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Resumo
Com a indefinição do regime de colaboração, destacadamente evidenciada pelas
emendas apresentadas ao Novo Plano Nacional de Educação (Projeto de Lei
nº.8.035/2010), a estratégia da União para a compensação da falta desse instituto,
imprescindível à execução dos serviços educacionais, vem ocorrendo por meio da
coordenação federativa, pela via das ¨formas de colaboração¨, que se revelam como
políticas de indução federal. Tomando como pressuposto analítico a federação
brasileira, este artigo propõe discutir como as ações indutivas da União vêm tomando
forma no contexto das políticas educacionais. Nossa análise nos permitirá interpretar
como a falta do instituto jurídico-político Constitucional chamado de regime de
colaboração legitima as políticas de indução federal.
Introdução
Objetivando explicitar o que é esse instituto e o que diferencia das demais ações
indutivas do governo federal, estruturamos o texto em três eixos: iniciaremos com a
análise Constitucional do regime de colaboração destacando-o como instituto inerente
ao princípio federativo, que integra o aspecto jurídico-político da estrutura do Estado.
Na sequência, diferenciaremos o regime de colaboração de coordenação federativa e de
formas de colaboração, enfatizando suas características e aplicações jurídicas e
administrativas. Enfim, destacaremos as estratégias de compensação da falta do regime
de colaboração que são consolidadas nas políticas de indução federativa. Nossa análise
permite compreender como o processo de indução federal incide e se consolida nas
unidades subnacionais da estrutura federativa brasileira.
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O Projeto de Lei apresenta-se no Congresso Nacional com mais de 2 mil emendas. A Comissão Especial
que, analisa o Plano constatou que, das 400 emendas prioritárias, 10% trata do regime de colaboração que
quase na totalidade, estabelecem prazo para regulamentação do regime de colaboração. Com o
controverso argumento de que o PNE não é diploma legal para tratar do assunto e não apresenta força
legal para criar obrigações aos Poderes da República, a Comissão rejeitou essas emendas.
relações federativas no que tange à atuação intergovernamental na execução das
competências comuns, de forma a estabelecer o chamado “regime de
colaboração/cooperação”, como instrumento para consolidação da atuação conjunta na
execução de serviços comuns, in verbs
Ao analisarmos as políticas de indução como uma estratégia que visa encobrir a falta do
regime de colaboração, estamos delimitando nossa análise ao aspecto jurídico-político
do Estado. Apesar da delimitação analítica ao aspecto jurídico-político (distribuição de
competências – poder) do federalismo brasileiro, o aspecto fiscal (distribuição de
competências tributárias - receitas), também faz parte do alicerce do federalismo,
estando estes infimamente relacionados, integrando a problemática atual (e histórica) da
relação intergovernamental, inclusive, instrumento de indução das políticas federais.
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Em matéria educacional, consideramos competência suplementar sinônima de concorrente. A
Constituição prevê, ainda, a educação entre as competências privativas da União regulamentar as
diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV). Por se tratar de uma norma geral, por regra, esta
já é considerada competência da União, sendo desnecessário esse dispositivo na Constituição.
Além de a distribuição de competências justificar a necessidade de regulamentação do
regime de colaboração, há também o sistema de execução de serviços adotado pela
Constituição. Isso porque, além das competências, o federalismo brasileiro agrega o
sistema de execução de serviços, orientando o estabelecimento de regras gerais sobre a
forma que os serviços serão executados (se por funcionário próprio ou de outro ente
federado), conforme o sistema adotado. Assim, existem três tipos de sistemas: imediato,
mediato e sistema misto (SILVA, 2010).3
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Sistema imediato é aquele em que a União e demais entes executam os serviços de sua competência com
administração própria (como nos Estados Unidos, Venezuela e México), já o sistema mediato é aquele
pelo qual os serviços, em cada unidade subnacional, são executados por funcionários desta, mantendo a
União pequeno corpo de servidores incumbidos da vigilância e fiscalização desses serviços (como na
Alemanha, ex-URSS e Índia). O sistema misto combina os dois anteriores, permitindo que certos serviços
federais sejam executados por funcionários estaduais e vice-versa, como na Suíça e na Áustria (SILVA,
2010).
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Os artigos 37 e 39 regulamentam a administração pública, principalmente questões relacionadas a cargo,
emprego e função pública, prevendo, dentre outras questões, a investidura no cargo por meio de concurso
público, o direito de greve, a contratação temporária, plano de carreira, remuneração. Exemplifica a forma
de execução imediata porque o caput dos artigos estabelece as atribuições de cada ente federado com
relação ao seu servidor (ou funcionário público) no âmbito das competências de cada um deles.
Institutos regime de colaboração, coordenação federativa e formas colaboração na
Constituição Federal.
Essa constante confusão deriva, entre outros fatores, da construção, no plano político,
da atual concepção de regime de colaboração para a educação, partindo de motivações
ligadas à Reforma Gerencial do Estado na década de 1990.5
A atuação do Legislativo, a partir desse período6, nos levou a concluir que a concepção
de regime de colaboração esteve pautada pela divisão de tarefas entre os entes
federados. Essa divisão de incumbências é traduzida pela Emenda Constitucional (EC)
14/96 como definição da atuação prioritária nas etapas da escolarização básica,
influenciada pela passagem do modelo administrativo burocrático para o gerencial que,
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A reforma iniciada no ano de 1995 objetivou a redução do aparelho do Estado, com uma política
“liberalizante, desestatizante e flexibilizador” (GABARDO, 2009, p. 96), inserindo, na estrutura
federativa, metas globais como da descentralização (princípio da subsidiariedade), aumento da efetividade
do governo (princípio da eficiência) e limites da atuação estatal (inserção do terceiro setor).
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Isso porque, apesar de previsto na Constituição de 1988, o regime de colaboração só começou a ser
objeto do legislativo em 1996, com o Projeto de Lei nº 1946/96, apresentado pelo deputado federal
Maurício Requião (PMDB/PR). O projeto apresenta formas de colaboração entre os sistemas de ensino,
pautado na definição da atuação de cada ente. O projeto foi arquivado, porém o deputado inseriu a
definição da atuação prioritária na Emenda Constitucional 14/96.
sobretudo, objetivou uma mudança cultural no entendimento sobre prestação dos
serviços sociais (GABARDO, 2009), a partir dos princípios da eficiência e
subsidiariedade.
Outra questão que faz com que o regime de colaboração seja confundido com formas de
colaboração é a possibilidade de pactuação de convênios de cooperação prevista no art.
241 da CF/88 (inserida pela EC 19/98), a qual estabelece que
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Alterado pela a EC nº 53/2006 (FUNDEB – Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica), estendeu
o benefício (a política de fundos) à educação básica, mantendo os mecanismos de captura (captação) e
distribuição de receitas, só que sem a focalização anterior no ensino fundamental. A EC 53/2006 alterou o
parágrafo único do artigo 23, colocando no plural o termo "lei complementar", com o objetivo de facilitar
a regulamentação de normas de cooperação para cada competência comum prevista no art. 23.
A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios disciplinarão por
meio de Lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os
entes federados, autorizando a gestão associada de serviços, pessoal e bens
essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
Ocorre que, a lógica da colaboração coexiste com a lógica da competição, nos moldes
do federalismo americano, propiciando um modelo cooperativo-competitivo, como
respaldo para compartilhamento de vantagens obtidas nos jogos de forças das
autonomias concorrentes (PIRES & NOGUEIRA 2008), que se complica e se agrava
com a indefinição da estrutura cooperativa. Assim, a possibilidade de pactuação entre
os entes, formalizada pela lei dos consórcios, é uma forma de "instrumentalizar a
consecução de objetivos comuns e a articulação intergovernamental" (PIRES &
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Segundo o parágrafo único do art. 23 da CF/88, esses instrumentos só poderiam ser regulamentados por
Leis Complementares, que requer quórum qualificado. Pela redação do art. 241, é possível instituí-los por
meio de Lei Ordinária.
NOGUEIRA, 2008, p. 44), que por não se caracterizar como obrigatória, as unidades
subnacionais são induzidas pela União a pactuar às políticas por ela instituídas.
Ou seja, a cooperação como desenhada pela Carta Maior é compulsória, mas enquanto o
regime de colaboração não for regulamentado por lei complementar, caberá à União
apenas instituir políticas de indução para impor formas de colaboração na execução de
políticas educacionais de cunho nacional.
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Diferenciamos regime de colaboração de formas de colaboração, no sentido de que o regime de
colaboração abrange os aspectos mais gerais de uma política pública (por exemplo, o SUS). É o que
objetiva o parágrafo único do art. 23 da CF/88. Formas de colaboração seriam aspectos mais específicos
da política (por exemplo, as formas de colaboração entre estados e municípios na ofertado transporte
escolar), é o que objetiva o art. 211 § 4º da CF/88, ao prescrever "Na organização de seus sistemas de
ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo
a assegurar a universalização do ensino obrigatório"
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Discricionariedade é faculdade que a lei confere à Administração para apreciar o caso concreto,segundo
critérios de oportunidade e conveniência, e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas
perante o Direito. (DI PIETRO, 2004, p. 211)
Apresenta-se, nessa problemática, o jogo de forças das autonomias concorrentes, em
que as políticas educacionais se tornam cada vez mais individualizadas, acarretando
diferenças na qualidade da educação entre os estados e, até mesmo, entre municípios de
um mesmo estado. A saída que União vem encontrando para amenizar os problemas
intergovernamentais decorrentes dessa problemática é a indução federal.
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Apesar de o CNE argumentar que o documento atende ao disposto no parágrafo único do art. 23,
instituindo o regime de colaboração por meio de arranjos de desenvolvimento da educação (ADE),
entendemos que o documento não é capaz de regulamentar o regime de colaboração e, no máximo estaria
repetindo as ações de coordenação da União na instituição de formas de colaboração por meio dos
conhecidos consórcios públicos.
Dentre os programas do governo podemos citar o Programa Nacional de Alimentação
Escolar (PNAE), Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), Programa Nacional de
Biblioteca Escolar (PNBE), Caminho da Escola e Programa Nacional de Apoio ao
Transporte Escolar (Pnate), Formação pela Escola, Livro Didático, Proinfância. Plano
de Ações Articuladas (PAR), entre outros, tendo como destaque os de ações corretivas.
Conclusão
Esse instituto é constantemente confundido com formas de colaboração (art. 211 §4º da
CF/88) e ainda, com coordenação federativa (instituto relativo ao art. 24 da CF/88), e
isso se justifica pela sua indefinição no campo educacional.
BOBBIO, N. Estado, governo e sociedade: por uma teoria geral da política (11ª ed.).
Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2004.
__________. Emenda Constitucional nº 14, de 12/09/96. Modifica os arts. 34, 208, 211
e 212 da Constituição Federal e dá nova redação ao art. 60 do Ato das Disposições
constitucionais Transitórias. 1996. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/ emc. Acesso: 13 mai 08.
__________. Emenda Constitucional nº 53, de 19/12/06. Dá nova redação aos arts. 7º,
23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. 2006. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Emc/emc. Acesso: 10 dez 2010.
SILVA, J. A. Curso de Direito Constitucional Positivo (33ª ed.). São Paulo: Malheiros
Editores. 2010.