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de cuidar
Ruth Cavalcante
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O afeto e a arte de cuidar
Ruth Cavalcante
1. Antropocen- Ao final da leitura deste material espera-se que o cursista seja capaz de:
trismo: pensa- • Relacionar afeto e convivência;
mento que coloca
o ser humano no
• Destacar o cuidado como consequência do afeto – cuidar de si, do outro e da Terra;
centro • Refletir a afetividade no cotidiano das pessoas – cuidado e relações afetivas;
2. Dicotomia é a • Vincular a solidariedade com expressão do afeto – a dimensão espiritual do ser.
divisão de algo O afeto e o cuidado na convivência. O que é cuidar? Como o cuidado inter-
em duas partes
gerando a noção fere em nossas relações afetivas. Cuidar de si, do outro, cuidar da Terra, é possível
de contrários e fazer isso? O sentido da afetividade no cotidiano das pessoas. O cuidado como con-
complementares.
Por exemplo: sequência do afeto. A solidariedade como a mais elevada expressão da afetividade.
alegria/tristeza;
homem/mulher,
ordem/desordem. Introdução
É senso comum a ideia de que a humanidade vive hoje um grande paradoxo, isto é,
vivemos um tempo contraditório. Por um lado estamos imersos numa crise de ci-
vilização oriunda de uma cultura antropocêntrica1 que apela para o individualismo,
o consumismo e a competição desenfreada. A visão fragmentada, dicotomizada2 da
realidade traz como resultado a destruição ambiental e a dissociação das pessoas.
Por outro lado, o avanço cada vez mais acelerado nas comunicações, o desen-
volvimento da informática e da tecnologia espacial se constituem como os principais
responsáveis pelo surgimento de ambientes onde as pessoas, em rede, interagem em
tempo real ultrapassando as distâncias.
O acesso à informação e à socialização do saber foi facilitado. Ao mesmo tem-
po, criou uma perspectiva de urgência. Esse paradoxo gerou uma profunda insegu-
rança, afetando a vida de todos e tornando imprescindível uma nova postura ética.
Para sair dessa situação, cada pessoa precisa conhecer o seu mundo, os com-
ponentes que habitam este mesmo solo e que se alimentam das mesmas fontes nu-
trientes advindas do nosso planeta Terra. Além do autoconhecimento precisamos co-
nhecer a história do lugar onde vivemos como seres históricos e sociais que somos;
compreender os mestres, poetas, cantadores, os fundadores da civilização local, atra-
vés da convivência e diálogo com eles criaremos relações e vínculos entre as pessoas.
Afeto e convivência
Afeto é um sentimento terno, de simpatia, uma afinidade que temos por uma pes-
soa ou um animal. Leva-nos à identificação com os demais e, por meio dele, po-
demos aprender a amar, compreender e cuidar com delicadeza da convivência
humana. Assim, podemos perceber novos horizontes, nos abrirmos para sonhar,
acreditando no futuro e confiando que o amanhã poderá ser melhor com a nossa
ação, procurando tornar melhor o nosso viver e conviver.
Hoje, mais de dez anos depois, ele dá destaque para o Saber “ensinar a com-
preensão”:
Lembremos-nos de que nenhuma técnica de comunicação, do
telefone à internet, traz por si mesma a compreensão. A compre-
ensão não pode ser quantificada. Educar para compreender a ma-
temática ou uma disciplina determinada é uma coisa; educar para
a compreensão humana é outra. Nela encontra-se a missão pro-
priamente espiritual da educação: ensinar a compreensão entre as
pessoas como condição e garantia da solidariedade intelectual e
moral da humanidade (Morin, 2000, p. 93)
Dessa forma, não basta estarmos acompanhando o progresso da era das co-
municações, pois seguramente não será por aí que chegaremos a compreender o
outro e a nós mesmos. Assim, qualquer pensamento, atitude ou movimento nos-
so, deve ter como princípio a compreensão humana que se expressa no cuidado e
no respeito à vida.
Vivemos também uma crise de percepção da realidade Para solucioná-la, uma
única razão ou verdade não é suficiente. Para enriquecê-la, devemos inserir muitas
dimensões: procurar novo sentido de viver e atuar numa atitude de ternura e cui-
dado para com a vida; estabelecer uma nova aliança de paz com todas as espécies;
estabelecer nova convivência entre os humanos e demais seres vivos. Essa nova
visão apresenta-se biocêntrica, ecológica e espiritual, com base numa percepção de
interação e unidade de todas as coisas.
Quais são meus gestos e atitudes do meu dia a dia que dão sentido ao meu viver?
Os meus gestos e atitudes do meu dia a dia que dão sentido ao meu viver estão relacionados aos valores e
virtudes que sou capaz de realizar e de cativar no meu próximo.
Inteligência afetiva
A afetividade dá estrutura à inteligência que o cientista chileno Rolando Toro
(2012) chamou de “inteligência afetiva”. Ele acredita que todas as inteligências –
motora, espacial, interpessoal, etc; têm uma fonte comum, que é a afetividade.
Entendendo que a inteligência se constrói socialmente, concluímos que a in-
teligência afetiva se desenvolve através dos vínculos. Destacamos três vínculos fun-
damentais: conosco mesmo, com o outro e com a totalidade. Chamamos totalidade
a algo maior a que pertencemos. Pode ser uma família, um grupo de trabalho, uma
turma na escola, uma empresa, uma comunidade. Mas também podemos pensar na
totalidade como uma nação, o planeta Terra e o cosmos!
O vínculo conosco mesmo gera uma força que impulsiona nossa existência,
nos capacitando a escutar nossas emoções e sentimentos, saber o que queremos,
nossas necessidades. Reconhecemos qual o caminho queremos, criando condições
de segui-lo (Cavalcante, 2007).
Síntese do fascículo
Diante do avanço e do progresso científico e tecnológico contemporâneo, o
ser humano encontra-se num paradoxo: um volume de informações que, por
um lado, facilitaria a comunicação, por outro lado, desenvolve um sentimento
de isolamento, além de uma crescente violência contra as pessoas, a sociedade
e a natureza agravando as desigualdades sociais em todos os países do mundo.
O processo histórico nos coloca hoje estas reflexões e nos impõe novos
desafios e novas tarefas diante do tumultuado e potente momento contem-
porâneo. Como vimos, o momento atual requer uma abertura para o diálogo,
para ouvir outras opiniões sobre nossos compromissos e ações. Entendendo a
vida como uma entrelaçada teia de relações, sabemos que toda ação tem sérias
implicações para o presente e o futuro da humanidade e da sobrevivência do
nosso planeta Terra.
A qualidade da inteligência se organiza na fonte afetiva. Por isso, a deno-
minação de “inteligência afetiva”. Ela aproxima a percepção a um sentido da
Atividades
1. Aprender a conhecer: Como tenho construído meu conhecimento?
2. Aprender a fazer: Como tenho atuado no mundo? Como tem sido minha ação
no mundo?
3. Aprender a conviver: Como são minhas relações afetivas?
4. Aprender a ser: Como tenho cuidado da minha formação e da minha espiritu-
alidade?
Referências
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Ática, 1999.
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TORO, Rolando. La inteligência afectiva: la unidad de la mente com el universo. Toro,
Cecilia (org). Santiago, Chile: Editorial Cuarto Própio, 2012.
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