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Administração

de Conflitos Socioambientais | Por que “administrar” um conflito socioambiental?


INTRODUÇÃO Nesta aula mostraremos que, apesar de tentador, eliminar todo e qualquer
conflito, fazê-los desaparecer ou restabelecer de imediato uma possível
ordem pretérita são caminhos que levam, paradoxalmente, à perenização de
alguns tipos de conflito.
Apresentaremos algumas teorias sociológicas sobre conflitos, sem procurar
fechar o conceito, entretanto.
Ao contrário, procuraremos abrir os horizontes cognitivos para que seja
possível reconhecer as múltiplas naturezas do conflito em várias
dimensões/momentos da vida em sociedade.
Apresentaremos, inicialmente, a ideia que “administrar” um conflito é uma
forma mais eficaz de se encontrar soluções para disputas que aparentemente
nunca têm fim, tais como os conflitos socioambientais, ou como os
definiremos na próxima aula, os conflitos “intratáveis”.
Pronto para começar?

1. “O fim do Direito é a paz, o meio de atingi-lo é a luta”

A vida social é naturalmente ordenada ou é através da explicitação dos


Consenso
diferentes pontos de vista que se alcança a ordem, ou a paz?
Diferente de uma decisão Um jurista alemão do século XIX, Rudolph von Jhering, em uma palestra logo
por maioria, um consenso
implica necessariamente após a unificação da Alemanha, abriu sua fala dizendo: “O fim do Direito é a
a adesão de todos ao
acordado, mesmo que em paz; o meio de atingi-lo é a luta”.
graus diferentes. Se a
democracia pode ser vista Várias teorias sociais contemporâneas partem de visões que tanto se opõem a
como a tirania da maioria
sobre a minoria e,
essa concepção, quanto buscam reforçá-la.
portanto, instável; o Em todas elas há diferentes determinantes culturais que justificam, tanto a
consenso, por seu alto
grau de agregação, teria aversão ao conflito e a necessária intervenção imediata para sua eliminação, e
maior potencial de
estabilidade ao longo do o consequente restabelecimento da ordem, quanto seu oposto, a explicitação
tempo. Entretanto, os
diferentes graus de clara das divergências para se alcançar algum consenso social.
adesão e as divergências
anteriores ao consenso,
Como exemplo, podemos citar a noção de sociação. Pensado como uma
podem se reagrupar e o forma de sociação, um conflito possui causas – ódio, inveja, necessidade ou
consenso ser rompido,
uma vez que não teria desejo – que conduzem à busca de uma unidade, mesmo que para isso seja
havido um compromisso
formal com o acordado. necessário eliminar uma das partes conflitantes. Isto porque, nesta teoria, a


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Para saber mais! vida em sociedade seria o resultado de um equilíbrio entre harmonia e
desarmonia, da associação e da competição entre grupos, de tendências
A sociação é um dos
conceitos chave da favoráveis e desfavoráveis a um interesse ou outro.
sociologia de Georg
Simmel, autor alemão do A eliminação dos opostos, ou seja, a supressão de energias de repulsão, teria
início do século XX. Há um
pequeno artigo, “O conflito um efeito contrário ao desejado, pois privaria os grupos de forças necessárias
como sociação”, publicado
na RBSE – Revista Brasileira para uma vida social: cooperação, afeição, ajuda mútua e convergência de
de Sociologia da Emoção,
interesses.
volume 10, número 30 -
que pode ser acessado Por outro lado, quando nos opomos a alguém ou a algo e reagimos à alguma
através do endereço
http://www.cchla.ufpb.br/ opressão, colocamo-nos como protagonistas do processo, não apenas vítimas
rbse/Index.html
das circunstâncias.

Entretanto, não seria o conflito, por si só, que produziria a boa vida em
sociedade. É necessário que, sobre uma estrutura social, atuem não só as
relações de conflito, mas forças unificadoras agindo de forma cooperativa,
mesmo quando esta cooperação acontece de forma pouco evidente ou
aparentemente confusa.
Um caso limite pode ser descrito quando uma ação de João, inicialmente
pensada para beneficiar José, tem como resultado o benefício do próprio
João, sem, entretanto, prejudicar José. Tal ação poderia ser qualificada como
uma ação egoísta por parte de João, uma ação antissocial, eticamente
reprovável, pois o resultado positivo para João foi alcançado, em alguma
medida, às custas de José, mesmo sem prejudicá-lo.
Porém, se José começar a agir no mesmo sentido, sem repetir as mesmas
ações de João, em forma e intensidade, mas em outras dimensões sociais, são
criadas múltiplas combinações de convergência e divergência nas relações
sociais que podem maximizar o interesse individual produzindo o bem estar
social.
O conflito terá, na competição, um forte aliado na construção das estruturas
socais.
Sob o liberalismo, será na competição pela maximização dos interesses
individuais, que todos lutarão contra todos, mas ao mesmo tempo, esta
competição corresponderá a uma luta de todos para o bem de todos. Os laços

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sociais impedirão a aniquilação do Outro, e já que todos maximizam seus
interesses, o bem estar será geral.

Você sabe o que é Maximizar o Interesse Individual?

Este é um elemento central da tese de Adam Smith para a “Riqueza das


Nações”: a maximização dos interesses em um mercado autorregulado.

O Homem Econômico Racional seria aquele que maximiza seus interesses


no mercado e, se todos agissem assim, o resultado seria maior prosperidade
para a nação.

Quando houvesse algum desequilíbrio, Adam Smith previra a existência de uma mão invisível
que atuaria no sentido de restabelecer o equilíbrio. E nunca é demais lembrar que, nesta teoria
econômica liberal, esta mão não seria a mão do Estado, mas a mão do próprio mercado e, por
isso, a denominação “autorregulado”.

Fonte da imagem: https://pt.wikipedia.org/wiki/Adam_Smith#/media/File:AdamSmith.jpg




Nessa concepção liberal, é este modelo que permite o melhor controle sobre
o nível de hostilidade/cupidez que os integrantes de um determinado grupo
social podem aplicar em busca de seus interesses. No liberalismo, a
estabilidade do sistema será atingida ao longo do tempo, e o individualismo
deve ser incentivado, pois em grupos coesos, a competição entre seus
membros pode ensejar consequências imprevisíveis.
Tomemos como exemplo alguns grupos de pescadores profissionais
artesanais na beira da praia. Todos competem pelo mesmo peixe, e o peixe
que um pescar não será pescado por outro. Quanto mais regulação externa
for aplicada ao grupo, diminuindo a competição interna, pior será o
desempenho do grupo ao longo do tempo, podendo inclusive vir a
desaparecer.
Entretanto, em lugares onde houve maior autonomia quanto a competição
entre os pescadores locais, como em Arraial do Cabo e em Itaipu/Niterói, a
atividade revelou-se economicamente produtiva e bastante longeva.

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Figura 1.1: Pescaria de Espada na Praia de Itaipu/RJ (Foto de Luciana Loto)



A Fábula das Abelhas, ou Vícios Privados & Benefícios Públicos, de
Bernard Mandeville

Em 1714, Mandeville publicou a Fábula das Abelhas, um dos textos
mais polêmicos da história, na qual os vícios privados foram
considerados como benefícios públicos.

A imagem é simples: É uma colméia, onde cada abelha age de forma
egoísta, competindo incessantemente entre si na coleta do pólen. Do
ponto de vista de cada abelha, tal atitude pode ser considerada um “vício privado”. Entretanto, o
resultado coletivo de todas as ações, o somatório de todos os vícios, quando tomado ao nível da
colmeia, produz “benefícios públicos”, já que todos se beneficiam do pólen coletado privadamente.
Adam Smith, pai da economia liberal, escreveu a Teoria dos Sentimentos Morais contestando a
posição de Mandeville. Em seguida Smith publicou A Riqueza das Nações, marco do modelo
econômico vigente.
Para ver um resumo do livro de Mandeville, em forma de um poema escrito por seu autor, acesse:
http://economiapoliticabrasil.blogspot.com.br/2009/03/fabula-das-abelhas-de-bernard.html .



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Sessão Pipoca!
Para entender melhor os conceitos apresentados, que tal assistir a dois filmes
bastante diferentes?
O primeiro é “Um Violinista no Telhado”, que mostra um processo de mudança e
resistência em uma sociedade tradicional, tipicamente
hierárquica.
Em seguida, assista ao filme “Oliver Twist”, que retrata o
livro homônimo de Charles Dickens, e veja um processo de mudança social
devastador, que corresponde à sociedade inglesa observada por Karl Marx.
Depois de assisti-los, reflita sobre as diferenças ou semelhanças entre às
sociedades retratadas na época e a sociedade contemporânea.

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2. O conflito como Devemos reconhecer que em diversas sociedades as disputas ocorrem


expressão dos
somente em uma pequena parcela das atividades humanas que,
interesses das
classes dominantes potencialmente, podem ser objeto de conflitos.

Por outro lado, nas sociedades contemporâneas, há apenas um número
limitado de instituições que se encarregam de prevenir ou solucionar tais
conflitos. Assim, podemos afirmar, logicamente, que cada sociedade exerce
Disputas X Conflitos uma escolha preferencial sobre o modelo de resolução de conflitos que adota.
É importante fazer uma Por outro lado, uma disputa não visa apenas encontrar um resultado
distinção entre conflito e
disputa. Tomamos o favorável; diz respeito também à formação de ideologias que conformarão
conflito como um
processo duradouro no grupos mais coesos.
qual ocorrem
incompatibilidades que Nos Estados Unidos da América, alguns intérpretes do universo de
mantêm as partes resolução/administração de conflitos, descreveram a ocorrência de mudanças
essencialmente
afastadas uma das dirigidas de cima para baixo, com alcance dos objetivos desejados através de
outras, enquanto
disputas diversas decisões judiciais.
corresponderiam a
episódios atualizados ou Na área comercial, por exemplo, no século XIX prevalecia a regra do caveat
repetidos em eventos e
questões específicas.
emptor que determinava que, a não ser com garantias explícitas, o comprador
seria integralmente responsável por sua decisão. A compra de um lote de
madeira que não correspondesse integralmente à descrição anunciada não
poderia ser desfeita posteriormente, ao ser constatado o equívoco. O
comprador deveria ter inspecionado sua compra antes de fechar o negócio.
Prevalecia a regra da eficiência econômica frente ao desejo de igualdade de
condições entre as partes.
Ao longo do século XX, os tribunais foram gradativamente construindo outra
jurisprudência, e hoje se busca uma equiparação entre comprador e
vendedor, ambos portadores dos princípios de boa fé, objetiva e subjetiva,
como prevê nosso Código de Defesa do Consumidor. Podemos dizer, então,
que o que prevalece é o caveat vendor!
Uma interpretação sobre o desenvolvimento do modelo de Resolução
Alternativa de Disputas (RAD) defende que, a partir do final do século XX, os
Estado Unidos teriam passado de uma sociedade preocupada com a “Justiça”
para uma sociedade preocupada com a defesa da harmonia social e da

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eficiência econômica. Deixaram de ser uma sociedade preocupada com uma
ética do bem e do mal, do certo e do errado, para adotar uma “ética do
tratamento”. Nesta ética, os reclamantes e reclamados não são tratados em
termos de quem tem direito, quem está certo, mas como “pacientes”, e
ambos necessitam de “tratamento”, de um projeto de pacificação. Tomadas
em conjunto, as demandas da sociedade têm como resposta políticas de
governo que são inventadas para o bem do paciente/cidadão.
Entre nós, esse modelo (RAD) está cada vez mais presente, sob a
nomenclatura de “mediação”, conciliação e arbitragem. Mas, como veremos,
“abrasileiramos” tais conceitos, produzindo uma síntese que não afasta a
presença do Estado para o restabelecimento da ordem.
Nos Estados Unidos, tal política teve como resultado a redução do papel dos
tribunais em favor da Resolução Alternativa de Disputas. Nesta concepção os
tribunais deixaram de ser a única forma de se alcançar a justiça ou dos
conflitos serem adequadamente solucionados.
Nesse processo a Suprema Corte norte-americana estaria se comportando
como indutora/catalisadora do processo de mudança. Diversas reformas de
procedimentos lograram promover mudanças culturais, para além das leis. O
interesse pela harmonia foi priorizado no lugar da justiça, não se buscou as
causas das desavenças, e sim sua expressão e, para tal, valeram-se de todos
os meios possíveis para criar consenso, homogeneidade.
Os pares em associação e oposição eram RAD, significando a Paz, versus o
Processo Judicial, representando a Guerra. Esta última estaria calcada no
enfrentamento, na insensibilidade, na desconfiança. Em síntese, um
procedimento no qual todos perdem um pouco, enquanto em uma RAD as
disputase o conflito poderiam ser facilmente cicatrizados e seu resultado
produzir ganhadores e assim, a economia como um todo seria a maior
beneficiada.
Este modelo chegou às disputas sobre o meio-ambiente, desviando uma
ênfase em um conflito com ganhadores e perdedores, para um processo de
discussão que alcançasse uma proposta com equilíbrio dos diversos

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interesses. Tais propostas, no lugar de uma disputa judicial, na qual haveria
um vencedor e um perdedor, aquele que teria razão enquanto o outro não
teria, foram objetivadas através uma retórica de “ganhador-ganhador”.
E não deve restar dúvida sobre o fato de que quem controla a retórica preside
a resolução alternativa de disputas: quem controla o aparelho do Estado!

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3. O conflito como Autores como Roberto Da Matta e Roberto Kant de Lima mostraram que em
ruptura da ordem nossa sociedade o conflito pode ser percebido como uma ruptura da ordem e,
portanto, indesejável. Havendo um conflito, cabe ao Estado o papel de trazer
para si a resolução e eliminação desse conflito o mais rapidamente possível,
uma vez que o caos é uma disfunção e uma ameaça à própria sociedade. Aqui,
cada coisa deve ficar em seu lugar, porque há um lugar para cada coisa.
Mas para essa representação ser factível é preciso reconhecer que em nossa
sociedade existem dois princípios, ou valores, que a organizam. Mas antes
Tipos Ideais Weberianos
vejamos um conceito importante, o de modelo de organização social:
Os ‘tipos ideais’ de
dominação weberianos Nas sociedades contemporâneas podemos encontrar dois padrões relacionais,
devem ser vistos como
categorias analíticas, que
aquele que orientam as relações entre os segmentos que compõem a
ajudam a compreensão sociedade: o hierárquico e o igualitário.
da sociedade.
O primeiro tipo ideal de Estes padrões relacionais devem ser pensados como tipos ideais weberianos,
dominação corresponde
à legitimação tradicional. ou seja, não existem “puros” no mundo empírico, mas servem para pensar e
Weber justifica esta
forma de dominação compreender a sociedade.
pela ideia de um “ontem
eterno”, um passado
No modelo hierárquico, a sociedade é composta por segmentos que agrupam
que atualiza no coletividades. Estes agrupamentos seguem um princípio hierárquico, que
presente, em geral
associada a uma figura coloca um segmento em relação ao todo e não entre si (caso assim fosse,
patriarcal.
A segunda forma de estaríamos diante de um modelo de estratificação social, que veremos um
legitimação da
dominação é a pouco mais adiante).
carismática.
Corresponde ao “o
A seguir temos uma imagem deste modelo. É razoável supor que, neste
senhor da guerra” eleito modelo, cada segmento – identificado pelas letras – tem um papel
por seus comandados
por seus feitos, ou pelo fundamental na estrutura social. A eliminação de um segmento pode causar
governante plebiscitário,
o grande demagogo ou o desequilíbrio no conjunto e nem sempre o maior segmento é o mais
líder de um partido
político de massas. importante. O que mantem a coesão do sistema é o princípio hierárquico, que
A terceira corresponde à
dominação legal,
pode ser prestígio, pureza, status, informação, ou riqueza.
fundada na fé na A sociedade hindu clássica serviu de inspiração para a descrição do modelo. O
validade da lei positiva e
pelo estatuto legal da sistema de castas hindu se organiza em termos de pureza, no qual o mais
competência funcional
de quem as enuncia, por elevado, os brâmanes, não são nem os mais ricos, nem os mais numerosos.
estarem fundadas em
regras racionalmente
criadas.
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Figura 3.1: Modelo Hierárquico

O segundo modelo relacional existente nas sociedades é o individualista. Este
corresponde ao modelo construído a partir da Revolução Francesa, de 1789,
que pôs fim ao Antigo Regime, à sociedade estamental, e inaugurou uma nova
unidade social, o indivíduo. Em uma definição no Código Civil Napoleônico de
1804, o indivíduo seria aquele capaz de dispor de si mesmo, contratar e ser
proprietário. Além disso, por estar liberto dos estamentos, o indivíduo
poderia estabelecer livremente as relações sociais que desejasse.

Honoré de Balzac
Procure conhecer mais sobre os impactos da revolução francesa sobre a organização
social moderna.
Com o fim da sociedade estamental, um novo personagem social passou a ser portador
de direitos: o indivíduo.
Para a França, um importante cronista destas transformações foi Honoré de Balzac.
Procure ler alguns de seus livros, ou veja o filme O Coronel Chabert.


A imagem deste modelo, apresentada na Figura a seguir, sugere que a
unidade do sistema, o indivíduo, não está contido em um princípio
englobante (círculo externo da figura anterior) e a eventual supressão de um
elemento, (representado pela letra M, por exemplo), não ameaça a
integridade e equilíbrio do sistema.

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Figura 3.2: Modelo Individualista

Nos dois modelos há, como vimos, sistemas de valores que organizam a
sociedade. Estes sistemas podem ser também enfeixados em dois conceitos, a
saber: estratificação e igualdade.
Isso significa que as sociedades podem ser organizadas de acordo com as
representações dos princípios estratificado ou igualitário, acionadas por
relações sociais particulares de cada valor.
A representação de uma sociedade estratificada corresponde a uma pirâmide
formada por camadas dispostas uma acima da outra, de forma que as
camadas superiores sejam menores que as inferiores. Uma base ampla e
subordinada confere estabilidade ao modelo.
Outra característica desta representação é que não é desejável a passagem de
um estrato para outro, sob pena de transfigurar o sistema e possibilitar que
ele seja instável no futuro, pois o topo pode se tornar maior que a base.
Por outro lado, o potencial de controle através da visão do todo aumenta a
cada camada, de forma que o controle da informação, ou dos meios de
comunicação, assume um papel fundamental para a estabilidade do sistema.

Figura 3.3: Lógica Estratificada

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Em outra representação, como ilustra a imagem a seguir, vemos como se
organiza o sistema de valores individualista igualitário.
Aqui temos como figura geométrica representativa, um paralelepípedo. Nele,
a base tem a mesma dimensão que o topo, o que sugere que todos, desde
aqueles que se encontram na base ou no meio, e em qualquer posição,
podem chegar ao topo, dependendo apenas de seu desempenho no mercado.
É claro que há posições iniciais mais ou menos favorecidas, trajetos menores a
serem percorridos, mas, em tese e por princípio, todos podem chegar ao
topo.

Figura 3.4: Lógica Igualitária



Neste sistema de valores, o conflito é inerente ao modelo. As posições sociais,
acessíveis a todos, estão em constante disputa. A ordem deve ser negociada
pelos participantes a cada momento e, pode-se afirmar que o conflito é
produtor ou constitutivo da ordem.
A informação não pode ser apropriada particularizadamente por nenhum
grupo ou agente. O ensino deve ser universalizado, a sociedade deve ser
escolarizada para que a competição seja leal e aqueles que chegarem ao topo
sejam exemplos para os demais que “ainda” não atingiram o topo.
Ambos autores citados indicam, entretanto, que em nossa sociedade
contemporânea ocorre um aparente paradoxo, ou seja, convivemos com os
dois modelos relacionais e das duas lógicas organizacionais.
Os personagens de cada sistema, a “pessoa”, no sistema hierárquico-
estratificado; e o “indivíduo”, no modelo igualitário-individualista coexistem
em nosso modelo social.
Para o texto da lei, todos somos iguais. Para a aplicação da lei todos somos
desiguais, visto que há garantias legais que explicitamente desigualam, como

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a prisão especial ou o foro privilegiado por exercício de função.
Em outras palavras, em determinadas situações somos todos iguais. Em
outras, nossas relações sociais determinam quem somos.

Este “paradoxo” recebeu a imagem de uma pirâmide engastalhada em um
paralelepípedo, em um sistema que ora iguala, ora estratifica. A figura a
seguir exemplifica esse “paradoxo”:


Figura 3.5: Uma pirâmide engastalhada em um paralelepípedo

Nesse sistema híbrido, o conflito acaba por ser indesejável. Não por ameaçar
o equilíbrio do sistema, mas por evidenciar seu paradoxo. O conflito denuncia
que seu modelo de administração é hierarquizado e, portanto, deve ter sua
resolução o mais rápida possível, como se desejássemos que nosso paradoxo
não ficasse explícito.
Em resumo, nem sempre há um lugar para cada coisa, nem cada coisa está
em seu lugar. Coisas podem ser criadas sem ter um lugar, e nem sempre os
lugares comportam todas as coisas.
Neste sentido, muitas vezes é o próprio Estado que não suporta o conflito,
mas não porque este seja um desejo da sociedade, mas porque suas
estruturas não comportam um novo elemento fundado em outros princípios,
que poderia gerar uma nova relação dialética entre as coisas e seus lugares no
conjunto da vida em sociedade como um todo.
No modelo dual de nossa sociedade, todos, por serem substantivamente
iguais, poderiam chegar ao topo. As desigualdades são decorrentes de
desempenhos individuais, não de constrangimentos estruturais. A vertente
estratificada se encontra organizada em patamares sociais, que vão se

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estreitando em direção ao topo. Neles a igualdade é apenas formal, e as
pessoas são estruturalmente diferentes. É claro que estas figuras são
representações da vida social brasileira como tipos ideais, que não
correspondem à realidade. Porém, tais imagens podem ser utilizadas
alternadas e alternativamente, ou seja, seu paradoxo consiste em igualar
todos em num plano e hierarquizá-los em outro.

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4. O conflito como Em nosso modelo social podemos observar que há algumas peculiaridades do
quebra do princípio
hierárquico nosso sistema híbrido que devem ser evidenciadas: O tratamento dado ao

conflito não é isonômico em todos os contextos e há momentos em que,


tanto o conflito não é tolerado, quanto há episódios onde ele não é
combatido.
Isonomia
Nos momentos onde a hierarquia é enfatizada, a aversão ao conflito se dá
Rui Barbosa, o grande jurista
brasileiro, cunhou uma porque é vista como uma ameaça à organização estrutural dada. O conflito
interessante definição para
“isonomia”. Na Oração aos não pode acontecer no sentido da quebra da hierarquia, da higidez da
Moços, Rui diz que “a
verdadeira regra da isonomia é pirâmide.
tratar de forma desigual os
Lembremos do caso de um episódio acontecido em Santa Teresa. Um policial
desiguais”. Até aí, seguia uma
máxima Aristotélica, que do Batalhão de Operações Especiais confundiu à distância uma furadeira com
buscava, entre outras coisas
legitimar a escravidão na uma arma letal, matando com um tiro de longa distância o rapaz que
Grécia Clássica. O problema
contemporâneo desta visão de segurava a ferramenta. Em termos formais, o acontecido foi legitimado pelo
isonomia, é que Rui Barbosa
completa sua máxima, com o contexto da operação, um local de risco, ocupado por elementos perigosos e
“na medida em que se
a reação do representante do Estado foi adequada.
desigualam”.
Tal episódio poderia ter ocorrido, com os mesmos elementos de distância e
Lida em conjunto, a regra da
isonomia não visa a igualdade, uma furadeira, mas em uma avenida litorânea da Zona Sul da cidade, ou seja,
mas a reprodução da
desigualdade, tal como na um policial militar atiraria à distância em um banqueiro instalando uma planta
Grécia Clássica, onde homens,
mulheres, estrangeiros e com uma furadeira em sua cobertura de Ipanema? Certamente não.
escravos tinham direitos
diferenciados.
O conflito é aceito pelo Estado quando ocorre em um lugar e entre atores
predeterminados. Não em qualquer lugar e entre qualquer um...
Uma das mudanças sociais em
curso é reverter esse sentido
de isonomia, e pensar que o
tratamento desigual só se
justifica na medida em que se
busca a igualdade ou a
diminuição da desigualdade
social, como é o caso do
sistema de cotas nas
universidades, por exemplo.




Figura 4.1: A higidez da pirâmide é garantida/ controlada pelo Estado

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Entretanto, quando a ênfase é dada no eixo da igualdade, ou seja, em um dos
patamares da pirâmide, a natureza competitiva do modelo igualitário permite
que o conflito seja visto como constitutivo daquele patamar de organização
social.


Figura 4.2: Nos planos a ação do Estado é indesejada

O papel do Estado neste sistema é evidente: Ele deve agir quando ocorre um
conflito, não porque ele ameaça a vida em sociedade, mas porque o conflito
no eixo hierárquico ameaça o próprio Estado, que é apropriado por aqueles
que se encontram no topo da pirâmide.
Outra evidência do nosso “dilema” é a existência de uma vertente ao mesmo
tempo hobbesiana e estatofóbica em nossa sociedade.
O “estado de natureza” de Thomas Hobbes, ou seja, a luta de todos contra
todos, só existe no plano das igualdades, e não no eixo das estratificações,
pois este é o império da ordem.
Assim, o caráter estatofóbico só ocorre no plano da igualdade, pois como é a
competição a responsável pela produção ordem, a presença do Estado pode
trazer a desordem.
Porém, no eixo da estratificação, a lógica hierárquica deve romper com a
dimensão estatofóbica, pois a relação entre Estado e Sociedade é vital para
conservação do modelo. Nesta vertente, a competição seria desagregadora e
a presença do Estado é fundamental para a manutenção da ordem.

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O modelo de Resolução Alternativo de Disputas (RAD) foi incorporado ao nosso repertório de
administração de conflitos na década de 90. A primeira iniciativa foi a criação do Programa de Defesa
do Consumidor (PROCON), pelo goveo do Estado de São Paulo em 1976. Na segunda metade da
década de 80, o “Plano Sarney” difundiu a ideia de que a população poderia também ser a fiscal das
leis, como a que estabeleceu o congelamento de preços ao consumidor para combater a inflação.
Com a aprovação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) houve a proliferação de
programas de defesa do consumidor em todos os estados, vinculados ao poder executivo.


Figura 4.3: Botom dos ‘Fiscais do
Sarney”(fonte:
http://desciclopedia.org/wiki/Plano_
Cruzado)

Para se aprofundar mais no assunto, faça uma pesquisa sobre a evolução do modelo alternativo de
disputas entre nós, buscando conhecer as leis que instituíram os modelos de arbitragem, conciliação e
mediação. Procure conhecer as diferenças entre elas e reflita sobre o grau de eficácia destas.

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5. “Isole a área e chame Em um “manual” sobre a legislação ambiental elaborado para distribuição
o Batalhão Florestal!”
entre as forças policiais do Estado do Rio de Janeiro, em quase todas as
situações apresentadas como ilícitos ambientais, aparece a seguinte
orientação de comportamento do agente: “isole a área e chame o Batalhão
Florestal”. A ideia por detrás desta recomendação era que, tanto os
procedimentos previstos na legislação vigente, quanto os desdobramentos
processuais eram tão complexos, que o melhor a fazer seria chamar os
“especialistas”.

Não é muito difícil perceber o quanto essa orientação era inadequada, até
porque a tipificação do conflito como um “crime ambiental”, ou um conflito
ambiental é plural e contextual, visto que até o próprio conceito de Meio
Ambiente é polissêmico.
Então, a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1995) consolidou um conjunto
de dispositivos esparsos e de difícil aplicação e como resultado dessa
consolidação, as penas foram uniformizadas, com gradação adequada e estão
bem definidas.
Entre esses dispositivos podemos destacar:
ü o Código Florestal (Lei 4.771/1965),
ü o Código de Pesca (Decreto-Lei 221/1967),
ü a Lei de Proteção à Fauna (Lei 5.197/1967)
ü a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981).
Por outro lado, devemos lembrar que vários dos dispositivos consolidados na
Lei de Crimes Ambientais já foram reformulados pelo Congresso Nacional.
Desde sua aprovação, em 1998, já temos um Novo Código Florestal (a Lei
12.651/2012), a regulamentação para a pesca é constantemente atualizada
(Lei 10.779/2003 – que regulamentou a concessão do seguro defeso para os
pescadores; Lei 11.959/2009 – que estabeleceu a Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, revogou alguns
dispositivos do Decreto-Lei no 221/1967; Decreto 8.424/2015 – que
regulamentou a lei 10.779; Decreto 8.425/2015 – que regulamentou a lei
11.959; entre outros) e a Política Nacional do Meio Ambiente recebeu novas

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leis como o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei 9.985/2000) e
a nova regulamentação do Licenciamento Ambiental (Lei Complementar
140/2010).
No lado das inovações da Lei de Crimes Ambientais, temos a previsão da
responsabilidade criminal de pessoas jurídicas e a possibilidade de associação
destas com pessoas físicas autoras ou coautoras das infrações. No campo nas
penalidades, foram criadas punições, tanto penais quanto administrativas.
O estatuto das penas alternativas com a prestação de serviços à comunidade
foi ampliado para crimes cuja pena privativa de liberdade seja no máximo
quatro anos – contemplando a maioria das penas previstas na lei.
Se na legislação anterior, qualquer abate de animal da fauna silvestre
constituía crime inafiançável, na nova lei, foi descriminalizado o abate para
saciar a fome do agente ou de sua família.
Vários atos ilícitos que eram considerados de ordem administrativa foram
elevadas ao estatuto de crime, como por exemplo: os maus tratos contra
animais domésticos; a pesca durante o período de defeso ou piracema
(reprodução) de espécies protegidas; o desmatamento, a comercialização –
em todas suas etapas – de madeira, lenha ou carvão com origem em matas
nativas; a construção, reforma, instalação, etc. de estabelecimentos
potencialmente poluidores sem licença ou autorização ou contrariando as
normas legais passou a ser crime ambiental.
Em resumo, os crimes ambientais foram divididos em:
ü Crimes contra a Fauna;
ü Crimes contra a Flora;
ü Poluição e outros Crimes Ambientais;
ü Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural;
ü Crimes contra a Administração Ambiental.
Há ainda os casos de infrações administrativas ambientais, sendo estas
definidas como toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso,
gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente. (Lei 9605/98, art.
70).

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Uma definição ampla de Meio Ambiente poderia ser, então, enunciada como
correspondendo ao conjunto de condições, leis, influências e interações de
ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas
as suas formas. Entretanto, nunca é demais lembrar que as pessoas não vivem
em sistemas, mas em lugares que lhes são familiares, que lhes são
experimentados, vividos.
Nesse sentido, pode-se apresentar esquematicamente uma definição de Meio
Ambiente que inclui a diversidade de ecossistemas, variando desde aqueles
com grande predominância de aspectos naturais e pouca presença humana
até aqueles já bastante transformados e com predominância da presença
humana e sua diversidade cultural. Observe:

O Meio Ambiente Amplo



Figura 5.1: O Meio Ambiente Amplo

Apesar de a Lei 9.605 ser clara, sua aplicação não é tão fácil. Por dispensar
laudos técnicos para sua tipificação, o treinamento e conhecimento
adequados são fundamentais.
Como o flagrante é fundamental, vários processos acabam sendo nulos ou
ineficazes em função de enquadramentos e procedimentos inadequados.


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Alguns casos concretos apresentam melhor esse problema. Veja só:

Caso 1: Eu sou autoridade federal!


Eu sou poder municipal!
Chamem a polícia estadual!

Nosso primeiro caso trata das dificuldades que podem ocorrer na delimitação
dos espaços a serem protegidos por unidades de conservação, a superposição
de responsabilidades ou de legislação ou até um jogo de interesses por parte
de vários atores, que muitas vezes não são bem identificados.
Em Arraial do Cabo foi decretada, em 1997, a primeira Reserva Extrativista
Marinha (Resex) do estado. Ela é formada por um cinturão marinho de três
milhas ao longo da costa do município. Inclui em sua área os terrenos de
marinha, as praias e os costões rochosos.
Para arrecadar fundos para a gestão da Unidade de Conservação Federal, o
Ministério do Meio Ambiente publicou uma Portaria com os valores a serem
cobrados a título de Taxa de Visitação à unidade, por quaisquer embarcações
que ancorassem no interior da Resex.
Para os agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) responsáveis pela Unidade de Conservação (que
hoje é de responsabilidade do Instituto Chico Mendes para a Conservação da
Biodiversidade – ICMBio) , o ponto base de fiscalização seria um trailer
estacionado na Marina dos Pescadores de Arraial do Cabo.
Segundo os agentes federais, a Marina dos Pescadores de Arraial do Cabo
seria um “acréscimo de marinha” e, como está localizada no interior da Resex,
estaria sob a jurisdição do Ibama.
Para a administração municipal, a Marina estaria vinculada ao Porto de Arraial
do Cabo, que havia sido municipalizado. E, nesse sentido, somente a
autoridade municipal deveria prevalecer nos cais existentes.
Os operadores de turismo eram contra a medida, pois viam a cobrança como
indevida e a consideravam mais um encargo sobre sua atividade. Além disso,
eles tinham a prefeitura ao seu lado.

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Os acontecimentos acompanharam uma escalada típica de um conflito (como
veremos melhor na Aula 2):
Em um primeiro momento, agentes federais e operadores de turismo
pareciam ignorar o problema, como se fosse uma fuga, onde cada lado
parecesse ignorar o outro.
Em seguida, os fiscais buscaram se afirmar mantendo sua posição de exigir a
apresentação das taxas pagas ou a emissão de guias para pagamento
posterior.
A próxima fase foi dialógica, ou seja, tentou-se uma negociação. Os
operadores reivindicavam o pagamento na própria Marina, sob os mais
diversos argumentos. Aparentemente se pretendia chegar a um resultado não
em acordo com as regras, mas através de mecanismos locais e momentâneos
onde poderiam organizar suas relações mútuas.
Pouco depois chegaram ao cais, de carro, o Vice-Prefeito e o Secretário
Municipal de Segurança Pública, acompanhados por guardas municipais. O
Vice-Prefeito interpelou Gerente da Reserva dizendo que o Prefeito fora
informado que o Ibama estava “cobrando taxa de visitação no cais da Marina”
– que para a prefeitura seria um espaço sob sua jurisdição – sem prévia
notificação ao poder público municipal.
Esta cobrança não poderia ser feita, segundo o Vice Prefeito, pois a
Constituição Federal estabelecera prerrogativas aos municípios quanto à
administração dos espaços públicos sob sua responsabilidade.
O Diretor da Reserva alegou que a Marina não estava sob a administração da
Prefeitura, que era um “acréscimo de marinha” e, portanto, a gestão desse
espaço seria de responsabilidade do Governo Federal. Neste sentido ele não
estava obrigado a notificar a prefeitura de nada que fosse ser feito em termos
de fiscalização naquele local. Para ele, na verdade, eram as autoridades
municipais quem deveriam mostrar a documentação que legitimasse sua
jurisdição sobre aquela área.
O Vice-Prefeito e o Secretário de Segurança Pública municipal alegaram que
não tinham que comprovar nada ao Diretor da Reserva, e que não

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permitiriam que a cobrança continuasse a ser realizada naquele local, e se
afastaram.
A questão em disputa estava sendo explicitada como a falta de legitimidade
da atuação do Ibama, órgão vinculado à esfera federal de governo, em um
espaço público submetido ao poder público municipal.
Pouco depois voltaram aos cais o Vice-Prefeito e o Secretário de Segurança,
acompanhados de um escolta maior da guarda municipal, que incluía agentes
não fardados, e uma viatura da Polícia Militar que trazia dois soldados e um
sargento à paisana. O Vice-Prefeito anunciou que o Prefeito dera ordens
expressas para a retirada do trailer da marina e pediu à Polícia Militar que
procedesse à retirada.
O Sargento, acompanhado pelos dois soldados, se dirigiu ao Gerente da
Reserva um pouco rispidamente, dizendo que não ia querer confusão. Dirigiu-
se para o grupo onde estava o Vice-Prefeito e o Secretário de Segurança,
conversou com eles e voltou para dar a ordem de proceder com a retirada o
trailer. Logo após chegou um trator, aplaudido pelos operadores de turismo e
seus partidários e rebocou o trailer para o depósito municipal.
Finda a cena na marina e uma parte do drama se desenrolou em um novo
cenário: a delegacia de Cabo Frio. Lá o Gerente da Reserva deu queixa contra
o Prefeito, o Vice-Prefeito e o Secretário de Segurança de Arraial do Cabo por
abuso de autoridade, impedimento da autoridade de cumprir a legislação
ambiental, e outros delitos previstos na legislação ambiental.
O agente de plantão na delegacia lembrou que os policiais militares também
poderiam ser citados por não intimarem a outra parte a comparecer à
delegacia, inclusive dando voz de prisão àqueles que se recusassem a
obedecer. Por fim, o Gerente da Reserva estava de posse de documentação
hábil para solicitar um mandato de reintegração de posse na Justiça Federal
de São Pedro da Aldeia.
O processo judicial, que teve início na Delegacia, não impediu que os conflitos
na Marina continuassem a acontecer. O trailer foi recolocado no lugar por
força de um mandado judicial, mas a cobrança da Taxa de visitação foi

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suspensa, por uma intervenção da Superintendência do Ibama do Estado do
Rio de Janeiro.
Por fim, um ano depois, o trailer foi incendiado por “pescadores”, revoltados
com a falta de fiscalização da integridade da Resex por parte do Ibama. Em
outras palavras, pelo fato de pescadores de “fora” estarem pescando
“dentro” da Resex.
Esse é um relato extenso, mas importante para se compreender as
dificuldades de atuação em conflitos envolvendo Unidades de Conservação de
Uso Sustentável, como as Reservas Extrativistas, e a responsabilidade de
vários órgãos e esferas de governo no papel de responsáveis pela tutela de
um bem difuso, como o Meio Ambiente.

Caso 2: Nem todo dono de passarinho em gaiola é criminoso


Um segundo relato diz respeito a uma ação açodada no cumprimento da Lei
da Vida.
Uma patrulha da Polícia Militar em ação na Rodoviária Novo Rio abordou uma
senhora que se dirigia para o embarque com um conjunto de gaiolas cobertas
com pano branco. Ao levantarem o pano, constataram se tratar de pássaros
vivos e imediatamente deram voz de prisão à senhora, levando-a, junto com
sua bagagem e gaiolas para a delegacia mais próxima. Lá chagando os agentes
de plantão não foram capazes de identificar os pássaros para terem certeza
que sua posse em gaiolas seria crime ambiental.
Depois de esperar muito tempo para obter orientação, os policiais, a suspeita
e as provas foram encaminhados à delegacia especializada, que na época se
chamava Delegacia Móvel do Meio Ambiente e que, como o nome sugere,
não tinha um local fixo. Lá chegando, constatou-se que os pássaros eram
canário-belgas, que não fazem parte da fauna silvestre brasileira, nem estão
em listas de espécies em extinção, não gozando, portanto, de proteção
especial, além daquela que impede maus tratos – o que não se caracterizava,
pela observação dos animais.
Ao final do dia, os policiais tiveram que levar a senhora, sua bagagem e
pássaros de volta à Rodoviária – que obviamente já havia perdido seu ônibus

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– e negociar junto à companhia uma nova vaga em outro horário, além de
pedir desculpas à senhora, que além de perder o ônibus e atrasar sua viagem,
havia passado por um grande constrangimento.
Esse exemplo pode ser ampliado para outras situações, como a prisão de um
catador de caranguejo de Gargaú, norte fluminense, que não cumpria o
período do defeso (quando não se pode catar ou pescar determinadas
espécies). Este, de fato, não cumpria a lei, mas sua prisão na Delegacia de
Campos acabou por se tornar um drama muitas vezes superior ao esperado,
pois eclodiu uma rebelião na delegacia, e o pescador ficou três dias à mercê
de elementos com alto grau de periculosidade, e em estado de descontrole,
que não era compatível com o delito que ele cometera.
Os contextos dos delitos ambientais e as incertezas sobre o dano sugerem um
cuidado maior na sua imputação. Nunca é demais lembrar que já foi solicitado
por um Juiz a devolução de 5 gaiolas que haviam sido legalmente apreendidas
quinze anos antes!

Você sabe quem foi Chico Mendes?


Assista ao vídeo “Chico Mendes, o preço da floresta”, e procure construir a
sua própria imagem sobre o Meio ambiente e a definição para conflitos
socioambientais.

Dirigido por Rodrigo Astiz, este documentário foi produzido em 2008 para o
Discovery Channel. "Chico Mendes – O Preço da Floresta", foi o primeiro
documentário sobre Chico Mendes dirigido por um brasileiro e realizado no
local onde os fatos aconteceram.

Com muita pesquisa, entrevistas e boas imagens, o documentário atualiza


uma história de vinte anos atrás para a realidade de hoje. Mostra a luta de Chico Mendes contra a
destruição da floresta e a favor de sua preservação, os inimigos que ele adquiriu, as vitórias e o preço
pago por essa luta. (Duração, 43 minutos).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_c-BfipCgig

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Conclusão Nessa aula analisamos a dificuldade de construir um conceito de “conflito


socioambiental” que englobe todos os contextos, bem como vimos que não
há como “eliminar” este tipo de conflito e que a melhor alternativa é
administrá-lo!

Esperamos que neste ponto você mesmo já tenha chegado à conclusão de


que não há um conceito de Meio Ambiente, ou de Conflito Socioambiental
que dê conta de todos os contextos e situações que permeiam a nossa
realidade.
Nesta mesma direção, precisamos concordar que nossa sociedade segue
princípios hierárquicos, nos quais a rede de relações é mais importante que o
valor do indivíduo que avalia os sujeitos através de sua honra (que é
necessariamente desigual entre as diversas posições sociais), ao invés de
assegurar a todos o mesmo patamar de dignidade (que é necessariamente
igualitária, independente da posição social do sujeito).
Mas também devemos reconhecer que em outros momentos, nosso
comportamento segue regras gerais, que parecem terem sido acordadas por
todos, e que por isso devem ser seguidas e, quando não são, as leis e punições
são aplicadas a todos de forma equânime.
Ao reunirmos as duas conclusões, podemos propor uma síntese que define o
conflito socioambiental como um conflito de difícil resolução, que não
corresponde nem a uma ruptura da ordem, nem a quebra de um princípio
hierárquico, nem aos interesses de uma classe dominante, ou seja, é um
conflito que deve ser administrado, pois dificilmente será eliminado.
Desta maneira, propomos pensar os conflitos socioambientais como conflitos
intratáveis e em nossa próxima aula aprofundaremos mais este conceito.

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Resumo Nesta aula vimos como em algumas sociedades liberais, o conflito é visto

como o produtor da ordem e, portanto, tem um sinal positivo nestas
sociedades. Em geral, as sociedades que seguem uma ideologia individualista
igualitária se enquadram neste grupo. Por outro lado, vimos também que em
outras sociedades, o conflito é visto como uma ruptura da ordem, o que o
coloca com um sinal negativo.

As sociedades hierárquicas relacionais são enquadradas neste grupo.


Paradoxalmente, a sociedade brasileira apresenta características tanto de um
grupo quanto de outro, o que torna o problema da ordem central e de difícil
acesso.

Em outra dimensão, vimos que a noção de Meio Ambiente é polissêmica em


nossa sociedade, o que torna a conceituação conflito socioambiental quase
que inatingível e, consequentemente, sua eliminação inexequível, pois
sempre dependeria do lugar do intérprete sobre o fim do conflito.

Assim, terminamos a aula com a proposta de pensar os conflitos


socioambientais como conflitos intratáveis, o que desenvolveremos melhor
na aula seguinte. Como sugestão geral do curso, o melhor a fazer em um
conflito intratável é buscar administra-los!

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