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1. Este artigo foi originalmente publicado na revista Les Feuilletes Du Cortil, n.15,
Le désir et la faim, mars 1998, p.79-92.
2. Este é o texto de uma conferência proferida pelo autor na Universidade de Paris
VIII, em janeiro de 1998, e que foi estabelecida por Isabelle Finkel.
3. Essa questão vem de uma colocação de Jacques-Allain Miller em seu já citado
curso.
4. Essa é uma observação de Éric Laurent nessa mesma jornada do CIEN a que fiz
referência.
Não significa que não podemos utilizar o termo adolescência. Mas o termo
puberdade tem mais pertinência na clínica. Freud, aliás, relevou toda a sua
importância bastante cedo em seu obra, desde Os três ensaios sobre a teoria sexual,
de 1905. Essa obra é constituída de três grandes partes: as perversões sexuais, a
observação da sexualidade infantil e a puberdade. Por que a puberdade vem como
terceiro capítulo? Porque, após a infância, certas escolhas são feitas, mas de maneira
não definitiva, e elas são reatualizadas na adolescência. São as escolhas de objeto,
hetero ou homossexuais, e as escolhas de posição quanto á sexuação,
particularmente. Uma outra escolha que já é, talvez, [seg pg] determinada mais
cedo na existência, mas que vai ter consequências somente na adolescência, é a
eventual escolha da perversão. É a escolha, diz Freud, em permanecer em um pulsão
parcial. Eu diria, com Lacan, que não é somente a escolha de ficar a serviço de um
pulsão parcial, é também uma escolha de se colocar a serviço de uma vontade de
gozo, de um Outro do gozo, do Deus obscuro do gozo, cujos nomes, em parte, Sade
enumera em sua obra. Vocês estão vendo que aqui o termo puberdade é apropriado e
utilizado por Freud no laço com a sexuação, com a escolha de posição e a escolha de
objeto, mas também com suas consequências sobre a estrutura mesma, com essa
possível reorientação á perversão.
Logo, uma expressão originada da psicanálise tal como “ tudo se decide antes
dos cinco anos!” – esta não é uma expressão lacaniana, evidentemente – não é
totalmente falsa. Com efeito, a escolha do sintoma e a organização da fantasia se
estabelecem extremamente cedo. Tive a ocasião de observar duas crianças gêmeas,
um menino e uma menina. Com apenas poucos meses de idade, certas escolhas
sintomáticas de estrutura já estavam claramente decididas. Quando elas tinham
fome, por exemplo, se a mãe ou a pessoa que delas se ocupava começava a dar a
mamadeira à menina, o menino continuava a gritar de uma maneira perfeitamente
decidida, sem parar. Ao passo que quando se começava a dar mamadeira ao menino,
a menina parava de gritar, virava-se em seu berço, ficava inteiramente indiferente e,
em seguida, recusava a mamadeira. Eis aí duas escolhas sintomáticas. No menino,
vemos uma escolha bastante reivindicativa, como pode ser, eventualmente, o
obsessivo, enquanto que na menina, o que vemos é a indiferença histérica. Essas
escolhas sintomáticas são um modo de resposta do sujeito a uma situação e, nesse
exemplo, vemos que elas são colocadas já muito precocemente. Isso não impede que
as escolhas venham a ser recolocadas parcialmente, não somente na adolescência,
mas mesmo antes. A expressão “ tudo se decide antes dos cinco anos” é, contudo,
um pouco precipitada. Tomem o famoso exemplo de Jean-Jacques Rousseau –
certamente do lado da psicose – que, com a idade de oito anos, recebe, de sua
governanta, uma palmada nas nádegas. É o episódio da palmada que ele descreve de
maneira muito bela na primeira parte de suas Confissões. Essa palmada o deixou em
tão grande agitação que ele desobedecia só para novamente receber palmadas. A
governanta compreendeu muito bem a situação e, por essa razão, aquela será a única
palmada que ele receberá. Mas Jean-Jacques Rousseau cunha essa frase:
“ Quem acreditaria que esse castigo de infância, recebido aos oito anos
pela mão de uma moça de trinta anos, decidiu os meus gostos, os meus
desejos, as minhas paixões, e eu mesmo para o resto de minha vida, e
isso, precisamente, no sentido contrário ao que devia acontecer
naturalmente? ” (ROUSSEAU, 1973:45)
O que quero precisar é que essas escolhas deverão ser recolocadas tanto do lado
da fantasia, que vai ser posta á prova na puberdade, quanto do lado do sintoma, que
assume formas variadas. Essas escolhas vão ser recolocadas mesmo se a estrutura
está, sem dúvida, já decidida, neurose ou psicose, e mesmo no interior das neuroses,
o obsessão ou a histeria. Contudo, as formas comportamentais, as formas
fenomenais e também a relação do sintoma com o sexo vão se encontrar
modificadas na puberdade. [ px página]
Então, para ser mais preciso, seria necessário intitular meu trabalho:
Adolescência, a idade de uma grande variedade de respostas possíveis a esse
impossível que é o surgimento de um real próprio da puberdade. Essa é a escolha
do título da minha exposição. Poder-se-ia também escrevê-lo com um matema
construído a partir de um que Jacques-Alain Miller adiantou em seu curso, há dois
anos. Em seu matema, Miller propunha o sintoma como resposta, como metáfora à
não- relação sexual, à inexistência da relação sexual. A inexistência da relação
sexual é a dificuldade de saber o que fazer quanto ao sexo; é a ausência de um saber
constituído a priori sobre isso. No lugar dessa ausência da relação sexual, o sujeito
elabora um sintoma que vem, então, para ele, como uma resposta possível a esse
real impossível de circunscrever, que é a ausência da relação sexual. A puberdade é,
em todo caso, um dos momentos em que, mais do que nunca, a não- relação sexual
reaparece para o sujeito, E, sempre nesse matema, a adolescência seria, então a
resposta sintomática possível que o sujeito vai dar a isso. É o arranjo particular com
o qual ele organizará sua existência, sua relação com o mundo e sua relação com o
gozo, no lugar, portanto, da relação sexual.
∑ → Adolescência
Ø Puberdade
Esse sintoma que vem substituir o conjunto vazio é uma curiosa metáfora. A
parte do sintoma que, por um lado, se articula com o significante, faz metáfora –
mas que também é um traço de identificação -, e é o que permite a interpretação da
verdade do sintoma. No caso Dora, por exemplo, é a parte significante que permite
a Freud interpretar sua tosse a partir dos traços tomados de seu pai, a partir do
deslizamento do significante Vermögen – meu pai é afortunado- para Unvermögen,
desafortunado, mas que também significa, em alemão “impotente”. É sobre esse
deslizamento significante que se desenvolve a pequena fantasia do coito oral que
Dora imagina entre seu pai e Madame K. , e que provoca nela, por identificação,
uma coceira em sua garganta. Esse é, então, o significante do sintoma. Mas o
sintoma é também o uso de um modo particular de gozo conectado a um certo
número de traços. É por isso que o sintoma, no final do ensino de Lacan, não é mais
considerado como de estrutura fundamentalmente simbólica, significante, ou como
vindo do lugar do pai, mas, antes, como originado fundamentalmente do gozo, como
modo de gozo de um sujeito. Diante do encontro com um impossível, o sujeito
organiza um possível para si de um relação com o gozo; esse é o seu sintoma. [px
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Será necessária a intervenção do Outro sob a forma de uma mulher, que arrasta
Daphnis consigo para lhe ensinar o que ele deve fazer. Tudo isso passa, portanto,
pela palavra, passa pelo Outro. O que nos interessa na fábula é a mise en scène da
inexistência de saber no real quanto ao sexo. Evidentemente, a fábula deixa entender
que, por menos que passe pelo Outro, algo se pode saber disse e que existe a relação
sexual. O que, evidentemente, não é verdadeiro a partir do momento em que há, no
Outro, ao menos um mal-entendido.
O que vem responder a essa ausência de saber para cada sujeito é o sintoma,
resposta do sujeito a esse buraco. A partir daí, parece-me que se pode dizer que a
adolescência é o sintoma da puberdade. Chamemos, por enquanto, o real que está aí
em causa de puberdade – ainda que seja preciso defini-lo com mais precisão, o que
me encarregarei de [ px página] fazer em seguida. Quando falo de adolescência, não
se trata, evidentemente, de adolescência no sentido de crise, ou de adolescência
como resposta geral, mas sim de adolescência como a série de respostas possíveis a
esse fenômeno- a essa série retornarei ao final do meu texto. Proponho, então, a
clínica da adolescência não como a clínica da crise da adolescência, mas como a
clínica do sintoma. É uma clínica que nada tem a ver com a adolescência
problemática no campo social. Ao contrário, trata-se de uma resposta individual
como escolha e resposta de um sujeito, levando-se em conta que há diferenças,
conforme as escolhas já colocadas pelo sujeito, entre neurose e psicose.
O que é esse novo? Esse novo, mais que o órgão, é o reaparecimento, para o
sujeito, de sua falha de saber no real. O que evoca esse conceito de real lacaniano?
Em Lacan, há três referências ao real.
Entretanto, na última parte do seu ensino, Lacan dá uma definição muito precisa
do real. O real recobre os dois outros. O real é a não-relação sexual. É o que
Jacques-Allain Miller escreve no matema que eu evocava, com a escritura do
conjunto vazio. O que quer dizer “ não há relação sexual”? Isso quer dizer que não
há uma relação no sentido matemático, no sentido de um saber instituído e
constituído, já presente, sobre o que é a relação entre [px página] um homem e uma
mulher. Como isso se passa para o animal? Quando o animal se encontra diante do
outro sexo, ele já sabe, desde a primeira vez, o que fazer; sabe perfeitamente o que
deve fazer. Isso se chama instinto. Há, para os animais, o instinto com tudo o que,
aliás, ele implica de complexidade, de mise em scéne, de ritual. Portanto, há o
instinto como saber inscrito, para cada um deles, no real. Quando se encontro com o
outro sexo, não falta saber ao animal. Ele sabe como a coisa funciona. Ele não tem
questão. Existe um saber instintual sobre a copulação. É isso que falta no homem.
Não há saber no real para o ser falante. Assim, compreendemos melhor o que é o
real da puberdade. Eu proponho essa definição: o real da puberdade é a irrupção de
um órgão marcado pelo discurso na ausência de um saber sobre o sexo, na ausência
de um saber sobre o que se pode fazer em face do outro sexo. Resta, então, a cada
um inventar sua própria resposta.
Situarei uma terceira série de respostas em relação à fantasia que falha. O sujeito
que já havia construído uma fantasia em sua infância depara-se com o fato de que
essa fantasia, confrontada com as novas problemáticas do sexo, não opera mais de
maneira correta. É o que se pode chamar a falha da fantasia. As passagens ao ato são
respostas clássicas à fantasia que falha. Em seu seminário, A angústia, Lacan nos
mostra – em um quadro que retoma a inibição, o sintoma, a angústia – que o que faz
barragem à angústia é o sintoma. Quando falha o sintoma – caso em que surge um
real -, tem-se o acting-out ou a passagem ao ato. Estes servem de últimas barragens
à angústia. Essa temática é muito presente em O despertar da primavera. Mais além
da questão do encontro com o sexo, nessa eclosão justamente de um real, surge, para
os adolescentes que ali estão colocados em cena, uma questão extremamente viva
que leva à angústia. Ela levará ao suicídio um dos adolescentes da peça e, o outro,
ela levará a questão de saber se vai segui-lo ou não. É então que surge a figura do
“Homem mascarado”, que é uma figura do Nome-do-Pai, como nos diz Lacan. É
uma dessas figuras que eu dominei, acima, um pai de substituição sólido, como se
pode encontrar na adolescência sob a forma de um professor, e que serve de
sintoma. É o pai como sintoma.
O pai como sintoma é uma das respostas possíveis. Mas há, em nossas
sociedades de hoje, cada vez mais dificuldades de se responder com o pai, de
encontrar essas resposta com o pai, à medida que há um declínio da função paterna.
Esse declínio foi sempre observado no caso a caso. É, especialmente, o caso do
pequeno Hans, de Freud. Lacan, no Seminário IV, analisa-o como um caso de
consequência do declínio da função paterna. O pai, ainda que corretamente instalado
no simbólico, não esteve à altura de representar para seu filho uma exceção. Tem-se
disso um testemunho extraordinário quando Hans pergunta a seu pai se ele vai ter
um irmãozinho. Seu pai responde: “Se Deus quiser”. Hans vai, em seguida, colocar
a mesma questão à sua mãe, que responde: “Se eu quiser”. Ao que Hans conclui : “É
a mamãe que decide por Deus”. É, apesar de tudo, o que se pode chamar um
declínio da função paterna não é o pai que assume a posição de exceção. A
consequência para Hans no nível de sua escolha sintomática é, de início, sua fobia.
Mas Lacan nos mostra muito bem, no último capítulo desse Seminário, que uma vez
sua fobia curada, a resposta de Hans será um declínio da virilidade. Lacan o coloca
numa posição oposta a Dom Juan. Hans será um homem que esperará que os
avanços venham do outro lado. [px página]
Isso não quer dizer que a exceção não vai mais existir em parte alguma. Mas é
necessário ver onde ela pode ainda existir. Hoje, a exceção pode existir na série dos
Uns que são rapidamente substituídos, função da democracia. Mas vê-se bem que,
nos níveis dos chefes de Estado, isso é algo extremamente frágil. Tomemos um
homem político como Jacques Chirac que, numa entrevista, falava do desemprego,
sublinhando seus aspectos dramáticos, dizendo que isso não dependia dos políticos
mas do capitalismo internacional, da conjuntura, do que ocorre no mundo... Ele diz
aos franceses nessa entrevista que não tem nada a dizer, que não pode nada a fazer
contra o desemprego. Ele tem razão, ele não tem nada a dizer, mas o seguinte não
terá também nada a dizer (3).
Esse “todos iguais”, devido ao declínio da função paterna que apaga a exceção,
provoca, também, um efeito de segregação devastador. Esse efeito devastador se
acentua ainda com as dificuldades econômicas atuais, e desemprego etc. Vê-se nas
periferias um certo números de fenômenos da ordem desse mal-estar da segregação.
Hoje, [px página] adolescência rima, por um lado, com segregação. Em uma recente
jornada do CIEN, pessoas que trabalhavam com jovens das periferias de Bordeaux
explicaram a organização de contraculturas fundadas sobre certas referências
africanas e americanas. E, o interessante nessas contraculturas, é constatar que se
trata de um “contra”. Há, particularmente, referência a um fragmento da cultura
africana que é retomado na organização dos bandos com chefes, com capatazes etc.
Ao mesmo tempo, encontramos sempre nos significantes extraídos, nas imagens
extraídas, uma certa referência à América (4). Tem-se aí a organização de
substitutos sintomáticos sociais para a adolescência, que se conjuga ao efeito
segregativo da sociedade capitalista de hoje nessa promoção de “ todos iguais”. Há,
ainda, outros efeitos da ordem da violência notadamente nas periferias, mas
também em certos quarteirões turbulentos das grandes cidades. Poderia, sem dúvida,
dizer mais coisas sobre a violência, mas parece-me que essa violência é, ao mesmo
tempo, o efeito direto do declínio da paternidade e a recusa em responder ao
declínio da paternidade com um declínio da virilidade. É a recusa do lado do “todos
iguais” e que, sobretudo, “nada exceda”.
Terminarei pela escolha do gozo fora do sexo, que não se embaraça com os
problemas da sexuação como um último modo de resposta ao real da puberdade. É o
caso, particularmente, da resposta toxicomaníaca. Não generalizarei, contudo, a
toxicomania; ela tem uma função diferente em um certo número de sujeitos
diferentes. Na psicose, da qual não vou falar aqui, a toxicomania tem, muitas vezes,
a função de [px página] cobertura. O sujeito teve algumas alucinações e, com o uso
do tóxico, ele tem muitas alucinações. Quando se interroga esses sujeitos, e se eles
são inteligentes e educados, podem muito bem fazer a diferença entre os dois tipos
de alucinação, mas isso não impede que tenham uma explicação um pouco geral
disso que lhes acontece: “ É por causa do produto”, e para todo mundo, as
estranhezas que eles vivem são devidas ao produto. É o que chamaria de função de
cobertura do delírio e dos fenômenos psicóticos pelo tóxico. É a razão pela qual,
pessoalmente, malgrado a escolha política de nosso país, eu considero que não se
deve buscar curar todos os toxicômanos, impedi-los de tomar drogas. Há psicóticos
que podem ser devastados pela abstinência. Nesse caso, o problema é, muito mais,
ver como isso pode se estabilizar de forma um pouco calma.
LACAN, J. Posição do inconsciente (1964). In: Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed. , 1998.
LONGUS. Daphnis et Chloé. In: L’école dês letters, Paris: Seuil, 1994.
ROUSSEAU, J.-J. Les Confissions. In: Collection Folio, Paris: Gallimard, 1973.