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Fontenele, Pedro
Uma iniciação à Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio
RESUMO
A Enciclopédia das Ciências Filosóficas é uma das mais importantes obras de Hegel,
escrita com a intenção de passar uma visão geral de todo o seu sistema. A importância dela
está numa característica peculiar do pensamento hegeliano: ele se funda na totalidade. Isso
significa dizer que não há como entender realmente o seu pensamento dividindo-o em várias
partes isoladas e analisando uma a uma separadamente. O resultado disso seria uma
fragmentação do sistema e uma conseqüente distorção de sua lógica. Com o objetivo de evitar
esse problema, Hegel decidiu condensar todo o seu pensamento numa única obra. A palavra
“enciclopédia” vem do grego enkyklios e significa um exame geral e sistemático de todo o
conhecimento acerca de um determinado campo. No entanto, há uma diferença entre as
enciclopédias comuns e a enciclopédia hegeliana. Tal obra não constitui um mero aglomerado
de conhecimentos desconexos dispostos em ordem alfabética, ao invés disso, ordena todo seu
conteúdo numa unidade lógica, sistemática e racional. Pela grande extensão de seu conteúdo,
a enciclopédia foi organizada em três volumes: a Ciência da Lógica; a Filosofia da Natureza e
a Filosofia do Espírito. Assim, os verbetes da obra são desenvolvidos na forma de parágrafos
explanados de maneira sucinta. Como o objetivo da obra foi dar uma visão geral do sistema,
este foi descrito “em compêndio”, o mesmo que “em esboço” ou ainda “em epítome”, o que
significa em resumo.
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JORNAL JARDIM FILOSÓFICO
Fontenele, Pedro
Uma iniciação à Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio
resultado disso é a facilidade com que a validade de tal raciocínio pode ser questionada, pois
do mesmo modo que foi eleito um dado pensamento para fundar uma teoria, poder-se-ia ter
escolhido qualquer outro pensamento, inclusive um contrário àquele, e um simples
questionamento sobre sua origem seria suficiente para por todo o raciocínio a baixo. A outra
forma de se resolver tal dilema foi a proposta pelo sistema hegeliano: desenvolver um
raciocínio de forma tal que se auto-explique, não necessitando de pressupostos. Assim, ele
atestaria sua própria validade. Mas não haveria uma forma plenamente segura de se elaborar
um raciocínio desta maneira, a não ser levando suas bases de sustentação às últimas
conseqüências, o que significa elaborar um sistema tão amplo e universal que englobasse a
totalidade da existência, de modo que não houvesse nada fora dele. Não poderia haver
pressupostos, pois como tais deveriam necessariamente vir antes do pensamento neles
baseado. Mas o sistema em questão é feito de tal forma que transcende as categorias do tempo
e espaço, inviabilizando toda a forma de pressuposição.
Contudo, dentre os inúmeros conceitos-chave presentes na obra de Hegel, dois deles
ocupam o todo da lista dos mais importantes: os conceitos de ciência e sistema. O termo
ciência vem do latim scientia e significa um corpo sistemático de conhecimento sobre
determinado objeto. Para ser sistemático, tal conhecimento não pode constituir-se de um mero
agregado de saberes, mas estar disposto sob a regulação de um princípio ordenador. Já o
termo sistema vem do grego sietemiun e significa ordenar. Sua aplicação representa uma
combinação de elementos interconectados sob determinado princípio para a realização de
determinado fim. Desse modo, toda a filosofia, desde que sistemática, é considerada como
ciência. Empregando esses conceitos de uma forma universalizante e totalizadora, peculiares à
filosofia de Hegel, encontramos o núcleo de toda a obra hegeliana. Segundo ela, há na
realidade uma única ciência, harmoniosa e coesa, formada pela reunião de todo o
conhecimento científico existente, tanto empírico quanto filosófico, cujas partes contenham
em si o princípio ordenador de todo o sistema, a saber, a razão. Esta, como princípio
fundamental, permeia todo o sistema e é a responsável pelo seu caráter orgânico, segundo o
qual, o todo é formado pela soma das partes, estando cada parte em todas as partes. Assim,
segundo Hegel, uma ciência genuína não pode ser isolada de outras ciências, de modo que
cada uma delas constitui-se parte de uma mesma ciência. Isso significa que todo o
conhecimento racional e sistemático produzido durante toda a história da humanidade, à
medida que se desenvolva, convergirá para um único corpo sistemático, uma única ciência.
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Uma iniciação à Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio
Essa ciência, segundo Hegel, será como um círculo de círculos, de modo que cada um
deles represente uma ciência em particular, cuja soma forme o círculo maior, a ciência das
ciências. A Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio trata-se justamente desse
círculo maior, que Hegel subdividiu em três círculos principais, cada um deles abordado em
um dos três volumes da obra: A Ciência da Lógica; A Filosofia da Natureza e A Filosofia do
Espírito. Contidos no interior desses círculos principais estão todas as outras ciências mais
particulares, de modo que a obra não se propõe a apresentar detalhadamente as ciências em
questão, mas apenas seus fundamentos e princípios básicos. Retomando ao problema da
pressuposição exposto anteriormente, com o sistema acima descrito, a saber, uma reunião
sistemática de partes coesas na forma de um círculo, não há mais por que preocupar-se por
onde começar a ciência: como se trata de uma forma circular, pode-se começar em qualquer
ponto, sem prejuízo de sua lógica, pois um conteúdo isolado do todo é um pressuposto sem
fundamento, mas quando pensado enquanto momento do todo, essencialmente do todo não se
diferencia, contendo em si mesmo a mesma e única lógica do grande sistema.
Feito tais esclarecimentos, é ainda importante expor a razão para o sistema hegeliano
ter sido concebido dessa maneira. Segundo Hegel, o próprio universo, assim como a verdade
em si, constitui-se de maneira sistemática. Assim, para que a ciência possa pretender conceber
tal universo e verdade, juntamente com suas leis e princípios racionais, teria que corresponder
a lógica do sistema universal, a lógica da verdade em si. Dessa forma, a leitura da
Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio, síntese do sistema proposto por Hegel,
não dispensa de modo algum a leitura de suas outras obras, mas representa uma importante
ferramenta para se atingir uma compreensão da filosofia hegeliana de forma mais totalizante,
a forma mais fiel de se entendê-la.