária; Impacto ambiental.

INTRODUÇÃO 3,5 milhões de toneladas de carne (Macedo, silvestre integra os quatro recursos natu-
O crescimento da agropecuária nos últi- 1993) e mantém 21 espécies de mamíferos rais básicos que subsidiaram o progresso
mos 50 anos foi uma das mais expressivas de pequeno, médio e grande portes e 48 da civilização.
conquistas da humanidade, para suprir a espécies de aves, respectivamente, 21% e Muito além da importância científica,
demanda por alimentos de uma população 18% do total destas espécies para a região social, estética e econômica, a fauna silves-
que quase triplicou no mesmo período. encontram-se vulneráveis à extinção (Dias, tre é fundamental para a sustentabilidade
Só no cerrado brasileiro, cerca de 50 1992). No Brasil seis espécies foram prova- dos ecossistemas.
milhões de hectares encontram-se ocupa- velmente extintas e pelo menos 198 encon- Tal valor pode ser compreendido, quan-
dos com pastagens e culturas agrícolas tram-se ameaçadas de extinção (Bernardes do se considera que na natureza desen-
(Dias, 1993). Para as próximas décadas, as et al., 1990). volvem-se continuamente dois fenômenos
estimativas indicam que mais 80 milhões Tal panorama poderia ser atenuado, se vitais: a produção de matéria orgânica a
de hectares poderão estar incorporados ao medidas mitigadoras fossem efetivamente partir da união de elementos básicos atra-
processo produtivo (Macedo, 1993). empregadas no sentido de conciliar desen- vés da luz, realizada pelas plantas, e o
No Brasil, a produção de grãos passou volvimento e conservação dos recursos consumo e desintegração dessa matéria em
de 39 milhões de toneladas em 1975, pa- naturais. seus constituintes fundamentais, realiza-
ra 86 milhões de toneladas em 1994, um dos pelos animais, bactérias e fungos.
FAUNA SILVESTRE - Os animais silvestres ao consumirem
aumento de quase três vezes em apenas 19
CONCEITUAÇÃO E IMPORTÂNCIA as plantas e seus produtos e também outros
anos (Gomes, 1995).
Na guerra entre o arado e a cegonha, Consideram-se, como fauna silvestre, animais promovem o fluxo da matéria e
sugerida por Thomas Malthus em 1798, o todas as espécies animais que vivem no energia inicialmente imobilizada nas plantas
primeiro mostrou que pode vencer, mas vem ambiente livres de quaisquer normas de e, ao mesmo tempo, executam tarefas vitais
deixando uma importante questão pen- domesticação. para o equilíbrio dinâmico dos ecossistemas
dente, ou seja, o impacto negativo sobre a A fauna silvestre é um bem da natureza naturais e antrópicos, como a dispersão de
fauna silvestre. que pode ser utilizado pelo homem sendo, sementes, a polinização e o controle das
No mesmo cerrado que produz anual- portanto, considerada um recurso natural. populações.
mente 20 milhões de toneladas de grãos e Junto com a flora, a água e o solo, a fauna A dispersão de sementes é uma relação

1
Engo Florestal, M.Sc., Prof. UFLA, Caixa Postal 37, CEP 37200-000, Lavras-MG.
2
Ecólogo, M.Sc., Prof. UFOP, Caixa Postal 140, CEP 35400-000, Ouro Preto-MG.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.78-87, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 79

mutualística na qual tanto as plantas


quanto os animais obtêm grandes bene- 1200

fícios. Esse fenômeno é fundamental para 1000


a colonização de outras áreas pela planta e 800
para o distanciamento das sementes e das 600 MATA CILIAR
plântulas germinadas a partir delas dos CERRADÃO
400
arredores da planta-mãe, onde normal-
200
mente ocorre intensa mortalidade por
0
predação e competição. Em contrapartida, TOTAL ZOOCORIA ANEMOCORIA AUTOCORIA
os animais encontram nos frutos e nas
sementes uma rica fonte de água, minerais, Gráfico 1 - Número de indivíduos arbóreos que apresentam dispersão pelos animais
vitaminas e carboidratos. (zoocoria), pelo vento (anemocoria) e por meios próprios (autocoria) em
dois tipos de vegetação do cerrado.
Em muitas florestas, a maior parte das FONTE: Tabai & Zanzini (1996).
espécies e dos indivíduos vegetais produz
frutos adaptados à dispersão por animais
(Gráficos 1 e 2), um fenômeno denominado
síndrome de dispersão zoocórica. Esses
120
frutos são bagas coloridas (roxas, verme-
lhas, alaranjadas ou amarelas), geralmente 100

das famílias Melastomataceae, Myrtaceae, 80


MATA CILIAR
Piperaceae e Rubiaceae (Fig. 36, p.67), mui- 60
CERRADÃO
to apreciados por morcegos dos gêneros 40

Artibeus, Carollia, Chiroderma e Sturnira 20


0
e por pássaros como sanhaços, saíras, ga- TOTAL ZOOCORIA ANEMOCORIA AUTOCORIA
turamos (Thraupidae) e tangará (Pipridae)
(Fig. 36, p.67). Gráfico 2 - Número de espécies arbóreas que apresenta dispersão pelos animais
A passagem de sementes pelo trato (zoocoria), pelo vento (anemocoria) e por meios próprios (autocoria) em dois
intestinal de pássaros e morcegos pode tipos de vegetação do cerrado
aumentar a taxa de sementes germinadas e FONTE: Tabai & Zanzini (1996).
reduzir o tempo de germinação. Entre 50
sementes de embaúba (Cecropia palmata)
ingeridas por pássaros da família Thrau- Desse processo participam também ma- abertas.
pidae (Rhamphocelus carbo), 74% ger- míferos roedores como a paca (Agouti Em um estudo semelhante realizado em
minaram em tempo médio de 17,4 dias, paca), a cutia (Dasyprocta agouti) e o dunas mineradas em processo de recupe-
enquanto a taxa de germinação de semen- caxinguelê (Sciurus aestuans ingramii), ração no litoral da Paraíba, foram obser-
tes não ingeridas foi de 64%, em 19 dias importantes dispersores do andá-açu vadas sob a copa de uma árvore adulta,
(Guillaumet, 1990). (Johannesia princeps), do airi (Astrocaryum 25 plântulas pertencentes a sete espécies
Através da dispersão de sementes a aculeatissimum) e do baba-de-boi produtoras de frutos comestíveis (Qua-
fauna silvestre contribui também para a (Arecastrum romanzoffianum), respecti- dro 1). A ausência de fontes de inóculos
regeneração de áreas degradadas. Grande vamente (Zaú, 1998). E a terceira via de próximas sugere que essas plântulas ger-
parte das sementes que chegam nesses dispersão, consiste em sementes depo- minaram a partir de sementes introduzi-
ecossistemas é introduzida pelos animais sitadas por aves e morcegos, sob a copa das na área pela fauna silvestre frugívora
silvestres através de três vias básicas: ade- de arbustos ou árvores já estabelecidas, (Zanzini, 1996).
ridas ao corpo; estocadas para posterior que servem de poleiro ou como local de Em um trecho degradado de mata ciliar
consumo e ingeridas e defecadas (Seitz, nidificação ou alimentação para esses nos primeiros estádios de regeneração
1994). animais. no Sul do estado de Minas Gerais, foram
No primeiro caso, os mamíferos cons- Após um ano de acompanhamento enumeradas 412 plântulas regeneradas e
tituem os principais agentes dispersores. dessa “chuva de sementes” em pasta- destas, 65,3% das espécies e 38,6% dos
No segundo, ocorre devido à participação gens degradadas na Amazônia brasileira, indivíduos eram plântulas de arbustos e
de formigas dos gêneros Odontomachus, Uhl et al. (1991) encontraram 400 vezes árvores produtoras de frutos comestíveis
Pachycondyla e Pheidole entre outros, mais sementes pertencentes a 22 espécies pelos animais silvestres, sugerindo a atua-
que depositam pequenas sementes pró- em bandejas colocadas sob plantas que ção destes no processo de introdução des-
ximas aos ninhos, onde imperam condições apresentavam os atrativos mencionados, sas espécies na área (Roncolleta & Zanzini,
favoráveis à germinação (Wilson, 1976). do que em bandejas colocadas em áreas 1996).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.78-87, jan./fev. 2000


80 Agropecuária e Ambiente

QUADRO 1 - Regeneração natural sob a copa de uma espécie arbórea pioneira estabelecida em Dentre os animais, acredita-se que as
duna minerada sob recuperação no litoral da Paraíba aves são os grandes inimigos naturais
Ni DPT H DAS dos insetos considerados pragas. Sick
Espécie regenerada
(no) (m) (cm) (mm) (1997) relatou que no estômago de uma
Byrsonima sp. 01 02 16 02 única andorinha-do-campo (Phaeoprogne
tapera) coletada no alto do rio São Fran-
Calyptranthes sp. 04 02 40 05
cisco, em Minas Gerais, foram encontrados
Cecropia obtusa 08 01 15 02 restos de 402 insetos pertencentes a mais
Chrysobalanus sp. 02 02 20 02 de 20 famílias. Este autor estimou que um
casal de andorinha-de-bando (Hirundo
Eugenia uniflora 03 02 04 01
rustica), espécie do Hemisfério Norte que
Eugenia uvalha 03 02 04 01 migra para o Brasil entre setembro e março,
Inga affinis 04 02 20 02 pode consumir, junto com seus filhotes,
cerca de 290 mil insetos por ano.
FONTE: Zanzini (1996).
Os cuculídeos (anus, papa-lagartas,
NOTA: Ni - número de plântulas regeneradas; DPT - distância da plântula regenerada em relação
ao tronco da espécie pioneira estabelecida (em metros); H - altura da plântula regenerada
alma-de-gato), estudados por J.Moojen e
(em centímetros); DAS - diâmetro da plântula regenerada (em milímetros). J. Cândido de Carvalho, em Minas Gerais e
Mato Grosso, mostraram-se igualmente
ativos no controle populacional de insetos.
A exemplo da dispersão, a polinização espécie pode abrigar cerca de 50.000 ope- Em 109 papos de Guira guira (anu-branco),
é outra interação mutualística entre a fauna rárias ativas (Crane, 1990). coletados entre maio e outubro foram
silvestre e as plantas de grande importância Para espécies cultivadas, o benefício encontrados restos de aproximadamente
ecológica e econômica. No Brasil, estima- trazido pela polinização vem sendo am- 2.500 insetos pertencentes a cinco ordens,
se que vivem cerca de 105 espécies de beija- plamente quantificado. Em laranjais ocorre e em 46 papos de Crotophaga ani (anu-
flores (Santos, 1981), pelo menos uma um aumento entre 15 a 43% na produção preto), coletados durante os meses do
centena de espécies de morcegos e um de frutos, quando a polinização é permitida verão, foram observados restos de pelo
número ainda não estimado de insetos — (Trevisan, 1982). O mesmo se verifica na menos 1.000 insetos pertencentes a três
dentre os quais sobressaem as abelhas pe- abóbora e na soja, cujos ganhos situam-se ordens. Em nenhum dos conteúdos esto-
la possibilidade que apresentam de ser em torno de 70% e 24%, respectivamente macais desses animais foram encontrados
manejadas pelo homem — que coletam (Ávila, 1987 e Vila, 1988). carrapatos, o que invalida a crença popular
néctar, óleo, pólen ou substâncias odorí- Na história da agropecuária são vários de que os anus são comedores desses
feras, e auxiliam na polinização das flores os registros da atuação de certos animais ácaros (Santos, 1981).
da grande maioria da flora nacional. silvestres no controle de outros animais Essa tarefa é realizada eficientemen-
Cerca de 58 famílias e pelo menos 200 considerados pragas. Muitos deles são te pelo gavião carrapateiro (Milvago
espécies de plantas brasileiras são polini- exterminados, devido a crendices popu- chimachima) e pela codorna (Nothura
zadas por beija-flores (Sick, 1997), entre lares maculosa). Uma única codorna pode comer
elas as bromélias, as orquídeas e algumas Por exemplo, os sapos (gênero Bufo) até 18 carrapatos grandes por dia (Santos,
plantas típicas do cerrado como o pequi, o podem capturar cerca de 100 insetos em 1981).
araticum, o araçá e a cagaita (Andrade, um período de 24 horas (Santos, 1981) e,
1993). no entanto, vêm sendo paulatinamente IMPACTOS DA AGROPECUÁRIA
Quando se considera que um beija-flor eliminados nos campos e nas cidades. O SOBRE A FAUNA SILVESTRE
que pesa 3,0g pode consumir em um único mesmo acontece com os morcegos, pois A atividade agropecuária, tal como a
dia até 25,0g de alimento líquido e sólido, das espécies descritas para o Brasil apenas conhecemos hoje, é fruto de quatro grandes
ou seja, mais de oito vezes o seu peso (Sick, três são hematófagas, sendo as demais revoluções. A primeira ocorreu no período
1997), pode-se ter uma idéia de quão efi- nectarívoras, frugívoras ou insetívoras. Neolítico, há 10.000 anos, quando as pri-
cientes podem ser essas pequenas aves Da mesma forma, das 2.000 espécies de meiras plantas e animais foram domes-
na polinização. Um homem que tivesse um formigas descritas para o Brasil, apenas o ticados.
consumo equivalente teria que ingerir cerca gênero Atta (com dez espécies e três sub- No século XVI, durante a expansão
de 560kg de alimento por dia. espécies) e o gênero Acromyrmex (com 20 européia, aconteceu a segunda revolu-
Desempenho semelhante pode ser espécies e nove subespécies) destacam- ção, quando espécies de alta produtivida-
observado também em certas abelhas se como formigas cortadeiras. As demais de como o milho e a batata, provenientes
polinizadoras. Uma única operária de Apis atuam como detritívoras, polinizadoras, do Novo Mundo, foram introduzidas na
mellifera pode visitar entre 1.000 e 1.500 coletoras de sementes ou predadoras Europa.
flores em um só dia e cada colméia dessa (Wilson, 1976). A Revolução Industrial gerou a terceira

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.78-87, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 81

revolução, que culminou com a popu- mesmo espaço é ocupado pelo pitoco ou ocupados. Estudos realizados em áreas
larização do trator após a Segunda Guerra rato-do-chão (Zygodontomys lasiurus), desmatadas, para a implantação de em-
Mundial. que vive em habitats naturais do cerra- preendimentos agropecuários na Amazônia
Finalmente, a quarta revolução na agro- do (Souza & Alho, 1980). Grupos de mi- brasileira, indicaram que em situações nas
pecuária foi resultado do progresso da ciên- cos-leões-dourados que vivem na Mata quais os animais em fuga conseguiram
cia, particularmente nas áreas da química e Atlântica do Rio de Janeiro apresentam um alcançar áreas naturais remanescentes,
da genética. espaço domiciliar de cerca de 40 hectares. provocaram uma alta concentração popu-
As tecnologias geradas pelas duas últi- A onça-pintada, no Pantanal de Mato Gros- lacional nessas áreas (crowding out), com
mas revoluções permitiram abastecer a so, utiliza 25 a 38km2 (Schaller & Crashaw, prejuízos tanto para as espécies refugiadas,
maior parte da humanidade com alimentos, 1980). Já, o lobinho (Cerdocyon thous) quanto para aquelas originalmente residen-
porém provocaram severos impactos sobre ocupa, no cerrado, um espaço domiciliar tes na área. Em muitos casos, as espécies
a fauna silvestre. de 50 a 100 hectares (Alho, 1993). residentes sofreram elevada mortalidade ou
Dentre esses impactos, os principais Se o espaço domiciliar é defendido abandonaram a área, devido ao esforço
foram a eliminação total ou parcial dos contra competidores ou invasores recebe gasto na defesa de seus territórios contra
habitats, causado por um processo de a denominação de território, um conceito as espécies invasoras (Schierholz, 1991).
expansão da fronteira agropecuária jamais claramente definido também para as comu- Dentro de um contexto semelhante
observado e o envenenamento das cadeias nidades humanas. ficou célebre a operação de resgate e trans-
tróficas aquáticas e terrestres provocado Com a supressão da vegetação nativa ferência de animais silvestres da área de
pelo uso abusivo de produtos químicos. e sua substituição por áreas de produção inundação de Tucuruí, na qual se consu-
agropecuária, elimina-se também o habitat miram quase 5 milhões de dólares com
A eliminação dos habitats e e, por conseguinte, o espaço domiciliar e o poucos resultados práticos relacionados
a fauna silvestre território de todos os animais que lá viviam. com o efetivo salvamento das espécies
A supressão da vegetação nativa é, de Com isso, eles muitas vezes são extintos transferidas (Pádua, 1990).
longe, a etapa da implantação do empreen- do local, tentam migrar para áreas naturais Em alguns casos, a conversão em
dimento agropecuário que produz mais remanescentes ou, em alguns casos, mu- grande escala da vegetação original em
impactos sobre a fauna silvestre, uma vez dam de hábito podendo-se beneficiar das áreas agrícolas pode-se traduzir em bene-
que o habitat constituído pela vegetação novas condições proporcionadas pela fícios para algumas espécies da fauna
nativa é total ou parcialmente substituído agropecuária. silvestre. No oeste paulista, por exemplo, a
por extensas áreas com monocultura ou, No primeiro caso, a soma das extinções pomba-de-bando ou avoante (Zenaida
na melhor das hipóteses, por um mosaico localizadas em vários pontos do país re- auriculata) encontrou nas extensas áreas
de pequenas e médias propriedades rurais sultou na provável extinção de seis espé- de monocultura de cana-de-açúcar um
com culturas diversificadas. cies da fauna brasileira e na inclusão de excelente local para se abrigar e nidificar, e
Para uma maior compreensão da ampli- várias outras na categoria de ameaçadas nas lavouras de grãos uma farta reserva de
tude do impacto causado pela eliminação de extinção, isto é, encontram-se também alimento. Diante de condições tão pro-
da vegetação nativa sobre a fauna silvestre, prestes a desaparecer do planeta. Atual- pícias pode formar bandos capazes de
é necessário considerar que, não muito mente, no Brasil fazem parte dessa cate- colocar até 12 milhões de ovos em épocas
diferente das comunidades humanas, as goria uma espécie de anfíbio, nove espé- de postura. Para espécies com esse poten-
comunidades de animais silvestres neces- cies de répteis, 23 espécies de insetos, 58 cial biótico e adaptativo são grandes as
sitam de um espaço, onde seus integrantes espécies de mamíferos e 107 espécies de possibilidades de se converterem em pra-
possam estabelecer abrigos e exercer suas aves (Bernardes et al., 1990). Em muitas gas agrícolas, como aconteceu com a pró-
atividades rotineiras de busca de alimento, regiões dos estados de São Paulo e Minas pria avoante no Panamá e na Argenti-
reprodução e cuidados com os filhotes. Gerais já é raro ver ou ouvir o gavião-real, na, quando podem formar bandos de 1 a 5
Esse espaço é chamado de home range ou o mutum, a jacutinga, o macuco ou o jaó, milhões de indivíduos e alimentarem-se de
espaço domiciliar (Souza & Alho, 1980) e aves que além de sofrerem pressão de caça, grãos de soja, na Colômbia, e de sorgo e
costuma ser ocupado pelo animal durante necessitam de uma forma ou de outra das trigo, na Argentina. Nessas áreas, 85% de
vários anos sucessivos (Barbour et al., florestas nativas para sua sobrevivência. sua alimentação é constituída por grãos
1969). O espaço domiciliar pode variar Quando os animais são forçados a cultivados, o que se traduz em severos pre-
grandemente em tamanho, dependendo de migrar em busca de áreas naturais rema- juízos sociais e econômicos (Bucher, 1970,
fatores ligados ao próprio animal e às con- nescentes, pode ocorrer mortalidade em citado por Sick, 1997). Da mesma forma, em
dições de sobrevivência oferecidas pelo larga escala durante o processo de procura muitas regiões onde até mesmo as matas
habitat. e ocupação das novas áreas, devido a que margeiam os cursos d’água (matas
Por exemplo, algumas espécies de la- deficiências no suprimento alimentar, ciliares) deram lugar a culturas agrícolas,
gartos ocupam um espaço domiciliar mé- dificuldade de formação de novos grupos as populações de capivara (Hydrochoerus
dio de 4.000m2 (Turner et al., 1969). Este ou competição por espaços domiciliares já hydrochaeris) estão aumentando e atacan-

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.78-87, jan./fev. 2000


82 Agropecuária e Ambiente

do as plantações. ocorre devido a três principais fatores: 38% menos pássaros na periferia de um
a) efeito de borda; fragmento do que a 50m em direção ao seu
A fragmentação dos interior. Da mesma forma, o número de
habitats e a fauna silvestre b) dificuldade de obter recursos alimen- espécies presentes no interior do fragmento
Nos casos em que a Lei no 4.771/65 - tares durante todo o ano; é cerca de 50% maior do que em sua periferia
Código Florestal (Ventura & Rambelli, 1996) c) dificuldade de manter populações (Schierholz, 1991).
é respeitada, os impactos da substituição mínimas viáveis, isto é, populações O efeito de borda nos fragmentos flo-
da vegetação original por áreas de agro- com um número mínimo de integran- restais isolados manifesta-se também so-
pecuária sobre a fauna silvestre podem ser tes capaz de permitir que a espécie bre o potencial de nidificação e sobre a
minimizados, porém continuam sendo sobreviva por um longo tempo ao susceptibilidade à predação. Embora por
expressivos. evitar a endogamia e os efeitos das motivos ainda não bem esclarecidos, parece
Nesses casos, a maior parte da paisa- flutuações populacionais. haver uma tendência dos pássaros nidifi-
gem natural é transformada, restando da carem mais nas bordas do que no interior
Estudos realizados em fragmentos da do fragmento. Porém, a predação de ovos
vegetação nativa original apenas alguns
Amazônia brasileira têm demonstrado que no ninho dá-se mais intensamente na peri-
fragmentos de tamanhos variados, isolados
um dos outros por extensas áreas de pro- as alterações ambientais provocadas pela feria do fragmento do que em seu interior
dução agropecuária (Fig. 37, p.67). fragmentação (efeito de borda) estendem- (Newman, 1993).
Esses fragmentos assemelham-se a se até cerca de 100m em direção ao centro Outro motivo pelo qual os animais sil-
ilhas no oceano e a dinâmica das popu- do fragmento. Isso significa que fragmen- vestres podem vir a ser extintos em frag-
lações que neles residem é regida por re- tos de 1 ha podem ser totalmente alterados mentos isolados está relacionado com a
gras semelhantes àquelas que regem as em termos ambientais, os de 10 ha podem dificuldade de obtenção de um suprimento
populações residentes em ilhas, isto é, sofrer modificações em quase 90% de sua adequado de alimento e de manter uma
quanto mais próxima do continente maior a área, os de 100 ha podem experimentar alte- população mínima viável. Relembrando os
probabilidade da ilha receber visitantes; rações em 35% da área e nos de 1.000 ha conceitos de espaço domiciliar e território e
quanto maior a ilha e seus recursos maior a pelo menos 10% da área pode ser ambien- tomando-se como exemplo o Leontopithecus
possibilidade de abrigar esses visitantes; talmente afetada (Schierholz, 1991). rosalia (mico-leão-dourado), pequeno
quanto mais próximas entre si situam-se É claro que alterações de tais amplitudes primata, cujo grupo com cerca de oito indi-
várias ilhas, maior a chance de intercâmbio no habitat refletem-se sobre as comuni- víduos necessita de um espaço domici-
entre suas populações. Finalmente, como dades de animais silvestres residentes. liar de aproximadamente 40 ha de floresta
toda ilha, o fragmento remanescente da Um levantamento de aves, executado tropical para sobreviver, pode-se fazer o
vegetação nativa original tende a sofrer por Willis (1979) em três fragmentos flo- seguinte questionamento: poderia um
fortemente a influência de alterações nos restais de 1.400, 250 e 21 ha cercados por fragmento florestal de 10 ha manter um
fatores ambientais (luz, umidade relativa, áreas de produção agropecuária, no pla- grupo desse primata? Ou, ainda, quantos
temperatura, vento, precipitação) em to- nalto paulista, mostrou que cerca de 30 grupos poderiam ser mantidos em um
do o seu contorno. Tal influência pode-se espécies desapareceram do primeiro frag- fragmento de 100 ha? Lovejoy et al. (1986),
dirigir até o centro do fragmento e afetar mento, 85 do segundo e 135 do terceiro. citados por Newman (1993) respondem
populações periféricas e interioranas, de- Anteriormente, este autor havia estimado essas perguntas em trabalhos na Ama-
pendendo de seu tamanho que a taxa de extinção de mamíferos e aves zônia.
O fenômeno descrito é denominado em fragmentos florestais de 86 hectares Em 1980, um fragmento florestal de 10
efeito de borda e, dependendo de sua am- pode chegar a 0,3% ao ano. Esse estudo ha recém-isolados abrigava um grupo de
plitude, pode induzir à decadência do foi realizado na Reserva de Barro Colorado, pequenos primatas (Saguinus midas),
fragmento com a conseqüente extinção uma área de 15,6 km2 de mata tropical que como o mico-leão-dourado. Cinco anos
localizada de muitas das espécies vegetais se tornou uma ilha, quando foi criado, no depois esse grupo havia desaparecido.
e animais residentes (Lovejoy et al., 1984, início do século, um grande lago na região Semelhantemente, um fragmento de 100 ha
citados por Schierholz, 1991). do Canal do Panamá. abrigava quatro grupos desses primatas,
A idéia central desse raciocínio (com- Já em uma reserva isolada de mata quando foi isolado em 1983. Dois anos mais
paração fragmento x ilha oceânica), ori- tropical, no Equador, as estimativas para a tarde, um dos grupos havia desaparecido.
ginalmente formulada por Robert H. taxa de extinção apontaram para valores de A ausência de certos animais no frag-
MacArthur e Edward O. Wilson e mais tar- até 26% em um curto período de seis anos mento pode favorecer a presença de outros.
de discutida por Daniel S. Simberloff e (Leck, 1979). Essa relação ocorre com certa freqüência
Lawrence G. Abele (Schierholz, 1991), per- Quando se considera o número de es- no sistema presa-predador, quando a
mite considerar que as comunidades de pécies e indivíduos presentes em dife- ausência do predador favorece a proli-
animais silvestres que permanecem em um rentes locais dentro do fragmento, este é feração da presa, principalmente se esta
determinado fragmento ficam susceptíveis muito maior no interior deste fragmento do pertence a uma espécie generalista.
à extinção local. Para Newman (1993), isso que em sua periferia. Por exemplo, existem Um estudo conduzido por Fonseca

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.78-87, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 83

(1991), em fragmentos florestais de dife- mundo aproximadamente 2,5 milhões de to- ficação e é particularmente comum em
rentes tamanhos, na mata atlântica do neladas de pesticidas (cerca de 0,5kg/ano ecossistemas que foram tratados com pes-
estado de Minas Gerais ilustra essa situa- para cada indivíduo do planeta), para de- ticidas organoclorados de elevada per-
ção: o gambá (gênero Didelphis) é uma ter o avanço das pragas da agropecuária sistência no ambiente (Robinson & Bolen,
espécie que reúne vários atributos adapta- (Werf, 1996). Dessa quantidade, apenas 1989).
tivos como tenacidade, agilidade, elasti- 0,3% atinge efetivamente o alvo constituído Através do escorrimento superficial
cidade alimentar e potencial biótico. Entre pelas pragas. O restante (99,7% ou cerca de grande parte dos pesticidas aplicados na
seus principais predadores naturais en- 2,49 milhões de toneladas) vai para algum lavoura atinge os ecossistemas aquáticos,
contram-se os médios e grandes felídeos e lugar do meio ambiente, através da volati- contaminando a flora e a fauna desses
canídeos como a jaguatirica (Felis pardalis), zação, escorrimento superficial e lixiviação ecossistemas. Estudos desenvolvidos em
a onça-pintada (Panthera onca) e o lobi- (Pimentel, 1995, citado por Werf, 1996). represas apresentaram os seguintes re-
nho (Cerdocyon thous). Como a maioria Boa parte entra na cadeia alimentar dos sultados para a concentração de pesticidas
dos predadores do topo da cadeia alimen- ecossistemas através da absorção dos pes- organoclorados ao longo da cadeia ali-
tar, esses animais precisam de um espaço ticidas presentes na água e no solo pelas mentar (Hess, 1980) : 0,00003 ppm na água
domiciliar relativamente grande, por exem- raízes e folhas de plantas aquáticas e ter- da represa; 0,04 ppm nas algas e outras
plo, o espaço domiciliar da onça-pintada restres. Essa é uma importante rota de expo- plantas aquáticas; 0,5 ppm em pequenos
situa-se em torno de 30km2 e o do lobinho sição de humanos e animais aos pestici- peixes herbívoros como o lambari; 2,0 ppm
entre 50 e 100 ha (Alho, 1993) e, portanto, das. Outras vias de contaminação são a em peixes predadores como a traíra e 25
não conseguem manter populações viáveis respiração e o contato com a pele ou o exo- ppm em aves predadoras de peixes como o
em pequenos fragmentos. esqueleto. martim-pescador. Nesse caso, a concen-
Com a ausência desses predadores, os Uma vez dentro da cadeia alimentar, o tração final do pesticida ao longo da cadeia
gambás proliferam-se excessivamente e pesticida é transportado de nível para nível, alimentar atingiu cerca de 800 mil vezes a
passam a monopolizar os recursos do frag- cada vez em maior quantidade, até atingir concentração inicial.
mento a ponto de deslocar por competi- concentrações muitas vezes letais, em um Estudos mostraram que a concentração
ção outras espécies que necessitam dos processo de transferência e acumulação de pesticidas organoclorados na represa
mesmos recursos. Mais uma vez tem-se na que pode ser simplificado com o seguinte de Santa Bárbara, no Rio Grande do Sul,
fragmentação da vegetação original uma exemplo fictício: vamos considerar que em passou de 0,0005 ppm na água para 1,3 ppm
polarização na situação dos recursos fau- um paiol foi esquecido um saco de se- em traíras de um ano de idade; 1,6 ppm em
nísticos, com a proliferação indesejável de mentes de milho e que cada semente foi traíras de dois anos e 1,9 ppm em traíras de
algumas espécies de um lado e a perda de tratada com uma unidade de pesticida. Por três anos. Nessa represa não foram encon-
várias outras de outro. negligência do proprietário do paiol o saco tradas traíras com idade superior a três
de milho passou a servir de alimento para anos, sugerindo que a partir dessa idade
Pesticidas e fauna silvestre uma população de camundongos. Cada os pesticidas atingiram concentrações le-
Na década de 30 era necessário 1 ha camundongo ao comer cinco sementes de tais (Hess, 1980).
para suprir as necessidades de alimento e milho absorverá também uma quantidade Entre as aves é comum a mortalidade
vestuário de uma pessoa. Atualmente, igual a cinco unidades de pesticida que de urubus, saracuras, corujas, bacuraus,
essas necessidades são satisfeitas com 0,4 permanecerá depositada em seu corpo. Um garças e jaçanãs provocada por pulveri-
ha e, dentro de poucos anos, áreas menores predador como o gato-do-mato, ao capturar zações de pesticidas organoclorados rea-
deverão ser necessárias para sustentar uma e devorar dois desses camundongos esta- lizadas por aviões (Sick, 1997).
pessoa (Robinson & Bolen, 1989). rá ingerindo também dez unidades do Da mesma forma existem evidências do
Parte dessa conquista deve-se à utiliza- pesticida. Se esse mesmo gato passar a aumento de casos de mortalidade em pás-
ção intensiva de produtos químicos nos comer diariamente um desses camun- saros granívoros (canário-da-terra) devi-
sistemas de produção agropecuária. Esses dongos durante um período de cinco dias, do à ingestão de sementes tratadas com
produtos incluem fertilizantes e vários ao final desse período terá acrescentado organoclorados (Werf, 1996). No Triângulo
outros grupos de compostos destinados a às dez unidades de pesticidas já presentes Mineiro foi registrada grande mortalidade
matar insetos e plantas consideradas da- em seu corpo, pelo menos mais 25 uni- entre Pseudoleistes guirahuro (melro-
ninhas, os chamados pesticidas e herbi- dades, e assim por diante, até a concen- mineiro), que se alimentaram em arrozais
cidas. tração do pesticida atingir um nível letal. contaminados (Sick, 1997).
Apesar do indiscutível aumento de Com a morte e posterior decomposição O mesmo se deu no Pará com anus que
produtividade trazido pela aplicação des- do gato-do-mato, o pesticida acumulado se alimentaram de insetos contaminados e
ses insumos, na outra extremidade dos em seu corpo será libertado para o ambiente no Rio Grande do Sul, com codornas que
efeitos de sua utilização em larga escala para dar início a novas rotas de acumulação se alimentaram de carrapatos envenenados
encontram-se os impactos negativos sobre ao passar a integrar outras cadeias ali- caídos do gado (Sick, 1997).
a fauna silvestre. mentares. Em alguns casos, o pesticida organo-
Atualmente, são aplicadas em todo o Esse processo é chamado biomagni- clorado não mata a ave que o ingeriu, mas

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.78-87, jan./fev. 2000


84 Agropecuária e Ambiente

inibe a ação de uma enzima que estimula Werf, 1996). granulados são geralmente confundidos
o transporte de cálcio para os ovidutos, com sementes ou ração e, dessa forma,
provocando alterações na calcificação das Herbicidas e fauna silvestre ingeridos por pássaros, causando morta-
cascas de seus ovos. Nesses casos, que Os herbicidas são compostos relati- lidade em alguns grupos (o mesmo ocorre
normalmente indicam forte envenenamento vamente menos tóxicos que os pesticidas com iscas granuladas destinadas a comba-
e são mais comuns em aves predadoras, a e, aparentemente, não exibem a capacidade ter formigas cortadeiras). Fredrickson et
ave põe normalmente, mas as cascas en- de biomagnificação existindo, portanto, al. (1978), citados por Robinson & Bolen
fraquecidas dos ovos se rompem durante controvérsias sobre seus efeitos sobre a (1989), registraram a morte de cerca de 4.500
a incubação provocando a morte dos fi- fauna silvestre. faisões associada à ingestão excessiva de
lhotes. Estudos mostraram que após o Estudos de laboratório, realizados com grânulos de fertilizantes.
banimento do DDT em 1971, nos Estados os principais herbicidas utilizados, mostra- Na Inglaterra o declínio generalizado
Unidos, a taxa de eclosão de ovos do peli- ram que estes produzem pouco ou nenhum das populações de anfíbios úteis em áreas
cano-marrom da Califórnia, passou de 4 dano sobre pássaros, quando estes pássa- de produção agropecuária foi atribuído à
filhotes, em 1.125 ninhos (0,004 filho- ros são expostos a concentrações seme- aplicação intensiva de fertilizantes a base
tes/ninho), para 1.185 filhotes, em 1.286 lhantes àquelas recomendadas para aplica- de nitrogênio (especialmente o nitrato de
ninhos (0,922 filhotes/ninho) em um ções no campo (Hill et al., 1975; citado por amônio), que têm efeitos tóxicos sobre esse
período de seis anos. Em Pandion haliaetus Robinson & Bolen, 1989). grupo de animais em concentrações bem
a taxa de eclosão aumentou de 0,4 filhotes/ Outros estudos, contudo, mostraram abaixo daquelas recomendadas para apli-
ninho para 1,2 filhotes/ninho (Robinson que herbicidas como o agente laranja cações no campo (Oldham et al., 1997).
& Bolen, 1989). (Tordon 2,4 D e 2,4,5T), o Paraquat e o Quando esses fertilizantes são transpor-
Outros bem documentados efeitos Trifluralin produziram expressiva morta- tados para a água provocam alta mor-
subletais de pesticidas organoclorados lidade em certos grupos de animais sil- talidade em larvas e adultos, além de pro-
sobre pássaros são alterações no período vestres. Os dois últimos causaram elevada duzirem impactos subletais como redução
de migração, atraso na ovulação, esterili- taxa de mortalidade embrionária em ovos do crescimento e perda da capacidade
dade e retardamento nas reações de fuga de espécies de patos selvagens, mesmo reprodutiva.
diante de um predador. quando aplicados nas dosagens reco-
Pesticidas organofosforados, apesar da mendadas (Robinson & Bolen, 1989). O MEDIDAS MITIGADORAS
baixa persistência no ambiente, apresentam primeiro foi acusado de provocar a morte
elevada toxicidade e causam expressiva de pelo menos 10 mil animais silvestres, Medidas mitigadoras são aquelas des-
mortalidade entre pássaros. Essa família de quando foi aplicado em uma faixa de 200 tinadas a atenuar os impactos negativos
pesticidas foi associada à morte de 1.450 quilômetros entre Belém e Goianésia du- de uma certa atividade sobre o meio am-
gansos do Canadá e de cerca de 400 aves rante a construção de Tucuruí, na déca- biente.
de rapina que consumiram ratos e pássaros da de 80 (Bontempo, 1985). O mesmo her- Como para a grande maioria das ativi-
previamente envenenados (Robinson & bicida foi associado ao desenvolvimento dades impactantes, as medidas mitiga-
Bolen, 1989). Nos Estados Unidos foram de vários tipos de câncer e à produção de doras dos impactos da atividade agro-
registradas 8 mil mortes de uma espécie de efeitos teratogênicos em seres humanos pecuária sobre a fauna silvestre são per-
pássaro-preto, devido ao envenenamento após sua aplicação em larga escala (cerca feitamente exequíveis, bastando para isso
intencional por organofosforados. No mes- de 30 l/ha), durante a guerra do Vietnã vontade de executá-las.
mo país 11 mil pássaros pertencentes a (Robinson & Bolen, 1989). Dentre tantas outras serão comentadas,
12 espécies foram envenenados por esses Os herbicidas podem afetar indireta- a seguir, as principais medidas que podem
pesticidas (Robinson & Bolen, 1989). mente a fauna silvestre através da elimi- contribuir para minimizar os impactos
A morte de mamíferos em decorrência nação da vegetação que lhe serve de abrigo negativos da agropecuária sobre a fauna
de pesticidas resulta, na maior parte dos e alimentação. Muitos dos herbicidas uti- silvestre.
casos, da ingestão de alimentos conta- lizados eliminam algumas espécies de
minados, principalmente quando pestici- plantas utilizadas por pequenos animais. Política agropecuária
das organoclorados são utilizados. Dessa Com isso ocorre uma redução na oferta de Atualmente, estima-se que a produção
maneira são mortos os mamíferos preda- abrigo e alimento, principalmente, para mundial de grãos situa-se em torno de 2,5
dores que acumulam doses muitas vezes pequenos mamíferos e aves campestres. bilhões de toneladas para atender uma
letais de pesticidas ao se alimentarem de população de aproximadamente 6 bilhões
mamíferos herbívoros envenenados (Werf, Fertilizantes e fauna de habitantes (Borlaug & Dowswell, 1993,
1996). Alguns estudos indicaram que a silvestre citados por Lopes, 1995), o que daria uma
exposição de mamíferos a pesticidas como A grande maioria dos fertilizantes pre- proporção de cerca de 1,0kg de grão/habi-
aldrin, atrazine, chlordane e diedrin produz sentes atualmente no mercado não oferece tante/dia, se toda a produção fosse dirigida
mortalidade pré-natal e atrasos na matu- riscos significativos para a fauna silves- ao consumo humano.
ração sexual (LeBlanc, 1995, citado por tre. Porém, aqueles aplicados na forma de Porém, como boa parte da quantidade

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.78-87, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 85

de grãos produzida no mundo destina-se à um importante passo para a mitigação dos A manutenção dessas matas nas pro-
produção secundária (carnes e ovos), impactos da atividade agropecuária sobre priedades rurais de quaisquer dimensões
torna-se compreensível a necessidade de a fauna silvestre. traz benefícios para os solos, para os ma-
produzir mais para abastecer a população Entre as áreas de preservação perma- nanciais de água e para a própria atividade
mundial. nente protegidas por essa lei encontram- agropecuária ou silvicultural, além de
O aumento da produção pode vir atra- se as matas ciliares, formações vegetais do contribuir para a conservação in situ de
vés de duas formas básicas: tipo florestal que ocorrem ao longo de pe- algumas populações da flora e da fauna.
a) expansão da fronteira agropecuária, quenos e grandes cursos d’água, prote-
gendo-os como os cílios protegem os olhos, Manejo conservacionista da
obviamente uma opção indesejável,
daí advindo-lhe o nome (Fig. 38, p.68). paisagem
quando se considera a urgente ne-
cessidade de conter a degradação Normalmente, a área total ocupada pela O manejo conservacionista da paisa-
dos recursos naturais; mata ciliar corresponde a, aproximada- gem consiste na adoção de práticas volta-
mente, 10% da paisagem de uma bacia das a minimizar os impactos negativos da
b) aumento da produtividade nas áreas
hidrográfica (Thomas, 1979), porém os atividade agropecuária sobre os recursos
produtoras através do fomento ao
animais silvestres utilizam mais inten- naturais renováveis.
uso de tecnologias já disponíveis e Considerando-se o objetivo de bene-
samente a mata ciliar do que os habitats
do fortalecimento das instituições de
adjacentes. ficiar a fauna silvestre, a paisagem pode
pesquisa, extensão e fiscalização
Estudos realizados com aves em vários ser manejada nos aspectos relaciona-
que atuam no setor. dos com o aumento da heterogeneidade
habitats do cerrado do Distrito Federal
Quanto à utilização de compostos quí- mostraram que das 215 espécies observa- estrutural; aumento da oferta de abrigo e
micos, a pesquisa pode contribuir para o das, 137 ocorreram preferencialmente na alimento e aumento da conexão entre frag-
desenvolvimento de produtos mais se- mata ciliar (Negret, 1983). Dos 67 gêneros mentos isolados ecologicamente. Algumas
guros e para a determinação das dosagens de mamíferos não voadores catalogados práticas que podem contribuir para o ma-
adequadas, de modo que concilie comba- para o cerrado, 86% utilizam obrigatória nejo conservacionista da paisagem são
te efetivo às pragas, redução de custos e ou oportunisticamente a mata ciliar. Dentre descritas a seguir.
mitigação dos impactos sobre o meio am- 22 espécies de pequenos marsupiais e
biente. Este conhecimento deve ser bastan- Manutenção e implantação de
roedores capturados em vários habitats do cercas vivas
te difundido entre os produtores rurais
cerrado, 21 espécies foram capturadas tam-
através da atuação da assistência técnica As cercas vivas naturais ou planta-
bém na mata ciliar e 12 foram exclusivas
especializada privada ou governamental. das nas divisas entre propriedades rurais
desse habitat (Redford & Fonseca, 1986).
Sob esse aspecto, o Receituário Agro- (Fig. 37, p.67) constituem locais de pouso,
A alta diversidade de espécies animais
nômico adquire um papel de fundamental abrigo e alimentação para várias espécies
encontrada na mata ciliar é atribuída à sua
importância, uma vez que fornece infor- de animais silvestres, especialmente aves,
complexidade estrutural que, em última
mações que, se observadas com atenção, podendo aumentar em cerca de quatro ve-
instância, é responsável pelo fornecimento
poderão subsidiar o manejo dos principais zes a diversidade desses animais no local
de grande parte dos recursos necessários onde se encontram (Sparks et al., 1996).
componentes envolvidos no sucesso do
à sobrevivência das espécies. É na mata As principais variáveis que determinam
combate às pragas: o pesticida, a sua apli-
ciliar que os animais silvestres encontram a diversidade de aves no local das cercas
cação, a produção a defender e o impacto
alimento, sombra e água, em regiões muitas vivas são sua largura e composição florís-
sobre o meio ambiente.
vezes dominadas por vegetação aberta e tica (Fritz & Merrian, 1996). De acordo com
Respeito à legislação por longos períodos de insolação e de Shalaway (1985), citado por Robinson &
Até 1996, o Brasil contava com cerca estiagem. Também é nessa mata que ani- Bolen (1989) é recomendável que as cercas
de 340 normas ambientais na esfera federal mais como o tapiti (Sylvilagus brasiliensis), vivas tenham, no mínimo, 3m de largura e
(Ventura & Rambelli, 1996) e uma quan- que constitui presa preferencial de felídeos, sejam constituídas por várias espécies de
tidade não estimada nas esferas estaduais canídeos e falconídeos, encontra refúgio arbustos e árvores naturais da região, para
e municipais. Muitas dessas leis são ambí- (Fig. 38, p.68). terem uma efetividade mínima na atração
guas, rígidas ou superficiais em vários de Além desses aspectos, as matas ciliares de aves silvestres.
seus artigos, contudo não deixam de cons- são freqüentemente utilizadas pelos ani- A produção de flores melíferas e frutos
tituir um importante instrumento de pro- mais silvestres como corredores de liga- comestíveis pela fauna silvestre são ca-
teção ao meio ambiente. ção entre vários tipos de vegetação contri- racterísticas bastante desejáveis para as
A Lei no 4.771/65 (Ventura & Rambelli, buindo, dessa maneira, para minimizar o espécies componentes das cercas vivas.
1996) é um exemplo. Apesar de ser confusa impacto do isolamento reprodutivo pro- Uma espécie interessante, sob esse aspec-
em vários aspectos importantes, ela con- vocado pela erradicação ou fragmenta- to, é a amoreira que de um a dois anos
tribui para inibir a supressão total ou parcial ção dos ecossistemas naturais (Thomas, produz boa cobertura e uma farta quan-
de florestas de preservação permanente, 1979). tidade de frutos. Uma relação de espécies

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.78-87, jan./fev. 2000


86 Agropecuária e Ambiente

com as características citadas pode ser produtivo. Em adição, os corredores aumen- Agriculture Ecosystems and Environment,
encontrada em Brandão & Ferreira (1991). tam a área do habitat e a oferta de alimen- Amsterdan, n.22/23, p.337-347, 1988.
to, fornecem locais de abrigo e nidificação CRANE, E. Honey: a comprehensive survey.
Implantação de cinturões de Cambridge: Harvard University Press,
e reduzem as interações competitivas
quebra-vento 1990. 732p.
(Newmark, 1993).
Os cinturões de quebra-vento foram Vários estudos voltados a comprovar DIAS, B. F. de S. Conservação da natureza no
amplamente adotados na década de 30 nos a eficiência desses corredores no sentido Cerrado brasileiro. In: PINTO, M.N. Cer-
Estados Unidos, onde, entre 1935 e 1942, de mitigar os efeitos da fragmentação têm rado: caracterização, ocupação e perspec-
foram plantadas pelo Serviço Florestal tivas. Brasília: UnB, 1993. p.607-663.
mostrado resultados positivos (Lindenmayer
Americano mais de 200 milhões de árvores & Nix, 1993, Newmark, 1993 e Haas, 1995). DIAS, B. F. de S. Estratégia mundial para a
em cerca de 30 mil quilômetros (Robinson biodiversidade. Revista do Instituto Flo-
Contudo, atualmente não existe um con-
& Bolen, 1989). restal, São Paulo, v.4, part. 1, p.62-76, mar.
senso sobre a largura mínima que esses 1992. Edição especial: 2o Congresso Na-
Além de proteger a área de agro- corredores devem possuir, para garantir a cional sobre Essências Nativas, 1992.
pecuária do vento e o solo da erosão, os troca genética entre a fauna silvestre, nem
cinturões de quebra-vento promovem o FONSECA, G.A.B. da. Muitas reservas
sobre a viabilidade de sua implantação em pequenas: uma solução? Ciência Hoje, São
aumento da diversidade de aves e peque- larga escala. O certo é que eles devem ser Paulo, v.13, n.76, p.18-19, set. 1991.
nos mamíferos, sendo a maioria deles tão amplos quanto possível e o custo en- FRITZ, R.; MERRIAN, G. Fencerow and forest
benéficos para a agropecuária. volvido em sua implantação pode ser alto edge architecture in eastern Ontario
Um estudo conduzido por Ferber (1974), o suficiente para ser viabilizado unicamente farmland. Agriculture Ecosystems and
citado por Robinson & Bolen (1989), através de parcerias entre organizações Environment, Amsterdan, n.59, p.159-
revelou que as aves que utilizam os cin- governamentais, não-governamentais, 170, 1996.
turões podem consumir quilos de insetos empresas privadas e pessoas físicas. GOMES, L. Os anos da grande faxina. Veja,
durante o ano. São Paulo, p.62-67, maio 1995.
A exemplo das cercas vivas, os animais REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GUILLAUMET, J. L. Observações sobre a
silvestres utilizam os cinturões de quebra- frutificação e disseminação das sementes de
ALHO, C. J. R. Distribuição da fauna num
vento como locais de pouso, abrigo e ali- algumas espécies do gênero Cecropia
gradiente de recursos em mosaico. In:
mentação. Os cinturões são utilizados (Moraceae). In: CONGRESSO NACIO-
PINTO, M. N. Cerrado: caracterização,
também para a nidificação. NAL DE BOTÂNICA, 35, 1984, Brasília.
ocupação e perspectivas. Brasília: UnB,
Com base em um estudo desenvolvido Anais... Brasília: Sociedade Botânica do
1993. p.213-262.
Brasil, 1990. p.143-150.
por Capel (1988), pode-se considerar que ANDRADE, M. A. A vida das aves: introdução
para promover a proteção do solo e da la- HAAS, C. A. Dispersal and use of corridors by
à biologia e conservação. Belo Horizonte: birds in wooded patches on agricultural
voura e ao mesmo tempo atrair animais Líttera Maciel, 1993. 160p. landscape. Conservation Biology, Cam-
silvestres, os cinturões de quebra-vento ÁVILA, C. J. Polinização e polinizadores bridge, v.9, n.4, p.845-854, 1995.
devem ter pelo menos cinco fileiras de na produção de frutos e sementes híbri- HESS, A. A. Ecologia e produção agrícola.
árvores intercaladas com arbustos pro- das de abóbora. Viçosa: UFV, 1987. 56p. São Paulo: Nobel, 1980. 126p.
dutores de flores melíferas e frutos comes- Tese (Mestrado) -Universidade Federal de
Viçosa, 1987. LECK, C. F. Avian extinctions in a isolated
tíveis pelos animais. Os espaçamentos e
tropical wet-forest reserve, Ecuador. The
espécies a serem utilizadas podem ser BARBOUR, R. W.; HARVEY, M. J.; HARDIN, Auk, Boston, n.96, p.343-352, 1979.
obtidos em instituições governamentais de J. W. Home range, movements and activity
LINDENMAYER, D. B.; NIX, H. A. Ecological
ensino e extensão rural. of the eastern worm snake, Carphophis
principles for the design of wildlife corridors.
amoenus amoenus. Ecology, v. 50, n. 3, p.
Implantação de corredores 471-476, 1969.
Conservation Biology, Cambridge, v.7, n.3,
faunísticos p.627-630, 1993.
BERNARDES, A. T.; MACHADO, A. B. M.;
Os corredores faunísticos podem ser LOPES, A. S. Proteção ambiental e agricultura.
RYLANDS, A. B. Fauna brasileira In: TAUK-TORNISIELO, S. M.; GOBBI,
considerados a expressão mais aprimorada ameaçada de extinção. Belo Horizonte: N.; FORESTI, C.; LIMA, S. T. Análise
das cercas vivas e dos quebra-ventos. Têm Biodiversitas, 1990. 62p. ambiental: estratégias e ações. São Paulo:
como principal função interligar fragmentos BONTEMPO, M. Relatório Orion: denúncia T.A. Queiroz, 1995. p.103-115.
da vegetação original que se encontram médica sobre os perigos dos alimentos MACEDO, J. Cerrados: limitações e
isolados um dos outros, por áreas de pro- industrializados e agrotóxicos. 3.ed. Porto potencialidades. Lavras: ESAL, 1993, 4p.
dução agropecuária. Alegre: L&PM, 1985. 151p. Trabalho apresentado no VI Congresso da
Quando cumprem essa função, pro- BRANDÃO, M.; FERREIRA, P. B. D. Flo- Pós-Graduação da ESAL.
movem o trânsito de animais silvestres en- ra apícola do Cerrado. Informe Agro- NEGRET, A.J. Diversidade e abundância da
tre fragmentos, contribuindo para mitigar pecuário, Belo Horizonte, v.15, n.168, p.7- avifauna da Reserva Ecológica do IBGE.
o principal impacto da fragmentação do 14, 1991. Brasília: UnB, 1983. 136p. Tese (Mestra-
habitat sobre a fauna silvestre: o declínio CAPEL, S.W. Design of windbreaks for wildlife do) – Universidade de Brasília, 1983.
das populações, devido ao isolamento re- in the Great Plains of North America. NEWMAN, E. I. Applied ecology. Oxford:

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.78-87, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 87

Blackwell Science,1993. 328p. SPARKS, T. H.; PARISH, T.; HINSLEY, S. A.


NEWMARK, W. D. The role and design of Breeding birds in field boundaries in an
wildlife corridors with examples from agricultural landscape. Agriculture
Tanzania. Ambio, Stockholm, v.22, n.8, Ecosystems and Environment, Amster-
p.501-504, 1993. dan, n.60, p.1-8, 1996.

OLDHAM, R. S.; LATHAM, D. M.; TABAI, F.C.V.; ZANZINI, A.C. S. Diversidade


HILTON-BROWN, D.; TOWNS, M.; e similaridade de espécies com síndrome de
COOK, S.; BURN, A. The effect of dispersão zoocórica em duas tipologias do
ammonium nitrate fertiliser on frog (Rana cerrado de Minas Gerais. In: SIMPÓSIO
temporaria) survival. Agriculture Ecosystems INTERNACIONAL SOBRE ECOSSIS-
and Environment, Amsterdan, n.61, p.69- TEMAS FLORESTAIS, 4, 1996, Belo
74, 1997. Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Bios-
fera, 1996. p.298-299.
PÁDUA, M. T. J. Estudos e relatórios de
impacto ambiental como instrumentos de THOMAS, J. W. Wildlife habitats in
conservação da natureza. In: SEMINÁRIO managed forests: the blue mountains of
SOBRE AVALIAÇÃO E RELATÓRIO DE Oregon and Washington. Washington:
IMPACTO AMBIENTAL, 1, 1990, Curi- USDA Forest Service, 1979. 512p.
tiba. Anais... Curitiba: FUPEF/UFPR, TREVISAN, M. Importância das abelhas na
1990. p. 9-12. polinização dos citros. Planta cítrica, v.1,
REDFORD, K. H.; FONSECA, G. A. B. The p.149-153, 1982.
role of gallery forests in the zoogeography TURNER, F. B.; JENNRICH, R. I.;
of the Cerrado’s non-volant mammalian WEINTRAUB, J. D. Home range and
fauna. Biotropica, Washington, v.18, n.2, body sizes of lizards. Ecology, v.50, n.6,
p.126-135, 1986. p.1076-1081, 1969.
ROBINSON, W. L.; BOLEN, E. G. Wildlife UHL, C.; NEPSTAD, D.; SILVA, J. M. C. da;
ecology and management. 2.ed. New VIEIRA, I. Restauração da floresta em
York: MacMillan, 1989. 574p. pastagens degradadas. Ciência Hoje, São
RONCOLETTA, M.; ZANZINI, A.C.S. Paulo, v.13, n.76, p.22-31, set. 1991.
Regeneração natural em uma área degradada VENTURA, V.J.; RAMBELLI, A.M. Le-
de mata ciliar no município de Lavras (MG): gislação Federal sobre o meio ambiente:
composição florística, fitossociologia e leis, decretos-leis, decretos, portarias e
síndromes de dispersão. In: SIMPÓSIO resoluções anotados para uso imediato. 2.ed.
INTERNACIONAL SOBRE ECOSSIS- rev. ampl. Taubaté: Vana, 1996. 1148p.
TEMAS FLORESTAIS, 4, 1996, Belo Hori- VILA, V.P.V. Efeito das abelhas africaniza-
zonte. Anais... Belo Horizonte: Biosfera, das na hibridação e na produção da soja
1996. p.298-299. Glycine max. L. Merril. Viçosa: UFV,
SANTOS, E. Animais úteis ao homem. 3.ed. 1988. 58p. Tese (Mestrado) – Universidade
Belo Horizonte: Itatiaia, 1981. 263p. Federal de Viçosa, 1988.
SCHALLER, G. B.; CRAWSHAW JUNIOR, WERF, H. M. G. Assessing the impact of
P. G. Movement patterns of jaguar. Bio- pesticides on the environment. Agriculture
tropica, Washington, v.12, n.3, p.161-168, Ecosystems and Environment, Amster-
1980. dan, n.60, p.81-96, 1996.
SCHIERHOLZ, T. Dinâmica biológica de WILLIS, E. O. The composition of avian
fragmentos florestais. Ciência Hoje, São communities in remanescet woodlots in
Paulo, v.12, n.71, p.22-29, mar. 1991. southern Brasil. Papéis Avulsos de Zoolo-
SEITZ, R.A. A regeneração natural na recupe- gia, São Paulo, v.31, n.1, p.1-25, 1979.
ração de áreas degradadas. In: SIMPÓSIO WILSON, E. O. The insects societies. 3.ed.,
SUL AMERICANO, 1; SIMPÓSIO Cambridge: Cambridge University Press,
NACIONAL DE RECUPERAÇÃO DE 1976. 548p.
ÁREAS DEGRADADAS, 2, 1994, Foz do ZAÚ, A. S. Fragmentação da mata atlântica:
Iguaçu. Anais... Curitiba: FUPEF, 1994. aspectos teóricos. Floresta e Ambiente,
p.103-110. v.5, n.1, p.160-170, 1998.
SICK, H. Ornitologia brasileira. 2.ed. Rio de ZANZINI, A.C.S. Levantamento da regene-
Janeiro: Nova Fronteira, 1997. 862p. ração por dispersão zoocórica em dunas
SOUZA, M. J.; ALHO, C. J. R. Distribuição mineradas sob recuperação. In: SIMPÓSIO
espacial do roedor silvestre Zygodontomys INTERNACIONAL SOBRE ECOSSIS-
lasiurus em habitat natural do cerrado. TEMAS FLORESTAIS, 4, 1996, Belo Ho-
Brasil Florestal, Brasília, v.10, n.44, p.31- rizonte. Anais... Belo Horizonte: Biosfera,
73, 1980. 1996. p.298-299.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.78-87, jan./fev. 2000


88 Agropecuária e Ambiente

Criação comercial de animais silvestres:


fonte alternativa de renda
Jésus José de Oliveira1
Ivan Pereira Leite 2

Resumo - A criação comercial de animais silvestres brasileiros, além de contribuir


significativamente para a conservação/manutenção das espécies da fauna brasileira,
apresenta-se como uma fonte alternativa de renda para produtores rurais e in-
teressados em explorar tal recurso. São apresentados os procedimentos básicos
necessários à legalização da atividade de criação comercial de animais silvestres
brasileiros junto ao Ibama.

Palavras-chave: Criação comercial; Animais silvestres; Registro; Legislação; Brasil.

INTRODUÇÃO criminada e ao comércio ilegal de animais b) permissão a todos aqueles interes-


silvestres retirados de seu habitat natural, sados em adquirir e manter sob guar-
A fauna silvestre brasileira é um recurso
decorrentes principalmente da falta de uma da um animal silvestre brasileiro le-
natural que pode ser explorado comer-
consciência ecológica das pessoas, têm galizado, evitando com isso a retira-
cialmente, desde que tal exploração seja
contribuído ao longo dos anos de forma da de uma espécie assemelhada de
conduzida de acordo com técnicas de ma-
significativa para o desaparecimento de seu habitat natural;
nejo adequadas e a partir de licenciamento
várias espécies, em face da destruição de
prévio obtido junto ao Instituto Brasileiro c) redução da pressão de caça na natu-
seus habitats. Fato que tem conseqüências
do Meio Ambiente e dos Recursos Na- reza, em face da oferta de carne com
imediatas na quebra do equilíbrio natural
turais Renováveis (Ibama). qualidade e legalizada.
dos ecossistemas.
Diante dessa perspectiva, vem-se ob-
Essa ruptura no “elo da cadeia” gera Sob essa ótica, este trabalho foi elabo-
servando um crescente interesse entre pe-
problemas, pois, com o desaparecimento rado com o objetivo de fornecer ao público
quenos, médios e grandes produtores
dos predadores naturais, há um aumento interessado os procedimentos básicos ne-
rurais pela criação comercial de deter-
crescente de outras espécies. cessários à legalização da atividade de cria-
minadas espécies de animais silvestres
Nesse contexto, a criação comercial de ção comercial de animais silvestres junto
brasileiros.
animais silvestres brasileiros desempenha
Tal interesse é compreensível e deve- ao Ibama.
papel importante e fundamental na con-
se ao fato de que os produtos (carne, gor-
servação/preservação de nossos recursos
duras etc.) e subprodutos (couro, peles, LEGISLAÇÃO PERTINENTE
faunísticos, apresentando-se como uma
penas etc.) atingem elevados preços no
das alternativas atenuantes dentro do pro- A seguir apresenta-se a legislação so-
mercado ao mesmo tempo que apresentam
cesso de desequilíbrio dos ecossistemas, bre a fauna silvestre brasileira que está
custo de produção relativamente baixo, uma
através de: contida na Coletânea da Legislação Federal
vez que a criação desses animais em cati-
veiro requer pequena área e mão-de-obra a) obtenção de dados decorrentes da do Meio Ambiente (1992) do Ibama:
reduzida (aproveitamento da mão-de-obra criação, referentes à biologia, repro-
a) Lei no 5.197 de 03 de janeiro de 1967
familiar). Além desses aspectos, é impor- dução, sanidade, manejo, instala-
- dispõe sobre a proteção à fauna.
tante ressaltar, que a crescente expansão ções, os quais poderão ser utilizados
das cidades, o desenvolvimento agroin- em eventuais projetos de conser- b) Lei no 9.605 de 12 de fevereiro de
dustrial, aliados à caça predatória indis- vação/preservação de espécies; 1998 - Lei de Crimes Ambientais.

1
Zootecnista, IBAMA, Rua Bernardino Macieira, 220, CEP 37200-000 Lavras - MG. E-mail: ibama@lavras.gov.br
2
Engo Agro, IBAMA, Rua Bernardino Macieira, 220, CEP 37200-000 Lavras - MG. E-mail: ibama@lavras.gov.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.88-92, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 89

c) Decreto no 3.179 de 21 de setem- de criadouros de animais da fauna Passos necessários à


bro de 1999 – dispõe sobre a espe- silvestre brasileira com fins econô- legalização do criadouro
cificação das sanções aplicáveis micos e industriais e dá outras pro-
Para a legalização do criadouro devem-
às condutas e atividades lesivas ao vidências.
se obedecer os critérios descritos a seguir.
meio ambiente, e dá outras provi-
k) Portaria no 117-N, de 15 de outubro O primeiro passo é a apresentação da
dências.
de 1997 - normatiza a comercialização carta-consulta (Anexo A).
d) Portaria no 324/87 de 22 de julho de de animais vivos, abatidos, partes e A carta-consulta é o primeiro documen-
1987 - proíbe a implantação de criadou- produtos da fauna silvestre brasileira to a ser apresentado junto a Superintendên-
ros de jacaré-do-pantanal (Caiman provenientes de criadouros devida- cia Estadual (sediada em Belo Horizonte,
crocodilus yacare ) em áreas que não mente registrados junto ao Ibama, MG) ou ao Escritório Regional do Ibama
estejam localizadas dentro da bacia do com finalidade econômica e indus- mais próximo do empreendimento, para
rio Paraguai, área de ocorrência natural trial. obtenção do registro do criadouro. A carta-
dessa espécie. consulta deverá conter basicamente as se-
l) Portaria no 93 de 07 de julho de 1998
o
e) Portaria n 126/90 de 13 de fevereiro guintes informações:
- normatiza a importação de espé-
de 1990 - normatiza o registro de cria- cimes vivos, produtos e subprodu- a) identificação do interessado, seja
douros com finalidade comercial, do tos da fauna silvestre brasileira e da pessoa física ou jurídica;
jacaré-do-pantanal na bacia do rio fauna silvestre exótica. b) localização da propriedade do in-
Paraguai, com destino à recria em ca- teressado;
tiveiro.
FAUNA SILVESTRE E c) localização do empreendimento,
f) Portaria no 2.314/90, de 26 de novem- CRIADOURO formas de acesso, com croqui da
bro de 1990 - normatiza os criadou- localização do criadouro na pro-
Considera-se fauna silvestre brasileira
ros destinados à reprodução de priedade;
todos aqueles animais pertencentes às
insetos da ordem Lepidoptera (bor-
espécies nativas, migratórias e quaisquer d) objetivo da criação e sistema de ma-
boletas diurnas e mariposas notur-
outras aquáticas ou terrestres, reprodu- nejo;
nas) da fauna silvestre brasileira,
zidas ou não em cativeiro, que tenham seu e) estrutura da quantidade inicial de
com finalidade econômica.
ciclo biológico ou parte dele ocorrendo matrizes e reprodutores, com nome
g) Portaria no 119/92, de 17 de novem- naturalmente dentro dos limites do Terri- científico e popular da espécie e sua
bro de 1992 - normatiza a comer- tório Brasileiro e suas águas jurisdicio- procedência.
cialização de peles de crocodi- nais.
lianos brasileiros das espécies Junto com a carta-consulta, o inte-
Considera-se criadouro, as áreas es-
Caiman crocodilus yacare e ressado deverá apresentar os seguintes do-
pecialmente delimitadas, dotadas de ins-
Caiman crocodilus crocodilus, cumentos:
talações capazes de possibilitar o mane-
produzidos pelos criadouros co- jo, a reprodução, a criação ou recria de
merciais devidamente legalizados a) para pessoa física:
animais pertencentes à fauna silvestre bra-
no Ibama. sileira. - formulário-padrão do Ibama, de-
h) Portaria no 142/92, de 05 de dezembro vidamente preenchido e assina-
de 1992 - normatiza a criação comer- Tipos de criadouros do, para registro no Cadastro
cial de tartarugas de água doce. Técnico Federal de Atividades
Existem dois tipos de criadouros: Pontencialmente Poluidoras ou
i) Portaria no 113, de 25 de setembro de
a) criadouro manejado por empresas: Utilizadoras de Recursos Natu-
1997 - estabelece que pessoas físicas
são aqueles criadouros adminis- rais;
ou jurídicas utilizadoras de recursos
ambientais devem, obrigatoriamente, trados por pessoas jurídicas, devida- - requerimento-padrão do Ibama,
preencher e assinar o formulário-pa- mente constituídas, com produção solicitando o registro (Anexo B);
drão do Ibama de Cadastro Técni- intensiva;
- cópia do alvará de funciona-
co Federal de Atividades Ponten- b) criadouro manejado por pessoa fí- mento, expedido pela prefeitura;
cialmente Poluidoras ou Utilizadoras
sica: são aqueles criadouros admi-
de Recursos Ambientais. - cópia da carteira de identidade;
nistrados por pessoas físicas, com
j) Portaria no 118-N, de 15 de outubro produção semi-extensiva em am- - cópia do cartão do cadastro pes-
de 1997 - normatiza o funcionamento biente natural controlado. soa física (CPF);

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.88-92, jan./fev. 2000


90 Agropecuária e Ambiente

- cópia de um comprovante de re- sentar as suas respectivas planta cialização deverão ser de acordo com
sidência. baixa e/ou croqui das instalações/ a Portaria no 117 de 15/10/97.
recintos, referendando a escala
b) para pessoa jurídica: utilizada e ressaltando os deta- 10 TERMO DE COMPROMISSO OU
lhes construtivos de segurança; CONTRATO DE TRABALHO DE
- requerimento-padrão do Ibama, ACOMPANHAMENTO E RESPON-
solicitando o registro; - citar e quantificar a espécie e o SABILIDADE PELAS INFORMA-
- formulário-padrão do Ibama, de- número de animais por instalação ÇÕES E ADMINISTRAÇÃO TÉC-
vidamente preenchido e assi- e área, abrigos naturais e artifi- NICA DO EMPREENDIMENTO.
nado, para registro no Cadastro ciais.
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Técnico Federal de Atividades
5 MANEJO – Citar.
Pontencialmente Poluidoras ou
Utilizadoras de Recursos Na- 5.1 Manejo animal - descrever deta- É oportuno informar/esclarecer que a
turais; lhadamente as normas de manejo responsabilidade técnica e a execução do
- cópia do documento de cons- aplicadas nas diversas fases da empreendimento poderá ser assumida por
tituição atualizado (Ata de Cons- criação. órgão estadual ou municipal de extensão
tituição ou Contrato Social ou rural e que compreenderá todas as fases
5.2 Manejo alimentar - descrever deta-
Registro de Firma Individual), de- da implantação e criação.
lhadamente os tipos de alimentos
vidamente registrado na Junta A aprovação do projeto técnico será
que irão ser fornecidos, bem como
Comercial; comunicada oficialmente pela Superin-
as quantidades e os horários de
tendência do Ibama. Após a conclusão de
- cópia do cartão do cadastro geral fornecimento.
pelo menos 50% (cinquenta por cento) das
de contribuintes (CGC);
5.3 Manejo sanitário - descrever as obras ou instalações previstas no projeto,
- cópia do comprovante de ins- o interessado deverá requerer junto a
normas profiláticas adotadas nas
crição estadual; Superintendência do Ibama a realização de
diversas fases.
- cópia do alvará de funciona- vistoria.
mento, expedido pela prefeitura. 5.4 Manejo reprodutivo - descrever o
manejo dispensado às fêmeas e Solicitação do laudo de vistoria
Após a aprovação da carta-consulta
suas respectivas crias.
com as respectivas informações e docu- Estando as obras e instalações de
mentos, o interessado será comunicado 6 DESCREVER O SISTEMA DE acordo com o projeto apresentado, o laudo
através de correspondência oficial. A partir MARCAÇÃO INDIVIDUAL A SER será homologado e o registro do criadouro
daí, o interessado terá o prazo de 90 dias ADOTADO. será concedido. De posse do registro, que
para apresentar em duas vias o projeto deverá ser renovado anualmente, o in-
técnico do criadouro. 7 EVOLUÇÃO/ESTABILIZAÇÃO DO teressado poderá comercializar tanto ani-
REBANHO - Efetuar de acordo com mais vivos como produtos e subprodutos
os índices zootécnicos empregados provenientes de seu criadouro.
Apresentação do projeto técnico
na criação.
O projeto técnico do criadouro deverá Informações adicionais
ser elaborado e assinado por um res- 8 APRESENTAÇÃO DO ESTUDO
ponsável técnico, devidamente habilitado PRÉVIO DE MERCADO DENTRO Maiores informações sobre o processo
pelo respectivo Conselho de Classe. DOS OBJETIVOS DO MANEJO de registro de criadouros comerciais de
Esse projeto deverá conter as seguintes COM VISTAS À COMERCIA- animais silvestres brasileiros, bem como,
informações: LIZAÇÃO (existência de abate- sobre a legislação que o regulamenta, po-
douros e pontos de venda de animais derão ser obtidas em qualquer represen-
1 APRESENTAÇÃO vivos, abatidos, partes, produtos e tação do Ibama.
subprodutos, preços esperados e
2 JUSTIFICATIVA
demanda de produtos). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
3 OBJETIVO
9 ABATE, COMERCIALIZAÇÃO, COLETÂNEA da Legislação Federal do Meio
4 INSTALAÇÕES DESCARTE E/OU DESTINAÇÃO Ambiente. Brasília: IBAMA, 1992. 797 p.
DO EXCEDENTE - descrever de- PORTARIA Normativa no 118-N, de 15 de
- informar a área disponível;
talhadamente todos os procedimen- outubro de 1997. Brasília: IBAMA, 1997.
- dimensionar, descrever e apre- tos adotados. As formas de comer- 2p.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.88-92, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 91

ANEXO A – MODELO DE CARTA-CONSULTA

Ao Sr. (a)

Representante do IBAMA em __________________ (Estado da Federação)

_____________________________________________________ (nome da pessoa física) ou

__________________________________________ (nome da empresa no caso de pessoa jurídica), constituída

pelo(s) sócio(s) _____________________________________________________________________ (para pessoa

jurídica), com propriedade/sede localizada na __________________________________________________

____________ (Rodovia, Estrada, Rua, etc.), no município de _____________________________________

______________________, pretende iniciar criação com finalidade comercial da(s) espécie(s), _______________

___________________________________________________________________________________ (nome

científico e popular), conforme preceitua a Portaria no _________________.

Para tanto, declara estar ciente de toda a Legislação que regulamenta o assunto, em especial

a Portaria _________________________ do IBAMA e a Lei no 5.197/67.

Apresenta, em anexo, todas as informações e documentos exigidos para a aprovação desta

Carta-consulta.

Atenciosamente,

Local, ________________________ de _______________ de ________

______________________________________
assinatura do interessado/representante legal

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.88-92, jan./fev. 2000


92 Agropecuária e Ambiente

ANEXO B – MODELO DE REQUERIMENTO

Ao Sr. (a)

Representante do IBAMA em __________________ (Estado da Federação)

__________________________________________________________ (nome da empresa),


constituída pelo(s) sócio(s) _________________________________________________________ (para pessoa

jurídica) ______________________________________________________________ com propriedade/sede

localizada na _______________________________________________________________ (Rodovia, Estrada,

Rua, etc.) no município de ________________________________________________________, quer registro

junto ao IBAMA como comerciante dos Espécimes da Fauna Silvestre Brasileira e Exótica, Partes e Produ-

tos/Indústria/Beneficiamento de Animais Abatidos, Partes e Subprodutos da Fauna Silvestre Brasileira e Exótica

da(s) espécie(s), ______________________________________________________________________ (nome

científico e nome popular), conforme preceitua a Portaria no _________________.

Para tanto, declara estar ciente de toda a Legislação que regulamenta o assunto, em especial

a Portaria _________________________ do IBAMA e a Lei no 5.197/67, com suas alterações introduzidas pela Lei

7.653/88 e 9.111/95.

Apresenta, em anexo, todas as informações e documentos exigidos para a aprovação do

Registro.

Atenciosamente,

Local, ________________________ de _______________ de ________

______________________________________

assinatura do interessado/representante legal

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.88-92, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 93

Princípios de agrossilvicultura como


subsídio do manejo sustentável
Renato Luiz Grisi Macedo 1
Nelson Venturin2
Antônio de Arruda Tsukamoto Filho 3

Resumo - Os sistemas agroflorestais apresentam os princípios básicos que alicerciam o


seu manejo sustentável, a sua classificação, com suas vantagens e desvantagens e
ainda realçam suas limitações e potenciais de utilização. Enfim, esses sistemas podem
ser protótipos alternativos de sustentabilidade, pois estão alicerçados em princípios
econômicos de utilização racional dos recursos naturais renováveis, sob exploração
ecologicamente sustentável, e são capazes de gerar benefícios sociais, porém, sem
comprometer o potencial produtivo dos agroecossistemas, ou seja, harmonizam-se
aos fundamentos de que o desenvolvimento sustentável é aquele que atende às ne-
cessidades do presente, sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras
também atenderem às suas próprias necessidades.

Palavras-chave: Sistemas agroflorestais; Sustentabilidade; Agroecossistemas.

INTRODUÇÃO sustentável, é de fundamental importância desertificação e salinização do solo.


o conhecimento de seus princípios básicos O avanço da agricultura de monocul-
A exploração racional dos recursos
de manejo, suas vantagens e desvanta- tivo e da pecuária, em busca de novas áreas
naturais produtivos passou a ter maior
gens, potencialidades e limitações de utili- para plantio e formação de pastagens, em
destaque e importância nos últimos anos,
zação. várias regiões do Brasil e do mundo, é con-
em virtude da crescente preocupação mun-
Neste enfoque, o presente artigo tem siderado uma das principais fontes cau-
dial com a preservação/conservação do
por objetivo discutir os princípios básicos sadoras da degradação dos recursos na-
meio ambiente. A exploração sustentável
que alicerciam o manejo sustentável dos turais; decorrente de técnicas agrícolas
dos recursos naturais deixou de ser uma
SAFs, a fim de fornecer informações essen- inadequadas e incompatíveis com o desen-
visão utópica, para se tornar uma necessi-
ciais para assegurar e facilitar o entendi- volvimento sustentável de exploração des-
dade básica e essencial do desenvolvi- ses recursos.
mento e a avaliação das potencialidades e
mento tecnológico, uma vez que pode ga- O desenvolvimento define-se como as
importância desses sistemas para o desen-
rantir o potencial produtivo desses recur- modificações da biosfera e a aplicação dos
volvimento sustentável do meio rural bra-
sos e manter a expectativa de vida destas e recursos humanos, financeiros, vivos e ina-
sileiro.
das gerações futuras. nimados, que visam à satisfação das neces-
Os sistemas agroflorestais (SAFs) são sidades humanas e à melhoria da qualidade
considerados como uma das alternativas SUSTENTABILIDADE DOS
de vida do homem. De acordo com a Co-
de uso dos recursos naturais que normal- SISTEMAS AGROFLORESTAIS
missão Mundial Sobre Meio Ambiente e
mente causam pouca ou nenhuma degra- Macedo & Camargo (1994) estimam Desenvolvimento (Nosso... 1991), o desen-
dação ao meio ambiente, principalmente que o mundo perdeu desde a metade deste volvimento sustentável é o conjunto de
por respeitarem os princípios básicos de século, um quinto das florestas tropicais e ações que geram processos de transforma-
manejo sustentável dos agroecossistemas. uma quinta parte da superfície terrestre ções na exploração dos recursos naturais,
Entretanto, para que os SAFs passem cultivável. A cada ano são perdidos 20 mi- na direção dos investimentos e na orienta-
a ser considerados definitivamente como lhões de hectares de florestas e 25 milhões ção do desenvolvimento tecnológico com
sistemas que visam o desenvolvimento de toneladas de húmus por efeito da erosão, vistas a garantir a expectativa e o potencial

1
Engo Agro/Engo Florestal, Dr., Prof. UFLA, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras-MG.
2
Engo Florestal, Dr., Prof. UFLA, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras-MG.
3
Engo Florestal, Pós-Graduando Ciências Florestais UFLA, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras-MG.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.93-98, jan./fev. 2000


94 Agropecuária e Ambiente

de vida presente e das gerações futuras. principalmente através da utilização de normalmente, diminuem e distribuem os
A agrossilvicultura pode ser consi- espécies de usos múltiplos. O componente riscos de produção, maximizam os fatores
derada como a ciência que estuda os SAFs. arbóreo caracteriza os respectivos sistemas de produção, permitem a utilização mínima
Estes, por sua vez, apresentam-se como um e destaca-se como elemento básico, com de insumos adquiridos e das práticas cul-
conjunto de técnicas alternativas de uti- atribuições definidas dentro de cada asso- turais; automaticamente possibilitam ren-
lização dos recursos naturais nos quais, ciação. das adicionais. Em relação ao social, a di-
espécies florestais são utilizadas em asso- A presença de árvores confere alguns versificação de atividades, o aumento da
ciação com cultivos agrícolas e/ou animais efeitos benéficos que podem favorecer a demanda de mão-de-obra e a sua distri-
em uma mesma superfície. Essas combi- produtividade e a sustentabilidade dos buição uniforme durante o ano possibilitam
nações/associações/consorciações podem SAFs. No Quadro 1 são apresentados al- a fixação do homem no campo e ainda
ser instaladas e manejadas de maneira si- guns benefícios das árvores sobre os so- permitem melhorias das suas condições de
multânea/escalonada/seqüencial no tempo los, que normalmente são utilizados no vida pela diversidade de produção.
e no espaço e apresentar caráter temporário manejo desses sistemas. A seguir, são apresentados os princí-
ou permanente (MacDicken & Vergara, Os princípios ecológicos, sociais e pios básicos de sustentabilidade que orien-
1990, Combe & Budowski, 1979, Nair, 1986, econômicos, apregoados pela filosofia de tam o manejo dos SAFs.
Montagnini, 1992 e Combe, 1992). desenvolvimento sustentável, concreti-
Macedo (1992) considera que a estru- zam-se através do planejamento adequado Princípio ecológico
tura dos SAFs viabiliza os princípios de dos SAFs. Pois, os consórcios envolven- Segundo Macedo (1993), os SAFs ba-
manejo sustentável dos ecossistemas, do espécies agrícolas/animais/florestais, seiam-se no princípio ecológico denomina-

QUADRO 1 - Possíveis efeitos benéficos das árvores sobre os solos

Processos Efeitos benéficos

Produção de biomassa Adição de matéria orgânica

Fixação de nitrogênio Aumento do conteúdo de nitrogênio

Proteção contra erosão hídrica e eólica Redução da perda de solo e de nutrientes

Absorção/reciclagem/ liberação de nutrientes Absorção em camadas profundas do solo e reposição na superfície pela queda de folhas, frutos
e galhos; conservação de nutrientes que poderiam ser lixiviados; liberação de nutrientes gra-
dativamente, no momento requerido pelas culturas

Processos físicos Melhora as propriedades físicas do solo, principalmente quanto à capacidade de retenção de
água e infiltração

Aumento no crescimento e proliferação de raízes Aumento da biomassa de raízes; promove associações microbianas

Qualidade e dinâmica da serrapilheira Melhora a qualidade e a dinâmica da serrapilheira mediante a maior diversidade de espécies e
das práticas de manejo adotadas

Modificação do microclima Criação de microclima favorável ao crescimento e desenvolvimento de espécies florestais,


animais e organismos microbianos

Processos bioquímicos e biológicos Moderação de efeitos em condições de extrema acidez, alcalinidade e outras condições
desfavoráveis existentes nos solos

FONTE: Dados básicos: Nair, citado por Montagnini (1992).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.93-98, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 95

do Biodinâmica da Sobrevivência, que oti- tudo daqueles facilmente lixiviados como uniforme durante o ano (os tratos culturais
miza o máximo aproveitamento da energia cálcio (Ca), potássio (K) e enxofre (S). O e colheita ocorrem em épocas diferentes e
solar vital, através da multiestratificação cultivo consorciado tem a vantagem de não são as mesmas para as diversas cul-
diferenciada de uma grande diversidade de retirar estes nutrientes das camadas mais turas), e da melhoria das condições de vida
espécies de usos múltiplos, que exploram profundas do solo e devolvê-los à superfí- conferido pela diversidade de produção
os perfis vertical e horizontal da paisagem, cie pela queda das folhas e ramos das espé- (produtos agrícolas, florestais e animais).
visando à utilização e recirculação dos cies arbóreas, os quais tornam-se nutrientes Os sistemas agroflorestais, quando
potenciais produtivos dos ecossistemas. disponíveis às plantas após a decomposi- comparados aos monocultivos, normal-
A sustentabilidade resulta da diver- ção da matéria orgânica e posterior mine- mente produzem maior número de serviços
sidade biológica promovida pela presença ralização. e produtos para o consumo humano. Con-
de diferentes espécies vegetais e/ou ani- Nos SAFs a utilização de espécies flo- ferido principalmente pela utilização de
mais, que exploram nichos diversificados restais que interagem simbioticamente com grande diversidade de espécies florestais
dentro do sistema. A diversidade de es- bactérias do gênero Rhizobium, contribui arbóreas e arbustivas, e pelas diferentes
pécies vegetais utilizadas nos SAFs forma para aumentar a quantidade de nitrogênio alternativas de consorciação com espécies
uma estratificação diferenciada do dossel no solo. São conhecidas cerca de 650 espé- agrícolas e/ou animais, a partir de uma mes-
de copas e do sistema radicular das plantas cies florestais arbóreas com capacidade de ma área de terra. Por exemplo, os quintais
no solo. fixação simbiótica de nitrogênio atmos- agroflorestais principalmente da região
As espécies arbóreas, normalmente por férico, das quais a maioria é leguminosa de amazônica são capazes de produzir até 40%
possuírem raízes mais longas que exploram origem tropical e subtropical. das necessidades caloríferas de uma família
maior volume de solo, são capazes de ab- Algumas das principais espécies flo- rural (Michon, 1983).
sorver nutrientes e água que os cultivos restais comumente utilizadas nos SAFs
agrícolas não conseguiriam, uma vez que, como fixadoras de nitrogênio são: gliricídia Princípio econômico
geralmente, suas raízes absorventes estão (Gliricidia sepium), leucena (Leucaena O princípio econômico dos SAFs bus-
concentradas na camada superior do solo, leucocephala), acácia-mângio (Acacia ca a sustentabilidade econômica, ao pro-
de 0 a 20cm de profundidade. m a n g i u m ) , c a l i a n d r a (C a l l i a n d r a duzir diferentes produtos ao longo do ano.
Em função da estratificação do sistema calothyrsus), ingá (Inga spp.), chumbinho A diversidade de produtos gera meca-
radicular das plantas nos SAFs, as raízes (Flemingia congesta) e eritrina (Erythrina nismos de compensação (produtos diversi-
exploram maior volume de solo, com isso a spp.). ficados em várias épocas do ano) capazes
competição entre os indivíduos diminui e a Existem estimativas de que até 500kg/ de colocar no mercado produtos de acordo
eficiência na retirada de nutrientes e água ha/ano de nitrogênio são fixados sim- com a demanda. Neste caso, a escolha das
do solo pelas plantas é diferenciada e au- bioticamente pela espécie Leucaena espécies utilizadas nos SAFs deve apoiar-
mentada. leucocephala. Já as espécies Gliricidia se em um estudo que vise detectar produtos
O dossel de copas formado pela diver- sepium, Erythrina spp. e Acacia spp. de maior aceitação e venda no mercado em
sidade de espécies vegetais proporciona podem fixar 31, 60 e 200kg/ha/ano de ni-
cobertura do solo através da deposição de determinadas épocas do ano. Dessa forma,
trogênio, respectivamente. A espécie ingá o agricultor fica protegido contra as quedas
camada densa de material orgânico, gerada (Inga jinicuil) em consórcio com cafeeiro
continuamente pela queda das folhas e ra- de preço de mercado, as quais nunca atin-
no México, produziu através da fixação sim- gem todos os produtos no mesmo momen-
mos das diferentes culturas. Isso aumenta biótica cerca de 40kg de N/ha/ano, o que
a proteção do solo contra a erosão, diminui to.
equivale a 53% da quantidade de ferti- O caráter perene dos SAFs diminui in-
o escorrimento superficial, promove maior lizante nitrogenado requerido pelo cafezal
tempo de infiltração de água, reduz a tem- vestimentos anuais pesados, principalmen-
(Copijn, 1988).
peratura do solo, aumenta a quantidade de te com preparo do solo, adubações e con-
A quantidade de nitrogênio (N) fixado
matéria orgânica e, conseqüentemente, me- trole de plantas invasoras. Neste caso, para
depende da espécie florestal, do potencial
lhora as suas propriedades químicas, fí- diminuição dos investimentos, devem-se
de bactérias do gênero Rhizobium no solo,
sicas e biológicas. considerar também alguns aspectos do
e das condições locais de implantação do
A estratificação do dossel de copas e a princípio ecológico dos SAFs, como a
sistema agroflorestal.
camada de material orgânico depositada reciclagem de nutrientes, a proteção contra
sobre a superfície do solo reduzem a inci- erosão do solo e o aproveitamento diferen-
Princípio social
dência direta de radiação solar que o atinge, ciado da luminosidade proporcionada pela
diminuindo a ocorrência de plantas inva- Os SAFs quando implantados em um estratificação das copas das árvores.
soras que são extremamente exigentes em determinado local ou região, possuem uma A diversidade de culturas gera maiores
luz. importante função social, a fixação do ho- oportunidades de emprego no meio rural,
Um aspecto que deve ser enfatizado, mem no campo através do aumento da pois necessita para o seu manejo de uma
refere-se à reciclagem de nutrientes, sobre- demanda de mão-de-obra e sua distribuição gama variada de mão-de-obra. E, a comer-
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.93-98, jan./fev. 2000
96 Agropecuária e Ambiente

cialização escalonada destes produtos h) amenizar os efeitos adversos dos em conta os aspectos funcionais e estrutu-
pode aumentar a renda do produtor rural. fatores de produção; rais como base para agrupar estes sistemas
O associativismo e a formação de coo- em categorias:
i) minimizar os processos erosivos;
perativas de produtores agroflorestais em
a) sistemas agrossilviculturais;
uma determinada região podem estimular a j) combinar a experiência rural dos
instalação de agroindústrias. A agroin- agricultores com o conhecimento b) sistemas silvipastoris;
dustrialização dos produtos agroflorestais científico. c) sistemas agrossilvipastoris;
na própria região de produção é uma forma
de se agregar valor a estes produtos, pro- CLASSIFICAÇÃO DOS SISTEMAS
Sistemas agrossilviculturais
porcionar aumento de renda aos produtores AGROFLORESTAIS
agroflorestais, gerar empregos e promover Caracterizados pela combinação de espé-
melhorias sociais no meio rural. A classificação tem como objetivo fa- cies florestais com espécies agrícolas. Exem-
Portanto, é incontestável que os prin- cilitar a análise dos SAFs. Para tanto, agru- plos: consórcios agroflorestais simples do
cípios básicos de manejo que regem os pam-se os sistemas que apresentam caracte- tipo cafeeiro (Coffea arabica) x freijó (Cordia
SAFs asseguram a essência de sustenta- rísticas semelhantes, para serem avaliados goeldiana) e seringueira (Hevea brasiliensis)
bilidade deles. Porém, para a plena consoli- entre si e para permitir a generalização dos x cafeeiro (Coffea arabica), ou mais com-
dação e expansão dos SAFs no Brasil, é seus resultados, bem como determinar o es- plexos, como se observa na Figura 39, que
necessária a existência de programas que tabelecimento de regras que possam nortear envolvem espécies agrícolas como pupunha
promovam, estimulem e financiem o asso- as atividades do setor. (Bactris gasipaes) e cupuaçu (Theobroma
ciativismo/cooperativismo agroflorestal Os SAFs têm sido classificados de di- grandiflorum) e espécies florestais como
regional e a instalação de microagroindús- ferentes maneiras, segundo sua estrutura ingá-cipó (Inga edulis), castanheira-do-
trias no meio rural. no espaço, seu desenho através do tempo, brasil (Bertholettia excelsa) e mógno
a importância relativa e a função dos dife- (Swietenia macrophylla).
OBJETIVOS DOS SISTEMAS rentes componentes, assim como os objeti-
AGROFLORESTAIS vos da produção e suas características so- Sistemas silvipastoris
ciais e econômicas.
Os SAFs têm por objetivo otimizar a Segundo Nair (1990), a classificação Caracterizados pela combinação de es-
produção por unidade de superfície, res- dos SAFs mais difundida é aquela que leva pécies florestais com plantas forrageiras
peitando sempre o princípio de rendimento
contínuo, principalmente através da con-
servação/manutenção do potencial pro-
dutivo dos recursos naturais renováveis
(conservação dos solos, recursos hídricos,
fauna e das florestas nativas).
Para que os SAFs atinjam o seu principal
objetivo, devem-se considerar como fun-
damentais para o sistema as seguintes
características:

a) manter-se sustentável;
b) conferir sustentabilidade aos siste-
mas agrícolas;
c) aumentar a produtividade vegetal e
animal;
d) direcionar técnicas para uso racional
do solo e água;
e) diversificar a produção de alimentos;
Figura 39 - Sistemas agrossilviculturais
f) estimular a utilização de espécies
FONTE: Dados básicos: Dubois et al. (1996).
para usos múltiplos;
NOTA: Espécies agrícolas em consórcio com várias espécies florestais.
g) diminuir os riscos do agricultor; M - Mogno; I - Ingá-cipó; C - Cupuaçu; K - Castanheira-do-brasil; P - Pupunha.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.93-98, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 97

herbáceas e animais. A Figura 40 exempli- de animais em consórcios com culturas VANTAGENS E DESVANTAGENS
fica um sistema silvipastoril de arborização agrícolas e florestais. Como exemplo na DOS SISTEMAS AGROFLORESTAIS
de pastagens com árvores para sombra e Figura 41, tem-se um sistema agrossilvipas-
O manejo adequado da composição e a
alimentação dos animais. toril formado pela espécie florestal pinus
estrutura dos SAFs permitem potencializar
(Pinus spp.), as espécies agrícolas de feijão algumas das suas vantagens intrínsecas,
Sistemas agrossilvipastoris (Phaseolus vulgaris) e de milho (Zea mays) principalmente aquelas relacionadas com
e, posteriormente, a inclusão do compo- os aspectos biológicos e físicos:
Caracterizados pela criação ou manejo nente animal (gado). a) apresentam similaridades muito pró-
ximas aos padrões ecológicos natu-
rais de estratificação e diversificação
das espécies na natureza;
b) possibilitam melhor utilização dos
perfis da paisagem e da energia so-
lar;
c) favorecem a recirculação mais efi-
ciente dos nutrientes no ecossis-
tema;
d) diminuem a ação danosa do vento;
e) permitem um controle eficiente dos
processos erosivos e um maior ren-
dimento nas adubações;
f) estimulam os mecanismos de con-
trole biológico pela maior diversi-
ficação de espécies;
g) possibilitam a fixação e incorporação
de nitrogênio ao ecossistema, com a
Figura 40 - Combinação de árvores com animais no sistema silvipastoril utilização de leguminosas;

Figura 41 - Representação esquemática de um sistema agrossilvipastoril com pinus (Pinus spp.), feijão (Phaseolus vulgaris), milho (Zea
mays) e gado
NOTA: Sistema muito utilizado na Região Sul/Sudeste do Brasil.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.93-98, jan./fev. 2000


98 Agropecuária e Ambiente

h) produzem maior biomassa por uni- utilização racional dos SAFs estão neces- 1979, Turrialba. Actas... Turrialba: CATIE,
dade de área. sariamente ligados às seguintes carências: 1979. p.17-48.
estudos econômicos que comprovem sua COPIJN, A.N. Agrossilvicultura sustentada
Porém, no planejamento dos SAFs, al-
viabilidade econômica; pessoal técnico por sistemas agrícolas ecologicamente
guns fatores limitantes deverão também ser eficientes. Rio de Janeiro: PTA-Coor-
ponderados: qualificado para promover a instalação e o denação Nacional, 1988. 46p.
manejo adequado de SAFs e divulgação
a) pode ocorrer competição das árvo- DUBOIS, J.C.L.; VIANA, V.M.; ANDERSON,
técnica de suas potencialidades junto aos A.B. Manual agroflorestal para a Ama-
res por luz, nutrientes e água;
organismos responsáveis pela definição zônia. Rio de Janeiro: REBRAF, 1996. v.1.
b) riscos de influências alelopáticas en- das prioridades da política florestal bra- MACDICKEN, K.G.; VERGARA, N.T. (Ed.).
tre os componentes; sileira. Agroforestry: classification and mana-
c) a maior umidade relativa do ar pode gement. New York: John Wiley, 1990. 382p.
favorecer o surgimento de enfermi- CONCLUSÃO MACEDO, R.L.G. Conservação e utilização
dades; sustentável da biodiversidade tropical através
A evolução dos modelos atuais de agri- de sistemas agroflorestais. In: ENCONTRO
d) a exploração das árvores pode cau-
cultura para sistemas mais intensivos de NACIONAL DE ESTUDOS SOBRE O MEIO
sar danos aos demais componentes; AMBIENTE, 4, 1993, Cuiabá. Anais...
uso do solo só pode ser realizada de forma
e) pode ser dificultada a mecanização gradativa, sem grandes modificações no Cuiabá: UFMT, 1993. p.245-250.
das atividades; sistema tradicional. Qualquer sistema al- MACEDO, R.L.G. Sistemas agroflorestais com
f) pode ocorrer excessiva exportação ternativo para ser bem-sucedido deve en- leguminosas arbóreas para recuperar áreas
degradadas por atividades agropecuárias. In:
de nutrientes com as colheitas. volver, em nível de agricultor, o plantio de SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE RECUPE-
Em relação aos aspectos econômicos/ culturas alimentares de subsistência e co- RAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS, 1,
sociais advindos da exploração dos SAFs, mercial, capaz de induzir um processo de 1992, Curitiba. Anais...Curitiba: UFPR/
captação em benefício do produtor rural. FUPEF, 1992. p.136-147.
Montagnini (1992), destacam-se as seguin-
tes vantagens: Para obter uma maior diversidade de MACEDO, R. L. G.; CAMARGO, I. P. Siste-
espécies e multiestratificação na ocupação mas agroflorestais no contexto do desen-
a) as árvores constituem um “capital volvimento sustentável. In: CONGRESSO
dos perfis da paisagem, convém promover
em pé” (seguro); BRASILEIRO SOBRE SISTEMAS AGRO-
nas áreas cultivadas a introdução de es- FLORESTAIS, 1; ENCONTRO SOBRE SIS-
b) evitam-se os riscos dos monocul- pécies madeireiras de crescimento rápido TEMAS AGROFLORESTAIS NOS PAÍSES
tivos (sazonalidades de preços, cli- com alto valor comercial e uma maior di- DO MERCOSUL, 1, 1994, Porto Velho.
ma, pragas e doenças); fusão de culturas agrícolas perenes. Anais... Colombo: EMBRAPA-CNPF,
c) permitem a eliminação de algumas 1994. v.2: Trabalhos voluntários, p.43-49.
Inserido neste contexto, acredita-se que
(EMBRAPA-CNPF. Documentos, 27).
práticas culturais; os SAFs apresentam-se como protótipos
MICHON, F. Village-forest-gardens in west Java.
d) não provocam mudanças drásticas alternativos de sustentabilidade, pois estão
In: HUXLEY, P.A. (Ed.). Plant research
no sistema tradicional; alicerçados em princípios econômicos de and agroforestry. Nairobi, Kenya: ICRAF,
e) a demanda de mão-de-obra é pouco utilização racional dos recursos naturais 1983. p.13-24.
afetada; renováveis, sob exploração ecologicamen- MONTAGNINI, F. (Coord.). Sistemas agroflo-
te sustentável. E, são capazes de gerar be- restales: princípios y aplicaciones en los tro-
f) permitem maior flexibilidade para a picos. San José, Costa Rica: IICA, 1992. 622p.
nefícios sociais, porém, sem comprometer
distribuição da mão-de-obra;
o potencial produtivo dos ecossistemas, NAIR, P.K.R. Sistemas e práticas agroflorestais:
g) normalmente exigem menor controle ou seja, harmonizam-se aos fundamentos aplicações no uso múltiplo das florestas. In:
fitossanitário (menor custo); de que o desenvolvimento sustentável é CONGRESSO FLORESTAL BRASILEIRO, 5,
1986, Olinda. Anais...Olinda: SBF/SBEF,
h) confere maior eficiência no aprovei- aquele que atende às necessidades do pre- 1986.
tamento dos insumos. sente, sem comprometer as possibilidades
NAIR, P.K.R. The prospects for agroforestry
Por esse prisma, destacam-se como li- de as gerações futuras também atenderem in the tropics. Washington: World Bank,
mitações os seguintes aspectos: às suas próprias necessidades. 1990. 77p.
a) o manejo dos SAFs é mais complexo; NOSSO futuro comum. Rio de Janeiro: FGV/
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
b) certos sistemas ocupam mais mão- COMBE, J. Agroforestry techniques in tropical Desenvolvimento, 1991. 430p.
de-obra em seu manejo; countries potential and limitations. Agrofo-
OLIVEIRA, A.D. de; MACEDO, R.L.G.; SILVEI-
c) a recuperação econômica dos inves- restry Systems and International Jour-
RA, V. de P. Análise econômica de um sistema
nal, Boston, v.1, p.37-51, 1992.
timentos pode demorar mais tempo. agrossilvopastoril rotativo com Eucalyptus.
COMBE, J.; BUDOWSKI, G. Classification de las In: SIMPÓSIO INTER-NACIONAL SOBRE
De acordo com Oliveira et al. (1996), vá-
tecnicas agroforestales una revision de lite- ECOSSISTEMAS FLORESTAIS, 4, 1996,
rios autores consideram que os principais ratura. In: TALLER SISTEMAS AGRO- Belo Horizonte. Anais... FOREST’96. Belo
fatores limitantes para a plena expansão e FORESTALES EN AMERICA LATINA, 1, Horizonte: BIOSFERA, 1996. p.91.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.93-98, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 99

Sistemas de informação geográfica


na avaliação de impactos ambientais provenientes
de atividades agropecuárias
Helena Maria Ramos Alves 1
Tatiana Grossi Chquiloff Vieira2
Helcio Andrade 3

Resumo - Os Sistemas de Informação Geográfica (SIGs) desenvolveram-se como resul-


tado da necessidade de armazenar e processar volumes cada vez maiores de dados
sobre a Terra e solucionar questões ambientais cada vez mais complexas. O domínio
de aplicação destes sistemas tem-se ampliado, acompanhando a evolução dos dispo-
sitivos de coleta de dados e das facilidades computacionais. É abordada a aplicação do
SIG para a avaliação de impactos ambientais provenientes da atividade agropecuária.
Explica-se também, o que é um SIG, são esclarecidos alguns dos conceitos empregados
nesta metodologia, listados seus componentes principais e mostrados como estes
sistemas são usados na criação de modelos computacionais do mundo real. E ainda, o
que um SIG pode fazer, com exemplos de alguns dos processos de análise espacial mais
típicos contrapondo com as dificuldades existentes. Também são abordadas as aplicações
do SIG relacionadas com a análise ambiental, com ênfase para o planejamento de
microbacias hidrográficas e a avaliação da aptidão agrícola das terras e um alerta sobre
aspectos de qualidade dos produtos gerados por este sistema.
Palavras-chave: Geoprocessamento; Sistemas de Informação Geográfica; SIG;
Planejamento ambiental.

INTRODUÇÃO ções sobre o planeta levou à utilização de do sua popularização. Vêm-se tornando
computadores para a manipulação destes essenciais para a análise e transferência de
A observação e a representação da su-
dados e ao desenvolvimento de sistemas conhecimentos sobre o mundo e, no mo-
perfície terrestre são partes importantes na
automatizados sofisticados, que são co- mento, é difícil encontrar um órgão de ma-
organização das sociedades. Vivemos em
nhecidos como Sistemas de Informação peamento ou gerenciamento de recursos
um mundo de natureza espacial, lidando
Geográfica (SIGs). Os primeiros SIGs foram naturais que opere sem um SIG ou que não
diariamente com um complexo conjunto de
desenvolvidos na década de 60 por agên- esteja contemplando a implantação de um
interações espaciais e tomando regular-
cias governamentais, como resultado da desses sistemas (Burrough, 1986 e Calijuri,
mente, de maneira intuitiva, decisões que
necessidade premente de lidar com ques- 1995).
envolvem conceitos de distância, direção
e localização relativa. No passado, infor- tões ambientais complexas. Um dos pionei-
mações espaciais eram coletadas por guer- ros foi o Sistema de Informação Geográfica O QUE É UM SISTEMA DE
reiros, navegadores e exploradores e re- do Canadá (CGIS), idealizado para proces- INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA
presentadas graficamente pelos antigos sar a imensa quantidade de dados criados (SIG)
cartógrafos através de mapas. Na era mo- pelo inventário de terras daquele país. Tem havido tantas tentativas de explicar
derna, a necessidade de armazenamen- Atualmente, os SIGs são o resultado de o que é um SIG, que fica difícil se chegar a
to, análise e apresentação de um volume mais de três décadas de evolução e inúme- uma única definição. Isto deve-se, em parte,
cada vez maior e mais complexo de observa- ras inovações tecnológicas têm favoreci- ao fato de que estas definições são influen-

1
Enga Agra, Ph.D., Pesq. EPAMIG-CTSM, Caixa Postal 176, CEP 37200-000 Lavras-MG.
2
Enga Agra, M.Sc., Pesq. EPAMIG-CTSM, Caixa Postal 176, CEP 37200-000 Lavras-MG.
3
Engo Agro, D.Sc., Prof. Tit. UFLA, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras-MG.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.99-109, jan./fev. 2000


100 Agropecuária e Ambiente

ciadas pela formação de seus autores e fenômenos aos quais está associada algu- comprometer usos futuros do SIG
reflete a multiplicidade de usos e visões ma dimensão espacial. O SIG utiliza uma (Aronoff, 1989 e Câmara et al., 1996).
possíveis desta tecnologia, bem como a classe particular de dados espaciais, ou Existe uma grande variedade de fon-
perspectiva interdisciplinar de sua utili- seja, os georreferenciados ou geográficos. tes de dados espaciais, mas estes podem
zação. Algumas são concisas, porém mais Estes dados são aqueles que descrevem ser enquadrados em primários e secundá-
superficiais, como por exemplo a de Rhind fatos, objetos e fenômenos do globo ter- rios. Dados primários são inéditos, ou seja,
(1987): “SIG é um sistema computacional restre associados à sua localização sobre a aqueles coletados diretamente pelo próprio
para armazenar e usar dados que descre- superfície terrestre, num certo instante ou indivíduo para o projeto em questão e são
vem lugares na superfície terrestre”. Outras, período e possuem três dimensões: tem-
normalmente resultantes de levantamentos
mais completas, como a de Burrough (1986): poral, temática e espacial. A característica
de campo. Dados secundários são aque-
“um conjunto de ferramentas para coletar, temporal indica quando foram coletados.
les que foram coletados por alguma outra
armazenar, recuperar, transformar e mostrar Características temáticas são normalmente
pessoa ou organização e que estão nor-
dados espaciais sobre o mundo real para referidas como atributos e são associadas
malmente publicados como mapas, dados
um conjunto particular de objetivos”, dão aos elementos espaciais para fornecer
censitários e de sensoriamento remoto,
uma melhor idéia do que é um SIG, bem informação adicional sobre os mesmos. A
como fotografias aéreas e imagens de sa-
como do que ele pode fazer. Apesar das localização geográfica, por outro lado, é
télite.
diferenças, é possível observar que as de- uma característica inerente à informação e
Todas as fontes de dados espaciais,
finições dos SIGs evidenciam três compo- indispensável para sua análise.
incluindo os mapas, são normalmente me-
nentes principais, a seguir: Para serem usados pelo SIG, os dados
nores que a realidade que eles representam.
precisam de uma referência espacial mate-
a) são sistemas automatizados, ou seja, Sendo assim, a escala é informação obri-
mática. Um objeto geográfico qualquer,
operados por computadores. Isto gatória, pois ela é a razão entre a distância
como um rio ou uma montanha, somente
implica hardware (que incluem os no mapa e a distância correspondente no
poderá ser localizado se puder ser descrito
componentes do próprio compu- terreno. A escala de 1 para 50.000 (notação
em relação a outros objetos cujas posições
tador bem como seus periféricos tais 1:50.000 ou 1/50.000), por exemplo, indica
sejam previamente conhecidas, ou se tiver
como plotadoras, impressoras, que uma unidade de medida no mapa eqüi-
sua localização determinada em uma rede
scanners etc.), software (que são os vale a 50.000 unidades da mesma medida
coerente de coordenadas. Existem vários
programas e aplicativos que operam sobre o terreno. Ou seja, 1cm no mapa
sistemas de referenciamento, mas estes
estas máquinas), e procedimentos corresponde a 50.000cm ou 500m no ter-
podem ser divididos em dois grandes
apropriados (ou seja, técnicas e mé- reno. Como são geralmente representa-
grupos (Heywood et al., 1998):
todos para implementar as tarefas das por uma fração, uma escala 1:100.000
desejadas); a) sistemas de coordenadas geográ- é menor que uma escala de 1:20.000.
ficas ou terrestres, nos quais cada Assim, a informação geográfica é
b) foram desenhados para usar dados
ponto da superfície terrestre é loca- compreendida como sendo um dado ou
espaciais, também designados como
lizado na interseção de um paralelo conjunto de dados representativos de
dados geográficos;
com um meridiano, sendo sua re- fenômenos físicos ou sociais, o qual pos-
c) podem realizar várias operações de presentação dada por um valor de sui uma relação direta de localização com
manipulação e análise nestes dados. latitude e longitude; um ponto ou porção da superfície terrestre
Neste ponto é preciso fazer uma dife- b) sistemas de coordenadas planas ou e está inserido em um contexto particular.
renciação entre dado e informação, apesar cartesianas, que se baseiam em um Um SIG pode então ser definido como
destes termos serem muitas vezes usados conjunto de linhas eqüidistantes e um conjunto organizado de equipamentos
como sinônimos. Dados são observações retangulares, que formam uma grade de computação, programas aplicativos e
que fazemos ao monitorar o mundo real. ou quadrícula sobre a qual o fenôme- dados georreferenciados, projetado para
São coletados como fatos ou evidências, no geográfico é determinado e grafi- capturar, armazenar, manipular, analisar e
que podem ser processados para adqui- camente representado. É também apresentar visualmente todas as formas de
rirem significado e desta forma tornarem- necessário um sistema de projeção informações geográficas, para um objetivo
se informação. É mais fácil pensarmos sobre cartográfica, que pode ser entendido ou aplicação específica. Deste modo, o SIG
eles como números listados em uma tabela. como um método de transformação é um sistema usado para agregar valor a
Para entender e analisar a tabela é neces- de dados sobre a superfície da terra, dados espaciais. Ao permitir que os dados
sário saber a que se referem e em que escala para a superfície plana de um mapa. sejam organizados e consultados eficien-
ou unidade de medida foram coletados e O sistema de referenciamento é im- temente, integrados com outros conjuntos,
expressos. Com estes detalhes tornam-se prescindível e deve ser considera- analisados e com novos dados que, por
informação, ou seja, dados com significado do previamente na elaboração de sua vez, possam ser reutilizados pelo sis-
e contexto adicionados (Hanold, 1972). qualquer projeto, pois a escolha tema, o SIG cria informação de grande
Dados espaciais são os que descrevem de um sistema inadequado pode utilidade para planejadores e tomadores de
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.99-109, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 101

decisão, podendo ser empregado no plane-


Recuperação de dados e
jamento da conservação ambiental, para questões de gerenciamento
indicar as várias alternativas existentes Manipulação de dados Análise de dados
conforme ilustrado na Figura 42.
Entrada de dados Transformação de dados
e modelagem
Componentes de um SIG
Existe tanto debate sobre os compo- Fontes de dados Usuário

nentes de um SIG, quanto sobre a sua


definição. Alguns autores enfatizam a im- Coleta de dados Tomada de decisão
portância de um elemento em detrimento
de outro e, normalmente, os componentes: Levantamento Validação
equipamento, software e banco de dados
são mais mencionados que pessoal e ins- Mundo real
tituição. Na prática todos os elementos são
igualmente importantes, pois nenhum SIG
Figura 42 - Sistemas de Informações Geográficas como ferramenta de planejamento
existe fora de um contexto organizacional,
FONTE: Valenzuela (1991).
onde haja pessoas capacitadas a planejar,
implementar e operar o sistema, bem como
tomar decisões com os resultados obti-
dos. Monitor gráfico
Os principais componentes de hardware
estão na Figura 43. Com relação aos equipa-
a
mentos, Burrough (1986) lista os elementos or
e ss
essenciais para uma operação eficiente: pr
Im
a) presença de um processador com
capacidade suficiente para rodar o
programa; Mesa
digitali Computador
zadora
b) memória suficiente para armazena-
er
Plott
mento de grandes volumes de da-
dos; Figura 43 - Hardware necessário para a operacionalização de SIG desenvolvido para PC
c) monitor gráfico colorido de boa qua- NOTA: Weir (1991).
lidade e alta resolução;
d) periféricos para aquisição, entrada e
saída de dados (mesas digitaliza-
doras, scanners, impressoras, plota- Imagens Imagens
doras etc.). Subsistema
Subsistema Subsistema de
O software é geralmente composto
de de Análise,
pelos seguintes módulos básicos repre- Mapas Entrada Manejo do Modelagem e Mapas
sentados na Figura 44 (Valenzuela, 1991): de Banco de Saída de
Relatórios Dados Dados Dados Relatórios
a) um subsistema para entrada e veri-
Tabelas Tabelas
ficação de dados;
b) um subsistema de armazenamento e
recuperação de dados espaciais nu-
ma forma que possibilita um acesso Raster Vector Atributos
eficiente aos dados;
c) um subsistema de manipulação e
transformação, que permita analisar
e gerar dados derivados;
Bancos de Dados Geográficos
d) um subsistema para apresentação
dos dados tanto na forma tabular Figura 44 - Representação esquemática de um SIG
como gráfica. NOTA: Valenzuela (1991).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.99-109, jan./fev. 2000


102 Agropecuária e Ambiente

No centro de qualquer discussão de- a) nível do mundo real: contém os ele- sional, que pode ser utilizado para repre-
vem estar a natureza dos dados utilizados mentos a serem modelados como por sentar elementos reais e foram desen-
e a atenção dispensada ao armazenamento, exemplo rios, solos, declividade, rede volvidos pelos cartógrafos como forma de
processamento e interpretação desses da- viária etc.; representar elementos tridimensionais nas
dos. Isto porque a entrada e manejo de b) nível conceptual: neste nível deter- duas dimensões de uma folha de papel.
dados, bem como sua atualização, são minam-se as classes básicas que Além destes três símbolos básicos, os SIGs
freqüentemente os componentes mais ca- deverão ser criadas no banco de da- utilizam duas outras formas de represen-
ros e que consomem maior tempo em qual- dos, definem-se as operações e a tação: a superfície e a rede.
quer projeto de geoprocessamento (aproxi- linguagem de manipulação dispo- Superfícies são utilizadas para repre-
madamente 80% da duração de qualquer níveis para o usuário; sentar fenômenos que variam de forma
projeto em larga escala). Aronoff (1989) contínua no espaço. O termo modelo nu-
c) nível de representação: associa as mérico de terreno (MNT) é utilizado para
estima que a construção de um grande ban-
classes identificadas no nível con-
co de dados geográficos custa entre cinco denotar a representação destas grandezas.
ceptual a classes de representações.
e dez vezes mais que o custo do software e Comumente associados à altimetria, tam-
Deve-se escolher entre uma repre-
dos equipamentos. É igualmente importante bém podem ser utilizados para modelar
sentação vetorial ou matricial, o que
lembrar que a qualidade das representa- outros parâmetros como teor de minerais
é muitas vezes ditado pelo software;
ções do mundo real criadas pelas técnicas ou propriedades do solo. As representa-
de geoprocessamento são diretamente de- d) nível de implementação (físico ou ções computacionais de mapas topográfi-
interno): definem-se padrões, for- cos são denominados de Modelos Numéri-
pendentes da qualidade dos dados dis-
mas de armazenamento e estruturas cos de Terreno (MNT). Esta representação
poníveis.
de dados para implementar as dife- pode ser feita através de grades retangu-
Representações rentes representações. lares, a partir das quais são geradas as ma-
computacionais da realidade No contexto do SIG, o mundo real é fre- trizes de altitude, ou através de grades
qüentemente modelado segundo duas triangulares, também conhecidas como
Os SIGs criam representações computa-
visões complementares: o modelo de cam- Triangulated Irregular Network (TIN), que
cionais de aspectos do mundo real. Cons-
pos (field model) e o modelo de objetos são estruturas topológicas vetoriais.
tituem uma visão simplificada, composta
(object model). O primeiro, ainda o mais Uma rede, por outro lado, é uma série
por dados e idéias de como elementos do
utilizado pela maioria dos SIGs, enxerga de linhas interconectadas ao longo da qual
mundo real interagem, sendo, portanto,
o mundo como uma superfície contínua, existe um fluxo de dados, objetos ou
modelos da realidade. Estes modelos simpli-
sobre a qual os fenômenos geográficos materiais. O conceito de rede refere-se
ficados contêm apenas os aspectos que o
variam. Esta visão enfatiza a descrição da geralmente às informações associadas a
projetista considera importantes para resol-
variação do fenômeno geográfico sem se serviços de utilidade pública, como água,
ver determinado problema, e seu objetivo luz e telefone, ou relativas a bacias hidro-
preocupar com a identificação de entidades
é melhorar a nossa compreensão dos pro- gráficas e rodovias. Operações típicas sobre
independentes. Já o modelo de objetos
blemas geográficos. rede são cálculo de caminho ótimo.
representa o mundo como uma superfície
De acordo com Heywood et al. (1998),
ocupada por objetos discretos e identifi-
o processo de simular a realidade por meio Representação matricial vs
cáveis, com geometria e características
do SIG envolve: vetorial
próprias (Câmara et al., 1996). A dicotomia
a) identificar os elementos espaciais do de modelagem de campos ou objetos se Conforme dito anteriormente, existem
mundo real que são de interesse no reflete, no nível de representação, no cha- dois modos básicos de representação de
contexto da aplicação desejada e mado debate raster versus vector. Campos dados geográficos no interior de um com-
escolher como representá-los no são freqüentemente representados no for- putador: o matricial ou varredura (raster
modelo conceptual; mato raster, ou seja, em uma matriz cujos ou grid cells) e o vetorial, representados
b) representar o modelo conceptual por elementos são unidades regulares do na Figura 45.
um modelo apropriado de dados espaço (células). Já um objeto geográfico A forma matricial (Fig. 46) consiste no
espaciais; é tipicamente representado no formato uso de uma malha quadriculada regular
vetorial. sobre a qual se constrói, célula a célula, o
c) escolher uma estrutura apropriada Os dados espaciais precisam ser sim- elemento a ser representado. Células indi-
de dados para armazenar o modelo plificados antes de armazenados no compu- viduais são usadas como elemento estru-
no computador. tador. Uma forma comum de fazer esta tural para a representação de pontos, linhas,
Vê-se, portanto, que nesta estratégia simplificação é representar estes elementos polígonos, redes e superfícies. Desta forma,
de modelagem, quatro níveis de abstração através de três entidades básicas: pontos, um ponto é representado por uma única
podem ser identificados (Câmara et al., linhas e áreas. Cada uma destas entidades célula, uma linha é um conjunto de células
1996): espaciais básicas é um modelo bidimen- vizinhas arranjadas numa determinada

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.99-109, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 103

direção e uma área é um aglomerado de


células. Vê-se, portanto, que o tamanho da
grade é muito importante e influencia o
modo como o elemento aparece. Como não
podem haver dois valores distintos para
uma mesma célula, atributos diferentes são
armazenados em arquivos separados. Ope-
rações típicas neste tipo de representação
MUNDO REAL são a sobreposição de matrizes, combinan-
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 Y 70 do os valores das células através de fun-
1 f f f e ções matemáticas, e a generalização, que é
2 f f f e 60
3 f f f e e FLORESTA a abstração de conjuntos de várias células
4 e 50
5 e u u u
adjacentes em uma única célula, cujo valor
6 e u u u 40 é calculado a partir dos valores das células
7 e u u u u ZONA URBANA
8 e 30
selecionadas.
9 e
10 e PINHEIROS De acordo com Valenzuela (1991) as
20
11 e p p ESTRADA principais vantagens do modelo raster são:
12 e p p p
13 e p p p 10
10 20 30 40 50 60 70
a) estrutura de dados simples;
RASTER VECTOR X b) overlay e combinação de mapas e
dados de sensoriamento remoto fá-
Figura 45 - Representação de dados nos modelos vetorial e matricial
cil;
FONTE: Dados básicos: Aronoff (1988), citado por Valenzuela (1991).
c) possibilidade de fazer facilmente
vários tipos de análise espacial;
d) simulação facilitada já que cada uni-
dade espacial tem a mesma forma e
tamanho.
Entre as desvantagens podem-se citar:
a) volume de dados gráficos muito
grande;
b) erros na estimativa de perímetros e
áreas;
c) ligações em rede difíceis de esta-
belecer;
d) aumento de tamanho da célula (gra-
de) para reduzir o volume de dados
pode ocasionar perda de precisão;
e) mapas produzidos menos precisos
e visualmente piores.
No formato vetorial, a representação de
um elemento ou objeto é uma tentativa de
reproduzi-lo o mais exatamente possível.
A linha é utilizada como unidade lógica
básica. Pontos são gravados como linhas
de comprimento zero, áreas ou polígonos
constituem linhas com os pontos inicial
e final coincidentes. A posição de cada
objeto é definida pela sua localização em
um espaço do mapa, organizado por um
sistema de coordenadas cartesianas. Além
das coordenadas, outros dados não-
Figura 46 - Estrutura do modelo raster espaciais (atributos) devem ser arquivados
FONTE: Dados básicos: Dangermond (1982), citado por Valenzuela (1991). para indicar de que tipo de ponto, linha ou
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.99-109, jan./fev. 2000
104 Agropecuária e Ambiente

polígono está-se tratando e também das de pontos a que se dá o nome de nó, o qual exemplos do modelo vetorial e da estrutura
ligações entre estes, a fim de que a rede de pode ser definido como o ponto de inter- topológica que é gerada para um mapa
linhas possa ser reconstituída pelo compu- seção entre duas ou mais linhas. As Figu- neste formato. Operações comuns neste
tador. Estas conexões baseiam-se no uso ras 47 e 48 mostram de forma simplificada, tipo de representação são operações topo-

Figura 47 - Modelo vetorial


FONTE: Dados básicos: Dangermond (1982), citado por Valenzuela (1991).

TOPOLOGIA TOPOLOGIA DOS


TOPOLOGIA DAS LINHAS
DOS NÓS POLÍGONOS
L6
NÓ NÓ POLÍGONO POLÍGONO
NÓ LINHAS LINHAS INICIAL FINAL ESQUERDO DIREITO LINHAS POLÍGONO

n1 L1, L7, L6 L1 n1 n2 E B L1, L7 A


E n2 L1, L2, L7 L2 n2 n3 E B L2, L4, L6, L7 B

B n3 L2, L3, L4 L3 n3 n4 E C L4, L3 C

E n4 L3, L4, L6 L4 n3 n4 B C L5 D

n6 n5 L5 L5 n5 n5 B D
L6 n4 n1 B E
n5
L7 n1 n2 A B
D
L7 L4
n2 n4
n1
A L2 C
n3
E
L1 L3

Figura 48 - Estrutura topológica


FONTE: Medeiros & Tomás (1994).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.99-109, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 105

lógicas (por exemplo adjacência, inclusão) consulta fixa ao menos um dos eixos e faz a) softwares distintos produzem mui-
e métricas (distância, área). variar os dados longo dos outros dois. Na tas vezes resultados diferentes: isto
O modelo vetorial também apresenta maior parte dos casos a dimensão temporal se deve ao fato de que SIGs diferen-
vantagens e desvantagens, algumas das é fixa, ou seja, os usuários delimitam o tes podem implementar as mesmas
quais são listadas a seguir (Valenzuela, conjunto de dados em relação a um deter- tarefas de formas distintas. Existem
1991): minado intervalo de tempo, como por exem- também diferenças ocasionadas pe-
plo: los diferentes formatos de armazena-
a) vantagens:
Quando + o quê Þ onde: descreve uma mento dos dados nos programas;
- estrutura de dados compacta;
localização ocupada por um ou vários fe- b) dificuldade em definir os critérios pa-
- exatidão gráfica; nômenos geográficos (o quê) em um dado ra tomada de decisões: definir clara-
- possibilidade de resgate, atualiza- intervalo de tempo (quando). Por exemplo: mente o problema e identificar todos
ção e generalização gráfica e de atri- Quais as áreas do estado de Minas Gerais os critérios relevantes são passos
butos; implantadas com café durante o Plano de cruciais na elaboração de um proje-
- largamente utilizada na descrição de Renovação da Cafeicultura na década de to em SIG. Os resultados que você
zonas administrativas. 70? vai obter serão influenciados pelas
b) desvantagens: Alguns exemplos dos processos de perguntas que você fizer. Se você
análise espacial típicos de um SIG estão não faz as perguntas certas não irá
- estrutura de dados complexa;
apresentados no Quadro 1. obter as respostas desejadas;
- tecnologia mais cara;
O grande apelo do SIG é que ele pode
- simulação dificultada em virtude da ser empregado como um sistema de su- c) restrições humanas no processo de
estrutura topológica; porte à decisão, ou seja, um programa que tomada de decisão: fatores humanos
- dificuldade no overlay de vários nos auxilia a tomar decisões. Reunir pes- tais como discernimento, percepção
mapas ou de mapas vetoriais e raste- soas para buscar a solução para um proble- do problema e treinamento também
rizados. ma comum é geralmente difícil. Técnicos influenciam na efetividade do uso
de formação distinta têm concepções di- do SIG como sistema de suporte à
O QUE UM SIG PODE FAZER ferentes sobre o mesmo problema. Desta tomada de decisão, visto que eles
forma, para uma mesma situação, um ecolo- auxiliarão na formulação de questões
Os SIGs foram desenhados para res- apropriadas.
ponder determinados tipos de perguntas, gista pode recomendar uma estratégia, um
que incluem questões sobre localização, engenheiro, uma segunda e um economis-
ta, uma terceira. Por meio do SIG, mapas e APLICAÇÕES DOS SIGs
padrões, tendências e condições. Conside-
rar estas perguntas nos ajudam a entender modelos simulados da realidade podem ser O domínio de aplicações em SIG está-
para que eles servem: usados para auxiliar especialistas com dife- se ampliando cada vez mais, acompanhan-
rentes formações a trocar idéias, comparar do a evolução dos dispositivos de coleta
a) Onde se encontram as áreas agricul-
diferentes cenários e possíveis soluções. de dados e as facilidades computacionais
táveis de uma determinada região?
Existem, contudo, alguns problemas em geral. De acordo com Silva & Carvalho
b) Onde deveriam ser implantadas áreas associados ao uso do SIG como ferramenta Filho (1995), os procedimentos em que o
de preservação ambiental? no processo de tomada de decisão que SIG é utilizado podem ser agrupados em
c) Quais seriam as implicações ambien- precisam ser equacionados (Heywood et procedimentos referentes ao diagnóstico
tais caso uma determinada decisão al., 1995, citados por Heywood et al., 1998): de situações existentes e de possível ocor-
fosse tomada?
Como se vê, não existe nada de novo
nestas perguntas. Contudo, muitas vezes QUADRO 1 - Exemplos de análises espaciais executadas pelo SIG
respostas não podiam ser encontradas em
Análise Pergunta geral Exemplo
função do grande volume de dados, do
tempo necessário para sua obtenção/pro- Condição O que está...? Quais os tipos de solo encontrados nesta microbacia?
cessamento ou mesmo da inexistência de Localização Onde está...? Quais as áreas com declividade acima de 25%?
técnicas para processamento destes dados.
É neste ponto que os SIGs nos ajudam. De Tendência O que mudou...? Quais os níveis de produtividade dos últimos 10 anos?
acordo com Câmara et al. (1996), as con-
Roteamento Por onde ir...? Qual é o melhor caminho para construir uma estrada?
sultas em SIG são geralmente compostas
ao longo de três eixos: onde, o quê e quan- Padrões Qual o padrão...? Qual é a distribuição de solos mecanizáveis?
do. Onde se refere a características espa-
ciais, enquanto o quê se refere às caracte- Modelos O que sucede caso...? Qual seria o impacto da mudança do uso da terra?
rísticas não espaciais ou temáticas. Cada FONTE: Dados básicos: Câmara et al. (1996).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.99-109, jan./fev. 2000


106 Agropecuária e Ambiente

rência e os procedimentos de prognose, mento e catalogação de perfis de solo e no originais do projeto.


nos quais são feitas previsões. No primeiro uso destas informações para a implemen- Comparando a área ocupada pela vege-
são realizados os levantamentos ou inven- tação de sistemas de informação de solos, tação nativa, antes da utilização agrícola
tários ambientais, que são modelos digitais que podem ser utilizados em estudos regio- da área, com a situação atual, Assad et al.
do ambiente, onde transformações dirigidas nais e locais voltados para a propriedade (1993) observaram que 75% da microbacia
podem ser executadas. Uma vez conhecida agrícola ou para a elaboração de grandes foi completamente devastada e ocupada
a dimensão física do fenômeno é preciso bancos de dados ambientais. Além do sis- principalmente por lavouras e pastagens,
obter informações sobre sua evolução ou tema pioneiro do Canadá, um outro bom o que pode ameaçar a manutenção dos re-
variação no tempo, o que é feito através do exemplo é o programa CORINE, que envol- cursos naturais. O estudo mostrou que
monitoramento ambiental. Usando regis- ve 12 países da Comunidade Européia e cerca de 58% da mata de galeria, consi-
tros de ocorrências passadas é possível tem como objetivo desenvolver um banco derada como cinturão de proteção dos ma-
melhorar nossa compreensão sobre a evo- de dados ambiental em escala continental. nanciais hídricos, sofreu desmatamento,
lução do fenômeno ambiental e utilizar este Sua criação foi uma reação aos problemas devendo, segundo estes autores, a primeira
conhecimento na previsão de possíveis de chuvas ácidas, conservação da nature- área ser recuperada no menor prazo pos-
ocorrências futuras. As avaliações podem za e conflitos relativos ao uso da terra na sível. Caso a recuperação não seja feita,
gerar dois tipos de mapeamentos: de risco Europa. Os trabalhos descritos a seguir são espera-se como impacto, o assoreamento
e potencial ambiental. Os mapas de risco exemplos que ilustram algumas das apli- do córrego e, a médio prazo, a redução da
mostram as limitações do ambiente a uma cações do SIG, envolvendo problemas am- oferta de água para abastecimento e irri-
ação interveniente, que pode ser antrópica bientais e a atividade agrícola. gação da microbacia.
ou natural. Um bom exemplo são os mapas Os outros três mapas, solos, uso atual
de risco de erosão de solos. O potencial Uso dos SIGs no e declividade, foram sobrepostos pelo
identifica a extensão e possível expansão planejamento de programa para a obtenção, após cruzar as
territorial de um processo ambiental. Incon- microbacias hidrográficas informações, do mapa de meio físico da
gruências no uso dos recursos ambientais O gerenciamento de recursos agrícolas microbacia. Realizar este mesmo cruza-
disponíveis bem como oportunidades eco- é uma área de destaque para os SIGs. Assad mento manualmente seria muito complexo.
nômicas podem ser reveladas pelo confron- et al. (1993) apresentam inúmeros exem- Com o auxílio do programa isto pode ser
to de mapeamentos de uso da terra com plos de aplicações na agricultura, tais como realizado automaticamente, num tempo
mapas de avaliação de um potencial. É o o zoneamento agrícola e a identificação de muito menor que o demandado por métodos
caso do cruzamento de um mapa de apti- épocas de estiagem. Estes autores também tradicionais de análise e com a obtenção
dão agrícola ou potencial turístico de uma descrevem o uso do SIG no planejamento de um produto final de maior precisão. Na
região com o mapa que mostre o uso atual de microbacias hidrográficas, considerada realidade, o overlay ou cruzamento de dife-
desta área. É possível também fazer-se o por eles mesmos como a unidade geográ- rentes planos de informação, ilustrado na
confronto entre diferentes potenciais ou fica ideal para o planejamento integrado do Figura 49, constitui uma das ferramentas
potenciais conflitantes. Um bom exemplo é manejo dos recursos naturais. mais vantajosas dos SIGs.
o cruzamento de mapas de potencial de A primeira etapa do trabalho é o diagnós- Com o objetivo de evitar a criação de
urbanização com mapas de potencial de uso tico da microbacia, obtido através das ca- um número muito grande de classes do
agrícola. Este conflito tem causado o desa- racterizações fisiográfica e sócio-econô- meio físico, algumas classes dos mapas
parecimento dos cinturões-verdes em torno mica. No exemplo descrito, a área de estudo originais dos três planos de informação
de grandes núcleos urbanos pelo cresci- selecionada foi a microbacia do córrego foram agrupadas. Este agrupamento foi
mento de loteamentos de caráter especula- Taquara, situada na porção NE do Distrito feito levando-se em consideração a seme-
tivo. Outros exemplos citados por Silva & Federal, com uma área de, aproximada- lhança das propriedades físico-químicas
Carvalho Filho (1995) são os conflitos entre mente, 4.350 ha, grande concentração de das classes envolvidas, ou seja, somente
potencial turístico e necessidade de prote- pequenos produtores, significativa pro- aquelas áreas que a princípio teriam o mes-
ção ambiental ou potencial agrário de uma dução de alimentos básicos e problemas mo tipo de manejo e conservação de solo e
área que esteja submetida à legislação de de erosão e outras formas de degradação água foram agrupadas. Foram discrimi-
proteção ambiental. Invasões de parques ambiental. A caracterização fisiográfica nadas, para toda a microbacia, 103 unida-
nacionais para criação de gado e atividades foi feita utilizando-se o SIG, neste caso o des de mapeamento. Algumas das classes
agrícolas são fatos comuns. A delimitação SGI/SITIM do Instituto Nacional de Pes- teoricamente previstas não ocorreram de
e a fiscalização destas ocorrências depen- quisas Espaciais (INPE). Os mapas de so- fato na microbacia. Por exemplo, é difícil
dem de mapeamentos que indiquem, por los, de declividade, de uso da terra e de imaginar a prática de uma lavoura numa
confronto, quais os locais em que o poten- vegetação nativa, na escala de 1:20.000, declividade superior a 18% e num solo do
cial agrário atrai ocupação econômica e foram os dados originais da microbacia tipo Areia Quartzosa. Portanto, estas 103
prejudica as necessidades de proteção. armazenados no sistema SGI. Estas cartas classes de meio físico correspondem às
SIGs também são usados no mapea- constituíram os planos de informações (Pis) classes efetivamente presentes na área de

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.99-109, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 107

Figura 50. Com base no levantamento de


solos da região (mapa e relatório) e cartas
plani-altimétricas, foram gerados 11 planos
de informação referentes aos fatores limi-
tantes, para a determinação do mapa de
aptidão agrícola no SGI. As unidades de
mapeamento do mapa de solos foram re-
classificadas com base nos dados de solo
e tabelas de conversão, para mostrar por
exemplo, disponibilidade de água na zo-
na de enraizamento (PI ÁGUA) e toxici-
dade de alumínio (PI TAL) entre outras. O
uso atual foi mapeado pela interpretação
de imagens do satélite Landsat-5. Com o
cruzamento destas informações via SGI,
obteve-se o mapa de taxas de adequação
de uso, mostrando que 17,5% da área de
estudo enquadravam-se nas classes baixa
ou inadequada, devido a usos mais inten-
sivos que os recomendados. O estudo
permitiu a Formaggio et al. (1992) con-
cluírem que as classes de aptidão agrícola,
em conjunto com as classes de uso da ter-
ra, mapeadas via imagens de satélite e cru-
Figura 49 - O conceito de overlay zadas através de SIGs, constituem exce-
NOTA: SIGs permitem a sobreposição/cruzamento de mapas distintos. lentes ferramentas para o monitoramento
periódico das taxas de adequação, que, por
sua vez, podem ser associadas a estudos
estudo. ativamente envolvida na preservação do de impacto ambiental.
De posse destas informações, adminis- ambiente. É importante salientar que uma A utilização de SIGs vem permitindo o
tradores, técnicos e produtores rurais po- vez criado o banco de dados, este pode e zoneamento de áreas de forma mais eficien-
dem planejar racionalmente, o uso e a con- deve ser complementado e atualizado pe- te, substituindo métodos tradicionais de
servação do solo e da água da microbacia. riodicamente, seja com a agregação de análise, quase sempre mais onerosos e de
Para tanto, o próprio sistema, com as infor- novos dados, seja com o refinamento das manipulação mais difícil (Sano et al., 1990,
mações já armazenadas, pode e deve ser informações já armazenadas, para que o citado por Assad, 1993). Segundo Assad
utilizado de acordo com as características monitoramento do uso e conservação dos (1993), a modificação rápida do uso do meio
sócio-econômicas locais. Podem, por exem- recursos da microbacia possa tornar-se físico, decorrente da intensificação e da
plo, ser estabelecidos critérios de agrupa- cada vez mais eficiente. modernização da agricultura, particular-
mento de classes do meio físico com o mapa mente em áreas de expansão de fronteira
das propriedades da microbacia. Diferentes Uso de SIGs para a agrícola, impõe a adoção de técnicas de
cenários de uso da terra podem ser simula- avaliação da aptidão avaliação e de diagnóstico que acompa-
dos e utilizados na avaliação dos impactos agrícola das terras nhem a dinâmica espaço-temporal do uso
ambientais e sócio-econômicos acarreta- Formaggio et al. (1992) apresentaram da terra. Por meio dos SIGs pode-se mo-
dos por estas possíveis mudanças. Estas uma sistemática de aplicação do SGI, do nitorar a variação de temas, obtendo-se
avaliações podem ser relacionadas com INPE, na determinação semi-automática da novos mapas com rapidez e precisão, a
impactos positivos decorrentes de medi- aptidão agrícola, a partir das informações partir da atualização dos bancos de dados.
das conservacionistas, como por exemplo, fornecidas por levantamentos de solos e Trata-se, portanto, de uma importante fer-
reconstituição da área de matas. Os resul- cartas topográficas e da avaliação compa- ramenta no estudo de potencialidades do
tados apresentados na forma de mapas, rativa com o uso atual, por meio do uso de meio ambiente. No caso específico da ava-
dados quantitativos e outros recursos vi- imagens de satélite, para a determinação liação da aptidão das terras para a agricul-
suais, constituem argumentos convin- da taxa de adequação das terras. tura, etapa importante para a definição de
centes junto a órgãos públicos, agentes A área de estudo correspondeu a 400 km2 práticas adequadas de manejo e conser-
financeiros e principalmente a própria na região do Leme (SP). O método empre- vação do solo e da água, os SIGs podem
comunidade local, que pode tornar-se mais gado seguiu o fluxograma mostrado na facilitar o trabalho de representação gráfica

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.99-109, jan./fev. 2000


108 Agropecuária e Ambiente

FASE (A) Disponibil. de Água FASE (B)

 Fixação de Fósforo Carta Classes de 


Mapa de PI
Plani- Declividade


ÁGUA Classes de
Solos Toxidade de Alumínio altimétrica

PI Declividade
FOSF
+ por Mancha

+  PI
TAL
Profundidade Efetiva
Mapa de  de Solo

 PI
Drenagem Interna Solo 

PROF
Relatótio
Técnico de
Disponibil. de Bases
PI
FASE (C)
14243
Laventamento
de Solos
DREN
PI FATORES • Relação Textural
BASE LIMITANTES • Transição Abrupta Erodibilidade
• Relação de Erosão
Mecanização
14243 • Permeabilidade
Interna PI
EROD
• Lançante
• Espessura do solo PI
MECA
PI • Encharcamento do
SOLO terreno
14243
FASE (D)
Vetor Raster

Construção do Arquivo de
Regras (Critério de
Cruzamento para Aptidão)

FASE (E) PI
Aptidão
Agrícola

IMAGEM
 Informações 
Informações 
+
+
DE
SATÉLITE  de Campo 
 de Campo  PI

Atualização
das Terras
LANDSAT Construção do Arquivo de
Regras (Critério de
SPOT Cruzamento para Adequação)

Taxa de
Adequação
de Uso

Figura 50 - Fluxograma do método empregado por Formaggio et al. (1992)

das classes e de atualização das informa- QUALIDADE DOS RESULTADOS formação para uma ampla gama de deci-
ções. Mas a sua maior contribuição parece DE UM SIG sões. É inevitável que exista um certo grau
ser o fato de minimizar a complexidade e o De acordo com Davidson (1992), para de incerteza associado a qualquer decisão,
grau de subjetividade de estimativas feitas concluir-se um capítulo sobre SIGs é im- mas o objetivo de utilizar-se da informação
a partir de cruzamentos realizados de for- portante discutir sobre alguns dos aspec- gerada pelo SIG é justamente reduzir esta
ma manual. Contudo, cabe ressaltar a ne- tos relacionados com a qualidade dos re- incerteza. Como não é possível eliminá-la
cessidade de dispor de bases cartográficas sultados, ou seja, dos produtos dos SIGs. completamente, as decisões deveriam ser
confiáveis ou, pelo menos, espacialmente Conforme comentado anteriormente, SIGs tomadas com o devido conhecimento do
ajustadas. são utilizados como forma de fornecer in- grau de incerteza associado, embora na
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.99-109, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 109

prática isto raramente aconteça. O grau de raster e outros mais. Em essência, o signifi- EMBRAPA- CPAC, 1993. Cap.4, p.89-108.
incerteza aceitável deveria ser considerado cado de qualidade para os produtos de um ASSAD, M.L.L. Sistema de informações geo-
no início do projeto, pois estas conside- SIG é expresso pela variação entre o resul- gráficas na avaliação da aptidão agrícola
rações exercem uma forte influência na tado e a fonte de informação – precisão, e de terras. In: ASSAD, E.D; SANO, E.E.
(Ed.). Sistema de informações geográ-
seleção da informação a ser incorporada entre o resultado e a realidade – exatidão. ficas: aplicações na agricultura. Brasília:
ao banco de dados, nos métodos de pro- É preciso estar atento a estes aspectos em EMBRAPA-CPAC, 1993. Cap.8, p.173-199.
cessamento destes pelo SIG e na resolução função, principalmente, da credibilidade BURROUGH, P.A. Principles of geographical
dos mapas resultantes. que converge dos produtos gerados por information systems. Oxford: Oxford
As possíveis fontes de erros associa- computadores. O processamento pelo SIG University Press, 1986. 193p.
das aos SIGs foram descritas por Burrough pode gerar uma degradação de dados que CALIJURI, M.L. Sistemas de informação geo-
(1986) e sumarizadas por Davidson (1992). muitas vezes não estará aparente no re- gráfica II. Viçosa: UFV, 1995. 40p.
Segundo estes autores, as três categorias sultado final. CÂMARA, G.; CASANOVA, M. A.; HEMERLY,
principais são: A. S.; MAGALHÃES, G. C.; MEDEIROS, C.
a) fontes óbvias de erro como, por exem- CONCLUSÃO M. B. Anatomia de sistemas de infor-
mação geográfica. Campinas: UNICAMP,
plo, intensidade do levantamento Praticamente todos os países do mundo 1996. 193p.
original e escala do mapa publicado; possuem áreas de beleza natural e valor em DAVIDSON, D.A. The evaluation of land
b) erros resultantes de variações natu- termos de preservação, que precisam ser resources. Harlow, Essex: Longman, 1992.
rais ou de medições originais como, manejadas e protegidas no interesse da po-
FORMAGGIO, A.R.; ALVES, D.S.; EPIPHANIO,
por exemplo, variação dentro de pulação. O conhecimento da localização, J.C.N. Sistemas de informações geográficas
unidades de mapeamento de solos; quantidade e disponibilidade destes recur- na obtenção de mapas de aptidão agrícola e
sos naturais é essencial ao planejamento de taxa de adequação de uso das terras. Revista
c) erros que surgem no processamento, Brasileira de Ciência do Solo, Campinas,
ambiental racional. Os responsáveis pelo
tais como aqueles propagados pela v.16, n.2, p.249- 256, maio/ago. 1992.
manejo destas áreas enfrentam o problema
sobreposição de mapas ou transfe- HANOLD, T. An executive view of MIS.
de balancear atividades humanas (tais
rência vetor-raster. Datamation, Los Angeles, v.18, n.11, p.66,
como agricultura, indústria e turismo) com
As duas primeiras fontes de erros 1972.
os elementos naturais da paisagem (tais
listadas podem ser agrupadas como erros como clima, flora e fauna), para garantir a HEYWOOD, I.; CORNELIUS, S.; GARNER,
herdados e a terceira como erro operacional. S. An introduction to geographical
manutenção das características locais. Os information systems. Harlow, Essex:
A estes, no entanto, devem ser acrescen- SIGs podem auxiliar grandemente neste Longman, 1998.
tados os erros associados à entrada dos trabalho, mas para isso, como alertam Silva MEDEIROS, J.S.; TOMÁS, D.D. Introdução aos
dados no SIG. Uma boa ilustração pode & Carvalho Filho (1995), não devem ser sistemas de informações geográficas:
ser dada através de uma das operações entendidos apenas como um meio de produ- versão preliminar. São José dos Campos:
básicas em um SIG, que é a digitalização de ção de mapas temáticos, medidores de INPE, 1994. 33p. Notas de aula.
mapas. Dois operadores diferentes ou um distâncias ou outros produtos de análise RHIND, D.W. Recent developments in GIS in
mesmo operador repetindo um processo de topológica. Devem também ser entendidos the U.K. International Journal of
digitalização quase que certamente pro- como base metodológica para a análise Geographical Information Systems, v.1,
duzirão resultados diferentes. Estas dife- n.3, p.229-241, 1987.
ambiental e ser utilizados para gerar infor-
renças são evidenciadas se compararmos mação ambiental e criar modelos de proces- SILVA, J.X. da; CARVALHO FILHO, L. M. Sistema
os resultados da digitalização com o mapa de informação geográfica: uma proposta
sos ambientais que auxiliem na tomada de
metodológica. In: TAUK-TORNISIELO, S.M.
original que foi utilizado como fonte dos decisão. Bem utilizados, eles fornecem aos Análise ambiental: estratégias e ações. São
dados. Os desvios entre o mapa original e planejadores uma fonte prontamente dis- Paulo: Fundação Salim Farah Maluf, 1995.
o mapa digitalizado são uma expressão da ponível de fatos relacionados com as ciên- p.329-344.
precisão (precision) da digitalização. Para cias da Terra e a ferramenta barata, rápida VALENZUELA, C.R. Basic principles of
avaliarmos a exatidão (accuracy),em con- e flexível, para combinar estes fatos e criar geographic information systems. In:
traste com a precisão, o mapa digitalizado alternativas de decisões. BELWARD, A.S.; VALENZUELA, C.R. (Ed.).
Remote sensing and geographical
tem que ser comparado com a realidade por
information systems for resource
ele representada (como por exemplo os REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS management in developing countries.
verdadeiros limites de um município ou a ARONOFF, S. Geographic informarion systems: Dordrecht, The Netherlands: Kluwer
verdadeira linha costeira de uma região). a management perspective. Ottawa: WDL, Academic, 1991. p.279-295.
Isto envolve o nível de detalhe com que 1989. WEIR, M.J.C. Computer systems for geographic
aquele aspecto do mundo real foi original- ASSAD, E.D.; SANO, E.E.; MEIRELLES, M.L.; information systems. In: BELWARD, A.S.;
mente mapeado, sendo influenciado por MOREIRA, L. Estruturação de dados geo- VALENZUELA, C.R. (Ed.). Remote sensing
ambientais no contexto de microbacia hi- and geographical information systems
exemplo pela escala de mapeamento, por for resource management in developing
drográfica. In: ASSAD, E.D.; SANO, E.E.
erros associados à projeção do mapa, à (Ed.). Sistema de informações geo- countries. Dordrecht, The Netherlands:
transformação dos dados de vetor para gráficas: aplicações na agricultura. Brasília: Kluwer Academic, 1991. p.297-300.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.99-109, jan./fev. 2000


110 Agropecuária e Ambiente

Diagnóstico Rápido Participativo (DRP)


como mitigador de impactos sócio-econômicos em
empreendimentos agropecuários
Marcos Affonso Ortiz Gomes1
Alessandro Vanini Amaral de Souza 2
Ricardo Silveira de Carvalho 3

Resumo - A busca por outras metodologias de pesquisa e intervenção é condição


básica para que o paradigma ambiental penetre de modo transformador nas propostas
e ações de desenvolvimento rural. Dentre as inovações surgidas está o DRP. O cerne
do DRP está em construir com a população local os caminhos do auto-diagnóstico,
valorizando mais a precisão necessária dos dados e a análise dialógica entre técnicos
e população local. Os empreendimentos projetados através do DRP processam uma
negociação de interesses sócio-econômicos, técnicos e culturais, aumentando suas
chances de sustentabilidade.
Palavras-chave: Participação; Diagnóstico; Sócio-economia.

INTRODUÇÃO não só os meios produtivos, mas as rela- o problema, mas a visão simplista das rela-
ções sociais favoráveis à adoção desses ções sociais, políticas e culturais, sobre as
A grande marca dos tempos modernos meios. Assim, produção econômica e quais o empreendimento seria erguido.
nas ações produtivas humanas é o avanço relações sociais entraram praticamente num Numa extensa fase do planejamento
tecnológico dos meios de produção, de- mesmo foco de transformação tecnológica, tecnocrático, ainda predominante, aquela
corrente da aplicabilidade das ciências, e planejada tecnicamente de modo centra- minoria que teve acesso à formação técni-
que acelerou exponencialmente a capa- lizado, procurando acelerar o desenvol- co-científica se eximiu prioritariamente da
cidade de transformação das matérias. Esta vimento do que era subdesenvolvido, pois autocrítica e incorporou uma explicação
aceleração mudou a percepção simbólica não havia tempo a perder. também simplista para os resultados par-
social do tempo, colocando o homem numa Grande parte do esforço inicial foi des- ciais dos empreendimentos: o povo não é
posição imaginária de domínio sobre o tem- perdiçado em empreendimentos que lo- apto, principalmente diante de fracassos e
po natural (Köbler, 1990). Pode-se afirmar a graram, às vezes, resultados econômicos, impactos negativos. Do outro lado, a so-
existência de uma cognição temporal pró- porém poucos resultados sociais positivos ciedade desenvolveu uma dissimulação
pria da cultura moderna, na qual é imaginado foram conseguidos, quando se compara à irônica do mundo dos doutores. Ao con-
que tudo, sem exceção, transforma-se rapi- distribuição dos diversos benefícios nas trário do que se observa nos países-espe-
damente. sociedades dos países-espelho. A tentativa lho, onde um intenso debate ocorre entre
Contudo, do provérbio latim “natura de aceleração pela técnica considerou o técnicos e beneficiários dos projetos antes
non facit saltum” (a natureza não dá sal- aspecto humano apenas como uma variável da sua implementação, no Brasil ambos os
tos), aprendemos que existem outras pro- que devia ser transformada através de es- lados falam linguagens descontínuas,
porções de tempo e mudança. tímulos de racionalidade economicista. Na diminuindo seu comprometimento com a
As nações que integram o grupo conhe- regra, os planos empreendidos embutiam efetividade dos resultados.
cido como de países em desenvolvimento o lema: “fazendo exatamente assim, os re- Há uma mudança em curso que ainda
receberam como herança esta cultura mo- sultados auferidos serão bons”, mas a reali- não se pode considerar uma tendência,
derna e, com um componente diferenciado dade mostrou outras conseqüências. Não contudo, a procura por formas de diálogo
das nações-espelho, procuraram acelerar foram necessariamente os cálculos técnicos para minimizar o abismo entre o planeja-

1
Historiador, Ph.D. Soc. do Desenvolvimento, Prof. UFLA, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras-MG. E-mail: maogomes@ufla.br
2
Engo Agro, Aperf. Des. Rural, TERRA Assessoria, Pesquisa e Desenvolvimento, R. Edésio Fernandes, 235, CEP 37200-000 Lavras-MG.
3
Adm. Rural, TERRA Assessoria, Pesquisa e Desenvolvimento, R. Edésio Fernandes, 235, CEP 37200-000 Lavras-MG. E-mail:wterra@ufla.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.110-119, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 111

mento técnico e a execução social, política, Por que um diagnóstico ciente a parcela destinada à sua im-
cultural e econômica dos empreendimentos rápido/rural participativo? plementação.
acaba colocando em evidência a problemá- Empreendimentos agropecuários pla- Foi com o propósito de tornar a fase de
tica da participação. Este conceito invoca nejados sem diagnóstico vêm sendo pau- diagnóstico mais breve possível, de acor-
relações entre as partes envolvidas e contra- latinamente abandonados. Até recentemen- do com a precisão necessária para o pla-
põe-se à concepção de receptáculos passi- te, se um país ou uma localidade possuísse nejamento da ação empreendedora (não-
vos de intervenções bem-intencionadas e uma fruticultura desenvolvida, muitas acadêmica), e de conter a vaidade de uma
tecnicamente perfeitas. vezes custeavam-se estudos dispendiosos disciplina sobre a outra, que técnicos de-
Este artigo não se propõe a discutir as sobre aquela realidade específica e depois senvolveram o Rapid Rural Appraisal
causas influentes neste processo de mu- introduziam-se bruscamente projetos com (RRA) ou Diagnóstico Rápido Rural (DRR).
dança. Ao contrário, trata de um método, o base na experiência externa, buscando uma Este método foi direcionado para adqui-
Diagnóstico Rápido Participativo (DRP) população e uma região, sem conhecê-las, rir rápida e eficientemente novas informa-
que pode contribuir para operacionalizar para ser o alvo. Num outro nível, já existiram ções e hipóteses sobre a vida e os recursos
tal processo, pressupondo que os técnicos programas e projetos como por exemplo o no meio rural (Carruthers & Chambers, 1981,
que planejam estão em busca de um outro Planvale (1991), que executaram diagnós- citados por Schönhuth & Kievelitz, 1993).
relacionamento com os impactados por ticos complexos e de alto custo, porém, Uma equipe multidisciplinar sistematiza
seus planos e projetos. Assim, objetiva-se seguindo sua trajetória, muitas vezes o uma atividade semi-estruturada de coleta
definir, demonstrando sua importância, o aproveitamento dos resultados do diag- de dados exercida diretamente no local,
que vem a ser o DRP, conforme seus prin- nóstico inicial era muito baixo ou, por outro ficando num campo intermediário entre es-
cípios básicos e algumas de suas técnicas lado, tomava-se contornos muito diferen- tudos de áreas específicas e levantamentos
de campo mais utilizadas. Seus produtos, ciados na sua execução. Neste caso, atri- estatístico-formais amplos. Neste formato,
estão descritos de modo que venha a esta- buía-se a responsabilidade pelas alterações o diagnóstico não pressupunha uma nego-
belecer os vínculos com a temática de em- de percurso às ingerências políticas, fican- ciação prévia de interesses com os agri-
preendimentos agropecuários e a mitigação do muitos destes programas e projetos sem cultores, o que passou a ser a primeira con-
dos seus impactos. continuidade. dição para transformá-lo em participativo.
Destes dois extremos, entre a ausência O Participatory Rapid/Rural Appraisal
DIAGNÓSTICO RÁPIDO completa do diagnóstico e aqueles de altís- (PRA) ou DRP foi um passo a mais, dado
PARTICIPATIVO (DRP) sima precisão técnica, consolidam-se al- por esses mesmos técnicos, na direção de
guns consensos: uma aproximação maior entre os agentes
Introduzido no Brasil pelas Organi- externos e a população impactada pelo em-
zações Não-Governamentais (ONGs), que a) há sempre necessidade de partir de
preendimento. Esta transformação, além de
procuravam uma forma satisfatória de diá- um levantamento da realidade, em
limitar o poder de uma disciplina sobre a
logo entre o saber técnico e o saber prático que se pretende empreender algo;
outra, vinda da experiência multidisciplinar
dos agricultores, o DRP vem-se tornando b) o grau de precisão dos dados não do DRR, caracterizou-se pela recolocação
uma ferramenta muito importante para o deve ser definido apenas pelas disci- do saber técnico-científico em um nível não
diagnóstico integrado e interdisciplinar de plinas científicas separadamente, de superioridade, mas de colaboração com
realidade no meio rural, o preparo do plane- sob um propósito puramente aca- os grupos sociais providos de saberes en-
jamento local, a avaliação da ocupação es- dêmico. Isto significa que, dada a gendrados na sua prática produtiva e nas
pacial, o estudo de viabilidade de projetos, complexidade dos aspectos ambien- suas relações sociais.
a mobilização em torno de ações nas tais e sócio-econômicos em qualquer Num processo invariavelmente dife-
microbacias etc. O interesse pela participa- empreendimento agropecuário, não rente do planejamento tecnocrático, a pos-
ção social tem crescido e tornado proposta devem estar definidos, a priori, os tura da equipe técnica no DRP é a de criar
em muitos projetos públicos e privados de dados e a profundidade destes por um caminho para estimular e apoiar os mem-
intervenção para o desenvolvimento, mas área científica exigida no caso. Isto, bros de grupos sociais num espaço de
nem todas as iniciativas garantem uma muitas vezes, torna o processo de tempo significativo, para que estes possam
participação efetiva dos envolvidos. Por diagnóstico muito oneroso, deta- investigar, analisar e avaliar seus obstácu-
isso, além de apresentar os recursos ofere- lhista em excesso de acordo com os los e chances, assim como tomar decisões
cidos por este método de garantida adapta- referenciais teóricos de cada disci- fundamentais e na hora certa, relacionadas
ção à realidade brasileira, é necessário plina, ao ponto de impossibilitar a com os projetos a seu respeito (Chambers
discutir o aspecto comportamental dos abordagem multidisciplinar. As con- et al., 1989). Nesta forma de diagnóstico, o
agentes externos durante o processo de seqüências são óbvias: os recursos propósito, em primeiro lugar, não é o dado
sua aplicação, para assegurar o envolvi- destinados ao empreendimento aca- academicamente tratado, mas o processo
mento da população parceira nos empreen- bam sendo consumidos nesta fase e de aprendizado dos envolvidos, desper-
dimentos. na de planejamento, tornando insufi- tando-os para valorizar o que sabem e o
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.110-119, jan./fev. 2000
112 Agropecuária e Ambiente

que podem saber mais. “Ao descobrir que c) é um processo de desenvolvimento COMPORTAMENTO
sabe, descobre o que não sabe. Ao des- da consciência crítica e de aquisição
cobrir que sabe e não sabe, descobre que de poder; Segundo pilar do DRP, o compor-
pode saber” (Freire, citado por Passetti, tamento refere-se ao indivíduo participante
d) leva à apropriação do desenvol- do processo de diagnóstico. A postura in-
1998). É neste momento que o conheci-
vimento pelo povo; dividual tem uma importância crucial para
mento científico entra, complementar às
e) é algo que se aprende fazendo e se que as pessoas chamadas a colaborar com
análises e avaliações deles.
aperfeiçoa; o levantamento venham abertamente se
Deste modo, com a participação, busca-
engajar ao processo. Trata-se de reconhe-
se prioritariamente o conhecimento sobre f) pode ser provocada e organizada, cer a intersubjetividade que existe em qual-
a área de abrangência do empreendimento sem que isto signifique necessaria- quer relacionamento humano e que interfere
junto àqueles que serão impactados por mente manipulação; em muito no resultado deste. É inerente às
ele. Isto já é mitigador por si só, pois, desde
g) é facilitada com a organização e a pessoas adultas, socializadas, em condi-
o processo gerador dos dados para o em-
criação de fluxos de comunicação; ções normais de respeito e liberdade, o de-
preendimento, as pessoas estarão interfe-
sejo de decidir sobre todas as suas coisas.
rindo na sua formulação e avaliação, sem- h) devem ser respeitadas as diferenças
Deve-se sempre pressupor que uma pessoa
pre dependendo, é claro, do interesse dos individuais na forma de participar;
procurada para ser informante em uma pes-
formuladores técnicos e políticos em estar
i) pode resolver conflitos, mas também quisa social se recuse a sê-lo.
procurando de fato com os impactados, as
gerá-los; Preconceito, arrogância, impaciência,
melhores saídas, em todos seus aspectos.
etc. são características também inerentes a
Ao final, não são apenas os grupos sociais j) não se deve sacralizar a participação:
todos que fogem ao controle de qualquer
atingidos que cedem à concepção técnica não é panacéia, nem indispensável
um nas mais variadas situações cotidianas.
e ao interesse do grupo empreendedor. No em todas as ocasiões.
Na sociedade brasileira de discrepantes
projeto construído com o auxílio do DRP, o Estes princípios são norteadores, prin- diferenças sócio-econômicas, habitua-se à
conjunto de ações de implementação ca- cipalmente de que a participação nunca efervescência destas características nas
racterizará fundamentalmente concessões pode ser almejada como solução para qual- relações entre os grupos sociais. Pesqui-
de todas as partes. Quando se trata, então, quer problema, mas como processo diferen- sadores e pesquisados, nos casos do meio
de questões de meio ambiente e de relações ciado de relacionamento humano e, no caso rural, são normalmente oriundos de grupos
humanas que o entrecortam, a participação do diagnóstico, de construção participada sociais bem diferentes, o que não determi-
não deve deixar essas complexas teias se- de conhecimento entre agentes externos e na, mas facilita comportamentos inibidores
rem representadas de modo simplista no grupos sociais impactados por um empre- do diálogo. Como o DRP é essencialmente
empreendimento planejado. endimento. Anterior à operacionalização do dialógico, deixar aflorar este tipo de compor-
Portanto, o DRP é erguido sobre três método está a forma da abordagem e o com- tamento no contato entre agente externo e
pilares fundamentais: o da participação, o portamento dos agentes. Dos diferentes agricultores é condenar simultaneamente
do comportamento e o das técnicas de cam- níveis possíveis de participação, deve-se o processo ao fracasso.
po. ir fazendo e aprendendo, com um espírito O modo de aplicação das técnicas de
aberto e não possessivo, até que as habi- campo e o estímulo constante à partici-
PARTICIPAÇÃO lidades dos grupos sociais aprimorem-se pação não combinam com atitudes forma-
para o auto-diagnóstico, a capacitação listas e sem abertura humana. O partici-
Este conceito pressupõe divisão de po- técnica, o conhecimento partilhado, o res- pante externo não precisa temer que algum
der no processo decisório, passando pelo peito entre as organizações e pessoas e o de seus erros venha a ser descoberto pelo
controle das partes sobre a execução e ava- resgate da auto-estima dos grupos sociais. participante local. A pesquisa social é um
liação dos resultados. Participar é tomar parte Uma vez buscada a participação no pro- produto humano e, como todo produto hu-
das decisões e ter parte nos resultados. Se- cesso de diagnóstico, quase que necessa- mano, está passível de erro. Assumindo
gundo Brose (1997), o mais importante não riamente esta abordagem avançará sobre esta premissa, dá-se o primeiro passo para
é o resultado em si que a participação pode as fases de planejamento, execução e ava- que os grupos locais também se abram e
trazer, mas o processo de exercitá-la. Este liação do empreendimento. O interesse em informem, sem medo ou dissimulação. O
autor sintetiza os princípios que regem a par- trilhar por ela desencadeia um compromisso questionário de levantamentos estatísti-
ticipação: que vai mais além de apenas manter uma cos-formais é o intermediário entre pesqui-
coerência metodológica de um levanta- sador e pesquisado. Convencionalmente
a) é uma necessidade humana e, por
mento sócio-econômico. Criadores e usuá- diz-se haver uma objetividade hermética
conseguinte, constitui um direito das
rios do DRP adotaram recentemente um neste relacionamento. No DRP, o recurso
pessoas;
outro nome significativo para intervenções de aproximação é através dos olhos nos
b) justifica-se por si mesma, não por que adotam estas orientações: Partici- olhos entre o participante externo e o local,
seus resultados; patory Learning and Action (PLA). parecendo ser algo subjetivo, sem valor pa-
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.110-119, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 113

ra a ciência, porém conquistador de uma constituído por métodos dinâmicos de Nos trabalhos de campo, este material
riqueza surpreendente nos resultados. aprendizagem a partir da interação com os pode ser utilizado com a matriz de quan-
Se de um lado, o sucesso do DRP fica agricultores. Portanto, as técnicas evoluem tificação, em que os técnicos anotam as in-
dependente das atitudes do agente externo, no instante de seu uso, e suas combinações formações sobre dados econômicos que
do outro a humanização deste relacio- no campo podem seguir as adaptações mais vão surgindo no desenrolar da entrevista
namento provoca o comprometimento das criativas, de acordo com cada realidade local. (Fig. 51).
partes com a precisão e a interpretação das
informações, abrindo o caminho para o es- Entrevista semi-estruturada Matriz de quantificação
forço na mitigação dos impactos negativos Trata-se de uma entrevista com base A matriz de quantificação nada mais é
posteriores. Ao agente externo cabe então: num roteiro previamente elaborado, com os do que uma planilha simplificada para a
tópicos e informações que se deseja levan- anotação de dados econômicos referentes
a) respeitar as pessoas com quem está
tar. As perguntas não são fechadas, permi- a culturas e/ou criações. Devido às especi-
trabalhando, tendo interesse naquilo
tindo inclusive respostas mais elaboradas, ficidades de algum projeto e às informações
que sabem, falam, mostram e fazem;
análises e discussões sobre determinado por ele demandadas, deve ser elaborada
b) ser sensível aos estímulos e não- tema. No caso de empreendimentos rurais, uma matriz contendo as seguintes infor-
estímulos dos participantes; esta técnica deve ser utilizada em associa- mações: gastos com mão-de-obra, insumos
c) explicitar sempre seus interesses e ção com outras ferramentas, servindo para utilizados, implementos/construções e ma-
objetivos; orientar o técnico durante todo o processo nutenção, área ocupada e produtividade,
de coleta dos dados e informações e, inclu- recursos internos da propriedade, finan-
d) ter uma capacidade particular de sive, nas mobilizações para os encontros ciamentos, consumo e receita/venda. Estas
prestar atenção e de ter paciência; de aplicação das técnicas com grupos am- informações devem ser levantadas para
e) ter verdadeira humildade a respeito pliados. Também pode ser amplamente cada atividade desenvolvida dentro da uni-
do seu próprio conhecimento téc- utilizada nos trabalhos com representantes dade de produção, possibilitando assim a
nico, reconhecendo que ele é apenas de órgãos e empresas parceiras, fornece- geração de dados econômicos, ainda que
uma forma de conhecimento. dores e compradores que se relacionam de forma simplificada, para posteriores ava-
com os agricultores como, por exemplo, liações dos impactos quantitativos de cada
prefeitura, sindicatos, igrejas que represen- projeto. É importante lembrar que esta técni-
TÉCNICAS MAIS IMPORTANTES
tam os informantes-chave, além de lideran- ca, para não se assemelhar a um levanta-
DO DRP EM CASOS DE
ças locais, bancos, comerciantes e outros, mento formal, deve estar sempre associada
EMPREENDIMENTOS RURAIS
constituindo-se nas testemunhas ideais. à construção do “entra e sai”.
Para se construir um DRP o mais par-
ticipativo possível, primeiro devem ficar “Entra e sai” Calendário sazonal
bem claros, para os técnicos e agricultores, O “entra e sai” trata-se de uma ferramen- O calendário sazonal consiste na cons-
os objetivos do diagnóstico, respondendo ta adaptada para a coleta de informações trução, junto com o agricultor, de um esque-
com os impactados para quê e para quem de dados econômicos e políticos dos em- ma gráfico que represente a demanda de
deve servir este processo no qual as pes- preendimentos rurais. Por ser elaborada a trabalho ou mão-de-obra ao longo de um
soas vão investir seu tempo e suas es- partir de desenhos e representações grá- ano agrícola. Este material permite ao téc-
peranças. Com base nesta explicitação de ficas, permite aos agricultores uma melhor nico avaliar a necessidade por mão-de-obra
interesses, fica facilitada a construção do visualização dos riscos, gastos e receitas na propriedade, identificando os períodos
roteiro de tópicos do levantamento, bem gerados em cada atividade desenvolvida de pico da demanda e as épocas de menor
como a seleção das técnicas de campo mais na propriedade ou que se pretende im- necessidade de trabalho, permitindo uma
apropriadas. Sem um roteiro semi-es- plantar. Esta técnica apresenta um caráter avaliação mais precisa para a implemen-
truturado prévio, o DRP não deve ser inicia- pedagógico, pois desperta para a neces- tação de projetos, de forma que não haja
do, pois o excesso de improvisos tem sido sidade de um equacionamento dos riscos conflito com as demais atividades da pro-
uma das principais causas do seu fracasso, e de um maior controle das despesas e re- priedade, em função da reconhecida li-
quanto à participação. ceitas na propriedade. Ela também estimula mitação dos agricultores em relação à dispo-
As técnicas de levantamento que se levantar e avaliar o ambiente no qual se in- nibilidade de mão-de-obra e em ampliar
seguem não devem ser interpretadas como sere a unidade de produção, mapeando os diversificações ou reconversões.
um pacote fechado, pois a simples aplicação tipos de fornecedores, bem como os com-
delas não torna participativo o processo de pradores e outros segmentos envolvidos Caminhadas transversais
levantamento da realidade. Vale ressaltar com o sistema produtivo, político e cultural. Esta técnica das caminhadas transver-
que, segundo definição original de Cham- Esta técnica facilita a compreensão sobre sais consiste em percorrer uma determinada
bers (1993), as técnicas de campo referem- os complexos agroindustriais, em que se propriedade, área do empreendimento, lote,
se a um repertório de contínua expansão, inserem os empreendimentos rurais. um bairro ou comunidade rural, acompa-
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.110-119, jan./fev. 2000
114 Agropecuária e Ambiente

ENTRA Milho SAI


Feijao
Arroz
Batata
Mandioca
Calcário Soja Soja
Trigo
Adubo (NPK) Aveia
Azevém
Semente Pipoca Leite
(soja/milho/horta/alimento) Amendoim
Horta
Máquinas Fruta
Leite
Veneno (queijo/manteiga/nata) Milho
Carne
Raçao Porco
Frango Feira
Alimentaçao Ovo Horta Horta
Malte Carne
Peixe
Mel
Eucalipto Mel

Receita
Lucro

Figura 51 - Técnica "entra e sai"


NOTA: Projeto de Assentamento Seival, Cruz Alta - RS.

nhado de um ou mais informante (prefe- com aquela dos agricultores. Pela cami- lizando para a disponibilidade de tempo das
rencialmente pessoas do local e que co- nhada, por exemplo, o técnico poderá ter famílias para o desenvolvimento de tra-
nheçam bem a região), observando todo o um quadro de anotações bem organizado balhos, cursos de capacitação e outras ati-
agroecossistema. Todo o percurso feito é para aferir a possibilidade de irrigação, de vidades.
representado através de esquemas pelo conservação do solo, os potenciais e pro-
anotador que, além de estar atento à pai- blemas ambientais da área visitada (Fig. 52). Realidade/desejo
sagem, deve estar sempre indagando ao
Esta técnica de realidade/desejo consti-
informante sobre questões pertinentes Rotina diária
tui-se em um eficiente recurso para levantar
àquele local como, por exemplo, forma de
ocupação, posse da terra, problemas am- Complementar ao calendário sazonal, a o ponto de vista dos agricultores com re-
bientais, situação no passado, realidade rotina diária é uma ferramenta que permite lação a temas previamente estabelecidos,
presente, perspectivas futuras etc. visualizar a distribuição do trabalho ao além de levantar as expectativas futuras,
No caso dos empreendimentos rurais, longo do dia. Deve ser aplicada entre diver- formas e processos de como alcançá-las.
esta técnica será de grande utilidade, pois sas pessoas da família (homem, mulher e Sua aplicação consiste na elaboração de
facilita a compreensão das formas de utili- jovens) e para diferentes épocas do ano uma matriz, dispondo na horizontal as pala-
zação do ecossistema da área e diferen- (época de pouco serviço e aquelas quando vras realidade, desejo e processos e, na
ciações nos tipos de ocupação humana. O a demanda de trabalho é maior). No caso vertical, os itens relacionados pelos agricul-
técnico irá se munir de informações funda- de comunidades rurais, esta técnica pode tores, de acordo com o tema do diagnós-
mentais para dar seu parecer junto aos ór- auxiliar na programação do trabalho dos tico.
gãos competentes sobre a viabilidade dos técnicos locais, fornecendo indicativos dos O caráter educativo e esclarecedor é re-
projetos a partir da sua visão conjugada melhores horários para as visitas e sina- levante nesta técnica, em que o animador
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.110-119, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 115

Figura 52 - Técnica caminhada transversal


NOTA: Projeto de Assentamento Bálsamo, Unaí - MG.

busca indagar os participantes sobre a rea- Eleição de prioridades seqüência decrescente de prioridades. Tem
lidade dos temas, o que entendem por forma Durante os trabalhos de campo, a elei- funcionado melhor, quando se separam as
de atuação, resultados obtidos, principais ção de prioridades pode ser bastante apli- prioridades voltadas para os aspectos pro-
dificuldades, possíveis soluções etc. A cada pelos técnicos para, com os agricul- dutivos (como exemplo compra de calcário)
busca da discussão é constante, levan- tores, enumerar, em ordem de prioridade, e aquelas voltadas para o social (como
tando-se todos os pontos de vista, inclu- as demandas que devem ser trabalhadas exemplo escola).
sive os contra-sensos, sempre buscando por eventuais programas e/ou projetos que Deve-se proceder à votação até que
as causas, conseqüências, os preconceitos venham a ser desenvolvidos. Esta ferra- todos os itens tenham sido colocados nas
e outras características de tais opiniões. menta pode ser empregada no levantamento suas ordens de prioridade. Não é aconse-
Em uma segunda fase, são levantadas da árvore de problemas, suas causas e lhável que se votem muitos itens de uma
as expectativas dos participantes sobre os conseqüências, com as possíveis ações só vez, sob pena de confundir os produ-
mesmos temas, isto é, procura-se levantar para saná-los, respectivamente, os papéis tores. O processo deve ser conduzido por
como deveria ser transformado cada tópico e responsabilidades dos atores sociais etapas, constando de três a cinco priori-
abordado para a promoção do desenvolvi- envolvidos. dades por vez.
mento local. Através desta técnica, pode- A técnica consiste na discussão e
se detectar o comprometimento dos par- apresentação de todas as demandas (pro- Diagrama de Venn (jogo das
ticipantes aos temas abordados, se há blemas) existentes por parte dos agri- bolas)
possibilidade de uma possível parceria ou cultores, sendo, em seguida, realizada uma A técnica de diagrama de Venn consiste
trabalhos coletivos, visando alcançar as problematização e, posteriormente, uma na discussão sobre os órgãos e entidades
formas ideais de atuação. eleição de forma que venha a ordenar uma que, direta ou indiretamente, estão envol-
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.110-119, jan./fev. 2000
116 Agropecuária e Ambiente

vidos com o cotidiano dos agricultores. ticos do DRP. As informações-chave para tamento desta nova realidade, exigindo
Após feito um levantamento daqueles ór- o empreendimento devem ser checadas e uma racionalidade política local diferente.
gãos e entidades que ali atuam, os parti- cruzadas com dados secundários e pri- Neste novo contexto, o DRP vem sendo
cipantes da reunião começam a discutir a mários, que podem ser gerados através de utilizado com êxito no diagnóstico e plane-
importância deles, que é representada pelo métodos de cada disciplina, como: análises jamento participativos das ações a serem
tamanho da bola, ou seja, quanto maior a de solo e água, geoprocessamento, inven- promovidas no âmbito local e regional
bola, maior a sua importância e vice-versa. tários bióticos etc. Nesta triangulação de (Relatório..., 1997a). Além do levantamento
Feito isso, é desenhado um círculo maior, o dados, a equipe técnica deve deixar brotar das informações necessárias para a imple-
círculo da comunidade, que representa o análises dialogadas entre informações mentação de projetos e programas, o DRP
grupo participante e ao redor ou dentro estritamente técnicas e aquelas dispo- propicia a abertura de um canal de diálogo
dele as bolas, representando as entidades, nibilizadas pela visão dos participantes do entre o poder público e a população, des-
devem ser dispostas. A distância das diagnóstico. mistificando o assistencialismo como solu-
bolas-entidades para o círculo da comu- ção para os problemas e criando espaço
nidade irá representar a atuação destas PRODUTOS DO DRP para um consenso negociado para a imple-
entidades, ou seja, quanto mais perto do mentação de parcerias. Algumas técnicas
centro da bola da comunidade as entidades Desde a sua introdução no Brasil, do DRP foram utilizadas na elaboração de
aparecerem, maior é a sua atuação naquele muitas foram as adaptações criativas ao Planos Municipais de Desenvolvimento
local e vice-versa. A representação gráfica método DRP. Sua aplicação tomou várias Rural (PMDRs), de vários municípios
por si só não é o objetivo desta técnica, o formas e gerou diversos produtos que mineiros que foram selecionados pelo Pro-
que se procura é estimular a discussão começaram a consolidar seus efeitos nos grama Nacional de Agricultura Familiar
sobre cada entidade citada, de modo que grupos sociais que o praticaram. Como a (Pronaf), para serem beneficiários dos re-
venha a compreender melhor o seu inter- transformação de relações sócio-econô- cursos investidos em infra-estrutura produ-
relacionamento, suas formas de atuação, micas e culturais exige um processo a longo tiva rural. O programa parte do princípio de
seus pontos fortes e fracos e os interesses prazo, não se podem esperar resultados que os projetos deverão ser elaborados a
que estão em jogo no seu trabalho. A pos- milagrosos, quando a participação deve ser partir de um diagnóstico participativo das
sível identificação de entidades para realizar permanentemente garantida. Nos locais em demandas e potencialidades locais.
parcerias que funcionem é um dos resul- que os responsáveis pela intervenção ex- Embora criado inicialmente apenas para
tados deste método (Fig. 53, p.68). terna não deram continuidade aos tra- o meio rural, seu uso ampliou-se e já são
balhos iniciados, as populações envolvidas várias as experiências com DRP no meio
Mapeamento histórico demonstram mais apatia e descrédito com urbano, com trabalhos em favelas, escolas
as mudanças. Já onde a continuidade está e programas de saúde comunitária.
Através desta técnica, o grupo envol-
sendo garantida, os produtos vão-se se-
vido é levado a representar graficamente o
dimentando, à medida em que agentes O DRP EM QUESTÕES
croqui da área ou região em que vive.
externos e atores locais aprofundam os AMBIENTAIS
Durante a elaboração do mapa pelos agri-
canais de planejamento, ação e avaliação.
cultores, vários questionamentos são As aplicabilidades do DRP em questões
A seguir, são apresentados alguns
feitos como, por exemplo, informações relativas ao meio ambiente são inúmeras.
produtos possíveis, já testados em práticas
sobre a questão fundiária atual e passada, Nesses casos, a metodologia incorpora uma
institucionais efetuadas entre as parcerias
os problemas ambientais ali existentes, as visão agroecossistêmica e é chamada de
vivenciadas pelos autores deste artigo.
formas de ocupação da área e da divisão Diagnóstico Rápido Participativo de Agro-
espacial das áreas, as potencialidades e ecossistemas (DRPA).
PROJETOS E PROGRAMAS DE
limitações, as possibilidades de diver-
DESENVOLVIMENTO MUNICIPAL
sificação etc. Esta técnica permite colocar Implementação de
E MICRORREGIONAL programas de microbacias
em debate as formas de utilização dos
recursos naturais, buscando identificar e A partir da promulgação da Cons- hidrográficas
registrar experiências bem-sucedidas den- tituição Federal do Brasil, em 1988, teve Neste caso, as ferramentas do DRPA
tro do próprio grupo. No caso específico início um intenso processo de munici- vêm sendo empregadas na elaboração par-
de algumas comunidades trabalhadas, esta palização dos serviços públicos, o que ticipativa de mapas de microbacias e no
técnica evidenciou bastante os problemas passou a ser um divisor de águas, para a estabelecimento de prioridades para as
ambientais e conflitos por recursos ou administração pública. Com o aumento da ações e discussão participativa dos en-
áreas. carga de responsabilidades sociais repas- caminhamentos a serem tomados. Além
Os métodos estimulam as falas e dis- sadas às prefeituras, tornou-se funda- disso, essas ferramentas podem ser apro-
cussões dos impactados, que devem ser mental a busca de parcerias entre poder priadas pelos técnicos envolvidos em
todas registradas em quadros de coleta de público, iniciativa privada e população, de todas as etapas de realização do trabalho,
campo subdivididos pelos tópicos temá- forma que venha a possibilitar o enfren- buscando uma maior integração e coesão
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.110-119, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 117

na proposta de intervenção, proporcio- zado o DRPA para o levantamento dos Este acordo ficou conhecido como Agenda
nando, de fato, a interdisciplinaridade que problemas e potenciais e o planejamento 21 e sua idéia central seria o esforço pela
esses programas demandam. Antes do pa- conjunto com as populações tradicionais construção participativa das agendas
recer estritamente técnico, a população- do entorno (Relatório ..., 1996). locais e regionais, até culminar na nacional.
alvo precisa ser a avaliadora das condições Decorrente deste compromisso, apesar do
ambientais de sua microrregião, para que Levantamentos sócio- atraso brasileiro na mobilização local e re-
se perceba, em conjunto, quais deveriam econômicos (meio antrópico) gional, ocorreram experiências em algumas
ser as práticas produtivas que devem ser em avaliação de impactos cidades e regiões do país. Na cidade do
alteradas, de modo que venha a conquistar ambientais Rio de Janeiro, por exemplo, o Conselho
um comportamento conservacionista dos O DRP vem sendo utilizado em Municipal da Agenda 21 foi construído a
recursos naturais. levantamentos sócio-econômicos para partir de uma adaptação direta do DRP
caracterização do meio antrópico em Planos (Agenda...,1996). Para isto, organizações e
Plano de manejo para e Relatórios de Controle Ambiental (PCA/ população estruturaram os passos de
unidades de conservação RCA) (Plano..., 1997) e em Estudo de construção e monitoramento da sua agenda
Um dos recursos utilizados na con- Impacto Ambiental e Relatório de Impacto local que, em pleno funcionamento, vem
servação e manutenção de ecossistemas Ambiental (EIA/RIMA). As características sendo disseminada por outros municípios,
ameaçados é a criação de parques e re- de pesquisa qualitativa deste método para a configuração futura da Agenda 21,
servas florestais protegidos por legislações propiciam o levantamento de uma série de da região do Grande Rio. Muito apropriado
específicas. Porém, a maioria dessas áreas questões que, se vistas apenas através de ao meio rural, o DRP garantiria a inserção
já era anteriormente ocupada ou utilizada métodos convencionais como por exemplo, da população neste processo de cons-
por populações tradicionais vizinhas, que do tipo Survey, não facilitam a compreensão trução das agendas.
dali retiravam boa parte do seu sustento. de inter-relações estruturais e de aconteci-
Com a instituição de áreas de proteção, mentos locais, deixando os dados hermé- O DRP NO CAMPO DE
essas populações vêem-se privadas do ticos às dinâmicas próprias na hora de ASSENTAMENTOS RURAIS
acesso aos recursos naturais de que antes implementar o empreendimento. Pode ser DIRIGIDOS E DE REFORMA
dispunham e, por falta de uma maior co- usado ainda no aprofundamento de tó- AGRÁRIA
municação com as pessoas atingidas dire- picos relevantes, identificados a partir da
tamente, elas mesmas, que poderiam ser análise de dados secundários ou de le- Na medida em que os responsáveis por
grandes aliadas na conservação ou manejo vantamentos estatístico-formais. assentamentos dirigidos e de reforma agrá-
sustentável dessas áreas, passam, muitas Naqueles projetos em que ocorrem ria se convencem – independente das di-
vezes, a boicotar os trabalhos ali desen- grandes impactos negativos à população versas fontes de motivação – de que não
volvidos, pois percebem essas áreas como local, como a transferência compulsória de basta a distribuição de terras e a elaboração
ameaça ao seu espaço. Além de serem im- moradores de áreas alagadas por barragens verticalizada de políticas, para que estes
pedidas de usufruir de seus recursos, como hidrelétricas, o DRP pode ser uma excelente se consolidem com êxito, abre-se espaço
sempre o fizeram, ainda correm o risco de ferramenta para facilitar um acordo entre para a discussão de metodologias partici-
serem punidas pela forma como atuam no empreendedores e população atingida, pativas que possibilitem a gestão (diag-
seu entorno. buscando, através de um consenso nego- nóstico, planejamento, execução e monito-
Sensíveis a esse problema, algumas au- ciado, a melhor saída para a mitigação ramento) dos entraves e potencialidades
toridades públicas, ONGs e agências ex- destes impactos. Como exemplo, cita-se o locais, bem como das ações que visem o
ternas têm buscado uma negociação com caso de um empreendimento em que o prog- desenvolvimento sustentável dos Projetos
populações tradicionais de algumas dessas nóstico é de geração de empregos indire- de Assentamento (PAs).
áreas, tencionando estabelecer uma par- tos, mas que dependem da organização dos
ceria entre eles e os administradores, procu- agricultores. Gestão nos projetos de
rando formas de exploração sustentáveis. assentamento
Neste sentido, o DRPA permite chegar a Construção participativa das Em 1997, a diretoria de assentamento
uma análise crítica dos agroecossistemas, “Agendas 21” locais do Instituto Nacional de Colonização e
construída conjuntamente pelos agri- Durante a conferência internacional Reforma Agrária (Incra), através do Projeto
cultores e técnicos-pesquisadores. Ainda sobre meio ambiente realizada no Rio de Incra/Bid – BR 0274, dentro da nova
pode-se dizer que o aspecto participativo Janeiro, em 1992, conhecida por Eco 92, um metodologia de projetos de assentamento,
adquire uma função primordial para o tratado foi assinado por vários países par- buscou priorizar a racionalidade, a obje-
conhecimento da situação, contribuindo ticipantes, inclusive o Brasil, através do tividade e a participação. Na tentativa de
sobremaneira na elaboração do plano de qual se comprometiam a estruturar uma materializar estes princípios, foi necessário
manejo das unidades de conservação. Já agenda com propostas de ação para o de- conhecer a situação dos PAs em relação à
existem, inclusive, reservas onde foi utili- senvolvimento sustentável no século XXI. sua consolidação e sustentabilidade, bem
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.110-119, jan./fev. 2000
118 Agropecuária e Ambiente

como as alternativas apresentadas pelos interpretação de sua realidade e não do que os problemas, causas e conseqüên-
assentados para o alcance destes objetivos. o mando local (líderes e mediadores) e/ou cias, aumentando o senso de res-
Foram realizados diagnósticos, amostrando o planejamento nacional desejam para ele. ponsabilidade pelos recursos con-
10 PAs distribuídos em sete Estados do Neste sentido, a metodologia cumpriu o traídos;
país, com objetivo de: seu papel (Relatório ..., 1997b).
c) fortalecimento da auto-estima, dos
Além dos investimentos, serviços e
a) identificar as demandas dos as- laços de solidariedade e articulação
atividades necessários ao alcance dos re-
sentados relativas à infra-estrutura de esforços;
sultados sócio-econômico-ambientais, os
sócio-econômica, ao fomento de ati-
planos de desenvolvimento sustentável d) simplificação da fase de execução,
vidades rurais e agroindustriais e
dos PAs gerados procuraram estabelecer uma vez que os próprios executores
aos aspectos de organização;
os papéis do governo em seus diferentes participaram da construção do pro-
b) analisar essas demandas junto aos níveis, dos assentados e as eventuais con- jeto.
próprios assentados que as qua- tribuições de ONGs afins. Com liberdade
lificavam como prioridade, iden- na escolha da metodologia para elaboração O DRP NO CAMPO DAS
tificando o papel de cada ator social dos planos, as superintendências do Incra ORGANIZAÇÕES
nas ações planejadas; em alguns Estados, como Minas Gerais e
As novas conformações dos mercados
Tocantins, optaram pelo DRP.
c) identificar as formas de utilização dos tornaram crescente a demanda por instru-
Assentamentos dirigidos vêm pro-
recursos dos agroecossistemas e a mentos e procedimentos que facilitem a
curando também utilizar metodologias
percepção dos atores locais com re- implementação de um caráter participativo
participativas para avaliar seus impactos e
lação às formas ideais; na elaboração, gestão e monitoramento de
redirecionar sua gestão e metas, seja por
d) caracterizar a posição dos PAs com planos, projetos, sistemas e políticas or-
exigência dos organismos financiadores
relação ao complexo agroindustrial ganizacionais. Este movimento acontece
internacionais, seja por necessidade própria
e outras atividades não-agrícolas, impulsionado pela certeza de que uma maior
de uma tentativa de aproximação entre o cor-
visando o planejar a inserção e o re- participação dos funcionários e trabalha-
po técnico e os assentados (Fig. 54, p.68).
lacionamento do assentamento na dores é determinante no desenvolvimento
sociedade e no mercado. Elaboração de projetos de das organizações e deles próprios, fator
crédito coletivo que constitui meta prioritária na obtenção
Esta pesquisa, deve ser entendida como de aumentos de produtividade e incremento
o resultado de novas experiências entre Aos assentados da reforma agrária são
do potencial competitivo, bem como melhor
Estado e sociedade, entre os formuladores disponibilizados recursos específicos para
clima organizacional.
de políticas e planos e os seus destinatários financiar suas atividades. Estes recursos
“Quando uma organização se vê pres-
e entre a concepção e a execução de pro- são oriundos do Programa de Crédito
sionada a fazer transformações estruturais
postas para o desenvolvimento. Os obje- Especial para a Reforma Agrária (Procera)
e adaptar-se a um novo contexto (ambiente
tivos iniciais foram alcançados com o e oferecidos em quatro categorias: fomento,
externo), nem sempre favorável, as ações
adicional de ter-se conseguido estabelecer habitação, custeio e investimento. “A apli-
são muitas vezes imediatistas, sem plane-
um canal de comunicação com os assen- cação coerente destes recursos, atendo-
jamento e ocorrem sem qualquer forma de
tados. Contudo, além de as informações se a aspectos ambientais, econômicos, de
diagnóstico da realidade concreta que se
levantadas serem dinâmicas, as ações organização social e cultural, é que vai
quer transformar. Freqüentemente, os mo-
decorrentes e seus desdobramentos re- colaborar com a perspectiva de construção
delos de consultoria pressupõem diagnós-
querem coordenação de forças locais e de condições adequadas para a susten-
tico, porém, muito mais para adequar a
regionais, sobre as quais o Incra e os pró- tabilidade do projeto” (Amâncio, 1998).
realidade organizacional a um modelo de
prios assentados possuem muito pouco Sob esse aspecto, o emprego de téc-
gestão pronto que funciona em outra or-
poder. Sendo assim, a simples aplicação do nicas do DRP tem sido extremamente útil
ganização do que para criar um caminho
DRP não garante a efetivação das mu- na elaboração de projetos de crédito cole-
próprio àquela cultura encontrada” (Rela-
danças que se quer implementar. Há limites tivo, sendo várias as contribuições para
tório..., 1998).
no seu caráter participativo, por se tratar este fim. Entre elas destacam-se:
Uma certeza que existe a respeito das
de uma intervenção que partiu do interesse a) avanço dos grupos de agricultores mudanças nas organizações, sejam elas
do órgão financiador Banco Interamericano no desenvolvimento de sua facul- associações de produtores, de sindicatos,
de Desenvolvimento (BID) em ver o suces- dade crítica, tornando-os mais seleti- empresas rurais e urbana, etc., é a de que
so na aplicação de seus fundos, bem como vos e exigentes quanto às diferentes elas apenas podem ser realizadas com maior
o Incra, responsável pela coordenação formas de intervenção que lhes são probabilidade de sucesso, quando se tem
técnico-política deste processo. Porém, es- oferecidas; o apoio e a vontade dos trabalhadores em
ta intervenção interessa-se em saber como b) desenvolvimento, no grupo, da ca- geral, o que pressupõe haver uma concor-
o assentado define o sucesso a partir da pacidade de diferenciar e relacionar dância dos objetivos individuais e organi-

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.110-119, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 119

zacionais, além da percepção coletiva da medidas de produtos, isto é, medem a aqui- BROSE, M. Indicadores em projetos, pro-
realidade interna e externa e daquilo que o sição de objetivos e o cumprimento de me- gramas e políticas públicas: sua defi-
grupo considera que deve ser transfor- tas. A definição de indicadores pelos en- nição, seus potenciais e limites, e a aplica-
mado. Comumente, a visão coletiva do que volvidos lhes garante o estabelecimento ção prática. Porto Alegre: Grupo de Estudo
deve ser mudado só se constitui através de parâmetros a serem considerados ini- no Enfoque Participativo, 1997. Texto 1.
de uma “negociação metodologicamente ciais, os médios e os mais altos a serem 10p.
construída”, uma vez que as pessoas conquistados. Esta definição deve ser tan- CHAMBERS, R. Development administration
resistem à mudança de papéis, qualquer genciada nos tipos, temáticas e nos valores group. In: ANNUAL report 1992/93.
que seja, dentro de uma cultura organi- qualitativos e quantitativos, dentro de um Birmingham: University of Birmingham,
zacional estabelecida historicamente. Na processo em que os envolvidos explicitem 1993.
tentativa de suprir esta demanda algumas o que e com que intensidade querem ser
técnicas do DRP foram adaptadas, ori- avaliados e até onde querem chegar. CHAMBERS, R. et al. (Org.) Farmer first:
ginando o Diagnóstico Organizacional farmer innovation on and agricultural
Participativo (DOP), também apropriado às CONCLUSÃO research. North Yorkshire: Penbooks, 1989.
organizações rurais. KÖBLER, R. Arbeitskultur im industriali-
Apresentaram-se as principais aplica-
ções do DRP que se entrelaçam com a sierungsprozeB. Münster: Dampfboot,
O DRP NA CONSTRUÇÃO DE 1990.
efetivação de empreendimentos agrope-
INDICADORES
cuários e agroindustriais. A opção anterior PASSETTI, E. Conversação libertária com
A crescente adoção de metodologias pelo caráter participativo que o método Paulo Freire. São Paulo: Imaginário, 1998.
participativas na elaboração e no geren- pode reforçar exige também uma opção por
PLANO de controle ambiental das minas Ria-
ciamento de programas, planos e projetos uma lógica diferenciada no envolvimento
cho da Porta I e II, município de Diamantina-
vem demandando a construção também dos agentes empreendedores, tendo estes
MG. Lavras: Terra, 1997. 57p.
participativa de indicadores que permitam que se confrontar com a própria rejeição
a sua avaliação ou monitoramento. O DRP ou a modificação significativa da idéia ori- PLANVALE – Plano de Desenvolvimento do
pode ser empregado neste caso. “... in- ginal. Contudo, com a predisposição em Vale do Jequitinhonha. Belo Horizonte:
formações a respeito do desempenho e não aceitar mudanças, a participação seria Governo do Estado de Minas Gerais,
sustentabilidade de programas, planos e uma fachada retórica, encobrindo o interes- 1991.
projetos não fazem qualquer sentido, se se de apenas tentar legitimar os conceitos RELATÓRIO do diagnóstico e planejamento
não se consideram as características só- e as ações pré-definidos e anulando a possi- participativo do meio rural do município
cioculturais locais traduzidas nas vontades, bilidade real de diálogo. A responsa- de Cabo Verde-MG. Lavras: Terra, 1997a.
perspectivas e objetivos dos públicos-alvo bilidade e o compromisso com essa opção 57p.
destas intervenções. Podem-se encontrar, garantem a efetividade do método, uma vez
em casos extremos, intervenções avaliadas que o caminho da intervenção participativa RELATÓRIO do diagnóstico organizacional
como muito eficientes pelo executor e é trabalhoso e exige seu tempo de percurso participativo no Centro de Pesquisa Agro-
consideradas inócuas pelo público-alvo”. social e não técnico, quando se almejam pecuária dos Cerrados: parecer sobre re-
Segundo Brose (1997), “para cada indica- impactos positivos sólidos. cursos humanos através da análise do clima
dor definido no projeto ou programa, é organizacional da empresa. Lavras: Terra,
necessário definir também com clareza a REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1998. 34p.
técnica ou método utilizado para obtenção AGENDA 21 local: guia do cidadão – constru- RELATÓRIO do diagnóstico rápido partici-
dos dados necessários”. Segundo ele, “is- indo nosso futuro. Rio de Janeiro: Prefeitu- pativo emancipador: programa INCRA/BID
to permite que a medição seja efetuada por ra Municipal/Instituto de Estudos da Reli- 0274. Brasília: IICA/ Lavras: Terra, 1997b.
todos aqueles que estejam interessados no gião, 1996. 24p. 373p.
acompanhamento desses projetos ou pro-
AMÂNCIO, R. Gestão em assentamento e RELATÓRIO do diagnóstico rápido partici-
gramas, no sentido de imprimir maior
poder público. In: SOUZA, A.V.A.; pativo de agroecossistemas do entorno da
transparência”.
MAFRA, L.A.S.; CARVALHO, R.S. Floresta Nacional do Rio Preto, Pedro
Se concordarmos com Bauer (1966), de
Gestão e participação para um desen- Canário-ES. Lavras:UFLA,1996. 80p.
que indicadores são “estatísticas, séries
volvimento sustentável nos assenta-
estatísticas e todas as outras formas de SCHÖNHUTH, M.; KIEVELITZ, U. Par-
mentos. Lavras: UFLA-FAEPE, 1998.
evidência que nos permitem avaliar onde tizipative erhebungs- und planungs-
p.67-83.
estamos e para onde vamos, com respeito methoden in der entwicklungs-
aos nossos valores e objetivos, e avaliar BAUER, R. A. Detection and anticipation zusammenarbeit: rapid rural appraisal –
programas específicos e seus impactos”, of impact: the nature of the task, social participatory appraisal, eine kommentierte
então concordamos que indicadores são indicators. Cambrige: MIT Press, 1966. einführung. Eschborn: GTZ, 1993.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.110-119, jan./fev. 2000


120 Agropecuária e Ambiente

Sustentabilidade ambiental e
gestão do uso da terra: uma abordagem voltada aos
assentamentos de reforma agrária
Carlos Eduardo Mazzetto Silva 1

Resumo - O trabalho de assistência técnica e apoio ao desenvolvimento dos assen-


tamentos rurais que vem sendo implementado pelo Incra, em parceria com diversas
entidades governamentais e não-governamentais, através do Projeto Lumiar, trouxe
uma série de questões relativas à esta temática. Isso não quer dizer que a abordagem
desenvolvida aqui seja aplicável exclusivamente aos assentamentos, mas sim, que a
realidade destes foi o fator provocador para sua elaboração. Acredita-se que ela se
encaixa também a realidades de comunidades de agricultores familiares inseridos
numa determinada ecorregião, que disponha de alguma forma organizativa, capaz
de incluir na sua pauta de discussão e trabalho a construção coletiva de estratégias de
gestão e uso do seu espaço agrícola/natural, visando o desenvolvimento sustentável
da comunidade.
Palavras-chave: Assentamentos agrícolas; Reforma agrária; Sustentabilidade ambiental.

INTRODUÇÃO mentais e não-governamentais, através do desenvolvimento rural sustentável.


A nova perspectiva da sustentabili- Projeto Lumiar, trouxe uma série de ques- É difícil de fugir dessa perspectiva nos
dade, no âmbito da agricultura, requer tam- tões relativas à esta temática que é foco dias de hoje. Exemplos diversos estão aí
bém uma nova forma de gestão de uso da deste artigo. Isso não quer dizer que a abor- para demonstrar como que determinadas
terra. O velho olhar, que se restringe ape- dagem desenvolvida aqui seja aplicável atividades inseridas num determinado es-
nas a uma unidade de produção, isolada exclusivamente aos assentamentos, mas paço agrícola desestabilizam os fluxos eco-
do ecossistema e da microbacia na qual sim, que a realidade destes foi o fator pro- lógicos e, por conseguinte, os sistemas agrí-
está inserida, não é capaz de dar conta da vocador para sua elaboração. Acreditamos colas deles dependentes. Implantação de
construção de estratégias que conduzam que ela se encaixa também a realidades de monoculturas de eucalipto e de pivôs cen-
os sistemas de produção agrícola à sus- comunidades de agricultores familiares trais nas chapadas e cabeceiras de cursos
tentabilidade. Assim, também, como não inseridos numa determinada ecorregião, d’água, movimentos e formas de manejo
é possível se pensar ou planejar “de fora” que disponha de alguma forma organiza- de solo que propiciam erosão e assorea-
projetos ou programas de desenvolvimento tiva (uma Associação Comunitária por mento, utilização descuidada de agrotó-
rural local, deixando de partir da realidade exemplo), capaz de incluir na sua pauta de xicos em áreas ribeirinhas, escorrimento de
sócio-política e cultural dos agricultores discussão e trabalho a construção coletiva dejetos de animais para os córregos, são
que ali vivem e produzem. de estratégias de gestão e uso do seu es- alguns exemplos de atividades pontuais
Neste contexto, o trabalho de assistên- paço agrícola/natural, visando o desen- que interferem negativamente em toda uma
cia técnica e apoio ao desenvolvimento volvimento sustentável da comunidade. microbacia e desestabilizam os sistemas de
dos assentamentos rurais, que vem sendo Assim como ela também pode ser útil nu- produção a jusante. Não é à toa que vem
implementado pelo Instituto Nacional de ma perspectiva espacial de nível municipal ganhando força a proposta de comitês de
Colonização e Reforma Agrária (Incra), em ou microrregional, incorporando uma visão gerenciamento de microbacias hidrográfi-
parceria com diversas entidades governa- ecossistêmica no planejamento para um cas, que nada mais é do que uma ferramen-

1
Engo Agro, M.Sc. Geografia, Consultor INCRA-MG/Projeto Brasil Sustentável e Democrático, Rua das Maritacas, 233 - Vila
Clóris, CEP 31775-240 Belo Horizonte-MG. E-mail: mazzetto.bhz@zaz.com.br
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.120-126, jan./fev. 2000
Agropecuária e Ambiente 121

ta para os moradores dessa região toma- a Reforma Agrária e não ao contrário, como informações sobre Reforma Agrária
rem para si o planejamento e a gestão do querem pensar alguns. Diga-se de antemão, Sustentável podem ser encontradas
espaço natural no qual estão inseridos, vi- que as dificuldades da incorporação deste em Leroy (1998).
sando à sua sustentabilidade. novo componente, passam não só pelo Certamente todas as respostas são ne-
Semelhantemente, o que se pretende principal órgão gestor da Reforma Agrária, gativas, o que nos leva a um grande desafio
aqui é contribuir na elaboração e consti- o Incra (embora deva-se reconhecer que técnico/político/social de inventar não só
tuição de ferramentas que possam propi- há um esforço neste sentido), mas também novos padrões tecnológicos e de produção
ciar aos agricultores a gestão autônoma do pelos órgãos ambientais oficiais como o sustentáveis e adaptados aos contextos
seu espaço agroambiental, assessorados Instituto Estadual de Florestas (IEF) em dos assentamentos, como também meto-
por técnicos que incorporem a perspectiva Minas Gerais, e pelos movimentos de dologias participativas que façam com que
da participação, da troca de saberes e da trabalhadores rurais que protagonizam a o conhecimento (e o posterior planeja-
sustentabilidade. luta pela terra. Sem falar do próprio movi- mento) agroambiental seja uma construção
mento ambientalista, de cunho mais preser- conjunta de técnicos e assentados, para
A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL vacionista, que não consegue articular a que haja uma real apropriação por aqueles
DA REFORMA AGRÁRIA questão ambiental com a questão social, que efetivamente vão gerir, do ponto de
nem pensar numa perspectiva multidi- vista produtivo, este espaço natural.
A inserção e o tratamento da questão
mensional de sustentabilidade.
ambiental nos assentamentos rurais são
Na verdade, o pano de fundo que está UMA VISÃO ESPACIAL
hoje, sem dúvida, um dos maiores desafios
por detrás desta questão diz respeito a um
enfrentados pelo processo de Reforma O enfoque que será dado neste texto
debate maior, referente aos padrões tecno-
Agrária. Embora, os projetos de assenta- refere-se a uma parte importante da questão
lógicos e de produção sobre os quais vem-
mento (PAs) não se constituam, a princípio, ambiental dos assentamentos que é a ges-
se embasando a agricultura brasileira. No
de empreendimentos de alto potencial de tão do uso da terra. Parte-se aqui do prin-
tocante à Reforma Agrária, este debate
impacto ambiental - muito pelo contrário, cípio de que um assentamento rural é um
pode ser trazido à tona com as seguintes
ao multiplicar pequenas unidades familia- espaço a ser apropriado e gerido por um
indagações:
res de produção, estão também viabili- conjunto de famílias, de forma que venha
a) O caráter predatório, excludente e de
zando uma ocupação mais diversificada e a garantir, através da produção agrícola2 ,
subordinação às agroindústrias (de
democrática do território, existem neles a segurança alimentar, a viabilidade eco-
insumos, máquinas, biogenéticas e
questões ambientais cruciais que neces- nômica e a conservação ambiental. Pode-
de processamento) do modelo da
sitam de tratamento, até em função de sua ríamos dizer que neste tripé encontra-se a
Revolução Verde, que privilegiou
viabilização futura, e que vinham até então, chave do, hoje também discutido, desen-
até aqui a agricultura patronal, será
de certa forma, sendo negligenciadas, ou volvimento sustentável dos assentamen-
reproduzido no âmbito da Reforma
tratadas sem o nível de profundidade que tos.
Agrária?
merecem. Entretanto, também é verdadeiro A partir da desapropriação de uma
afirmar que, dependendo da extensão das b) É este modelo adaptado aos perfis grande fazenda, instala-se um projeto de
áreas de assentamento e da forma como da agricultura familiar brasileira um conjunto de famílias agricultoras que
forem explorados os seus recursos na- (na qual, para nós, estão incluídos irá dar às suas terras novos usos, e que de-
turais, podem-se provocar impactos am- os assentados da Reforma Agrária) flagrará uma nova forma de apropriação3
bientais significativos. Não se pode, nem e às condições ecossistêmicas nas daquele espaço e de seus recursos natu-
se deve ignorar este fato, sob pena inclu- quais está inserida? rais. Apesar de, na maioria esmagadora dos
sive de desgastar a, hoje em alta, aprovação c) Será portanto neste modelo que en- PAs, a área sofrer um parcelamento em
popular da Reforma Agrária. Ignorar ou contraremos os elementos para a vários lotes, isso não invalida o fato de
negligenciar a questão ambiental nos as- construção de uma proposta de Re- que cada PA é ainda uma grande área de
sentamentos é, portanto, trabalhar contra forma Agrária Sustentável? Maiores terra a ser gerida4 , em especial no período

2
Não se ignora aqui que atividades não-agrícolas também poderão ser geradoras de renda nos assentamentos, mas que não são hoje, nem serão
em breve, as protagonistas desse processo.
3
Para Toledo (1996) a apropriação da natureza constitui o primeiro ato do processo metabólico que a espécie humana, constituída em sociedade,
estabeleceu com o universo natural. Ela conforma a dimensão propriamente ecológica do processo geral de produção.
4
Defendemos aqui, como veremos adiante, que gerir a área como um todo é fundamental do ponto de vista agroambiental.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.120-126, jan./fev. 2000


122 Agropecuária e Ambiente

que antecede a emancipação do assen- solos inviáveis para o uso agrícola. Ou- outras palavras, o ambiente conformado
tamento, no qual a propriedade da terra tros exemplos um pouco menos drásticos: pela área comporta vários microambientes
é do Incra. A responsabilidade principal lotes sem acesso à água (fato muito pouco ou sítios ecológicos que se podem dife-
desta gestão é da Associação dos assen- comum nas propriedades rurais “normais”, renciar por uma série de fatores, tais como:
tados, que se constitui a partir da desa- que geralmente organizam seu espaço a par- topografia e posição no relevo (brejo, bai-
propriação da área e tem que interagir tir dos cursos d’água); lotes em áreas de xada, encosta, topo do morro, chapada etc.),
principalmente com o Incra, para implan- chapada com 100% de latossolos arenosos ângulo de exposição ao sol (voltado para
tação da infra-estrutura e dos projetos pro- ou areias quartzosas e, conseqüentemente, Leste, Oeste etc.), drenagem, textura e fer-
dutivos do PA. também sem acesso à água; Reservas Le- tilidade do solo, tipo de cobertura vegetal
Quando o grande espaço (a grande gais em áreas de pouca cobertura vegetal e e outros. Um trabalho de estratificação5
propriedade original) é repartido em vários de pouca importância para o equilíbrio ambiental é fundamental então para iden-
pequenos espaços (os lotes dos assen- ecológico global da área. tificar e mapear esses microambientes ou
tados), uma série de problemas ambientais sítios ecológicos que, por sua vez, estão
e de viabilidade econômica pode aparecer. RECONHECER AS DIFERENÇAS fortemente relacionados com os diversos
Exemplos drásticos que a realidade nos Um pré-requisito para enfrentar o de- estratos da paisagem que compõem um
mostra: lotes com grande parte de sua área safio da gestão sustentável de uma área de dado ambiente (Quadro 1 e Figuras 55 e
enquadrada como Áreas de Preservação assentamento é reconhecer que o grande 56). Os ambientes homogêneos resultan-
Permanente (APPs); lotes em áreas de litos- espaço guarda diferenças dentro dele. Em tes dessa estratificação são chamados por

QUADRO 1 - Exemplo de estratificação ambiental de uma área hipotética, mas comum, nos cerrados de Minas Gerais(1)

Unidade
Características Aptidões Restrições
ecogeográfica(2)

A Baixada com baixa drenagem e alta Arroz, inhame, banana-nanica, cana- Respeitar área de preservação perma-
fertilidade (gley húmico); textura argi- de-açúcar, hortaliças. nente marginal ao curso d’água; manejo
losa; exposição sentido Norte-Sul; ve- cuidadoso da drenagem do solo.
getação graminóide de brejo.

B Encosta com média drenagem e média Capineira e cana-de-açúcar (parte mais Declividade que facilita o processo ero-
fertilidade: textura média (podzólico); baixa da encosta), milho, feijão, fava, sivo; implementar medidas de conser-
exposições voltadas para Leste (B1) e mandioca, frutíferas, café, sistemas vação de solo e privilegiar culturas e sis-
Oeste (B2); vegetação original de ma- agroflorestais. temas protetores de solo. Face voltada
ta seca; ocupação atual com pastos e para oeste é mais suscetível ao déficit
lavouras anuais. hídrico na época seca.

C Chapada com excelente drenagem, Pastagem (braquiárias e andropogon), Além de solos ácidos e pobres em bases
baixa fertilidade; textura arenosa (La- mandioca, abacaxi, frutos do cerrado, a área é muito exposta ao déficit hídrico;
tossolo Vermelho-Amarelo); total sistemas de cerrado manejado. trabalhar com culturas e sistemas adap-
exposição ao sol; vegetação de cerra- tados a essas condições.
do e ocupação parcial com pastagens.

D Serra com afloramentos rochosos e Reserva APP devido à declividade (maior que 45o);
solos rasos; baixa drenagem; vegetação pedregosidade.
de campo.

(1) Verificar as Figuras 55 e 56. (2) Importante ressaltar que nas áreas de transição de A para B, de B para C e de C para D, microambientes menores e
intermediários se conformam, podendo apresentar também aptidões muito específicas.

5
De acordo com Resende et al. (1995) estratificar é “separar uma área maior em porções mais ou menos homogêneas. Identificar numa área
heterogênea as partes componentes, apresentando, cada qual, considerável homogeneidade”.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.120-126, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 123

Petersen (1996) de “ecopaisagens”: elas


são as unidades básicas de sistematiza-
ção do comportamento dos ecossistemas.
Toledo (1996) trabalha com um conceito
muito próximo que ele chama de “unida-
des ecogeográficas”. Para este autor, estas
unidades delimitam as descontinuidades
da paisagem natural. Este conceito se aplica
perfeitamente à abordagem e ao sentido de
estratificação que estamos tentando desen-
volver aqui.
Por outro lado, do ponto de vista da
Legislação Florestal (que tanto tem mo-
lestado os assentados), a área também pode
ter diferentes tipologias: Áreas de Preser-
vação Permanente (margens de rio, vere-
das, áreas de proteção de nascentes, áreas
A B com declividade acima de 45 graus); for-
C mações que não podem mais ser alteradas,
D
como os remanescentes de Mata Atlântica
e Mata Seca por exemplo (Minas Gerais,
199-).
Curso d'água O reconhecimento dessas diferentes ti-
pologias (assim como dos microambien-
Unidade A - Baixada
tes) é muito importante para a definição
Unidade B - Encosta
adequada dos 20% de Reserva Legal que
Unidade C - Chapada deve ser demarcada e averbada em todas
Unidade D - Serra as áreas de assentamento. Aqui já começa
a aparecer a necessidade de um planeja-
Figura 55 - Planta da área de um projeto de assentamento com estratificação de suas mento estratégico de uso da área. Pen-
unidades ecogeográficas
sando na sustentabilidade do uso da área
a longo prazo, que parte dessa área deve-
se destinar a se tornar Reserva Legal?
Outras perguntas começam a surgir
neste momento:
a) Tirando a Reserva Legal e as APPs
que ficarem de fora da reserva tudo o
mais de vegetação que houver deve
ser erradicado? 6
b) Será que a melhor forma de explorar
a área, numa perspectiva de sus-
tentabilidade, é erradicando estas
coberturas vegetais?
c) Será que existem outras formas de
manejo de vegetação nativa original
Figura 56 - Perfil transversal da área de um projeto de assentamento

6
Importante lembrar aqui, por exemplo, que em Minas Gerais vários PAs estão em áreas com percentual expressivo de cobertura vegetal, em
especial de cerrado.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.120-126, jan./fev. 2000


124 Agropecuária e Ambiente

ou em regeneração que possam ser ecossistemas e não na qualidade de nossos qualquer escala, mas a tendência da agro-
interessantes do ponto de vista da solos, na maior parte pobres se compa- ecologia é enfocar sistemas agrícolas de
construção de sistemas sustentá- rados aos solos dos países de clima tem- pequenas unidades geográficas. O agro-
veis de produção nos PAs? perado. Os nutrientes são colocados no ecossistema é então uma unidade da paisa-
sistema pelo processo de bombeamento de gem onde se dão interações entre pessoas
d) Em termos de planejamento estraté-
plantas adaptadas e pela reciclagem de ma- e recursos, para a produção de alimentos,
gico de uso da área, quais serão as
téria orgânica que se estabelece. Erradicar fibras etc., constituindo sistemas abertos
áreas em que é interessante fazer o
a biomassa nativa existente, virgem ou em que recebem insumos de fora e exportam
desmate de forma tradicional para o
processo de regeneração, é romper com o produtos que podem entrar em sistemas
plantio?
ciclo de produção e reciclagem de biomassa externos. Pode-se pensar nos agroecos-
e) Onde pode ser interessante fazer um que sustenta nossos solos. É preciso ter sistemas como ecossistemas cultivados.
manejo (uma roçada seletiva, um ra- uma proposta muito consistente para se Cada região tem um grupo único de agro-
leamento, um desbaste com podas) colocar no lugar, sob risco de deflagrarmos ecossistemas que resulta de variações no
para aproveitar a produção de bio- um processo de empobrecimento e degra- clima, solo, relações econômicas, estrutura
massa, a proteção de solo dada por dação do solo e do ambiente agrícola como social e história. Ele funciona com base em
essa cobertura vegetal e o potencial um todo7 . Esse raciocínio não é válido só quatro processos ecológicos principais:
econômico de algumas plantas nati- para locais de coberturas florestais, mas energéticos, biogeoquímicos, hídricos e
vas? Pode-se trabalhar na perspec- também de caatingas e cerrados, que afinal de equilíbrio biótico.
tiva, por exemplo, de um sistema são as fisionomias que a natureza desen- Os métodos simplificadores do am-
agroflorestal ou silvipastoril? volveu para convivência com as condições biente da agricultura moderna vêm insta-
f) E onde pode ser interessante deli- climáticas e geofísicas presentes nestes bilizando os agroecossistemas através do
mitar algo como uma reserva extra- locais. rompimento destes processos. A agroeco-
tivista, onde as espécies vegetais logia busca a restituição destes processos
mais interessantes podem ser explo- ALGUNS CONCEITOS para a estabilização dos agroecossistemas.
radas coletiva ou associativamen- FUNDAMENTAIS Esta estabilização dos agroecossistemas
te? Pode-se ainda pensar numa está estreitamente associada à sua sus-
A ciência, ainda jovem, da agroecologia
estratégia de adensamento dessas tentabilidade.
é um instrumento privilegiado para viabili-
plantas mais úteis nesta área de re- zar este trabalho de estratificação ambiental Procurando reformular um pouco a
serva? participativa e planejamento agroambiental construção teórica de Altieri (1989), po-
Enfim, pensar nas áreas que não foram dos assentamentos. A agroecologia, do deríamos dizer que a sustentabilidade dos
incluídas na Reserva Legal e que não se ponto de vista científico, é o mesmo que a agroecossistemas está ligada a quatro fa-
encaixam também como APPs, como sim- ecologia agrícola, e procura encarar os sis- tores/indicadores fundamentais:
ples objetos de desmate e exploração con- temas produtivos como uma unidade fun- a) a resiliência que se refere à habili-
vencional com aração, gradagem (expo- damental de estudo, onde os ciclos mi- dade de um agroecossistema em
sição e revolvimento do solo), correção e nerais, as transformações energéticas, os manter a produção através do tempo,
fertilização convencional, pode não ser a processos biológicos e as relações sócio- em face dos distúrbios ecológicos e
alternativa de exploração dos recursos mais econômicas são investigadas e analisadas pressões sócio-econômicas de lon-
inteligente numa perspectiva de manuten- como um todo (Altieri, 1989). go prazo;
ção/conservação/melhoria da capacidade A agroecologia vem sendo muito utili-
b) a eqüidade é a medida de como os
produtiva da área e numa realidade de zada para o estudo e intervenção em sis-
produtos do agroecossistema são
agricultura familiar de um país tropical, temas camponeses de produção visando à
distribuídos entre os produtores e
onde a maior riqueza é o sol e não o solo. sua sustentabilidade. Para tanto, utiliza-se
consumidores locais;
Ou seja, a riqueza da qual dispomos está de um outro conceito-chave: o agroecos-
no potencial de fotossíntese e na capacida- sistema. De acordo com Altieri (1989), um c) a estabilidade é a constância da pro-
de de produção de biomassa de nossos agroecossistema pode ser definido em dução sob um conjunto de condições

7
Este fato aliás vem acontecendo intensamente em vários ecossistemas brasileiros.De acordo com Resende et al. (1995) estratificar é “separar
uma área maior em porções mais ou menos homogêneas. Identificar numa área heterogênea as partes componentes, apresentando, cada qual,
considerável homogeneidade”.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.120-126, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 125

ambientais, econômicas e de mane- derna (irrigação, drenagem, sistematização proximidades, em graus diferenciados, com
jo8. Altieri (1989) cita três fontes de de terras, fertilização e combate artificial a o perfil camponês e identifica-se com o que
estabilidade: a de manejo, a econômi- pragas, doenças e plantas daninhas etc.). chamamos hoje de agricultura familiar
ca e a cultural; Estas práticas de convivência são muito concluiremos que a sua sobrevivência e
mais adequadas à noção da sustentabili- reprodução certamente dependerá deste
d) a produtividade é uma medida quan-
dade dos agroecossistemas do que as de processo de construção de práticas de con-
titativa da proporção e do montan-
redução10 , e muito mais viáveis às condi- vivência com o ambiente aproveitando,
te de produção por unidade de terra
ções sócio-econômicas e culturais da agri- como diz Toledo (1996), a sua heterogenei-
ou insumo9.
cultura familiar. Estas práticas procuram dade espacial e a sua diversidade bioló-
A autonomia é outro indicador que tem explorar da forma mais adaptada possível gica.
a ver com o grau de integração ou controle cada microambiente ou unidade ecogeo- O fato de constituir-se numa comuni-
dos agroecossistemas, refletido no movi- gráfica. O conhecimento agroecológico dade nova traz dificultadores, mas também
mento de materiais, energia e informação deve aperfeiçoar e potencializar esta explo- facilitadores. Por um lado, esta comunidade
entre suas partes constitutivas, e entre ração espacialmente diferenciada e biolo- não apresenta (ou apresenta ainda de forma
o agroecossistema e o ambiente externo. gicamente diversificada para que se possa incipiente), uma identidade sociocultural,
A auto-suficiência de um sistema de pro- gradativamente ir tornando o agroecossis- pelo fato de estar iniciando uma convivên-
dução relaciona-se com a capacidade tema mais sustentável. cia, nem uma história comum de interação
interna para administrar os fluxos neces- Toda esta abordagem tem sido utilizada com o agroecossistema que está agora
sários para a produção. Ou seja, a autono- para intervenções em comunidades cam- ocupando. Por outro lado, este agroecos-
mia de um agroecossistema diminuirá à ponesas ou de agricultores familiares. A sistema, que se constituía anteriormente de
medida que se incremente a necessidade sua aplicação nos agroecossistemas que uma grande fazenda, deverá, a partir do
de acudir ao mercado para continuar a pro- constituem as áreas de assentamento pa- evento do assentamento, ser totalmente
dução. rece-nos não só pertinente, como crucial reconstruído, o que abre uma interessan-
Por outro lado Toledo (1996) (elabo- para se avançar no que estamos chaman- te perspectiva de planejamento estratégico
rador de uma abordagem etnoecológica do de uma gestão de uso da terra que cami- de uso e gestão deste espaço. Introduzir
que se intersecta com a agroecologia) vem nhe no sentido da sustentabilidade agro- então a idéia de sustentabilidade do agro-
demonstrar que os camponeses histori- ambiental dessas áreas. Não se tem dúvida ecossistema, que será buscado através de
camente manipularam a paisagem natural de que a aplicação desta abordagem deve um processo participativo de estratifica-
de tal forma que venha a favorecer duas considerar as diferenças entre uma comu- ção (e mapeamento) de suas unidades eco-
características ambientais: a heteroge- nidade camponesa tradicional e uma co- geográficas e de uma posterior construção
neidade espacial e a diversidade biológica. munidade nova e em construção como um da proposta global de uso sustentável da
Esta forma de manipulação está associada assentamento. Nesta última, em geral, não área, será, sem dúvida, um fator essen-
ao fato de que os pequenos agricultores, há um uso histórico e cultural de sua terra; cial ao alcance do objetivo deste planeja-
por questões sócio-políticas, em geral não houve um processo anterior de acú- mento.
ocupam os ambientes com maiores restri- mulo de conhecimentos agroambientais A pergunta-chave é: quando e como in-
ções geográficas e ecológicas (Cardoso & que permitissem à comunidade ir realizando troduzir esta abordagem? É quando chegar
Resende, 1996). No processo produtivo, um processo adaptativo àquele ambiente. o Projeto Lumiar, que deverá realizar um
tais restrições são normalmente enfren- Tudo isso, entretanto, será construído a diagnóstico e elaborar um plano de desen-
tadas com práticas de convivência e não partir da ocupação daquela terra. Se con- volvimento do assentamento? É claro que
de redução, como busca a agricultura mo- siderarmos, que o perfil dos assentados tem não, pois na cronologia habitual do proces-

8
Para Fernández (199-), a distinção entre estabilidade e resiliência tem a ver com as forças atuantes. No primeiro caso, são relativamente
pequenas e ordinárias (variação normal dos preços, variações climáticas freqüentes etc.) e são distorções cujo impacto é pequeno. No segundo caso,
são forças raras, menos esperadas, para cuja superação o agroecossistema não desenvolveu defesa alguma.
9
Aqui, a abordagem de Altieri (1989) parece ser um tanto convencional. Pode-se pensar também na produtividade por unidade de trabalho e por
unidade de energia. Também parece ser fundamental, do ponto de vista agroecológico, pensar a produtividade do agroecossistema como um todo,
levando em consideração tudo que se extrai dentro dele: plantas medicinais, forrageiras, oleaginosas, ornamentais e para artesanato, lenha, madeira
para construções etc.
10
Aqui se coloca uma questão de fundo a respeito de diferentes modelos de agricultura: de um lado uma agricultura que procura adaptar o
ambiente às suas atividades e projetos (práticas de redução), outra que procura adaptar suas atividades ao ambiente (práticas de convivência).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.120-126, jan./fev. 2000


126 Agropecuária e Ambiente

so de implantação dos PAs, o Lumiar chega consistente) perspectiva que se abre com futuros assentados do PA têm o seu co-
depois do parcelamento. E o parcelamento a introdução do conceito da sustentabili- nhecimento agroambiental da área e que
nada mais é do que a repartição do agro- dade neste processo. Também interferem suas participações na elaboração e defi-
ecossistema original em lotes menores que aí mentalidades diferenciadas, por parte nição do parcelamento serão de fundamen-
vão condicionar a forma como será usado dos assentados, no tocante à relação com tal importância para que este seja simul-
estes espaços a partir de então. Se, no pro- a terra. Se por um lado, encontramos nos taneamente adequado às expectativas das
cesso de parcelamento, esta abordagem assentamentos perfis tipicamente campo- famílias agricultoras e às potencialida-
proposta não for adotada, toda a pers- neses, por outro, também encontramos ex- des e limitações dos recursos naturais das
pectiva de sustentabilidade do uso da terra assalariados rurais e bóias-frias forjados áreas.
que se está buscando poderá estar inviabi- no seio das monoculturas modernas, além
lizada ou, pelo menos, muito dificultada. de famílias que já vivenciaram uma signifi-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Na verdade, é o processo participativo que cativa experiência urbana11. A construção
citamos antes que deverá condicionar o de uma identidade que transforme o grupo ALTIERI, M. Agroecologia: as bases cientí-
parcelamento. Isto, é claro, encerraria uma numa comunidade, é um desafio e um pro- ficas da agricultura alternativa. Rio de Ja-
mudança na metodologia atual de elabora- cesso que deverá dar-se simultaneamen- neiro: AS-PTA, 1989.
ção dos planos preliminares e do parcela- te ao desenvolvimento do conhecimento e CARDOSO, I.; RESENDE, M. Percepção e
mento. do planejamento agroambiental que defi- uso de ambientes naturais por peque-
nirá o tipo de apropriação dos recursos que nos agricultores. In: ALTERNATIVAS:
CONCLUSÃO se consolidará nos diversos agroecossis- cadernos de agroecologia. Rio de Janeiro:
As questões, problemas e propostas temas. AS-PTA, 1996.

levantadas neste texto, evidenciam algu- O que estamos querendo ressaltar aqui, FERNÁNDEZ, X.S. El desarrollo sustenta-
mas inadequações ou insuficiências dos é que a construção de uma proposta de ble: una perspectiva agroecológica. [199-].
processos relativos à implantação e desen- sustentabilidade ambiental na gestão do 10p. Mimeografado.
volvimento dos PAs. Em especial, inade- uso da terra dos PAs depende, na verdade,
LEROY, J. P. Por uma reforma agrária sus-
quações que impedem a inserção completa dos processos que vão desde a ocupação
tentável. Rio de Janeiro: Fase, 1998. 7p.
da questão ambiental, articulada com a da área (e aí já começa a responsabilidade
Mimeografado.
viabilidade econômica das áreas, no pro- político/educativa dos movimentos) até a
fase de seu desenvolvimento propriamen- MINAS GERAIS. Lei Florestal: Lei 10.561
cesso de implantação destes projetos,
te dito. Passa portanto pela vistoria, plano de 27 de janeiro de 1991 - Decreto de Regu-
assim como insuficiências no processo de
lamentação. Belo Horizonte: IEF, [199-].
incorporação de uma metodologia partici- preliminar, parcelamento, implantação da
34p.
pativa e construtivista para definição cons- infra-estrutura, fornecimento dos créditos
ciente do uso das terras dos assentamentos de implantação e depois do Programa de PETERSEN, P. Diagnóstico ambiental rá-
por parte dos assentados. Crédito Especial para a Reforma Agrá- pido e participativo: levantando infor-
Estas inadequações ou insuficiências ria (Procera) e implantação do Projeto Lu- mações e mobilizando a comunidade pa-
miar. ra um manejo sustentável das terras. In:
estão ligadas, por um lado, aos procedi-
Em outras palavras: o levantamento dos ALTERNATIVAS: cadernos de agroeco-
mentos institucionais do Incra (e indire-
logia. Rio de Janeiro: AS-PTA, 1996.
tamente também dos outros órgãos que recursos naturais executado na ocasião da
acabam intervindo nos PAs), mas também, vistoria já deve ser pensado nesta pers- RESENDE, M.; CURI, N.; REZENDE, S.B.
por outro lado, à própria cultura dos mo- pectiva de uso sustentável dos recursos, de; CORREA, G.F. Pedologia: base para
vimentos de luta pela terra que ainda não ou seja, a partir de uma estratificação am- distinção de ambientes. Viçosa: NEPUT,
assimilaram, de uma forma mais abran- biental que venha a ajudar na construção 1995.
gente, a importância da questão ambien- participativa de uma proposta de parce- TOLEDO, V.M. La apropiacion campesi-
tal que envolve os PAs e o processo da lamento que facilite, e até conduza, este na de la naturaleza: un analisis etnoeco-
Reforma Agrária como um todo, nem uso sustentável. Esta construção partici- logico. Mexico, 1996. 104p. Mimeogra-
despertaram para a nova (e muito mais pativa implica do fato que os acampados/ fado.

11
A construção de uma visão crítica das diferentes relações com a natureza que condicionam e estão por trás das diferentes formas de agricultura
é fundamental neste contexto.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.120-126, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 127

Recuperação de áreas degradadas


Charles Aparecido Gonçalves Ferreira 1

Resumo – Apresentam-se a compatibilização entre agricultura e meio ambiente; práticas


de controle da erosão e práticas complementares de melhoramento da terra e parâ-
metros que deverão ser observados na recuperação de solos degradados pela agro-
pecuária. Afirma-se a necessidade de viabilização de um modelo de produção agrícola
que apresente produtividade compatível com a saúde e a segurança alimentar, econo-
micamente viável, que não agrida o meio ambiente.
Palavras-chave: Recursos naturais; Solo; Degradação; Recuperação; Práticas culturais.

INTRODUÇÃO brio e sustentabilidade existentes anterior- preservação permanente. Essa exigência


mente à atividade degradadora. A aborda- é ignorada na maior parte do país, sendo
A utilização desordenada dos recur-
gem temática é holística, sendo necessário observado que a expansão agropecuária
sos naturais tem gerado a degradação de
o envolvimento direto e indireto de técni- não obedece critérios lógicos.
áreas em quase todo território nacional
cos das mais diferentes especializações. Após a derrubada da mata e queimada,
(Fig. 57, p.68).
de forma irracional e descontrolada, as
No Brasil a avaliação exata da extensão
dos solos degradados é ainda muito pre- CARACTERIZAÇÃO DO terras foram cultivadas fora de sua verda-
cária. Todas as estimativas apontam para PROCESSO DE DEGRADAÇÃO deira aptidão agrícola, sem que se tomas-
DO SOLO sem medidas necessárias de conservação
o desmatamento e para as atividades agrí-
e manejo, utilizando-se sistemas de pro-
colas como os principais fatores de degra- A degradação do solo é de difícil defi-
dução esgotadores do solo, caracterizados
dação dos nossos solos. nição. Na maioria dos casos, os solos utili-
pela excessiva movimentação, falta de
Geralmente, os impactos causados por zados para fins agrícolas podem estar em
cobertura e rotação e eventualmente com
obras de engenharia, como rodovias, fer- processo de degradação sem conseqüên-
queima de resíduos culturais. Associam-
rovias, hidrelétricas, barragens etc., e por cias visuais claras e bem caracterizadas.
se, ainda, à aceleração dos processos erosi-
atividades de mineração a céu aberto, sensi- A ciência do solo considera que, à me-
vos, a diminuição gradativa e constante do
bilizam intensivamente a população, que dida que as características que determinam
teor de matéria orgânica, originada da
atribui a estas atividades a maior respon- a qualidade de um solo forem alteradas,
erosão hídrica, revolvimento do solo, inso-
sabilidade pela degradação dos solos. Essa estabelece-se o processo de degradação.
lação, exaustão de nutrientes e falta de
impressão negativa é facilmente justifi- A degradação de terras agrícolas deve
rotação, provocando assim uma degrada-
cável, pois constitui-se em atividades com enfocar não só aspectos relativos ao meio
ção física dos solos, com reflexos negativos
alto potencial de impacto ambiental. No físico, mas também aspectos econômicos,
na infiltração da água de chuvas.
entanto, ao avaliar a extensão da degra- uma vez que a perda de produtividade pode
A agricultura mineira revela uma rea-
dação, verifica-se que esta é mínima em estar relacionada com a degradação do
lidade heterogênea e complexa em seus
comparação ao desmatamento ou ao super- solo. Power & Myers (1989) definem a qua-
sistemas e estruturas de produção. Neste
pastejo. A degradação não pode ser avalia- lidade de um solo com a sua capacidade
ínterim, citam-se dois extremos:
da apenas pela sua extensão, mas também em manter o crescimento de plantas, o que
pela sua intensidade. inclui fatores como agregação, teor de ma- a) sistemas agrícolas primitivos que
A recuperação de áreas degradadas téria orgânica, profundidade, capacidade consomem muitos recursos naturais
pode ser conceituada como um conjunto de retenção de água, taxa de infiltração, ca- (desmamentos, perda de solos, per-
de ações idealizadas e executadas por equi- pacidade tampão de pH, disponibilidade da de fertilidade natural, erosão ge-
pes multidisciplinares, constituídas por de nutrientes etc. nética, etc.). Freqüentemente, obser-
especialistas das mais diferentes áreas, que De acordo com o código florestal (Farah, vam-se em áreas onde a fronteira
visa proporcionar, em última instância, o 1967), os proprietários rurais são obrigados agrícola ainda está em expansão;
restabelecimento das condições de equilí- a demarcar as áreas de reserva legal e de b) sistemas de produção altamente in-

1
Engo Agro; M.Sc. Alcoa Alumínio S.A.. Rodovia Poços de Caldas/Andradas - km 10, Caixa Postal 128, CEP 39701-970 Poços de Caldas-MG.
E-mail: charles.ferreira@alcoa.com.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.127-130, jan./fev. 2000


128 Agropecuária e Ambiente

tensificados que consomem relati- primeiro passo em direção à agricultura b) práticas complementares de melho-
vamente menos recursos naturais no sustentável. Para isso, deve-se classificar ramentos (eventuais): procuram me-
local, mas introduzem no ambiente cada parcela de terra (gleba) de acordo com lhorar ou recuperar as condições de
novos elementos e produtos causa- a sua capacidade de suporte (sustentação produtividade das terras e racio-
dores de desequilíbrios (agrotóxi- e produtividade), de forma que os recursos nalizar ao máximo o uso dos solos.
cos, fertilizantes e sais). Esses siste- naturais disponíveis proporcionem melho- Atuam indiretamente no controle da
mas são observados em locais onde res usos e benefícios (Fig. 58, p.68). erosão, em função do aumento pro-
a fronteira agrícola não se expande Salienta-se que terra não inclui somen- movido no enraizamento e na cober-
mais e os processos de produção te as características associadas ao solo, tura do solo, ocasionado pelo maior
intensificaram-se. mas também outros atributos físicos, como desenvolvimento das plantas culti-
Os dados do IBGE (1998) registram que o relevo, vegetação, tipos e graus de ero- vadas. Citam-se, como exemplos:
dentre as principais culturas do estado de são, disponibilidade de água e impedi- calagem, adubações químicas, adu-
Minas Gerais, apenas o café apresentou mentos a motomecanização. Sua utilização bações verdes, rotação de culturas,
crescimento em área cultivada. Contraria- agrícola depende também de condições de subsolagem, drenagem, divisão e
mente a esse crescimento, registra-se perda infra-estrutura (meios de transporte, insta- manejo de pastagens.
significativa do pouco que restava da Ma- lações, máquinas, equipamentos) e, ainda,
ta Atlântica (3,0% da área original), colo- condições socioeconômicas (salubridade RECOMENDAÇÕES
cando Minas como o quarto Estado da da região, disponibilidade de mão-de-obra, O solo, quando colocado sob cultivo,
União que mais contribuiu para a destrui- mercado, preços de insumos e de produtos sofre alterações nas suas propriedades
ção deste ecossistema. agropecuários). químicas, físicas e biológicas.
Depreende-se deste fato que o aumen- A classificação da terra na sua capaci- A destruição da cobertura vegetal na-
to da produtividade é incompatível com a dade de uso consiste na identificação da tural, a desagregação da camada superficial
expansão da fronteira agrícola. É sabido que sua adaptabilidade para fins diversos, sem nos processos de aração e gradagem, a
a pesquisa gerou tecnologias adequadas que sofra depauperamento pelos fatores queima dos restos culturais, a retirada pelas
para o correto preparo do solo, através de de desgaste e empobrecimento. Nesta li- colheitas, o ataque da superfície pela água
calagem e fertilização, controle da erosão, nha, as glebas são agrupadas em relação das chuvas, quando se chocam contra o
variedades mais produtivas e com maior às limitações de uso e/ou riscos de degra- solo ou quando sob forma de enxurradas
plasticidade ecológica, densidade, época dação do solo em grau semelhante. correm sobre a superfície, a movimentação
de plantio e controle de pragas e doenças. A caracterização das classes de capa- constante de máquinas e implementos
Quando se almeja maximizar a produção das cidade de uso leva em consideração a maior provocam, dentre outras alterações:
culturas todos fatores de produção têm que ou menor complexidade das práticas con- a) destruição da matéria orgânica;
ser considerados, sendo extremamente servacionistas, em especial as de controle
lamentável que conhecimentos conside- da erosão. As práticas de conservação do b) alteração na estrutura;
rados básicos ainda não são devidamente solo, usualmente definidas como o con- c) adensamentos e compactação do
adotados pelos agricultores, revelando junto de medidas destinadas a controlar a solo e subsolo;
uma lacuna existente entre a pesquisa, erosão e outras formas de depauperamento d) rebaixamento do perfil;
extensão e o agricultor (principalmente os do solo, de modo a mantê-lo permanente-
e) empobrecimento do solo e acidez;
pequenos agricultores). mente produtivo, são subdivididas em:
Entre os impactos provocados pela a) práticas de controle da erosão (obri- f) alteração da vida microbiana.
agropecuária destacam-se a baixa produ- gatórias): destinadas a diminuir o O processo de degradação é variável,
tividade, exaustão crescente do solo, apli- processo erosivo, isto é, desagre- desenvolvendo-se em maior ou menor grau
cação exacerbada de agrotóxicos, carrea- gação, transporte e deposição de de acordo com o tipo de solo (mais resis-
mento de solos, assoreamento do leito dos partículas do solo, causado pelas tente ao fenômeno), clima, e principalmen-
rios e diminuição de sua vazão e perda da forças de impacto direto das gotas te pela forma com que o solo é manejado.
biodiversidade (desmatamento). de chuva, pela enxurrada e pelo Existem procedimentos que contribuem
Sabemos que a atividade é fundamental vento, provocando o desgaste e re- para acelerar o processo de degradação e
à sobrevivência humana, no entanto deve baixamento do perfil do solo loca- práticas que permitem manter ou melhorar
ser desenvolvida de forma ecologicamente lizado nas partes mais elevadas e, ou até restaurar a produtividade dos so-
correta, sem comprometer os recursos na- eventualmente, o acúmulo de sedi- los.
turais para o uso das futuras gerações. mentos sobre aquele localizado em É imprescindível que sejam adotadas
condições de cotas mais baixas. medidas de proteção da bioestrutura de tal
COMPATIBILIZAÇÃO ENTRE Dentre as mais difundidas, estão o forma que assegure a conservação e a ma-
AGRICULTURA E MEIO terraceamento, plantio e cultivo em nutenção da produtividade.
AMBIENTE nível, faixas de retenção ou de rota- Para se utilizarem metodologias e prá-
O uso adequado da terra consiste no ção e canais divergentes; ticas eficientes na recuperação de solos

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.127-130, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 129

degradados pela agropecuária é necessá- de, textura, declive, erosão, pedregosidade, No Quadro 1 são apresentadas as me-
rio o conhecimento dos seguintes parâme- riscos de inundação, uso anterior, uso atual, didas e práticas de recuperação de solos
tros: profundidade efetiva, permeabilida- dentre outras características. degradados.

QUADRO 1 - Medidas obrigatórias e eventuais a serem utilizadas para recuperação de áreas degradadas
Tecnologias indicadas
Observações
Periodicidade Tipos
Constante Identificação da aptidão das glebas/capacidade de uso(1) (2) (3) Obrigatoriamente nos grupos e classes (I, II, III, IV, V, VI, VI, VIII)

Preparo do solo em nível(1) (2) (3) (4)

Plantio em nível(1) (2) (3) (4)

Estradas e carreadores em nível(1) (2) (4) Retirar as águas superficiais da propriedade


(1) (3)
Controle do fogo Evitar queimadas – os restos culturais devem ser incorporados

Análises de solos(1) (2) (3) (4)

Calagem(1) (2) (3) (4)

Manejo do mato(2) Manter a cultura sempre limpa (as entrelinhas devem ser limpas na
seca e apenas roçada na estação chuvosa) sem retirada do material

Estradas e carreadores transversais em nível(2) Nivelados e corretamente dispostos na área

Carreadores pendentes desencontrados(2) Com o intuito de diminuir o comprimento dos lançantes

Retirar a água dos carreadores das estradas(2) Desviar as águas superficiais para bacia de sedimentação previamente
(3) preparadas
Subdivisão da pastagem e pastejo controlado

Reforma periódica da pastagem(3)

Eventuais Terraceamento(1) (2) (3) (4) Para declives de 3,0 a 12,0%


(1) (2) (3) (4)
Subsolagem No caso de camadas impermeáveis no subsolo

Manejo alternativo do solo (plantio direto, cultivo mínimo,


preparo reduzido)(1) (2) (3) (4) Sempre que as condições e situações permitirem

Controle químico do mato(1) (2) Reduzir ao máximo a desagregação do solo

Rotação de culturas(1) Fazer a rotação alternando culturas com sistema radicular e sistema de
vegetação diferentes

Faixas de retenção(1) Confecção de faixas estreitas, com vegetação densa

Embaciamento(2) Canais rasos e largos em todas as ruas

Cobertura morta(2) Usar palhas, cascas e capins principalmente no período chuvoso

Escarificação(3) Quebra do encrostamento que se forma na superfície

Manejo do mato na formação(4) No período seco: linhas e ruas limpas


Nas águas: ruas roçadas e linhas limpas
NOTA: I, II,III,IV,V,VI,VII referem-se às classes de capacidade de uso do solo.
(1) Culturas anuais. (2) Culturas permanentes. (3) Pastagens. (4) Reflorestamentos.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.127-130, jan./fev. 2000


130 Agropecuária e Ambiente

CONSIDERAÇÕES GERAIS para determinadas finalidades, como agriculture. Saskatoon: Canadian Int.
exemplo as culturas anuais) poderão Development Agency/Univ. of
É fundamental que os agricultores ado- Saskatchewan – Saskatchewan Inst. of
ser destinadas para culturas perma-
tem a microbacia como a unidade física de Pedology, 1989. p.273-292.
nentes, pastagens e/ou refloresta-
gerenciamento, intervenção e análise, na
mentos;
busca da sustentabilidade social, econô-
d) no planejamento conservacionista BIBLIOGRAFIA
mica e ambiental.
Para alcançar a sustentabilidade dese- propriamente dito devem ser consi- BEEK, K.J. Land evaluation for agricultural
jada pelo modelo da agricultura susten- derados os seguintes aspectos: development: some explorations of land-
tável, é fundamental a adoção das seguin- - ordenação da ocupação do solo use systems analysis with particular
tes estratégias: reference to Latin America. Wageningen:
(capacidade de uso);
International Institute for Land Reclamation
a) tecnologias que promovam a conser- - cultivo mínimo e plantio direto; and Improvement, 1978. 333 p. (ILRI.
vação dos recursos naturais (água, Publication,23).
solo, fauna e flora) através de medi- - diminuição do uso de agrotóxicos;
BERTONI, J; LOMBARDI NETO, F. Con-
das mitigadoras dos processos de - utilização de adubação orgânica;
servação do solo. São Paulo: Ícone, 1990.
degradação; - uso de métodos e técnicas de irri- 355p.
b) tecnologias que visam aumentar a gação inadequados e ineficientes CASTRO, O. M. de. Sistemas de preparo do
cobertura vegetal do solo, reduzindo para determinadas regiões; solo e rotação de cultura para milho e soja.
a ação erosiva do impacto das gotas - lixiviação de nutrientes; In: RELATÓRIO técnico anual. Campinas:
de chuva sobre o solo; IAC, 1988. 53p.
- profundidade efetiva;
c) tecnologias que visam aumentar a DORAN, J. W.; PARKIN, T.B. Defining and
infiltração de água no solo, diminuin- - permeabilidade; assessment soil quality. In: DORAN, J.B.;
do o deflúvio e escoamento super- - textura; COLEMAN, D.C.; BEZDICEK, D.F.;
ficiais, minimizando os problemas STEWART, B.A. (Ed.) Defining soil
- declive; quality for a sustainable environment.
relacionados com o desgaste do solo
- erosão; Madison: Soil Science Society of
pelos processos erosivos.
America,1994. 244p. (SSSA. Special
- pedregosidade; Publication, 5).
CONCLUSÃO - riscos de inundação; DORAN, J.W; PARKIN, T.B. Quantitative
a) em termos de consciência ambiental, - uso anterior; indicators of soil quality: a minimum data
nota-se um atraso da agropecuária set. In: DORAN, J.W; JONES, A.J. (Ed.).
- uso atual etc. Methods for assessment soli quality.
em comparação a outras atividades
e) culturas anuais devem ser plantadas Madison: Soil Sciense Society of America,
econômicas potencialmente polui-
1996. p.215-238. (Soil Science Society of
doras, como o setor industrial e mi- nas glebas menos suscetíveis ao
America. Special Publication, 49).
neração, quando desenvolvidas em processo erosivo. Preferencialmente,
devem ser plantadas nas terras mais FRANÇA, G.V. A classificação das terras de
conformidade com as normas am-
acordo com a sua classe de capacidade de
bientais; planas e menos arenosas, ou seja, é
uso com base para um programa de
fundamental o conhecimento da
b) o uso intensivo da terra evoluiu para conservação do solo. In: CONGRESSO
aptidão agrícola das terras (capa- NACIONAL DE CONSERVAÇÃO, DO
uma fase de exaustão de nutrientes
cidade de uso). SOLO, 1, Campinas, 1960. Anais... São
pelas culturas e pela erosão hídri-
ca, obrigando os agricultores, na Paulo: Secretaria da Agricultura, 1963.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS p.399-408.
maioria das vezes, a derrubarem mais
mato, a aproximarem-se cada vez FARAH,V.A. (Org.). Legislação florestal: leis, RAMALHO FILHO, A.; PEREIRA, E.G.;
mais das áreas de preservação per- decretos e regulamentos federais. Rio de BEEK, K.J. Sistema de avaliação da
Janeiro: MA-SAI, 1967. 186p. (SIA. Série aptidão agrícola das terras. Brasília:
manente (margens dos córregos e
Documentária, 26). SUPLAN/Rio de Janeiro: EMBRAPA-
rios e topos de morros);
SNLCS, 1978. 70p.
IBGE (Rio de Janeiro, RJ). Brasil em núme-
c) o ajustamento da gleba à sua capa- ros: Minas Gerais. Rio de Janeiro, 1998. REUNIÃO TÉCNICA DE LEVANTAMEN-
cidade de uso é prática básica de- v.1. TO DE SOLOS, 10, 1979, Rio de Janeiro.
vendo ser a primeira preocupação Súmula... Rio de Janeiro: EMPRAPA-
POWER, J.F.; MYERS, R.J.K. The maintenan-
do agricultor. Esse ajustamento é ce or improvement of farming systems
SNLCS, 1979. 83p. (EMBRAPA-SNLCS.
de fundamental importância para Série Miscelânea, 1).
in North America and Australia. In:
aumentar a eficiência na utilização INTERNATIONAL CONFERENCE SIMS, D.A. Consultant report, soil con-
dos recursos. Neste sentido, as áreas SPONSORED, 1989, Saskatoon, Canada. servation research. Campinas: IAC, 1984.
de menor potencial (sem aptidão Proceedings... Soil quality in semi arid 74p. (UNDP/FAO. BRA/82/011).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.127-130, jan./fev. 2000


Agropecuária e Ambiente 131

SISTEMA AGROPECUÁRIO EM FOCO

Foto: Joel Duarte


Engo Agro Carlos Henrique Filizzola

Diretor Técnico Operacional da Ceasa-MG

INTEGRAÇÃO COMO FATOR DE SUCESSO


A integração entre os órgãos que com- rá condição de implementar ações efetivas Ações integradas como o Projeto Barra-
põem a Secretaria de Estado de Agricul- contra os já tradicionais males da agro- cão do Produtor, que envolve a Ceasa-MG,
tura, Pecuária e Abastecimento é funda- pecuária, como a falta de planejamento e Emater-MG e o Banco de Sementes, Insu-
mental, pois as atividades desempenhadas de informação, a dificuldade de dissemi- mos e Matrizes – composto pela EPAMIG,
pelas empresas do Sistema são comple- nação de novas tecnologias, a orientação Emater, IMA, Casemg e Ceasa-MG – têm
mentares. Cada uma possui um papel para o mercado consumidor e a excelência seu sucesso garantido por vislumbrarem,
específico, dentro do contexto geral. Tra- na comercialização. em toda a cadeia produtiva, as demandas
balhando integradas, todas chegarão aos por tecnologia, investimento e adminis-
A metodologia adotada pela Seapa,
objetivos comuns, quais sejam: tração rural, que tanto inviabilizam o pe-
através das diretrizes traçadas à Coor-
queno produtor. Apesar de serem aparen-
- proteger o produtor; denadoria Executiva, pelo secretário Raul
temente óbvias as conseqüências da in-
- gerar emprego e renda; Belém, de direcionar os esforços em pro-
tegração, a sua materialização passa por
dutos cujo mercado seja perene, não
- agregar valor ao produto; um processo penoso de modificação dos
somente em bolhas de consumo, mas em
paradigmas, anteriormente imutáveis, em
- promover o desenvolvimento sus- situações históricas, é perfeita, pois elege
consonância com o questionamento que
tentado da função agropecuária. produtos e regiões com potencial para ala- vem sendo vivido em todas as atividades,
Até a administração anterior, as empre- vancar suas economias. A dinamização em virtude da globalização.
sas do setor trabalhavam independentes deste processo permitirá que o produtor Como parte desta integração já foi
entre si, muitas vezes gerando duplicida- rural tenha uma orientação segura quanto conquistada, os benefícios ao produtor são
de de ações, exatamente por não terem à cultura em que deverá investir, de forma visíveis. Porém, o objetivo das empresas
uma visão “macro” do Sistema. A integra- planejada, evitando-se assim, as mazelas vinculadas à Seapa é buscar uma inte-
ção facilita enormemente a coordenação do excesso ou da escassez de produtos, gração plena, que seria uma verdadeira
da política agropecuária, função maior da que geram tanto mal não só ao produtor, revolução do processo produtivo oriundo
Seapa. Somente com esta integração have- como também ao consumidor. do campo.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.131-132, jan./fev. 2000


132 Agropecuária e Ambiente

GOVERNO DO ESTADO DE
Modernizando a comercialização MINAS GERAIS
Governador: Itamar Franco
A Ceasa-MG presta serviços aos setores atacadistas de produtos SECRETARIA DE ESTADO DE
alimentícios, especialmente hortifrutigranjeiros, cereais e outros AGRICULTURA, PECUÁRIA E
ABASTECIMENTO
produtos não-alimentícios. Ela não compra nem vende produtos; sua Secretário: Raul Décio de Belém Miguel

missão é promover o abastecimento de produtos no Estado.

Suas unidades físicas são dotadas de equipamentos para


beneficiamento primário, classificação e padronização de produtos
diversos, bem como informação de mercado. Empresa de Pesquisa Agropecuária de
Minas Gerais - EPAMIG
Entre os trabalhos realizados pela Ceasa-MG, sob orientação da Presidência
Márcio Amaral
Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, encontra-se o Diretoria de Operações Técnicas
Marcos Reis Araújo
Barracão do Produtor, unidade física que visa apoiar e modernizar a
Diretoria de Administração e Finanças
comercialização de hortigranjeiros. Esses barracões vêm sendo Marcelo Franco
Gabinete da Presidência
implantados nas comunidades agrícolas produtoras de hortigranjeiros e Eustáquio Amaral
o seu gerenciamento fica a cargo das associações de produtores. Assessoria de Marketing
Luthero Rios Alvarenga
Assessoria de Planejamento e
Também criado e administrado pela Ceasa-MG, destaca-se o Coordenação
programa Vitasopa, que consiste na fabricação de um concentrado de Sebastião Gonçalves de Oliveira
Assessoria Jurídica
hortigranjeiros, completado com arroz, carne, farinhas, leite em pó, Marcelo José Alves
temperos e proteína vegetal, fornecendo 200 calorias por dia. Assessoria de Informática
Mauro Lima Baino
Atende a programas institucionais de combate à subnutrição e à fome, Auditoria Interna
Ronald Botelho de Oliveira
em creches, orfanatos, escolas, favelas e para a população flagelada. Departamento de Pesquisa
Antônio Monteiro de Salles Andrade
Para fabricação do Vitasopa são utilizados legumes e verduras que Departamento de Produção
José Braz Façanha
seriam jagados fora ou mal-aproveitados por não apresentarem aspecto
Departamento de Recursos Humanos
comercial, apesar de estarem em perfeita condição de consumo. Dalci de Castro
Departamento de Patrimônio e
Administração Geral
A capacidade total de produção é de 300 latas por dia e deverá Argemiro Pantuso
ser ampliada. O produto é envasilhado em latas de 4kg, equivalentes a Departamento de Contabilidade e Finanças
Geraldo Dirceu de Resende
35 pratos. O custo de produção de um prato é de cerca de R$ 0,10.
Centro Tecnológico-Instituto de Laticínios
Cândido Tostes
A Ceasa-MG também trabalha com a doação de hortigranjeiros Geraldo Alvim Dusi
in natura a entidades carentes do Estado. Este projeto vem sendo Centro Tecnológico-Instituto Técnico de
Agropecuária e Cooperativismo
desenvolvido há mais de 25 anos, praticamente desde o início do Marco Antonio Lima Saldanha
funcionamento da Empresa. São distribuídas, mensalmente, cerca de Centro Tecnológico do Sul de Minas
Geraldo Antônio Resende Macêdo
140 toneladas de produtos doados pelos produtores, originários das
Centro Tecnológico do Norte de Minas
sobras na comercialização diária, a entidades cadastradas na Cláudio Egon Facion
própria Ceasa-MG. Centro Tecnológico da Zona da Mata
José Luis dos Santos Rufino
Centro Tecnológico do Centro-oeste
A Ceasa-MG, até então vinculada à Secretaria de Agricultura, Miguel Celestino Paredes Zúñiga
Pecuária e Abastecimento do Estado de Minas Gerais, passará Centro Tecnológico do Triângulo e
Alto Paranaíba
ao controle do Governo Federal segundo acordo firmado no início de João Osvaldo Veiga Rafael
fevereiro deste ano. A EPAMIG integra o Sistema Nacional
de Pesquisa Agropecuária, coordenado
pela EMBRAPA

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.131-132, jan./fev. 2000

S-ar putea să vă placă și