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Middlemarch
Um estudo da vida
provinciiana
GEORGE ELIOT
Um estudo da vida
. .
provinciana
Tradução e prefácio de
LEONARDO FRÓES
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, R
ISHN 85-01-04535-7
CDD - 823
MIDDLEMARCH
adquiridos pela
585-2000
Impresso no Brasil
oTow
ISBN 85-01-04535-7
SUMÁRIO
Prefácio .......................................................................
.................... 7
Prelúdio........................................................................
................. 13
I. Miss
Brooke..........................................................................
.... 15
II. Velhos e
III. À Espera da
345
V A Mão do
VI. A Viúva e a
VII. Duas
Finale .........................................................................
................. 871
PREFÁCIO
Mulher e Cultura
no Dissenso Literário
Leonardo Fróes
Sem dote, sem berço e sem beleza, GE iniciou seu esforço de cultura
mão Das Leben Jesu (The Life of Jesus), de David Friedrich Strauss. Com 32
1 8
GEORGE ELIOT
" 1880, rica e famosa por seus vários romances, já era um dos nomes
suas construções e estilo. Mas GE, antes mesmo de ser incluída no cânon
da ficção inglesa por ER. Leavis (em The Great Tradition, 1948), se·npre
plo, tinha particular estima por The Mill on the Floss, romance no qual ela
descreve sua infância rural e que já foi tão conhecido quanto Middemarch,
fundiu e radicalizou no século XX, é muito usada por GE, ainda a modo
sempre em cada criatura um olhar mais interno que a observa, uma voz
MIDDLEMARCH
lho, quer nas relações pessoais. E novo é também o trem de ferro, que
como a medicina, à qual faz críticas ferozes. Todo o mundo das profis-
Balzac, Flaubert e Turgueniev, o último dos quais, por sinal, ela conhe-
ceu em pessoa. Mas isto não retira valor a seu trabalho, onde a origina-
10
GEORGE ELIOT
" genuínas por que ela mesma passou como mulher diferente e dissidente
" deste privilégio dos homens, que deveria lhe servir de ponte para fazer o
mem trinta anos mais velho do que ela, rabugento, doentio, egoísta,
mundo para realizar seu amor. Na vida real, a escritora Mary Ann Evans,
ção produtiva. O nome dele está no pseudônimo, George Eliot, que ela
adotou desde o primeiro livro (Scenes of Clerical Life), e foi ele quem mais
dois anos após a morte de Lewes e sete meses antes de morrer ela pró-
pria, GE, que estava com 61 anos, casou-se com um homem vinte anos
mais moço, John Walter Cross, que foi o seu primeiro biógrafo.
não são poupadas quando a vida provinciana é exposta pelo que tem de
lão de seu ócio. Quando ela enjoa de Lydgate e começa a flertar com
tomando chá com as amigas, desde que chega um boato novo, transil.a a
MIDDLEMARCH
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dade, deixasse uma fresta aberta para se olhar com simpatia o indivíduo;
gumento de que o caráter pode adoecer como o corpo e ser tratado tam-
bém. A capacidade de observação de GE e a amplitude da visão que ela
emprega têm por efeito mais óbvio tornar facilmente críveis, para um
mundo tão diverso, seus personagens em transe - tão antigos pela apa-
que indica que não temos saída, senão as tentativas de correção perma-
que nos deixa do convívio com a autora uma impressão muito forte.
Como aliás a que ela deve ter tido, na dura alegria de criá-la, ao conviver
desejos, ardente em sua caridade, muda a luz para nós: começamos a ver
caráter."
iz
GEORGE ELIOT
, livro de poesia que se agrega ao romance, mantêm-se às vezes, mas nem
" o mais possível a relação entre o que diz a epígrafe e o que dirá o capítu-
lo. As falas dialetais do povo, grafadas por GE num inglês dos mais de-
PRELÚDIO
menina que uma manhã sai andando de mãos dadas com o irmãozinho
ainda menor do que ela, para ir em busca do martírio no país dos mouros?
humanos corações já batendo por uma idéia nacional; até que a realida-
te não foi a última de sua espécie. Muitas Teresas já nascidas não encon-
seu poeta sacro e que sem pranto afundou no esquecimento. Com luzes
cordância seu pensamento e ação; mas afinal suas lutas, aos olhos co-
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GEORGE ELIOT
ente indefinição com que o Poder Supremo forjou a natureza das mulhe-
pécie palmípede. Aqui e ali nasce uma Santa Teresa, fundadora de nada,
LIvRo I
Miss Brooke
CAPÍTULO I
MIss BRooKE "riNHA esse tipo de beleza que parece ser lançada em
relevo pelas roupas simples. Sua mão e o pulso eram tão delicadamen-
te feitos que ela poderia usar mangas não menos destituídas de estilo
que aquelas com as quais a Santa Virgem foi vista pelos pintores italia-
nos; e seu perfil, bem como a estatura e o porte, parecia ganhar digni-
o acréscimo de que sua irmã Celia tinha mais bom senso. Contudo,
res bem próximos que sua roupa diferia da que a irmã usava, tendo um
parte, por sua irmã. O orgulho de serem damas finas tinha alguma coi-
sa a ver com isso: a origem dos Brooke, embora não exatamente aris-
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GEORGE ELIOT
como um fidalgo puritano que servíu sob Cromwell, mas afinal se aco-
de roupagem. Sua mente era teórica e, por sua natureza, ansiava por
de uma moça por casar, tendiam a interferir com seu destino e a dificul-
ela, a mais velha, ainda não chegara aos vinte, e as duas tinham sido
educadas, desde que perderam os pais por volta dos doze anos de ida-
família inglesa e depois, em Lausanne, numa família suíça, seu tio celi-
Inglaterra, fundado
MIDDLEMARCH lg
Nem bem fazia um ano que elas tinham vindo viver em Tipton Grange
bastante, e nesta parte do país era tido por haver desenvolvido uma
como o tempo: só se podia dizer em segurança que ele agiria com inten-
como uma herdeira; pois não só cada uma das irmãs tinha por ano sete-
valia umas três mil libras por ano - renda que já parecia riqueza para as
da vida requintada.
E como iria Dorothea não se casar, moça tão linda e com tais pers-
pectivas? Nada seria um obstáculo a isto, a não ser seu amor pelos ex-
mesmo finalmente levá-la a recusar todas elas. Uma jovem dama de boa
teologia! Tal esposa poderia acordá-lo nalguma bela manhã com um novo
(1788-1850), ministro
1829.
20 GEORGE ELIOT
tão inocente e por ser tão amável, enquanto os grandes olhos de Miss
tecidos externos que para ela fazem uma espécie de brasão ou mostra-
dor de relógio.
modo sensual e pagão, e sempre pensava que algum dia acabaria renun-
ciando àquilo.
era tocante ver como sua imaginação adornava a irmã Celia de atrativos
à granja por qualquer outro motivo que não estar com Mr. Brooke, logo
deduzia que ele devia estar apaixonado por Celia: Sir James Chettam,
própria Celia, debatendo em seu íntimo se aceitá-lo seria bom para Celia.
Parecer-lhe-ia uma irrelevância ridícula que ele pudesse ser visto como
dos outros grandes homens cujos hábitos bizarros teria sido gloriosa
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prazeroso devia ser um no qual o marido fosse uma espécie de pai que
mais criticado nas famílias da vizinhança por não contratar alguma senhora
de meia-idade como guia e companheira para suas sobrinhas. Mas ele pró-
que as moças nunca tinham visto, mas sobre o qual Dorothea já sentia uma
tos anos às voltas com uma obra concernente à história religiosa; e também
como homem de suficiente riqueza para dar lustro à sua devoção, e que
publicação de seu livro. Seu simples nome causava uma impressão muito
umas construções (tipo de trabalho que ela adorava), quando Celia, que a
ocupada - que tal nós darmos uma olhada hoje nas jóias da mamãe, e
GEORGE EI.IOT
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deu a você. Lembra? ele disse que até então tinha esquecido delas. E você,
desde que as trancou aqui no armário, acho que nunca mais pensou nisso."
"Bem, querida, nós, como você sabe, não devemos usar essas jóias
Celia enrubesceu, e ficou muito séria. "Acho, querida, que seria falta
cação que aumentava, "os colares agora estão muito em uso; e Madame
Poinçon, que em certas coisas era até mais rigorosa do que você, costuma-
que agora estão no céu e que usaram jóias." Celia tinha consciência de sua
boa dose de vigor mental quando ela realmente se empenhava numa ar-
gumentação.
ela havia pegado justamente dessa Madame Poinçon que usava jóias.
"Mas então vamos a elas, é claro! Por que não me disse antes? Mas e as
pensada e premeditada.
jóias."
leção muito grande, incluía porém algumas peças que eram realmente
quase tão bem e tão justo como um bracelete; mas o círculo combinava
Mas acho que a cruz fica melhor com suas roupas escuras."
clar de
MIDDLEMARCH 23
Celia tentava não sorrir de prazer. "Oh, Dodo, você devia ficar com a
"Devia sim, devia mesmo; ficaria muito bem em você agora - com
"Nem por nada deste mundo. Nunca eu usaria uma cruz como um
"Mas então a seu ver não seria também conveniente eu usá-la," dis-
"Não, querida, não," disse Dorothea, alisando o rosto da irmã. `As al-
mas também têm compleições: o que convém a uma não convém a outra."
"Mas você pode querer ficar com ela pela lembrança de mamãe."
rioridade nesta tolerância puritana, quase tão penosa para a carne loura
"Mas como eu iria usar adornos, se você, que é a irmâ mais velha,
"Não, Celia, isto já é pedir demais, que deva eu usar enfeites só para
Celia tinha desabotoado e retirado o colar. "Em seu pescoço ele fica-
ria um pouco apertado; alguma coisa que se pudesse usar mais solta
seria melhor para você," disse com uma ponta de satisfação. A completa
caixinhas de anéis, um dos quais exibia uma bela esmeralda com dia-
mantes, e justamente então foi que o sol, passando além de uma nuvem,
brilhou com força sobre a mesa.
"Que lindas são estas gemas!" disse Dorothea sob uma nova corrente
cores parecem penetrar tão fundo na gente como os odores. Suponho que
seja esta a razão pela qual as gemas são usadas como emblemas espiri-
GEORGE EI..IOT
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"E há um bracelete para usar com ela," disse Celia. "Não o tínhamos
notado a princípio."
bem no nível de seus olhos. Enquanto isso seu pensamento tentava juscifi-
car seu prazer com as cores, mesclando-o com sua alegria místico-religiosa.
ainda melhor que as ametistas roxas. "Você deve hear com o bracelete e
o anel - ou senão com outra coisa. Mas olhe só, estas ágatas são muito
bonitas - e discretas."
"É mesmo! Vou ficar com estas - com este anel e o bracelete," disse
Dorothea. Depois, deixando a mão cair na mesa, ela disse noutro tom:
"No entanto, que homens vis os que descobrem tais coisas, e nelas traba-
lham, e as vendem!" Fez uma nova pausa, e Celia achou que sua irmã ia
"Sim, querida, vou ficar com estas," Dorothea falou com decisão.
Pegou seu lápis sem retirar as jóias, e ainda olhando para elas. Pen-
sava em tê-las com freqüência a seu lado, para alimentar a visão com
"Talvez," disse ela arrogantemente. "Não sei dizer até que nível sou
capaz de baixar."
Celia corou e se sentiu infeliz; viu que tinha ofendido sua irmã e
jóias, que ela pôs de novo no estojo e levou dali. Dorothea sentia-se
repetia ainda agora que Dorothea era incoerente: ou bem deveria ter
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ficado com toda sua parte das jóias, ou bem, depois do que havia dito,
uso de um colar não vai interferir com minhas orações. E não vejo por
é claro, tenha de ser submetida por elas. Mas Dorothea nem sempre é
coerente."
"Venha ver, Kitty, olhe só minha planta; se eu não tiver posto larei-
ras e escadas incompatíveis, vou achar que sou uma grande arquiteta."
Dorothea viu que tinha errado, e Celia a perdoou. Desde que as duas se
CAPÍTULO II
que trae sobre la cabeza una cosa que relumbra." "Pues ese
- CERVANTES.
como o meu, que traz sobre a cabeça uma coisa que reluz."
- CERVANTES.
"Sllt HUMPHltY DAvY?" disse Mr. Brooke durante a sopa, com aquele seu
que ele estava estudando a Química Agrícola de Davy." "Ah, sim, Sir
Humphry Davy: pois anos atrás jantei com ele no Cartwright, e sabem
são mesmo estranhas. Mas então lá estava o Davy, que também era poeta.
Ou, como posso dizer, Wordsworth era o poeta número um, Davy, o poe-
ta número dois. Isto era verdade em todos os sentidos, sabem?"
MIDDLEMARCH
nada, a tez pálida dos estudiosos; tão diferente quanto possível do exu-
representava.
que vou pegar em mãos uma das fazendas, e ver se não se pode fazer
alguma coisa para criar entre meus rendeiros um bom padrão de agricultu-
terras e esse tipo de coisa, e transformar seu curral numa sala de visitas.
Não vai dar certo. Eu mesmo já recorri bastante à ciência em certa épo-
ca; mas vi que não adiantaria. Ela leva a tudo; e nada você pode deixar
em paz. Não, não - cuide de que os rendeiros não vendam seus tarecos,
Mas essa fazenda dos seus sonhos não dará certo - por mais caro que
você possa pagar para realizar o capricho: mais vale manter uns cães de
caça."
tenta a todos, do que para manter cães de caça e cavalos só para galopar.
de todos."
Ela falou com uma energia que não seria de esperar-se em dama
assim ainda tão jovem, mas Sir James a havia interessado. Ele já estava
acostumado com isso, e elajá muitas vezes pensara que poderia incentivá-
ângulo novo.
quando estávamos todos lendo Adam Smith. Agora sim havia um livro.
na, essas coisas. Mas há quem diga que a história se move em círculos; e
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isto pode ser muito bem demonstrado; eu mesmo, aliás, já o fiz. O fato
mas eu vi que não era por ali. Detive-me a tempo. Mas não de brusco.
senão, atiram-nos de volta à idade das trevas. Por falar em livros, aliás,
Conhece Southey?"
pouco tempo para este tipo de literatura agora. Ultimamente ando gas-
leitor para minhas noites; mas sou muito exigente no tocante às vozes
to à minha vista."
Era a primeira vez que Mr. Casaubon falava assim por mais tem-
era o homem mais interessante que ela já tinha visto, não excetuan-
forma, uma ajuda, mesmo que fosse somente segurando a luz! Tal
por ter visto ironizada sua ignorância em economia política, esta ci-
ência que, embora nunca explicada, erz lançada sobre todas as suas
Southey ( 1774-
Seita do século XII que rejeitava a autoridade do papa e que, no século XVI,
aderiu aos
protestantes.
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"Pois então gosta de montar, não é, Miss Brooke?," Sir James en-
experimentar. Foi treinado para uma dama. Pude vê-la no sábado, galo-
pando pelo morro num cavalo que era indigno de quem o montava. Meu
tir de montar. Sim, não vou mais montar," disse Dorothea, impelida
a tão brusca resolução pelo pequeno incômodo que Sir James lhe cau-
sava solicitando sua atenção, quando ela queria dá-la toda a Mr.
Casaubon.
"Não, isto é um exagero," disse Sir James num tom de reprovação que
é?" prosseguiu virando-se para Celia, que estava do seu lado direito.
`Elcho que é," disse Celia, temerosa de falar alguma coisa que desa-
"Se isto fosse verdade, Celia, minha mania de desistir seria auto-
Mr. Brooke estava falando ao mesmo tempo, mas era evidente que
supremo deleite. Neste momento ela sentia raiva do perverso Sir James.
Por que não dava ele atenção a Celia, não a deixava livre para ouvir Mr.
invés de se permitir ser o alvo das falas de seu tio! Mr. Brooke, justa-
ou não, que ele mesmo era um protestante convicto, mas que o catoli-
cismo era um fato; e, quanto à recusa de um acre de suas terras, por
Vida Futura.
"Fiz certa vez um longo estudo da teologia," disse Mr. Brooke, como
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conhece Wilberforce?"
à filantropia."
"Sim," disse Mr. Brooke com um leve sorriso, "mas eu tenho docu-
ço algo assustado.
disse Dorothea. "Eu marcaria todos eles com letras, e depois faria uma
Brooke: "O senhor, como vê, tem à mão uma excelente secretária."
"Não, não," disse Mr. Brooke balançando a cabeça. "Não posso dei-
xar que as senhoritas se metam com os meus documentos, porque elas
Celia disse:
incrível como se parece com o retrato de Locke. Seus olhos têm as mes-
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"Creio que sim, quando pessoas de um certo tipo olhavam para ele!"
"Por que iria eu fazê-la, antes que a ocasião surgisse? É uma compa-
Celia pensou.
nos como se eles fossem apenas animais sob uma toalete, e nunca vê a
"Mr. Casaubon tem uma grande alma?" Não faltava a Celia um to-
"Sim, creio que tem," disse Dorothea com a própria voz da deci-
são. "Tudo que vejo nele corresponde ao seu panfleto sobre Cosmologia
Bíblica."
Chettam; não creio que ela o aceitasse." A seu ver, era uma pena. Ela
vezes refletira, com efeito, que Dodo talvez nunca fizesse um marido
sua irmã era religiosa demais para o conforto familiar. As noções e escrú-
Quando Miss Brooke estava à mesa do chá, Sir James veio sentar-
como ela lhe respondera. Por que deveria? Julgou provável que Miss
Brooke gostasse dele, e os modos, com efeito, devem ser bem observa-
dos antes que parem de ser interpretados por concepções prévias, quer
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claro está que ele teorizou um pouco sobre a ligação que almejava.
fazer?" sobre isto ou aquilo; a qual ajudasse com razões seu marido,
excessiva religiosidade alegada contra Miss Brooke, ele tinha uma no-
cia que, afinal de contas, um homem sempre podia pôr por terra, quan-
do o desejasse. Sir James não tinha a menor idéia se algum dia quere-
ria pôr por terra a predominãoncia desta moça tão linda, com cuja viva-
até mesmo sua ignorância é de superior qualidade. Sir James pode não
em forma de tradição.
"Sei disto," disse Dorothea com bastante frieza. "Acho que faria bem
rubada."
"Uma razão a mais para praticar. Todas as damas devem ser perfei-
que não devo ser uma perfeita amazona, e assim nunca corresponderia a
seu modelo de dama." Dorothea olhou reto para a frente e falou com fria
brusquidez, e com muito do ar de um rapaz bonito, em divertido con-
"Gostaria de conhecer suas razões para esta resolução tão cruel. Não
"Oh, por quê?" disse Sir James num tom mais brando de protesto.
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ouvindo.
interpôs ele a seu modo ponderado. "Miss Brooke sabe que é comum,
um homem cuja erudição já era quase uma prova de tudo aquilo em que
ele acreditava!
"Certamente," disse o bom Sir James. "Miss Brooke não será insta-
Dorothea havia olhado para Mr. Casaubon: nunca lhe ocorrera que uma
de certa distinção.
Celia, e com ela se entreteve sobre sua irmâ; falou de uma casa na
irmã, Celia se exprimiu à vontade, e Sir James se disse que esta segun-
da Miss Brooke era decerto muito agradável, além de ser bem bonita,
que a irmã mais velha. Ele achava que havia escolhido a que, sob todos
frente para ter o melhor. O homem solteiro que fingisse não levar isto
Bickerstaffe.
CAPÍTULO III
Eve
O arcanjo afável...
Eva
uma esposa adequada para ele, as razões que poderiam induzi-la a aceitá-
haviam dado botões e florido. Pois os dois tinham, pela manhã, tido
havia revelado bons trechos de sua experiência pessoal, assim cono delc
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extensão labiríntica. Pois ele fora tão instrutivo quanto o "arcanjo afá-
vel" de Milton; e com algo das maneiras angelicais lhe dissera como se
nava-se inteligível, quando não iluminado pela luz refletida das corres-
era trabalho leve nem rápido. Suas notas já se alongavam por uma res-
de dois estilos de falar: é verdade que, quando usou uma frase em grego
ou latim, deu sempre com escrupulosa atenção a tradução em inglês, o
literatura da escola feminina: aqui estava um Bossuet vivo, cuja obra re-
Dorothea, ao ser impelida a abrir seu espírito sobre certos temas dos
quais não poderia falar com ninguém que já tivesse visto em Tipton,
nos melhores livros cristãos das eras mais recuadas, encontrou em Mr.
GEORGE ELIOT
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"Ele pensa como eu," disse Dorothea consigo mesma, "ou melhor,
gios daquela hesitação tão comum às jovens de sua idade. Os signos são
pequenas coisas mensuráveis, mas suas interpretações são ilimitáveis, c
nas moças de natureza doce, ardente, todo signo tende a conjurar prodí
gios, crença, esperança, vasto como o céu e tingido por um bocado difusc
maneira grosseira; pois o próprio Sinbad pode ter dado, por sorte, corr
para ver tais documentos numa pilha, enquanto seu anfitrião pegava or
por lavrad
a ação
romance.
MIDDLEMARCH
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foi favorecida também pela reflexão de que Mr. Brooke era o tio de
Dorothea?
Cada vez mais, sem dúvida, ele parecia inclinado a puxar conversa
para ela, era como um pálido raio de sol de inverno que um sorriso não
enquanto dava uma agradável volta com Miss Brooke pelo terreiro de
quilômetros de Tipton; e
g 9
eito pela
w o eição ue dantes
nossos contemporâneos pe
o E
38 GEORGE EI.IOT
uma forma obsoleta de cesta) caiu um pouco para trás. Não sería ta(vez
caracterizá-la bem, caso omitíssemos que usava seu cabelo castanho bem
puxado e amarrado para trás com uma fita, de modo a expor-lhe o con-
tado de espírito a solene glória da tarde com suas longas faixas de luz
às outras.
pequeno drama do qual nossos pais nunca se cansaram, e que foi intro-
Mr. Casaubo
romance.
ro
MIDDLEMARCH
39
desejo que nutria de tornar sua própria vida grandemente eficaz. Que
poderia, que deveria ela fazer? - ela, que mal passava de uma mulher
cessidade mental, incapaz de ser satisfeita por uma instrução para mo-
cuidados de sua alma com seus bordados em seu próprio boudoir - ten-
sidade de sua inclinação religiosa, e a coerção que sobre toda sua vida
za, que se debatia nas faixas de um ensino estreito, encurralada por uma
vida social que nada mais parecia a não ser um labirinto de corridas
exagero e incoerência. A
Aí então eu aprend
Chettam
a. a o gradaria.
a em parte.
GEORGE ELIOT
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estou certa de agora estar fazendo o bem de algum modo: tudo parece
ser como partir em missão junto a um povo cuja língua eu não sei; - a
não ser que esta missão fosse a construção de casas populares condignas
- sobre o que não pode haver dúvidas. Oh, eu desejaria ser capaz de
podiam deixar dúvidas de que o cavaleiro era Sir James Chettam. Ele viu
seu cavalariço, avançou para ela com uma coisa branca num braço, para
péu e pondo à mostra seu cabelo louro levemente ondeado. "Um encon-
mento muito bom com você, e concordando até mesmo quando você o
gens a ela mesma não poderia tomar forma: toda a atividade mental de
gratificante para si mesmo, pensou que nunca tinha visto Miss Brooke
o para ver se ele será aprovado antes de sua postulação ser feita." F
mostrou a coisa branca que tinha embaixo do braço, que era um mimosc
"Dói-me ver estas criaturas que são criadas apenas como animais de
"Oh, por quê?" disse Sir James, nisto que eles andavam à frente.
MIDDLEMARCH 41
"Creio que a estima dada a eles nunca os torna felizes. São seres
santes. Inclino-me a pensar que os animais que nos rodeiam têm almas
"Fico muito contente em saber que não lhe agradam," disse o bom Sir
gostam destes cachorrinhos malteses. Ei, John, aqui, leve o cachorro, sim?"
expressivos, foi posto pois fora de cena, havendo Miss Brooke decidido
que era melhor ele nem ter vindo ao mundo. Mas ela achou que era
preciso explicar.
que ela aprecia estes bichinhos. Certa vez teve um minúsculo terrier do
qual gostava muito. A mim ele fazia sofrer, pois eu tinha medo de esmagá-
"Tem sua própria opinião sobre tudo, Miss Brooke, e é sempre uma
boa opinião."
"Seu poder de formar uma opinião. Sou capaz de formar uma opi-
nião sobre as pessoas. Sei quando eu gosto das pessoas. Mas sobre ou-
a sensatez e um disparate."
da discriminação."
"Pelo contrário, muitas vezes sou incapaz de decidir. Mas isto por
42 GEORGE ELIOT
que usou. E ele disse ser de seu desejo que Mr. Brooke construísse um
novo conjunto de casas, embora parecesse achar pouco provável que seu
tio concordasse com isto. Sabe que é uma das coisas que eu gostaria de
dar dinheiro; e é por isto que lhe fazem objeções. Os trabalhadores nun-
a pena fazer."
"Vale a pena sim! vale a pena mesmo," disse Dorothea com energia,
mos ser expulsos a chicotadas de nossas belas casas - todos nós que
volta. A vida em casas populares poderia ser mais feliz que a nossa, se
elas fossem casas de verdade, adequadas a seres humanos dos quais
"Sim, certamente. Ouso dizer que tem muitas falhas. Mas eu exami-
criar o modelo por aqui! Penso que, ao invés de Lázaro no portão, deve-
Dorothea agora estava no auge da alegria. Sir James, como seu cunha-
Sir James viu todas as plantas e levou uma consigo, para conversar a
que Miss Brooke o tínha. O cachorrinho maltês não foi of"erecido a Celia;
James. Mas af nal era um alívio que não houvesse cachorrinhos para
pisar-se em cima.
servou a ilusão de Sir James. "Ele pensa que Dodo liga para ele, e ela sé
rurais.
sua dedicação
aos pobres.
MIDDLEMARCH 43
liga para suas plantas. No entanto, não estou certa de que ela o recusas-
se, se pensasse que ele a deixaria cuidar de tudo e pôr suas idéias todas
essas idéias."
ousava confessar à irmã por uma declaração direta, pois isto seria o mes-
que as pessoas só estavam olhando, e não ouvindo. Celia não era impul-
siva: o que tinha a dizer sempre podia esperar, e sempre provinha dela
visita matinal, durante a qual foi convidado de novo para jantar e pas-
sar a noite, na semana seguinte. Dorothea teve assim mais três conver-
corretas. Ele era tudo o que de início ela o imaginara ser: qualquer
óbvio que as visitas que ele fazia eram por causa dela. Este homem
conversar com ela, não com absurdos cumprimentos, mas sim apelos à
posto acima dela, tinha o mesmo reverente respeito que por sua erudi-
GEORGE EI.IOT
44
dela, e em geral com uma citação adequada; permitiu-se até dizer que
nhecida crueldade dos déspotas pagãos. Não convinha instar com Mr.
Casaubon sobre tais argumentos, quando ele viesse outra vez? Refle-
tindo melhor ela se disse que era muita pretensão querer pedir-lhe
atenção para esse assunto; ele não se oporia a que ela se ocupasse
tais especulações. Mas seu tio havia sido convidado para ir a Lowick e
lá passar uns dias: seria razoável supor que Mr. Casaubon apreciasse a
jadas melhorias, ele passou a vir com muito mais freqüência que Mr.
tadoramente dócil. Ela propôs construir duas casas para as quais trans-
novas. Sir James disse: "Exatamente," uma observação que ela rece-
neas poderiam ser membros muito úteis da sociedade sob uma boa
vesse em questão em relação à sua pessoa. Mas sua vida estava agora
MIDDLEMARCH
45
CAPÍTULO IV
"Ist Gent. Our deeds are fetters that we forge ourselves,
"SIR JAMES PARECE decidido a fazer tudo o que você quiser," disse Celia,
Dorothea irrefletidamente.
tos."
veis," disse Celia, com sua gabarolice costumeira. "Deve ser terrível vi
osa - com tudo para ser doravante um querubim eterno e, se não foss
do que um esquilo. "É claro que ninguém precisa estar falando bem
própria Geort
Eliot.
MIDDLEMARCH
47
"Sem dúvida. Ele pensa em mim como uma futura irmã - e é tudo."
Dorothea nunca havia insinuado isto antes, esperando, por certa timi-
dez em tais casos que era comum às duas irmãs, que o assunto viesse a
ser suscitado por algum fato decisivo. Celia corou, mas disse logo:
"Por favor, não cometa mais este erro, Dodo. Outro dia a Tantripp
quando estava escovando meu cabelo, disse que o cavalariço de Sir James
tinha sabido pela criada de Mrs. Cadwallader que Sir James ia-se casar
Celia?" disse Dorothea, indignada, e com mais raiva ainda porque deta-
degradante!"
comigo. É melhor ouvir o que as pessoas dizem. Você bem sabe os erros
que comete por se agarrar às idéias. Estou certa de que Sir James preten-
mente porque em relação aos seus planos você já se mostrou tão satis-
feita com ele. E o titio também - sei que ele está contando com isto.
Todo mundo pode ver que Sir James está muito enamorado de você."
são de Sir James julgando que ela o reconhecia como seu pretendente.
"Como ele pôde pensar nisto?" explodiu ela, a seu modo mais im-
petuoso. "Nunca me pus de acordo quanto a nada com ele, a não ser as
"É, mas tem estado tão contente com ele, desde então, que ele pas-
sou a se sentir muito seguro de que você está apaixonada por ele."
`llto lá, Dorothea, suponho que o certo seja você estar apaixonada
48 GEORGE EL.IOT
"É uma ofensa à minha pessoa dizer que Sir James pudesse pensar
que eu estava apaixonada por ele. Além disso, não é a expressão correta
"Bem, sinto muito, por causa de Sir James. Achei que era bom dizer-
lhe isto, porque você já ia indo como sempre vai, nunca olhando muito
bem onde está, e pisando no lugar errado. Você sempre vê o que nin-
É o seu jeito de ser, Dodo." Algo decerto dava a Celia inusual coragem;
pois ela não poupava a irmâ, à qual ocasionalmente temià. Quem pode
dizer que justas críticas Murr, o gato, talvez esteja fazendo sobre nós,
dedicar-me às casas. É preciso que eu seja descortês com ele. Devo di-
zer-lhe que não terei mais nada a ver com elas. Dói muito mesmo." Seus
"Espere um pouco. Pense nisto. Como você sabe, ele vai-se afastar
por um ou dois dias para ir visitar a irmâ dele. Não haverá mais ninguém
Dodo," prosseguiu num amistoso staccato. "É um duro golpe: sua distra-
so, sim, cometer erros. Como será alguém capaz dejamais fazer alguma
fúteis?"
Nada mais foi dito: Dorothea estava muito descontrolada para. recu-
perar a calma e mostrar por seu comportamento que admitia algum errc
fé era possível quando todo o efeito das ações de uma pessoa podia se
mou porque Celia, por achar-se ao lado dela com ar tão belo e faceirc
MIDDLEMARCH 49
havia retornado de uma ida à cidade para cuidar de uma petição para o
indulto a um criminoso.
estive fora."
"Não, meu tio," disse Celia, "apenas fomos a Freshitt dar uma olha-
"Passei por Lowick para almoçar - ah, é, vocês não sabiam que eu
Celia, rumou direto à biblioteca. Celia foi para cima. Um recado ainda
fogo, onde uns tições que haviam desabado esparramavam-se por entre
ele tivesse a dizer. Dorothea fechou seu panfleto, tão logo se deu conta
"Eu voltei por Lowick, sabe," disse Mr. Brooke, não como se tivesse
de sua costumeira tendência a dizer o que havia dito antes. Este princí-
coisa. Vem vindo aí um vento forte. Não quer sentar-se, querida? Você
50 GEORGE ELIOT
rar as coisas até que acalmava um pouco. Ela tirou o xale e o chapéu e se
sentou diante dele, feliz com o fogo, mas erguendo à guisa de tela suas
mãos tão bonitas, para proteger-se do brilho. Não eram finas, suas mãos,
saber e pensar, que nos meios inóspitos de Tipton e Freshitt tinha re-
Dorothea.
não é?"
ao desânimo; meu destino foi sempre rodar por toda parte e provar de
"Seria uma grande honra para qualquer uma ser sua companheira "
"Você gosta dele, não é?" disse Mr. Brooke, sem demonstrar surpre-
anos, desde que ele veio para Lowick. Mas nunca consegui extrair-lhe
ainda pode ser bispo - esse tipo de coisa, sabe, se Peel continuar nc
cargo. E ele pensa muito bem de você, querida."
"Sír Samuel Romílly (1757-l818), polítíco ínglës que se empenhou pela reforma da
legíslação
criminal.
MIDDLEMARCH S1
menoridade, e eu, em suma, prometi que ia falar com você, se bem lhe
dissesse que a meu ver não havia muitas chances. Fui obrigado a dizer-
lhe isto. Disse, minha sobrinha é muito jovem, e esse tipo de coisa. Mas
conversa, o fato é que ele me pediu permissão para fazer a você uma
seu meneio explanatório de cabeça. "Achei que era melhor lhe dizer,
minha querida."
Brooke, mas realmente ele queria saber alguma coisa do que a sobrinha
como magistrado que absorvera tantas idéias, ele podia dar espaço. Não
tendo Dorothea falado logo, Mr. Brooke repetiu: `Achei que era melhor
"Muito obrigada, meu tio", disse Dorothea, num tom claro e sem
Mr. Brooke fez uma ligeira pausa, antes de dizer em voz baixa, alon-
casamento, e esse tipo de coisa - mas até um certo ponto, não é mes-
mo? Eu sempre disse isto, até um certo ponto. Quero é que você se case
bem; e tenho boas razões para crer que Chettam quer-se casar com você.
grande erro."
`Aí é que está. A gente sempre se engana. A meu modo de ver Chettam
"Peço não mencioná-lo de novo sob este prisma, meu tio," disse
Mr. Brooke, surpreso, sentiu por sua vez que as mulheres eram um
tema inesgotável de estudo, já que nem ele mesmo, em sua idade, acha-
52 GEoRcE ELtoT
pressa. Cada ano há de pesar mais um pouco sobre ele, não é? Como
você sabe, ele já passa dos quarenta e cinco. Eu diria que é bem uns
vinte e sete anos mais velho do que você. Sem dúvida, - se você gosta
situação financeira dele é boa - ele tem uma bela propriedade indepen-
dente da Igreja - tem uma boa renda. Só que não é mais jovem e, não
convém que eu o oculte de você, querida, penso que a saúde dele não é
de julgamento."
Mr. Brooke repetiu seu controlado "f1h? - Eu pensava que você
tivesse mais opiniões próprias do que a maioria das moças. Pensava que
você prezasse mais suas próprias opiniões - que tivesse mais apreço
taria de ter boas razões para tê-las, e um homem sábio poderia ajudar-
"É verdade. Você não poderia colocar melhor a questão - não po-
nesta ocasíão. "E1 vida não está vazada num molde - não se traça por
Iinhas, nem por normas, e esse tipo de coisa. Eu mesmo nunca me casei,
e isto será até melhor para você e seu futuro marido. O fato é que eu
nunca amei ninguém bastante para me pôr, por sua causa, neste laço.
"Sei que devo contar com desafos, meu tio. O casamento impõe
"Bem, você não é dada à ostentação, não liga para bailes, jantares,
uma casa suntuosa, esse tipo de coisa. Vejo que o modo de vida de
Casaubon talvez combine mais com você que o de Chettam. Decida pois
fui logo dizendo isto; pois nunca se sabe como as coisas vão acabar. Você
intelectual - que pode até vir a ser bispo - esse tipo de coisa - talve
MIDDLEMARCH 53
combine mais com você. Chettam é um bom sujeito, tem um bom cora-
ção, como você sabe; mas não é muito chegado às idéias. Eu, quando
tinha a idade dele, era. Agora a vista de Casaubon, não sei não. Acho
"Eu ficaria ainda mais feliz, tio, quanto mais razões houvesse para
"Você já tem sua decisão tomada, pelo que estou vendo. Bem, que-
rida, o fato é que eu tenho uma carta para você aqui no bolso." Mr.
Quando Dorothea o deixou, ele refletiu que sem dúvida fora muito
sensato para com os jovens, - nenhum tio, por mais que tivesse viajado
Brooke se sentisse incapaz diante dele, não podia ser menos complicado
CAPITULO V
belíeve the truth of thís, look upon great Tostatus and Tho-
MIDDLEMARCH
(vinculada, devo dizer, a uma atividade das afeições que nem mes-
nem com estes encantos do sexo dos quais se pode dizer que ao
que me oprime.
que venha a ser ao depois, não tem páginas passadas onde, caso as
55
56 GEORGE ELIOT
eventualmente causar grande desgosto ou vergonha. Aguardo a
ria à sabedoria (se ela fosse possível) distrair com um labor mais
EDWARD CASAUBON.
enterrou o rosto nas mãos e começou a chorar. Rezar não podia; sob o
para o jantar.
uma declaração de amor? Toda sua alma foi possuída pelo fato de que
uma vida mais ampla estava a se abrir diante dela: era uma neófita a
ponto de ingressar num grau mais alto de iniciação. Teria de ter espaço
hábitos do mundo.
jovem ao ser escolhida pelo homem que sua própria admiração já esco-
que lutava por uma vida ideal; a radiância de sua meninice transfigurada
incidiu sobre o primeiro objeto que apareceu no mesmo nível que ela. O
ímpeto com o qual a inclinação se tornou resolução foi aumentado pelos
Depois do jantar, quando Celia estava tocando uma "ária com varia-
educação de uma moça, Dorothea subiu para o seu quarto a fim de res-
ponder a carta de Mr. Casaubon. Por que adiaria ela a resposta? Rees-
creveu-a três vezes, não porque quisesse mudar alguma palavra, mas
MIDDLEMARCH
57
a escrever de um jeito em que cada letra era distinguível sem dar mar-
ção caprichada para poupar os olhos de Mr. Casaubon. Por três vezes
escreveu:
ter amor, e por julgar-me digna de ser sua esposa. Não posso con-
DOROTHEA BROOKE.
para entregar-lhe a carta, que ele poderia enviar pela manhâ. Mr. Brooke
`Ah! - então você o aceitou? Quer dizer que Chettam não tem mais
"Não há nada de que eu goste nele," disse Dorothea com certa im-
petuosidade.
"Mas você quer um intelectual, e esse tipo de coisa, não é? Bem, isto
tem um pouco a ver com nossa família. Eu mesmo tive isto - este amor
- que me levou muito longe; se bem que esse tipo de coisa não costu-
58 GEORGE EL fOT
como os rios na Grécia, sabe, - para aparecer nos filhos. Filhos brilhan-
tes, mães brilhantes. Certa época, fui a fundo nisto. Contudo, minha
querida, eu sempre disse que todo mundo deve fazer como bem quer
nestas coisas, mas até um certo ponto. Eu jamais poderia, como seu
boa a posição dele. Temo apenas que Chettam saia magoado, e Mrs.
Nesta noite, claro está, Celia nada soube do que havia ocorrido.
que elas voltaram para casa, ao descontrole que a dominara quanto a Sir
la ainda mais: tendo dito o que queria dizer, Celia não se dispunha a
retornar a assuntos desagradáveis. Quando criança, era de sua natureza
não brigar com ninguém - apenas observar com espanto que outros
brigavam com ela, ficando então parecidos com perus briguentos; quan-
seu hábito achar algo de errado nas palavras da irmã, embora Celia se
eram, e nada mais: nunca pôs nem poderia pôr em palavras coisas saídas
de sua própria cabeça. Mas o melhor em Dodo era ela não ficar zangada
por muito tempo com a irmã. Agora, se bem quase não se tivessem fala-
outra ocupação que não suas meditações, disse, com a entonação musi-
mente comprimia seus lábios nas bochechas da irmã, uma de cada vez
"Não fique acordada, Dodo, você hoje está tão pálida: vá para ;
que patético.
ardor.
"Bem, melhor assim," pensou Celia. "Mas que estranho como Dod
MIDDLEMARCH
59
No dia seguinte, hora do almoço, o mordomo, entregando algo a Mr.
"
"Casaubon, querida: ele virá para o jantar; nem esperou para escrever
peculiar efeito da notícia sobre Dorothea. Foi como se alguma coisa se- ;
vez veio à cabeça de Celia que entre Mr Casaubon e sua irmã poderia
haver algo mais que, de parte dele, o deleite em falar de livros e, de parte
dela, o deleite em ouvir Até então ela havia classificado a admiração por
sava de ouvir o velho Monsieur Liret, quando o frio nos pés de Celia era
Mas Celia agora estava mesmo espantada com a surpresa que havia
interesse. Não que agora ela já imaginasse Mr. Casaubon como um pre-
bem que ela não aceitasse Sir James Chettam, mas que idéia se casar
assim foram ambas para o seu quarto de estar; e lá Celia observou que ,
60 GEORGE ELIO
nhum assunto.
ele estivera em casa delas pela última vez: não parecia justo deixá-la n
vou, nesta timidez, certa fraqueza sua: era-lhe sempre odioso dar-se
te momento ela estava procurando a mais alta ajuda possível para pode
"Realmente, Dodo, será que você não ouve quando ele raspa a co
lher? E ele sempre pisca antes de falar Não sei se Locke também pisca
va, mas estou certa de que lamento a sorte dos que se sentavam em fac
"Celia," disse Dorothea com enfática gravidade, "por favor, não faç
"Por que não? São pura verdade," retrucou Celia, que tinha su
pouco de medo.
"Pois então penso que as mentes mais comuns devem ser bem útei
Penso que é uma pena que a mâe de Mr. Casaubon não tivesse un
Alarmada por dentro, Celia estava pronta para correr, agora que a
MIDDLEMARCH 61
Nunca dantes Celia devia ter ficado tão pálida. Por mais um pouco o
boneco de papel que ela estava fazendo sairia com uma perna quebrada,
não fosse seu habitual cuidado com tudo o que tinha em mãos. Largou a
"Oh, Dodo, espero que você seja feliz." Seu carinho de irmã, nesta
sabe?"
Celia soluçante. Nunca teria imaginado que pudesse sentir-se num esta-
"Não tem problema, Kitty, não se torture. Não devemos admirar nun-
bém; inclino-me a falar com muito exagero dos que não me agradam."
pelo espanto refreado de Celia, quer por suas leves críticas. Naturalmen-
Dorothea não sabia de ninguém que pensasse como ela sobre a vida e
Todavia, antes de findar-se a noite ela estava muito feliz. Num tête-à-
tête de uma hora com Mr. Casaubon, conversou com ele com uma liber-
sua alegria à idéia de lhe ser devotada e de aprender como melhor com-
este irreprimido ardor pueril: e não teve surpresa (que homem enamora-
apertando nas suas a mão dela, "nunca imaginei que uma felicidade des-
nar que eu fosse alguma vez encontrar uma pessoa e uma alma tão rica
em prendas tão várias que pudesse tornar desejável o casamento. Sua
pessoa tem todas - não, mais que todas - as qualidades que sempre
62 GEORGE ELIO
solitá-
em seu peito."
um
cluir que não havia paixão por trás desses sonetos a Delia", que no
expande-se pelo que lhe pode ser enxertado, e até sua má gramática É
sublime.
cândida da amada e sentindo que o céu lhe tinha concedido uma bên
tas, quer para efeitos imediatos, quer para fins remotos. Era isto o que
tornava Dorothea tão pueril e, segundo alguns juízes, tão tola, malgrad
MIDDLEMARCH
63
laçarotes dos sapatos. Ela não estava de modo algum ensinando Mr.
Casaubon a se perguntar se ele era realmente bom para ela, mas ape -
boa para Mr. Casaubon. Antes de ele ir-se embora, no dia seguinte, foi
não? A casa de Mr. Casaubon estava pronta. Não era um mero presbi-
tério, mas uma imponente mansão, com muita terra agregada. O pres-
bitério era habitado pelo coadjutor, que fazia todo o serviço, a não ser
CAPÍTULO VI
to tivesse sido mútuo, pois Mr. Casaubon ficou olhando para a frentc
"E então, Mrs. Fitchett, suas galinhas agora como estão botando?
claramente cinzelada.
"Botando tão muito bem, madame, só que elas deram pra cumê c
MIDDLEMARCH 65
deria ao par? Galinhas de mau caráter, se o preço for alto, ninguém vai
querer comer."
Apareça lá para vê-los. São de uma raça que vocês não têm no pombal."
"Bem, madame, Mestre Fitchett então é que vai ver esses pombos,
depois do trabalho. Ele é doido por uma novidade no assunto: pra agra-
dar a senhora."
"Agradar a mim! Pois vai ser a melhor barganha que ele já fez na
jetivo "Tá certo, tá certo!" - do qual se poderia inferir que aquela re-
tivesse a língua menos solta e não fosse assim tão sovina. Com efeito, os
conversas sobre o que Mrs. Cadwallader tinha dito e feito: uma dama da
maior camaradagem, mas com um modo de falar que logo dava a saber
quem ela era. Uma dama deste feitio conferia urbanidade tanto à posi-
faltava pagar Outra personagem muito mais exemplar, com uma infusão
de dignidade azeda, teria sido menos útil à compreensão local dos Trinta
"Vejo que o nosso Cícero de Lowick esteve aqui," disse ela, sentan-
do-se à vontade, jogando para trás seu agasalho e pondo à mostra uma
figura magra, mas bem feita. "Suspeito que o senhor e ele estejam tra-
66 GFoRcE EI.roT
Vamos, confesse!"
falamos de política. Ele não se interessa muito pelo lado filantrópico das
"Meu amigo, sei até bem demais! Eu tenho ouvido falar de suas prá-
ticas. Quem foi que vendeu seu pedacinho de terra para os apistas em
"Muito bem. Eu estava preparado para ser perseguido por não per-
"Lá vai o senhor! Esta é uma boa lengalenga que já tem pronta para as
eleições. Mas não deixe que eles o aliciem para as eleições, meu caro Mr.
há desculpa senão estar do lado certo, e assim o senhor pode pedir uma
bênção até para a barulheira que faz. Mas o senhor há de perder-se, devo
"É o que espero, sabe," disse Mr. Brooke, não querendo demonstrar
quão pouco lhe agradava esta encenação profética, - "o que eu espero
Pode ir junto com eles até um certo ponto - só até um certo ponto,
"Onde fica este seu certo ponto? Não. Eu gostaria que me dissessem
como um homem pode ter um certo ponto qualquer quando ele não
pertence a partido algum - quando leva uma vida errante, sem nunca
Grã-lirecanha
a revolta de Guy Faux (ou Fawkes), em 1605, contra as leis de repressão aos
católicos.
MIDDLEMARCH 67
permitir que os amigos saibam seu endereço. `Ninguém sabe onde vai
ficar Brooke - não se pode contar com Brooke"- isto é o que andam
dizendo a seu respeito, para ser bem franca. Pois bem, torne-se respeitá-
- Mr. Brooke refletiu a tempo que ele não travara conhecimento pes-
soal com o poeta augustano - "eu ia dizer o pobre Stoddart, sabe. Foi
ele quem disse isto. Vocês mulheres estão sempre contra uma atitude
independente - enquanto um homem só se preocupa com a verdade,
preciso que alguém assuma a lïnha independente; se não for eu, quem
será?"
"Quem? Bem, qualquer arrivista que não tenha berço nem posição.
para casar sua sobrinha, que é tão boa como se fosse uma filha, com um
James: seria um golpe muito duro para ele se o senhor mudasse de posi-
Mr. Brooke outra vez estremeceu por dentro, pois ele havia pensa-
dizer: "Briga com Mrs. Cadwallader;" mas para onde irá um grão-senhor
do campo, se brigar com seus mais antigos vizinhos? Quem poderia sa-
mento dizer que não há hipótese de ele se casar com minha sobrinha "
disse Mr. Brooke, aliviado de ver pela janela que Celia vinha chegando.
sempre
e inconstante").
68
GEORGE ELIOT
"Por que não?" disse Mrs. Cadwallader, com uma nota aguda de
surpresa. "Há nem bem duas semanas o senhor e eu ainda falávamos
disto."
sabe? Não tive nada a ver com isto. De minha parte eu teria preferido
Chettam; até diria que Chettam era o homem que qualquer moça esco-
lheria. Mas não há como regular essas coisas. As mulheres são capricho-
,.
sas, não é
`:Alto lá! Com quem o senhor quer dizer que vai deixá-la se casar
p "
lar nisso, preciso ir falar com o Wright sobre os cavalos, e mais apressa-
"De que se trata, minha menina? - que história é essa de sua irmã
do, como de costume, à mais simples declaração de fato, e feliz por ter
"Oh, Mrs. Cadwallader, não penso que seja boa coisa casar com um
homem que tem uma grande alma."
"Pois então fique alerta, pois agora já conhece a cara de um; quando
"Não; um desses numa família já basta. Mas então sua irmã nunca
se interessou por Sir James Chettam? O que você diria dele, para set
cunhado?"
ue " acrescentou Celia com um ligeiro rubor (ela às vezes parecia rubo
q , , "
rizar-se até ao respirar), "não creio que ele servisse para Dorothea.
MIDDLEMARCH
69
portância ao que alguém diz. Sir James nunca pareceu agradar a ela."
"Mas deve tê-lo encorajado, estou certa. Isto não é muito bonito.
"Não se zangue, por favor, com Dodo; ela não vê as coisas direito.
vezes, foi até rude; mas ele é tão bom que nunca notou nada."
com Sir James e participar-lhe isto. A essa altura ele já terá trazido a mâe
dele de volta, e me cabe ir lá. Seu tio jamais irá contar-lhe. Estamos todos
da a obter meu carvão por estratagemas, a orar aos céus por meu óleo de
lia sejam três sables de siba e uma figura rampante. Aliás, querida, antes
que eu me vá, preciso dar uma palavrinha com Mrs. Carter sobre culinária.
Quero mandar minha moça da cozinha para aprender com ela. Como você
sabe, gente pobre como nós, e com quatro filhos, não se pode dar ao luxo
de uma boa cozinheira. Não tenho dúvida de que Mrs. Carter me fará este
Carter e se deslocado para Freshitt Hall, que não era distante de seu
Tipton um coadjutor
mo, de chicote na mão. Lady Chettam ainda não havia voltado, mas a
alarme.
70 GEORGE ELIOT
sensos de praxe."
"Bem," retomou Mrs. Cadwallader, com uma nota ainda mais agu-
de capital para se ter nas famílias; é o lado seguro por onde a loucura
eu sempre lhe disse que Miss Brooke seria um ótimo partido. Eu sabia
"Que está querendo dizer, Mrs. Cadwallader?" disse Sir James. Seu
medo de que Miss Brooke pudesse ter fugido para ingressar na Irmanda-
parou por alguns momentos, observando na face de seu amigo uma ex-
pressão muito ofendida que ele tentava disfarçar com um sorriso nervo-
so, chicoteando enquanto isso sua bota; mas ela logo acrescentou: "Pro-
metida a Casaubon."
Sir James deixou cair seu chicote e se abaixou para apanhá-lo. Nun-
ca dantes sua face tenha talvez concentrado tanto desgosto junto como
"Meu Deus! Que horror! Ele é pior do que uma múmia!" (Há que se
entender tal ponto de vista como o de um rival ardente e desapontado.)
"Diz ela que ele tem uma grande alma. - Pois sim, uma grande
MIDDLEMARCH
71
lado até ela atingir a maioridade. Ela então poderia pensar melhor Para
,.
que ele desanque Casaubon. É capaz de falar bem até do bispo, por mais
que eu lhe diga que isto não é natural num clérigo beneficiado: o que se
Mas vamos lá, anime-se! Foi bom livrar-se de Miss Brooke, moça que
poderia exigir-lhe que à luz do dia visse estrelas. Muito aqui entre nós, a
pequena Celia vale duas dela, e é bem provável que, feitas as contas,
que acho que seus amigos deveriam usar da influência que têm sobre
ela."
"Bem, Humphrey ainda não está sabendo. Mas, quando eu for dizer
a ele, pode apostar que ele vai replicar: `Mas por que não? Casaubon é
e conquistou a outra. Pelo que vejo, ela o admira tanto, ou quase, quan-
to um homem espera ser admirado. Se fosse outro que dissesse isto, não
com o casamento de Miss Brooke; e por que, quando um partido que lhe
72 GEORGE EI.fO"1
do sem dúvida que pouco nós podemos saber sobre as mulheres, quan
pois enquanto sob uma lente fraca pode parecer que nós vemos uma
uma lente mais forte nos revela certos filamentos irrisórios que se fa
zem de vórtices para essas vítimas, enquanto o engolidor aguarda pas
mais moços caíram na mais completa ruína após casarem-se com sua
as relações de escândalo - tais eram tópicos dos quais ela retinha deta
de epigramas com que ela mesma se deliciava ainda mais porque acred;
Da antiga Grécia: Bias, Quílon, Cleóbulo, Periandro, Pítaco, Sólon e Tales.
MIDDLEMARCH 73
dinheiro que eles tinham feito vinha de preços altos n varejo, e Mrs.
Cadwallader detestava os preços altos para tudo o que não fosse pago
ouvidos. Um lugar onde proliferavam tais monstros pouco mais era que
nada a ser mais dura com Mrs. Cadwallader perguntar pela abrangência
de suas opiniões tão belas, saiba sem nenhuma dúvida que elas propicia-
com a dela.
Com uma tal cabeça, ativa como o fósforo, capaz de reduzir tudo O
que tinha ao redor à forma que melhor lhe convinha, como poderia
gava um grande tolo. Desde a chegada das moças a Tipton ela pre-
que ele não fosse ocorrer, depois de ela o ter preconcebido, causava-
agora que sua opinião sobre esta moça havia sido contaminada por
ra a crer.
para seu marido, "eu desisto dela: havia uma possibilidade, caso se ca-
sasse com Sir James, de ela tornar-se uma mulher sensata e saudável.
Ele nunca iria contrariá-la, e uma mulher, quando não é contrariada, não
Sir James e, tomada sua decisão de que o melhor seria a mais jovem
Miss Brooke, não poderia haver cartada mais habilidosa para o sucesso
74 GEORGE ELI(
de seu plano que a alusão por ela feita ao baronete de que ele tinl
deixado uma impressão no coração de Celia. Pois ele não era um dess
Não tinha sonetos a escrever, e era impossível que lhe fosse agr
dável não ser um objeto de preferência para a mulher que ele hav
olhava sua futura esposa como uma presa, valiosa sobretudo pel;
excitações da caça. Nem era ele tão bem enfronhado assim nos cost
mes das raças primitivas para sentir que um combate ideal por ela, c
Assim aconteceu que, após ter cavalgado bem rápido por uma me
hora em direção contrária à de Tipton Grange, Sir James diminuiu
passo e por fim desembocou num caminho que o levaria de volta por u
podia deixar de se alegrar por não ter feito o pedido e nunca assim
sido rejeitado; a simples polidez entre amigos requeria que ele fo
visitar Dorothea para falar das casas, e agora felizmente Mrs. Cadwallac
cessiva falta de jeito. Isto porém não lhe agradava: abrir mão de Dorotl-
No original: "Smile like the knot of cowsfips on the cliff, / Not to be come
MIDDLEMARCH
75
de que Celia estaria lá, e de que agora lhe convinha dar mais atenção a
CAPÍTULO VII
"Piacer e popone
Vuol la sua stagione."
- Italian Proverb.
- Provérbio italiano.
fê-lo divisar com ainda maior ansiedade o feliz desfecho da corte que lhe
córrego incrivelmente raso ele era. Assim como nas regiões áridas o ba
tou Mr. Casaubon que um borrifo era a mais profunda abordagem para c
mergulho que lhe permitiria seu rio; e concluiu que os poetas tinhan
vou com prazer que Miss Brooke demonstrava uma afeição ardente
MIDDLEMARCH 77
moderação do seu abandono; mas não foi capaz de discernir esta defici-
mais; assim pois não havia, com clareza, uma razão à qual recorrer,
"Eu não podería preparar-me agora para ser mais útil depois?" dis-
se-lhe Dorothea certa manhã, logo no começo do namoro; "não poderia
aprender a ler latim e grego para você em voz alta, como as filhas de
"Temo que seja muito enfadonho para você," disse Mr. Casaubon
"Sim; mas por um lado eram moças vazias, porque se não se orgu-
lhariam da leitura a um tal pai; por outro, poderiam ter feito um estudo
à parte e aprender a entender o que elas liam, que neste caso seria inte-
"Espero que seja tudo o que uma jovem dama encantadora é capaz
ousaria pedir sem mais nem menos a Mr. Casaubon que lhe ensinasse as
lfnguas, antes de mais nada porque temia ser cansativa, e não útil; mas
não era simplesmente por devoção a seu futuro marido que ela queria
raízes - para chegar ao cerne das coisas e julgar com propriedade sobre
renúncia no qual se sentiria satisfeíta com ter um marido sábio; ela mes-
ma queria, pobre criança, também ser sábia. Com toda sua propalada
inteligência, Miss Brooke certamente era muito naïve. Celia, cuja mente
nunca fora instruída com muito alarde, via o vazio das pretensões alheias
com muito maís rapídez. Ter de modo geral somente um escasso sentir
78 GEORGE EI.lO"
ocasião específica.
de uma mulher.
respeito com seu vigor usual, um dia em que entrou na biblioteca nun
de poupar-me os olhos."
"Ah, bem, sem entender, sabe - isto pode não ser tão mau assim
las até um certo ponto, deveriam sim; mas de um jeito leve, sabe? Um
ouvi quase tudo - fuí á ópera em Víena: Gluck, Mozart, tudo do gênerc
trevas. Ela sorriu, olhou com uma expressão de gratidão para o noiv
Se ele sempre lhe pedisse para tocar "A Última Rosa do Verão", teria c
"Ah, nisto você está atrás de Celia, minha querida. Celia anda toca
MIDDLEMARCH
79
Casaubon não gosta, você está certa. Mas é uma pena que não se queira
Casaubon. "Uma canção muito repetida tem o efeito ridículo de fazer com
"É verdade; mas deste gênero de música bem que eu gostaria," disse
Dorothea. "Quando estávamos vindo de Lausanne para casa, meu tio nos
Casaubon, ela estará em suas mãos: convém que ensine minha sobrinha
Terminou com um sorriso, não querendo ferir sua sobrinha, mas real-
mente pensando que talvez fosse melhor para ela casar-se cedo com um
daria ouvidos.
incrível que ela tenha gostado dele. Reconheço porém que é um bom
chega a bispo. O panfleto dele sobre a Questão Católica foi mesmo muito
vando que Mr. Brooke, nesta ocasião, jamais pensou no discurso radical
nidade ideal para assinalar que seus heróis não anteviam a história do
mundo, nem mesmo suas próprias ações? - Por exemplo, esse Henrique
um rei católico; nem esse Alfredo o Grande, quando media suas noites
rações futuras mediriam com relógios seus ociosos dias. Eis aqui uma
mina de verdades que, não importa o vigor com que possa ser explora-
80
GEORGE ELIOT
Mas sobre Mr. Brooke faço ainda outra observação, talvez menos
comprovada por precedentes, - qual seja, a de que poderia não ter feito
grande diferença se ele houvesse antevisto seu discurso. Pensar com pra-
zer na hipótese de o marido de sua sobrinha ter uma grande renda ecle-
siástica era uma coisa - fazer um discurso liberal era outra; e só uma
mente muito estreita não é capaz de olhar um mesmo assunto sob vá-
CAPÍTULO VIII
mas, bom como era, deve-se reconhecer que este constrangimento era
menor do que teria sido se porventura ele tomasse o rival por um parti-
por Mr. Casaubon; alarmava-o apenas que Dorothea estivesse sob uma
deixasse comover por uma perspectiva de casamento que lhe era adequa-
Casaubon. No dia em que os viu juntos pela primeira vez, e à luz do que
82 GEORGE ELIC
guma coisa precisava ser feita, e talvez ainda agora, ao menos para adu
em seu torno, e chamou o baronete para que fosse até lá. A amizac
entre os dois era maior que entre quaisquer outros clérigos e propriet;
um doce sorriso; muito simples e rude em seu exterior, mas dotado de;
apertada. "Pena que não lhe encontrei antes. Há algum problema? Voc
"É apenas essa conduta do Brooke. Acho que alguém deveria ir fala
com ele."
seguindo com o conserto das carretilhas de pesca que ele tinha acabad
de pôr no torno. "Custo a pensar que ele queira mesmo. Mas que mal 1
"Oh, não é disto que estou falando," disse Sir James, que, após po
e a examinar a sola de sua bota com uma cara muito zangada. "Est
"Ela ainda é muito nova para saber do que gosta. É mister que s
tutor interfira. Mister que ele não perrnita que a coísa seja feita ass
MIDDLEMARCH 83
para este caso: e com um coração como o seu! Pense com seriedade no
assunto."
"Não estou brincando; estou tão sério quanto possível," disse o rei-
tor, com uma provocante risadinha para dentro. "Você é mau como Elinor
que seus próprios amigos tinham péssima opinião a meu respeito, quan-
"Mas olhe bem para Casaubon," disse Sir James, indignado. "Deve
andar pelos cinqüenta, e não creio que alguma vez tenha sido mais que
Elinor costumava dizer às irmãs dela que se casou comigo devido à mi-
prudência."
"Você? era muito fácil cue uma mulher lhe amasse. Mas no caso não
lhe desagradava.
"Por quê? que sabe que deponha contra ele?" disse o reitor, deixan-
de atenção.
Sir James fez uma pausa. Geralmente não lhe era fácil dar suas
terem ouvido, já que ele somente sentia o que era razoável. Mas por
fim disse:
"Acho que sim. Não é do tipo meloso, mas o cerne é de boa qualida-
de, pode estar certo disto. Ele é muito bom com seus parentes pobres:
Casaubon não teria tido metade do dinheiro que tem. Acredito que ele
foi pessoalmente à procura de seus primos para ver o que podia fazer
por eles. Nem todos os homens reagiriam assim tão bem, com seu pecú-
lio posto à prova. você sim, Chettam; mas nem todos os homens."
"Não sei não," disse Sir James, ruborizando. "Não me garanto tan-
to." E, após uma breve pausa, acrescentou: "Foi uma boa ação, esta do
84 GEORGE ELIOT
rnulher pode não ser feliz com ele. E penso que, quando se trata de uma
moça tão jovem, como é o caso de Miss Brooke, seus amigos devam
interferir um pouco para impedi-la de fazer alguma tolice. Você ri, por-
Mas, por minha honra, não se trata disto. Eu sentiria o mesmo se fosse
irmão ou tio de Miss Brooke."
; "Diria que o casamento não deveria ser decidido antes de ela chegar
Espero que você tenha visto as coisas como eu - pois eu gostaria que
Sir James levantou-se quando ainda acabava sua frase, pois viu que
mais nova, de uns cinco anos de idade, que imediatamente correu para o
"Ouvi o que você estava dizendo," disse a esposa. "Mas não vai
"Bem, quanto a isto há alguma coisa," disse o reitor, com seu riso
"Mas, a sério," disse Sir James, cuja irritação ainda não havia passa-
do, "a senhora não acha que o reitor poderia estar fazendo algum bem,
se falasse?"
"Oh, eu já lhe disse de antemão o que ele iria dizer," respondeu Mrs.
James.
"Mas, meu caro Chettam, por que deveria eu usar minha influência
para prejudicar Casaubon, a não ser que estivesse muito mais seguro do
que estou de que estaria agindo para favorecer Miss Brooke? Não sei de
MIDDLEMARCH 85
Questão Católïca, é verdade, foi inesperada; mas comigo ele tem sido
sempre correto, e não vejo por que devesse eu ir estragar seu brïnquedo.
Pelo que eu possa prever, Miss Brooke talvez seja mais feliz com ele do
riria jantar encostado numa cerca do que a sós com Casaubon. Vocês
"E o que isto tem a ver com o casamento de Miss Brooke com ele?
"Ele não tem nenhum vestígio de bom sangue vermelho," disse Sir
James.
"Não mesmo. Alguém pôs uma gota sob uma lente de aumento, e só
"Por que, ao invés de se casar, ele não publica seu livro?" disse Sir
se esvai de todo com elas. Dizem que, quando ainda era um garotinho,
fez um resumo de `Hop o"my Thumb,"3 e desde então vive fazendo resu-
mos. Ufa! E este é o homem com o qual Humphrey insiste em dizer que
cal que andou arengando por Middemarch disse que o letrado Ca-
minha palavra que não vejo qual de nós é melhor ou pior que o ou-
tro." O reitor concluiu pelo seu riso em silêncio. Via sempre a inten-
"Um ogre.
86 GEORGE E I.IOT
mento de Miss Brooke; e Sir James sentiu com certa tristeza que ela ia
ter perfeita liberdade parajulgar errado. Era um sinal de sua boa vonta-
sua própria dignidade, era a melhor opção: mas o orgulho apenas nos
ajuda a ser generosos, ele nunca nos faz assim, como a vaidade nunca
nos confere brilho. A essa altura ela estava bem consciente da posição
irritação para com ele, que pouco a pouco ia descobrindo o deleite exis-
um homem que não têm paixão para esconder, nem para confessar.
CAPÍTULO IX
ro. Prometida, a noiva deve ir ver sua futura casa e ordenar as eventuais
mos nosso próprio caminho pode suscitar certo espanto de que ele nos
agrade.
88 GEORGE ELIO7
por um velho e rijo carvalho, e umã alameda de tílias dando para a fa-
chada sudoeste, com uma cerca arriada entre o parque e a área de la.zer,
lho e pastos que pareciam fundir-se muitas vezes num lago sob o pôr do
sol. Este era o lado feliz da casa, pois o sul e o leste tinham um aspecto
meio melancólico até nas manhãs mais claras. Os espaços eram aqui
que precisaria ter crianças, muitas flores, janelas abertas e pequenas vis-
tas de coisas brilhantes para fazê-la parecer um lar alegre. Neste final já
"Deus meu!" disse Celia consigo rnesma. "Estou certa de que Freshitt
Hall teria sido mais agradável que isto." Pensou nas pedras de cantaria
,
que eram brancas, nos pilares do pórtico, no terraço cheio de flores e em
Sir James sorrindo acima delas como um príncipe a sair de seu encanta-
das pétalas de mais delicado odor - Sir James, que conversava de modo
tão agradável, e sempre sobre coisas em que havia bom senso, não sobre
os
Dorothea, pelo contrário, achou que a casa e seus espaços eram tudo
velho vaso por baixo, não lhe davam a menor opressão, e ela os julgav
muito tempo trouxera para casa de suas viagens - e que estavam prov
velmente entre as manias que ele pegou certa vez. Para a pobre Dorothe
MIDDLEMARCH 89
ções puritanas: nunca lhe haviam ensinado como ela poderia pô-los nal-
Dorothea andou pela casa com uma deleitosa emoção. Tudo lhe pa-
recia santificado: ali seria o lar do qual ela seria a esposa, e era com
olhos cheios de confiança que olhava para Mr. Casaubon, quando este
bia agradecida todas as deferências a seu gosto, mas nada via que mu-
dar. Nem via defeitos nos esforços de cortesia exata e solicitude formal
que ele fazia. Com perfeições não manifestadas ela preenchia todos os
nias mais altas. E há muitos claros que ficam nas semanas de namoro,
obséquio, que quarto pretende ter como seu boudoir," disse Mr. Casaubon,
"É muita bondade sua pensar nisto," disse Dorothea, "mas garanto-
lhe que prefiro ter essas questões já resolvidas para mim. Ficarei muito
feliz em ter tudo assim como está -justamente como você se acostu-
mou a ter, ou como há de preferir que seja. Não tenho motivos para
"Oh, Dodo," disse Celia, "por que não fica com aquele quarto de
das em grupo. Uma tapeçaria por cima de uma porta também mostrava
"É mesmo," disse Mr. Brooke, "com umas forrações novas, uns so-
fás, esse tipo de coisa, daria um ótimo quarto. Agora está um pouco
pelado."
,., .
90 GEORGE ELIOT
"Não, titio," disse Dorothea com ardor. "Nem fale, por favor, em
Quero que as coisas fiquem assim como estão. E você gosta delas como
estão, não é?" acrescentou, olhando para Mr. Casaubon. "Talvez este
" "E esta é sua mãe," disse Dorothea, que se virara para examinar o
"A irmã mais velha dela. Como você e sua irmã, foram os únicos
! filhos tidos pelos pais, que são estes que estão por cima."
"A írmã é boníta," disse Celia, dando a entender que era de opinião
colares.
! empoados caindo para trás. No todo, parece-me mais peculiar que boni-
to. Nem mesmo há uma parecença de família entre ela e a sua mãe."
t ..
perguntar ali mesmo por alguma informação que Mr. Casaubon se absti-
"Ah, e você gostaria de ver a igreja, sabe?" disse Mr. Brooke. "É uma
você vem a calhar, Dorothea; porque as casas dos pobres são como uns
"Sim, por favor," disse Dorothea, olhando para Mr. Casaubon, "eu gos-
taria de ver tudo isto." Nada de mais explícito já conseguira extrair dele
sobre as casas dos pobres de Lowick á não ser que elas "não eram más."
mente por entre moitas de capim e grupos de árvores, sendo este o ca
minho mais curto para a igreja, como disse Mr. Casaubon. No portãozinhe
MIDDLEMARCH
91
que dava para o pátio da igreja houve uma pausa, enquanto Casaubon ia
ao presbitério, que era quase ao lado, apanhar uma chave. Celia, que se
maliciosa:
um desses caminhos."
"Pode bem ser um jovem jardineiro - por que não?" disse Mr.
Brooke. "Eu mesmo disse ao Casaubon que ele devia mudar de jardi-
neiro."
menos por Celia. Interiormente ela se negava a crer que aqueles ca-
Mr. Tucker, que era exatamente tão velho e desenxabido quanto ela
homem que iria para o céu (pois Celia não queria abrir mão de seus
Algo desolada, Celia pensou no tempo que como dama de honor ela
princípios.
92 GEORGE ELIO"
casa, dedicavam-se aos trabalhos em palha: aqui não havia vultos, nãoc
panela, como o bom rei de França desejava que seu povo todo tivesse
í "Penso que este desejo dele era bem reles," disse Dorothea indigna
da. "Serão os reis tão monstruosos que um desejo como este deva se
"Se o que ele desejava para o povo eram galinhas magras," diss
Celia, "não seria nada bom. Mas talvez o que quisesse para todos fos
recuou um pouco, pois não podia suportar que Mr. Casaubon piscass
por não haver em Lowick nada para ela fazer; e nos poucos mínuto;
ela teria preferido, de que sua casa se achasse numa paróquia con
,;
maior parcela da miséria do mundo, para que aí ela pudesse ter obriga
convívio.
não lhe permitiria almoçar no solar; e, nisto que eles iam reingressanc
, :,
evangélicos e metodi
i
MIDDLEMARCH
93
nhecido tão poucos modos de dar utilidade à minha vida! Mas é claro
"Está bem. Agora, se não estiver cansada, vamos voltar para casa
p ,
co, desenhando a velha árvore. Mr. Brooke, que andava à frente com
cabelo caindo para trás; a boca e o queixo eram porém de aspecto mais
tação à futura prima e seus parentes lhe agradasse; assumiu, com efeito
um amuado ar de descontentamento.
bém fiz algo do gênero, sabe. Mas olhem só; eis aqui o que eu cc
94 GEORGE ELfOT
I.
i;
t.
"Não tenho como julgar tais coisas," disse Dorothea, não com frie-
serem tão admiradas. São uma linguagem que eu não entendo. Suponho
que haja alguma relação entre natureza e pintura que eu sou ignorante
demais para sentir-assim como o senhor entende uma frase grega que
para mim nada quer dizer." Dorothea ergueu os olhos para Mr. Casau bon
que inclinou a cabeça para ela, enquanto Mr. Brooke, sorrindo, dízia
despreocupadamente:
"Meu Deus, como as pessoas são diferentes! Mas então você rece-
beu uma instrução mal orientada, sabe - pois isto é justamente o ideal
sa. Espero que venha à minha casa, e eu lhe mostrarei o que fiz no
havia concluído que a moça devia ser bem desagradável, posto que se ia
confirmaria esta opinião, mesmo que ele tivesse acreditado. Com eFeito,
quando a deu. Porém que voz! Era como a voz de uma alma que tivesse
de Mr. Brooke.
nos vocé, Casaubon; você se apega aos seus estudos; mas eu, minh
melhores idéias ficam soterradas - fora de uso, sabe. Vocês, due sã
Esta palavra italiana, que quer dizer "macieza, delicadeza," esteve em voga na
crítica de arte
suavídade.
MIDDLEMARCH 95
rém vamos passar à casa, para que as moças não se cansem de estar
sempre de pé."
aumentando enquanto ele desenhava, até que explodiu num riso alto,
definição de Mr. Brooke sobre o lugar que poderia ter atingido, não fos-
escárnio.
Brooke a caminho.
novo, mas sem uma intenção definida, a não ser os vagos objetivos do
que chama de cultura, em preparo para o quê nem ele sabe. Tem declina-
"Suponho que não tenha outros meios senão os que você lhe fornece."
um Mungo Park,"" disse Mr. Brooke. "Eu mesmo já fui um pouco assim
certa vez."
"Não, ele não tem o menor pendor para explorações, nem para o
África.
GEORGE ELIOT
96
lenta. Ele está tão longe de ter algum desejo de um conhecimento mais
"Bem, não deixa de ser interessante," disse Mr. Brooke, que certa
"Temo que isto não seja nada mais que parte de sua inaptidão e
que seria um mau augúrio para ele em qualquer profissão, civil ou ecle
siástica, se porventura fosse suficientemente submisso à norma estabe
trar uma explicação favorável. "Por que o direito e a medicina devem se
"Sem dúvida; temo porém que meu jovem parente Will Ladislav
que representam a lida de anos de preparo para uma obra ainda não
realizada. Mas em vão. Aos raciocínios prudentes desta espécie ele res
Celia riu. Era uma surpresa, para ela, constatar que Mr. Casaubo
Churchill - esse tipo de coisa - não há como saber," disse Mr. Brookf
"Com que então você o manda à Itália, ou aonde mais queira ir?"
liberdade."
I
"É muita bondade sua," disse Dorothea, olhando para Mr. Casaubo
MIDDLEMARCH
97
podem ter uma vocação que a elas mesmas não se revela de todo, não é?
a pensar que ser paciente é bom," disse Celia, assim que ela e Dorothea,
"É; quando as pessoas não fazem e dizem o que você quer." Celia
passara a ter menos medo de "dizer coisas" para Dorothea desde seu
CAPÍTULO X
- FULLER.
- FULLER."
informou que o
dando a entE
tolera os grilhõ
espontaneic
mensagens do unive
apenas nw
As atitudes
sinceramente mui
não pouc
forma de êx
já se pusera doc
de m
constituição e a de De Quinc
If
inglês.
tt
"i
MIDDLEMARCH
99
de uma longa incubação não geradora de prole e, não fosse sua gratidão,
nos e fracas luzes de teoria erudita para explorar a barafunda das ruínas
Esta confiança, segundo ele, era uma marca de gênio; e certamente não
nem humildade, mas num poder de produzir ou fazer, não algo em geral,
mas alguma coisa em particular. Que ele então parta para o Continente,
sem que nos pronunciemos sobre seu futuro. Em meio a todas as formas
Se Mr. Casaubon foi para Dorothea a mera ocasião que ateou fogo ao
que ele estivesse bem representado nas mentes dos personagens menos
pois até Milton, contemplando numa colher seu retrato, teria de admitir
mente certo que nele não haja bons sentimentos, nem bons trabalhos.
capacidade e fazer: com que estorvos ele leva a cabo suas tarefas diárias
os anos demarcam dentro dele; e com que espírito ele luta contra a pres
são universal que um dia lhe há de ser por demais pesada e levará se
coração à pausa final. Sem dúvida alguma sua sorte é importante a seu
próprios olhos; a principal razão para pensarmos que insta por um (uga
muito grande em nossa consideração deve ser nossa falta de espaço par;
nem só, é tido mesmo por sublime que de lá nosso vizinho espere c
máximo, por pouco que de nós tenha podido obter. Mr. Casaubon, tam
mais diretamente que a qualquer uma das pessoas que até agora tên
meiras abóbadas sob os quais andava com sua vela na mão. Não con
todavia ter conquistado o prazer - que ete também havia visto com
objeto a encontrar por busca. É bem verdade que sabia todas as passa
por que elas deixam tão pouca força suplementar para sua aplicaçã
pessoal.
O pobre Mr. Casaubon havia imaginado que sua longa vívência de celi
MIDDLEMARCH
101
fim. E era a pior das solidäes a dele, a que tende a retrair-se ante a
simpatia. Não podia senão desejar que Dorothea o julgasse não menos
falar para ela, apresentava toda sua atuação e tenção com a segurança
levar sua própria vida e doutrina a uma estreita conexão com esse fa-
confusas concepçäes das duas coisas. Seria grande emo supor que
epíteto não a teria descrito nos círculos em cujo vocabulário mais pre-
102
GEORGE ELIOT
Mas ansiava por algo pelo qual sua vida pudesse ser preenchida de
visäes que guiavam e dos diretores espirituais, posto que a prece au-
mentava o anseio, mas não a instrução, que luz ainda havia senão a do
"Continuo a lamentar que sua irmã não nos acompanhe," disse ele
tivesse companhia."
da. Pela primeira vez ela corou de irritação ao conversar com Mr.
Casaubon.
"Você deve ter-me entendido muito mal," disse ela, "se pensa que
abriria mão, de bom grado, de qualquer coisa que lhe impedisse de usá-
" muito gentil de sua parte, minha querida Dorothea," disse Mr,
Casaubon, não percebendo nem um pouco que ela estava ofendida; "mas,
do-se para Mr. Casaubon, pôs a mão sobre a dele e acrescentou noutrc
tom: "Por favor, não se inquiete por minha causa. Terei tanto o qu(
"Yf w
MIDDLEMARCH
103
apenas para cuidar de mim. Eu não agüentaria a Celia comigo: ela ficaria
muito infeliz."
causa que nem para si mesma era capaz de definir; pois, embora ela não
sensação de dístanciamento.
ta e fraco," disse ela a si mesma. "Como posso ter um marido que está
tão acima de mim sem saber que ele precisa menos de mim que eu
dele?"
pleto como se ela fosse uma pintura de Santa Bárbara a olhar de sua
de sua fala e emoção mais notada quando algum apelo exterior a sen-
sibilizava.
Naturalmente ela foi alvo de muitas observaçäes essa noite, pois era
104
GEORGE ELIOT
nham vergonha da mobília dos seus próprios avós. Pois nesta região do
prietário, e que proferiu esta blasfêmia em voz grossa, como uma espé-
"Há certa verdade nisto," disse Mr. Standish, disposto a ser cordial.
"E, por Deus, é geralmente por aí que elas vão. Suponho que isto
corresponda a alguns sábios fins: foi a Providência que as fez assim, não
é, Bulstrode?"
disse Mr. Chichely, cujo estudo do belo sexo parecia ser feito em detri.
mento de sua teologia. "E eu gosto é das louras, com um bom passo e
meu gosto do que Miss Brooke ou Miss Celia. Se eu fosse homem por
MIDDLEMARCH
105
não ia sujeitar-se à certeza de que viria a ser aceito pela mulher que
escolhesse.
Esta Miss Vincy que tinha a honra de ser o ideal de Mr. Chichely
ir-se longe demais, não gostaria de ver suas sobrinhas travando conheci-
"Mas e o poder desses remédios, para onde então é que vai, minha
mente para Mrs. Cadwallader, assim que Mrs. Renfrew teve a atenção
chamada alhures.
bem nascida demais para não ser amadora em medicina. "Tudo depende
"Pois então ela devia tomar remédios que atenuassem - que enfra-
Por enquanto ainda não há inchação - é para dentro. Eu diria que ela
secante.PI
"Que tal ela tentar os panfletos de uma certa pessoa?" disse Mrs.
106
GEORGE ELIOT
"O noivo - Casaubon. Decerto ele está secando mais rápido depois
"Tendo a crer que está longe de ter uma boa constituição," disse
Lady Chettam, num tom de voz ainda mais baixo. E depois os estudos
" muito triste! Acho que ela é mesmo uma cabeça-dura. Mas diga-
me - você sabe tudo sobre ele - há alguma coisa realmente má? Qual
é a verdade?"
"Não podia haver nada pior do que isto," disse Lady Chettam, com
uma concepção tão vívida do tal remédio que parecia ter aprendido algo
Jarnes não dará ouvidos a nada contra Miss Brooke. Diz que ela é ainda
"Um generoso fingimento da parte dele. Pode estar certa disto, ele
gosta mais da pequena Celia, e ela bem que o aprecia. Creio que da
parece mais meiga, embora sua figura não faça tanta vista. Mas, já
tica: o que sem dúvida ele demontra na aparência - uma bela cabe-
ça, de fato."
bem."
". Diz Mr. Brooke que ele descende dos Lydgates da Northumberland,
mas conhecia minha constituição. Foi uma perda para mim que se fosse
MIDDLEMARCH
107
tão de repente. Mas, meu Deus, que conversa mais animada Miss Brooke
vai pegá-lo."
"James," disse Lady Chettam quando seu filho chegou perto, "cha-
fosse qual fosse o absurdo que lhe diziam, e seus olhos escuros, firmes,
Lady Chettam teve muita confiança nele, que lhe confirmou o ponto de
vista sobre sua própria condição como peculiar, ao admitir que todas as
talvez fosse mais peculiar do que outras. Ele não aprovava os métodos
de sua concordância, que ela formou sobre seus talentos a opinião mais
favorável.
ir-se embora.
ção e dieta, esse tipo de coisa," retomou Mr. Brooke, após ter levado à
concidadãos.
"Com a breca! acha que está mesmo correto isto? - alterar o velho
tratamento que fez dos ingleses o que eles são?" disse Mr. Standish.
108
GEORGE ELIOT
"O conhecimento médico está em maré baixa entre nós," disse Mr.
"Está tudo muito bem," replicou Mr. Standish, que não gostava de
Mr. Bulstrode; "se vocês o querem para fazer experiências com os paci-
entes do hospital, e por caridade matar algumas pessoas, não tenho ne-
nhuma objeção. Mas não sou eu que irei tirar dinheiro da algibeira para
testado."
"Sabe de uma coisa, Standisli, cada dose que a gente toma é uma
"Oh, se você fala neste sentido!" disse Mr. Standish, com tanto des-
gosto ante estas evasivas não legais quanto é capaz de deixar transparecer
cuja juventude em flor, com seu casamento à vista com aquele intelec-
" uma boa criatura - esta bela menina - mas um pouco séria
demais," pensou ele. " um problema conversar com tais mulheres. Es-
seu sentido moral para resolver as coisas de acordo com seu própric
gosto."
completo, e calculada para abalar sua confiança nas causas últimas, in.
MIDDLEMARCH
109
Mas Lydgate era menos maduro, e talvez pudesse ter experiências à frente
que viessem a modificar a opinião que ele tinha quanto às coisas funda-
Miss Brooke, entretanto, não voltou a ser vista por nenhum destes
cavalheiros com seu nome de solteira. Não muito depois desse jantar,
CAPíTULO XI
crimes."
- BEN JONSON.
- BEN JONSON. 1
arrebatadora. assim que uma mulher deve ser: deve causar o efeito de
nuar solteiro vai depender mais da resolução dela que da dele. Lydgate
achava que deveria aguardar vários anos antes de se casar: não fazê-l(
MIDDLEMARCH
111
distância da estrada larga que estava toda pronta. Miss Vincy foi vista
em seu horizonte durante tempo quase igual ao que Mr. Casaubon le-
vou para noivar e contrair matrimônio: mas este letrado cavalheiro era
mos, para adornar o quadrante restante de seu percurso e ser uma lua
era jovem, pobre, ambicioso. Tinha seu meio século à frente, não pelas
costas, e viera para Middemarch decidido a fazer muitas coisas que não
algo mais que uma questão de ornamento, por maior valor que ele dê a
mulher, o primeiro posto. Para seu gosto, orientado por uma única con-
versa, era neste ponto que Miss Brooke se revelaria deficiente, não
obstante sua inegável beleza. Ela não via as coisas pelo correto ângulo
ao sair do trabalho, você ainda ter de dar aulas para a segunda série, ao
para Lydgate do que as voltas do espírito de Miss Brooke ou, para Miss
te com o qual olhamos para o vizinho que não nos foi apresentado. Por
sutil: tinha não só suas espantosas quedas, seus jovens e brilhantes dândis
112
GEORGE ELIOT
também forasteiros, uns com uma novidade alarmante em sua arte, ou-
narrar o que havia acontecido, julgou por bem tomar por ponto de par-
que tinha excelente gosto para se vestir, com seu porte de ninfa e lourice
pura dando-lhe a mais ampla gama de escolha quanto à cor e caimento
dos panos. Coisas que constituíam porém apenas parte do seu encanto.
ção abrangia tudo o que era requerido da mulher bem formada - inclu-
Mrs. Lemon sempre havia apresentado Miss Vincy como exemplo: ne-
esta agradável visão, ou mesmo sem travar relaçäes com a família Vincy;
porque embora Mr. Peacock, para herdar cuja clientela ele pagara certa
não agradava a Mrs. Víncy), tinha muitos pacientes entre seus conheci-
"Moeda de ouro em uso até 18 13, quando foi substituída pelo soberano, moeda
de uma libra.
MIDDLEMARCH
113
fábrica que eram, mantinham há três geraçäes uma boa casa, na qual
por outro lado, Mr. Vincy havia decaído um pouco, tendo ficado com a
previsão de dinheiro; pois a irmã de Mrs. Vincy, que fora a segunda es-
posa do rico e velho Mr. Featherstone, tinha morrido anos atrás sem
sobre ele que não fosse esmiuçado em casa dos Vincys, onde as visitas
com todos que a tomar qualquer partido, mas não tinha por que precipi-
que seu pai convidasse Mr. Lydgate à casa. Estava cansada das figuras e
posição mais alta, por cujos irmãos, tinha certeza, poderia interessar-se
não se decidia a mencionar sua vontade ao pai; e ele, por sua vez, não se
quando em quando ampliar seus jantares, mas por ora já havia convida-
desjejum familiar até muito depois de Mr. Vincy ter saído com seu se-
gundo filho para o depósito, e até Miss Morgan já estar bastante adian-
tada, no quarto de estudo, com as liçäes da manhã para as meninas mais
vam, levantar-se logo. Pois foi o caso, certa manhã daquele outubro em
114
GEORGE ELIOT
continuava sentada com seu bordado mais tempo que de costume, to-
novo anunciando o relógio que estava para dar as horas, ela ergueu os
sineta.
"Bata na porta de Mr. Fred de novo, Pritchard, e diga a ele que já são
dez e meia."
rosto de Mrs. Vincy, onde quarenta e cinco anos não haviam cavado
ângulos nem paralelas; e ela, puxando para trás os cordäes da touca cor
sentir que ele coma arenque defumado. Não agüento aquele cheiro por
"Oh, minha querida, não seja tão impertinente com seus irmãos! a
única falha que eu consigo ver em você. Seu temperamento é o mais
ças, sempre que eles tenham bom coração. Uma mulher deve aprender
a não ligar para coisas de somenos. Algum dia você estará casada
têm menos contra si, apesar de ele não ter podido formar-se - por
razäes que estou certa de não captar, pois a mim parece muito inteli-
gente. Você mesma sabe que ele foi considerado igual ao que havia
que não se alegre de ter um rapaz tão cavalheiresco assim por irmão.
Fred."
MIDDLEMARCH
115
covas, sorrindo pouco por isto em sociedade. "Mas não hei de me casar
que você."
papa-fina daqui"."
"Bem, mas isto também soa comum e banal. Se eu tivesse tido tem-
po para pensar, deveria ter dito "os rapazes mais superiores." Mas você,
"O que é que a Rosy deve saber, mãe?" disse Mr. Fred, que penetra-
tinham curvadas sobre seus trabalhos, e que agora, indo até o fogo, lá se
sineta.
classe."
vem história e ensaios. E a gíria mais forte de todas é a gíria dos poe-
tas. PI
cruzador de pernas."
Claro que, se quiser, você pode dizer que isto é poesia."
"Rá-rá, Miss Rosy, vê-se que não faz distinção entre Hornero e a
116
GEORGE ELIOT
"Não tem mais nada para o meu desjejum, Pritchard?" disse Fred ao
sala, "para ter coisas quentes no café da manhã, seria bom que você
não consigo compreender por que acha tão difícil, nas outras manhãs,
sair da cama."
"Não entendo por que os irmãos têm de ser desagradáveis, mais que
as irmãs."
"Eu não sou desagradável; é você quem me vê assim. Desagradável
Olhe só minha mãe: você não a vê com objeçäes a tudo, exceto ao que
sem um dedinho do pé. o jeito dele. Ah, mas aí vem minha coste.
leta!"
"Como pôde ficar fora até tão tarde, meu filho? Você disse que só i,
MIDDLEMARCH
117
tava lá."
que é de excelente família - que seus parentes são gente bem aqui do
condado."
Rosamond, com um tom de decisão que mostrava que ela já havia pen-
sado sobre o tema. Rosamond achava que poderia ser mais feliz se não
não gostava de nada que lhe trouxesse à lembrança que o pai da mãe
por cavalheiros.
Rosamond.
"Ué, meu filho, os médicos têm de ter opiniäes," disse Mrs. Vincy.
"Não sei dizer realmente," disse Fred, que ao sair da mesa tinha o
"Seria ótimo se você não fosse tão vulgar, Fred. Se já acabou, por
começou Mrs. Vincy, já tendo o criado tirado a mesa. " uma pena me-
GEORGE ELIOT
donha você não ter paciência de ir visitar seu tio mais vezes, ele que
gosta tanto de você, e até quis que você morasse com ele. Não há como
calcular o que poderia ter feito por você, e também pelo Fred. Deus sabe
que eu gosto de ter vocês em casa comigo, mas para o bem dos meus
filhos eu me separo deles. E agora tudo indica que seu tio Featherstone
"Mary Garth agüenta ficar em Stone Court, porque prefere isto a ser
feriria que não me deixassem nada, se para ganhar alguma coisa eu ti-
"Ele não ficará por muito neste mundo, filha; não queira eu apres -
sar-lhe o fim, mas com aquela asma e aquelas dores por dentro, espere-
mos que um outro lhe reserve coisa melhor. Em relação a Mary Garth,
primeira esposa de Mr. Featherstone não lhe levou dinheiro algum, como
fez minha irmã. As sobrinhas e sobrinhos dela não podem pois ter o
mesmo direito que os de minha irmã. E devo dizer que Mary Garth pare-
governanta."
"Bem, querido," disse Mrs. Vincy, fazendo ágil volteio, "se ela tivesse
Mas vou deixá-lo em seus estudos, meu filho; tenho de ir fazer umas
compras."
"Bem, bem, aos pouquinhos ele irá para o seu latim e essas coisas,"
pai - sabe, Fred, meu filho - e sempre estou dizendo a ele que você vai
ser bom, que irá de novo para a escola para tirar seu diploma."
Fred puxou a mão da mãe até seus lábios, mas não disse nada.
"Se você quiser, pode ir comigo amanhã. Só que estou indo a Stone
MIDDLEMARCH
119
"Estou querendo tanto dar uma volta, que aonde vamos para mim é
"Ob, Rosy," disse Fred, nisto que ela passava para sair da sala, "se
você for para o piano, posso ir também para tocarmos umas cançäes
juntos?"
homem tocando flauta fica muito esquisito. E além do mais você toca
desafinado."
"Da próxima vez que alguém lhe fizer a corte, Miss Rosamond, direi
sua flauta, mais do que haveria eu de esperar que fosse gentil comigo,
não tocando-a?"
"E por que haveria de esperar você que eu a levasse para uma volta
a cavalo?"
Fred viu-se assim gratificado com quase uma hora de prática de "As-
CAPITULO XII
- CHAUCER.
- CHAUCER."
dos centrais, quase tudo campinas e pastagens, com sebes ainda deixa-
seu velho, velho teto de palha cheio de musgosos morros e vales com
viajamos longe para ver, e vemos maiores, porém não mais belas. São
MIDDLEMARCH
121
sólida de um fazendeiro distinto. Nem por isto ele era menos agradável
dos cabriolés amarelos, diria eu. Quando vejo Mrs. Waule nele, compre-
endo que o amarelo já possa ter sido usado como expressão de luto.
pois, que história é esta, Rosy, de Mrs. Waule andar sempre de crepe
momentânea pausa.
"Deveras, não é mesmo não! São ricos como judeus, estes Waules e
Featherstones; quero dizer, para pessoas como eles, que não querem
gastar nada. E no entanto vivem rodeando meu tio como abutres, te-
mendo que uma bagatela qualquer possa sair do seu lado da família.
A Mrs. Waule que estava tão longe de ser admirável aos olhos des-
ses parentes distantes por acaso havia dito nesta mesma manhã (e não
uma voz ouvida através de um pano de algodão) que não desejava "des-
seu irmão, e por vinte e cinco anos antes de ser Jane Waule ela havia
GEORGE EuoT
do irmão era posto em jogo por gente que a ele não tinha direito algum.
"Aonde você está querendo chegar?" disse Mr. Featherstone, que
novo, até que Mary Garth lhe tivesse administrado um pouco mais de
desgostoso para o fogo. Era um fogo forte, que todavia não fazia diferen-
neutra quanto sua voz; tendo umas simples frestas, à guisa de olhos, e
dizendo, é uma pena que a família de Mrs. Vincy não possa ser melhor
conduzida."
"Não, você não disse nada disto! Disse que alguém tinha posto o
"E não mais do que se pode provar, se é verdade o que todos dizem.
outra coisa, que o jovem Vincy é um desregrado e que desde que voltou
"Que bobagem! Que tem de mais jogar bilhar? um jogo bom, ade-
tro jogo, meu irmão, e está longe de perder centenas de libras, que, se é
verdade o que todos dizem, têm de ser encontradas noutra fonte que
não os bolsos de Mr. Vincy pai. Pois dizem que há anos ele vem perden-
como sempre e mantendo casa aberta como eles fazem. E ouvi dizer que
Mr. BuIstrode reprova Mrs. Vincy acima de tudo por ser muito volúvel, e
por estragar seus filhos tanto."
"Que tenho a ver com Bulstrode? Eu não tenho conta com ele."
"Bem, Mrs. Buistrode é irmã de Mr. Vincy, e o que se diz é que Mr.
irmão, que uma mulher de mais de quarenta, quando anda com cordäes
cor de rosa esvoaçando sempre, e tem um jeito meio fútil de sorrir para
tudo, isto não condiz mesmo não. Mas ser complacente com as crianças
MIDDLEMARCH
123
é uma coisa, e outra é encontrar o dinheiro para pagar suas dívidas. Diz-
se abertamente que o jovem Vincy levantou dinheiro com base nas ex-
pectativas que tem. Não digo que expectativas são estas. Miss Garth
"Não, muito obrigada, Mrs. Waule," disse Mary Garth. "Não gosto
bom sujeito, e com tanta energia, que o mais provável é que as tenha."
fez, sua voz parecia molhada ligeiramente de lágrimas, embora seu rosto
irmão Solomon ouvir seu nome posto em jogo, sendo sua moléstia de
tal ordem que de uma hora para outra pode levá-lo desta, e saber que há
pessoas, que não são mais Featherstones que o buflão da feira, contando
sendo sua irmã, e o Solomon, seu irmão! Se é assim que vai ser, por que
"Vamos, Jane, chega disto!" disse Mr. Featherstone, olhando para ela.
"Você quer dizer que Fred Vincy conseguiu que alguém lhe adiantasse
dinheiro com base no que ele diz saber sobre o meu testamento, não é?"
"Eu nunca disse isto, meu irmão" (A voz de Mrs. Waule tornara-se
de novo seca e firme). "Isto me foi dito por meu irmão Solomon ontem
aconselhar sobre o trigo velho, sendo eu uma viúva e meu filho John
tendo apenas vinte e três anos, embora ajuizado além da conta. E ele
inventada. Mas olhe à janela, menina; acho que eu ouvi um cavalo. Veja
"Não inventada por mim, mano, nem também por Solomon que, à
parte o que no mais possa ser - e eu não nego que ele tem suas esqui-
parentes com os quais mantém amizade; por mim, acho no entanto que
GEORGE ELIOT
há épocas em que alguns devem ser mais considerados que outros. Mas
"Pois é ainda mais tolo!" disse Mr. Featherstone, com alguma difi-
culdade; entrando num acesso tão profundo de tosse que foi preciso
Mary Garth ir ficar perto dele, de modo a não poder descobrir de quem
samente para Mrs. Waule, que disse rígida: "Como vai, senhorita?% sor-
"Ora viva, menina," disse ele por fim, "que beleza de cor a sua!
capaz de fazer alguma coisa por você. Diz Solomon que andam falando
muito bem da inteligência dele. Estou certa, desejo que você seja pou-
sobrinhas, bastando que nos mande chamar. Pode contar com a Rebecca,
- todas são morenas e feias, vão precisar de ter algum dinheiro, não é?
bém tinha dinheiro. Bom sujeito, o Waulei Ai, ai, o dinheiro é que nem
um ovo; e se você dispäe de algum para deixar para trás, ponha-o num
leira postiça, como se quisesse tampar os dois ouvidos, e sua irmã foi-se
MIDDLEMARCH
125
ciúme que ela sentia pelos Vincys e por Mary Garth, mantinha-se como
irmão Peter Featherstone nunca poderia deixar que sua principal proprie-
dade escapasse das mãos dos seus parentes de sangue: - se não, por
que teria o Todo-Poderoso levado sem filhos suas duas esposas, depois
sua graça quando ninguém esperava? - e por que havia uma igreja pa-
deles, se, no domingo seguinte à morte de seu mano Peter, todos vies-
com o Fred."
"Vamos até meu quarto, Rosamond, por pouco tempo você não se
não tivesse sido fechada. Continuava a olhar para Fred com as mesmas
alternadamente a boca; quando falou, foi num tom baixo, passível de ser
gista, mais que pelo de um idoso ofendido. Não era homem de sentir
grande indignação moral, ainda que por causa de ofensas a ele mesmo.
Era natural que outros quisessem levar vantagem sobre ele, a quem con-
"Com que então o senhor tem pagado dez por cento por dinheiro
e ido, não é? Päe minha vida a doze meses, digamos. Mas olhe que
Fred corou. Não havia pegado dinheiro deste modo, e por excelen-
tes razäes. Mas estava consciente de haver falado com alguma confiança
126
GEORGE ELIOT
atuais.
os palermas, tão bem como há vinte anos atrás. Que diacho, estou com
menos de oitenta! Digo que o senhor deve contradizer esta história."
ciência, não lembrando que seu tio não discriminava verbalmente entre
boa fonte."
" fonte boa mesmo, acho eu - um homem que sabe quase tudo o
tio, ora esta!" E um tremor interno que lhe era peculiar, e significava
"Mr. Bulstrode?"
palavras de reprovação que ele pode ter deixado escapar a meu respeito.
nheiro?"
"Se este homem existe, creia que BuIstrode o conhece. Mas, supon-
diga por escrito não acreditar que você fez promessas de pagar suas dívi-
condiçäes mentais.
127
geral, acredita numa série de coisas que não são verdade, e ele tem um
fala, embora isto talvez causasse dissabor. Difícil seria eu pedir-lhe para
escrever no que acredita ou deixa de acreditar sobre mim." Fred fez uma
pausa, depois acrescentou, num apelo político à vaidade de seu tio: "Não
o que ele é? - não tem por aqui nenhuma banda de terra de que eu
tenha ouvido falar. Um especulador, isto sim! Um dia ele pode despen-
car de repente, se o demônio não mais lhe der retaguarda. E é isto o que
absurdo! Há uma coisa que eu deixava muito claro quando ainda tinha o
Promete terra e dá terra e faz os camaradas ricos com milho e gado. Você
fogo e batendo com seu chicote na bota. "Não gosto de BuIstrode nem
tinha saída.
"Ora muito bem, você pode prescindir de mim, isto está claro," disse
"Não sou ingrato. Nunca quis demonstrar descaso por quaisquer boas
que ele não acredita que você quebrou e prometeu pagar suas dívidas
trato. E agora, dê-me seu braço. Vou tentar andar pelo quarto."
128
GEORGE ELIOT
doer-se do velho, não amado nem venerado, que, com suas pernas
o braço, pensou que não gostaria nada de ser ele mesmo um camarada
velho com a constituição aos pedaços; e esperou com toda a calma, pri-
Magazine.
estudos."
Fred lhe deu os títulos.
"Que queria a menina com mais livros? preciso você viver trazen-
do ela ficava comigo, queria ler. Mas eu pus um fim nisto. Ela já tem o
jornal para ler em voz alta, o que eu diria que, para um dia, basta. Não
agüento vê-la lendo sozinha. Peço pois que não lhe traga mais livros,
está-me ouvindo?"
ainda mais simples, plantada num ângulo entre as duas ninfas - a que
povo.
escreveram
129
do mundo era Miss Vincy, que alguns até chamavam de anjo. Mary Garth,
cabelo escuro e crespo era áspero, intratável; baixa era sua estatura; e
não seria verdade declarar, como antítese satisfatória, que ela possuía
lhe faz companhia, tende a produzir certo efeito além do senso de real
resignação tal qual se exige. Sua argúcia tinha um traço de amargor satí-
a não ser por uma forte corrente de gratidão por aqueles que, ao invés de
lhe dizerem que ela devia ficar contente, faziam alguma coisa para
pintado com prazer, fazendo decerto com seus traços grosseiros saltas-
quando estava em bom ânimo tinha humor suficiente para rir de si mes-
"A seu lado, Rosy, puxa! que mancha escura que eu sou! Você é a
"Oh não! Ninguém pensa em sua aparência, Mary, tão sensata e útil
130
GEORGE ELIOT
negativa."
lho. "Creio que minha vida é mais agradável que a de sua Miss Morgan."
za de que tudo fique mais fácil à medida que ficamos mais velhos."
Ideom você é muito diferente, Mary. Você pode ter uma proposta."
que se detestem."
ça. "Você quer saber alguma coisa sobre ele," acrescentou, disposta a
"Não se trata por ora de gostar. Meu querer bem sempre carece de
te me ver."
"Ele é assim tão altivo?" disse Rosamond, com satisfação ainda maior.
"Mary! garota mais estranha do que você não há. Mas que aparencia
tário: sobrancelhas espessas, olhos escuros, nariz reto, basto cabelo es-
finíssimo lenço de cambraia no bolso! Mas você vai vê-lo. Você sabe que
MIDDLEMARCH
131
Rosamond enrubesceu um pouco, mas com ar pensativo disse: "Eu
até que gosto de um jeito altivo. Não agüento os rapazes muito conver-
sadores."
"Eu não lhe disse que Mr. Lydgate era altivo; mas ily en a pour tous les
você, Rosy."
"Espero que ninguém tenha dito coisa pior sobre ele. Ele aliás deve-
ria ter mais cuidado. Mrs. Waule andou dizendo para o tio que o Fred é
pela palavra "desregrado", que ela esperou que Rosamond, dizendo al-
"Horrível como?"
" muito preguiçoso, deixa o meu pai furioso e diz que não acata
ordens."
"Como pode dizer que ele está muito certo, Mary? Eu julgava que
"Bem, então ele não é o que deveria ser. Conheço outras pessoas
para isto! E você já pensou, se ninguém deixar uma herança para ele?"
132
pessoa."
GEORGE ELIOT
"Sim, seria um grande hipócrita; o que por enquanto ainda não é."
"Não adianta dizer nada para você, Mary. Você sempre fica do lado
do Fred."
"E por que eu não ficaria do lado dele?" disse Mary esquentando.
do para me agradar."
como sempre.
"Se a sua mãe tem medo de que o Fred me faça uma proposta, diga
a ela que eu não me casaria com ele, se ele me pedisse. Não há porém de
fazê-lo, tenho certeza. E certamente nunca me pediu."
"Brigar? Mas que absurdo; nós não brigamos. De que vale sermos
Rosamond cantasse para ele, e ela foi tão gentil que até propôs uma
segunda canção das favoritas dele - "Flui, ó cintilante rio!" - após ter
cantado "Lar, doce lar" (que ela detestava). Este velho e obstinado
rantindo à cantora que sua voz era clara como o canto do melro, quando
ISir Giles Overreach, o vilão de A New Way to Pay Old Debts (1633), de
Philip Massinger.
MIDDLEMARCH
133
Sua morna expectativa da habitual e desagradável rotina com um
nunca lhe ocorrera que valesse a pena falar de Mary Garth nesta condi-
quão delicadamente ela pôs de lado, com uma serena gravidade, a indi-
cação que a falta de gosto do velho lhe impusera, não mostrando suas
covinhas na hora emada, mas sim logo depois, ao falar para Mary, a
quem ela se dirigiu com uma atenção de tão boa natureza que Lydgate,
após examinar Mary mais completamente do que havia feito antes, viu
uma adorável bondade nos olhos de Rosamond. Mas Mary, por alguma
"Miss Rosy andou cantando uma canção para mim - o senhor não
tem nada contra, não é, doutor?" disse Mr. Featherstone. "Gosto mais
haste branca ter sido vista à perfeição sobre o traje de montar. "Fred,
"Está bem," disse Fred, que tinha suas próprias razäes para não es-
ência de que ela estava sendo olhada. Era, por natureza, uma atriz de
seu.)
"A melhor de Middemarch, garanto," disse Mr. Featherstone, "e que
a segunda seja quem ela queira. Não é, Fred? Fale por sua irmã."
"Temo não estar num tribunal, senhor. Meu testemunho não serviria
para nada."
Rosamond, com uma linda leveza, indo para apanhar seu chicote, que jazia
a certa distância.
134
GEORGE ELIOT
rou-se para entregá-lo a ela, que se inclinou e o olhou: ele, é claro, tam-
bém olhava para ela, e seus olhos descobriram-se neste peculiar encon-
tro que nunca é atingido por esforço, mas parece uma súbita iluminação
divina do ofuscamento. Penso que Lydgate ficou mais pálido que de cos-
sabia de que tipo de tolice seu tio estava falando quando foi despedir-se
Entretanto era justamente com este resultado, que ela tomou por
ser uma impressão mútua, chamada sentir amor, que Rosamond ha-
mente, com efeito, tal construção parecia requerer que ele estivesse
que esta era a grande época de sua vida. Julgava seus próprios sinto-
mas como os do amor nascente, e soava-lhe até mais natural que Mr.
coisas aconteciam com tal freqüência nos bailes, por que não então à
Rosamond, embora não mais velha que Mary, já estava bem acostu-
mada a que se apaixonassem por ela; mas mantivera-se por seu lado
MIDDLEMARCH
135
poderia apropriar-se tão bem como ela havia na escola feito seus de-
riam vir por último. Nada havia de financeiro, e ainda menos de sór-
A mente de Fred, por outro lado, estava tomada por uma ansiedade
atendê-lo. Seu pai já estava aborrecido com ele e o ficaria ainda mais, se
BuIstrodes. E ele odiava ter de ir falar com o tio BuIstrode, e quem sabe se
após uns copos de vinho ele tivesse dito muitas tolices sobre a proprieda-
delas; além do mais, havia feito recentemente uma dívida que o atormen-
quitar. Todo o caso era terrivelmente pequeno: suas dívidas eram peque-
nas, e nem mesmo suas expectativas eram lá assim tão grandes. Fred co-
136
GEORGE ELIOT
sunto era uma ficção do velho Featherstone; nem isto teria feito diferen-
ça para a situação em que estava. Ele via com bastante clareza que o
BuIstrode. Fred supunha ver até o fundo a alma de seu tio Featherstone,
mas na realidade em metade do que via não havia mais que o reflexo das
próprios desejos.
Garth tivesse repetido para Rosamond o relato de Mrs. Waule, era cer-
to que ele alcançasse seu pai, assim como era certo que o pai o questio-
so:
mim?"
"Rosy, a Mary lhe falou de Mrs. Waule ter dito alguma coisa sobre
"Falou sim."
440 quê?"
"Que você era muito desregrado."
"Só isto?"
"A Mary não mencionou mais nada. Mas realmente, Fred, creio que
"Ora bolas, não me venha com sermäes! E o que foi que a Mary
disse?"
que a Mary diz, e comigo é tão grosseiro que nem me deixa falar."
"Claro que me importo com o que a Mary diz. Ela é a melhor garota
que eu conheço."
"Nunca eu a teria tomado por uma garota por quem cair de amor."
"Como é que você sabe por quem os homens caem de amor? Nunca
as garotas sabem."
"Pelo menos, Fred, deixe-me aconselhar que você não caia de amor
por ela, porque diz ela que não se casaria com você, caso a pedisse."
MIDDLEMARCH
137
"Nem um pouco. Ela não o teria dito, se você não a tivesse pro-
vocado."
ples possível contaria todo o caso a seu pai, que talvez pudes se tornar a
LIVRO 11
Velhos ejovens
CAPÍTULO XIII
2nd Gent. Nay, tell me how you class yotir wealth of books,
falar com Mr. BuIstrode em seu gabinete no Banco à uma e meia, quan-
do em geral ele estava livre. Outro visitante chegara porém à uma hora,
breves pausas meditativas. Não imagine que seu aspecto doentio fosse
142
GEORGi: ELIOT
do tipo que, além de amarelado, tem o cabelo preto: ele tinha a pele
pálida, mas branca, o cabelo castanho e ralo com esparsas manchas gri-
alto diziam que seu tom moderado era um subtom, dando a entender às
vezes que ele era incompatível com a sinceridade; embora não pareça
haver razão para que um homem que fale alto não seja dado ao encobri-
mento de qualquer coisa exceto sua voz, a não ser que possa ser de-
queza. Mr. BuIstrode tinha também uma atitude de se curvar para ouvir
com deferência e, nos olhos, uma aparente fixidez de atenção que leva-
discursos. Outros, que não esperavam fazer bela figura, não gostavam
nada dessa espécie de lanterna moral virada para eles. Quem não se
a atribuíam ao fato de ser ele um fariseu, outros, ao fato de ele ser evan-
saber quem tinham sido seu avô e seu pai, observando que há vinte e
demarch. Para seu atual visitante, Lydgate, o olhar perscrutador era in-
diferente: ele simplesmente formou uma opinião desfavorável sobre a
passar por aqui para me ver, Mr. Lydgate," observou o banqueiro, após
Quanto ao novo hospital, que está quase concluído, vou pensar no que
pessoal."
víncia como esta," disse Lydgate. "Um bom hospital da febre somado à
MIDDLEMARCH
143
mais pela educação médica que a disseminação de tais escolas pelo pais?
lico, bem como algumas idéias, deve fazer o que pode para resistir à
tas vezes encontrar nas províncias um campo mais livre, quando não
mais rico."
çäes dos quais ele não tinha tido experiência. Mas esta sua orgulhosa
franqueza era tornada amável por uma expressão de boa vontade não
afetada. Mr. Bultstrode talvez gostasse ainda mais dele pela diferença
começar tantas coisas com uma pessoa nova! - inclusive começar a ser
um homem melhor.
favoreça esta solução, pois já decidi que um projeto tão grandioso não
que uma bênção mais manifesta há de agora ser concedida aos meus
um reformador."
"O nível desta profissão anda baixo em Middemarch, meu caro se-
não em posição social, pois em sua maioria nossos médicos são aparenta-
dos a respeitáveis pessoas do lugar. Minha própria saúde, que não é muito
GEORGE ELIOT
homem na lua."
assunto e ingressa em terreno onde suas aptidäes possam ser mais úteis.
"Estou ciente," disse ele, "de que a competência médica tem pecu-
liar inclinação por meios materiais. Não obstante, Mr. Lydgate, espero
senhor não deverá estar ativamente envolvido, mas onde sua simpática
cooperação pode ser uma ajuda para mim. Suponho que reconheça, em
"Certamente que sim. Mas estas palavras estão sujeitas a cobrir di-
"já estive com ele. Ele me deu seu voto, devo ir visitá-lo para agra-
um naturalista."
se contemplar. Suponho que não haja neste país um clérigo que tenha
"O que eu desejo," Mr. BuIstrode continuou, ficando ainda mais sé-
"Como médico eu não poderia ter opinião sobre este ponto, a me-
MIMUMARCH
145
nos que conhecesse Mr. Tyke, e mesmo então eu pediria para conhecer
os casos a que ele estivesse dedicado." Lydgate sorriu, mas estava deci-
tos desta medida por ora. Mas" - e aqui Mr. BuIstrode começou a falar
com uma ênfase mais cinzelada - "à assunto será provavelmente leva-
frente já diviso, o senhor não será, no que lhe disser respeito, influencia-
passo que, com meus oponentes, tenho boa razão para dizer que é uma
nem por isto hei de abrir mão de um mínimo que seja de minhas convic-
eu acreditasse que nada mais estivesse aí previsto que não a cura das
"Nisto nós certamente divergimos," disse Mr. Lydgate. Mas não la-
mentou que a porta agora fosse aberta, e anunciassem Mr. Vincy. Este
de que tinha visto Rosamond. Não que, como ela, ele andasse a tecer
vai jantar onde possa vê-la de novo. Antes de ele despedir-se, Mr. Vincy
havia feito este convite pelo qual "não se apressara nada," pois Rosamond
"Não, não; não tenho opinião sobre este sistema. A vida precisa de
146
GEORGE ELIOT
um bom recheio," disse Mr. Vincy, incapaz de omitir sua teoria portátil.
toda irrelevância, "o que aqui me trouxe para conversar foi um pequeno
"Espero que não desta vez." (Mr. Vincy estava decidido a ser bem
guém andou inventando uma história, por despeito, e foi contá-la para o
vel que lhe deixe alguma coisa polpuda; de fato, chegou mesmo a dizer
ao Fred que pensa deixar suas terras para ele, e isto causa ciúme em
outras pessoas."
minha parte no tocante ao rumo que tem seguido com seu filho mais
velho. Foi por pura vaidade mundana que você o destinou à Igreja: com
uma família de três filhos e quatro filhas, não estava autorizado a consa-
grar dinheiro a uma educação dispendiosa que não deu em nada, a não
do as conseqüências."
mente se eximia, mas Mr. Vincy não estava igualmente preparado para
tem noção de sua importância num contexto de coisas que parece rele-
"Quanto a isto, Bulstrode, não adianta voltar atrás. Não sou um dos
to era inteligente. Meu pobre irmão estava na Igreja, e iria sair-se bem
essa altura poderia ser um deão. Creio estar justificado no que tentei
fazer pelo Fred. E, como você toca em religião, parece-me que um ho-
mem não deveria querer cortar de antemão seu mirrado naco de carne:
MIDDLEMARCH
147
sentimento britânico, este de fazer um esforço para tentar criar sua famí-
lia: na minha opinião, é dever de um pai dar a seus filhos uma boa opor-
tunidade."
"Não desejo agir a não ser como o seu melhor amigo, Vincy, quando
eu digo que tudo isto que você manifesta agora é uma só massa de
"Muito bem," disse Mr. Vincy, numa forte emoção, a despeito das
que é mais, não vejo ninguém que não seja mundano. Suponho que
voce não faça seus negócios com base no que chama de princípios não
que, acabado seu sanduíche, jogara-se outra vez em sua cadeira, a prote-
mencionando você como fonte, que o Fred pegou ou vem tentando pe-
gar dinheiro emprestado por conta das terras dele. claro que você nun -
ca disse um tal absurdo. Mas o velho insiste que o Fred lhe leve um
dizendo que você não acredita numa palavra desta bobagem, nem que
ele pegou nem que tenha tentado pegar desta maneira, como um bobo.
perspectivas futuras, ou mesmo de que alguém não possa ter sido sufici-
loucuras no mundo."
tio. Ele não mente. Não que eu o queira fazer melhor do que é. já o
espremi bastante - ninguém pode dizer que eu feche os olhos para suas
a dizer, pondo uma pedra em seu caminho, que não acredita em tal
desmando dele, posto que não tenha uma boa razão para acreditar."
148
GEORGE ELIOT
"Não estou de todo certo de que eu deva apoiar seu filho aplainan-
do-lhe o caminho para a futura posse da propriedade de Featherstone.
Não posso olhar a riqueza como uma bênção para aqueles que a usam
simplesmente como colheita para este mundo. Sei que não gosta de
ouvir essas coisas, Vincy, mas nesta ocasião sinto-me obrigado a dizer-
lhe que não tenho motivos para favorecer uma disposição da proprieda-
de como esta a que você se refere. Não me furto a afirmar que ela não vai
servir ao bem-estar eterno de seu filho nem à glória de Deus. Por que
então você espera que eu redija esta espécie de testemunho, que não
legado?"
"Se você quer impedir todo mundo de ter dinheiro, a não ser os
nada mais tenho a dizerf explodiu Mr. Vincy, com muita aspereza. "Pode
verde que lhe são fornecidos pela manufatura de Brassing; corantes que
estragam a seda, por tudo que eu sei. Se outras pessoas soubessem tão
bem assim que o lucro vai para a glória de Deus, talvez pudessem ficar
muito falando desta maneira, Vincy. Não espero que compreenda meus
em mente, por favor, que estendi minha tolerância a você como irmão de
minha esposa, e que pouco lhe convém queixar-se de mim por recusar
ajuda material para garantir a posição social de sua família. Devo lembrá-
lo que não foi sua prudência nem seu discernimento que o capacitou a
"Bem provável que não; mas você por enquanto nada perdeu com
meu negócio," disse Mr. Vincy, profundamente irritado (um efeito que
se casou com Harriet, não vejo como pudesse esperar que nossas famí-
social, é melhor que o diga. Eu por mim nunca mudei: sou hoje um
MIDDLEMARCH
149
mais. Estou contente de não ser pior que os vizinhos. Mas diga-me, se
você quer mesmo que nós caiamos na escala. Eu saberei melhor o que
fazer então."
"Não faz sentido esta conversa. Vocês vão descer na escala social se
sua parte a recusa. Tais coisas podem ser alinhadas com a religião, mas
que não originou a calúnia. E esse tipo de coisa - esse espírito tirânico,
mente doloroso para Harriet e para mim também," disse Mr. BuIstrode,
- que nós sejamos amigos. Não lhe tenho rancor; não penso mal de
diante, como você, acredita em sua religião seja o que for que aconteça:
nada lhe impediria de girar seu capital com a mesma rapidez blasfeman-
então não ficará satisfeito. Mas você é o marido de minha irmã, e nós
do-se a prestar ao Fred uma boa ajuda. E não posso dizer que eu tam-
com firmeza para seu cunhado, querendo demonstrar que aguardava uma
resposta definitiva.
Não era a primeira vez que Mr. BuIstrode começava por admoestar
da cena. Mas uma fonte bem provida há de ser generosa com suas águas
até mesmo na chuva, quando as águas são mais que inúteis; de igual
150
GEORGE EIAOT
"Vou refletir um pouco, Vincy. Vou conversar sobre este assunto com
Harriet. Provavelmente mando para você uma carta."
"Está bem. O mais rápido que puder, por favor. Espero que tudo
CAPITULO XIV
jado, pois cedo na manhã seguinte veio uma carta que Fred poderia
como Mary Garth não pudesse ser vista na sala em baixo, Fred foi logo
do numa guarda do leito, era tão capaz como sempre de deleitar-se com
152
GEORGE ELIOT
frustrá-la. Ele pôs os óculos para ler a carta, franzindo os lábios e esti-
que belas palavras o homem usa! tão bom como um leiloeiro! - de que
seu filho Frederic não obteve nenhum adiantamento em dinheiro por conta de
disse que eu prometi algum dia? não prometi nada - e farei codicilos
pudesse tentar - ah, mas o cavalheiro não diz que você é um rapaz sensato
nunca
fiz declaração alguma alegando que seu filho houvesse obtido empréstimos por
conta de quaisquer bens que lhe venham a caber em direito por legado de Mr.
advogado Standish não é ninguém perto dele. Não poderia falar melhor,
por cima dos óculos para Fred, enquanto lhe devolvia a carta com um
gesto desdenhoso, "você não pensa que eu acredite numa linha que seja,
muito provável que a negativa de Mr. BuIstrode seja tão boa quanto a
não dar vazão à irritação que sentia. "Vim trazer-lhe a carta. Se me per-
"Não, não, ainda não. Toque a sineta; quero que a menina suba."
"Que negócio foi este de ela ter de sair?" Quando Mary chegou, ele
"Será que não podia ficar sentada quieta aqui até eu mandar você
embora? Vamos, quero meu colete. Eu sempre lhe disse para deixá-lo na
cama."
chorado. Nesta manhã, estava claro que Mr. Featherstone se achava num
MIDDLEMARCH
153
teria preferido ser livre para atirar-se sobre o velho tirano e dizer-lhe
que
Mary Garth era boa demais para ficar à sua mercê. Fred se levantou
quando ela entrou no quarto, no entanto ela mal o havia notado, pois se
que palavras. Nisto que ela ia apanhar num cabide o tal colete, Fred
acrescentou quando o colete já estava posto a seu lado. Era comum que
molho de chaves e lentamente fez surgir uma caixinha que estava em-
"Está esperando que eu lhe dê uma pequena fortuna, não é?" disse
ele, olhando bem por cima dos óculos e, no ato de abrir a tampa, paran-
do um pouco.
"De modo algum. O senhor já foi muito bom quando outro dia falou
vel que uma coisa ou outra - não era obrigatório que ele soubesse o
com um macinho de notas; Fred pôde ver nitidamente que eram apenas
154
GEORGE ELIOT
ção. Mas talvez cada uma, quem sabe, fosse de cinqüenta libras. Pegou-
as, dizendo:
temente pensar em seu valor. Mas isto não agradou a Mr. Featherstone,
"Não acha que vale a pena contá-las? Você pega dinheiro como um
Fred porém não ficou lá tão feliz, depois que as contou de fato. Pois na
lhando isto, o absurdo e o ateísmo o ameaçam por trás. Foi grave o golpe
para Fred, quando ele descobriu não ter mais que cinco notas de vinte, e sua
parte da educação superior deste país não parecia ajudá-lo. Não obstante
"Creio que sim," disse Mr. Featherstone, trancando seu cofre, pondo-o
outra vez onde estava, depois então tirando os óculos, de um modo bem
"Manco-lhe senhor, que estou muito gratof disse Fred, que já ti-
"Como aliás devia estar. Você pretende fazer boa figura no mundo, e
nele, e de que este rapaz esperto, por fazê-lo, na verdade era um tolo.
Poucos homens têm sido mais tolhidos que eu," disse Fred, com certa
com que era tratado. "Realmente não é nada agradável ter de ir à caça
num cavalo sem fôlego, e ver homens, que não sabem sequer pela meta-
dejul ar tão bem como a evente canazes de Jogar dinheiro fora compran-
libras dão para isto, creio - e assim ainda lhe sobram vinte para você se
MIDDLEMARCH
155
"Ah, talvez melhor como tio que o seu bom tio BuIstrode, de cujas
especulaçäes, penso, você não vai tirar muito. Aliás, pelo que ouvi dizer,
ele amarrou seu pai pelo pé, e com corda forte, não foi?"
brem, sem que ele fale. Ele nunca terá muito o que lhe deixar: tudo indi-
ca que há de morrer sem testamento - é o tipo do homem para tanto -
por mais que eles o queiram fazer prefeito de Middemarch. Você porém
não ganhará grande coisa se ele morrer sem testamento, apesar de ser o
Fred pensou que Mr. Featherstone nunca havia sido tão desagradá-
vel antes. Em verdade, nunca antes ele lhe havia dado, de uma só vez,
tanto dinheiro.
"O senhor acha que eu devo destruir esta carta de Mr. BuIstrode;`
"Ah, sim, não a quero mesmo! Para mim não vale dinheiro algum."
satisfação. Estava doído para sair dali, mas sentia-se um pouco envergo-
nhado, quer perante seu ser interior, quer perante o tio, de se afastar do
e Fred, para seu indizível alívio, foi dispensado com a injunção de apare-
Doido por ver-se livre do tio, ele também o havia estado para encon-
trar Mary Garth. Ela agora se achava em seu lugar costumeiro perto da
" para eu subir?" disse ela, que já se erguia quando Fred entrou.
va tratando com mais indiferença que de costume: ela não sabia o quan-
tão grave quanto Mr. John Waule, que esteve aqui ontem, e sentou-se
156
GEORGE EnOT
"Pois eu não sabia. E para mim é uma das coisas mais odiosas na
vida de uma moça, que sempre tenha de haver alguma suposição sobre a
existência de amor entre ela e qualquer homem que é gentil com ela, e a
quem ela é grata. Agradar-me-ia pensar que eu, ao menos, pudesse ficar
"Que diabos o levem, este John Waule! Eu não queria. deixar você
zangada. Nem sabia que tivesse razäes para lhe ser grata. Esquecia-me
de que grande serviço pensa que é, se é alguém acende para você uma
vela." Fred também tinha o seu orgulho, e não ia demonstrar que sabia
"Oh, não estou zangada, a não ser com as maneiras em voga. Gosto que
se dirijam a mim como se eu tivesse bom senso. Realmente sinto com fre-
qüência que eu poderia entender um pouco mais do que sempre ouço até
"Não me importo que esta manhã você ainda ria à minha custa," disse
Fred, "achei que parecia tão triste quando esteve lá em cima. uma ver-
gonha que você tenha de ficar aqui para ser maltratada desse modo."
mas não dou para isto: tenho a mente por demais afeiçoada a vagar a seu
fazer aquilo por que nos pagam, nunca realmente o fazendo. Aqui posso
desincumbir-me de tudo tão bem como qualquer outra; talvez até melhor
do que algumas - Rosy, por exemplo. Muito embora ela seja justamente
esse tipo de bela criatura que, nos contos de fadas, é aprisionada com
ogres."
"Ora esta, Fred!" disse Mary enfaticamente; "você não tem o direito
"Oh, que eu sou ocioso e extravagante! Bem, eu não dou para ser
"Teria feito o seu dever nesta condição de vida à qual não aprouve a
"Bem, eu não poderia fazer o meu dever como clérigo, como você
não faria o seu como governanta. Nisto você devia ter um pouco de
MIDDLEMARCH
157
"Eu nunca disse que você devia ser clérigo. Há outros tipos de traba-
lho. O que a mim parece horrível é não se decidir por um rumo e agir de
se contra a lareira.
.Não disse isto. Você está querendo brigar comigo. uma lástima
"Como posso querer brigar com você! Eu deveria estar brigando é com
meus livros novos," disse Mary, erguendo o volume que estava na mesa.
"Você, por pior que tenha sido para outras pessoas, para mim é born."
"Porque eu gosto mais de você que qualquer outro. Sei porém que
me despreza."
nação de cabeça.
"Suponho que uma mulher nunca sinta amor por alguém que ela
"U
tas vezes sente. E sempre algum sujeito novo que impressiona uma moça."
parece um exemplo do que você diz. Mas também Ofélia, que provavel-
cia Mordaunt Merton desde que os dois eram crianças; mas no mais
tendo ele sido, ao que parece, um estimável rapaz; já Minna estava ain-
uma novidade para Flora Maclvor; mas nem por isto ela se apaixonou
dizer que elas caíram de amor por homens novos .2 Minha experiência,
de The Pirate
(1814), também
de Scott.
Oliver GoIdsmith;
158
GEORGE ELIOT
Foi com certa malícia que Mary olhou para Fred, e este olhar tão
dela, para ele era muito caro, embora os olhos nada fossem além de
claras janelas onde a observação se punha aos risos. Ele decerto era um
o amor que ele sentia pela antiga amiguinha, não obstante aquela parte
classe a exacerbarem-se.
"Quando um homem não é amado, de nada lhe adianta dizer que ele
podia ser uma pessoa melhor - que podia fazer fosse o que fosse - se
"Nada de menos útil no mundo, para ele, do que dizer que podia ser
"Não vejo como um homem possa ser bom de fato, a menos que
"Pois eu creio que a bondade deveria vir antes de ele esperar por
isto."
"E você ainda sabe mais, Mary. Não é pela bondade dos homens que
"Talvez não. Mas, se acaso os amam, nunca pensam que eles são
maus."
condiçäes de casar."
"Se eu lhe amasse, não iria querer casar com você: certamente não
"Você quer dizer, assim como eu sou, sem meios de manter uma
"Neste último ponto você há de alterar-se. Mas não estou assim tão
segura de qualquer outra alteração. Diz meu pai que um homem ocioso
"Não; pensando bem, creio que faria melhor se passasse em seus exa-
qw
MIDDLEMARCH
159
", é tudo ótimo. Qualquer coisa para ele é fácil. E não que a inteli-
gência tenha alguma coisa a ver com isto. Sou dez vezes mais inteligente
por dez, e o quociente - meu Deus! - fica apto a colar grau. Mas
isto na verdade só mostra que você é dez vezes mais vadio que os
outros."
"Não é esta a questão - o que eu quero que você faça. Você tem sua
própria consciência, suponho eu. Mas olhe lá! lá vem Mr. Lydgate. Te-
"Mary," disse Fred, pegando sua mão enquanto ela se levantava; "se
você não me der algum estímulo, ao invés de melhor hei de ficar pior."
seus amigos nem os meus gostariam. Meu pai consideraria uma desgra-
quisesse trabalhar!"
porta, mas ai se virou e disse: "Fred, você foi sempre tão bom, tão
generoso para mim. Não sou uma ingrata. Mas nunca me fale deste
modo de novo."
"Está bem," disse Fred amuado, pegando seu chapéu e o chicote. Sua
tinha dinheiro! Mas, contando com as terras de Mr. Featherstone por trás,
Ao chegar em casa, deu à sua mãe quatro das notas de vinte, pé-
dindo-lhe que as guardasse para ele. "Não quero gastar este dinheiro,
mãe. Quero-o para pagar uma dívida. Ponha-o pois a salvo dos meus
dedos."
mente seu filho mais velho e a filhinha mais nova (uma menina de seis
anos), que outros consideravam seus dois piores rebentos. Nem sem-
pode julgar melhor, dentre suas crianças, qual a mais terna e de cora-
ção mais filial. Certamente Fred adorava sua mãe. E talvez fosse sua
160
GEORGE ELIOT
mente ansioso para obter alguma segurança contra sua própria tendên-
cia a esbanjar as cem libras. Pois o credor a quem ele devia cento e
CAPITULO XV
Guide me to my treasure:
Many-namŠd NatureP"
Na perecível beleza,
162
GEORGE ELIOT
mente dos capítulos iniciais dos sucessivos livros de sua história, onde
dias eram mais longos (pois o tempo, como o dinheiro, é medido por
humanos e vendo como eles foram tecidos e entretecidos, que toda a luz
que posso conduzir deve estar concentrada nesta trama específica, e não
universo.
melhor conhecido por quem nele tinha interesse do que talvez ele pudes-
se ser mesmo por aqueles que o viram com maior freqüência desde o
ca, dava a entender que grandes coisas se esperavam dele. Pois o dou-
tes, e inatacável por qualquer objeção, a não ser que às intuiçäes das
clientes opunham-se outras igualmente fortes; pois cada uma das se-
MIDDLEMARCH
163
nome de insurreição, não devesse abrir fogo com cartuchos sem bala,
lidade é tudo o quanto pode ser dito sobre quaisquer talentos vivos.
Mr. Lydgate poderia ter conhecido até mesmo o Dr. Sprague e o Dr.
que muitos homens não são muito comuns - em que esperam realizar
militar, fizera pouca provisão para três filhos, e quando o jovem Tertius
pediu para estudar medicina, seus tutores julgaram mais fácil atender
foi um desses raros adolescentes que bem cedo seguem uma inclinação
eles gostariam de fazer por amor, e não porque seus pais a fizeram. Qua-
tos nos sentávamos para ouvir a nova conversa ou, pela própria falta de
livros, começávamos a ouvir vozes interiores, o primeiro começo
adquirida, e que a
personifica.
164
GEORGE ELIOT
guma coisa ele tinha de ler, quando não estava montando o pônei, nem
isto com ele, em seus dez anos de vida, era verdade; já havia lido a essa
era leite de infantes, nem uma branquicenta mistura prevista para passar
por leite, e já lhe havia ocorrido que os livros eram uma boa droga, e a
vida era uma bobagem. Seus estudos na escola não modificaram muito
esta opinião, pois, embora ele tivesse Mado" matemática e.os clássicos,
em nenhuma das duas áreas foi preeminente. Dele era dito que Lydgate
poderia fazer qualquer coisa que quisesse, mas que certamente ele não
tinha ainda querido fazer alguma coisa notável. Era um animal vigoroso
que o necessário para a vida de adulto. bem provável que este não
fosse um produto raro da educação dispendiosa nesse período de casa-
cos curtos na cintura e outras modas que ainda não voltaram. Mas, nu-
procurar mais uma vez algum livro que pudesse ter novo interesse para
ele: em vão! a não ser, de fato, que ele apanhasse uma série de volumes
prateleira mais alta, e ele subiu numa cadeira para alcançá-los. Abriu
ler numa atitude improvisada, justamente onde talvez não pareça con-
Não tinha muita intimidade com válvulas de nenhum tipo, mas sabia
que valvae eram portas de dois batentes, e por esta greta veio uma súbita
luz que lhe imprimiu sua primeira vívida noção do mecanismo perfeita-
(1726), de jonathan
Chartes Johnston,
"N
MIDDLEMARCH
165
modo que por tudo quanto sabia seu cérebro ficava em pequenas bolsas
nas têmporas, e ele não tinha mais idéia de como representar para si
por aquela ignorância palavrosa que ele havia suposto ser conhecimen-
to. A partir desta hora Lydgate sentiu o crescimento de uma paixão inte-
lectual.
co; pois talvez seu ardor na lida generosa e não paga tenha esfriado tão
um dia seu mais primevo ser entrou como um fantasma na antiga casa e
rança para ele, porque seu interesse científico logo tomou a forma de um
"1
166
GEORGE ELIOT
tudar em Paris com a determinação de que ao voltar para casa iria esta-
seu trabalho. Pois deve ser lembrado que este era um período de trevas;
rante a opinião pública pelo Colégio de Facultativos, que dava sua san-
que poderia talvez ter mais melhoras com mais drogas ainda, desde que
vacinas, a que
MIDDLEMARCH
167
mudanças, pareceu a Lydgate que uma mudança nas unidades era o
modo mais direto de mudar os números. Pretendia ele ser uma unida-
as, e que teria enquanto isso o prazer de fazer vantajosa diferença para
as vísceras dos seus pacientes. Mas ele não visava somente a um tipo
descobertas.
com efeito, pouco sabe dos grandes originadores até que eles tenham sido
não tocou ele num órgão de igreja de província, e não deu aulas de música
Sumidades tinha de se mover pela Terra entre vizinhos que talvez pensas-
sem muito mais no seu jeito de andar e suas roupas do que em qualquer
outra coisa que estivesse para intitulá-la à duradoura fama: cada um deles
sórdidos cuidados, que fazia a fricção de retardo no seu trajeto para atin-
gir a companhia final dos imortais. Lydgate não era cego aos perigos desta
possível: estando com vinte e sete anos, sentia-se experiente. E não iria
exibidos na capital, mas sim viver entre pessoas que não poderiam rivali-
zar com essa realização de uma grande idéia que seria um objetivo parale-
quisas. Não era esta a típica superioridade de sua profissão? Ele seria um
pista de amplas investigaçäes. Num ponto ele já podia muito bem preten-
der aprovação nesta etapa particular de sua carreira; não queria imitar o
68
GEORGE ELIOT
ou que são sócios de um antro de jogatina a fim de terem tempo livre para
uma concepção anatämica. Uma destas reformas era agir em estrita obe-
diência a uma recente decisão legal, apenas receitando mas não preparan-
víncia, isto era uma inovação, e seria sentido como crítica ofensiva por
bastante sensato para ver que sua maior garantia de uma prática honesta
contrário.
à parte e, depois, por assim dizer, em estado federativo; mas devem ser
mäes etc., - assim como as várias partes de uma casa são construídas
MIDDLEMARCH
169
partes - o que são suas fraquezas e o que seus reparos, sem conhecer a
rua escura iluminada a óleo, revelando novas ligaçäes e fatos até então
tava a fazer todo um trabalho científico que poderia ser encarado como
outra mente dissesse: não têm tais estruturas alguma base comum da
to do homem. Trabalho que ainda não fora feito, mas somente prepara-
do para aqueles que soubessem como usar a preparação. Qual foi o teci-
anos, sem nenhum vício arraigado, com uma resolução generosa de que
sua ação fosse beneficente, e com idéias na cabeça que tornavam a vida
sua clientela. Ele estava naquele ponto de partida que faz de muitas car-
70
GEORGE UM
não perca seu interesse por ele, espero, em razão dos defeitos! Em meio
Todas estas coisas podem ser alegadas contra Lydgate, mas considere-se
que elas são as perífrases de um pregador polido, que fala de Adão, mas
por seus bancos na igreja. Os defeitos particulares dos quais são destila-
das estas generalidades diáfanas têm fisionomia, dicção e trejeitos
sentindo-se bem certo de que não conseguiriam ter poder sobre ele: tinha
que tinha uma bela voz de barítono, cujas roupas caíam bem e que mes-
tão bem nascido, tão ambicioso de distinção social, tão generoso e incornum
assunto que não domina, ou como um homem que, como tantos, tem a
MIDDLEMARCH
171
maior boa vontade para apressar o milênio social pode ser mal inspirado
niência de ser sabido (sem que ele mesmo contasse) que era mais bem
nascido que outros cirurgiäes da província. Não pretendia, por ora, pensar
cabeça, por impetuosa loucura que esperava fosse a última, posto que o
so. Para quem queira conhecer Lydgate será bom saber que caso de lou-
cura impetuosa foi este, pois o mesmo pode ficar como exemplo de uma
inconstância na direção das paixäes a que ele estava sujeito, junto com a
sitava, ele deixou seus sapos e coelhos repousando um pouco dos testes
que já tinha visto várias vezes; não atraído pelo engenhoso trabalho dos
co-autores da peça, mas por uma atriz cujo papel era esfaquear seu aman-
mulher à qual jamais espera falar. Era uma Provençale, de olhos negros,
perfil grego, formas roliças e majestosas, tendo esse tipo de beleza que
mulher. como se sob a brisa do ameno sul ele se jogasse por um momen-
172
GEORGE ELIOT
retornaria em seguida. Mas esta noite o velho drama teve uma nova
seu marido, que tombou como mandava a morte. Um grito feroz atra-
pedidos na peça, mas desta vez a perda dos sentidos fora real também.
De um salto Lydgate subiu, e nem bem soube como, para o palco, e foi
com a história desta morte: - foi crime? Alguns dos mais calorosos
ainda mais por isto (tal era o gosto da época); mas Lydgate não era um
xão impessoal que antes sentira pela sua beleza transformara-se agora
jovem casal se amava muito; e não era coisa sem precedentes que um
altura Lydgate havia tido várias entrevistas com ela, e achado-a cada vez
mais adorável. Ela falava pouco; o que era um charme adicional. Andava
onde teria sido ainda mais popular pelo fatal episódio, ela deixou Paris
guém talvez a procurou muito longe, a não ser Lydgate, que sentia toda
golpeada por uma dor sempre emática, e ela mesma em emanças, sem
que encontrasse um fiel consolador. Atrizes ocultas, todavia, não são tão
muito tempo antes de Lydgate juntar indicaçäes de que Laure tinha to-
que nunca como uma mulher abandonada que levava o filho nos braços.
Falou com ela depois da peça, foi recebido com a quietude usual, que
lhe parecia tão bela quanto o fundo da água clara, e obteve permissão
MIDDLEMARCH
173
adorava e a pedir que ela se casasse com ele. Bem sabia que era como o
tuais fraquezas. Não importava! Era a coisa que estava resolvido a fazer.
Ele aparentemente tinha em seu íntimo dois seres, os quais deviam apren-
estranho como alguns de nós, com visão rápida e alternada, vemos além
Abordar Laure com uma proposta que não fosse de terna reverência
teria sido simplesmente uma contradição com todos os sentimentos que
para ele com olhos que pareciam espantar-se tanto como se espanta
"Vim porque não podia viver sem tentar vê-la. Você está só; amo-a;
quero que consinta em ser minha esposa: hei de esperar, mas quero que
emergir das grandes pálpebras, até ele se encher de uma arrebatada cer-
"Vou-lhe dizer uma coisa," disse ela ao seu jeito de arrulhos, man-
mais a você."
Laure fez uma pausa e disse então bem devagar: "Eufiz depropósito."
Lydgate, homem forte como era, ficou pálido e trêmulo: momentos pa-
"Havia então um segredo," disse por fim, não sem veemência. "Ele
"Oh, Senhor Deus!" disse Lydgate num gemido de horror. "E você
planejou assassiná-lo?"
sos broncos.
174
GEORGE ELIOT
de seu coração e a crença de que tornar a vida humana melhor era possí-
vel. Mas tinha mais razão do que nunca para confiar em seu discernimento,
veis moradores locais, com efeito, não se davam mais do que os mortais
mento muito vago do modo pelo qual a vida o estivera até então forjan-
CAPÍTULO XVI
muita luz sobre o poder exercido na cidade por Mr. BuIstrode. O ban-
ção e, mesmo dentre os que o apoiavam, alguns permitiam ver que seu
176
GEORGE ELIOT
mação de Stubb sobre o lugar onde ela estendia roupa, e até iria esmiu-
çar em pessoa uma calúnia contra Mrs. Strype. Seus pequenos emprésti-
ter deste modo, além de certo domínio sobre a esperança e o medo dos
to possível, para que ele pudesse usá-lo para a glória de Deus. Passava
determinar seus motivos e deixar para si mesmo bem claro o que a glória
de Deus queria. Mas seus motivos, como vimos, nem sempre eram de-
sas; e que tinham forte suspeita, sendo Mr. BuIstrode incapaz de gozar a
vida à mesma moda que elas, por comer e beber assim tão pouco, sem-
pre se molestando com tudo, de que ele devia dar-se a uma espécie de
BuIstrode não impediram certa liberdade ao falar, como ele pôde perce-
ber, até mesmo por parte do dono da casa, cujas razäes contra a solução
proposta giravam exclusivamente em torno de sua objeção aos sermäes
de Mr. Tyke, que eram pura doutrina, e sua preferência pelos de Mr.
"Mas então que posição você vai assumir?" disse Mr. Chichely, o
"Oh, ainda bem que eu não sou mais Diretor! Vou votar para que o
MIDDLEMARCH
177
cidade, e depois para Lydgate, que se sentava do outro lado. "Os senho-
çäes, de modo geral, costumam muito ser feitas por uma questão de
uma reforma, constata-se que o único jeito seria aposentar as boas pes-
despiu de toda expressão seu rosto grande, pesado, e olhou para o seu
copo de vinho enquanto Lydgate falava. Algo mais, além do que havia
mente mal recebido por um médico cuja reputação se firmara trinta anos
bem de espécie não taxada que não e nada agradável ver depreciado.
do grupo. Mr. Vincy disse que, se pudesse resolver à sua maneira, não
"· breca com essas suas reformas!" disse Mr. Chichely. "Não há maior
uma manobra para encaixar outros homens. Espero que o senhor não
muito
lido por George Eliot como fonte para o preparo destes capítulos.
178
GEORGE ELIOT
ria mencionar um ou dois pontos nos quais Wakley está com toda a
razão."
"Oh, está bem" disse Mr. Chichely, "não acuso ninguém por querer
do formação jurídica."
torna
de outro tipo. As pessoas falam de depoimentos como se essas " coisas real-
mente pudessem ser pesadas na balança por uma justiça cega. Não há ho-
mem capaz de julgar o que seja um bom depoimento sobre qualquer assun-
não é nada melhor do que uma velha senhora para um exame post-mortem.
Como pode ele saber a ação de um veneno? Seria o mesmo que dizer que
"O senhor está ciente, suponho, de que a tarefa do perito legista não
"A qual muitas vezes é quase tão ignorante quanto o próprio legista,"
venha a perder os serviços do meu amigo Chichely, ainda que possa ter
sempre se fica mais seguro. Ninguém pode saber tudo. E quase tudo é
preciso é que se conheça a lei. Mas, venham cá, que tal se nos fôssemos
juntar às damas?"
MIDDLEMARCH
179
nada, mas sua intenção não fora ser pessoal. Esta era uma das dificulda-
vez que a própria Mrs. Vincy presidia a mesa de chá. Nunca ela renuncia-
família, bondoso e viçoso, com seus cordäes cor de rosa flutuando muito
nos lábios e pálpebras. Rosamond podia dizer a coisa certa; pois era
todos os tons. Felizmente nunca tentava fazer graça, e esta era talvez a
A conversa entre ela e Lydgate fluiu logo. Lamentou este que a não
tivesse ouvido cantar no outro dia em Stone Court. Ir ouvir música era
o único prazer que ele se permitia durante a última parte de sua estada
em Paris.
melodias; mas a música que ignoro de todo de que não tenho a menor
bons músicos por aqui. Conheço apenas dois senhores que cantam ra-
zoavelmente."
raros sorrisos. "Mas nós estamos falando muito mal dos vizinhos."
180
GEORGE ELIOT
Já quase Lydgate se esquecia de que era preciso sustentar a conver-
sa, pensando quão adorável era a criatura ela mesma, dir-se-ia que ves-
encanto maduro de quem era senhora de si. Desde que vivera sua me-
cio dos olhos muito grandes: não mais o atraía a vaca divina, tipo do
nossa igreja de St. Peter é um bom músico, e continuo a estudar com ele."
"Muito pouco." (Uma garota mais ingênua teria dito: "Oh, tudo!"
um pouco o pescoço e ergueu a mão para tocar nas suas tranças fantás-
ticas - gesto que lhe era tão habitual e gracioso como qualquer movi-
mento de uma gatinha com a pata. Não que Rosamond fosse uma gata;
lo, se não vai-lhe fazer mal aos nervos," disse Rosamond e moveu-se
para o outro lado da sala, onde Fred, tendo aberto o piano a pedido do
MIDDLEMARCH
181
zes, desses que passam nos exames, às vezes fazem tais coisas, não meno
"Por favor, Fred, adie para amanhã seu exercício; você vai deixar M
"Agora sim, Rosy!" disse Fred, que pulou fora do banco e girou-o
para ficar mais alto para ela, em calorosa expectativa de fruição. "Primei
de assustar, ouvido pela primeira vez. Uma alma oculta parecia emanar
nas. Lydgate, totalmente tomado, começou por sua vez a tomá-la por
algo muito incomum. Afinal de contas, pensava, não há por que sur-
olhar para ela, ficara pois ali sentado, e nem sequer se levantou para
lhe fazer elogios: deixou a tarefa para outros, agora que sua admiração
se aprofundara de todo.
por Aí;" pois os mortais têm de partilhar modas de sua época, e nin-
guém, a não ser os próprios antigos, pode o tempo todo ser clássico.
Mas Rosamond poderia cantar "Susan de Olhos Negros," sem fazer feio,
olhos pela sala. A mãe, sentada com a filha mais nova no colo, como
182
GEORGE ELIOT
quinhão feliz, que tornavam excepeional uma casa na maioria das cida-
uíste, e ainda agora as mesas de jogo estavam postas, fazendo com que
quarenta anos, cujo hábito negro estava muito surrado: todo seu bri-
interessarrio-nos por todo novo conhecido até que ele tenha visto tudo
e dizendo: "Bem, vamos então passar ao sério! Mr. Lydgate? não joga?
Ah, o senhor ainda é muito jovem e ágil para esse tipo de coisa."
culto o clérigo cuja capacidade causava tanta aflição a Mr. BuIstrode pa-
recia ter encontrado um lugar que era compatível com ele. E em parte
entendia isto: o bom humor, a boa aparência dos idosos e jovens, as mil
Tudo ali parecia alegre e viçoso, exceto Miss Morgan, que era more-
na, insípida, resignada e, no todo, como dizia muitas vezes Mrs. Vincy, o
tipo de pessoa para ser governanta. Lydgate não tencionava fazer muitas
MIDDLEMARCH
183
disse Lydgate. "Mas já notei que cada qual sempre acha que não existe
cidade mais ignorante que a sua. Quanto a mim, decidi aceitar Midde-
mesmo modo. Aqui sem dúvida já encontrei alguns encantos que são
"Dançar por acaso lhe desperta algum interesse? Não sei ao certo se os
sorriso. "Eu ia apenas dizer que às vezes organizamos uns bailes e que-
ria saber se se sentiria ofendido, caso fosse convidado a um deles."
que era o de um ás, e também seu rosto, que era uma mistura chocante
tanto quis um copo d"água somente. Ele estava ganhando, mas nada
direção à torre de St. Botolph, a igreja de Mr. Farebrother, que à luz das
resumia-me a quatrocentas libras por ano. Era o que Lydgate tinha ouvi-
teria importância para Mr. Farebrother; pensava: "Ele parece uma pes-
soa muito agradável, mas BuIstrode pode ter lá suas razäes." Muitas
coisas ficariam mais fáceis para Lydgate se Mr. BuIstrode lhe acabasse
184
GEORGE Ei,,iOT
que houvesse irrompido em sua vida alguma nova corrente. Por ora ele
não podia casar-se; por muitos anos não queria casar-se; não estava por
que admirou por acaso. Era enorme a admiração que sentia por
Rosamond; mas aquela loucura que por causa de Laure se apossara dele,
tempos atrás, não deveria voltar a ocorrer a seu ver em relação a nenhu-
fazê-lo por uma criatura assim como Miss Vincy, que possuía justamente
vida e abrigada num corpo que exprimia isto com uma força de demons-
certo de que, se jamais se casasse, sua esposa teria esse fulgor de mu-
lher, essa feminilidade distintiva que deve ser classificada com as flores e
a música, essa espécie de beleza que por sua própria natureza era virtuosa,
Mas - como ele não pretendia casar-se nos próximos cinco anos
- sua obrigação mais premente era dar uma olhada no novo livro de
tifo e a febre tifóide. Foi para casa e leu até o raiar da aurora, abordan-
detalhes bem mais profunda do que jamais ele julgara necessário apli-
Louis.
MIDDLEMARCH
185
o, esta sim, a própria árdua invenção que é o modo de ver que a pesquisa
infeliz.
de costas após um nado exaustivo, por assim dizer, para boiar no repou-
estudos, e algo assim como pena dos homens de menor sorte que não
"Se eu não tives se tornado este destino quando ainda era garoto,"
nada para isto como a medicina: pode-se ter a vida científica exclusiva
186
GEORGE ELIOT
gens da noite. Imagens que lhe flutuavam na mente de modo bem agra-
absorvia no amor por seu trabalho e na ambição de tornar sua vida reco-
nhecida como um fator de progresso para a vida de toda a humanidade
cada um no seu mundo, do qual nada sabia o outro. Não havia ocorri-
nem dispunha de razäes para encarar seu casamento tão-só como pers-
ses e olhares que são parte ponderável na vida de quase todas as mo-
ças. Ele não tinha pretendido olhar para ela, nem falar-lhe, com mais
mundo: sem dúvida ele tinha uma profissão e era inteligente, bem como
MIDDLEMARCH
187
pedir-lhe-ei que use com um pouco mais de rigor seu poder de compa-
tido alguma vez influência análoga. Nossas paixäes não vivem em com-
pas de idéias, trazem suas provisäes para uma mesa comum e comem
respectivo apetite.
com Tertius Lydgate como ele era em si mesmo, mas em sua relação
para com ela; e era perdoável, numa garota acostumada a ouvir que
seria exceção. Seus olhares e palavras significavam mais para ela que
os de outros homens, porque ela lhes dava mais atenção: neles pensa-
amigos, praticando sua música e da manhã à noite sendo ela mesma seu
não eram tão bons, e sabia de cor muitos poemas. Seu favorito era "Lalla
Rookh."I
"A melhor garota do mundo! Feliz será o homem que a tiver!" era o
romance.
188
GEORGE ELIOT
extremos de ridículo, pois de que serviriam tantos dons que seriam pos-
tos de lado tão logo ela estivesse casada? Já sua tia BuIstrode, que era de
uma lealdade fraterna com a família do irmão, tinha dois sinceros dese-
jos para Rosamond - que ela viesse a mostrar um espírito com inclina-
CAPÍTULO XVII
do; e havia, nos panos das paredes, velhos espelhos para refleti-los, bem
lo havia três senhoras que eram também de outra época e de uma res-
setenta anos; Miss Noble, a irmã dela, uma velhinha minúscula de apa-
ft
190
GEORGE ELIOT
mulheres solteiras costumam ser quando passam suas vidas em inin-
tão singular: sabendo apenas que Mr. Farebrother era solteiro, tinha
peça. Não era este o caso com Mr. Farebrother: ele apenas se mostrava
um pouco mais silencioso e dócil, sendo sua mãe quem mais falava, e
sunto algum bem seguro sem ela estar ao comando. Sobrava-lhe tem-
po para preencher tal função por ter todas suas pequenas necessidades
atendidas por Miss Winifred. A minúscula Miss Noble, por seu turno,
que ela primeiro havia posto, como que por distração, em seu pires; e
Mas não pense mal de Miss Noble, por favor! A cesta só continha uns
amigos pobres em meio aos quais ela perambulava nas manhãs de bom
um tão espontâneo prazer que ela chegava até a vê-lo como um vício
ser tentada a roubar dos que tinham muito para poder dar aos que
lidade e precisão. Informava-o agora não ser muito freqüente, nesta casa,
que precisassem de ajuda médica. Pela criação, ela mesma havia acostu-
mado seus filhos a usar flanela e a não comer demais, hábito este, o
mães tinham comido demais, mas Mrs. Farebrother tomou por perigoso
este seu modo de ver: a Natureza era mais justa; seria fácil para qualquer
condenado dizer que seus ancestrais é que deveriam ter sido mandados
em seu lugar à forca. Se os que tiveram maus pais e mães foram maus
1 MIDDLEMARCH
191
"Minha mãe é como o velho Jorge III," disse o Pastor, "faz objeçäes
à metafísica."
"Não, não, Carnden, você não deve induzir Mr. Lydgate a um erro
sobre mim. Nunca demonstrarei tal desrespeito para com meus pais, re-
nunciando ao que eles me ensinaram. Qualquer um pode ver no que vão
dar as mudanças. Se você muda uma vez, por que não vinte?"
"Um homem pode ter bons argumentos para mudar uma vez, sem
to. Meu pai nunca mudou e pregava sermäes de moral simples, sem
dar apoio."
eu venha a seguir novas idéias, das quais aliás estamos cheios, tanto
aqui como alhures. E, como eu digo, elas vieram junto com esses tecidos
mesclados, que não são bons para usar nem de lavar. Nos meus tempos
um pastor, pode ter plena certeza, era, quando não mais, um cavalheiro.
Mas hoje em dia pode estar reduzido a ser tão-só um Dissidente e, sob
pretexto de doutrina, querer pôr o meu filho de banda. Seja quem for
192
GEORGE ELIOT
não falar desta cidade, cujo padrão é muito baixo para servir de parâmetro;
pelo menos é assim que eu penso, eu que nasci e fui criada em Exeter."
"As mães nunca são parciais," disse Mr. Farebrother sorrindo. "O
"Ah, pobre criatura! mas o que é?" disse Mrs. Farebrother, sua
mentos maternos. "A si mesma ela sempre diz a verdade, não duvide."
"Oh, não é nada mau," disse Mr. Farebrother. "Ele é um sujeito de-
sua esposa me contaram que Mr. Tyke disse que eles não iriam mais ter
Mrs. Farebrother interrompeu seu tricô, que ela havia retomado após
a módica porção de chá com torradas, e olhou para o seu filho como se
quisesse dizer: "Ouviu só?" Miss Noble exclamou: "Oh, coitados! coita-
" só porque não são meus paroquianos. E não creio que meus ser-
"Mr. Lydgate," disse Mrs. Farebrother, que não podia deixar a opor-
tunidade escapar, "o senhor não conhece meu filho: ele sempre se subes-
tima. E sempre lhe digo que está subestimando Deus, que o fez, e que o
" bem provável, mãe, que isto seja uma insinuação para que eu
saia com Mr. Lydgate para o meu gabinete," disse, gracejando, o Pastor.
As damas, todas três, protestaram. Mr. Lydgate. não deveria ser afas-
tado assim às carreiras, sem nem poder aceitar uma outra xícara de chá:
Lydgate, por sinal, desculpasse! Seria muito melhor jogar uma partida
pelas mulheres de sua família como o rei dos homens e dos pregadores,
MIDDLEMARCH
193
trolado mais.
"Minha mãe não está habituada a que eu receba visitas que possam
porta de seu gabinete, que era de fato tão desprovido de luxúrias para o
mento contra mim, por BuIstrode e Companhia. Eles não sabem como o
nhas forças."
"E a todas deve querer para o seu trabalho, pois não? Eu, que sou
uns dez ou doze anos mais velho que o senhor, já cheguei a um compro-
misso. Alimento uma ou duas fraquezas para que elas não se tornem
- Ah! mas o senhor já pegou aí este frasco - e o olha mais do que nas
nos calcanhares para começar a encher seu cachimbo. "Não conhece esta
194
GEORGE ELIOT
com seu sentido latente - qual seja, que o Pastor não se sentia de todo
pensar novamente nos ganhos com o baralho e sua destinação. Mas ele
possível. Ao que tudo indicava, não lhe faltava uma noção de que esta sua
disse:
"Eu ainda não lhe disse, Mr. Lydgate, que tenho a vantagem de
correspondia com ele, que muito me falou a seu respeito. Não tinha
certeza, quando o senhor apareceu por aqui, que fosse a mesma pessoa.
Mas fiquei muito contente ao descobrir que era. Só não esqueço é que
entendesse em parte. "Por falar nisso," disse, "o que foi feito do Trawley?
mas sociais franceses, e falava de ir para o mato para fundar uma espécie
própria conversa - pode estar certo de que todo o bom senso se achava
do meu lado."
MIDDLEMARCH
195
doze ou treze anos a mais do que o senhor por meu conhecimento das
este frasco. Quer fazer uma troca? Pois não há de consegui-lo sem uma
boa barganha."
tenha."
preço mais alto. Que tal se eu lhe propusesse dar uma olhada nas gave-
comprazer-se com as tolices alheias, até que sejam desprezados por aque-
subscritos numa letra impecável. "O melhor caminho é tornar seu valor
"De bom grado o admito. Mas é preciso estar seguro sobre o próprio
são capazes disto. Ou bem a gente cai fora do serviço de vez, e se torna
Lydgate afinal teve de dar um pouco de atenção a cada uma das gave-
1858), um dos
196
GEORGE ELIOT
depois que eles já estavam sentados, "faz um bom tempo que decidi
esquivar-me deles ao máximo. Foi por isto que em Londres eu não quis
tentar nada, ao menos por uns bons anos. Não me agradou o que vi
engana quanto a isto e se arrepende mais tarde. Mas não esteja assim
"Não propriamente. claro que eles tornam muitas coisas mais difí-
ceis. Mas uma boa esposa - uma boa mulher nada mundana - pode
quiano meu - uma ótima pessoa, mas que dificilmente teria aberto seu
caminho, como ele fez, sem sua esposa. O senhor conhece os Garths?
Lowick."
"Não entendo," disse Lydgate; dificilmente ele poderia dizer: " claro."
"Oh, não há quem lhe escape ao crivo. Preparei-a para sua confirma-
Pastor largou seu cachimbo, esticou bem as pernas e virou para Lydgate
"Não vejo por que eu me preocupar com estas coisas," disse Lydgate,
MIDDLEMARCH
197
com uma ponta de arrogância; "mas sobre hospitais ele parece ter boas
sem nenhuma afetação. "Não coloco como obrigação dos outros cuidar
tes que mais fazem para causar desconforto a seus vizinhos do que para
uma coisa ruim; quanto a ele querer tirar-me do velho - bem, ele ape-
mera nutrição de sua patologia moral e terapêutica. Não disse pois se-
caso. Mas vamos deixar isto de lado. Eu somente lhe queria dizer que,
se o senhor der seu voto para o seu homem do arsênico, não estará por
CAPITULO XVIII
razão, ele adiou a decisão para saber a qual dos lados deveria dar seu
Mas sua simpatia pelo Pastor de St. Botolph aumentara com o co-
MIMUMARCH
199
filialmente cavalheirescos como ele era com sua mãe, tia e irmã, cuja
mesmo, não eram lá muito cômodos; poucos homens que sentem a pres-
para lhes justificar as açäes. E depois, sua pregação era tão engenhosa e
jança e seus sermäes ele os proferia sem livro. Gente que não pertencia
à sua paróquia ia ouvi-lo; e, uma vez que encher a igreja de gente era
sempre a parte mais difícil das funçäes de um clérigo, aqui estava outra
conversa que fazem da metade de nós, para os nossos amigos, uma afli-
que poderia contar com Lydgate, de modo geral, como um auxiliar seu,
assunto banal de Middemarch. Não havia como ele não ouvir em seu
ministro e, o caso Tyke, uma questão de poder ou não poder; e ele não
GEORGE ELIOT
barba, quando começou a sentir que lhe urgia realmente reunir sobre o
por dinheiro, gostando do jogo sim, mas sem sombra de dúvida também
gostando dos fins a que seus ganhos serviam. Mr. Farebrother " sustenta-
certo de que ele jogaria bem menos, não fosse o dinheiro. Havia um
de que algumas vezes ele andara por lá à luz do dia e teria ganho dinhei-
não ser por causa das quarenta libras. Lydgate não era um puritano, mas
o jogo não lhe apetecia, e o dinheiro que nele se ganhava sempre lhe
soara como desprezível; além disso, tinha um ideal de vida que tornava
odiosa para ele. Até então em sua vida as necessidades haviam sido
so era sempre ser liberal com suas meias-coroas, bagatelas sem nenhu-
Donde não ser propenso a conceber desculpas para essa caça deliberada
aos pequenos ganhos. Era-lhe ela totalmente repulsiva, a ele que nunca
pulsivo depunha contra Mr. Farebrother ainda com mais força que antes,
A gente saberia bem melhor o que fazer se o caráter dos homens fosse
MIDDLEMARCH
201
incluía em seus planos. Por outro lado, havia Tyke, homem que se dava
de todo à função clerical, que era apenas coadjutor numa capela da paró-
tinha nada o que dizer contra Mr. Tyke, a não ser que agüentá-lo era
Fosse qual fosse o lado para o qual pendia Lydgate, havia porém
ele estaria votando no partido que obviamente mais lhe convinha. Mas
sua própria conveniência haveria de ser de fato o fim? Não faltaria quem
dissesse que sim, alegando que ele procurava cair nas boas graças de
impunha que ele preferisse por desígnio ter um bom hospital, onde pu-
término deste debate em seu íntimo, quando ele saiu para o hospital,
algum modo dar à questão novo aspecto, fazendo com que a oscilação
- num sentimento que em caloroso fluir tomasse mais fácil sua decisão,
se como fosse, não se disse com clareza de que lado iria votar; e o tempo
202
GEORGE ELIOT
lógica que ele, com suas isentas resoluções de independência e sua in-
bem distinto que, em seu quarto dos tempos de estudante, ele havia
por Tyke não estava tão garantida como em geral se havia suposto.
não ter religião, mas Middemarch dava um jeito de tolerar esta sua
lha quanto o mundo, era ainda bem forte até nas mentes das clientes
ras uma devoção ativa, haveria uma presunção comum contra sua
capacidade médica.
MIDDLEMARCH
203
rista fazia algum gracejo sobre o Credo Atanasiano,1 o Dr. Minchin cita-
ele tinha certo grau de parentesco com um bispo e que às vezes, em suas
Mãos finas, tez pálida e arredondado nas formas, o Dr. Minchin não
mostravam parte exagerada das botas, num tempo em que suas botas de
previsível seria que a detectasse na espreita, para então vencer pela as-
túcia. Ambos desfrutavam era doses mais ou menos iguais do misterioso
lidade aberta com ele, nem nunca divergisse dele sem uma elaborada
tes por contrato, era não obstante uma ofensa às narinas de profissio-
reafirmava a
204
GEORGE ELIOT
jovem prático, que chegara à cidade após a aposentadoria de Mr. Peacock
to que depunha por uma sólida formação profissional, o fato de ele apa-
Claro estava que Lydgate, não dando remédios, pretendia lançar impu-
observação, de fato, poderia ser muita, mas era sempre algo suspeita.
nido: "Eu estou com Farebrother. Um salário, sim, de muito bom grado.
Mas por que tirá-lo do Pastor? quase nada o que a ele toca - ele que
tem de garantir sua vida, além de manter a casa e cumprir com suas
caridades. Ponham-lhe quarenta libras no bolso que não lhe estarão fa-
zendo mal. um bom sujeito, o Farebrother, e que aliás não tem muito
"Os adversários de Mr. Tyke não pediram que ninguém votasse con-
tra a própria consciência, creio eu," disse Mr. Hackbutt, um rico dono de
am-se com certa severidade para o inocente Mr. Powderell. "Mas a meu
modo de ver compete a nós, Diretores, saber se iremos julgar que todo o
MIMUMARCH
205
as funções de capelão, se esta idéia não lhe fosse sugerida por outros,
guém por seus motivos: estes, que fiquem entre a própria pessoa e um
Poder mais alto; digo porém que há influências em jogo, as quais são
mente honrar. De minha parte, sou um leigo, mas não é pouca a atenção
"Não temos nada aqui a ver com elas. Farebrother vinha fazendo o tra-
"Penso eu que a cavalheiros ficaria muito bem não dar às suas obser-
vações uma entonaçao pessoal," disse Mr. Plymdale. "Vou votar pela
nomeação de Mr. Tyke, mas jamais teria sabido, não fosse a insinuação
dizendo -"
"Ah, cá está o Minchin!" disse Mr. Frank Hawley; ao que todos des-
beça e trocando aqui e ali algum aperto de mãos. "Custe o que custar
Mr. Tyke um homem exemplar - não mais nem menos - e acredito que
o nome dele é proposto por motivos não discutíveis. Bem que eu gosta-
ria de lhe poder dar meu voto. Mas sou forçado a um exame do caso que
206
GEORGE ELIOT
há mais tempo."
que acabara de chegar. "Não tenho nenhuma má vontade para com ele,
car nada em particular contra ele; mas qualquer servicinho aqui ele há de
de religião faz mal ao ânimo - faz mal por dentro, não é?" acrescentou,
estavam juntos.
Eram eles o Reverendo Edward Thesiger, Reitor de St. Peter, Mr. BuIstrode
dado em ser feito membro da diretoria, mas que nunca assistira a uma
que, oficiando numa capela secundária, não era um cura de almas sobre-
ções. Seria desejável que as capelanias desse tipo fossem assumidas com
que os que a ela se opunham não puderam senão guardar silêncio, fre-
mentes de indignação.
MIDDLEMARCH
207
interesse público, sabem," repetiu Mr. Brooke, com seu meneio de cabe-
bem, - é uma coisa muito boa, e estou feliz de poder estar aqui e votar
um lado da questão, Mr. Brooke," disse Mr. Frank Hawley, que não tinha
"Parece até que o senhor não sabe que um dos homens mais dignos que nós
"Não vejo por quê," disse Mr. Hawley. "Acho que todos nós já sabe-
mos em quem vamos votar. Ninguém que queira fazer justiça espera até
o último minuto para ouvir os dois lados da questão. Eu, que não tenho
Lydgate entrar.
208
GEORGE ELIOT
"Pode ser ofensiva para outros. Mas nem por isto eu desistiria de
poderia um homem sentir-se satisfeito com uma decisão entre tais alter-
tisfeito com o seu chapéu, escolhido por ele entre os modelos que os
que era por demais igual aos outros homens, tomara-se extraordinaria-
mente diferente por isto - por ser capaz de perdoar os outros, quando
"O mundo para mim foi muito forte, sei disso," disse ele um dia a
VI,
MIDDLEMARCH
209
história diz que ele acabou por manejar a roca, e finalmente vestiu a
nosso próprio fracasso. Lydgate pensou que havia uma lamentável do-
Tródico, sofista grego do século V a.C., é célebre por seu mito de Hércules
(Héracles) a
sangue deste
CAPÍTULO XIX
- Purgatório, vii.
mundo em geral era mais ignorante sobre o bem e o mal, por quarenta
anos, do que hoje em dia. Nem sempre os viajantes levavam plena informa-
ção, fosse na cabeça ou no bolso, sobre a arte cristã; e até mesmo o mais
amor, ainda não havia misturado seu fermento na época, e assim se tornado
coroação da Virgern%
ingleses da
MIDDLEMARCH
211
longo, mas sim abundante e cacheado, e que no mais, por sua indumentária,
era bem inglês, tinha acabado de dar as costas para o Torso do Belvedere,
disse com um forte sotaque: "Warnos, rápido! se não ela terá mudado de
pose."
rosto uma espécie de halo. Não só ela não olhava a escultura, como
como que a fim de contemplar a Cleópatra, e sem olhar para eles vi-
respira, com a consciência dos séculos cristãos em seu âmago. Ela porém
deveria estar vestida de freira; acho-a bem parecida com o que vocês
casada; vi a aliança que tem na mão esquerda, tão linda, e teria até
pensado, não fosse isto, que o lívido Geisdicherl era o pai. Vi-o quando
212
GEORGE EiAOT
fantástica. Quem sabe ele é rico, imagine só, e queira que pintem o re-
trato dela? Ah! não adianta mais procurar - lá se vai ela! Vamos segui-
Ia até em casa!"
"Você é estranho, Ladislaw. Parece que ficou abalado. Por acaso sabe
quem é ela?"
"Sei que é casada com meu primo," disse Will Ladislaw, caminhan-
"Pois não é meu tio. Ele é meu primo em segundo grau," disse
da Inglaterra. Eles ainda não estavam casados. Nem eu sabia que acaba-
estão -já que sabe o nome. Que tal se formos ao correio? E você pode-
"Não me amole, Naumann! Não sei o que eu vou fazer. Não sou tão
"Sim, e que a razão central da existência dela era ser pintada por
MIDDLEMARCH
213
incomodado com a inexplicável nota de mau humor em seu tom. "Veja
tura por meio desse determinado gancho ou garra que cresceu em forma
ensolarado.
"Vamos lá, amigo - será que você me ajuda?" disse Naumann, num
tom esperançoso.
você quer exprimir. Faria apenas um retrato, que poderia sair melhor ou
pior, com um fundo que por diferentes razões agradaria ou não aos en-
", para quem não sabe pintar," disse Naumann. "Nisto você tem
escutado:
mais vaga. Afinal, a visão verdadeira está por dentro; e a pintura o que
to a voz dela é mais divina, muito mais, que tudo o que você pôde ver."
214
GEORGE ELIOT
presumir-se capaz de pintar o seu ideal. sério, amigo! Sua tia-avó! "Der
"Mrs. Casaubon."
criação. Por que fazia ele tanta confusão acerca de Mrs. Casaubon? Sen-
tros em dramas que ninguém está preparado para representar com eles.
inocentemente tranqüilos.
"Em alemão no original: "O Sobrinho como Tio... monstruoso."
"1
CAPÍTULO XX
DUAS HORAS MAIS tarde, Dorothea estava sentada na elegante sala íntí-
que Mr. Casaubon, tendo a mente tão acima da sua, muitas vezes teria
de ser solicitado por estudos que ela não poderia partilhar totalmente;
216
GEORGE ELIOT
Tantripp e seu tarimbado guia. Tinha sido levada aos melhores museus,
conduzida para apreciar as mais belas vistas, para ver as grandes ruínas
sair para uma volta na Campagna, onde podia se sentir sozinha com a
costumes.
ções suprimidas que unem todos os contrastes, Roma ainda pode ser o
vazava suas ações, e cujas emoções muito intensas davam às coisas mais
tumultuosa com sua sorte, O peso da ininteligível Roma bem que podia
repousar com leveza sobre essas ninfas vivazes que a tomavam por um
mas Dorothea não tinha tal defesa contra impressões profundas. Ruínas
MIDDLEMARCH
217
trico, precipitando-se a seguir sobre ela com essa dor intrinseca a uma
listas nos mosaicos acima e os panos vermelhos que estavam sendo pen-
durados para o Natal a desdobrarem-se por toda parte como uma doen-
ça da retina.
Não que este pasmo no íntimo de Dorothea fosse coisa das mais
vão-se ocupar dos seus negócios. Tampouco posso eu supor que, quan-
que há no outro lado do silêncio. Tal como é, o mais rápido de nós vai a
causa, quando muito poderia fazê-lo com palavras tão vagas como as
empreender uma história que narrasse luzes e sombras; pois este futuro
sua relação conjugal, agora que era a esposa dele, mudavam gradual-
218
GEORGE ELIOT
do-se do que haviam sido no seu sonho de moça. Ainda era muito
ça, e ainda mais para que tivesse recomposto aquele devotamento, uma
parte tão necessária de sua vida mental que era quase certo que ela
desordem de uma vida sem uma resolução de amor reverente, não lhe
era possível; mas ela agora estava num intervalo em que a própria for-
no regozijo da paz.
Mas não era Mr. Casaubon tão erudito como antes? Tinham suas
capacidade de expor não só uma teoria, mas também os nomes dos que
quem tem de realizá-las? - E ainda estava mais claro do que antes que
Todas estas perguntas machucam muito; mas, seja o que for que
permanece o mesmo, a luz mudou, e não se pode encontrar ao meio-dia
empenhara ativamente por criar ilusões a seu respeito. Como foi que
MIDDLEMARCH
219
vos e vastos ventos que ela sonhara encontrar na mente do marido ha-
ciam levar a parte alguma? Suponho que porque no namoro tudo é visto
viagem marital, é impossível você não perceber que nunca consegue abrir
caminho e que o mar nem mesmo está à vista - que na realidade você
cujo sentido Dorothea não alcançava; mas esta coerência imperfeita pa-
futuro em comum, ela havia escutado com paciência férvida uma recita-
mente nova que Mr. Casaubon tinha do deus filisteu Dagon e outros
deuses-peixes, pensando que doravante ela deveria ver este tema, que o
nara sem dúvida tão importante para ele. Por outo lado, o tom de impo-
sição e rejeição com que ele tratava o que eram para ela os pensamentos
do. Mas agora, desde que haviam chegado a Roma, com as profundezas
um novo problema por novos elementos, cada vez mais ela passava a
perceber, não sem terror, que sua mente dava contínuas guinadas para
dão sem consolo. Até que ponto o judicioso Hooker ou qualquer outro
não tinha como saber, e ele portanto não podia ter a vantagem da com-
cie de arrepio mental: quiçá tinha ele a melhor das intenções de desem-
que era novo para ela, era, para ele, cediço; e aquela capacidade de pen-
sar e sentir, tal como outrora estimulada nele pela vida geral da humani-
GEORGF FLIOT
Dorothea.
"São tidos em alta estima, creio eu. Alguns deles representam a fá-
duto mítico autêntico. Mas, se você gosta de pinturas murais, será fácil
nós darmos uma chegada lá; e haverá de então ter visto, creio eu, as
principais obras de Rafael, qualquer uma das quais seria uma pena dei-
xar de visitar em Roma. Ele é o pintor que foi tido por combinar o mais
luz. Dificilmente pode haver contacto mais deprimente para uma criatu-
sa de antes que ainda viesse a ver aonde o seguia uma abertura ampla
qualquer. O pobre do Mr. Casaubon estava por, sua vez perdido entre
MIMUMARCH
221
mulher - se ele lhe tivesse tornado as mãos entre as dele, para ouvir
de que sua experiência era feita, e a ela dado em retribuição uma intimi-
dade da mesma espécie, para que a vida anterior de cada um pudesse ser
nutrido sua própria afeição com essas carícias pueris para que todas as
seu amor, dentro do corpo de madeira, uma alma feliz. Para isto, Dorothea
tinha sua queda. Com toda aquela ânsia de saber o que estava a grande
para o que estava perto, para beijar a manga do casaco de Mr. Casaubon,
Tendo feito sua toalete clerical com o devido cuidado pela manhã, ele só
quente da qual elas não tinham sido senão uma outra forma. Humilha-
desse saber a não ser por este meio: todo seu vigor se esvaía na agitação,
principalmente para si mesma; mas nesta manhã pela primeira vez ela
cheio de alegre atenção que voltou para o marido quando ele disse: "Minha
querida Dorothea, devemos pensar agora em tudo o que ficou por fazer,
cedo para que pudéssemos estar em Lowick para o Natal; mas minhas
222
GEORGE ELIOT
o tempo aqui passado não lhe foi desagradável. Entre as glórias da Eu-
ropa, Roma foi sempre tida como uma das mais impressionantes e, sob
com efeito que ela é uma dentre várias cidades às quais tem sido aplica-
um estado de muito enlevo, mas a idéia de poder ser outra coisa que não
jovem toda a felicidade que ela merecia, nunca lhe ocorrera também.
quero dizer, com o resultado obtido no tocante aos seus estudos," dis-
marido.
"Sim," disse Mr. Casaubon, naquele tom de voz peculiar que toma
a palavra uma meia negação. "Fui levado além do que eu havia antevis-
estudo e trabalho."
"Que alegria saber que minha presença fez diferença para você," dis-
se Dorothea, com vívida memória das noites em que ela havia suposto
que o espírito de Mr. Casaubon fora fundo demais durante o dia para ser
venha a ser mais útil para você, e capaz de participar um pouco mais dos
seus interesses."
"Sem dúvida, minha querida," disse Mr. Casaubon, com uma ligeira
curvatura. "As notas que eu tomei ainda têm de ser peneiradas, e você,
tanto deste assunto que no momento ela não tinha senão como botar
MIDDLEMARCH
223
para fora o que lhe ardia no íntimo. "Todas aquelas fileiras de volumes -
você agora não vai fazer com elas o que costumava dizer que ia? - não
vai decidir que partes há de usar, e começar a escrever o livro que tomará
seu vasto conhecimento útil para o mundo? Pois eu hei de escrever o que
você ditar, ou de extrair e copiar o que me mande fazer: não sirvo para
Casaubon muito perturbadora, mas havia outras razões para que as pa-
as que ela poderia ser compelida a empregar. Estava tão cega para os
problemas dele, de fato, como ele para os dela; ainda não tomara cons-
ciência dos conflitos internos de seu marido, que clamam por nossa com-
tões abafadas da consciência que era possivel explicar como mera fanta-
Dorothea, como igual era sua rapidez para imaginar mais que o fato. A
capacidade de adoração que ela tinha pelo objeto correto já havia sido
observada por ele, antes, com aprovação; e ele agora antevia com súbito
terror que tal capacidade poderia ser substituída pela presunção, esta
224
GEORGE ELIOT
"Meu amor," disse ele, com sua irritação sofreada pelo comedimento,
você pode confiar em mim para saber o tempo e as estações mais ade-
quados às diferentes etapas de uma obra que não é para ser medida
sempre ser saudado pelo desprezo impaciente dos gárrulos que não ten-
não estão preparados. E seria bom se todos eles pudessem ser exortados
Este discurso foi pronunciado por Mr. Casaubon com uma energia e
presteza que lhe eram bem incomuns. Com efeito, não chegava a ser um
improviso, mas tomara forma num colóquio interior, sendo expelido como
Dorothea não era somente sua esposa: era uma personificação desse
Dorothea por sua vez ficou indignada. Não havia ela reprimido tudo
pre me falou deles - sempre disse que ainda faltava digeri-los. Mas eu
nunca lhe ouvi falar da obra a ser publicada. Eis que eram fatos muito
simples, e meu julgamento jamais foi além disso. Eu apenas lhe pedi
cou, apanhando uma carta que jazia a seu lado como que para fazer uma
núpeias, cuja finalidade expressa é isolar duas pessoas com base na su-
desacordo é, para não dizer muito, algo que estultifica e confunde. Ter
só para ter pequenas explosões, para achar difícil conversar e passar sem
olhar um copo d"água, nem mesmo às mentes mais grosseiras pode pa-
MIDDLEMARCH
225
tivas; e para Mr. Casaubon foi uma nova dor, pois nunca ele havia estado
tão íntima que era uma sujeição maior do que pudera imaginar, já que
meiguice da audiência sombria, fria e sem aplausos de sua vida, não lhe
Nenhum dos dois sentia ser possível falar de novo por ora. Alterar
ela mesma já começava a se sentir culpada. Por mais justa que sua índig-
nação pudesse ser, seu ideal não era pedir justiça, mas dar carinho. Assim,
quando chegou à porta a carruagem, ela foi com Mr. Casaubon para o
Vaticario, com ele andou pelas lajotas do caminho das inscrições e, após
despedir-se dele na entrada da Biblioteca, pôs-se a vagar pelo Museu,
voltar e dar ordens de ser levada alhures. E foi quando Mr. Casaubon se
separava dela que Naumann a viu pela primeira vez, e ele havia entrado
teve então de esperar por Ladislaw, com quem iria apostar uma garrafa de
que lá estava. Examinada esta figura, andaram eles a encerrar sua disputa
para o Salão das Estátuas, onde ele viu Dorothea outra vez, e viu-a na-
realidade não via o raio de sol no piso mais do que via as estátuas: via,
olhando para dentro, a luz dos anos que estavam por vir em sua própria
não era tão claro para ela quanto havia sido. Na mente de Dorothea havia
contudo uma corrente na qual mais cedo ou mais tarde tendiam a fluir
CAPITULO
To semen wise."
- CHAUCER.
- CHAUCER.1
AsSIM FOI QUE Dorothea se entregou aos soluços, tão logo estar segura-
mente sozinha. Mas uma batida na porta tirou-a do torpor neste instan-
da. O guia lhe informara que só Mrs. Casaubon estava em casa, mas ele
Ela era aberta a tudo que lhe dava uma oportunidade de simpatia ativa,
e no momento esta visita parecia ter vindo para arrancá-la daquela ab-
rido e fazê-la sentir que ela agora tinha o direito de ser sua companheira
MIDDLEMARCH
227
passou para a outra sala, os sinais de que estivera chorando eram sufici-
entes ainda para tomar-lhe o rosto franco mais juvenil e atraente que de
hábito. E foi com um desses raros sorrisos de boa vontade a que a vaida-
era vários anos mais velho, mas pareceu neste instante bem mais moço
que ela, pois sua pele transparente avermelhou-se de súbito, e ele falou
com uma timidez que não lembrava a indiferença desenvolta com que se
"Sente-se, por favor. Ele não está, mas estou certa de que gostará de
a lareira e a luz de uma alta janela e apontando uma cadeira oposta, com
lhe escrever."
que haviam alterado o rosto dela. "Meu endereço está no meu cartão.
Mas, caso me permita, eu voltarei aqui amanhã numa hora em que haja
"Todos os dias ele vai ler na Biblioteca do Vaticano e, a não ser que
marque com ele mesmo, vai ser dificil que consiga vê-lo. Sobretudo ago-
ra, Nossa partida de Roma é para breve, e ele está muito ocupado. Ge-
ralmente fica fora do café da manhã até o jantar. Mas estou certa de que
assim tão adorável para se casar, e depois indo passar longe dela a sua
228
GEORGE ELIOT
desgosto cômico: ele estava dividido entre o impulso de dar uma garga-
traços numa contorção muito estranha, mas com um bom esforço pôde
seu rosto também. O sorriso de Will Ladislaw era um prazer, a não ser
que de antemão houvesse zanga com ele: era um jorro de luz interior
espargia por cada linha e curva, como se algum Ariel lhes infundisse
O reflexo de um tal sorriso não poderia senão conter também sua pe-
cara que eu devo ter feito na primeira vez em que a vi, quando arrasou
que tinha mais cabimento. Disse - ouso crer que não se lembre mais do
ou sorrir.
bom humor de Will. "Devo ter falado isto só porque nunca pude ver
beleza nos quadros dos quais meu tio me dizia que todos achavam mui-
devo ser obtusa. Estou vendo muita coisa de uma vez só, e não enten-
dendo a metade. Isto sempre faz com que a pessoa se sinta ignorante.
horrível ouvir dizer que uma coisa é muito boa e simplesmente não po-
der sentir que ela é boa - mais ou menos como ser cego, quando os
MIDDLEMARCH
229
por minha apreciação, veria que ela é constituída por muitos e diferentes
"Talvez então queira ser pintor?"disse Dorothea, com uma nova dire-
ção em seu interesse. "Talvez queira fazer da pintura sua profissão? Mr.
"Não, oh! não," disse Will, com alguma frieza. "Contra isto já tenho
deles. Alguns são ótimos sujeitos, às vezes até brilhantes -mas não me
de vista de um estúdio."
Roma parece haver bem mais coisas mais necessárias ao mundo do que
quadros. Mas, se tem talento para a pintura, não seria correto tomar isto
diferentes, para que assim não haja, num mesmo lugar, tantas pinturas
quase iguais."
Will para a franqueza. "Um homem tem de ter um talento muito raro
para fazer mudanças desse tipo. Temo que o meu não me conduza
sequer à altura de fazer bem o que já foi feito, pelo menos não tão bem
para que valha a pena fazê-lo. E eu nunca teria êxito em nada à força
"Ouvi Mr. Casaubon dizer que ele lamenta sua falta de paciência,"
que foi ainda mais susceptível no tocante a Mr. Casaubon por causa de
230
GEORGE ELIOT
notou que ela estava ofendida, mas isto apenas deu um impul-
marido desses: tal fraqueza numa mulher nunca agrada a homem ne-
uma pena que tudo acabe sendo posto de lado, como é freqüente com a
quanto eles constroem boas estradas. Quando estive com Mr. Casaubon,
vi que ele nem queria saber desta orientação: foi quase contra a própria
muito."
Will só tinha pensado em dar uma boa alfinetada para arrasar com a
nada versado nos autores alemães; mas muito pouca realização se re-
para indagar-se se este jovem parente que tanto lhe devia não teria feito
samento.
as plumas de um benfeitor.
pelo meu primo. Isto não significaria tanto num homem cujo talento e
"Como
MIDDLEMARCH
231
Para Will, havia uma luz nova, mas ainda assim misteriosa, nas últi-
Casaubon - que ele havia posto de lado quando a viu pela primeira
vez, dizendo-se que apesar das aparências ela devia ser bem desagradá-
vel - não podia ser respondida agora por método tão curto e fácil. Fos-
se lá o que ela fosse, desagradável não era. Nem era friamente sagaz e
to. Era um anjo iludido. Que prazer único seria se manter à espreita dos
melodiosos fragmentos em que sua alma e coração afluíam de modo tão
direto e ingênuo! A idéia da harpa eólia veio outra vez à mente dele.
seus pés! Mas ele era uma outra coisa, mais intratável ainda que um
dragão: era um benfeitor que trazia a sociedade nas costas e que estava
Casaubon tão contente como de hábito, era isto o que o tomava talvez
morfose. Quando ele virava muito depressa a cabeça, seu cabelo parecia
GEORGE ELIOT
sonhos dela. Entretanto, a presença de Will foi para ela uma fonte de
alguém com quem falar, e nunca antes tinha visto ninguém tão perspicaz
intenção dele fosse ficar na Alemanha do Sul - mas pediu-lhe que vol-
você. Eu estava errada. Temo que lhe tenha magoado e tomado seu dia
"Que bom saber que você pensa assim, querida," disse Mr. Casaubon.
Falou com calma, arriando um pouco a cabeça, mas ainda havia uma
dimento, não é do céu nem da terra:" - não creio que me julgue digno
de ser banido por esta grave sentença," disse Mr. Casaubon, empenhan-
Dorothea ficou quieta, não obstante uma lágrima, que viera com o
ria ter recebido o jovem Ladislaw em sua ausência; disto ele porém se
absteve, em parte pela impressão de que seria indelicado fazer uma nova
MIDDLEMARCH 233
sobrava para tomar outras direções. Há uma espécie de ciúme que ne-
cessita de muito pouco fogo: que, não sendo uma paixão, é uma simples
seu relógio. Ambos se levantaram, e nunca mais houve entre eles qual-
uma grande esperança morre, ou um novo motivo nasce. Hoje ela come-
çara a ver que havia estado numa ilusão desmedida, esperando que Mr.
ubre para nutrir nossos insignes seres: Dorothea começou ainda cedo a
emergir desta ignorância, apesar de lhe ter sido mais fácil conceber como
iria devotar -se a Mr. Casaubon, tomando-se ela mesma sábia e forte
com sua força e sapiência, do que imaginar com aquela nitidez que já
CAPITULO XXII
- ALFRED DE MUSSET
com deferência, como ela antes nunca observara em ninguém. Com toda
próprio Will falou bastante, mas lançava o que dizia com uma tal rapi-
era como se fosse um repique alegre e mais baixo vindo depois do sino
MIDDLEMARCH
235
principal. Se Will nem sempre era perfeito, sem dúvida estava num de
tipo muito abrangente para isto, nunca lhe permitindo talvez sentir tais
bruscos efeitos, mas quanto a si ele confessava que Roma lhe dera uma
era dito por ela, como se o que ela achasse fosse um item a ser conside-
de que após uma breve retomada ele não teria mais motivos para conti-
nuar em Roma, encorajou Will a sugerir que Mrs. Casaubon não deveria
levá-la? Esse tipo de coisa não se podia perder: era algo muito especial:
era uma forma de vida que crescia como uma vegetação pequena e viço-
sa com sua população de insetos sobre imensos fósseis. Para Will seria
exemplos.
ele agora ia ficar à sua disposição o dia todo; foi então combinado que
influenciado
236
GEORGE ELIOT
por quem até mesmo Mr. Casaubon perguntara, mas antes de o dia já
cristã, um dos que não só tinham revivido mas também expandido essa
disto.
"Tenho feito uns trabalhos a óleo orientado por ele," disse Will.
minha opinião, é uma boa interpretação míticaf Aqui Will olhou para
"Deve ser um esboço muito grande, para exprimir tanta coisa," disse
puder imaginar!"
guir decifrá-la."
Mr. Casaubon piscou furtivamente para Will. Suspeitou que estives-
sem rindo dele. Mas não era possível incluir Dorothea na suspeita.
delo; seus quadros estavam muito bem dispostos e sua própria pessoa,
na de veludo marrom, de modo que tudo era tão propício como se ele
hora.
quanto a Dorothea. Will acudia aqui e ali com ardentes palavras de lou-
MIDDLEMARCH
237
sentia que estava a adquirir noções bem novas quanto à significação das
significado natural; mas tudo indicava que este era um ramo do conheci-
"Oh, ele não leva a pintura a sério. Seu caminho deve ser as belles-
satírica. Will não gostou muito, mas deu um jeito de rir; e Mr. Casaubon,
Respeito este que não diminuiu quando Naumann, após puxar Will
lhe disser que um esboço de sua cabeça me seria valioso para o Santo
sei; mas é muito raro que eu veja justamente o que quero - o ideal na
realidade."
me-ei muito honrado. Quer dizer, desde que a operação não seja muito
fosse uma voz declarando ser Mr. Casaubon o mais sábio e o mais digno
238
GEORGE ELIOT
pos não se sentia. Todos a seu redor lhe pareceram bons, e de si para si
disse que Roma, se ela ao menos não fosse tão ignorante, se teria reve-
meia hora e depois pegar de novo - venha ver, Ladislaw - acho que até
"Ah - bem - se eu pelo menos pudesse ter tido mais - mas vocês
voltarem amanhã."
fazer hoje a não ser vagar por aí, não é?" perguntou ela, olhando
suplicantemente para Mr. Casaubon. "Seria uma pena não retratar a ca-
deste modo."
ocupação para as visitas, e por fim virou-se para Mr. Casaubon e disse:
"Quem sabe sua bela esposa, dama de tanto encanto, não se oponha
claro que não para este quadro - apenas uma coisa ligeira, um estudo à
parte."
MIDDLEMARCH
239
me devo pôr?"
siões, quando o pintor disse: "Quero que pose como Santa Clara -
ajeitando o braço dela, para o jogar no chão. Tudo aquilo era profanação
Mr. Casaubon; mas por fim não impediu que o tempo soasse longo de-
mais a este senhor, como ficou patente quando ele expressou seu temor
esposa."
mais perfeita com outra sessão de pose, a mesma foi marcada para o dia
seguinte. Dia em que a Santa Clara também foi retocada mais de uma
para ser representada, mas seguida com atenção maior ou menor pela
que sua presunção exasperasse Will: sua escolha das palavras mais ordi-
nárias era uma grosseria, e o que tinha ele de falar dos lábios dela? Não
era uma mulher de quem se falar, como outras havia. Will não conseguia
240
GEORGE ELIOT
gulho em ser ele a pessoa que podia dar a Naumann uma tal oportunida-
de de estudar a beleza dela - ou melhor, a divina perfeição, já que as
frases banais que possam ser aplicadas aos meros atrativos físicos não
beleza. Nesta parte do mundo Miss Brooke fora tida somente por "Uma
moça bonita.")
contas, não é nada má. Ouso dizer que o próprio grande escolástico
disse Will, com impetuoso ranger de dentes. Seu ouvinte não sabia das
dívidas de gratidão que ele tinha com Mr. Casaubon, mas o próprio Will
todas.
então no seu desejo de estar a sós com Dorothea. Queria apenas deixar-
lhe uma impressão mais profunda; queria apenas ficar em sua lembrança
como algo mais especial do que até então se julgava capaz de ser.
qual a alma de sua soberana o possa rejubilar, sem ela descer do pedes-
tal. Era precisamente isto o que Will queria. Mas suas fantasiosas de-
mandas estavam cheias de contradições. Era bonito ver como os olhos
Casaubon: parte de seu halo se teria perdido, caso ela não cultivasse
MEMARCH
241
e a tentação de sobre ele dizer coisas ofensivas não se tornava para Will
menor tormento devido às razões mais fortes que sentia para refreá-la.
Will não foi convidado para jantar no dia seguinte. Donde se ter
persuadido de que devia ir fazer uma visita, e de que a única hora acon-
selhável era pelo meio do dia, quando provavelmente Mr. Casaubon não
estaria em casa.
Dorothea, sem saber que a acolhida que antes dera a Will já havia
ele poderia ter vindo para dizer adeus. Estava a examinar uns carnaféus
W. como se sua visita fosse uma coisa muito natural e disse sem demo-
dizer se estes aqui são realmente bonitos. Bem que eu quis tê-lo conosco
para ajudar na escolha, mas Mr. Casaubon objetou: achou que não havia
partindo. Ando muito preocupada com estes camaféus. Por favor, sente-
senhor a viu comigo em Lowick: ela é loura e muito bonita - pelo me-
nos eu acho. Nunca nos separamos antes por tanto tempo na vida. Ela é
que ela queria que eu comprasse uns carnaféus para ela, e eu só teria a
"A senhora mesma não parece ligar para camafeus," disse Will, sen-
caixinhas.
vida."
dizer, a vida de todo mundo. E todo esse dispêndio imenso da arte, que
de certa forma parece estar fora da vida e não a toma melhor para as
242
GEORGE ELIOT
pessoas, é doloroso. Meu prazer com o que eu vejo se esvai quando sou
em sua própria bondade, e por fim má, por não poder ter vantagem
sua vida um martírio." Tendo ido mais longe do que imaginava, Will
"O senhor se engana a meu respeito. Não sou uma criatura triste,
taria aqui do prazer da arte, mas há tanta coisa cuja razão me escapa -
tanta coisa que me parece mais uma consagração da feiúra que da bele-
algo que me arrebata pela sua nobreza - algo que eu possa comparar
aos Montes Albanos ou ao pôr do sol sobre o Pincio; e que grande lásti-
rente central de sua inquietude, "deve ser muito difícil mesmo, pelo que
vejo, fazer coisas de valor. Desde que estou em Roma tenho sentido que
em sua maioria nossas vidas pareceriam mais feias e mais mal acabadas
MIDDLEMARCH
243
lhe era típico. "Fala como se nunca tivesse tido mocidade. monstruoso
- como se tivesse tido na infância uma visão de Hades, tal qual o efebo
Will temeu outra vez ter ido longe demais; mas o sentido que damos
pre se dando com ardor e nunca recebendo muito dos seres vivos em
tomo, que ela teve uma nova impressão de gratidão e respondeu com
um sorriso gentil.
senhor mesmo não gostou de Lowick: tinha a alma voltada para outro
A última sentença foi dita numa cadência quase solene, e Will não
e dizer que daria a vida por ela: estava claro que o que ela pedia não
disse outro dia. Pode ter sido em parte pelo seu modo impetuoso de
"Que foi?" disse Will, observando que ela falara com uma timidez
que lhe era nova. "Eu tenho uma língua hiperbólica: que logo vai pegan-
quero dizer, para os assuntos aos quais Mr. Casaubon se dedica. Andei
pensando sobre isto; e entendi que para seus estudos Mr. Casaubon
MIDDLEMARCH
245
foi talvez um perigo para mim, e pretendo renunciar à liberdade que ela
retribuindo o tom gentil. "Mas Mr. Casaubon, estou certa, nunca pen-
sou em nada sobre o assunto que não fosse o mais propício para o seu
bem-estar."
agora que ela se casou com ele," disse Will para si mesmo. Em voz alta,
levantando-se, disse:
"Não voltarei a vê-la."
"Oh, fique até que Mr. Casaubon chegue," disse Dorothea, sincera-
lo."
"Oh, não! Minha irmã já me disse que eu sempre fico zangada quan-
do as pessoas não dizem o que eu quero ouvir. Mas espero que eu não
chegue a pensar mal delas. Geralmente no fim sou obrigada a pensar mal
"Ainda assim eu sei que não lhe agrado; tomei-me para a senhora
"De modo algum," disse Dorothea, com a mais franca simpatia. "Gos-
to muito do senhor."
Will não ficou muito contente, julgando mais provável que passasse
a ter mais importância se fosse alvo de antipatia, Não falou nada, mas
" estou muito interessada em ver o que fará," disse Dorothea ale-
fosse esta crença, suponho que eu seria uma pessoa estreita demais -
"Depende. Ser poeta é ter a alma tão rápida para discemir, que ne-
nhuma nuance de qualidade lhe escape, e tão rápida para sentir, que o
como um novo órgão daquele. Só por instantes pode alguém viver tal
estado."
246
GEORGE ELIOT
são necessários para completar o poeta. Entendo o que quer dizer sobre
produzir um poema."
alegre gratidão nos olhos. "Que coisas tão gentis o senhor me diz!"
que chama de gentil - que eu sempre lhe pudesse prestar o menor ser-
viço que fosse. Mas temo que eu jamais venha a ter a ocasião." Will
parentesco com Mr. Casaubon." Havia nos olhos dela certo brilho líqui-
e nobre.
"E há uma coisa que já pode fazer por mim agora mesmo," disse
nem, quero dizer, deste modo. Fui eu que levei a isto. Foi culpa minha.
Mas me prometa."
ele nunca dissesse uma palavra ofensiva sobre Mr. Casaubon de novo e
mais. O poeta deve saber odiar, diz Goethe; e para isto pelo menos o
talento de Will já se aprimorara. Disse ele que deveria ir-se agora sem
MIDDLEMARCH
247
Mas ao sair pela porte cochŠrel ele encontrou Mr. Casaubon, e este,
"Tenho uma coisa a lhe dizer do seu primo, Mr. Ladislaw, que acre-
no decorrer da noite. Tão logo ele chegara ela lhe havia informado que
Will tinha acabado de sair, mas Mr. Casaubon disse por sua vez: "En-
contrei-o na saída, e acho que já nos dissemos adeus," falando isto com
"O que é, meu amor?" disse Mr. Casaubon (ele sempre dizia "meu
amor," quando seu jeito era o mais frio).
em breve, e abrir seu próprio caminho. Pensei que tomaria isto por um
bom sinal," disse Dorothea, com um olhar interrogador para a face neu-
tra do marido.
dedicar-se?"
"Não. Mas disse que percebia o perigo que havia para ele em sua
Casaubon.
que você mais considerava em tudo o que fazia por ele. Lembrei da sua
"Eu tinha um dever para com ele," disse Mr. Casaubon, pousando
cia, mas com uma olhada que ele não tinha como esconder que era
íntranqüila. "Este jovem, confesso, afora isto não é para mim objeto de
interesse, nem precisamos nós, creio, discutir o futuro dele, que não é
clareza!"
LivRo 111
A Espera a Morte
CAPÍTULO XxII
E o valioso chicote,
FRED VINCY, COMO ViMOS, tinha uma dívida na cabeça e, se bem nenhum
peso assim tão incorpóreo pudesse deprimir por muitas horas seguidas
que lhe permitia o dinheiro que tinha, e Mr. Bambridge fora bastante
que o jovem Vincy tinha quem o amparasse; mas mesmo assim pedira
mostra disto, e Fred a princípio lhe dera uma promissória com sua pró-
252
GEORGE ELIOT
um cavalo de quarenta libras num outro que mais cedo ou mais tarde
(nesta época) o bolso de seu pai como um último recurso, de modo que
Fred não tinha a menor idéia: os negócios não eram sempre elásticos?
tro? Os Vincys levavam uma vida profusamente folgada, não com qual-
que o pai se quisesse poderia pagar tudo. O próprio Mr. Vincy cultivava
os hábitos dispendiosos de Middemarch - gastava muito com as caça-
das, com sua adega e para dar seus jantares, enquanto mamãe mantinha
de se poder ter tudo o que se quer sem nem pensar em pagamento. Mas
era da natureza dos pais, Fred o sabia, repreender quanto aos gastos:
ele tivesse de revelar uma dívida, e a Fred não agradava o mau tempo
em casa. Ele era muito filial para mostrar-se desrespeitoso com o pai, e
quanto elas duravam era desagradável ver sua mãe chorando, e também
ser obrigado a fazer cara de amuo, ao invés de se divertir; pois Fred tinha
Por que não? Com as garantias supérfluas da esperança sob seu coman-
MIDDLEMARCH
253
tos a crer que a ordem universal das coisas seria necessariamente agra-
clusão de que todos ficarão ansiosos para nos prestar um favor, sendo a
calor. Ainda assim, e até que outros tenham recusado, há sempre alguns
que dispensamos por não serem senão moderadamente ansiosos; e as-
sim foi que Fred eliminou seus amigos todos, à exceção de um, por jul-
falta de fundos para pequenas dividas. Deu-se pois que o amigo a quem
anças que por seus pais: crianças que tomavam chá nos aparelhos de
da breca, e Fred aos seis anos, quando a achava a menina mais bonita do
mundo, tomou-a sua esposa com um anel de latão por ele arrancado de
GEORGE EuOT
ridade social que era definida com grande precisão na prática, se bern
que de difícil expressão em termos teóricos. Mr. Garth, desde que fracas-
para pagar tudo em dia, com os juros correspondentes. Agora que con-
seus horioráveis esforços lhe haviam granjeado a devida estima; mas não
se referia a ela como uma mulher que tinha tido de trabalhar para ganhar
seu pão - querendo dizer com isto que Mrs. Garth fora professora antes
desse tipo de coisa. E, desde que Mary passara a tomar conta da casa de
prometer-se com esta menina sem nada, cujos pais "viviam tão modes-
pouco dos erros de seus vizinhos, e nunca de bom grado falava deles;
livros didá-
MIDDLEMARCH
255
não era pois de se esperar que desviasse sua atenção do melhor método
ceber tais erros. Se tivesse de censurar alguém, era preciso ele arrumar
viria em breve para não criar para ninguém uma situação embaraçosa,
Caleb puxou os óculos para cima, ouviu, fitou os olhos claros e jovens
era propícia a uma amistosa alusão à conduta, e que antes de dar seu
aval ele também devia dar uma descompostura. Por conseguinte, apa-
não dão certo, quando se tem de lidar com gente astuta. Da próxima
assinatura com o cuidado que sempre consagrava a este ritual; pois tudo
o que ele tinha de fazer, fazia bem. Contemplou as grandes letras bem
Chettam.
râncía do assunto.
alterar suas noções de distância, tendo sido a razão pela qual o presente
256
GEORGE ELIOT
imperdoável para o pai, e tinha havido em sua casa uma tormenta sem
precedentes. Mr. Vincy jurara que, se mais alguma coisa da espécie ainda
como bem pudesse; e até então ele não havia recuperado seu bom hu-
por dizer àquela altura das coisas que ele não queria ser clérigo e prefe-
ria "desistir daquilo." Fred sabia que seria tratado ainda com mais seve-
e a aparente simpatia que lhe votava, para suprir sua falta de uma con-
que seria feito por ele pelo Tio Featherstone determinavam o ângulo
sua própria consciência, o que o Tio Featherstone poderia fazer por ele
Mas o presente feito em notas, tão logo feito, foi mensurável, e contra-
va ser preenchido, quer pelo "critério" de Fred quer por outro tipo de
era um novo motivo para não ir pedir dinheiro ao pai a fim de quitar sua
verdadeira dívida. Fred era bastante esperto para antever que a raiva
embaralharia as distinções, e que uma negativa sua de ter conseguido
como falsidade. Ele já tinha ido falar com seu pai sobre um assunto
muitas vezes dava de ombros e fazia uma expressiva careta ao que ele
associar tal idéia a uma garota adorável); a sofrer uma acusação de falsi-
controle. Foi sob forte pressão interior desta espécie que Fred dera o
MIDDLEMARCH
257
sensato passo de depositar com sua mãe as oitenta libras. E pena foi que
as não tivesse entregue a Mr. Garth logo; com mais sessenta ele queria
porém fazer a soma completa, e para tanto deixara vinte libras no bolso
como uma espécie de semente que, plantada pelo bom senso e aguada
Fred não era um jogador: não tinha esta doença específica na qual o
tendência a uma forma difusa do prazer nas apostas, a qual está despro-
dinheiro e esperava ganhar. A semente das suas vinte libras tinha sido
do dia do vencimento sem outra quantia a seu dispor além das oitenta
libras que havia depositado com a mãe. O cavalo sem fôlego que ele
montava era um presente que seu tio Featherstone lhe fizera há um bom
tempo atrás: seu pai sempre lhe permitira ter um cavalo, já que os pró-
sem o qual com certeza a vida não valeria tanto a pena. Foi com uma
ponta de heroísmo que tomou tal decisão - um heroísmo que lhe im-
punham seu pavor de não manter a palavra com Mr. Garth, seu amor por
Mary e o medo dos julgamentos dela. Partiria ele para a feira de cavalos
era difícil que o cavalo desse mais de trinta libras, e não havia como
saber o que poderia acontecer: seria pura loucura descrer da sorte antes
da hora. Era probabilíssimo que uma boa chance surgisse em seu cami-
258
GEORGE EuoT
nho: quanto mais pensava nisto, menos lhe parecia possível que a não
tivesse, e menos razoável não se munir de pólvora e cartuchos para abatê-
opiniões que expressassem. Antes de partir, Fred apanhou com sua mãe
as oitenta libras.
nada grosseiro, que até olhava com desdém para as maneiras e a fala dos
estrofes tão pastoris e sem volúpia como o som da flauta em seus lábios,
sua atração por Bambridge e Horrock era um fato interessante que nem o
amor por cavalos explicaria de todo sem essa influência misteriosa dos
lha humana. Sob qualquer outro nome que não "prazer," decerto, o con-
vívio com Messieurs Bambridge e Horrock teria sido visto como monóto-
no; e chegar com eles a Houndsley na garoa da tarde, apear no Red Lion
numa rua negra de fuligem, jantar num recinto decorado por um imundo
que dava tratos à imaginação. Seu traje, já num bater de olhos, eviden-
chapéu, que subia no menor ângulo possível, apenas para escapar à sus-
peita de se dobrar para baixo), e o rosto que a natureza lhe dera, por
força dos seus olhos mongóis e de um nariz, boca e queixo que pareciam
MIDDLEMARCH
259
ções, mas que talvez nunca tenha causado tanta impressão à juventude
silêncio, com um perfil nem mais nem menos cético que anteriormente.
e ele era uma figura de proa no bar e no salão de bilhar do Green Dragon.
Sabia casos sobre os heróis do turfe, como sabia de muitos golpes esper-
do; o número de léguas que podiam cobrir em pouco tempo sem perder
jurando que jamais tinham visto nada igual. Mr. Bambridge, em suma,
Fred era sutil, e não havia falado a seus amigos que iria a Houndsley
te que verdadeira opinião eles tinham sobre seu valor, não sabendo que
260
GEORGE ELIOT
uma opinião verdadeira era a última coisa a poder ser extraída de tão
uma idéia.
"Você deu um passo errado quando resolveu fazer negócio com ou-
tro e não comigo, Vincy! Porque nunca você teve entre as pernas um
cavalo mais completo do que aquele castanho, e foi trocá-lo por este
pangaré. Este, se a gente o põe a meio galope, sai logo bufando tanto
há uns sete anos atrás ele ainda o atrelava no seu cabriolé, e bem que
quis que eu ficasse com a raridade, mas eu disse: "Não, Peg, muito obri-
disse. E a chacota correu por toda a região. Mas o cavalo, que diacho!,
"Ora esta, você acaba de dizer que o dele era pior do que o meu,"
"Nada, a não ser que o tal ruão era melhor de trote que o seu."
"Pois sei é que estou muito satisfeito com o passo dele," disse Fred,
da para suportá-lo; "ouso até dizer que seu trote é um dos mais regula-
Mr. Horrock olhou à frente com uma neutralidade tão completa como
ra; mas ao refletir ele achou que tanto a depreciação de Bambridge quanto
Bambridge, apareceu no Red Lion e logo puxou conversa sobre sua in-
MIDDLEMARCH
261
ser atrelado; pois ele estava para se casar e desistir das caçadas. O cavalo
teve de ser alcançada por uma rua nos fundos onde seria tão fácil alguém
brosa desta época alheia às condições de higiene. Fred não saíra fortale-
cido pelo conhaque contra o nojo, como seus companheiros, mas a cren-
ao mesmo tempo não quisesse comprá-lo; todos que tinham visto o ani-
fazendeiro, quando disse que cavalos piores ele já tinha visto vendidos
por oitenta libras. Claro está que se contradisse vinte vezes, mas, quan-
go curto, tinha dado para mostrar que ele o julgava digno de considera-
libras de quebra, numa troca pelo Diamond. Neste caso Fred, quando se
desfizesse do seu novo cavalo por pelo menos oitenta libras, e tendo
com tal clareza a importância de não perder esta chance rara que, se
262
GEORGE EuoT
nalguma coisa é forçoso e, seja qual for o nome que se der a esta coisa,
na posse do malhado cinza, pelo valor de seu cavalo velho mais trinta
feira ele partiu sozinho para a viagem de mais de vinte quilômetros, dis-
posto a fazê-la com toda a calma e a manter seu cavalo em boa forma.
CAPÍTULO XXIV
- SHAKESPEARE: Sonnets.
- SHAKESPEARE: Sonetos."
fundo, pior que tudo que já conhecera na vida. Não que se decepeionas-
se quanto à possível venda de seu cavalo, mas sim que, antes de ser
no qual fora investida uma esperança de oitenta libras, sem dar sinal de
por pouco tendo escapado de matar o palafreneiro para afinal ter-se gra-
já sabiam decerto antes da cerimônia. Por esta ou por aquela razão, Fred
"Soneto 34.
264
GEORGE ELIOT
Garth de perdas, Fred sabia e até muitíssimo bem que o pai se recusaria
deprimido estava ele que era incapaz de vislumbrar outra saída a não ser
quando soubesse, ficaria uma fera com aquele monstro perverso em seu
char-se com toda a sua coragem para se haver com o maior. Pegou por-
tanto o cavalo do pai, tendo decidido que, após conversar com Mr. Garth,
iria até Stone Court para confessar tudo a Mary. De fato, não fosse a
existência de Mary e o amor que ele nutria por ela, é provável que a
consciência de Fred tivesse sido muito menos ativa, tanto em ficar repi-
esquivar, como era seu hábito, pospondo sempre uma desagradável ta-
refa, mas sim a agir tão simples e diretamente quanto pudesse. Até mor-
tais muito mais fortes do que Fred Vincy mantinham sua retidão com o
pensamento voltado para o ser que eles mais amavam. "O teatro de
melhor amigo morreu; e felizes são os que têm um teatro onde a audiên-
para Fred na época se Mary Garth não dispusesse de noções bem claras
Mr. Garth não estava no escritório, e Fred foi para a residência dele,
que ficava um pouco fora da cidade - uma casa bem simples com um
sede de fazenda, mas agora estava rodeada pelas hortas particulares dos
fisionomia própria, como nossos amigos. A família Garth, que não era
nada pequena, pois Mary tinha quatro irmãos e uma irmã, adorava sua
cheiro delicioso de maçã e marmelo, e até hoje nunca fora ali sem agra-
dáveis expectativas; mas seu coração batia agora intranqüilo porque ele
talvez tivesse de fazer sua confissão diante de Mrs. Garth, que lhe inspi-
rava mais temor que o marido. Não que ela se inclinasse, como Mary, ao
mãe de família, Mrs. Garth não se permitia jamais ser afobada ao falar;
MIDDLEMARCH
265
lar. Possuía ela esse sentido raro que discerne o que é inalterável e se
ma, renunciara a toda vaidade por coisas como bules de chá ou vestidinhos
das vizinhas sobre a falta de prudência de Mr. Garth e as somas que ele
poderia ter ganho, se fosse como os outros homens. Donde as boas vizi-
quando falavam dela com seus maridos, como "a tal da Mrs. Garth."
Esta não deixava de as criticar por seu turno, tendo tido instrução mais
naturais. Mas deve-se admitir também que Mrs. Garth abusava da ênfa-
cozinha atrás dela, com seu livro ou sua lousa. Julgava bom para eles
que vissem como ela podia fazer uma excelente espuma de sabão en-
quanto corrigia seus erros "sem olhar," - como uma mulher que arrega-
çava as mangas acima dos cotovelos podia saber tudo sobre o Modo
ção" e outras boas coisas terminadas em "ção", e que mereciam ser pro-
nunciadas com ênfase, sem ser uma boneca inútil. Ao fazer observações
palavras que lhe afluíam como em cascata eram pronunciadas numa voz
de contralto, agradável e férvida. Certamente a exemplar Mrs. Garth os-
Para com Fred seus sentimentos eram matemais, e ela estava sem-
Mary caso se comprometesse com ele, estando sua filha incluída na-
266
GEORGE ELIOT
quele julgamento rigoroso que ela aplicava a seu próprio sexo. Mas já o
gradáveis do que havia esperado; pois Caleb Garth saíra cedo para visto-
riar umas obras, não muito longe. Mrs. Garth em certas horas estava
um lado do cômodo tão bem arejado, vigiando por uma porta aberta os
diante dos seus livros e lousas. No extremo oposto da cozinha, uma tina
também lavada.
esperar, vendo-se a mãe, que a filha fosse ficar que nem ela, perspectiva
avulta por detrás da filha como uma profecia maligna - "Tal como eu
"Oh - quer dizer - que a gente tem de pensar no que quer di-
que serve?"
MIDDLEMARCH
267
compreender," disse Mrs. Garth, com uma severa precisão. "Você gosta-
"Gostaria sim," disse Ben, resoluto; "é mais gozado. Quando ele diz
", mas ele diz "Tem uma velha no jardim," ao invés de "uma ove-
lha,` disse Letty, com ar de superioridade. "A gente podia achar que era
"Só não podia se voce não fosse enjoada," disse Ben. "Como que
tante da gramática," disse Mrs. Garth. "Estas cascas de maçã, Ben, são
para os porcos; se você comê-las, terei de dar para eles o seu pedaço de
torta. O Job só precisa falar das coisas simples da vida. Mas você, como
acha que vai conseguir escrever ou falar sobre assuntos mais difíceis, se
não souber mais gramática que ele? Decerto vai usar palavras erradas,
caso?"
"Eu? Darei o fora sem ligar para nada," disse Ben, convencido de
"Pelo que vejo, o cansaço já o deixou meio bobo, Ben," disse Mrs.
Cincinato."I
"Que isso, Ben, era um romano! - deixe que eu contof disse Letty,
terraf
"Sim, mas antes disto - não foi assim que começou - primeiro o
"Está bem, mas primeiro a gente tem de dizer que tipo de homem
que ele era," insistiu Ben. "Era um homem que sabia muito, como meu
pai, e por isto o povo queria seus conselhos. E era um homem valente,
chamado a Roma de
268
GEORGE ELIOT
"Peraí, Ben, deixe eu logo contar a história toda, como mamãe con-
tou pra gente," disse Letty, já fazendo cara feia. "Por favor, mãe, diga ao
va da tina. "Quando seu irmão começou, você deveria ter esperado para
ver se ele seria capaz de contar a história. Que grosseira você parece que
los! Estou certa de que Cincinato lamentaria muito, se visse a filha dele
se comportar assim." (Esta frase horrorosa foi dita por Mrs. Garth com
todos uns broncos, e - não, não sei contar como você contou - mas sei
que eles queriam um homem para ser comandante e rei e tudo -"
"Que isso, Ben, você não é tão ignorante assim," disse Mrs. Garth,
com cuidado para não sair do sério. "Mas ouçam, estão batendo na por-
tinha voltado, mas a mãe estava na cozinha, Fred não teve alternativa.
por acaso ela estivesse ao trabalho. Em silêncio ele passou o braço pelos
ombros de Letty e com ela foi para a cozinha, sem seus carinhos e brin-
cadeiras de praxe.
Mrs. Garth surpreendeu-se por ver Fred àquela hora, mas a surpresa
não era um sentimento que fosse dada a expressar, e ela apenas disse,
"Você, Fred, já tão cedo assim? E está tão pálido. Aconteceu alguma
coisa?"
"Quero falar com Mr. Garth," disse Fred, ainda não preparado para
dizer mais - "e também com a senhora," acrescentou após breve pausa,
pois não tinha dúvida de que Mrs. Garth sabia tudo sobre a promissória,
que imaginou algum problema entre Fred e o pai dele. " certo que não
MIDDITMARCH
269
feito esta manhã. Você se importa de ficar comigo, enquanto acabo aqui
meus afazares?"
"Não, agora vá para fora. Mas largue este chicote aí. Que maldade,
"Hoje não - outro dia. O cavalo com que eu estou não é meu."
"Diz a ela pra vir aqui em casa logo, pra gente brincar e fazer um
jogo de prendas."
"Chega, Ben, chega! vá dar uma volta," disse Mrs. Garth, ao ver que
"Letty e Ben são os seus únicos alunos agora, Mrs. Garth?" disse
coisa para passar o tempo. Ele não tinha ainda certeza se deveria esperar
e ir-se embora.
tenho feito muito dinheiro," disse Mrs. Garth, com um sorriso. "No to-
cante a alunos, a maré anda baixa. Mas consegui juntar minhas econo-
Não, não era uma boa introdução à notícia de que Mr. Garth estava
à beira de perder mais do que tal quantia. Fred ficou calado. "Com os
rapazes que vão para o colégio o gasto é ainda maior," prosseguiu ino-
quer dar uma boa oportunidade ao garoto. Aliás, ele está chegando! Já
posso até ouvir seus passos. Vamos lá para a sala para encontrá-lo?"
"E então, meu jovem!" disse ele num tom de leve surpresa, manten-
270
GEORGE ELIOT
"Bem, Mr. Garth, vim para lhe dizer uma coisa que eu temo venha a
levá-lo, a não pensar bem de mim. Vim dizer ao senhor e a Mrs. Garth
que eu não posso manter a minha palavra. Não consigo arranjar dinhei-
ro para liqüidar a dívida. Não tive sorte; para pagar as cento e sessenta,
"Pois é, eu não lhe havia dito nada, Susan: avalizei uma promissória
para o Fred; era de cento e sessenta libras. Ele me garantiu que ia poder
pagar."
Houve uma evidente mudança no rosto de Mrs. Garth, mas foi como
"Suponho que você tenha pedido o resto do dinheiro a seu pai, e ele
há de ter recusado!"
ainda; "mas sei que de nada adianta pedir a ele; e, mesmo que adiantas-
assunto."
"Bem, aconteceu numa hora muito imprópria," disse Caleb, com sua
hesitação costumeira, baixando os olhos para as notas e tocando nervo-
bem justas, como um alfaiate. Que podemos fazer, Susan? Vou ter de
gem do Alfred," disse Mrs. Garth, decidida e grave, embora ouvidos apu-
rados pudessem ter discernido aqui e ali nas palavras um ligeiro tremor.
"E não duvido de que a Mary, a essa altura, já conte com vinte libras que
Mrs. Garth não voltara a olhar para Fred, mas não calculava nem um
pouco que palavras deveria empregar para deixá-lo sem graça. Mulher
excêntrica que era, ela agora se aborvia em pensar o que precisava ser
MIDDLEMARCH
273
primeira vez ela fizera Fred sentir como o remorso dói. Curiosamente, a
dor que antes ele havia sentido em relação ao problema quase que se
que sua falta de palavra poderia ocasionar para eles, pois este exercício
grande maioria criados pela noção de que o motivo mais nobre para não
cometer um erro é algo desvinculado dos seres que poderiam sofrer com
guiu gaguejar.
"Sim, mais tarde," disse Mrs. Garth, que, tendo particular aversão
um epigrama. "Só que os rapazes mais tarde já não aprendem bem: de-
vem começar a aprender aos quinze anos." Nunca ela estivera tão pouco
inclinada a perdoá-lo.
"O erro maior foi meu, Susan," disse Caleb. "Fred garantiu que ia
arranjar o dinheiro. Mas eu não tinha por que botar as mãos nestas
notas. Suponho que você tenha andado por aí e tentado todos os meios
trinta libras na mão, não fosse o azar que tive com um cavalo que já
estava quase vendendo. Meu tio me havia dado oitenta libras e eu, en-
trando com meu cavalo velho pelo valor de trinta, pude ficar com um
outro que iria vender por oitenta ou mais - só que agora ele mostrou
diabo, com os cavalos juntos, antes de lhe trazer este problema! Não há
muito bons para mim. Mas dizer isto, eu sei, não adianta. Vocês agora
"Estou decepeionada com Fred Vincy," disse Mrs. Garth. "Nunca te-
ria acreditado que ele o fosse envolver em suas dívidas. Eu sabia que ele
era extravagante, mas não pensava que chegasse a ser tão indigno a
272
GEORGE ELIOT
ponto de se pendurar com seus riscos no mais velho amigo que tinha, e
do. "Mas eu não iria proclamar isto em praça pública. Por que você
tem de esconder as coisas de mim? tal e qual como com seus botões;
quando eles caem, não me diz nada, e depois sai por aí com os punhos
melhor solução."
"Foi um golpe, Susan, eu sei, e você está muito triste," disse Caleb,
seus maus hábitos. Assim como há homens que dão para beber, você
deu para trabalhar de graça. Você devia ser um pouco menos condescen-
dente com isto. E agora deve dar um pulo na Mary e perguntar quanto
"Oh, não! Ela está sempre rindo dele; e nada indica que ele pense
ças pelo qual o corpo social é nutrido, vestido e posto sob um teto. Afã
MIDDLEMARCH
273
exato devesse ser realizado - todas estas visões de sua juventude ti-
nham agido sobre ele como uma poesia sem a ajuda dos poetas, feito-
lhe uma filosofia sem a ajuda dos filósofos, uma religião sem ajuda da
teologia. Sua primeira ambição fora ter uma participação tão ativa quan-
to possível neste sublime afã que era particularmente dignificado por ele
um mestre, tendo aprendido mais por conta própria, ele entendia mais
dado.
Sua classificação das ocupações humanas era um pouco primária e,
tros deuses que não os seus. Da mesma forma, pensava muito bem de
qual ele não tivesse com o "trabalho" esse contacto íntimo que tantas
sem o tema, eu acredito que suas divindades virtuais eram os bons pla-
tos: seu príncipe das trevas era o trabalhador negligente. Mas não havia
finanças lhe escapava porém: ele tinha ciência dos valores, mas era des-
ressem tal talento. Dera-se por inteiro aos muitos tipos de atividade que
274
GEORGE ELIOT
sos, nos limites de seu próprio distrito, a quem todos queriam dar traba-
lho, porque fazia tudo bem feito, cobrava muito pouco e às vezes mes-
com isto.
CAPÍTULO XXV
FRED VINCY QUERIA chegar a Stone Court quando Mary não pudesse
neste caso que ela estivesse sozinha na sala revestida por lambris de
madeira. Deixou pois seu cavalo no terreiro, para evitar fazer barulho no
276
GEORGE EuoT
cascalho da frente, e entrou na sala sem nenhum outro aviso que não o
ergueu os olhos ainda com alegria no rosto. Uma alegria que porém se
dissipou pouco a pouco quando ela viu que Fred se aproximava sem
indagadoramente:
"Sei que você nunca mais há de pensar bem de mim. Vai-me achar
com você, nem com sua mãe e seu pai. Você sempre me torna pelo pior,
eu sei."
"Não posso negar que hei de pensar tudo isto a seu respeito, Fred,
se para tanto me der boas razões. Mas, por favor, diga-me logo o que foi
para assinar uma promissória. Eu pensava que isto, para ele, não teria
tei todo o possível. Mas agora, meu azar foi tanto - deu tudo errado
pedir dinheiro ao meu pai: ele não me daria um tostão. E meu tio ainda
há pouco me deu cem. Que posso fazer então? Como seu pai agora não
dispõe da quantia, sua mãe terá de entrar com noventa e duas libras que
havia juntado, e diz ela que o que você guardou vai ser preciso também.
primir mal se formava. Olhava reto para a frente e sem ligar para Fred,
nunca.
lHester Lynch Piozzi, autora de Anecdotes of the Late Samuei Johnson, During
MIMUMARCH
277
"Por acaso isto alteraria o fato de minha mãe perder o dinheiro que ela
ganhou dando aulas por quatro anos seguidos, a fim de colocar o Alfred
com Mr. Hanmer? Você acha que a situação se tornaria mais agradável,
se eu o perdoasse?"
"Não tenho nada a dizer," disse Mary, já mais calma; "minha raiva é
mento. Mas não! Era fácil para Mary evitar olhar para cima.
disse ele, quando de novo já sentada ela cosia rápido. "E queria pergun-
tar-lhe, Mary - você não acha que Mr. Featherstone - se você dissesse
nosso dinheiro. Além disso, você acaba de dizer que Mr. Featherstone
lhe deu recentemente cem libras. muito raro que ele faça presentes; a
nós nunca fez. Tenho certeza de que meu pai não vai pedir nada a ele; e,
"Há outras coisas de que se ter mais pena. Mas as pessoas egoístas
sempre acham que seu desconforto é mais importante que tudo mais no
"O que eu sei é que quem gasta muito consigo mesmo, sem saber
como irá pagar, deve ser egoísta. As pessoas assim estão sempre pensan-
do no que podem conseguir para si, e não no que os outros podem per-
der."
de não poder pagar, quando esta era a intenção que tinha. Não há no
mundo homem melhor que seu pai, e no entanto ele se viu em apuros."
"Como ousa fazer comparação entre meu pai e você, Fred?," disse
278
GEORGE ELIOT
"E você acha que eu nunca vou tentar evitar nada, Mary. Não é gene-
ele, creio que se deva tentar usá-lo para o tornar melhor; mas isto é o
que você nunca faz. Pois bem, então vou-me embora," concluiu Fred,
distinta dessa coisa impiedosa e fútil que julgamos ser uma garota. Corri
pena que ela sentiu de Fred se sobrepôs à raiva e a todas as suas preocu-
pações.
vá tão cedo. Deixe-me avisar ao tio que você está aqui. Ele já estranhava
não o ter visto por toda uma semana." Mary falou correndo, dizendo as
palavras que por primeiro lhe vinham, sem saber muito bem quais elas
eram, mas dizendo-as num tom para acalmá-lo, e ao mesmo tempo de
"Diga uma palavra, Mary, que eu faço não importa o quê. Diga que
num tom pesaroso. "Como se já não fosse muito penoso para mim vê-lo
como pessoa ociosa e frívola. Não sei como agüenta ser tão desprezível,
- como agüenta não estar dando para nada que seja útil na vida? Com
tudo o que há de bom em você, Fred, - você poderia ser de grande valia."
"Tentarei ser o que você quiser, Mary, qualquer coisa, se disser que
me ama."
"Eu teria vergonha de dizer que amava um homem que vive depen-
dendo dos outros e contando com o que fariam por ele. Que será você
aos quarenta? Como Mr. Bowyer, suponho - um vadio que nem ele,
MIDDLEMARCH
279
logo ela colocara a questão sobre o futuro de Fred (as almas jovens são
volúveis), e antes de ela parar de falar seu rosto já estava iluminado pela
alegria mais plena. Para ele foi como a cessação de uma dor que Mary
ainda pudesse rir dele e, com uma espécie passiva de sorriso, tentou
pegar na mão dela; mas ela se escapuliu para a porta, e disse: "Vou
avisar o tio. Você deve falar com ele um pouquinho."
coisa" que estava pronto a fazer se ela definisse o que era. Nunca ele
Tudo isto lhe veio frouxamente à cabeça antes de ele subir para ver seu
e Mary não reapareceu antes de ele partir. No caminho para casa, Fred
começou a notar que era mais doente do que melancólico que ele se
sentia.
velho, por sua vez, não se sentia muito à vontade com um cunhado que
ele não podia atormentar, que não se importava de ser considerado po-
cultura e mineração mais do que ele. Mary tinha certeza de que seus pais
iam querer vê-la e. se seu pai não tivesse vindo, haveria de conseguir
uma folga para passar uma ou duas horas no dia seguinte em sua casa.
Após uma discussão sobre preços, durante o chá com Mr. Featherstone,
Caleb levantou-se para despedir-se e disse: "Quero falar com você, Mary."
Ela foi com uma vela para um outro salão que o fogo não aclarava e,
como ela estava em tudo o mais, Caleb achava natural que Fred ou qual-
quer outro pudesse achar Mary mais gostável do que outras moças.
"Tenho uma coisa a lhe dizer, minha filha," disse Caleb a seu modo
hesitante. "Não é notícia muito boa; mas bem que podia ser pior."
280
GEORGE ELIOT
"Ah, como pode ser? Pois então é isto, fui meio tolo outra vez e pus
meu nome numa promissória, e o jeito agora é pagar; e sua mãe resolveu
entrar com as economias dela, e o pior é isto, e nem mesmo assim vai
dar para chegar à quantia. Precisamos de cento e dez libras: sua mãe tem
noventa e duas, e eu, nada disponível no banco; e ela pensa que você
"Oh, tenho sim; tenho mais de vinte e quatro libras. Eu achei que
você viria, pai, e até pus tudo na bolsa. Veja! belas notas novas e moedas
de ouro."
seu pai.
to de novo, minha filha - mas como você sabia disto?" disse Caleb que,
sobretudo com a relação que este assunto poderia ter com os sentimen-
tos de Mary.
"Temo que o Fred não seja digno de confiança, Mary," disse o pai,
com hesitante ternura. " melhor nas intenções que nos atos, talvez.
Mas penso eu que seria uma lástima para a felicidade de alguém se en-
volver com ele, e o mesmo pensa sua mãe."
"E eu também, papai," disse Mary, não erguendo os olhos, mas pon-
"Não quero ser indiscreto, minha filha. Mas eu temia que pudesse
haver alguma coisa entre você e o Fred, e queria preveni-la. Veja bem,
o seu chapéu sobre a mesa e a olhar para ele, mas finalmente virou os
olhos para sua filha - "uma mulher, por melhor que possa ser, tem de
agüentar a vida que o marido lhe dá. Sua mãe tem tido de agüentar
Mary levou o dorso da mão do pai a seus lábios e sorriu para ele.
cabeça como que para compensar a inadequação das palavras - "o que
estou pensando é - bem, o que deve ser para uma esposa quando ela
faça mais temeroso de não andar junto de outros na linha que de levar
uma pisada no pé. Em resumo isto é tudo, Mary. Dois jovens podem
MIDDLEMARCH
281
que ela é um feriado sem fim, se ao menos conseguem ficar bem juntos;
mas logo a vida vira dia de trabalho, querida. Você no entanto tem mais
bom senso que a maioria e não foi criada em berço de seda: talvez não
seja a ocasião para eu dizer isto, mas um pai se inquieta por sua filha, e
"Não tema por mim, papai," disse Mary, olhando-o séria nos olhos;
ocupem dele. Você e minha mãe me ensinaram muito orgulho para isto."
apanhando seu chapéu. "Mas é duro evadir-me com seus ganhos, filha."
além disto para todos lá em casa o bolso cheio de amor" foi sua última
"Seu pai queria o seu dinheiro, suponho," disse o velho Mr. Fea-
voltou para junto dele. "Ele vive passando apertos, eu sei. E você agora
Mr. Featherstone grunhiu: não podia negar que de uma moça assim
tão comum era de se esperar que fosse útil, e pensou pois noutra ques-
voltar aqui amanhã, não o retenha com suas conversinhas: mande ele
CAPÍTULO XXVI
at me."
batendo nele.")
- Troilo e Créssida.1
NO DIA SEGUINTE Fred Vincy não foi porém a Stone Court, por razões
que havia sido um mau negócio, mas também com a desgraça adicional
de uma doença que por um ou dois dias pareceu ser simples desânimo e
dor de cabeça, mas que piorou tanto quando ele retornou da visita a
Stone Court que, atirando-se num sofá logo depois de entrar na sala,
Wrench veio mas não descobriu nada de grave, falou de uma "ligeira
deração pela família Vincy, mas a rotina costuma embotar até os homens
bimbalha. Mr. Wrench era um homem baixo, limpo, bilioso, com uma
MIDDLEMARCH
283
negro e drástico. Seu efeito não trouxe alívio algum ao pobre Fred, que
desceu para tomar seu café, mas não conseguiu senão sentar-se à beira
Dr. Sprague.
ardente e seca, "vou ficar bom logo. Devo ter-me resfriado quando eu
da Lowick Gate), Iá vai Mr. Lydgate, parando para falar com alguém. Se
certo a fazer.
vir outra vez. Lydgate percebeu logo que poderia surgir algum problema
com Wrench; mas o caso era bem sério para levá-lo a afastar tal conside-
284
GEORGE ELIOT
ror da pobre Mrs. Vincy ante estas indicações de perigo expressou-se nas
palavras que lhe ocorreram mais facilmente. Ela achou que era "muito
amigo. Como podia Mr. Wrench se esquecer mais de seus filhos que de
outros, por nada nessa vida ela conseguia entender. Não se esquecera
dos de Mrs. Larcher, quando eles tiveram sarampo, nem iria Mrs. Vincy
riam ainda estar latentes e que este tipo de febre era muito enganador a
ceita para não perder tempo, mas escreveria a Mr. Wrench e dir-lhe-la o
posso deixar meu filho entregue a alguém que ora pode, ora não pode vir,
Não quero mal a ninguém, graças a Deus, e Mr. Wrench me salvou de uma
"Virei então encontrar-me com Mr. Wrench aqui, está bem?" disse
dentro.
Mr. Vincy ao chegar em casa ficou furioso com Wrench, pouco ligan-
do se ele nunca mais voltasse a vir ali. Lydgate agora,- gostasse ou não
Wrench, devia tocar a coisa. Não era uma brincadeira ter febre em casa.
Desde já ter-se-la de avisar todo mundo para não, vir jantar terça-feira. E
sar tudo isto - senão, quem vai querer um primogênito assim eu não
sei."
.Não diga isto, Vincy," disse a mãe com os lábios trêmulos, "se não
MIMUMARCH
285
Mr. Vincy, mais suavemente. "No entanto, Wrench saberá o que eu pen-
"Eu seria o último a aderir a essa grita sobre novos médicos ou novos
Wrench não recebeu nada bem. Lydgate foi tão polido quanto podia
à sua moda pouco cerimoniosa, mas a polidez num homem que nos
de honra; e dentre eles Mr. Wrench era um dos mais irritáveis. Não se
"Oh, Mr. Wrench, que foi que eu fiz para tratar-me assim? - Ir-se
embora e nem voltar! E meu garoto que agora poderia ser um defunto!"
viu Wrench chegando, e foi para a saleta de entrada para fazê-lo saber o
que pensava.
"Tois bem, Wrench, digo-lhe que é mais que uma brincadeira," dis-
"Deixar a febre se instalar assim numa casa, sem se dar conta. Há certas
coisas que deviam ser objeto de ação, e que não são - eis o que eu
penso."
verdade," disse mais tarde Mr. Wrench, é que Lydgate alardeava passa-
geiras noções vindas de fora que não iriam pegar. No momento ele en-
nhando o caso. Boa podia ser a casa, mas Mr. Wrench não se iria humi-
lhar ante ninguém numa questão profissional. Refletiu, com grande pro -
GEORGE ELIOT
ção fáctível junto a pessoas crédulas. Aquela bela cantilena sobre curas
Era um ponto que atingia Lydgate tão a fundo quanto Wrench podia
balho teria de ser feito, e era bem provável que ele se causasse algum
dano, tal como queria Mr. Wrench, por usar de muita franqueza, coisa
ziam que o comportamento dos Vincys havia sido escandaloso, que Mr.
lá fora providencial, que ele era de fato uma sumidade em febres e que
dia enquanto ia tricotando, tinha posto na cabeça que Mr. Lydgate era
os leigos evangélicos.
"Ora esta, mamãe," disse Mr. Farebrother, após uma gargalhada ex-
plosiva, "você sabe muito bem que Lydgate é de uma boa família do
Norte. Ele nunca tinha ouvido falar de BuIstrode antes de vir para cá."
CAPÍTULO XXVII
mesmo um móvel feio em sua casa, quando o eleva à serena luz da ciên-
esta grande superfície de aço polido que é feita para uma criada limpar,
você puser contra ele, como centro de iluminação, uma vela acesa, todas
propagando-se sua luz com uma exclusiva seleção óptica. Tais coisas são
288
GEORGE ELIOT
lher, era de fato digna de pena; e Mr. Vincy, que adorava a esposa, alar-
mava-se mais por sua causa que pelo estado de Fred. Não fosse a insis-
tência dele, jamais ela teria tido descanso: todo seu brilho se toldara;
indiferente às suas roupas, antes sempre tão alegres e limpas, ela era
dos, com os sentidos bloqueados para os sons e visões que mais lhe
cia vagar fora do alcance dela, lacerava-lhe o coração. Apó.s sua primeira
explosão com Mr. Wrench, ela passara a se mover em silêncio: seu rogo
contínuo a Lydgate era expressado em voz baixa. Ela o seguia para fora
Um dia implorou: "Ele sempre foi tão bom para mim, Mr. Lydgate: nun-
bre Fred fosse uma acusação contra ele. Todas as fibras mais profundas
mais brando quando se dirigia a ela, formava um só com o bebê que ela
havia amado, com um amor que lhe era novo, antes de ele nascer.
ela o consultava sobre alguma coisa que pudesse fazer por sua mãe.
executava o que ele sugeria, e não espanta que a idéia de estar com
jazia não só carente mas também cônscio dos mais extremos agrados:
Mrs. Vincy pôde sentir assim que a doença, ao fim e ao cabo, tinha sido
Tanto o pai quanto a mãe tiveram uma razão a mais para alegrar-se
MIDDLEMARCH
289
que Fred devia ficar bom bem depressa porque ele, Peter Featherstone,
por seu turno, ficava cada vez mais preso à cama. Mrs. Vincy deu o reca-
do quando Fred estava podendo ouvir, e ele virou para ela seu delicado
Mary - pensando no que ela sentiria sobre sua doença. Não lhe saiu
uma palavra da boca; mas "ouvir com os olhos faz parte da finura do
satisfazê-lo.
"Se ao menos eu puder ver meu filho forte de novo," disse ela, em
sua louca adoração; "e, quem sabe? - talvez senhor de Stone Court! e
meio infantil, e foi com lágrimas nos olhos que ele falou.
sas pelos dois mantidas estivessem criando essa peculiar intimidade que
para o outro, e de algum modo este olhar não podia ser sustentado
para baixo, ou para qualquer lugar, como uma marionete mal manobra-
da. E o resultado foi pior: no dia seguinte, quem olhou para baixo foi
novo, ambos estavam mais conscientes que antes. Nisto a ciência não
podia ajudar e, como Lydgate não queria flertar, nem a loucura parecia
poder. Foi por conseguinte um alívio quando a vizinhança não mais con-
"No original: "To hear with eyes belongs to love"s fine wit" (Shakespeare,
Soneto 23).
290
GEORGE ELIOT
dade, dando vida outra vez aos seus encontros. Como de hábito as visi-
ouvir sua música e se declarava cativo - mas não dando a entender que
quisesse ser seu escravo. A idéia absurda de que de imediato ele pudes-
se criar uma situação satisfatória como homem casado era uma boa ga-
cadeira gostosa, que não interfiria com objetivos mais graves. O flerte,
Rosamond, por sua vez, nunca antes na vida se deleitara tanto com seus
dias: tinha certeza de ser admirada por alguém que valia a pena cativar,
cia vogar com um vento favorável até o mais longe que pudesse ir, e seus
bela casa que ela esperava ia vagar em breve. Estava firmemente decidi-
da, quando se casasse, a se livrar de todas as visitas que em casa de seu
pai não lhe causavam agrado; e imaginava a sala da casa de seus sonhos,
Larcher! Rapazes estes que não tinham a menor noção de francês, não
tário. Ao passo que Lydgate era sempre ouvido, portava-se com a poli-
roupas certas por uma espécie de afinidade natural, sem jamais ter de
MIDDLEMARCH
291
da patologia humoral ou dos tecidos fibrosos: era a seu ver uma das
Mas Rosamond não era uma moçoila indefesa, dessas que involun-
ro. Imagina você que aquela rápida antecipação e ruminação que a fez
pensar nos móveis da casa e nas companhias alguma vez se tornou per-
ceptivel nas conversas que tinha, mesmo com sua mãe? Pelo contrário, ela
loura beleza que constituía a mulher irresistivel para a sina dos homens
desta época. Mas não pense injustamente mal dela, por favor: não era
efeito, nunca pensava em dinheiro a não ser como uma coisa necessária
não era também sob esta luz que elas eram pensadas - estavam entre
por consenso geral (à exceção de Fred) era uma rara mistura de beleza,
inteligência e amabilidade.
Lydgate achou cada vez mais gostoso estar com ela, e não havia
olhos, e o que diziam tinha para eles essa superfluidade de sentido que
bem que não tivessem encontros nem conversas à parte, de que uma
sentia-se seguro na crença de que mais do que isto eles não faziam. Se
um homem não podia amar e ser prudente, certamente poderia sê-lo e
292
GEORGE ELIOT
interessava por política comercial nem por cartas: que faria então para
com todos os seus defeitos, era por contraste a mais agradável; além
disso, nela vicejava Rosamond - doce de olhar como uma rosa entrea-
homem.
Contudo ele fez alguns inimigos, além dos da área médica, por seu
sucesso com Miss Vincy - Uma noite chegou um pouco tarde, quando
mesa de jogo, Mr. Ned Plymdale (um dos bons partidos de Middemarch,
afortunado por poder ser o primeiro a folheá-lo com ela, detendo-se nos
til e Mr. Ned satisfeito de ter o que havia de melhor em literatura e arte
para "render homenagens" - a coisa certa para agradar a uma garota
Mr. Ned. Mantendo o livro aberto no cativante retrato, ele o olhava não
sem langor.
"Saiu com as costas muito grandes; parece até que ela posou de
que Lydgate ainda não tinha chegado. Enquanto isto, prosseguia com a
"Eu não disse que era tão bonita como você," disse Mr. Ned, que se
MIMUMARCH
293
Mas Lydgate entrou neste instante; o livro foi fechado antes de ele
não só com a presença de Lydgate, mas também com seu efeito: ela
está o Fred?"
"Como sempre; indo bem, mas devagar. Quero que ele vá para fora -
para Stone Court, por exemplo. Mas sua mãe parece fazer certa objeção."
"Coitado dele!" disse Rosamond com todo seu donaire. "Há de achar
(ícontamos com Mr. Lydgate como nosso anjo da guarda durante sua
doença."
"Por que a risada tão profana?" disse Rosamond, com meiga neutra-
lidade.
aqui vem escrito," disse Lydgate, em sua entonação mais convicta, en-
tajoso suas grandes mãos brancas. "Olhe só este noivo que vai saindo da
do? Garanto no entanto que a história o toma um dos mais finos cava-
"Há muita gente de renome firmado, seja como for, que escreve no
"Keepsake," disse ele, entre ofendido e tímido. " a primeira vez que o
294
GEORGE ELIOT
"Sir Walter Scott porém - suponho que Mr. Lydgate conheça," dis-
afastando de si. "Li tanto quando era garoto, que acho que já tenho para
"Eu gostaria de saber quando foi que parou," disse Rosamond, "por-
que assim posso conhecer alguma coisa que o senhor não conheça."
"mr. Lydgate diria que não valia a pena conhecer," disse Mr. Ned,
intencionalmente cáustico.
"O quê - o livro era de Mr. Plymdale? Peço desculpas. Eu nem pen-
sei nisto."
por pássaros."
metidos. Que algum dia fossem estar comprometidos era uma idéia de
promisso; mas esta era um mero negativo, uma sombra lançada por ou-
era quase certo, pendiam para o lado da idéia de Rosamond, que tinha
Landon (1803-
MIDDLEMARCH
295
Esta noite, ao voltar para casa, foi com inabalado interesse que ele
Além disso, ele estava começando a tomar gosto por sua rixa crescente
mas disfarçada com os outros médicos locais, que provavelmente se
sinais indicadores de que a não aceitação dele por alguns dos pacientes
cavalo para andar ao lado dela até a ter protegido de um rebanho que
passava, ele foi abordado por um serviçal a cavalo com um recado que
CAPÍTULO XXVIII
Ist Gent. All times are good to seek your wedded home
No life apart.
Lowick Manor em meados de janeiro. Caía uma leve neve quando de-
quarto de vestir para o boudoir verde e azul que conhecemos, viu a longa
mobiliário do quarto parecia ter encolhido desde que ela o vira pela
MIDDLEMARCH
297
enrolado e nos olhos cor de avelã; havia nos seus lábios a vida quente e
ma, uma inocência mesclada e senciente que mantinha sua beleza con-
breve Celia viria em sua dupla condição de dama de honor e irmã, e nas
faziam tudo para ela e ninguém pedia sua ajuda - onde o sentido de
que pudessem dar forma às suas energias. - "O que vou fazer?" "O que
298
GEORGE ELIOT
bem quiser, querida:" esta era a sua breve história desde que ela havia
senhora distinta: nem mesmo lhe preenchera o tempo livre com a alegria
Nos primeiros minutos em que olhou para fora, Dorothea nada sen-
ranças que viviam em sua mente quando ela viu pela primeira vez este
quarto quase três meses antes só se faziam presentes agora como me-
foram. Toda a existência parecia pulsar num ritmo mais lento que o dela,
se dela. Cada coisa lembrada ali no quarto era desencantada, morta como
uma transparência sem luz, até que seu olhar pervagante deu com o
grupo de miniaturas, onde por fim ela viu alguma coisa que fazia sentido
com ela, como se ela lhe prestasse atenção e pudesse ver como a estava
olhando. Ali estava uma mulher que tinha conhecido alguma dificuldade
era masculino e cintilou sobre ela com esse olhar direto que diz àquela
em quem bate que ela é muito interessante para que o mais leve movi-
MIDDLEMARCH
299
Mas o sorriso desapareceu, nisto que ela foi meditando e por fim diss(
em voz alta:
alguma coisa por ele. Talvez Mr. Tucker já tivesse ido embora e Mr.
presença.
que a recebeu em seus braços, e não disse mais nada. Penso que todas
"Nem preciso perguntar como vai, querida," disse Mr. Brooke após
beijá-la na testa. "Vejo que Roma lhe fez bem - a felicidade, os afrescos,
o antigo - esse tipo de coisa. Mas que ótimo tê-la por aqui novamente,
pensei até ter uma pista, mas vi que ela me levaria longe demais, e tal-
vez fosse dar em nada. Nesse tipo de coisa, sabe, a gente às vezes se
rido, inquietos com a idéia de que quem o via de novo após a ausência
fazer diferença. Para posar para o retrato do Aquino, a palidez até que
convinha - sua carta, sabe, nos chegou a tempo. Mas o Aquino hoje
hoje?"
30O
GEORGE ELIOT
sua ajuda.
"Sim; e você deve ir falar com Celia: ela tem grandes novidades para
suntos.
"Você acha que Roma é bom mesmo para uma lua-de-mel?" disse
Celia, com aquele brusco e delicado rubor a que Dorothea estava acos-
"Não para todo mundo - não para você, por exemplo," disse cal-
lua-de-mel em Roma.
quando se casam, uma viagem muito longa. Diz que elas se cansam
estão em casa. Lady Chettam diz que foi a Bath." A cor de Celia ia
me dar?"
"Foi só porque você viajou, Dodo. Porque assim não havia ninguém
a não ser eu com quem Sir James conversar," disse Celia, não sem um
tomando entre suas mãos o rosto da irmã, e olhando-a com certa ansie-
to boa."
", estou. Mas o casamento vai demorar, porque ainda falta prepa-
"No original: "To come and go with tidings fro, n the heart, / As à a
(Edrnund Spenser [1552-1599], The Facrie Queene, Canto IX, 51, 6-7).
MIDDLEMARCH
301
rar tudo. E eu não quero casar-me logo, porque acho muito bom ficar
"Acredito que você não poderia se casar melhor, Kitty. Sir james é
"Ele deu andamento às casas, Dodo. Há de lhe falar sobre elas, quando
"Eu só temia que você estivesse ficando muito sabida," disse Celia,
CAPÍTULO XXIX
comfort."
- GOLDSMITH.
("Constatei que o gênio alheio jamais podia agradar-me.
fonte de consolo.")
- GOLDSMITH.
chas na pele, coisas a que Celia fazia objeção, e de uma falta de curvas
musculares que era realmente penosa para Sir James, Mr. Casaubon ti-
por mais tempo sua intenção de matrimônio, ele havia refletido que, no
MIDDLEMARCH
303
mundo escurecia e a solidão aumentava, foi razão para ele não perder
Quando viu Dorothea, acreditou ter encontrado até mais do que es-
perava: ela realmente poderia ser uma companheira tão boa que o dis-
bon tinha um temor suspeitoso e a que nunca dera emprego. (Mr. Ca-
homem deva pensar em suas próprias qualificações para fazer feliz uma
encantadora jovem tanto quanto pensa nas dela para fazer feliz a ele
corpórea; e sua alma era sensível, porém não entusiástica: lânguida de-
nunca alçando vôo. Sua prática de vida era de um tipo digno de pena
304
GEORGE ELIOT
Arquidiácono nem os tivesse lido; tinha uma dúvida atroz sobre o que
ga convicção de que seu velho conhecido Carp havia sido o autor daque-
verbal. Impressões muito fortes, contra as quais era preciso lutar, e que
causavam essa amargura melancólica que é conseqüência de todas as
Mitologias, ainda por escrever. De minha parte lamento muito por ele.
Na melhor das hipóteses é uma sina incômoda ser o que nós considera-
lo, faminto - nunca ser totalmente possuído pela glória avistada, nunca
visão. Tornar-se deão ou mesmo bispo faria pouca diferença, temo, para
vida que por trás da grande máscara e do megafone hão de sempre estar
MIDDLEMARCH
305
felicidade com uma mulher bonita e jovem; mas mesmo antes do casa-
nova ventura não era venturosa para ele. Sua inclinação mais legítima
esforço que ele era sempre tentado a adiar, e que talvez nunca tivesse
tido início, não fosse a suplicante insistência dela. Mas ela logrou ter
como coisa acertada que ocuparia seu lugar bem cedo na biblioteca para
ler em voz alta ou copiar o que lhe fosse pedido. O trabalho foi fácil de
definir porque Mr. Casaubon tinha tomado uma decisão imediata: have-
vam Mr. Casaubon agitado: sua digestão se tornava difícil pela interfe-
rência das citações, ou pela rivalidade das frases dialéticas que soavam
uma contra a outra em seu cérebro. E desde o início havia uma dedicató-
ria em latim sobre a qual tudo era incerto, a não ser que ela não era para
que certa vez ele tivesse feito uma dedicatória a Carp na qual incluíra
este membro do mundo animal entre os viros nuflo aevo perituros um erro
cedo na biblioteca, onde ele tomara sozinho o seu café. Celia fazia então
teológicas.
306
GEORGE ELIOT
hora. Ia ela indo em silêncio para sua mesa quando ele disse, num tom
dever:
"Dorothea, há uma carta para você, que veio anexa a uma endereçada
a mim."
tura.
"Se quiser, pode ler a carta," disse Mr. Casaubon, que gravemente a
apontou com sua pena de escrever, sem olhar para a esposa. "Mas posso
de uma visita à nossa casa. Acredito que eu possa ser desculpado por
tão fortes que desde então lhe era mais cômodo dominar a emoção do
dáveis ao marido, esta defesa gratuita dele mesmo contra uma queixa
egoísta da parte dela, era uma alfinetada violenta demais para que após
ser sentida fosse objeto de reflexão ainda. Dorothea até já pensara que
poderia ter sido paciente com John Milton, mas nunca o imaginara se
mentas em seu íntimo, não emitiu na ocasião nem "um simples so-
o abalou, ela forçou Mr. Casaubon a olhar surpreso para ela e a encon-
"Por que me atribuir este desejo de algo que para você seria um
"No original: "newborn babe" e -stride the blast" - alusão a uma passagem do
Macbeth de
MIDDLEMARCH
307
voso.
uma esposa ideal - para tanto teria de ser pálida, ter o rosto inexpressivo
O fogo ainda não se dissipara e ela julgava ignóbil de seu marido não lhe
pedir desculpas.
"Por favor Dorothea, não falemos mais neste assunto. Não tenho
fosse retornar à escrita, embora sua mão tremesse tanto que as pala-
filosofia.
ninha de seu marido e foi para seu lugar, rejeitando a leitura de tais
cartas com a indignação e o desprezo que levava por dentro, tal como
repelimos qualquer escória que nos pareça ter feito suspeitos de reles
cupidez por ela. Nem de leve adivinhava as sutis fontes do mau humor
de seu marido sobre estas cartas; sabia apenas que elas o haviam moti-
travasava por ora na firmeza dos traços, e não se comprimia numa voz
articulada por dentro para declarar o outrora "afável arcanjo" uma infe-
liz criatura.
A aparente calma durou uma meia hora e Dorothea ainda não havia
sando mal. Num instante ela correu para ele, que manifestava grande
308
GEORGE ELIOT
Ele ficou parado por dois ou três minutos, que a ela pareciam não ter
melhorando quando Sir James Chettam chegou, após ter sido recebido
na biblioteca."
"Meu Deus! era justamente o que se podia esperar," foi seu pensa-
nha sido chamado. O mordomo nunca soubera que seu patrão preci-
facultativo?
médico.
"Recomendo chamar o Lydgate," disse Sir James. "Minha mãe o cha-
mou e achou-o fora do comum. Desde a morte do meu pai que ela tinha
ção. Foram pois em busca de Mr. Lydgate e ele veio na maior presteza,
Celia, na sala de visitas, não soube nada do que se passava até Sir
tão de flor é cingido por seu grande cálice. " mesmo um horror que Mr.
Casaubon esteja doente; mas eu nunca gostei dele. E penso que ele não
MIMUMARCH
309
"E uma nobre criatura," disse o bondoso e sincero Sir james. Ele
acabara de ter tido uma impressão desta espécie quando viu Dorothea
para ele com indizível dor. Mas quanto de arrependimento havia nesta
isto, mas que ele não ficaria bem com Dodo. "Devo ir falar com ela? Você
"Acho que seria bom você apenas ir vê-la antes de Lydgate chegar,"
James, havia feito, o casamento poderia ter sido evitado. Era uma lásti-
ma deixar menina ainda tão nova decidir cegamente seu destino assim
deste modo, sem nenhum esforço para salvá-la. Sir james de há muito
cessara de ter qualquer remorso: seu coração estava muito contente com
CAPÖTULO =
- PASCAL.
- PASCAL.
MR. CASAUBON NÃO teve um segundo ataque de gravidade igual à do
deu que a causa da doença era o erro comum dos intelectuais - uma
que se sentava por perto na ocasião, sugeriu que Mr. Casaubon deveria
ir pescar, como Cadwallader, e ter uma oficina com torno, fazer brinque-
gunda infância," disse o pobre Mr. Casaubon, com algum azedume. "Tais
"Confesso," disse Lyd -gte sorrindo, "que a distração é uma receita que
que se mantenham contentes. Talvez seja melhor lhe dizer que mais con-
MIDDLEMARCH
311
"Sim, sim," disse Mr. Brooke. "Ponha a Dorothea para jogar gamão
com você à noite. E também peteca - não há nada melhor do que pete-
verdade que os seus olhos talvez não agüentassem, Casaubon. Mas você
então mandar que a Dorothea leia para você coisas leves, Smollett - o
ela agora, não é?, sendo casada pode ler qualquer coisa. Lembro-me que
calças de um postilhão. Agora não temos tal humor. São coisas pelas
quais eu já passei, mas que para você ainda podem ser novas."
"Tão novas como comer cardos" teria sido uma resposta para repre-
sentar o que Mr. Casaubon sentia. Mas ele apenas se inclinou resignada-
mente, com o devido respeito pelo tio da esposa, e observou que sem
fora do quarto, "o Casaubon é limitado demais: fica meio perdido quan-
ria por isto; sempre fui versátil. Mas um clérigo é assim, vive todo amar-
bom por Peel. Sua vida teria mais movimento, mais animação; talvez até
muito esperta para tudo, minha sobrinha. Diga a ela que seu marido
falar com Dorothea. Quando seu tio enumerara aquelas sugestões agra-
Lydgate era levado a observar. Dizía-se ele que apenas cumpria seu de-
312
GEORGE ELIOT
Perguntou por Mrs. Casaubon e, ac saber que ela saíra para dar uma
falar a sós com ela, Dorothea abriu a porta da biblioteca, por acaso a
mais próxima, sem pensar em nada no momento a não ser o que ele
poderia ter a dizer sobre Mr. Casaubon. Era a primeira vez que entrava
cortinas. Mas a luz que entrava pelas estreitas vidraças acima das janelas
questão. Mas espero que Mr. Casaubon em breve volte a estar aqui. Ele
"O senhor não teme uma recaída?" disse Dorothea, cujo ouvido apu-
Lydg -te.
Lydgate. "O único ponto sobre o qual posso ter certeza é que será dese-
jável vigiar muito bem Mr. Casaubon, para impedi-lo de submeter a ten-
"Não agüento pensar que possa haver alguma coisa que eu não sabia e
lhe as palavras como um grito: era evidente que estavam dando voz a
causa.
"O que a senhora diz justifica meu próprio ponto de vista," disse
sível, é uma das funções do médico. Peço-lhe observar porém que o caso
de prever. Pode ser que ele viva uns quinze anos ou mais, sem que seja
Dorothea havia ficado muito pálida e, quando Lydgate fez uma pau-
MIMUMARCH
313
sa, ela disse em voz baixa: "O senhor quer dizer, se tornarmos muito
cuidado."
"Sei disto. O único jeito é tentar por todos os meios, diretos e indi-
pela afecção cardíaca que creio ter sido a causa de seu ataque recente.
Mas, por outro lado, é possível que a doença se desenvolva mais rápido:
é um dos casos em que às vezes ocorre morte súbita. Para afastar esta
tensa que nunca antes sua mente tinha abarcado em tão breve tempo
"Ajude-ine, por favor," disse ela enfim, na mesma voz baixa de an-
lidade.
"Oh, não daria certo - isto seria pior que tudo," disse ela num de-
dade."
"Espero que entenda que ao próprio Mr. Casaubon não direi nada
para esclarecê-lo. O desejável para ele, a meu ver, é que apenas saiba
que não deve trabalhar em excesso e que tem de obedecer certas regras.
que fosse."
314
GEORGE ELIOT
ço na voz:
inteira, sempre olhando em frente. Não liga para mais nada. E eu tam-
bém não
por este apelo involuntário - este grito de alma a alma, sem outra cons-
vel. Mas o que poderia ele dizer agora, a não ser que voltaria amanhã
sala, pensando que devia dar ordens para que a arrumassem como de
costume, já que agora Mr. Casaubon poderia querer vir ali a qualquer
momento. Sobre sua escrivaninha havia cartas que tinham ficado sem
tocar desde a manhã em que ele caíra doente, e entre elas, como Dorothea
bem se lembrava, estavam as do jovem Ladislaw, com a carta que lhe era
endereçada ainda por abrir. As associações destas cartas eram mais pe-
nosas ainda devido ao súbito ataque que a seu ver a agitação causada
por sua raiva poderia ter ajudado a provocar: haveria tempo de as ler,
buscá-las nunca lhe ocorrera. Ocorria-lhe porém agora que era bom sub-
traí-las à visão do marido: fossem quais fossem as origens de seu aborre-
primeiro ela passou os olhos pela carta endereçada a ele, para verificar
siva visita.
via a Mr. Casaubon eram tão grandes que nem os maiores agradecimen-
tos pareceriam impróprios. Claro que ele, se não estivesse cheio de gra-
tidão, deveria ser o mais ordinário dos velhacos a jamais ter encontrado
como dizer: "Eu sou honesto." Mas Will tinha passado a perceber que
que a generosidade de seu parente havia até então impedido de ser ine-
MIDDLEMARCH
315
outros talvez tinham mais direito. Estava vindo para a Inglaterra para
tentar sua sorte, como eram obrigados a fazer tantos outros jovens cujo
Paris nas duas próximas semanas evitaria, se necessário, que ele chegas-
Abrindo sua própria carta, Dorothea viu que se tratava de uma exu-
berante continuação das objeções feitas por ele à sua simpatia fanática e
à sua falta de um prazer neutro e inflexível nas coisas como elas são -
que Will viesse a Lowick. Dorothea acabou por entregar a carta a seu
tio, que ainda estava na casa e a quem pediu para comunicar a Will que
Mr. Casaubon havia estado doente e que as visitas lhe estavam proibi-
Ninguém mais disposto a escrever uma carta do que Mr. Brooke: sua
neste caso, por três páginas grandes e ainda as dobras internas. Simples-
Ladislaw - ouso dizer que tem futuro. uma boa carta, a dele, - deixa
claro que também tem noção das coisas, sabe? No entanto, hei de lhe
dios que, quando Mr. Brooke os lia, pareciam estar muito bem expres-
seqüência na qual ele nunca havia antes pensado. Neste caso, sua pena
achou uma pena que o jovem Ladislaw não viesse à região nesta época,
para que Mr. Brooke pudesse passar a conhecê-lo melhor e juntos eles
316
GEORGE ELIOT
Brooke a convidar o jovem Ladislaw, uma vez que ele não poderia ser
recebido em Lowick, a vir a Tipton Grange. Por que não? Poderiam en-
suma, a pena de Mr. Brooke enveredou por uma breve arenga que ela
ter um jovem companheiro à mesa com ele, ao menos por algum tempo.
carta, pois ela estava ocupada com o marido, - e estas coisas, de fato,
eram-lhe desimportantes.
CAPÍTULO =I
NESTA NOITE LYDGATE falou a Miss Vincy de Mrs. Casaubon, dando ênfa-
como a mais linda possível numa mulher: mas ela estava ao mesmo tem-
po pensando que não era assim tão melancólico ser senhora de Lowick
Manor com um marido previsto para morrer em breve. "Acha-a por aca-
so muito bonita?"
"Sem dúvida ela é bonita, mas eu nunca tinha pensado nisto," disse
Lydgate.
318
GEORGE ELIOT
os Casaubons."
nhor ao menos anda por amplos corredores e encontra por toda parte
um perfume de rosas."
que a aspirar-lhe o perfume, enquanto olhava para ela e sorria, seu lenço
Mas esta liberdade agradável, típica de dia de folga, com a qual Lydgate
damente. O isolamento social não sendo mais possível, não mais nesta
cidade que alhures, duas pessoas num flerte persistente não poderiam
quais as coisas vão sendo separadas sempre." Tudo o que Miss Vincy
resistência, tinha ido com Fred passar uns dias em Stone Court, não
tone e ficar de olho em Mary Garth, que parecia ser uma nora menos
a Lowick Gate para ver Rosamond, agora que ela estava sozinha. Pois
Mrs. BuIstrode tinha por seu irmão um sincero sentimento fraterno; sem-
pre achando que ele poderia ter-se casado melhor, mas querendo muito
bem a seus filhos. Mrs. BuIstrode, por outro lado, mantinha longa intimi-
de Mrs. BuIstrode, quais fossem, uma seriedade mais decidida, maior ad-
míração pelo espírito e uma casa fora da cidade, serviam às vezes para dar
"Provável referência a Jearme de Montmorenci, heroína do romance La
MIDDLEMARCH
319
acaso disse que não podia ficar mais tempo, porque iria ver a pobre
Rosamond.
"Por que diz "a pobre Rosamond"?" disse Mrs. Plymdale, mulherzi-
"E tão bonita, e foi criada de um modo tão impensado! A mãe, como
você sabe, sempre foi um pouco volúvel, e isto me deixa inquieta quanto
você e Mr. BuIstrode estarão muito felizes com o que aconteceu, pois
"O que está querendo dizer, Selina?" disse Mrs. BuIstrode em genu-
ína surpresa.
"Nada a não ser que estou sinceramente agradecida pelo que se refe-
re ao Ned," disse Mrs. Plymdale. "Sem dúvida ele poderia manter uma
mulher assim muito melhor do que outros; mas meu desejo é que vá
fosse obrigada a falar, diria que nunca gostei de estranhos entrando numa
cidade."
"Não sei não, Selina," disse Mrs. BuIstrode, com alguma ênfase no
tom. "Houve época em que Mr. BuIstrode era um estranho aqui. Abraão
e Moisés eram estranhos no reino, e nos foi dito para receber os estra-
"Eu não falava num sentido religioso, Harriet. Eu falava como mãe."
"Selina, tenho certeza de que você nunca me ouviu dizer nada con-
coisa," disse Mrs. Plymdale, que ainda não havia posto toda sua confi-
era bom para ela: e ouvi sua mãe dizer o mesmo. Onde estaria o espírito
cristão nisto? Mas agora, pelo que eu ouço, ela encontrou um homem
"Você não está querendo dizer que há alguma coisa entre Rosamond
e Mr. Lydgate?" disse Mrs. BuIstrode, algo mortificada por constatar sua
própria ignorância.
320
GEORGE ELIOT
"Oh, eu saio tão pouco; e não gosto de mexericos; verdade, não dou
ouvidos a nada. Você vê tantas pessoas que eu não veja nunca! Seu
vez que você o quisesse para a Kate, quando ela estivesse um pouco
mais velha."
"Não creio que haja nada sério por ora," disse Mrs. BuIstrode. "Meu
irmão certamente me teria contado."
"Bem, cada qual tem seu jeito, mas pelo que me consta não há quem
veja Miss Vincy e Mr. Lydgate juntos sem pensar que já existe um com-
promisso entre eles. Isto porém não é da minha conta. Ou será que eu
Depois disto Mrs. Bulstrode foi visitar sua sobrinha com um peso
novo na mente. Estava muito bem vestida ela mesma, mas com um pou-
caras quanto as suas. Mrs. Bulstrode era uma edição menor e feminina
"Vejo que está sozinha, minha filha," disse ela, olhando com gravi-
sentiu que sua tia tinha alguma coisa em particular a dizer, e elas se
de Rosamond era tão bonitinha que era impossível não desejar uma do
bastante bem, iam rolando por aquele amplo circuito de pregas enquan-
to ela falava.
"Acabei de ouvir uma coisa a seu respeito que me deixou muito sur-
presa, Rosamond."
"O que foi, tia?" Os olhos de Rosamond vagavam por sua vez pela
fixaram-se aqui nos de Rosamond, que foi tomada por profundo rubor e
disse:
povo?"
"Eu não estou comprometida, tia."
"Como é então que todo mundo diz isto - que isto está na boca do
MEMARCH
321
"O que está na boca do povo, para mim, tem muito pouca importân-
"Oh, minha filha, seja mais ponderada; não despreze assim seus vi-
zinhos. Lembre-se que agora já está com vinte e dois anos e não terá
fortuna: seu pai, tenho certeza, não vai poder deixar-lhe nada. Mr. Lydgate
Eu mesma gosto de conversar com tais homens; e seu tio o julga muito
útil. Mas a profissão dele aqui é bem fraca. Claro que esta vida não é
- há muito orgulho do intelecto. E você não foi feita para se casar com
um homem pobre."
"mr. Lydgate não é pobre, tia. Tem parentes muito bem situados."
vida."
padrões."
ânimo belícoso nem respostas afiadas, mas era moça decidida a viver
mento entre vocês dois, embora seu pai não saiba. Seja franca, minha
querida Rosamond: Mr. Lydgate realmente lhe fez uma proposta?"
mas agora que sua tia lhe fazia a pergunta não era nada agradável não
poder dizer Sim. Seu orgulho estava ferido, mas seu habitual autodomí-
nio ajudou-a.
"Acredito que sem uma situação definida você não daria seu coração
quejá recusou! - uma das quais ainda ao seu alcance, se não insistir em
desdenhá-la. Conheci mulher de grande beleza que, por agir assim, aca-
como o dele é melhor que uma profissão. Não que o casamento seja
tudo. A meu ver, você primeiro deveria procurar o reino de Deus. Mas
uma moça deve saber manter seu coração sob seu próprio controle."
322
GEORGE ELIOT
ça," disse Rosamond, dominada pela impressão de ser uma heroína ro-
"Sei como é, minha querida," disse Mrs. BuIstrode, numa voz me-
lancólica, levantando para ir-se embora. "Você permitiu que seus senti-
"Tem então plena confiança num sério interesse de Mr. Lydgate por
você?"
Rosamond, cuja face a essa altura ardia de maneira contínua, sentiu-
convencida.
disposto a fazer o que a mulher lhe pedia, e agora, sem dar suas razões,
ela queria que ele, na primeira ocasião que surgisse, descobrisse em con-
versa com Mr. Lydgate se havia de sua parte alguma intenção de se casar
ao ser inquirido, demonstrou que Lydgate havia falado como não falaria
matrimônio. Mrs. BuIstrode sentiu então que tinha pela frente um grave
sou das perguntas sobre a saúde de Fred Vincy, e das expressões de sua
genéricas sobre os perigos que se antepõem aos jovens quando eles es-
muita gente," disse Mrs. BuIstrode. "Há homens que a cercam de aten-
preensão.
"Sem dúvida," disse Lydgate, olhando para ela - talvez até olhan-
homem que anda por aí achando que não pode dar atenção a uma moça
sem que ela se apaixone por ele, ou sem que outros pensem que deveria
apaixonar-se."
MIDDLEMARCH
323
"Oh, Mr. Lydgate, o senhor bem sabe quais são suas vantagens. Sabe
Mrs. BuIstrode tinha querido dizer. Ela sentia que falara com a necessá-
ria firmeza e que ao usar a palavra "militar," tão superior, havia jogado
Lydgate, meio com raiva, puxou o cabelo para trás com uma das
mãos, com a outra procurou qualquer coisa num bolso do colete, e de-
declinou por instinto de suas falsas carícias. Não ficaria bem sair agora,
seu chá. Mas Mrs. BuIstrode, não tendo dúvida de que havia sido enten-
ela aceitava aquilo como a simples brincadeira que ele queria que fosse.
Era dotada de visão e um tato raro em relação aos costumes; mas as pes-
Contudo, não havia por que insistir no erro. Ele resolveu - e manteve a
decisão - que não mais iria à casa de Mr. Vincy, a não ser a trabalho.
guntas de sua tia foi crescendo com o tempo e, transcorridos dez dias
" Comoo Orlando que ama Rosafind, na peça de Shakespeare As You Like It
(1599).
324
GEORGE Ei-ioT
sem ela ver Lydgate, transformou-se em terror ante o vazio que podia
jardim só por um pouco, teria para ela uma nova aridez. Ela sentiu que
Ariadrie do palco, deixada para trás com suas malas cheias de figurinos e
calmo orgulho. Sua suposição mais agradável era que a tia BuIstrode
tudo era melhor do que uma indiferença espontânea dele. Quem quer
que imagine dez dias um tempo curto demais - não para entregar-se ao
cepção, não faz idéia do que possa estar havendo no elegante ócio da
Stone Court, Mrs. Vincy pediu-lhe para comunicar a seu marido que
que ela desejava que ele viesse a Stone Court ainda naquele dia. Lydgate
seu bloco para escrever um recado e deixar na porta. Mas, como estas
cluir que ele não tinha objeções mais profundas a ir bater na própria
residência, numa hora em que Mr. Vincy não estava em casa, e deixar o
recado com Miss Vincy. Um homem pode, por diferentes motivos, decli-
nar de se dar em companhia, mas talvez nem um sábio fique muito con-
enxertar novos hábitos nos velhos, trocar com Rosamond umas palavras
longas abstinências - até dos mais doces sons. Deve-se confessar tam-
MIMUMARCH
325
como leves pêlos pegadiços, na teia mais substancial dos seus pensa-
mentos.
Miss Vincy estava sozinha, e foi tão forte seu rubor quando Lydgate
vial tricô que tinha em mãos para evitar olhar Lydgate além do queixo.
chicote sem poder dizer nada, Lydgate se levantou para ir -se. Rosamond,
pescoço longo e alvo que ele se acostumara a ver girando sob o mais
momento ela estava tão natural como sempre estivera aos cinco anos de
idade: sentiu que as lágrimas brotavam e era inútil tentar fazer qualquer
coisa, senão deixar que elas caíssem numa flor azul como gotas, ou que
nem sabia onde o tricô foi parar; uma idéia que lhe percorrera os mais
apaixonado que aí jazia, não sob a laje de um sepulcro, mas sob terra
favor."
certeza de que ela soubesse que palavras foram usadas; mas olhou para
326
GEORGE ELIOT
ante a crença súbita de que a alegria desta jovem e doce criatura depen-
va. Meia hora depois ele sairia da casa como um homem comprometido:
sua alma não mais lhe pertencia, mas sim à mulher à qual já estava
ligado.
Voltou à noite para falar com Mr. Vincy, o qual se sentia convencido,
tendo retornado há pouco de Stone Court, de que a notícia do passamento
que lhe ocorrera como feliz e oportuno achado, deixava-o ainda mais
mente legal, e assim Mr. Vincy podia abrir sua caixa de rapé e ir pensan-
CAPÍTULO =H
- SHAKESPEARE: Tempest.
- SHAKESPEARE: A tempestade."
de Mr. Featherstone para que Fred e sua mãe não o deixassem, era até
pouca emoção, se comparada à que se agitava no peito dos parentes con-
pelo vínculo familiar e eram mais visivelmente numerosos, agora que ele
vendo, poderiam ser menos bem-vindos a uma casa que não sem razão
nutrido, não por sovinice, mas por pobreza. O irmão Solomon e a irmã
com que eram sempre recebidos não lhes parecia demonstrar que seu
pretensões da riqueza. Nunca pelo menos ele fora tão desnaturado a pon-
distância o irmão Jonah, a irmã Martha e os demais, que não tinham nem
nheiro era um bom ovo e precisava ser posto num ninho quente.
328
GEORGE ELIOT
por provável que Peter, nada tendo por eles feito em vida, acabaria por
gente "ali jogado" com hidropisia nas pernas devesse vir a sentir que o
sangue é mais espesso que a água e, caso não alterasse o testamento, ele
deles. Quem não era parente de verdade, além disso, bem que podia ser
indefeso! Alguém tinha de ficar de olho, sem dúvida. Mas nesta conclu-
são todo mundo concordava com Solomon e Jane; também alguns sobri-
bre o que poderia ser feito por um homem dado a rasgos de estranheza
como um lugar que era até de seu dever visitar. A irmã Martha, Mrs.
Cranch pelo casamento, asmática e morando nos Chalky Flats, não po-
que o tio Jonali não fizesse uso injusto das coisas improváveis que pa-
vigiava também.
vel tarefa de levar seus recados a Mr. Featherstone, que nunca queria ver
MIDDLEMARCH
329
"Oh, minha filha, é preciso fazer tudo bem feito, quando se trata de
doença terminal e de herança. Deus sabe que eu nunca brigaria com eles
disse a liberal Mrs. Vincy, de novo a emitir notas alegres e com a pluma-
gem brilhante.
que apeavam não partiam porém. O irmão Jonah, por exemplo (na maioria
mão Jonah, dizia eu, tendo decaído na vida, tirava seu principal sustento
embora fosse melhor do que trapacear na bolsa ou no turfe, mas que não
porque foi de onde mais gostou, e em parte porque não queria ir sentar-
qüila por se fazer presente ali, uma impressão que se mesclava a fugazes
que ele não deveria sair de perto do irmão enquanto o pobre do Peter
te, numa família, os que mais perturbam. Jonah, que era o engraçado
Mary até teria podido suportar com relativa facilidade este par de
olhos, mas ainda havia o jovem Cranch, que, tendo feito toda a viagem
desde Chalky Flats para representar sua mãe e montar guarda ao tio
cozinha para fazer companhia ao outro. O jovem Cranch não era exata-
330
GEORGE ELIOT
um pouco para o último tipo, era vesgo e assim deixava tudo em dúvida
que ela notassse como ele ficava vesgo, como se o fizesse de propósito,
tal qual os ciganos quando Borrow1 leu para eles o Novo Testamento.
Não, já era demais para a pobre Mary; aquilo às vezes a -deixava posses-
sa, mas às vezes a tirava um pouco do sério. Num dia em que teve uma
oportunidade ela não pôde resistir a descrever as cenas na cozinha a
Fred, que por seu turno não se pôde furtar à tentação de ir logo ver de
perto, fingindo que estava apenas passando. Mas bastou ele dar com os
quatro olhos para sair a correr pela primeira porta, a qual levava por
audível na cozinha. Depois fugiu por outra porta, mas Mr. Jonah, a quem
Fred aparecia pela primeira vez com suas pernas compridas, sua pele
"Ué, Tom, você não usa essas calças de homem fino - você não tem
nem a metade dessas pernas compridas, bonitas," disse Jonah a seu sobri-
nho, e ao mesmo tempo piscou o olho para ele, dando a entender que
Tom olhou para as próprias pernas, mas deixou incerto se preferia suas
vantagens morais a uma extensão mais viciosa dos membros e, nas calças,
um repreensível requinte.
Solomon e a dama que, antes de ser Mrs. Waule, por vinte e cinco anos
havia sido Jane Featherstone achavam bom ficar ali diariamente por ho-
ras, sem outra ocupação previsível que não observar a esperta Mary Garth
(tão esperta que não podia ser pegada em nada) e dar rugosas indica-
Spain (1843).
MIDDLEMARCH
331
velho por sua própria família parecia aumentar à medida que sua capaci-
guido demais para dar suas ferroadas, ele tinha mais veneno a refluir em
seu sangue.
Vincy, com suas bochechas cor de rosa e suas fitas esvoaçantes na mes-
com mais eficácia que o tônico. Apoiado contra a guarda da cama, ele
rouco:
mas que também se achava mais profundo do que o seu irmão Peter; não
oficial, "não é senão obrigação minha vir falar com você sobre o Manganês
"Pois então Ele sabe mais do que eu quero saber," disse Peter, pon-
perto ele pudesse usar como maça o castão de ouro, e fixou com dureza
a calva de Solomon.
"Há coisas de que se pode arrepender, meu irmão, por não querer
falar comigo," disse Solomon, sem porém avançar. "Posso passar esta
332
GEORGE ELIOT
noite sentado aqui a seu lado, e a Jane de bom grado comigo, e voc
pode escolher a hora que bem quiser para falar ou me deixar falar."
", vou escolher a minha hora - não me precisa oferecer das suas,"
disse Peter.
meçou Mrs. Waule, em seu tom roufenho de hábito. "E, quando estivei
sem fala, talvez se canse dos estranhos que o cercam, e aí então se lem
bre de mim e dos meus filhos" - mas aqui ela teve a voz sufocada pel(
estreitos olhos.
mais aqui!"
"Seja como for, meu irmão, vou ficar lá embaixo," disse Solom(
permitir."
já os rapazes que não são assim me dão pena, como também suas mCE
MIDDLEMARCH
333
Sua saída foi apressada porque ambos viram o velho Mr. Featherstone
fechar os olhos e puxar a peruca dos dois lados para tampar as orelhas,
cego e surdo.
lenciar. Serem rápidos, para Solomon e jane, seria uma lástima: isto só
irmão jonali.
Mas sua vigília na sala de visitas com lambris de madeira era anima-
Agora que Peter Featherstone estava no andar de cima, era possível pôr
era de se supor, tivessem sido poupados para coisa melhor. Estas con-
ela como uma possível herdeira, ou alguém que poderia ter acesso aos
cofres de ferro.
que esvoaçavam ali, poderia vir a ser pelo menos um prêmio de consola-
distribuição e que não poderia senão lamentar que alguém não soubesse
quem ele era. Era primo em segundo grau de Peter Featherstone e por
este fora tratado com mais amenidade que qualquer outro parente, por
334
GEORGE ELIOT
próprio velho ditou, havia sido indicado para Carregador. Não havia em
Mr. Borthrop Trumbull uma cupidez odiosa - nada além de uma cons -
ciência sincera de seus próprios méritos que, ele estava certo, em caso
alguma coisa boa por ele, tudo o que teria a dizer era que nunca o tratara
que tinha, a qual já se estendia agora por mais de vinte anos, desde os
Amante de frases elevadas, nunca ele usava uma linguagem pobre sem
corrente do relógio o tempo todo, como a marcar cada nova série destes
tudo com naturalidade e foi até conversar com Mr. Jonah e o jovem
nhava de sua profissão e achava que "o célebre Peel, agora Sir Robert,"I
onze e meia, após ter tido o excepeional privilégio de estar com o velho
MIDDLEMARCH
335
Featherstone, e pondo-se de costas para a lareira entre Mrs. Waule e
"E então, Mr. Trumbull, acha-se em grande favor, não é?" disse Mrs.
Waule.
corrente de seu relógio. "Ah, pois é, como vê a senhora, em mim ele tem
sobrolho, meditativamente.
do?" disse Solomon, num submisso tom de humildade que a ele mesmo
interrogar. Quem quer que seja pode dar às suas observações um tom
"Eu não lamentaria saber que ele se lembrou do senhor, Mr. Trumbull,
disse Solomon. "Nunca fui contra quem merece. contra quem não
coisas. "Não se pode negar que pessoas não merecedoras têm sido feitas
tou os lábios.
"Como? o senhor quer dar por certo, Mr. Trumbull, que meu irmão
deixou as terras dele para alguém de fora da família?" disse Mrs. Waule,
em quem, como mulher desesperançada, aquelas longas palavras tinham
um efeito depressivo.
" melhor um homem doar suas terras para caridade de vez do que
"O quê, terras para caridade?" voltou à carga Mrs. Waule. "Oh, Mr.
Trumbull, não pode ser isto o que o senhor está querendo dizer. Seria
336
GEORGE ELIOT
andou até a mesa de trabalho de Miss Garth, abriu um livro que lá esta-
à venda:
mas sentindo que o modo novo de a dizer realçava a beleza que sua
sua ignorância, a menos que fosse preso por crime por omissão.
disse ele, em tom de quem tranqüiliza. "Como homem que sempre vive
fora em função dos negócios, quando posso eu como aqui e ali qualquer
coisa. Aposto que não há nos três reinos," acrescentou, depois de engo-
lir alguns bocados com uma pressa alarmante, "nenhum presunto como
"Há quem não goste de muito açúcar no presunto," disse Mrs. Waule.
"Se alguém quiser melhor que isto, nada o impede de querer; mas
E afastou seu prato, encheu seu copo de cerveja e puxou sua cadeira
nas de sua calça pelo lado de dentro, e nelas dar uns aprovadores tapi-
nhas - Mr. Trumbull tinha todos esses ares e gestos menos frívolos que
"Vejo que tem aí uma obra interessante, Miss Garth," observou ele,
MIDDLEMARCH
337
Scott. Eu mesmo comprei um dos seus livros - uma coisa ótima, uma
Trumbull: elas sempre se iniciavam, quer na vida privada, quer nos seus
biblioteca de Middemarch?"
"Não," disse Mary. "Foi Mr. Fred Vincy quem me trouxe este livro."
Têniers, Ticiano, Van Dyck e outros. Para mim seria uma alegria empres-
"Eu diria que o meu irmão fez alguma coisa por ela no testamento,"
disse Mr. Solomon num subtom muito baixo, nisto que ela fechava atrás
disse Mrs. Waule. "Não lhe trouxe nada: e esta menina é apenas sobri -
nha dele. E muito orgulhosa. E meu irmão sempre a pagou por seus
serviços."
lha tão querida. Um homem cuja vida tenha algum valor deve pensar em
creio já ter vívido bastante como solteiro para não cometer um erro nes-
mas eu, quando estiver necessitado disto, espero que alguém mo diga -
espero que algum indivíduo me dê ciência do fato. Desejo-lhe um bom
dia, Mrs. Waule. Bom dia, Mr. Solomon. Espero voltar a vê-los em cir-
inclinando-se para ficar mais perto da irmã, observou: "Pode estar certa,
Jane, de que o meu irmão deixou para esta moça uma dinheirama."
338
GEORGE ELIOT
disse jane. E aí, depois de uma pausa: "Ele fala como se as minhas filhas
CAPÍTULO =111
- 2 Henry VI.
- 2 Henrique VM
Jµ PASSAVA DA MEIA-NOrrE, neste mesmo dia, quando Mary Garth foi re-
que ele lhe pedia atenções. Havia intervalos em que ela podia sentar-se
luz. O fogo rubro, com seu delicado e audível mover-se, parecia-lhe ser
dos desejos imbecis, do grande esforço por incertezas sem valor, que no
dia-a-dia lhe inspiravam tanto desprezo. Para Mary, pensar era muito
distraía bastante; pois, tendo tido ainda cedo forte razão de acreditar
que as coisas não pareciam dispor-se para sua satisfação pessoal, nem
passara a ver a vida como em grande parte uma comédia na qual ela
a parte pérfida ou vil. Mary poderia ter-se tornado cínica, não fossem os
340
GEORGE ELIOT
qual estava ainda mais cheio porque ela havia aprendido a não fazer
despropositados pedidos.
Sentada ali esta noite, ela revia as cenas do dia, como era seu hábito,
e muitas vezes seus lábios pareciam sorrir das bizarrices às quais sua
as pessoas, com suas ilusões, com aquelas carapuças de bobo que leva-
sem cor de rosa. No entanto aos olhos de Mary surgiam certas ilusões
que não eram nada cômicas. Ela estava intimamente convencida, se bem
cupação de Mrs. Vincy em não querer que ela e Fred ficassem juntos a
Fred iria ser afetado, se viesse a comprovar-se que seu tio o havia deixa-
do tão pobre como sempre. Fred, quando presente, podia ser tomado
por ela como alvo de críticas, mas suas loucuras, quando ausente, não
vai travando com a vida, e com interesse observa a própria força que
que sentir, estando em causa uma criatura de idade cuja vida não é visi-
apenas lhe era útil. Inquietar-se pela alma de alguém que nos trata sem-
pre às patadas é algo a ser deixado para os santos da Terra; e Mary não
era santa. jamais lhe respondera com palavras ásperas, e o atendia com
toda a lealdade: era o máximo que podia fazer. Nem o próprio Feathers-
tone, de resto, estava preocupado com sua alma, pois não tinha querido
Esta noite ele não dera porém uma patada sequer, e pelas primeiras
fim Mary o ouviu fazer barulho com seu molho de chaves contra o baú
MIDDLEMARCH
341
de estanho que ele guardava sempre na cama a seu lado. Por volta das
chave. Abriu agora o baú e, dele tirando uma outra chave, fixou-a bem
com seus olhos que pareciam ter recuperado toda a acuidade e disse:
"O senhor quer dizer, dos seus parentes?" disse Mary, já acostumada
com o jeito de falar do velho. Ele fez que sim com a cabeça e ela pros-
seguiu.
cálculos?"
"Todos os dias, todos não. Mr. Solomon e Mrs. Waule sim, estão
Enquanto ela falava, o velho ouviu com uma careta, e depois, rela-
xando a face, disse: "Pois são uns bobos. Ouça aqui, menina. São três
dos os meus bens, sei onde o dinheiro está colocado e tudo o mais. E
deixei tudo pronto para eu poder mudar de idéia, e fazer como bem
quiser no fim. Está ouvindo, menina? Estou de posse das minhas facul-
dades."
Ele então abaixou a voz, com um ar de astúcia maior. "Eu fiz dois
testamentos, e um deles eu vou queimar. Quero que faça o que lhe vou
dizer. Esta é a chave do meu cofre de ferro, ali no armário. Empurre bem
a placa de bronze que há por cima, até ela correr como um ferrolho: aí
então basta meter a chave na fechadura da frente e abrir. Pois então faça
isto; e pegue o documento que está por cima - última Vontade e Testa-
"Não, senhor," disse Mary, numa voz firme, "não posso fazer isto."
"Não pode? Pois eu lhe digo que deve," disse o velho, sua voz já
"Não posso tocar no seu cofre nem no seu testamento. Devo negar-
"Garanto que estou no meu juízo perfeito. Não posso fazer como eu
chave."
342
GEORGE ELIOT
"Sinto muito, mas não posso ajudá-lo. Não vou deixar que o fim de
sua vida manche o começo da minha. Não tocarei nem no seu cofre nem
da cama.
nheiro - as notas, o ouro - pegue - pode ficar com tudo - faça o que
eu estou mandando."
E fez um esforço para estender a chave até onde ela estava, e Mary
retraiu-se de novo.
"Não tocarei nesta chave nem no seu dinheiro. Por favor, não me
Ele aí deixou a mão esquerda cair, e pela primeira vez em sua vida
Mary viu o velho Peter Featherstone chorar feito criança. E ela disse, no
tom mais delicado que lhe foi possível: "Vamos, por favor, guarde o seu
perança de que isto contribuísse para convencê-lo de que era inútil dizer
são difícil.
outros."
situação não lhe agradava nada - sozinha com o velho, o qual parecia
MIDDLEMARCH
343
"Eu é que digo, deíxe-me em paz. Olhe aqui, moça. Pegue o dinhei-
ro. Você nunca terá de novo esta chance. São umas duzentas libras -
tem mais no baú e ninguém sabe ao certo quanto havia. Pegue-o e faça o
que eu mandei."
a fazer o que queria. Mas a maneira como ele havia oferecido o dinheiro
"Não adianta. Não farei o que o senhor quer. Guarde o seu di-
nheiro. Não tocarei no seu dinheiro. Hei de fazer qualquer outra coi-
sa para confortá-lo; mas não tocarei nas suas chaves nem no seu di-
nheiro."
Featherstone, rouco de raiva como se, tal qual num pesadelo, a raiva
retirou-se para sua cadeira junto ao fogo. Dentro em pouco iria até ele
da vinha chegando, o fogo estava baixo e ela podia ver pelas frestas das
sua irritação talvez persistisse. Depois de atirar a bengala ele não dissera
mais nada, mas ela o vira apanhando suas chaves de novo e mexendo no
dinheiro com a mão direita. Não o guardara, contudo, e ela pensou que
ele já ia dormir.
344
GEORGE ELIOT
Mas era Mary quem agora se sentia mais agitada pela lembrança
daquilo por que havia passado do que antes o fora pela própria realida-
E agora a lenha seca disparava uma chama que iluminou cada greta,
e Mary viu que o velho estava deitado muito quieto, com a cabeça virada
um pouco de lado. Com passos inaudíveis ela caminhou até ele, e achou
que ela não pôde confiar nas conclusões que tirou, nem mesmo quando
tocou nele e se pôs a ouvir sua respiração. Indo até a janela ela abriu
cama.
LivRo IV
CAPÍTULO =IV
1st Gent. Such men as this are feathers, chips, and straws,
FOI NUMA mANHÃ de maio que Peter Featherstone foi enterrado. Nas vizi-
348
GEORGE ELIOT
redor; o velho deixara orientação por escrito para tudo, e queria um fune-
sem sido, todas elas, devoradas pela paixão da avareza, sempre faminta e
sempre magra, e que tentasse de antemão regatear no preço com seu agente
das pessoas. Seja como for, ele quis ter um belo enterro, e com "convida-
dos" que haveriam de preferir ficar em casa. Desejara até mesmo que as
submeteu-se para tanto a uma penosa viagem desde os Chalky Flats. Ela
e Jane ter-se-iam pois alegrado (de uma maneira lacrimosa) com este si-
nal de que o irmão, que enquanto vivo não gostava de vê-las, fazia poten-
caso o sinal não se tornasse equívoco por ter sido estendido a Mrs. Vincy,
presunçosas, agravadas pelo frescor de sua pele, uma indicação muito cla-
ra de que ela não era uma parenta de sangue, mas parte dessa classe em
gens são chocadas pelo desejo; e o pobre do velho Featherstone, que ria
cebeu com clareza que seu prazer no breve drama do qual aquilo era parte
ria fazer pelo rígido fechar-se de sua finada mão, inevitavelmente mistura-
cupação tinha com a vida futura, era a de estar gratificado dentro do cai-
MIMUMARCH
349
o ataúde, com as mais ricas vestimentas e fitas nos chapéus, e até os que
do. Mr. Casaubon estava fora de questão, não só porque declinava dos
antipatia por ele, quer como reitor de sua própria paróquia, alguém que
sem um pingo de sono, era obrigado a ouvir até o fim, sempre rosnando
para dentro. Não lhe agradava nada, acima dele, um pastor presunçoso a
lhe fazer pregações. Mas suas relações com Mr. Cadwallader haviam sido
pastor que tinha, ao invés de pregar, de pedir um favor. Ademais ele era
Mr. Cadwallader, cujo próprio nome já dava uma boa oportunidade para a
pela qual Mrs. Cadwallader fazia parte do grupo que assistia ao funeral
visitar esta casa, mas gostava, como dizia ela, de ver coleções de estra-
nhos animais como os que estariam neste funeral; e havia persuadido Sir
350
GEORGE ELIOT
to do fim. Mas logo também gostei do meio e do início, porque sem eles
"E, decerto que não," disse Lady Chettam, a viúva, com pomposa
ênfase.
do por Mr. Casaubon quando o trabalho lhe havia sido proibido; mas ele
tone, que, distante como parecia do curso de sua vida, sempre lhe volta-
ria depois, tangidos certos pontos sensíveis na memória, tal como a vi-
"Eu não vou olhar mais," disse Celia, depois que o cortejo entrou na
que tipo de vida os outros levam, e como tomam as coisas. Devo agrade-
-1
MIDDLEMARCH
351
e garanto que a metade deles você não vê na igreja. São muito diferentes
da porta que era aberta, "aí está Mr. Brooke. Eu sentia que estávamos
incompletos antes, e aqui está a explicação. Veio ver este estranho fune-
ral, naturalmente?"
"Não, vim ver o Casaubon - ver como ele tem passado, sabe? E
assim não dava: eu disse: Assim nunca vai dar, sabe: pense na sua espo-
sa, Casaubon." E ele me prometeu que ia subir. Não lhe contei minha
rapaz louro deve ser filho dela. Quem são eles, Sir James, o senhor os
conhece?"
são a esposa e o filho dele," disse Sir James, com um olhar interrogador
lembra?"
"Ah, sim: é um dos que estão no seu comitê secreto," disse Mrs.
de caçador de raposas.
dos teares manuais de Tipton e Freshitt. Por isto que a família dele
tem esta aparência tão fina," disse Mrs. Cadwallader. "E aqueles lá, de
preto e com a cara assim meio roxa, que contraste chocante! Meu Deus,
parecem um par de jarras! E olhem só o Humphrey: poderiam tomá-lo
352
GEORGE ELIOT
"Um funeral, contudo, é uma coisa solene," disse Mr. Brooke, "Se a
"Mas eu não o estou tomando por este prisma. Não posso usar mi-
nha solenidade demais, senão ela vai ficar em farrapos. já era hora de o
Ela ia falar mais, porém viu seu marido entrar e sentar-se um pouco
ao fundo. Nem sempre era feliz a diferença que a presença dele fazia
para ela, que muitas vezes o sentia a se opor por dentro às suas palavras.
redonda com os olhos muito saltados - uma cara de sapo - vejam só.
pertada. "Oh, que rosto mais singular!" E aí, com uma rápida mudança
repentina quando imediatamente ela olhou para o seu tio, enquanto Mr.
Casaubon a olhava.
sabia que a surpresa haveria de lhe agradar, Casaubon. Lá está você tal e
arte e de tudo que lhe diga respeito - e é ótima companhia, sabe - vai
rendo."
entre as que foram guardadas para ele até sua recuperação, secretamente
concluiu que Dorothea havia escrito a Will para não vir a Lowick, e com
MIDDLEMARCH
353
que ela pedira ao tio para convidar Will à granja; e ela achou impossível,
partes de uma cena muda que não lhe era tão inteligível quanto o teria
mente. Sua boa índole não raro o tornava perspicaz e rápido nas ques-
tões pessoais, e pelo olhar de Dorothea para o marido ele havia adivi-
"Um rapaz excelente - o Casaubon tem feito tudo por ele," expli-
cou Mr. Brooke. "E ele retribui seus gastos com ele, Casaubon," pros-
pelo que vejo ele é justamente o homem para lhes dar forma - lem-
disse que você não queria ninguém em casa, não é, e me pediu para
escrever."
A pobre Dorothea sentiu que cada palavra de seu tio era quase tão
mente descabido explicar agora que ela não desejara que o tio convidasse
de seu marido pela presença dele - uma aversão que nela fora penosa-
de dizer qualquer coisa que pudesse transmitir aos outros uma idéia dis-
to. Nem o próprio Mr. Casaubon, de fato, já representara para si por com-
danças no rosto do marido quando ele observou com uma curvatura mais
" por demais hospitaleiro, meu caro senhor; e devo agradecê-lo por
vazio.
lHorácio, Arts poetica: "Omne tulit punctum qui miscuit utile dulci" €"Quem
junta o útil ao
"Bem, sabe," interpôs Mr. Brooke, "ele está ensaiando o vôo. bem
de. Poderia ser um bom secretário, como Hobbes, Milton, Swift - esse
tipo de homem."
ver discursos."
"Ele não queria vir antes de eu o ter anunciado, sabe? E nós vamos
descer para ver o quadro. você tal e qual: um tipo profundo e sutil de
certo ponto, mas sem ir longe demais - exige muito esforço da gente,
CAPÍTULO =V
mente supérflua, por tender a diminuir as rações. (Temo que para a arte
356
GEORGE ELIOT
Uma tentação de igual tipo apossou-se dos Carnívoros Cristãos que
ria tivesse a mente voltada para uma provisão limitada da qual cada um
que um deles teria mais que o resto, o temor de que o pernudo Fred
refletir que Jonah não merecia nada, e Jonah, para difamar Solomon
como ganancioso; Jane, a irmã mais velha, achava que os filhos de Martha
que tinha tido de arcar para presentear seu rico primo Peter com ostras e
bras - pode contar com isto - e não me espantaria que meu irmão as
"Meu Deus, meu Deus!" disse a irmã Martha, pobretona cuja imagi-
MIDDLEMARCH
357
deles como que vindo da Lua. Era o estranho descrito por Mrs.
três anos talvez, cujos olhos proeminentes, lábios finos, boca puxada
para baixo e cabelo lustrosamente escovado, desde uma testa que afun-
vida, estava um novo legatário: porque senão por que viria ele ao veló-
visto este questionável estranho antes, a não ser Mary Garth, e tudo que
ela sabia a seu respeito era que por duas vezes ele estivera em Stone
Court, quando Mr. Featherstone ainda descia ao térreo, e sentara-se com
ele a sós por várias horas. Ela havia tido ocasião de mencionar o fato a
seu pai, e os olhos de Caleb eram talvez os únicos, além dos do advoga-
mesmo instante, Mr. Solomon e Mr. Jonali tinham subido com o advo-
gado para ir buscá-lo; e Mrs. Waule, vendo dois lugares vagos entre ela
"Suponho que o senhor saiba tudo sobre o que fez meu pobre irmão,
Mr. Trumbullf disse Mrs. Waule, no mais baixo de seus tons rotifenhos,
"Minha boa senhora, tudo que me foi dito o foi em confiança," disse
358
GEORGE ELIOT
"Quem já está muito certo de sua boa sorte ainda pode ficar desa-
ainda em confiança.
"Ah!" disse Mrs. Waule, dando uma olhada para os Vincys e depois
" incrível como o pobre do Peter se fechava," disse ela, nos mes-
mos subtons. "Nenhum de nós sabe o que ele pode ter tido na cabeça.
Só espero e confio que ele não fosse alma pior do que nós pensamos,
Martha."
sentido genérico, pois até mesmo seus sussurros eram altos e sujeitos a
"Eu nunca fui ambiciosa, Jane," respondeu ela; "mas tenho seis fi-
lho, sentado aí, só tem dezenove anos - e assim você pode imaginar.
mais pedi e orei, foi para Deus que está no alto; apesar de ter um irmão
pensar!"
porém de novo sem abri-la, como um prazer que, conquanto lhe aclaras-
esposa. "Este funeral mostra que ele pensou em todos: é um bom sinal
que um homem queira ser acompanhado por seus amigos e, caso sejam
Mas sinto muito dizer que Fred se viu em certa dificuldade para re-
primir uma risada, que teria sido mais incompatível ainda do que a caixa
de rapé de seu pai. Fred entreouvira Mr. Jonah insinuando alguma coisa
estranho, que por acaso estava à sua frente, lhe pareceu por demais risí-
MIDDLEMARCH
359
vel. Mary Garth, percebendo seu aperto pelas contrações que ele fez
sua ajuda pedindo-lhe para trocar de lugar com ela, o que permitiu que
ele fosse ficar num canto escuro. Fred se sentia na melhor disposição
pessoas que eram menos sortudas do que pensava ser ele mesmo, por
nada deste mundo haveria de comportar-se mal; rir, ainda assim, era
singularmente fácil.
de todos.
O advogado era Mr. Standish, que chegara a Stone Court esta ma-
era o último de três que havia feito para Mr. Featherstone. Mr. Standish
não era um homem dado a variar de modos: com a mesma voz profunda,
que seria "ótima, por Deus!% dos últimos boletins sobre o Rei e do
verdade que, se ele tivesse por fim feito o que queria, e queimado o
testamento redigido por outro advogado, não teria garantido este desfe-
cho menor; mas bem que tinha tido prazer em ruminar sobre ele. E
certamente Mr. Standish ficou surpreso, mas sem nada a lamentar; pelo
que pelo menos teria uma vantagem, a de tudo se manter dando voltas.
reingressaram na sala com Mr. Standish; mas Solomon tirou seu lenço
comoventes, e de que chorar nos funerais, mesmo sem lágrimas, era algo
360
GEORGE ELIOT
que Mary Garth, consciente de ter sido ela quem virtualmente determi-
via alma a não ser ela que soubesse o que havia acontecido naquela
noite final.
"O testamento que tenho em mãos," disse Mr. Standish que, senta-
com a qual mostrava uma disposição para aclarar sua voz; "foi redigido
então ignorado por mim, que leva a data de 20 de julho de 1826, quase
"Oh, meu DeusP" disse Martha, não com a intenção de ser audível,
"já que esta, ao que parece, por não ter ele destruído o documento, foi a
intenção do falecido."
fundo, tentavam todos não olhar para nada, era seguro para ela olhar
dos, havia deixado de pensar nele. Fred corou, e Mr. Víncy verificou que
era impossível se haver sem sua caixa de rapé nas mãos, embora a con-
servasse fechada.
futuro. E eis que Peter se mostrava capaz de há cinco anos atrás deixar
tão-só duzentas libras para cada um dos seus irmãos e irmãs, e aos so-
MIDDLEMARCH
361
brinhos e sobrinhas nada mais de cem para cada: os Garths não foram
bém cem. Mr. Trumbull ficaria com a bengala de castão de ouro e cin-
ali presentes teria idêntica e tão bela quantia, a qual, segundo observou
o primo saturnino, era o tipo do legado que não levava ninguém a parte
temer, baixa extração. No todo, calculando por alto, cerca de três mil
libras estavam sendo doadas. Para onde então tinha querido Peter que o
não foi revogado - e seria para melhor ou pior a revogação? Toda emo-
ção deve ser condicional, e pode por fim revelar-se errada. Os homens
uns deixando que o lábio inferior caísse, outros a repuxá-lo para cima,
conforme o hábito dos próprios músculos. Mas jane e Martha, que afun-
coitada, por um lado era comovida pelo consolo de conseguir algum sem
ter de trabalhar para tanto, mas por outro se dava conta de que o seu
quinhão era exíguo; ao passo que a mente de Mrs. Waule foi totalmente
inundada pela impressão de ganhar tão pouco para quem era uma irmã,
quando havia gente de fora que ficaria com muito. A expectativa geral
agora era que o,ígmuito" ia caber a Fred Vincy, mas os próprios Vincys se
Fred mordeu os lábios: era dificil conter o riso, e Mrs. Vincy sentiu-se a
mais feliz das mulheres - enquanto uma possível revogação, ante esta
mas o todo foi deixado para uma só pessoa, e esta pessoa era - Oh
legatário residuário era Joshua Rigg, que era também o executor testa-
a sala. Todos olharam de um modo novo para Mr. Rigg, que aparente -
362
GEORGE ELIOT
Mary Garth sentia que o que eles ainda tinham de ouvir não eram as
Mr. Trumbull continuava com a bengala de ouro. Foi preciso algum tem-
po para que o grupo recobrasse seu poder de expressão. Mary não ousa-
Mr. Vincy foi o primeiro a falar - depois de usar com energia sua
vel testamento que eu já ouvi! Eu diria que ele não estava em seu juízo
perfeito quando o fez. Diria que este segundo testamento é nulo," acres-
centou Mr. Vincy, sentindo que esta expressão punha toda a questão sob
"Nosso falecido amigo sempre soube o que queria, penso eu," disse
Mr. Standish. "Tudo está na mais perfeita ordem. Há inclusive esta carta
isto, GarthV"
"Oh," disse Caleb, inclinando-se para a frente, juntando os dedos à
MIDDLEMARCH
363
Mas Mr. Jonali Featherstone fez-se então ouvir. "Pois aí é que está,
meu irmão Peter sempre foi um grande hipócrita. Mas este testamento
acabou com tudo. Se eu soubesse, nem uma carruagem com seis cavalos
"Oh, Senhor!" chorava Mrs. Cranch, "e a despesa que a gente fez
com a viagem, e este pobre garoto sentado aqui tanto tempo à toa! Pela
primeira vez ouvi meu irmão Peter querendo tanto agradar a Deus Todo-
Poderoso; mas ainda que seja para eu cair desamparada devo dizer que
"Para ele o lugar para onde foi não vai fazer diferença, é a minha
crença," disse Solomon, com uma amargura que era notavelmente genuí-
na, embora o tom de sua voz não deixasse de ser malicioso. "O Peter era
um malvado, e não há asilo que encubra isto, quando ele tiver o atrevi-
"E o tempo todo ele teve sua família legítima - irmãos e irmãs e
que achava bom ir à igreja," disse Mrs. Waule. "E poderia ter deixado
cia ou qualquer desregramento - e não era tão pobre para que não
quanta preocupação tive eu, de quando em quando, para vir até aqui e
proceder como irmã - e ele o tempo todo com umas coisas na cabeça de
arrepiar qualquer um. Mas, se o Senhor o permitiu, há de o punir por
"Não tenho a menor vontade de pôr meus pés aqui de novo," disse
Solomon. "Tenho minha própria terra e meus bens para legar aos outros."
"Há muitos modos de ser doido," disse Solomon. "Não vou deixar que
meu dinheiro vaze pelo ralo, nem que ele fique para os órfãos da µfrica.
Gosto dos Featherstones que o são por nascimento, não dos que se tornam
364
GEORGE ELIOT
não havia por que ofender o novo proprietário de Stone Court, antes de
Mr. Joshua Rigg, com efeito, pouco parecia importar-se com estas
mente até Mr. Standish e com idêntica frieza pondo-se a discutir os ne-
gócios. Tinha uma voz alta e álacre e um sotaque vulgar. Fred, a quem
não mais ele fazia rir, julgou-o o mais ínfimo dos monstros que já tinha
com Mr. Rigg: ninguém sabia para quantos pares de pernas o novo pro-
prietário poderia querer ceroulas, e mais valia confiar nos lucros que nos
pensar em sair, até notar que sua esposa tinha ido para o lado de Fred e,
Antes disto Mary Garth tinha ido aprontar-se para ir para casa com
seu pai. No vestíbulo ela se encontrou com Fred, e agora pela primeira
vez teve coragem de olhar para ele. Era de um tipo definhante, que às
vezes vem à face dos jovens, a palidez que o cobria; e sua mão estava
muito fria quando ela a apertou. Mary estava agitada: sentia que fatal-
mente, e não por vontade própria, ela já devia ter feito para o destino de
mente acho que você sem o dinheiro é melhor. De que valeu o dinheiro
"Está tudo muito bemf disse Fred, bem irritado. "Que pode um
camarada fazer? Acho que agora eu devo entrar para a Igrejaf (Ele sabia
que isto apoquentaria Mary: muito bem; pois então ela devia dizer-lhe
que outra alternativa ele tinha.) "E eu que pensei que seria capaz de
pagar seu pai logo e acertar tudo. E você, a quem nem sequer ele deixou
Meu pai tem muito a fazer para cuidar do resto sem mim. Adeus."
MIDDLEMARCH
365
Rigg.
ce um caminho mais curto e fácil para a dignidade observar que -já que
nunca houve uma história verdadeira que não pudesse ser contada em
- tudo o que foi ou há de ser narrado por mim sobre pessoas reles é
lordes; e as reles somas com que qualquer falido de alta posição lamen-
taria ter de se retirar dos negócios podem ser erguidas ao nível das gran-
porcionais.
Como qualquer história provinciana na qual todos os agentes são de
elevada estatura moral, esta deve ser de uma data bem posterior à pri-
do, morreu e foi enterrado alguns meses antes de Lord Grey assumir o
governo."
primeira grande
CAPITULO =VI
MIDDLEMARCH
367
DA LErruRA DO TESTAMENTO Mr. Vincy foi para casa com seus pontos de
quando não se saía bem num negócio com suas fitas de seda, esbravejava
com enfeites.
devia fazer, já deveria a essa altura saber que não precisava fazer nada:
só ir à caça em belos trajes com seu cavalo de raça, mas andando para
disfarçar num bom matungo, e por fazê-lo ser respeitado por todos;
além disso, que deveria ser capaz de pagar de vez Mr. Garth, e que
Mary não poderia mais ter razoes para não se casar com ele. E tudo
isto esteve por advir sem nenhum estudo ou incômodo, somente por
vinte e quatro horas depois, todas estas esperanças ruíram. Era "muita
dureza" que ele, enquanto sofria com a decepção, fosse tratado como
"Coitado, Vincy, não seja assim tão duro com ele. O rapaz vai acabar
por ser bem sucedido, embora aquele velho perverso o tenha decepeio-
nado. tão certo como eu estar sentada aqui, o Fred vai dar-se bem -
porque senão por que ele foi trazido de volta, quando já tinha um pé na
dar, o que é prometer, se fazer com que todos acreditem não for prome-
ter? Pois veja que, depois de deixar para ele dez mil libras, o velho as
tomou de volta."
que o seu filho é um rapaz azarado, Lucy, e você sempre o mimou de-
mais."
"Bem, Vincy, ele foi o primeiro, e você bem que fez um grande alarde
quando ele veio ao mundo. Ficou que era puro orgulho," disse Mrs.
368
GEORGE ELIOT
"Quem sabe no que vão dar os bebês? , eu fui mesmo muito tolo,"
Fred está muito acima dos outros rapazes: pelo seu modo de falar,
como ela? Pode ser posta ao lado de qualquer dama da terra, e ainda
se sobressai. Veja bem - Mr. Lydgate andou por toda parte, sempre
durante uma visita ela encontrasse alguém que pudesse ser muito me-
lhor partido; falo de uma visita a Miss Willoughby, que foi colega de
escola dela. Os parentes desta família são quase tão bons quanto os de
Mr. Lydgate."
"Malditos parentes!" disse Mr. Vincy; "já estou cheio deles. Quero
eu lá saber de um genro que não tem nada a recomendá-lo a não ser seus
parentes?"
"Mas querido," disse Mrs. Vincy, "você parecia tão contente com
que você não fazia nenhuma objeção ao noivado. E ela até já começou a
baixo."
"Não por vontade minhaf disse Mr. Vincy. "já vou ter muito o que
fazer este ano, com um filho que é um vadio e um tratante, sem pagar
nando; e eu não acredito que Lydgate tenha alguma coisa. Não darei
"Rosamond não vai gostar nem um pouco, Vincy, e você sabe que
lhor. Não acredito que ele jamais ganhe dinheiro, do modo como está
indo. Ele faz inimigos; e isto é tudo o que eu sei que anda fazendo."
"Pois que agrade ao diabo!" disse Mr. Vincy. "Buistrode não vai que-
rer sustentá-los. E se Lydgate pensa que eu vou soltar dinheiro para que
mesmo acho que em breve vou ter de renunciar aos meus cavalos. E é
MIDDLEMARCH
369
que fora precipitado, usar os outros para fazer uma retratação ofensiva.
ouviu em silêncio, mas por fim esticou um pouco seu gracioso pescoço,
num gesto que só a longa experiência nos poderia indicar que traduzia a
"Que diz você, minha filha?" disse sua mãe, com a deferência mais
afetuosa.
"Papai não pensa nada disto," disse Rosamond, com toda a calma.
"Ele sempre disse que queria que eu me casasse com o homem por quem
tivesse amor. E hei de me casar com Mr. Lydgate. Já são sete semanas
"Bem, querida, pois então eu vou deixar que voce manobre seu pai.
muito grande: eu até que adoraria que viesse a ser sua; mas ela pede
sabendo que seu pai diz que não vai dar dinheiro. Você acha que Mr.
"Mas podia andar atrás de dinheiro, minha filha, e nós todos pensá-
vamos que você fosse ter um belo legado, bem como o Fred; - e agora
é tudo tão terrível - nem dá prazer pensar em nada, com este pobre
"Isto não tem nada a ver com meu casamento, mamãe. O Fred
deve é deixar de ser preguiçoso. Vou lá em cima levar esta costura para
Miss Morgan: ela faz bainha aberta muito bem. Quem sabe a Mary
Garth podia fazer umas coisas para mim agora? A costura dela é ótima;
pelo que eu sei é o que a Mary tem de melhor. Eu queria que todos os
tempo."
vociferante como era, impunha sua vontade tão pouco como se fosse
370
GEORGE ELIOT
dra. Papai não era uma pedra: não tinha outra fixidez além dessa
cil; mas uma resolução desagradável formada nas horas frias da ma-
Vincy era propenso sofreu muita repressão neste caso: Lydgate era
tão. Mr. Vincy estava com um pouco de medo dele, um pouco envai-
tocar numa questão de dinheiro na qual sua própria posição não era
tes. De permeio as horas que, deixando cada qual seu pequenino re-
pente se tocam pelas pontas, raios vindos de olhos negros e azuis que
MIDDLEMARCH
371
que lhe vinha do ser interior, a despeito de uma prática que suposta-
pela prosa mais reles. Quanto a Rosamond, ela estava tal qual a mara-
canto da sala de visitas onde ficava o piano e a luz, tênue como era,
um anúncio formal.
A ansiedade da tia BuIstrode voltou com toda a força; mas desta vez
"Você então não quer reconhecer, Walter, que permitiu tudo isto
"Oh, Harriet, com a breca! o que posso fazer quando há homens que
entram na cidade sem que eu tenha pedido? Por acaso você fechou sua
outro. E eu, eu nunca fiz nenhuma confusão por causa deste rapaz. Você
convidado."
"Mas você o chamou para atender o Fred, e estou certa de que foi
nhado do tema.
"Nada sei de bênçãos," disse, ranzinza, Mr. Víncy. "Sei é que estou
372
GEORGE ELIOT
irmão para você, Harriet, antes que se casasse com o BuIstrode, e devo
dizer que nem sempre ele demonstra para com sua família o espírito de
ço, uma recente altercação entre os dois cunhados durante uma reunião
do conselho paroquial.
conveniente.
criada como ela foi," disse Mrs. Bulstrode, querendo despertar os senti-
mentos do marido.
se. "Pouco mais podem fazer os que não são mundanos para coibir os
erros dos que o são obstinadamente. E é isto que temos de nos acostu-
expressado o desejo de que Mr. Lydgate não se desse a essa união; mas
minhas relações com ele limitam-se ao uso de seus dons para o serviço
das graças."
fosse um daqueles homens cujas vidas deviam ser escritas, quando mor-
riam.
talvez até em seis meses. Não era esta a intenção que tinha tido, mas
Ia, ao saber que ela ficara vazia aDós a morte desta velha senhora.
MIDDLEMARCH
373
prir suas pequenas exigências para uma roupa perfeita, sem noção de
bem. Mas jamais lhe ocorrera levar senão um modo simples de vida,
como ele mesmo teria dito, com copos verdes para o vinho do Reno e
cesas, mas não saiu chamuscado. Podemos ter impunemente até mes-
tempo, mais que de dinheiro. Decerto que estar amando, e sendo cons-
bom argumento para não adiar o casamento muito, como ele deu a en-
tender a Mr. Farebrother, um dia em que o Pastor veio à sua casa para
374
GEORGE ELIOT
sas, vai-se também o tempo, e para quem lida com a ciência cada mo-
mento é uma ocasião preciosa. Creio que o casamento deve ser o que há
ele então tem tudo em casa - sem nenhuma amolação com especula-
Lydgate não mencionou ao Pastor outra razão que ele tinha para
o vinho do amor nas veias, ser obrigado a se fazer tão presente na vida
familiar dos Vincys, participando tanto dos mexericos, das alegrias pro-
marcadas pela suspeita das ofensas sutis que poderiam fazer ao gosto de
pouco. Mas esta própria criatura tão linda sofria de modo igual: - ao
menos era uma idéia maravilhosa que, casando-se com ela, ele a subme-
"Querida!" disse ele para ela uma noite, em seu tom mais delicado,
lá fora.
"Estou?" disse Rosamond. "Não sei por quê." Não era de sua natu-
reza externar desejos nem queixas, coisas que só lhe vinham a rogo, e
nhosamente a mão sobre as dela. "E esta gotinha que estou vendo em
sua pestana? Há alguma coisa a incomodá-la, e você não me diz. Isto
não é amor."
MIDDLEMARCH
375
"Por que haveria de dizer o que voce não pode alterar? São coisas do
mesmo de manhã houve uma nova briga, porque o Fred ameaça largar
toda sua educação para ir fazer uma coisa muito abaixo dele. Além
disto -"
"Acho que papai não está muito satisfeito com o nosso noivado,"
disse que sem dúvida ia falar com você e dizer que era melhor desman-
char."
com raiva.
"Agora já é tarde demais para seu pai dizer que nós devemos des-
alguma coisa a está fazendo infeliz - eis uma razão a mais para apres-
sarmos o nosso casamento."
encontro dos dele, e a radiância era como um brilho solar que parecia
iluminar todo o seu futuro. A felicidade ideal (do tipo conhecido nas
discórdia das ruas para um paraiso onde tudo lhe é dado sem que
semanas.
"Por que deveríamos demorar mais?" disse ele, com ardorosa ínsis-
Espero que você não ligue para roupas novas, que podem ser compradas
depois."
"Vocês, homens tão sabidos, têm noções muito originais das coi-
376
GEORGE ELIOT
"Mas você não quer dizer que insistiria comigo para esperar meses
só por causa de roupas, não é?" disse Lydgate, por um lado achando um
levando nossa vida como bem quisermos. Vamos, querida, diga-me quão
roupas de malha, para poder dar uma resposta que ao menos fosse apro-
ximada.
dela.
bem que minha mãe podia ficar por conta disto quando estivéssemos
fora."
"Pois é, sem dúvida. Devemos ficar fora mais ou menos uma semana."
sião, pelo menos um quarto da sua lua-de-mel, ainda que isto adias-
solidão a dois.
"Como você quiser, meu amor, quando o dia for marcado. Mas va-
mos tomar uma decisão e pôr fim ao desconforto por que esteja passan-
falaria então com meu pai? - Penso que é melhor dizer-lhe por carta."
Ela corou e olhou para ele como as flores do jardim nos olham quando
existe uma alma além da expressão, meio ninfa e meio criança, nessas
MIDDLEMARCH
377
pétalas suaves que brilham e respiram ao redor dos centros de cor mais
forte?
baixo, e ambos ficaram muito quietos por diversos minutos que fluíram
por eles como um regato que murmura sob os beijos do sol. Rosamond
pensava que ninguém poderia estar mais apaixonada que ela; e Lydgate
da, ele havia encontrado a feminilidade perfeita -já se sentia como que
bafejado pela afeição conjugal tão preciosa a lhe ser concedida por uma
e nunca iria interferir com eles; que iria pôr ordem na casa e nas contas,
como que por passes de mágica, mantendo porém os dedos prontos para
que vinham d"além deste limite. Estava agora mais claro do que nunca
que sua idéia de conservar-se celibatário por mais tempo tinha sido um
aparelho de jantar era caro, mas isto era talvez intrínseco à natureza dos
"Deve ser lindo," disse Mrs. Vincy, quando Lydgate mencionou sua
ela mesma uma esposa feliz, mal tinha outro sentimento além do
va casar-se logo.
378
GEORGE ELIOT
"Tolice, minha filha," disse Mr. Vincy. "Com o que é que ele conta
disse isto antes com a maior clareza. Para que toda a educação que voce
teve, se for casar-se com um homem pobre? uma coisa cruel para um
pai ver."
ano."
bras de máquinas por toda parte e as eleições que logo virão -"
"Papai, querido! mas o que isto tem a ver com o meu casamento?"
meu ver, caramba, não é que parece mesmo? Seja como for, não é hora
besse disto."
"Sei que ele não conta com nada, papai. E depois, tem parentes
muito importantes: ele está certo de subir na vida, seja de uma maneira
que não fosse um perfeito cavalheiro. O senhor não vai querer que eu
vamos nunca desistir um do outro; e o senhor sabe que sempre fez obje-
Houve um pouco mais de pressão neste sentido, até que Mr. Vincy
dissesse: "Pois bem, minha filha, então que ele me mande uma carta,
para que eu possa dar uma resposta a ele" - e Rosamond viu que ela
acertara em cheio.
MIDDLEMARCH
379
que Lydgate fizesse um seguro de vida - pedido que logo foi aceito. A
suposição de que Lydgate fosse morrer era uma idéia que trazia uma
feitas com engenho. Não sem prudência, contudo. Uma noiva (que irá
antigo que lhe mostraram no Kibble, uma loja em Brassing aonde ele
foi comprar colheres e garfos. Era muito orgulhoso para agir na pressu-
contas iam ficar pendentes, já que não seria preciso pagar tudo de uma
só vez, mas nem por isto ele perdia tempo conjecturando quanto seu
sogro poderia dar como dote, facilitando o pagamento. Não faria nada
a ciência eram os únicos objetivos que ele devia perseguir com entusias-
chinesa. Mas Wrench tinha uma infeliz esposa linfática que se transfor-
mara dentro de casa numa múmia de xale; e era provável que ele tives-
se iniciado tudo aquilo com uma escolha mal feita dos aparelhos do-
mésticos.
De sua parte, Rosamond entretanto se ocupava muito com conjec-
crueza.
rumo que nos permita ir vê-los quando estivermos de volta. Qual dos
380
GEORGE EuoT
to
"Mas que sobrinho mais desatencioso! Mande logo avisar a ele. Tal-
bre-se que me vê em minha própria casa, tal qual tem sido desde minha
infância. Não é justo que eu ignore tudo da sua. Mas talvez você se
"Pois então vou escrever para ele. Mas os meus primos são muito
enjoados."
ramente também.
disse: "Espero que seu tio Godwin não olhe a Rosy de cima. Mas sim
que ele faça um belo gesto. Um ou dois mil, para um baronete, não é
Lydgate sentiu tanta pena dela que se manteve calado e foi para o
outro lado da sala examinar com atenção uma gravura, como se nem
tivesse ouvido. Mamãe mais tarde é que teve de ouvir umas lições
se algum desses primos bem nascidos que eram muito enjoados vies-
que Lydgate com o tempo pudesse obter uma boa posição nalgum
outro lugar que não ali; e isto não seria assim tão difícil em se tratan-
tinha falado com muito ardor a Rosamond das esperanças que nutria
ser ouvido por uma criatura que lhe iria trazer o doce amparo de uma
MIDDLEMARCH
381
CAPÍTULO =VII
- SPENSER.
- SPENSER.1
MIDDLEMARCH
383
mens, à luz dos vaga-lumes nos lugares rurais, distinguir seus próprios
traidores, quando os clamores por ordem, que pareciam ter uma relação
tância à vida pública por parte de homens cujos espíritos haviam por
Mr. Hackbutt, cuja fala fluente fluía então mais espaçosa que nunca,
deixando grande incerteza quanto a seu último canal, foi ouvido dizen-
"Com segundas intenções, não é?" disse Mr. Hawley. "Ele agora
por aí como uma tartaruga perdida, Pior para ele. Há algum tempo que
liberais-conser-
vadores.
384
GEORGE ELIOT
ro? Quanto ao seu jornal, eu só espero que ele mesmo escreva tudo. Aí
"Pelo que eu sei ele arranjou para editá-lo um jovem muito brilhan-
terras estão caindo aos pedaços. O tal jovem, suponho que seja um
"Conheço a espécie," disse Mr. Hawley; "deve ser algum agente se-
"As grandes cidades que se danem!" disse Mr. Hawley, impaciente por
um bem de grande valor, mas não rentável; e no intervalo, desde que Mr,
aderiu às reformas
MIDDLEMARCH
385
Brooke fizera seu convite, aquelas idéias germinais de induzir sua mente
mocidade, mas até então jazia meio obstruído, foram brotando sob pro-
teção.
lhe dava, maior ainda do que ele havia previsto. Pois Will parecia não só
próprio Mr. Brooke já se ocupara uma vez, mas também era assombro-
abordá-las com esse espírito amplo que, auxiliado pela adequada lem-
"Para mim ele é uma espécie de Shelley, sabe," Mr. Brooke encon-
fico ainda mais feliz por saber que ele é seu parente, Casaubonf
tendemos por aptidão natural ao tipo dos cavadores, nosso primo nutri-
com lucrativo proveito ao direito que ele tem sobre nós; e para ele o
Casaubon havia sido privado desta superioridade (como algo mais que
toda sua vida; mas Dorothea, agora que ela estava presente, - Dorothea,
como jovem esposa que já demonstrara ela mesma uma ofensiva capaci-
386
GEORGF, ELioT
dade de crítica, necessariamente dava concentração ao desassossego que
Will Ladislaw, por sua vez, sentia sua aversão florescer a expensas de
passado, mas casar-se com tal esposa era um ato que realmente se contra-
por nós não acaba por dar lugar à indignação com o que se faz contra os
outros. Casaubon tinha feito mal a Dorothea, casando-se com ela. Era obri-
definhar numa caverna a ran -er os ossos, não lhe cabia atrair uma donzela
para lhe fazer companhia. "E o mais horrível dos sacrificios de virgens,"
Mas ele nunca a perderia de vista: iria zelar por ela - se desistisse de
tudo
o mais na vida, continuaria a zelar por ela, que assim saberia que dispunha
de um escravo no mundo. Will tinha - para usar uma frase de Sir Thomas
paciência como se ela fizesse uma citação do DelectusI que lhe era
MIDDLEMARCH
387
lhe informaria que ela estava enganada, reafirmando o que sua obser-
Mas Will Ladislaw sempre parecia ver mais no que ela dizia do que
ela mesma. Dorothea era pouco vaidosa, mas tinha essa necessidade
inicial com o que o marido poderia pensar sobre a vinda de Will como
convidado de seu tio. Mr. Casaubon se mantivera calado sobre este as-
sunto.
coisas, e nos dias atuais é preferível que se tenha menos sonetos e mais
do pelo medo de ofender Dorothea. Por fim ele decidiu que queria fazer
do condado, Will pediu para ser levado com seu álbum de desenho e seu
tou-se para trabalhar num ponto de onde deveria ver Dorothea se ela
saísse para dar uma volta - sabendo que era hábito dela andar de ma-
com desleal rapidez, a chuva caiu e Will se viu forçado a buscar refúgio
mordomo, seu velho conhecido, disse: "Não avise que eu estou aqui,
Pratt; vou esperar até o almoço; sei que Mr. Casaubon não gosta de ser
Acho melhor ir dizer a ela que o senhor está aqui," disse Pratt, homem
concordando freqüentemente com ela que a vida para Madame devia ser
enfadonha.
388
GEORGE ELioT
se Will, sentindo-se tão feliz que fingiu indiferença com deliciosa fa-
cilidade.
No minuto seguinte ele já estava na biblioteca, e Dorothea o rece-
"Mr. Casaubon foi estar com o Arquidiácono," disse ela sem tardan-
ça. "Não sei se voltará muito antes do jantar. Não sabia bem quanto
"Não; vim desenhar, mas a chuva me empurrou para cá. Não fosse
misteriosamente forçado a ser tão simples quanto ela. Não podia parar
estão presentesf
cia. "Sente-se." Sentando-se por sua vez numa otornaria escura, com os
livros pardacentos por trás, ela dava a impressão, em seu vestido liso de
um tecido branco e fino de lã, sem nenhum enfeite no corpo a não ser a
a luz nos seus brilhantes cachos e no perfil delicado mas algo petulante,
como se fossem eles duas flores que houvessem desabrochado ali e en-
de seu marido com Will: parecia água fresca em seus sedentos lábios
falar sem medo com a única pessoa que ela constatara ser receptiva; pois
olhando para trás através de sua tristeza ela exagerava um consolo pas-
sado.
disse."
momento eram perfeitos, pois nós mortais temos nossos momentos di-
MIMUMARCH
389
pouco de grego. Agora posso ajudar melhor Mr. Casaubon. Posso locali-
zar referências para ele e poupar-lhe de muitos modos a vista. Mas ser
vel que os alcance antes de estar decrépito," disse Wíll, com uma rapi-
tão rápida quanto ele, que, vendo o rosto dela mudar, acrescentou ime-
ter dito que os que têm grandes pensamentos exaurem -se muito para
tive a impressão de que gostaria de dedicar minha vida para ajudar al-
guém que fizesse uma grande obra, alíviando-lhe o fardo."
idéia de estar fazendo uma revelação. Mas nunca dissera nada a Will que
lançasse luz tão forte sobre o seu casamento. Ele não deu de ombros; e
à falta desta descarga muscular pensou com mais irritação ainda em lá-
"Pode porém levar a ajuda longe demais," disse ele, "e estafar-se a
senhora mesmo. Não anda muito trancada? já parece mais pálida. Acho
leves."
única coisa que desejo é ajudá-lo ainda mais. E ele tem suas objeções a
"Certamente que não, agora sei como pensa. Mas ouvi tanto Mr.
390
GEORGE ELIOT
plantas, para encher meus dias. Creio que o senhor compreende que o
impaciente - "e além do mais Mr. Casaubon nem agüenta ouvir falar de
um secretário."
"Meu erro é perdoável," disse Will. "Já tive outrora ocasião de ouvir
de seu marido, enquanto dizia, com um sorriso jocoso: "O senhor não
a dar mais uma boa espremida nas asas de mariposa da glória do pobre
Mr. Casaubon, ele continuou: "E desde então pude ver que Mr. Casaubon
não gosta que olhem seu trabalho e que alguém saiba exatamente o que
ele anda fazendo. Duvida muito - é muito inseguro de si. Posso não ser
bom para nada, mas é porque eu discordo dele que ele não gosta de
mim."
Will não deixava de ter suas intenções de sempre ser generoso, mas
sobre ela.
jazia fundo. Ela não mais estava lutando contra a percepção dos fatos,
mas sim ajustando-se à sua percepção mais clara; quando agora ela olhava
que ele tinha deste fracasso, parecia seguir no rumo certo, onde o dever
Ela não respondeu logo, mas olhou pensativa para o chão e depois,
pelo senhor com os gestos que fez em seu benefício: e isto é admirável."
Foi algo abominável que minha avó tenha sido deserdada porque fez o
MIDDLEMARCH
391
que eles chamavam de uma mésaffiance, embora não houvesse nada a ser
dito contra o marido dela, a não ser que ele era um refugiado polonês
meu pai, além do que minha mãe me contava; mas ele herdou o talento
sobretudo de um dia em que ele estava doente, e eu, com muita fome e
mãos no colo com o mais vivo interesse. "Eu sempre tive tudo em exces-
so. Mas conte-me como foi - Mr. Casaubon não podia saber sobre o
senhor então."
"Não; mas meu pai deu-se a conhecer a Mr. Casaubon, e este foi o
meu último dia de fome. Meu pai morreu logo depois, e eu e minha mãe
que a irmã de sua mãe havia sido tratada. Mas agora já estou contando
algo que não deixava de ser novo em sua própria maneira de ver as
coisas - ou seja, que Mr. Casaubon nunca havia feito mais do que pagar
uma dívida com ele. Mas Will era muito boa pessoa para sentir-se à
muito de seus próprios atos louváveis." Ela não sentia que a conduta de
seu marido estivesse sendo depreciada; mas esta noção de que a justiça
entrara em causa nas relações dele com Will Ladislaw calou fundo em
sua mente. Após breve pausa, acrescentou: "Ele nunca me havia dito
E o curioso é que minha mãe também fugiu de casa, mas não por causa
do marido. Nunca me dizia nada sobre a família dela, a não ser que a
deixara para viver sua própria vida - na verdade, foi para o palco. Era
uma mulher de olhos negros, cabelo crespo e anelado, que parecia não
392
GEORGE ELIOT
ela continuava a olhar atenta e séria para a frente, como uma criança que
sua desculpa, suponho, por ter sido o senhor mesmo algo rebelde; quero
dizer, em relação à vontade de Mr. Casaubon. O senhor há de estar lem-
brado de que não fez o que ele achou que era melhor para si. E se ele lhe
lhe tenha dito como a doença de Mr. Casaubon foi grave. Seria feio de
nossa parte, nós que estamos bem e podemos suportar qualquer coisa,
", tem toda a razão," disse Will, "não voltarei a trazer este assunto
evitar, vou dizer ou fazer alguma coisa que não conte com sua aprova-
ção.PP
franco. "Terei então um pequeno reino, onde ditarei as leis. Mas imagi-
das razões por que lhe queria falar a sós. Mr. Brooke propõe que eu
disse Dorothea.
MIDDLEMARCH
393
jar, com a mesma simplicidade e presteza com que havia falado em Roma.
Em sua mente não havia sombra de razão no momento para que não
dissesse isto.
"Então vou ficar," disse Ladislaw, jogando a cabeça para trás, levan-
tando-se e indo até a janela, como se para ver se a chuva tinha parado.
timento dele e de haver sugerido esta oposição a Will. Este não tinha o
rosto virado para ela, o que a fez dizer com mais facilidade:
deva ser orientado por Mr. Casaubon. Falei sem pensar em nada, a não
ser meu próprio sentimento, que nada tem a ver com a verdadeira ques-
tão. Mas agora me ocorre - quem sabe Mr. Casaubon possa achar que a
proposta não é boa? O senhor não pode esperar para falar com ele?"
"Hoje não dá para esperar," disse Will, temendo por dentro a possi-
Não, ele não ousava, não era capaz de dizer isto. Pedir a ela para ser
menos simples e direta seria como respirar num vidro onde você quer
Will não deveria perder tempo para consultar Mr. Casaubon, mas pode-
casa: muito cedo para obter apoio moral sob o ennui de vestir sua pessoa
para o jantar, e muito tarde para desvestir sua mente das frívolas cerimô-
394
GEORGE ELIOT
profundo nas tarefas sérias do estudo. Nestas ocasiões ele em geral arriava
assuntos públicos nos quais se vira envolvido; mas falou com mais ani-
elogios. Ele falou maravilhas do meu mais recente tratado sobre os Misté-
rios Egípeios - usando palavras, de fato, que não me ficaria bem repetir."
poltrona e balançou a cabeça para cima e para baixo, como se com esta
"Fico muito contente em saber desta alegria que teve," disse Dorothea,
encantada em ver seu marido menos cansado do que em geral nesta hora.
"Lamentei muito, antes de sua volta, que tivesse passado o dia fora."
"Mas por que, querida?" disse Mr. Casaubon, jogando-se para trás
de novo.
tio sobre a qual eu gostaria de saber sua opinião." Ela sentiu que o marido
mundo ela tinha uma vaga idéia de que o lugar oferecido a W111 conflitava
"Meu querido tio, como você sabe, tem muitos projetos. Ao que
Ladislaw que ficasse por aqui e dirigisse para ele o jornal, além de o
quanto seus lábios se tornavam mais tensos. "Qual é sua opinião?" acres-
nião?" disse Mr. Casaubon, abrindo só uma brecha dos olhos para lan-
à vontade com a pergunta feita por ele, mas apenas se tornou um pouco
395
"Eu temia que você pudesse fazer alguma objeção. Mas certamente
um rapaz de tanto talento poderia ser muito útil ao meu tio - ajudan-
do-o a fazer o bem de um modo mais eficaz. E Mr. Ladislaw deseja ter
uma ocupação fixa. Tem sido acusado, segundo diz, de não procurar algo
marido. Ele entretanto não falou, e ela então apelou para o Dr. Spanning
nestes assuntos.
parte não foi mal recebida de todo, a qual acarreta sua residência
nestas redondezas numa situação que sou forçado a dizer não sem
justeza afeta de tal modo minha própria posição que torna não só
algum direito ao poder de veto, creio, não seria negado por nenhu-
"EDWARD CASAUBON."
396
GEORGE ELIOT
simpatia que já virava pura agitação, no que Will lhe havia dito sobre os
pais e avós dele. Todas as horas íntimas de seu dia eram geralmente
bara por agradar-lhe muito. Externamente nada se alterara ali; mas, en-
oeste além da alameda de tílias, o quarto quase vazio passara a ser ocu-
pado por essas memórias da vida interior que preencherno espaço com
olhava pela alameda na direção do arco de luz do poente que esta visão
tuído uma audiência como que de seres não mais preocupados com sua
reuniam-se em torno desta tia Júlia que era avó dele; e a presença da
delicada miniatura, tão parecida com um rosto vivo que ela conhecia,
mem pobre! Dorothea, que desde cedo vivia perturbando seus pais com
ticas por que os filhos mais velhos tinham mais direitos, e por que as
terras eram vistas como bens vinculados: tais razões, que lhe infundiam
temeroso respeito, talvez fossem mais fortes do -que ela pensava, mas a
questão de vínculos que ali estava não implicava transgredi-las. Ali esta-
das instituições da nobreza por pessoas que não são mais aristocráticas
do que um merceeiro aposentado, e que não têm mais terras para "man-
MIDDLEMARCH
397
Era verdade, . dizia-se ela, que Mr. Casaubon tinha um débito para
nos tempos do casamento e que lhe deixava o montante dos bens, com
uma cláusula para a hipótese de ela vir a ter filhos. Era preciso alterar
isto; e não havia tempo a perder. O próprio problema que ainda há pou-
za, a julgar por toda sua conduta prévia, não hesitaria em olhar, se ela o
propusesse, pelo ângulo certo - ela, em cujo benefício uma injusta con-
antipatia. Ela desconfiava que o plano de seu tio seria desaprovado por
Mr. Casaubon, o que tornava ainda mais oportuno dar logo início a uma
nova compreensão, para que Will, ao invés de começar sem nada e ten-
a posse de uma renda, que deveria ser paga por seu marido enquanto ele
a morte dele. A visão de tudo isto como aquilo que precisava ser feito foi
que ela vivia sobre as relações de seu marido com os outros. Will Ladislaw
havia recusado toda ajuda futura de Mr. Casaubon com base num moti-
vo que ela não julgava mais certo; e Mr. Casaubon nunca havia entendi-
disse Dorothea. "Aí está a grande força de seu caráter. E o que estamos
nós fazendo com o nosso dinheiro? Metade da nossa renda, nós não
Era cega, como vêem, a muitas coisas óbvias para os outros - tendia a
a tudo que não estava incluído nos seus propósitos puros levava-a em
mandou sua carta a Will. Em tudo ela só via empecilhos, enquanto não
398
GEORGE ELIOT
com ele, presa de preocupações como era, tinham de ser abordados pru-
nas que podiam ser levadas em conta como ocasiões de conversa; pois
nesta noite quem estava sem sono desde o começo era ela, excitada por
suas resoluções. Ele dormiu como sempre algumas horas, mas ela já se
ele disse:
"Dorothea, já que está acordada, será que você acende uma vela?"
"Você está passando mal?" foi sua primeira pergunta, tão logo ela o
obedeceu.
Dorothea.
"Certamente."
dos, parece-me que a voz divina que nos manda comgir o erro feito deve
ser obedecida."
"Que você foi por demais liberal nas disposições a meu respeito -
"Fui levada a pensar em sua tia Julia, em como ela foi deixada na
desabonador, já que indigno este homem não era. Sei que foi por este
dele."
Villiam Lowth (1660-1732) ou então seu filho Robert Lowth (1710-1787), ambos
autores
de livros religiosos.
MIDDLEMARCH
399
Por alguns momentos Dorothea esperou uma resposta que a ajudas-
mais coisas, até mesmo à metade dos bens que eu sei que você me desti-
nou. E penso que o convém prover desde já, com base nesta compreen-
de lhe serem dados seu verdadeiro lugar e sua verdadeira parte afastaria
assunto?" disse Mr. Casaubon, com uma rapidez mordaz que não lhe
era habitual.
ginar isto, se ele acaba de renunciar a tudo que vinha de você? Temo que
haja muito rigor de sua parte, querido, quando pensa nele. Ele apenas
a perguntas minhas. Você é tão bom, tão justo - você fez tudo que
pensou ser o certo. Mas a mim parece claro que o certo é mais do que
"Dorothea, meu amor, não é esta a primeira ocasião, mas seria bom
tos de família. Basta saber por ora que você não está qualificada a díscri-
minar neste caso. Quero que compreenda que eu não aceito nenhuma
por-se a mim e Mr. Ladislaw, nem muito menos dar estimulo a comuni-
ção dele havia certa justeza. Ouvindo-o respirar muito rápido depois
que tinha falado, ela ficou ouvindo, assustada, infeliz - com um grito
40O
GEORGE ELIOT
mudo por dentro, uma vontade de pedir socorro para agüentar o pesa-
delo de uma vida onde todas as energias eram bloqueadas pelo medo.
Ladislaw:
WILL LADISLAW."
ele, sendo imparciais?) que homem algum tinha mais justas causas para
pelo seu próprio marido. Algum motivo encoberto tinha sido preciso
MIDDLEMARCH
401
lava com bastante clareza que o motivo não declarado tinha relação com
duplicídade de Dorothea: não tinha suspeitas dela, mas tinha (o que era
derar seu dever. Nunca se sentiria à vontade para dar às suas ações qual-
quer outro nome que não dever; mas, neste caso, motivos contraditórios
Casaubon sabia que o fracasso era tão provável quanto o êxito. Ele
o assunto a Sir Jarnes Chettam, com quem ele nunca havia estado em
suspeita) deles sobre suas desvantagens: deixá-los saber que ele não
402
GEORGE ELIOT
dobrado.
cio. Mas ele havia proibido Will de vir a Lowick Manor, e mentalmente
CAPíTULO XXXV
- GUIZOT.
- GUIZOT.1
SIR JAMES CHETTAM não poderia olhar com satisfação para as novas ini-
ciativas de Mr. Brooke; mas objetar era mais fácil que impedir. Um dia,
dizendo:
"Não posso falar com vocês, como eu quero, diante de Celia: pode-
seu amigo. " um horror - essa mania de sair comprando apitos e assoprá-
los nos ouvidos alheios. Ficar na cama o dia todo e jogando dominós,
te, tal qual o faria se porventura fosse ele mesmo o atacado. "Há tremen-
benefício algum."
404
GEORGE ELIOT
"Seria ótimo se o Brooke desistisse disto," disse Sir James, com seu
"Mas será que ele realmente vai querer ser candidato?" disse Mr.
mal."
antes - meu negócio é o condado. O que o Brooke acha é que eles vão
rejeitar o Oliver por ele ser a favor de Peel. Mas o Hawley me garantiu
Hawley foi até meio rude: esqueceu-se de que falava comigo. Disse que,
se o que o Brooke quer é ser escorraçado, pode conseguir isto sem gastar
mãos estendidas. "Há muito que eu disse para o Humphrey, Mr. Brooke
uma confusão bem mais grave do que um flerte ligeiro com a política."
"E claro que me preocupa mais por causa da família. Ele é um homem já
"A bem dizer, não," disse Sir James; "temo ser indelicado, dando
idéia de fazer uma imposição. Mas conversei com esse jovem Ladislaw
que for, parece ser bem esperto. Achei que era bom ouvir o que ele tinha
lHenry, Lord Brougham (1778-1868), foi um dos fundadores da influente The
Edinburgh
MIDDLEMARCH
405
a dizer; e ele é contra o Brooke concorrer desta vez. Acho que ele o fará
disse Sir James. "Ele veio jantar conosco no castelo umas duas ou três
rente do Casaubon, pensando nós que estivesse apenas numa visita pas-
sageira. Mas acabo de descobrir que o seu nome está na boca do povo
seu respeito em que ora ele é um escriba alienigena, ora um espião es-
44com suas árias de ópera e sua língua afiada. Uma espécie de herói
byroniano
gosta nada dele. Pude perceber isto no dia em que trouxeram o quadro."
gente olhar para o Keck, que é quem toca a "Trombeta." Outro dia eu o
vi com o Hawley. Ele até que escreve bem, admito, mas é um sujeito tão
classe para escrever, e por um salário que mal dá para o manter vivo, na
"Exatamente: daí ser tão desagradável que o Brooke queira para uma
função desta espécie um homem que não deixa de ser aparentado à farru-
fia. A meu modo de ver, penso que para Ladislaw é uma loucura aceitar."
"A culpa é do Aquino," disse Mrs. Cadwallader. "Por que ele não
,,Não há como saber até onde pode o mal se estender," disse ansio-
samente Sir James. "Mas, se o Casaubon não diz nada, o que eu posso
fazer? "
406
GEORGE ELIOT
"Oh, meu caro Sir James," disse o Reitor, "não vale a pena dar im-
"Há porém uma chance - ele não vai gostar de ver seu dinheiro se
mas sim esvaziar sobre ele um pote de sanguessugas. Gente bem ava-
renta como a gente não gosta nada que lhe suguem suas moedinhas."
"Nem ele há de gostar que se levantem coisas contra ele," disse Sir
E para mim realmente é doloroso de ver. algo que incômoda aos olhos.
A meu ver é uma obrigação que se tem, fazer todo o possível pela terra
possa advir disto tudo," disse o Reitor. "Eu bem que ficaria contente. Eu
Aliás eu nem sei o que faria se em Tipton não houvesse também o paga-
mento em dinheiro."
"Eu queria que ele tivesse um homem decente para cuidar de tudo
- que ele pegasse o Garth novamente," disse Sir James. "Ele dispensou
o Garth há doze anos atrás, e desde então tudo tem dado errado. Eu
que ele fez para as minhas construções são ótimas; e o Lovegood não
conta dele."
"E seria para o bem dela," disse o Reitor. "Garth é um homem inde-
bre ele, ela que sempre se preocupou tanto com a propriedade. Ela tinha
MIDDLEMARCH
407
venha jantar conosco, desde que ele teve aquele ataque." Sir James ter-
ombros, como se quisesse dizer que para ela nada neste sentido parecia
ser novo.
"ataques," "diga-se que o Brooke não quer mal a seus rendeiros nem
quer mal a ninguém, mas ele tem essa mania de estar sempre cortando
"Ora pois, isto é uma bênção!" disse Mrs. Cadwallader. " bom para
ajudá-lo a se encontrar de manhã. Pode ser que ele nem saiba que opi-
"Não acredito que alguém encha o bolso sendo avarento com a sua
que se levantou para olhar pela janela. "Mas basta a gente falar de um
posição em que estamos; toda esta coisa é tão desagradável! Meu gran-
.Então estão todos aqui, não é?" disse Mr. Brooke, apertando ao
gar até o castelo, Chettam. Mas que alegria encontrá-los juntos! Bem,
que acham vocês das coisas? - vai tudo rápido demais! a pura verda-
outro lado da água eles já estão no próximo século. Indo mais rápido
que nós."
408
GEORGE ELIOT
que recebe pelas terras que arrenda. Estão dizendo que ele é o homem
mais retrógrado do condado. São vocês que devem ter ensinado esta
bem. Retrógrado, não é? Ora, esta é muito boa! Ele pensa que quer
um adversário.
"Acho que ele sabe o sentido da palavra. Eis aqui um pouco do vene-
consti-
tuição, enquanto tudo o que lhe pertence e pelo que ele é diretamente
responsável se
enfor-
cado, mas que não se incômoda com cinco honestos rendeiros quase à mingua:
um
extorsivos:
saber
que por toda parte em suas terras há uma porteira podre: um homem de coração
muito aberto para Leeds e Manchester, sem dúvida; que concordaria com
qualquer
Par-
para ajudar um rendeiro a comprar gado, nem com um gasto em reformas para
proteger contra o tempo o celeiro deste rendeiro, ou fazer com que sua casa
se
pareça menos com uma choupana irlandesa. Mas todos nós sabemos a definição
e muitos represen-
tantes no Parlamento.
MIDDLEMARCH
409
que é a boa sátira. A sátira, não é, deve ser verdadeira até um certo
"Bem, mas esta das porteiras foi realmente uma boa alfinetada,"
se queixava comigo de que não tem uma porteira decente em sua terra.
fazer. "
nome dele? - gastou dez mil libras e não se elegeu porque não subor-
nou o suficiente. Que amarga reflexão para um homem!"
sabem? Hawley e sua turma subornam com festejos, com maçãs assadas
Mas não hão de continuar no futuro com estas suas práticas - no futuro
lado."
"Diz o Hawley que há pessoas do seu lado que irão prejudicar vocês,"
observou Sir James. "Diz que o banqueiro BuIstrode é um dos que pre-
judicam."
"metade dos ovos podres serão jogados por ódio ao organizador do co-
initê. Deus do céu! já pensaram só nisto, ser apedrejado por ter opiniões
lama! "
410
GEORGE ELIOT
Teria medo de como iriam considerar todos os meus dias de pesca. Pala-
vra, creio que a verdade é o projétil mais duro com que alguém pode ser
apedrejado."
"O fato é que," disse Sir James, "o homem que ingressa na vida
ne à calúnia."
"Meu caro Chettam, tudo isto é muito bonito, sabe," disse Mr. Brooke.
coisa. Coisas que sempre acontecem aos melhores homens, não é? Como
é mesmo aquela frase de Horácio? - fiat justitia, ruat ... 1 ou algo seme-
lhante."
habitual. "O que eu quero dizer com ser imune à calúnia é ser capaz de
"E que não é martírio algum pagar os débitos em que a própria pes-
Mr. Brooke. "Bem, você sabe, Chettam," disse ele, levantando-se, apa-
diferentes. Você é por não medir as despesas com suas terras. E eu não
liação das terras, e dava-lhe carte blanche para porteiras e obras de refor-
ma: esta é a maneira como vejo a situação política," disse o Reitor, enfi-
ando seus polegares sob as axilas para fazer-se mais largo, e rindo para
Mr. Brooke.
"Alguma coisa para dar na vista, não é?" disse Mr. Brooke. "Mas eu
época, é "Ratjustitia
MIDDLEMARCH
411
de coisa. Eu, se mudo minha linha de ação, hei de estar seguindo minhas
próprias idéias."
mente de todos.
"Eu não quis tomar muitas liberdades com o Brooke," disse Sirjames;
ddveio que ele está numa enrascada. Quanto ao que diz sobre seus velhos
tempo," disse o Reitor. "Mas você, Elinor, estava puxando para um lado,
nós, amedrontá-lo para que as faça. Melhor deixar ele tentar ser popular
CAPÍTULO =IX
- DR. DONNE.
- DR. DONNE.1
MIDDLEMARCH
413
nho de volta, após lhe dar ciência da situação em que estava a adminis-
tração da fazenda.
los, pois internamente ele cuidava de medidas para obter uma moradia
que elétrico o fez tremer, e ele sentiu nas pontas de seus dedos um
dade de seu olhar, sendo por isto capaz de imaginar que cada molécula
uma mulher difira de sua paixão por outra como a alegria na luz da
manhã.
"Ora viva, querida, que agradável surpresa!" disse Mr. Brooke, indo
com seus livros. Fez muito bem. Não nos convém que você, sendo mu-
414
GEORGE ELIOT
"Não há perigo, meu tio," disse Dorothea, que se virou para Will,
levar por pensamentos vadios. Constato que ser culta não é tão fácil
estava preocupada com algo que quase a fazia não dar por sua presença.
que a vinda dela ali tinha algo a ver com sua própria pessoa.
pre as tive a meu comando. isto que eu digo ao Ladislaw. Ele e eu,
sabe, somos parecidos: ele se interessa por tudo. Agora estamos traba-
e eu."
"Sim," disse Dorothea, da maneira bem direta que lhe era típica,
"Sir James me andou dizendo que ele tem a esperança de ver uma
mente diferente. Oh, que alegria! "- prosseguiu ela, juntando as mãos
bém disse que o senhor vai contratar Mr. Garth, que elogiou minhas
casas."
"Chettam foi um pouco apressado, minha filha," disse Mr. Brooke,
numa voz tão clara e sem hesitação como a de uma jovem corista can-
guém que se preocupa com melhorias para o povo, e uma das coisas
sete filhos numa casa com uma salinha e um quarto que é pouco maior
MIDDLEMARCH
415
cômodos para os ratos! Pois esta é uma das razões por que eu não
gostava dos seus quadros, meu tio - fato que o senhor atribuía à mi-
rude feiúra como uma dor em meu intimo, e na sala de visitas as sorri-
dura, fora das paredes que nos protegem, para os nossos vizinhos. Creio
mudanças pelo bem, se não tivermos tentado alterar os males que es-
tudo, exceto o alívio de dar livre vazão aos próprios sentimentos: ex-
mulher tão bem quando vê que ela tem certa grandeza: já que a natu-
se, ajustar seu monóculo e remexer nos papéis à sua frente. Por fim
disse:
"Há alguma coisa no que diz, minha filha, alguma coisa no que diz
- mas não tudo - não é, Ladislaw? Nem você nem eu gostamos de que
esse tipo de coisa, elevam uma nação - emoffit mores" - você agora já
Esta última pergunta foi endereçada ao lacaio, o qual veio dizer que
"já vou, já vou. Logo, logo, o libero, sabe?" disse Mr. Brooke à parte
416
GEORGE ELIOT
que Sir James deseja," disse Dorothea para Will, logo depois de seu tio
ter saído.
algo diferente? Pode ser que eu não tenha outra oportunidade de con-
"Diga-me, por favor, o que é," disse Dorothea, que também se le-
vantou ansiosa e se dirigiu para a janela aberta pela qual o Monk olhava,
estimação que ou são levados nas mãos ou esmagados nos pés, sempre
Will seguiu-a só com os olhos e disse: "Suponho que saiba que Mr.
a conversa entre ela e seu marido no escuro; e de novo era invadida pela
não se ligava diretamente a si, e de que Dorothea não fora assaltada pela
torno dela. Ele sentiu uma mistura esquisita de deleite e aflição: de de-
aflição porque era muito pouco importante para ela, não a impressiona-
uma função aqui que ele julga inadequada à minha posição como seu
primo. E eu já lhe disse que não abro mão deste ponto. Para mim seria
um pouco demais que o rumo de minha vida viesse a ser entravado por
MID=MARCH
417
nós quando ainda somos muito jovens para entender seu sentido. Eu
não teria aceito o emprego se minha intenção não fosse fazê-lo útil e
dignidade familiar."
" melhor não falarmos deste assunto," disse ela, com a voz inco-
lancólica meditação.
"Sim; mas agora mal poderei vê-la," disse WilI, quase no tom de um
"Pois é," disse Dorothea, virando os olhos bem para ele, "quase
nunca. Mas terei notícias suas. Saberei do que anda fazendo por meu
tio."
me dirá nada."
bios num precioso sorriso que irradiou sua melancolia. "Eu estou sem-
pre em Lowick."
"Não, não pense assim," disse Dorothea. "Eu não tenho aspira-
ções."
Ele nada falou, mas ela reagiu a certa modificação em sua expressão.
"Quero dizer, para mim mesma. A não ser que eu não gostaria de ter
muito mais que o meu quinhão sem fazer nada pelos outros. Mas eu
muito bem no que consiste e sem poder fazer o que queremos, nós so-
"Não lhe aplique, por favor, nome algurnf disse Dorothea, esten-
religião desde que eu era menina. Costumava rezar muito - agora não
rezo quase nunca. Tento não ter desejos apenas para mim, porque eles
podem não ser bons para os outros, e os que eu tenho iá são em derna-
418
GEORGE ELIOT
sia. Se lhe digo isto, é apenas para que o senhor saiba exatamente como
"Pois que Deus a abençoe por me dizer!" disse Will com ardor, e
"Qual a sua religião?" disse Dorothea. "Digo - não o que sabe so-
"Amar o que é bom e belo quando o vejo," disse WilL "Mas eu sou
sorrindo.
"Sim; Mr. Casaubon costuma dizer que eu sou muito sutil. Não sin-
Dagley, falar do garoto delinqüente que fora pegado com a lebre. A cami-
"Pois então o Chettam, minha querida," disse ele, "acha que estou
errado; mas eu não preservaria a minha caça, se não fosse para o Chettam,
e ele não pode dizer que esta despesa seja a favor dos rendeiros, não é?
faz muito tempo, Flavell, o pregador metodista, foi levado a juízo por
abater com uma paulada uma lebre que atravessou seu caminho quando
acertara na nuca."
julgar como ele é hipócrita." E eu, palavra, achei que o Flavell parecia
muito pouco ser do "estilo superior de homem"- como alguém define o
MIDDLEMARCH
419
que o Senhor mandara um bom jantar para ele e a esposa, e que ele
Fielding tiraria dali alguma coisa - ou Scott, quem sabe? - Scott teria
tem a lei a seu lado, sabe? - sobre as botinas e o pedaço de pau, e assim
por diante. Entretanto, não adianta raciocinar sobre as coisas; e lei é lei.
cá estamos no Dagley."
nossa consciência se apraz com o modo como abusamos dos que nun
de Dagley nunca parecera tão horrorosa como hoje a Mr. Brooke, com
seu espírito ferido pelas acusações da "Trombeta," às quais Sir Jarnes
fizera eco.
tado talvez com esta morada chamada O Limite dos Livres: na casa ve-
420
GEORGE ELIOT
cer "um encanto," como certas pinturas que todos nós já paramos para
pela depressão que se abate sobre a agricultura, com a tri . ste falta de
capitais para o campo, como se vê constantemente nos jomais da época.
toda a força presentes para Mr. Brooke, estragando-lhe a cena. Mr. Dagley
casaco e a calça eram os melhores que tinha, e ele não os estaria usando
comer no Blue Bull a refeição mais comum. Como incorrera nesta extra-
vagância era talvez um tema com o qual ele mesmo se espantaria ama-
nhã; mas antes do jantar alguma coisa na situação do país, uma ligeira
derado como coisa óbvia, que um bom repasto pedia boa bebida, o que
depois rum com água. Tais bebidas contêm tanta verdade que não pude-
ram ser suficientemente falsas para tornar alegre o pobre Dagley: apenas
tentar que tudo o que havia era ruim, e que qualquer mudança seria
bengala de passeio.
disse Dagley, com uma ironia tão ruidosa e rosnante que fez o cão de
MIDDLEMARCH
421
Mr. Brooke refletiu que era dia de mercado, e que seu digno rendeiro
havia provavelmente jantado, mas não viu nenhum motivo para não ir
tinha a dizer.
"O seu filho Jacob foi pegado matando um filhotinho de lebre, Dagley:
horas, só para dar um susto nele, sabe? Mas a qualquer momento ele
será trazido em casa, antes de anoitecer; e você vai cuidar dele, não é,
"Num vou mesmo, nem morto num vou batê no menino pr"agradá o
sinhô ou quem que seja, nem que invez de um só viesse uns vinte assim
aberta a não ser com mau tempo, - e Mr. Brooke, dizendo apaziguado-
ramente: "Bem, bem, vou conversar com sua esposa - não estou falan-
clareza.
de cuja vida o prazer se evolara tão completamente que ela nem mais
depois de ele voltar para casa, e estava bem deprimida, esperando pelo
num vai," prosseguiu Dagley, alteando ainda mais a voz como que para
se impor sem discussão. "Num me venha o sinhô falá de vara com nós,
422
GEORGE ELIOT
se botar para fora. Um homem que é pai de família, quando esbanja seu
bastante mal por um dia. Mas eu gostaria de saber o que foi que o meu
"O que ele fez num te interessa," disse Dagley, ainda mais furioso,
4(sou eu que tem de falá, num é ocê. E vou falá o que bem quero - ceie-
se ou não. O que eu tenho a dizê é que eu vivo aqui nessa terra do sinhô,
como antes de mim o meu pai e o meu avô, e que a gente meteu nosso
pra virá o adubo que nós num tem com que comprá, se o Rei num dê um
jeito nisso."
"Meu bom amigo, você está embriagado, sabe?" disse Mr. Brooke,
para ouvir. Parecia mais sensato ser totalmente passivo do que tentar
"Eu num tô mais embriagado que o sinhô, nem tanto," disse Dagley.
"Sei segurá minha bebida e também sei o que eu quero. Quero é que o
Rei dê um jeito nisso, porque tão dizendo por aí, tão sabendo, que vai
havê uma Reforma e os senhorios que nunca fizeram nada direito pros
seus rendeiros vão ser tratados com dureza e vão ter de cair fora. Tão
dizendo: "Eu sei quem é seu senhorio." E eu digo: "Tornara ocê sabê mais
que eu, que num sei." E aí eles diz: " um muito irião-fechada." Ai, ai,"
digo eu. "Pois ele é pela Reforma," eles diz. Isso é o que eles tão dizendo.
E já deu pra mim entendê que Reforma é essa - que com ela o sinhô e
os seus iguais vão ter de corrê e muito; é com coisas bem fedorentas que
ocês vão ser enxotados. E agora o sinhô pode fazê como bem quisé,
porqu"eu num tenho medo do sinhô. E é melhor deixá meu filho em paz
e ir cuidá da sua vida antes que venha essa Reforma cair nas suas costas.
Pois era o quê qu"eu tinha a dizê," concluiu Mr. Dagley, enfiando seu
forcado na terra com uma firmeza que se mostrou excessiva, quando ele
para Mr. Brooke escapar. Ele saiu o mais depressa que pôde do terreiro,
MIDDLEMARCH
423
rem de nós). Quando ele brigou com Caleb Garth, doze anos atrás, ha-
via pensado que os rendeiros iam ficar contentes com o proprietário das
espantar -se com a escuridão absoluta em que Mr. Dagley vivia; mas
nada era mais fácil na época do que um homem do campo de seu nível
de domingo às vezes lia uns versículos, e o mundo para ele pelo menos
não era mais escuro do que fora antes, havia coisas que ele sabia muito
para o deixar, se assim quisesse, mas que nenhum "além" terreno esta-
To fruits of diligence,
Premiados só em fazer -
o pai, a mãe e cinco dos filhos. Mary continuava com a família à espera
de uma situação para ela, ao passo que Christy, o rapaz a seu lado,
dado para os livros, para a decepção de seu pai, e não para a sagrada
425
Cartas tinham chegado - nove cartas bem caras, pelas quais foram
pagos ao carteiro três xelins e dois pences, e Mr. Garth já até se esquece-
ra de seu chá com torradas enquanto lia suas cartas e as punha abertas
muxoxos que eram sinais de cogitações internas, mas nem por isto se
escrevendo.
Duas das nove cartas eram para Mary. Depois de as ler, ela as passou
para sua mãe, e absorta pôs-e a brincar com a colherzinha, por algum
tempo, até que a uma lembrança repentina voltou à sua costura, conser-
"Não vai costurar não, Mary!" disse Ben, puxando-a pelo braço. "Faça
um pavão pra mim com este miolo de pão." Ele já havia preparado para
"Oh, não, nada disto!" disse Mary com bom humor, ao mesmo tem-
po em que espetava a mão dele, mas de leve, com a agulha. "Tente você
tura, que é para a Rosamond Vincy: ela se casa na semana que vem, mas
sem este lencinho não pode haver casamento." Mary concluiu entre ri-
mistério e avançando tanto para encostar sua cabeça na irmã que Mary
Mary, com um grave ar de explicação que fez Letty recuar com a ímpres-
"já tomou sua decisão, minha filha?" disse Mrs. Garth, pondo as
"Vou para a escola de Yorkf disse Mary. "Sou mais indicada para
ensinar numa escola do que numa família. Gosto mais de lecionar para
turmas. E, como vê, tenho de dar aulas: não há outra opção para mim."
gostasse de crianças."
"Acho que nós nunca entendemos por que há gente que não gosta
do que nós gostamos, mãe," disse Mary, sem primar pela delicadeza. "A
426
GEORGE ELIOT
sala de aula não me agrada: prefiro o mundo exterior. uma falha mi-
"E as brincadeiras delas nunca valem a pena. Não podem dar pulos,
jogar coisas, nada disso. Eu entendo por que a Mary não gosta."
"Do que é que a Mary não gosta, hem?" disse o pai, olhando por
cima dos óculos e fazendo uma pausa antes de abrir a carta seguinte.
" a situação de que lhe haviam falado, Mary?" disse Caleb, gentil-
Trinta e cinco libras por ano, e um pagamento extra para ensinar a dedi-
lhar o piano."
"Mary não estaria feliz sem fazer sua obrigação," disse Mrs. Garth,
Alfred, para tudo o que toma por desagradável. E suponha que com o
dinheiro que ela ganhe a Mary possa ajudá-lo a ir para Mr. Hanmer."
"Para mim seria uma grande vergonha. Mas ela é boa pra diacho!"
Mary ruborizou-se e riu, mas não pôde disfarçar as lágrimas que lhe
afloraram. Caleb, ainda a olhar por cima dos óculos, com os cantos das
nisto que voltava a ocupar-se de abrir sua carta; e até mesmo Mrs. Garth,
apropriou imediatamente para cantar: "Ela é boa pra diacho, pra diacho,
pra diacho!" numa cadência animada, que ele marcava batendo com o
grave surpresa, que a alarmou um pouco, mas ele não gostava de ser
MIMUMARCH
427
até que o viu subitamente sacudido por uma risadinha feliz quando ele
voltou para o começo da carta e, olhando-a por cima dos óculos, disse
Ela foi ficar por trás dele, pondo-lhe a mão no ombro enquanto liam
centando que Sir James fora solicitado por Mr. Brooke de Tipton a inda-
termos muito gentis, que ele próprio tinha o particular desejo de ver as
termos interessantes para Mr. Garth, a quem ele teria o prazer de rece-
"Como ele escreve bem, não é, Susan?" disse Caleb, virando os olhos
para a esposa, que tirou a mão de seu ombro e a pôs na orelha dele,
lêncio.
"Crianças, é uma honra para o seu pai i " disse Mrs. Garth, percorren-
do os cinco pares de olhos que se fixavam nos pais. "Ele é chamado para
tra que ele fazia bem seu trabalho, e estão sentindo sua falta.
Mrs. Garth passou a mão na cabeça de Letty e riu mas, vendo que
seu marido ajuntava as cartas e provavelmente logo estaria fora de al-
cance no santuário dos "negócios," ela lhe deu uma espremida no om-
recordação, acrescentou: "Mary, faça uma carta e desista dessa escola. Fique
aqui para ajudar sua mãe. Estou feliz como Polichinelo, só em pensar."
a de Caleb, cujo talento não estava porém em fazer frases, se bem ele
428
GEORGE ELIOT
súplica ergueu para sua mãe o bordado de cambraia, a fim de o pôr fora
mas continuava sentado: segurando na mão direita suas cartas, ele olha-
segundo uma linguagem muda que lhe era típica. Por fim disse:
" uma pena que o Christy não seja dado aos negócios, Susan. Logo,
das e sólidas - para o bem dos que estão vivos e dos que virão no
futuro. Prefiro isto a uma fortuna. Para mim é o trabalho mais honroso
que existe." Aqui Caleb colocou as cartas na mesa, enfiou os dedos por
ta. "E será uma bênção para os seus filhos ter tido um pai que fez este
trabalho: um pai cujo bom trabalho fica, ainda que seu nome possa ser
esquecido." Depois disto, era impossível que ela voltasse a lhe falar do
salário.
va-se calado com sua caderneta de anotações nos joelhos, enquanto Mrs.
Garth e Mary faziam suas costuras e, num canto, Letty mantinha com
MIDDLEMARCH
429
mãe que Mrs. Garth era uma senhora mais fina que muitas madarnes da
cidade. Apesar disto, vejam só, passava suas noites na residência dos
muitas luzes e uíste. Nestes dias as relações humanas não eram determi-
Garths, e uma visita dele não chegava a constituir surpresa para a famí-
lia. Entretanto, para explicá-la, foi logo dizendo, nisto que cumprimen-
tava os presentes: "Venho como emissário, Mrs. Garth: tenho uma coisa
sobre o Fred Vincy para dizer à senhora e ao Garth. O fato é que o pobre
sua mãe que ainda era cedo para o pobre coitado começar a estudar. Mas
ontem ele apareceu e se abriu comigo. Acho ótimo que o tenha feito,
em casa que as crianças para mim são como sobrinhos. O caso é dificil de
aconselhar. Mas, seja como for, ele me pediu para dizer-lhes que está de
partida, mas sofre tanto com a dívida que tem com vocês, e a incapacida-
"Tois diga-lhe que isto já não significa nada," disse Caleb, agitando
casa."
gente o inicia. Estou muito feliz, Mr. Farebrother," - aqui Caleb jogou
430
GEORGE ELIOT
muito, como eu vivo dizendo para a Susan, ir montado a cavalo e ver por
cima das sebes que as coisas andam erradas, sem poder meter o dedo
Era raro Caleb aventurar-se a uma fala tão longa, mas sua felicidade
melhor notícia que eu poderia ter para levar ao Fred Vincy, pois ele insis-
tia muito no mal que lhes tinha feito ao forçá-los a desembolsar um di-
outros fins. Se o Fred não fosse o mandrião que é, eu ficaria muito conten-
te; ele tem alguns pontos ótimos, e o pai o trata com excessiva dureza."
"Para onde ele está indo?" disse Mrs. Garth, com certa frieza.
"Vai tentar colar grau de novo, e está indo preparar-se para o início
das aulas. Fui eu que o aconselhei a fazê-lo. Não insisto com ele para
entrar para a Igreja - pelo contrário. Mas, se realmente ele for para
vontade; o fato é que embarcou na onda; não sabe que outra coisa fazer.
sensibilizar o Vincy para a idéia de seu filho seguir alguma outra carreira.
O Fred diz com franqueza que não tem vocação para ser pastor, e eu
faria qualquer coisa que pudesse para impedir um homem de dar o pas-
mava dizer "Mary" ao invés de "Miss Garth," mas era parte de sua deli-
cadeza tratá-la com maior deferência desde que, segundo a frase de Mrs.
"A senhorita disse, segundo palavras dele, que ele seria um desses
Caleb riu. "Foi de você, Susan, que ela herdou esta língua," disse
19
MIDDLEMARCH
431
cgMas não a leviandade, meu pai," disse Mary com presteza, temen-
do que sua mãe se ofendesse. "E não fica nada bem para o Fred repetir a
Mr. Farebrother minhas frases levianas."
"Foi certamente uma frase irrefletida, minha filha," disse Mrs. Garth,
para quem falar mal de dignitários era um grave delito. "Não devemos
"No que ela disse há porém alguma coisa," disse Caleb, não queren-
sem jeito, sob a impressão de que as palavras eram mais limitadas que o
pensamento.
com o modo de ver de Miss Garth, quer eu seja condenado por ele ou
para estragá-lo. Não lhe deixar afinal nem um centavo foi coisa bem
diabólica. Mas o Fred tem o bom gosto de não insistir neste assunto. E
o que mais o preocupa é que a tenha ofendido, Mrs. Garth; ele acha que
"O Fred me decepeionou," disse Mrs- Garth, com decisão. "Mas es-
tarei pronta a pensar bem dele de novo quando ele me der boas razões
para isto."
Caleb, vendo Mary fechar a porta. "E, como diz o senhor, Mr. Farebrother,
era o próprio diabo que estava naquele velho. Agora que a Mary já se
uma coisa dessas - não iria tocar no cofre de ferro dele, nem nada. Pois
agora fique sabendo que o testamento que ele queria queimar era o
teria tido dez mil libras. No fim o velho se voltou para ele. Tudo isto
comove a Mary muito; não havia outro jeito - ela foi corretíssima ao
fazer o que fez, mas ficou com a forte impressão, como ela mesma diz,
432
GEORGE ELIOT
problema que ele criou para nós. Qual a sua opinião, Pastor? A Susan
não concorda comigo. Ela diz que - bem, diga você mesma, Susan."
"Mary não poderia agir de outra maneira, nem se ela estivesse sa-
interrompendo seu trabalho e olhando para Mr. Farebrot , her. "E ela não
sabia de nada. Uma perda que atinge alguém porque nós agimos certo,
nina ficou com esta impressão, e eu compartilho do que ela sente. Nin-
guém quer que seu cavalo esmague um cachorro, quando o faz retroce-
disse Mr. Farebrother, que por alguma razão parecia mais inclinado a ru-
Fred."
"Certamente que não. Mas vou levar-lhe a outra boa notícia - que
você tem como agüentar a perda que foi causada por ele."
luz crepuscular que realçava o brilho das maçãs nos velhos galhos qua-
se sem folhas - Mary no seu vestido roxo riscadinho e com fitas pretas
ta: ela não estará entre essas filhas de Sion tão altivas que andam de
mas não supõe que haja alguém olhando-a. Se ela tiver o rosto grande
MIDDLEMARCH
433
Caso você a faça rir, ela há de lhe mostrar que tem dentinhos perfeitos;
caso a ponha zangada, não há de erguer a voz, mas é provável que diga
uma das coisas mais amargas que você já tenha provado; caso lhe faça
ouvira dizer uma coisa tola, embora ela soubesse que ele fazia tolices;
e talvez as frases tolas fossem mais objetáveís para ela do que qual-
"Tem algum recado para o seu velho amigo, Miss Garth?" disse o
Pastor, nisto que pegava uma cheirosa maçã da cesta que ela lhe esten-
dizer que ele não seria ridículo como pastor, teria dito que seria alguma
coisa pior do que ridículo. Mas fico muito contente em saber que ele
"Por outro lado, se você não parte para trabalhar, sou eu que fico
muito contente. Minha mãe, tenho certeza, ficará feliz da vida se vier
visitá-la no presbitério: como sabe, ela adora conversar com gente jo-
vem, e tem muito o que contar sobre os velhos tempos. Seria realmente
bom demais para mim. Eu pensava que sempre seria parte de minha
convenientes, que ouvia tudo. Mas ela se tornou exultante quando Mr.
Farebrother a pegou pelo queixo e beijou-lhe a face - fato que ela con-
434
GEORGE ELIOT
servasse de perto poderia ter visto que, por duas vezes, ele deu de om-
bros. Penso que os raros ingleses que fazem este gesto nunca são pesadões
algo mais entre Fred e Mary Garth do que a simples afeição de velhos
resposta a isto foi o primeiro dar de ombros. Depois ele riu de si mesmo
o que é amado.
Quando Mr. e Mrs. Garth achavam-se sentados a sós, Caleb disse:
"Na rotação de lavouras," disse Mrs. Garth, sorrindo para ele por
cima do seu tricô, "ou então nas portas dos fundos dos casebres de
Tipton."
irá em breve, e só daqui a uns cinco anos o Jim estará na hora de come-
funcionamento das coisas e agir sob minha orientação, e com isto talvez
se torne um homem útil, caso desista de ser pastor. Que lhe parece?"
"Acho difícil haver outra coisa honesta a que a família dele faça mais
firmeza que costumava mostrar sempre que tinha opinião formada. "O
rapaz é de maior idade e tem de ganhar seu pão. Tem bastante bom
MIDDLEMARCH
435
que o mesmo tipo de sentimento o possui. Todos eles nos julgam abaixo
de seu nível. E eu estou certa, se partir de você esta proposta, que Mrs.
baixo como a marcar sua ênfase, "que jamais possa ser bem feita se se
Caleb," disse Mrs. Garth, que era uma mulher firme, mas sabia da existên-
cia de pontos nos quais seu meigo marido era ainda mais firme. "Mesmo
assim, parece já estar decidido que o Fred volta para a faculdade: não seria
melhor esperar e ver o que depois disto ele resolve fazer? Não é fácil
segurar as pessoas se elas não estão com vontade. E você ainda nem sabe
direito em que situação vai ficar, nem sabe do que irá precisany)
", talvez seja melhor esperar um pouco. Mas que eu vou ter muito
trabalho para dois, não tenho dúvida. Vivi sempre com as mãos cheias
das questões mais diversas, e sempre está aparecendo uma coisa nova.
Pois é, ainda ontem - espero que esta eu não lhe tenha contado! - foi
meio estranho que dois homens me chamassem cada qual de seu lado
para eu fazer a mesma avaliação. E quem você pensa que eram?" disse
Caleb, pegando uma pitada de rapé para mantê-la erguida entre os de-
dos, como se fosse parte de sua exposição. Ele gostava de fungar quando
lhe vinha a idéia, mas em geral não se lembrava de que esta indulgência
hipoteca ou de compra que se trata lá entre eles, ainda não posso dizer."
"Será que este homem já vai vender as terras que acabou de herdar
pos que o BuIstrode vem querendo deitar mãos num bom pedaço de
terra - disto sei eu. E não é coisa fácil de arranjar, nesta parte do país."
436
GEORGE ELIOT
e então disse: "Os vaivéns da sorte são curiosos. Cá temos as terras que
o tempo todo eles contavam que seriam do Fred, quando parece que o
este filho bastardo que ele mantinha na sombra e que nelas se instalan-
do, conforme deve ter pensado, iria aborrecer todo mundo tal qual faria
ele mesmo se pudesse continuar vivo. Seria engraçado, digo eu, se afinal
de cabeça que sempre lhe vinham quando ele usava esta frase - "a alma
cedem eles."
sempre que sentia medo, era invadido por um jorro de fraseologia bíbli-
CAPITULO XLI
"By swaggering could 1 never thrive,
- TweIfth Night.
- A noite de Reis."
do em pedra, ainda que fique séculos de face para baixo numa praia
cular por onde os sons murmurados vão a grande distância. Tais condi-
tes pode vir a cair, por um encadeamento de pequenos elos causais, nos
olhos de um erudito, graças a cujo empenho ela pode enfim fixar a data
438
GEORGE ELIOT
pode enfim ser aberto justamente sob os olhos que têm conhecimento
Tendo feito esta comparação algo pomposa, fico mais à vontade para
zir em número, e algo talvez fosse factível para não lhe dar facilmente
do por todos uma coisa supérflua. Mas aqueles que, como Peter
cópia no caso tinha mais semelhança externa com a mãe, em cujo sexo a
arredondada, são compatíveis com o grande encanto para uma certa or-
tes. Ainda mais se de súbito ele é posto em evidência para frustrar ex-
das do tipo sóbrio, que só bebe água. Da primeira à última hora do dia
ele estava sempre lustroso, limpo e frio como o sapo com o qual se
ros; muito embora sua ambição fosse de formação limitada pelas opor-
MIDDLEMARCH
439
com as mãos cruzadas por trás, divisava estes domínios como seu se-
nhor. porém duvidoso se ele apenas olhava para fora pelo prazer da
nos bolsos da calça: uma pessoa que sob todos os aspectos contrastava
um fanfarrão que tudo faria para ser notado, mesmo numa queima de
Seu nome era John Raffies, e ele às vezes, por brincadeira, escrevia
prío nome escrevia B.A., e que com ele, Raffies, se originara a gracinha
terem o odor mofado dos quartos para caixeiros -víajantes nos hotéis
comerciais do período.
"Vamos lá, Josh," dizia ele, num tom grave e retumbante, "veja bem
por este ângulo: sua pobre mãe que se embrenha pelo vale dos anos, e
forto dela."
enquanto o senhor for vivo," retrucou Rigg, em sua voz fria e alta. "O
"Você tem mágoas contra mim, Josh, eu sei. Mas falando francamen-
título do bacharel
440
GEORGE ELIOT
ria de deixar sua pobre mãe mais feliz. já vivi muito bem minha mocida -
não são fáceis de encontrar por aí na mesma proporção. Não quero ter
de incômodá-lo toda vez que for preciso, mas sim pôr as coisas para
"Pois então me ouça. Quanto mais o senhor diz uma coisa, menos
eu acredito. Quanto mais queira que eu faça alguma coisa, mais razões
terei eu de a não fazer jamais. Pensa que pretendo esquecer dos ponta-
pés que me dava quando eu era criança, e de que comia o que havia de
novo deixando-nos no maior aperto? Minha mãe foi uma louca com o
senhor: ela não tinha o direito de me dar um padrasto, e foi punida por
isto. Ela vai receber toda semana um dinheiro para se manter, e mais
nada: e esta ajuda será interrompida se o senhor ousar por os pés aqui
vez em que aparecer dentro dos meus portões, saiba que será expulso
quanto poderia ter sido dezoito anos antes, quando Rigg era um rapazola
nada atraente, que bem pedia uns pontapés, e Raffies era o Adônis já
Ele fez foi a careta que lhe era usual sempre que ficava "por baixo"
co de conhaque.
que eu vou-me embora. Palavra de honra! Vou partir como uma bala, por
Júpiter.
MIDDLEMARCH
441
voltar a vê-lo algum dia, não falarei com o senhor. Não o reconheço mais
descarado e fanfarrão."
"Pois é uma pena, Josh," disse Raffies, fingindo que coçava a cabe-
muito de você; por Júpiter, como gosto! Não há nada de que eu goste
tanto como lhe atormentar - você é tão parecido com a sua mãe! já
que agora vou ser privado disto, o conhaque e o soberano são uma
barganha."
foi advertido por seu movimento com o frasco de que este já ameaçava
frasco no couro.
A essa altura Rigg já voltava com uma garrafa de conhaque, encheu
o frasco e deu a Raffies a moeda de uma libra, mas sem olhar para ele
animais. Mas não havia ninguém para olhar para ele, a não ser os bezer -
torno que a seu ver o trem agora estava no ponto, depois do que tinha
442
GEORGE ELIOT
boa impressão por toda parte, a seu bel-prazer; com efeito, não havia
um só de seus semelhantes que ele não se considerasse em condições de
ao restante da companhia.
tes intervalos para seu frasco. O papel com o qual fizera um calço para
ele era uma carta assinada Nicholas Bulstrode, mas Raffies não tinha por
1830.
CAPÍTULO XLII
uma carta em que lhe era solicitado marcar hora para sua visita.
pena por alguma coisa em seu fado, presumida ou sabida malgrado sua
Mas Mr. Casaubon andava agora cismarento, sobre uma coisa com a
qual a questão de sua vida e saúde assombrava seu silêncio com uma
444
GEORGE ELIOT
de sua condição de autor. Verdade é que esta última poderia ser tomada
por sua principal ambição; mas há alguns tipos de autoria nos quais de
era o trajeto dos árduos labores intelectuais de Mr. Casaubon. Seu resul-
uma consciência mórbida de que os outros não lhe davam. o lugar que
tosa conjectura de que as opiniões mantidas a seu respeito não lhe eram
possibilidades para o futuro que lhe eram de algum modo mais amargas
tinha férvidas razões nas quais pensar era irritante: contra certas noções
ele não podia absolutamente discutir com ela. Não havia como negar
que Dorothea era uma jovem dama virtuosa e amável, a melhor para ele
conseguir como esposa; mas uma jovem dama revelava-se algo mais
perturbador do que ele havia imaginado. Ela cuidava dele, lia para ele,
de que sua devoção de esposa era como uma expiação penitente de pen-
pelo qual ele e seus feitos eram vistos com excessiva clareza como parte
àquele mundo indiferente que ela apenas pusera mais perto dele.
Pobre Mr. Casaubon! Seu sofrimento era mais duro de suportar por-
que parecia ser uma traição: a jovem criatura que o havia adorado com
MIDDLEMARCH
445
uma confiança completa transformara-se rapidamente na esposa crítica;
rebelião reprimida; uma observação dela que de algum modo ele não
dade com a qual ele lutava para ocultar esse drama interior tornava-o
para ele mais vívido; como ouvimos com mais acuidade o que queremos
à visão não borra a glória do mundo, deixando apenas uma margem pela
qual vemos o borrão? Não sei de mancha mais perturbadora que o ser. E
suas suspeitas de não mais ser adorado sem críticas - poderia negar
forte razão a ser acrescentada, que ele mesmo não havia tomado explici-
tamente em conta - qual seja, a de ele não ser de todo adorável. Sus-
sar, e como o resto de nós sentia quão consolador seria ter um compa-
que já conhecia ele somou fatos imaginários, quer presentes, quer fu-
turos, que para ele se tornavam mais reais do que aqueles, porque
balho. Seria injusto para com ele supor que pudesse ter partido para
natureza dela, poupavam-no de um tal erro. Ele tinha ciúme das opi-
até sua última carta desafiadora, para alegar contra ele, sentia-se justi-
446
GEORGE ELIOT
plano. Tão claro quanto possível ela estava disposta a se ligar a Will e
tête-à-tête sem que daí ela voltasse trazendo alguma nova impressão
do sobre ter visto Will) tinha levado a uma cena que lhe despertou
contra ambos um sentimento ainda mais raivoso que tudo que ele sen-
E o choque que havia abalado a saúde dele, não fazia muito, man-
doença bem que podia ter sido mera estafa, como podia à sua frente
preparo. Esta perspectiva era tornada mais doce por um sabor de vin-
quando ele tivesse partido; e era tão forte a objeção de Mr. Casaubon
à idéia de que uma dessas pessoas fosse Will Ladislaw, que chegava a
carnada.
MIDDLEMARCH
447
outras razões para sua conduta que não as do ciúme e rancor. Foi o
ocasiões em que esta posse a exponha a um perigo maior. Ela é presa fácil
para qualquer homem que saiba como atingir com habilidade seu ardor
esta intenção na cabeça - um homem cujo único princípio são seus capri-
chos fugazes e que tem uma animosidade pessoal para comigo - estou
quais estou tão seguro como se as tivesse escutado. Mesmo que eu viva,
não o farei sem intranqüilidade quanto ao que ele possa tentar por influ-
idéia de que tem direitos além de tudo o que eu fiz por ele. E se eu morrer
- e ele está aqui à espera disto - vai persuadi-la a se casar com ele. Para
ela, uma calamidade; para ele, o sucesso. Ela não acharia uma calamidade:
ele a faria crer em qualquer coisa; ela tem tendência a uma ligação
enfiar no meu ninho. Mas isto é que eu não vou permitir! Um tal casa-
mento seria fatal para Dorothea. Alguma vez, a menos que fosse por con-
tradição, persistiu ele nalguma coisa? Sempre procurou ser brilhante sem
sobre elas sua mente inevitavelmente se detinha tanto nas suas próprias
448
GEORGE ELIOT
se ele havia passado mal, respondeu: "Não, só quero saber o que ele
pensa de alguns sintomas habituais. Você não precisa estar com ele, que-
que se afastava lentamente com as mãos cruzadas nas costas, como era
seu hábito, e de cabeça inclinada para a frente. Era uma tarde admirá-
vel; folhas das tílias altaneiras silenciosamente caíam por entre as sem-
não se ouvia barulho, senão o grasnar das gralhas, que para o ouvido
que ainda são uns leões; não se pode saber quantos anos têm, apenas
que são adultos."
nhando."
nar - pois de outro modo seria inútil falar-lhe - que minha vida, insig-
realmente contar, tal garantia será útil para circunscrever meus esforços
atitudes."
Mr. Casaubon fez aqui uma pausa, tirou uma de suas mãos das
MIDDLFMARCH
449
que a luta da alma com a demanda de renunciar a uma obra que foi
cer como há águas que vêm e vão por onde ninguém precisa delas?
Mas em Mr. Casaubon nada havia que aos outros parecesse sublime, e
de rir que se misturava com a pena. Ele estava por ora muito mal
egoísmo do sofredor.
uma doença fatal. Mas se assim fosse, Mr. Lydgate, eu desejaria saber a
verdade sem reservas, e apelo para que me faça um relato exato de suas
minha vida não se acha ameaçada por nada mais que os acidentes co-
muns, hei de rejubilar -me, pelos motivos que indiquei ainda há pouco.
estudada por Laennec,1 o homem que nos deu o estetoscópio, não faz
450
GEORGE Ei,iOT
tranqüila por uns quinze anos ainda, ou mesmo mais. Eu não poderia
ponto."
já ia explicar o que havia dito a Dorothea, mas Mr. Casaubon, com ine-
za rara do dia.
vagavam por entre as ilhas de sol iam passando por ele no mais comple-
se via pela primeira vez olhando a morte nos olhos - que estava pas-
delirante da água que não pode ser tida para esfriar a língua ardente.
ve," a morte então nos agarra, e seus dedos são cruéis; depois, pode vir
a nos tomar em seus braços como o fez nossa mãe, e nosso último mo-
Mr. Casaubon agora, era como ele se achar de repente na beira escura do
lado da morte e olha para trás - talvez com a divina calma da benefi-
de Mr. Casaubon é que nos dão uma pista para saber qual era sua incli-
MIMUMARCH
451
Mas o que nós nos empenhamos por gratificar, ainda que o chamemos
jardim, movida pelo impulso de logo ir ter com seu marido. Mas hesi-
tou, temendo irritá-lo se o importunasse; pois seu ardor continuamente
repelido servia, com a forte memória, para aumentar seu medo, como a
rodear pelo arvoredo mais próximo até que o viu avançando. Dirigiu-se
então para ele, como se representasse um anjo vindo do céu com uma
das por um amor fiel que se apegava ainda mais a um sofrimento com-
preendido. O olhar com o qual ele respondeu ao dela foi tão frio que
Mr. Casaubon, ainda de mãos cruzadas nas costas, mal deixou que o
indiferente lhe infligia. Palavra forte, mas decerto nem tanto: é nos
gam para sempre, até que homens e mulheres olhem com faces con-
Considere então que seu espírito era do tipo que se esquiva à com-
de uma suspeita que o oprime como uma dor pode na realidade ser
ofende por compadecer-se? Além do mais, ele pouco sabia das sensa-
ções de Dorothea, e não havia refletido que numa ocasião como esta
falar. Mr. Casaubon não dizia: "Quero ficar sozinho," mas dirigia seus
GEORGE ELIOT
vidro, que dava para este lado leste, Dorothea afinal puxou o braço e
deixou-se ficar um pouco de lado, para que o marido, por sua vez, ficas-
seu sofrimento.
cadeira, nem reparando que se punha sob fortes raios de sol: se nisto
havia desconforto, como dizer-se ela que o mesmo não era parte de seu
próprio infortúnio?
Ela agia em reação a uma raiva rebelde, mais forte que nunca desde
"Que foi que eu fiz - que sou eu - para que ele me trate assim?
saber. De que adianta eu fazer alguma coisa? Ele gostaria de nunca se ter
casado comigo."
alguém que cede ao cansaço após perder seu caminho, ali sentada ela
tosa, viu a solidão em que viviam ela e o marido - como eles andavam
para junto de si, ela nunca o teria examinado - nunca teria dito: "Vale a
pena viver por ele?" mas simplesmente o sentiria como parte de sua
própria vida. Agora disse amargamente: "A culpa é dele, não minha." No
seu ser todo em conflito, a Piedade foi destronada. Era culpa dela que
tivesse acreditado nele - acreditado em seu valor? - E o que, exata-
mente, ele era? - Ela estava em condições de estimá-lo - ela que trê-
insignificante para agradar ao marido. numa crise como esta que algu-
mas sim mandar um recado comunicando ao marido que ela não se sen-
tia bem e preferia ficar em seus aposentos em cima. Nunca ela havia
agora acreditava que não poderia vê -lo outra vez sem lhe dizer a verda-
com o recado dela. Era bom ele surpreender-se e magoar-se. Sua raiva
MIMUMARCH
453
lhe dizia, como é comum que a raiva o faça, que Deus estava com ela -
que todo o céu, com sua multidão de espíritos a observá -los, devia estar
do seu lado. Ela já havia resolvido que ia tocar a sineta, quando ouviu
"Não; não estou bem. Deixe tudo arrumado no meu quarto e, por
que, após iniciar um movimento para dar um golpe, acaba por conquis-
havia saído para encontrar seu marido - sua convicção de que ele anda-
resposta deveria ter sido de lhe partir o coração, não poderia demorar a
com triste reprovação para sua raiva. Custou-lhe uma litania de soffi-
casa já estava quieta, e sabendo ela que era quase a hora habitual de Mr.
vela na mão. Se o não fizesse logo, pensava ela em descer e até em correr
o risco de suportar outra dor. já não contava aliás senão com isto. Mas
chegou à sua frente, ela viu que o rosto dele estava mais perturbado.
Ele, por vê-la, sobres saltou-se, e ela o olhou com ar de súplica, sem falar
nada.
à minha espera?"
"Venha, minha querida, vamos. Você é tão jovem que não precisa de
454
GEORGE ELIOT
dos de Dorothea, o sentimento que ela teve foi como a gratidão que
pode ser despertada em nós quando por pouco escapamos de ferir uma
criatura já toda estropiada. Ela deu a mão ao marido, e pelo vasto corre-
LiVRO V
A Mão do Morto
CAP44TULO XM1I
com qualquer senhora rica cuja casa diste da cidade uns cinco quilôme-
tros. Dois dias após a cena na alameda dos Teixos, ela resolveu aprovei-
tar uma dessas ocasiões para ver se era possível estar com Lydgate, e
dele saber se seu marido havia tido realmente uma mudança de sinto-
458
GEORGE ELIOT
seus escrúpulos. Estava certa de que o espírito de seu marido havia atra-
vessado uma crise: já no dia seguinte ele dera início a um novo método
de paciência.
"E Mrs. Lydgate está?" disse Dorothea, que não tinha lembrança de
seria um grande prazer para Mrs. Lydgate estar com Mrs. Casaubon.
uma lãzinha fina e branca, macia para o tato e suave aos olhos. Sempre
não parecia mais estranho para cobrir a cabeça do que a bandeja doura-
duas pessoas, nenhuma heroína dramática teria sido aguardada com maior
expectativa do que Mrs. Casaubon. Para Rosamond ela era uma das di-
MIMUMARCH
459
Rosamond, por outro lado, com a oportunidade que Mrs. Casaubon te-
juizes não nos vêem? e Rosamond, desde que em casa de Sir Godwin
orme gola bordada cujo preço era de se esperar que todos os circuns-
bstituto da simplicidade.
orothea. "Estou ansiosa para falar com Mr. Lydgate, se possível, antes
"Eu mesma vou, muito obrigada. Não quero perder tempo antes de
ltar para casa. Irei até o Hospital, e lá mesmo eu falo com Mr. Lydgate.
460
GEORGE ELIOT
mento, e ela saiu da sala sem nem saber direito o que a rodeava de perto
- sem nem saber direito que Will abria a porta para ela e lhe dava o
braço para levá-la até a carruagem. Ela aceitou o braço, mas nada disse.
Dorothea partiu.
Nos cinco minutos que levou até o Hospital ela teve tempo para
algumas reflexões que lhe eram de todo novas. A decisão de ir ela mes-
novo contacto entre ela e Will que não lhe fosse possível mencionar ao
Isto era tudo o que estivera explícito em sua mente; mas um vago des-
pensar, não sem espanto, que Will Ladislaw passava um tempo com
Mrs. Lydgate na ausência de seu marido. Era impossível não lembrar
que com ela também ele já havia passado tempo nas mesmas circuns-
tâncias, por que então estranhar o fato? Mas Will, sendo parente de Mr.
Casaubon, era alguém com quem era de sua obrigação ser benevolente.
Houve todavia sinais, que ela deveria talvez ter captado, dando a enten-
der que Mr. Casaubon não gostava das visitas do primo em sua ausên-
Dorothea para si mesma, enquanto lhe rolavam lágrimas que foi preciso
antes tão clara para ela, turvara-se de um modo misterioso. Mas a carrua-
gem parou diante do portão do Hospital. Logo ela se pôs a andar com
que razão. Suas chances de encontrar-se com Dorothea eram raras; e aqui
pela primeira vez tinha aparecido uma chance que o deixara em desvanta-
gem. Não só ela não estava sumamente interessada nele, como havia an-
tes estado, mas também o viu em circunstâncias nas quais ele podia pare-
não faziam parte de sua vida. Ele porém não tinha culpa: desde que fixara
MIDDLEMARCH
461
como Lydgate, que por acaso tinha uma esposa musical e que em tudo por
va, entretanto, ameaçava separá-lo dela pela barreira dos modos de sentir
arraigados, que são mais fatais para a persistência do interesse mútuo que
notado, como ele o fez, que pela primeira vez a idéia de certa inadequação
certa frieza. Talvez Casaubon, com seu ódio e ciúme, tivesse convencido
Casaubon!
voltar outro dia, só para acabar de interpretar "Lungi dal caro bene"?I
de convir que desta vez a interrupção foi linda. Admiro-o por suas
relações com Mrs. Casaubon. Ela é muito inteligente? Bem que pare-
ce ser."
ele a achava bonita. No que será então que vocês homens pensam, quando
"Vou ficar com ciúme quando o Tertius for a Lowick," disse Rosamond,
462
GEORGE ELIOT
falando com a leveza do ar, e pondo suas covinhas à mostra. "Quando ele
"Não parece ter sido este, até agora, o efeito sobre Lydgate. Mrs.
Casaubon é muito diferente das outras mulheres para que estas lhe se-
jam comparadas."
"Venha de novo, por favor, uma noite dessas: Mr. Lydgate vai gostar
se diante dele para alisar-lhe a gola do casaco: "Eu estava cantando com
Mr. Ladislaw quando Mrs. Casaubon veio aqui. Parece que ele ficou abor-
recido. Você acha que ele não gostou de que ela o visse em nossa casa?
Certamente nossa posição social é mais do que igual à dele - seja qual
"Não, não; deve ter sido uma outra coisa, se realmente ele se abor-
posa.
época, ainda que educadas na escola de Mrs. Lemon, liam pouca litera-
assim a vaidade, com uma cabeça de mulher a trabalhar o dia todo por
ela, pode partir das sugestões mais ligeiras para erigir à larga suas cons-
que lhe é sugerido. Que delícia fazer cativos do alto do trono do casa-
mento e com o marido como príncipe consorte a seu lado - ele mes-
MIDDLEMARCH
463
sa curiosidade:
"Por quê?"
"Ora, o que pode um homem fazer, quando se torna de adoração por
briga de médicos; e depois, em casa, está sempre por conta do seu mi-
croscópio e seus frascos. Confesse que gosta mais destas coisas do que
de mim."
"Você não tem ambição suficiente para desejar que o seu marido
velho poeta:
meu bem."
que eu que conquistasse uma posição mais alta nalgum lugar melhor
que Middemarch. Você não pode dizer que eu já tenha tentado impedi-
lo de trabalhar alguma vez. Mas não podemos viver como ermitães. Por
acaso está descontente comigo, Tertius?"
464
GEORGE ELIOT
"Bem, e o que era que Mrs. Casaubon tinha para lhe dizer?"
"Apenas perguntar pela saúde do marido dela. Mas acho que ela vai
ser ótima para o nosso Novo Hospital: acho que nos dará duzentas li-
CAPÍTULO XLIV
QUANDO SOUBE POR Lydgate, ao andar com ele por entre os pés de lou-
coisa para despertar esta nova ansiedade. Lydgate, não querendo perder
a dizer:
fazem com que seja quase um egoísmo de minha parte abordar este
assunto; mas não é culpa minha; é que está havendo uma luta contra
ele, travada pelos outros médicos. Creio que tais coisas, de modo geral,
lhe interessam, pois lembro-me de que, quando tive pela primeira vez o
466
GEORGE ELIOT
foram muitas para que eu pudesse pesquisar mais a fundo. Mas aqui -
num lugar como Middemarch - deve haver muita coisa por fazer."
"Está tudo por fazer," disse Lydgate, com abrupta energia. "E este
homem sozinho não pode fazer tudo num projeto desta envergadura.
Naturalmente ele esperava que lhe dessem apoio. Mas agora há uma
"Que razões podem ter?" disse Dorothea, com uma surpresa naive.
seus planos. Neste mundo estúpido, a maioria nunca acredita que uma
coisa boa possa ser feita senão pelo seu próprio grupo. Eu não mantinha
dança para melhor. Este é o meu ponto de vista. Sustento que, recusan-
que há contra Mr. Buistrode? Sei que o meu tio é amigo dele."
rompendo-se nisto.
"Razão ainda mais forte para desdenhar a oposição que lhe fazem,"
perseguições.
autoritário e pouco sociável, e além disso lida com o comércio, que tem
lá suas queixas das quais eu nada entendo. Mas faz sentido pôr em dú-
vida, por causa disto, que seria uma boa coisa instalar aqui um hospital
a direção médica. E eu, é claro que estou contente. Para mim é uma
responder à escolha feita por ele. Mas toda a classe médica de MiddIe-
MIDDLEMARCH
467
impedir contribuições."
da. Não pretendo senão ter aproveitado algumas oportunidades que não
salário em questão, não há como pôr minha persistência sob uma luz
equívoca."
"Que bom que me contou tudo isto, Mr. Lydgate," disse Dorothea,
dinheiro, não sei o que fazer com ele - e muitas vezes me atormento
libras por ano para um nobre propósito como este. Como o senhor deve
sentir-se feliz, sabendo coisas das quais tem plena certeza que farão
grande bem! Quem me dera acordar cada manhã com este saber tam-
uma cadência melancólica. Mas logo ela crescentou, mais animada: "Ve-
nha a Lowick, por favor, nos falar mais disto. Vou abordar o assunto com
buir com duzentas libras por ano - ela tinha setecentas por ano como
o equivalente de sua própria fortuna, fixada para ela quando de seu
tão, ele aquiesceu. Ele mesmo não ligava para gastar dinheiro, nem
comodou, foi por meio de outra paixão que não o amor dos bens mate-
riais.
468
GEORGE ELIOT
sencial da conversa com ele sobre o Hospital. Mr. Casaubon não pergun -
tou. mais nada, mas ficou com a certeza de que ela tinha querido saber o
que se passara entre Lydgate e ele. "Ela sabe que eu se!," dizia dentro
dele a voz que não sossegava; mas este aumento de conhecimento tácito
CAPÍTULO XLV
nossos tempos.")
Dorothea, era passível de ser vista, como todas as oposições, sob dife-
tos estúpidos. Já Mr. BuIstrode aí via não só a inveja dos médicos, mas
470
GEORGE ELIOT
quela religião vital de que ele lutava para ser um ativo representante
ministração havia certamente uma grande parte de eco, pois por prudên-
cia dos céus a nem todos foi dado o poder de engendrar; as diferenças
Mrs. Dollop foi ficando cada vez mais convencida, por suas próprias
corpo sem dizer se tinha ou não permissão; pois era um "fato" sabido
que ele quis abrir Mrs. Goby, mulher tão respeitável quanto qualquer
triste história para um médico que, se servisse para alguma coisa, deve-
ria saber qual era o seu problema antes de você morrer, e não querer
escarafunchar seu corpo por dentro, depois de morto. Não sendo esta a
razão, Mrs. Dollop desejava então saber qual era; mas prevalecia na
alguns meses antes havia posto em votação se seu médico de longo tem-
po, o "Doutor Gambit," não deveria ser substituído por "esse Doutor
Lydgate," que era capaz de realizar as curas mais espantosas e de salvar
contra Lydgate devido ao voto de dois membros, que achavam que seu
vendiam o
MIDDLEMARCH
471
tos também, que não pagavam de bom grado as contas de seu médico,
cerimônia desde que o gênio das crianças precisasse de ser dosado, oca-
provável que ele fosse capaz. Alguns julgavam-no capaz de fazer mais
do que os outros "se fosse coisa de figado;" - não havia mal pelo me-
march naturalmente não iriam trocar de médico sem uma razão aparen-
te; e ninguém que houvesse sido cliente de Mr. Peacock se sentia obriga -
ção; sendo alguns dos pormenores daquela espécie impressiva cuja sig-
culos de Middemarch! "O oxigênio! ninguém sabe o que possa ser isto
Um dos fatos logo comentados era que Lydgate não receitava remé-
dassificava; pouco tempo antes, eles ainda contariam com a lei a seu
472
GEORGE ELIOT
Lydgate não tinha tanta experiência assim para prever que seu novo
método iria ser para os leigos ainda mais ofensivo; e a Mr. Mawmsey,
um importante comerciante de secos e molhados do Mercado Central,
que, apesar de não ser seu paciente, lhe fez amavelmente uma pergunta
se seu único modo de obter pagamento por seu trabalho fosse fazerem
" deste modo que médicos que trabalham duro podem tomar-se tão
perniciosos quanto charlatães," disse Lydgate, meio sem pensar. "Para ga-
nhar seu pão eles têm de encher de remédios os vassalos do rei; e é um tipo
Mr. Mawmsey era não só provedor dos indigentes (essa sua conver-
mas também asmático, e tinha uma família que estava sempre aumen-
há de se enganar.
via tudo bem claro. Mas na verdade ele ficara confuso. Durante anos
por cada meia-coroa e dezoito pences estava certo de que alguma coisa
uma conta maior que o habitual era uma honraria digna de mencionar.
MIDDLEMARCH
473
pontos, mas no tratamento, dizia ele sem relutar em voz baixa, punha o
"Então esse tal de Mr. Lydgate quer dizer que é inútil tomar remé-
dios?" disse Mrs. Mawmsey, que tinha a fala um pouco arrastada. "Pois
Mrs. Mawmsey virou-se para uma amiga íntima que se sentava a seu
que, com sua experiência, tenha tido paciência de ouvir. Eu logo teria
opinião. Ouvir tudo e julgar por si mesmo é o meu lema. Mas ele não
sabia com quem estava falando. De nada adiantava levantar o dedo para
almente carregava nos pronomes para dar peso às frases. "Por acaso ele
acha que as pessoas vão pagar-lhe só para sentar-se um pouco com elas
474
GEORGE ELIOT
dos com o corpo e outros assuntos; mas naturalmente ele sabia que não
havia uma indireta na observação feita por ela, já que nunca cobrara por
humor:
"Não para que eu seja cliente dele," disse Mrs. Mawmsey. "Outros
alguém para desmascará-lo. Mr. Gambit, contudo, tinha uma boa clien-
propunha uma redução para pagar à vista. Não, pensou ele, não valia a
como. Seus recursos de educação não eram de fato grandes, e ele tinha
nal; não era porém pior parteiro só pelo fato de chamar de "pumões" o
aparelho respiratório.
Pode parecer estranho que com seus hábitos tão sofisticados ele se hou-
era lento em seus modos, mas seu tratamento era o mais ativo que se
seriedade: custava um pouco para vir mas, quando vinha, ele fazia algu-
negligente e irônico.
mo-
MIDDLEMARCH
outro de vinho, Mr. Toller disse sorrindo: "O Dibbitts então vai-se livrar
"Entendo o que quer dizer, Toller," disse Mr. Hackbutt, "e é exata-
mandar pôr na conta que prevaleceu até hoje; e nada é mais ofensivo do
pável. )P
dada."
"Impostura, HawIey," disse ele, "é uma palavra muito fácil de lançar
à roda. O que eu combato são esses modos de médicos que estão sujan-
homem pode ser culpado é aparecer entre seus colegas de profissão com
grados pelo tempo. Esta é a minha opinião, e estou pronto para sustentá-
Ia contra quem quer que seja que me contradiga." A voz de Mr. Wrench
475
do para Mr. Wrench, "às facultativos levam mais pisadas nos calos do
que nós. Quando a dignidade entra em causa, é uma questão para Minchin
e Sprague,"
476
GEORGE ELIOT
"Não há nada a ser feito neste caso," disse Mr. Hawley. "Eu já dei
uma olhada para o Sprague. Você apenas quebraria a cara contra a mal-
"Bah! nada de lei," disse Mr. Toller. "No que concerne à prática, a ten-
espreita para ver se ele usaria no caso "todos os meios possíveis." Até
administrado umas pílulas que não eram definíveis senão por seu efeito
notável para curar Mrs. Powderell, nas vésperas do Dia de São Miguel,
quente. Por fim, de fato, no conflito entre seu desejo de não ferir Lydgate
te por agir de imediato no sangue. Esta medida paliativa não era para ser
Mas nessa etapa duvidosa de sua chegada ali Lydgate foi favorecido
pelo que a nós mortais ocorre chamar de sorte. Suponho que nunca um
les, e alguns até com doenças graves; e observou-se que o novo doutor,
com seus novos meios, tinha pelo menos o mérito de trazer de volta
para a vida gente que estava à beira da morte. Os boatos que circulavam
crupuloso poderia desejar, o que decerto lhe seria imputado pelo fre-
477
tida pelo discernimento de que era tão inútil lutar contra as interpreta-
pediu-lhe que a visse ali mesmo na hora e lhe desse um atestado para a
tumor que a princípio foi dito tão grande e duro como um ovo de pato,
mas que lá pelo fim do dia já era quase do tamanho de "um punho." Os
ouvintes concordavam, em sua maioria, que ele teria de ser cortado fora,
eram ótimos para acabar com qualquer caroço no corpo quando ingeri-
carcomendo-o.
fortificante, disse que fosse para casa e fizesse repouso; ao mesmo tempo,
deu-lhe uma breve carta para Mrs. Larcher, que ela mencionara como
foi chamar Lydgate, que continuou por umas duas semanas a cuidar de
ela voltasse ao trabalho. O caso porém nunca deixou de ser visto como se
por Mrs. Larcher; pois quando a notável cura de Lydgate foi relatada ao
Dr. Minchin, ele naturalmente não quis admitir.- "Não era um caso de
ah! para mim era um caso de cirurgia, nunca fatal." No entanto, ele ficara
havia recomendado dois dias antes, ouviu do jovem interno, nada descon-
478
GEORGE ELIOT
do: e mais tarde, tendo declarado reservadamente que era uma grande
menda sobre o caso desse tumor espantoso, que não se distinguia clara-
mente de um câncer e era tido por mais horrível ainda por ser do tipo que
compelido a ceder.
quando esta expressa admiração por sua capacidade, que ela está de
médico. Ele assim foi obrigado a ceder ante a promessa de sucesso feita
por esse louvor ignorante que está sempre passando ao largo das quali-
dades válidas.
mem robusto, uma boa cobaia para pôr à prova a teoria expectante -
paz o mais possível, permitisse anotar seus estágios para orientação fu-
tura; e Lydgate deduziu, pelo ar com o qual ele descreveu suas sensa-
ções, que lhe agradaria entrar na confiança de seu médico e ser feito um
parceiro da própria cura. O leiloeiro ouviu, sem muita surpresa, que seu
sorte, para oferecer um belo exemplo de uma doença com todas as fases
sociedade.
MIDDLEMARCH
479
uma doença dele não era uma ocasião ordinária para a ciência médica.
"Nada tema; o senhor não está falando com alguém de todo igno-
rante da vis medicatrix,"I disse ele, com sua usual superioridade de ex-
por aprender não poucas palavras novas que pareciam adequadas à dig-
nidade de suas secreções. Pois Lydgate era bastante arguto para em con-
sua mente quanto o de seu organismo; e não se fez de rogado para dar
dar aos outros o que lhes era devido, sentindo que tinha os meios. Cap-
Lydgate "sabia umas coisinhas a mais do que o resto dos doutores - era
colegas. "
Foi antes da questão sobre a doença de Fred Vincy ter dado à inimi-
zade de Mr. Wrench por Lydgate um motivo pessoal mais concreto que
muito a fazer para ficar perdendo tempo com idéias não comprovadas. A
natureza," ou seu
podercurativo.
480
GEORGE ELIOT
dois lados.
do Novo Hospital, as quais eram mais exasperantes por não haver pos-
feriam contribuir para a Velha Enfermaria. Mr. BuIstrode fez face a todos
temente ele afirmava porém que BuIstrode não era de todo desprovido
que de bom grado teria continuado a destinar-lhe uma grande soma por
aos outros médicos uma influência consultiva, mas não o poder de con-
governo.
MIDDLEMARCH
481
pas; vamos conseguir que o WŠbbe, um clínico do campo tão bom quan-
plano há de vingar, apesar deles, e eles então vão aderir de bom grado.
As coisas não podem ficar assim como estão: as reformas por fazer são
de todo tipo e urgentes, para que os jovens depois possam gostar de vir
"Não hei de recuar, pode estar certo, Mr. Lydgate," disse Mr.
espírito do mal nesta cidade não deixarão de ser dispensadas. Não te-
de. Mas como membro da Diretoria bem que ele pode ser útil."
O diretor útil era talvez para se definir como um que a nada daria
A palavra charlatão, desde que lançada no ar, não podia senão surtir
efeito. O mundo era agitado na época pelas incríveis façanhas de Mr. St.
Mr. Toller observou um dia, sorrindo, para Mrs. Taft, que "Bulstrode
tinha encontrado em Lydgate um homem que se adequava a ele; um char-
sob seus
cuidados.
482
GEORGE ELIOT
"Não, não," disse Mr. Toller, "Cheshire era correto - era lícito e à
claras o que ele fazia. St. John Long sim - este é o camarada que pode
dos quais ninguém nada sabe; um camarada que quer fazer barulho
"Meus Deus! como se brinca com o corpo dos outros, que horror!"
Depois disso, em várias partes se chegou a dizer que até com cor
assim ainda mais provável que em suas experiências levianas ele aca
basse por fazer gato e sapato dos pacientes do Hospital. Era em parti
rasse sem descanso a retalhar seus cadáveres. Pois Lydgate, tendo tra
de pedir a permissão dos parentes para lhe abrir o corpo, fazendo uma
ofensa que logo se espalhou além da Parley Street, onde por longo
tempo residira esta senhora, com uma renda que tornava a associação
memória.
do Hospital com Dorothea. Com muita fleugma ele suportava, pelo que
brother, que estivera apitar seu cachimbo enquanto Lydgate falava; "mas,
dente."
político francês.
MIDDLEMARCH
483
"Como ser prudente," disse Lydgate, "se apenas faço o que en-
contro para fazer à frente? Não posso impedir a ignorância e o des-
peito alheios, assim como o não pôde Vesalius.1 Não é possível en-
pode prever."
" verdade; não foi isto o que eu quis dizer. Só quis dizer duas coi-
sas. Uma, que você se mantenha o mais separado que puder do Bulstrode:
pode continuar a fazer seu bom trabalho, é claro, com a ajuda dele; mas
mente, "à margem do interesse público. Quanto a unir-me com ele mui-
to intimamente, não o estimo tanto assim para isto. Mas qual era a
selho.
para não ser envolvido em questões de dinheiro. Sei, por uma frase que
deixou escapar um dia, que você não aprova que eu jogue tanto baralho
por dinheiro. No que está muito certo. Mas tente não se entregar ao
desejo das pequenas quantias de que não dispõe. O que estou falando é
soa. Era impossível não lembrar-se de que ultimamente ele havia feito
umas dívidas, mas tomou-as por inevitáveis, e agora sua intenção era
anatomia moderna,
484
GEORGE ELIOT
ram para abrir seu caminho e realizar seu trabalho, não sem escoria-
do com Mr. Farebrother, ei-lo que no sofá já esticava suas pernas com-
pridas, com a cabeça jogada para trás e as mãos cruzadas na nuca, sua
no, tocando uma atrás da outra canções das quais o marido sabia ape-
nas (como o elefante emocional que ele era!) que elas se harmoniza-
vam com seu estado de espírito como se fossem melodiosas brisas ma-
rinhas.
que encorajaria qualquer um a apostar que ele lograria seu fim. Nos
seus olhos escuros, na sua boca e na testa havia essa placidez que de-
procura, mas vê, e o olhar parece preenchido pelo que está por trás
dele.
"já basta, meu senhor, o que ouviu de música?" disse ela, juntando
uma gota d"água no oceano, e seu instinto feminino era apurado para
saber disto.
"O que o faz tão absorto?" disse ela, dobrando-se um pouco para
tinha mais ou menos a idade que eu tenho hoje, e já dera início a uma
"acho ótimo que você não seja Vesalius. Inclino-me a pensar que ele
MIMUMARCH
485
ridão da noite."
"Espero que ele não seja um dos seus grandes heróis," disse Ro-
Peter. Foi você mesmo quem me disse que se zangaram muito com você
convencê-los."
"E o que aconteceu com ele depois?" disse Rosamond, com algum
interesse.
"Oh, teve de lutar muito até o fim. Atormentaram-no tanto certa vez
a ponto de levá-lo a queimar boa parte de sua obra. E mais tarde ele
"Ora, Rosy, não diga isto," disse Lydgate, puxando-a mais para si.
" como dizer que desejaria ter-se casado com outro homem."
"De modo algum; você tem inteligência bastante para qualquer coi-
sa: poderia facilmente fazer uma outra escolha. E todos os seus primos
com desprezo. "Só mesmo a insolência deles para dizer a você alguma
coisa do gênero."
"Seja como for, querido," disse Rosamond, "eu não penso que seja
uma boa profissão." Sabemos com que tranqüila perseverança ela man-
toda seriedade. "E dizer que você gosta de mim, sem gostar do médico
que eu sou, é o mesmo que dizer que gosta de comer um pessego, mas
não gosta do cheiro. Não diga isto de novo, querida, que me faz sofrer."
486
GEORGE ELIOT
CAPÍTULO XLVI
- Spanish Proverb.
- Provérbío espanhol.
propostas por Lord John Russell, havia em Middemarch uma nova ani-
jamais seria aprovado pelo atual Parlamento. E era por isto que Will
para congratulá-lo por ele ainda não ter testado sua força na escolha de
candidaturas.
"As coisas vão crescer e madurar como se fosse ano de cometa," disse
agora que a questão da Reforma está em pauta. bem provável que uma
haverá de ter posto mais idéias na cabeça. Nosso trabalho tem de se con-
488
GEORGE ELIOT
"Muito bem dito, Ladislaw; faremos da opinião aqui uma coisa nova,"
disse Mr. Brooke. "Só que eu, sabe, quero manter-me independente
Grey."
para aceitar o que a situação ofereça," disse Will. "Se cada um puxar
para o seu lado, uns contra os outros, tudo vai acabar aos panda-
recos."
veria por este prisma, eu apoiaria o Grey, sabe? Mas não quero alterar o
"Mas é isto o que o país quer," disse Will. "Se não, não haveria
sentido nas ligas políticas, nem em nenhum movimento que saiba o que
de fato pretende. O país quer ter uma Câmara dos Comuns que não seja
dos demais interesses. Quanto a pugnar por uma Reforma que não che-
"Uma simples fichaf disse Will, "dará para conter montes de docu-
uns poucos mais hão de mostrar o índice pelo qual a determinação po-
sim por diante. Você sabe colocar as coisas. Agora, o Burke: - quando
colocá-las."
"Os currais eleitorais seriam uma boa coisa," disse Ladislaw, "se
MIDDLEMARCH
489
mão."
pício, é algo que fortalece. Will sentia que seus refinamentos literári-
Dorothea estava, e talvez por não saber o que fazer além disto, Will
geral. Nosso senso do dever, não poucas vezes, deve contar com al-
à indiferença.
Ladislaw tinha aceito agora sua parcela de trabalho, que não era
trora ele sonhara como a única digna de esforço contínuo. Sua natu-
era muito pior que grande parte da que alcança os quatro cantos do
mundo).
490
GEORGE ELIOT
Will era aliviada pela divisão de seu tempo entre visitas à granja e
vida.
"Basta a roda girar um pouco," dizia-se ele, "para que Mr. Brooke
mesmo padrão. Estou melhor aqui do que no tipo de vida para o qual
por precedentes muito rígidos para eu poder enfrentar. Não ligo para
Ele era uma espécie de cigano, como a seu respeito dissera Lydgate,
que extraía até certo prazer da sensação de não ser de classe alguma;
presa. Tal desfrute fora porém contrariado quando ele percebeu entre ele
que havia de antemão declarado que ele iria baixar de categoria. "Pois
primo de Mr. Casaubon, dizia-se também que "Mr. Casaubon não que-
creiam-me, para dar as costas a um rapaz cuja educação foi custeada por
ele. tal qual o Brooke - um desses camaradas que vendem gato por
lebre."
MIDDLEMARCH
491
veis e a pobreza de uma instrução que era da espécie mais reles e re-
cente."
meno?"
leira dos olhos, mais uns irmãos protetores da madura idade de sete
anos. Este bando fora carregado por ele, no tempo de nozes, até o
que, nas casas onde fizera amizade, ele era dado a se estender completa-
nesta atitude por eventuais visitantes, aos quais tal irregularidade de-
generalizada lassidão.
são partidária. Foi convidado à casa de BuIstrode; mas lá não pôde es-
tender-se no tapete, e Mrs- BuIstrode achou que seu modo de falar sobre
492
GEORGE ELIOT
Mas a casa que ele mais visitava e onde mais se estendia no tapete
era a de Lydgate. Se não eram nada iguais, nem por isto os dois homens
concordavam menos. Lydgate era abrupto mas não irritável, pouco li-
gando para uma dor de cabeça em pessoas sadias; e Ladislaw não costu-
mava lançar suas susceptibilidades sobre quem não ligava para elas. Com
evitava olhar para ele e interiormente dava graças a Deus por não estar
casa, também estendido, mas não com muito espaço à escolha, olhava
por sua vez por entre as patas para o usurpador do tapete, em objeção
Ladislaw: eles apenas, na "Trombeta," vão expondo cada vez mais seus
pontos fracos."
MIDDLEMARCH
493
"Por quê?" disse Lydgate, que era muito dado a usar esta inconveni-
cudindo seus cachos; "e são mantidos em sua mais perfeita conduta na
região. Brooke não é um mau sujeito, mas jamais teria feito certas coisas
boas que fez em sua propriedade, não fosse a ambição parlamentar que
o mordeu."
"Ele não tem porte de homem público," disse Lydgate, com desde-
nhosa decisão. "Seria uma decepção para todos que contassem com ele:
guia."
Will. "Para a ocasião, ele até que não deixa a desejar: quando as pessoas
tomam sua decisão como agora andam fazendo, não é um homem que
clamar por uma medida, como se ela fosse uma cura universal, e clamar
por homens que são parte da própria doença que exige cura."
"Por que não? Os homens podem ajudar a curar-se para que sejam
previamente.
por inteiro e para mandar à votação uns papagaios que não servem se-
não para passá -la adiante. Você combate a podridão, e não há nada de
"No original: "Wingle, mingle, mingie, mingle, YOu that mingle may." Canção
tradicional, que
surge também em outras obras, como a peça The Witch (c. 1610), de Thomas
Middeton.
494
GEORGE ELIOT
"Muito bem, meu caro amigo. Mas sua cura tem de começar nal
gum ponto, e creia que há mil coisas que degradam a população e não
podem ser reformadas sem que se comece por essa reforma específi
ca. Veja o que o Stanley disse outro dia - que a Câmara andou a
brio dos pleitos. Este é o meu tema - qual dos lados sai lesado? Eu
injustiça."
mentar a questão, Ladislam Quando eu digo que sou pela dose que
cura, disto não decorre que eu seja pelo ópio num determinado caso
de gota."
mem para levar-lhe à prática uma reforma médica, outro para se opor a
ela, você procuraria saber qual tinha o melhor motivo, ou mesmo a me-
lhor cabeça?"
"Oh, é claro," disse Lydgate, vendo-se acuado por uma tática que
ele mesmo já havia usado muitas vezes, "se não se trabalhar com os
menos verdade que ele dispõe de resolução e tirocínio para fazer o que
eu julgo que precisa ser feito nas áreas que mais conheço e mais me
de Mr. Farebrother. "Ele não é nada para mim de outro modo; não tenho
to.O
.Você está querendo dizer que eu enalteço o Brooke por algum mo-
primeira vez ele se sentia magoado com Lydgate; e não menos, talvez,
MIDDLEMARCH
495
cando meu próprio modo de agir Quis dizer que um homem pode traba-
lhar para um fim especial com outros cujos motivos e conduta geral são
duvidosos, desde que bem seguro de sua independência pessoal, sem
dinheiro."
"Por que você então não estende sua liberalidade aos outros?" disse
para mim quanto para você a sua. Você não tem mais razões para imagi-
trás, Venso estar muito claro que eu não sou determinado por conside-
capaz de brigar com o mundo todo, e entre os dois, só por causa destes
tópicos."
se para tocar a sineta, depois cruzando a sala para se dirigir à sua mesa
de trabalho.
sava por ele. "Discussões não divertem querubins. Então, música! Peça
Depois de Will ter ido embora, Rosamond disse para seu marido:
"Que foi que lhe fez perder o controle hoje à noite, Tertius?"
"Eu não. Quem perdeu o controle foi Ladislaw. Ele se inflama à toa."
"Mas digo antes. Alguma coisa o aborreceu antes, pois quando che-
gou aqui você parecia zangado. E foi por isto que começou a discutir
com Mr. Ladislaw. Você me machuca muito quando fica assim, Tertius."
do-a penitentemente.
496
GEORGE ELIOT
CAPÍTULO XLVII
Foi POR AcAso numa noite de sábado que Will Ladislaw teve aquela
parar, premido por nova irritação, em tudo que já havia pensado sobre
dado; daí sua exasperação com Lydgate - daí a veemência que o manti-
nha ainda inquieto. Não estava ele então bancando o tolo? - e numa
época em que era maior que nunca sua consciência de ser algo mais que
498
GEORGE ELIOT
oníricas das possibilidades: não há ser humano que, tendo suas paixões
acicatarn com medo. Mas isto, que acontece a todos nós, a alguns acon-
tece com grande diferença; e Will não era um daqueles cujo espírito
tísegue pela estrada:" ele tomava seus atalhos, onde havia pequenas ale-
grias de sua própria escolha, que aos homens que passavam pela estrada
a galope podiam parecer meio bobas. O modo pelo qual ele fazia de seu
poderia enviuvar, podendo pois o interesse que ele lhe incutira no espi-
rito converter-se em sua aceitação como marido - não tinha sobre ele o
o imaginado "outro modo" que para nós é um céu prático. Não só que
Casaubon. E havia ainda outras razões. Will, como sabemos, não supor-
lhe falava e olhava para ele, e havia um quê tão precioso em pensá-la tal
também, nunca lhe ocorria. Não nos esquivamos à versão das ruas de
exultação, pela preocupação que nos deu dela ter vislumbres, na realida-
de não é uma coisa incomum, e pode ser obtida como uma coisa qual-
sa emoção; e para Will, criatura que pouco se importava com o que são
ele nutria por Dorothea era como a herança de uma fortuna. O que ou-
tros poderiam ter chamado a futilidade de sua paixão constituía para sua
MIMUMARCH
499
mais alto que lhe havia encantado a fantasia. Dorothea, dizia-se ele,
redouras os efeitos que ela provocara em seu íntimo, ter-se-ia ele gaba-
Mas este resultado era questionável. E o que mais ele podia fazer
por Dorothea? De que valia a ela sua devoção? Era impossível saber,
mas ele se manteria por perto. Entre os amigos dela, não via ninguém a
quem pudesse crer que ela falava com a mesma simples confiança. E ela
havia dito uma vez que gostaria, se ele ficasse; pois bem, ele ficaria, por
Esta era sempre a conclusão das hesitações de Will. Mas não era sem
contradições nem revolta que ele encarava sua própria decisão. Havia-se
monstração externa de que suas atividades públicas com Mr. Brooke por
chefe poderiam não parecer tão heróicas como ele gostaria que fossem, e
o sacrificio de sua dignidade por causa de Dorothea, ele a mal podia ver.
Donde, não sendo capaz de contradizer estes desagradáveis fatos, contra-
disse suas próprias inclinações mais fortes dizendo-se: "Eu sou um tolo."
Dorothea, ele apenas terminou, como o havia feito antes, com uma im-
pressão ainda mais viva do que seria para si a presença dela; e sendo o
igreja de Lowick para vê -la. Dormiu com esta idéia, mas quando já se
parte dele impedir-me de ir a uma bela igreja rural numa manhã de pri-
50O
GEORGE ELIOT
"Para Mr. Casaubon, ficará claro que você foi para provocá-lo ou
"Não é verdade que eu vá para provocá-lo, e por que não iria para
ver Dorothea? Então é tudo só para ele, que sempre estará bem confor-
tável? Que ele sofra um pouco, como é a sina de tantos outros. Sempre
aprovar sua ida à igreja de Lowick. Will se sentia facilmente feliz quando
seu alegre sorriso, tão gostoso de ver como o brilho do sol que bate n"água
dispor dentro de nós que o homem que nos barra o caminho é odioso, e
bolso uma das mãos enfiada, não lendo nunca, mas cantando um pouco, à
sicas para uma letra de sua própria autoria, às vezes recorrendo a uma
An inly-echoed tone,
MIDDLEMARCH
rA
na de promessas incertas.
sacrário, e Will teve tempo para temer que Dorothea talvez não viesse,
escuros bancos, pouco mais mudanças que as que vemos nos galhos de
uma árvore aqui e ali quebrada pela idade, contudo com brotos novos. A
cara de sapo de Mr. Rigg soava estranha e inexplicável, mas, a despeito
ramo rural dos Powderells, em seus bancos lado a lado; mano Samuel
Mesmo em 1831 Lowick estava em paz, não mais agitada pela Reforma
não ser o coro, que esperou que ele tomasse parte no canto.
502
GEORGE ELIOT
nave lateral com seu chapéu de castor branco e sua capa cinza - o
mesmos que ela usava no Vaticano. Como seu rosto, desde a entrada
estava virado para o sacrário, seus olhos míopes logo distinguiram Will
por ele. Para sua própria surpresa, Will sentiu-se bruscamente sem jeit
Dois
observá-lo e ver que ele não se atrevia a virar a cabeça. Por que não
imaginara isto antes? - mas ele não podia esperar que fosse ficar sozi
ver que dali não lhe seria possível olhar para Dorothea - pior, que ela
matinal jamais havia sido tão imensuravelmente longo, e que ele era
olhou direto para Mr. Casaubon. Mas os olhos deste senhor estavam na
zou com o de Dorothea, quando ela se virou para sair do banco e fez de
novo uma inclinação de cabeça, mas desta vez com uma aparência agita-
da, como se estivesse reprimindo lágrimas. Will saiu andando atrás de-
MIDDLEMARCH
503
Como era impossível segui-los, restava-lhe apenas regressar triste-
de manhã trilhado. Todas as luzes, tanto por fora quanto por dentro,
CAPÍTULO XLVIII
Storm driven.
da percepção de que Mr. Casaubon estava decidido a não falar com seu
modo ainda mais forte o afastamento entre eles. A ela a vinda de Will
parte dele, por uma reconciliação que ela mesma havia constantemente
longe que nunca, pois Mr. Casaubon deve ter-se amargurado ainda mais
MIMUMARCH
505
estranhou que ele passasse o almoço quase calado, sem nenhuma alu-
são a Will Ladislaw. Por sua vez, Dorothea sabia que nunca poderia
que ela estava aprendendo a ler com Mr. Casaubon, até seu velho com-
parecia conter-se a desolação dos longos dias futuros que ela iria viver,
tia fome, uma fome que o esforço permanente exigido por sua vida de
casada ainda tornava maior. Sempre tentando ser o que o marido queria,
era incapaz de se tranqüilizar por sabê-lo contente com o que ela era. O
ser excluído sempre de sua vida; pois se fosse só concedido, e não parti-
lhado por seu marido, seria o mesmo que ter sido negado. No tocante a
Will Ladislaw houve desde o início uma diferença entre eles, a qual ter-
minou, depois de Mr. Casaubon ter reprovado com tal rigor a grande
que nunca: ela ansiava por objetos a quem pudesse querer bem, e que a
cios diretos como a chuva e o sol, e agora parecia que ela iria viver cada
porta da tumba e vira Will Ladislaw, que retrocedia para o mundo dis-
ela ao se ir.
V Christian Year. editado r)or lohn Keble em 1827. coletânea muito Donular
de hinos relieinços.
506
GEORGE ELIOT
ela não podia contar com a carruagem para ir à casa de Celia, que tivera
se, já mandara acender a lareira e as luzes. Parecia que ele havia revivido,
Na biblioteca Dorothea notou que ele havia feito uma nova arruma-
de outra leitura esta noite você lesse isto aí em voz alta, com um lápis na
mão para fazer uma cruz em cada ponto, quando eu disser "marque." o
em meu plano."
Depois de ela ter lido e marcado por duas horas, ele disse: "Vamos
levar o volume para cima - e o lápis, por favor - e, se formos ler duran-
Dorothea, dizendo a simples verdade; pois o que ela mais temia era
esforçar-se para ler ou por qualquer outra coisa que o deixasse tão des-
sobre o certo e o bom. Ultimamente ele começara a sentir que estas qua-
MIDDLEMARCH
507
ter galgado o topo de uma colina íngreme: ao abrir os olhos, viu o mari-
mas não querendo despertá-la ele mesmo por outros meios mais di-
retos.
tamente.
com uma nota mais doce que de hábito em sua polidez formal. "Estou
"Temo que a excitação possa ser muito forte para você," disse
calmo." Dorothea não ousou insistir, e leu por uma hora ou mais do
pelas páginas. Mr. Casaubon tinha a mente mais alerta e parecia anteci-
minha introdução, tal como ora esboçada. Você percebeu isto claramen-
te, Dorothea?"
508
GEORGE ELIOT
"Não, eu não me nego," disse Dorothea, numa voz clara, com a ne-
cessidade de liberdade lhe sendo imposta por dentro; "mas é muito so-
lene - penso não ser correto - eu fazer uma promessa quando não sei
ao que ela me obrigará. Tudo que a afeição sugerisse eu faria sem prome-
ter."
,,Mas você usaria então sua própria capacidade de julgamento: peço-
nha alma que minhas ações sejam para confortá-lo; mas não posso assu-
Logo ela pôde ouvir que ele já estava dormindo, mas para ela não
havia mais sono. Enquanto se forçava a ficar bem quieta para não perturbá-
seu futuro tivesse relação com qualquer outra coisa que não o trabalho
dele. Mas estava bem claro para ela que ele contava com seu devotamento
matéria fosse mais verdadeiro que o dele: pois era com o juízo sadio e
dias, os meses, os anos que teria de passar para pôr em ordem o que
ção que era ela própria um mosaico montado com cacos de ruínas -
mento, como uma criança dos elfos. Sem dúvida um erro vigoroso perse-
os anseios desta fome?" Seria recusar-se a fazer por ele morto o que ela
estava quase certa de fazer por ele vivo. Se ele vivesse, como Lydgate
dissera que era possível, por quinze anos ou mais, sua vida certamente
509
veis conjecturas, sem maior solidez que aquelas etimologias que pare-
ciam fortes por causa de uma semelhança de som, até ser demonstrado
quer coisa sujeita a colisões mais graves que uma elaborada noção de
Gog e Magog: era tão livre de interrupção como um plano para fazer
conhecimento elevado que tornaria a vida mais válida! Agora, era capaz
ela, como talvez a única esperança restante de que seus esforços pudes-
sem tomar ainda uma forma sob a qual serem apresentados ao mundo.
A impressão inicial fora que ele queria vedar até mesmo a ela um conhe-
cimento mais íntimo daquilo que ele estava fazendo; mas pouco a pouco
te inesperada -
sado do marido - ou melhor, para a luta atual e dura que ele travava
e agora por fim a espada, que visivelmente tremia sobre ele! Ela não
tinha querido se casar com ele para poder ajudá-lo no labor de sua vida?
- Mas pensara que a obra fosse uma coisa maior, a que pudesse
devotadamente servir pelo que era. Era correto, mesmo que para lhe
510
GEORGE ELIOT
vesse, nada ele poderia exigir que ela afinal não fosse livre de contestar
ou mesmo recusar. Mas - a idéia passou-lhe mais de uma vez pela ca-
beça, sem ela acreditar porém, - não poderia ele querer pedir mais do
com a execução de seus desejos sem lhe dizer exatamente quais eram?
Não; seu coração só estava ligado em seu trabalho: este era o fim pelo
Por outro lado, se ela dissesse: "Não, se você morrer, não ponho as
já magoado.
como uma criança que muito houvesse soluçado à procura, ela afinal de
estava de pé. Tantripp comunicou-lhe que ele, após dizer suas orações e
um tênue sorriso.
"Bem, muito corada não se pode dizer, mas viçosa como uma rosa
por ora.
"Acho uma boa idéia," disse Dorothea. "Temo que sua mente, na
qual lhe falei por último, Dorothea. Espero que agora você já tenha uma
resposta a me dar."
MIMUMARCH
"Daqui apouco vou encontrá-lo nojardim, está bem?" disse Dorothea,
diu que lhe trouxesse um agasalho. Sentara-se imóvel por alguns minu-
tos, mas não, de modo algum, em renovação do prévio conflito: ela sim-
plesmente sentia que iria dizer "Sim" à sua própria condenação: era
muito fraca, muito temerosa da idéia de atingir seu marido com um gol-
pe cortante, para fazer qualquer coisa que não se submeter por comple-
xale, numa passividadea que não estava habituada, pois ela gostava de
cuidar de si mesma.
irreprimível de amor para com a bela e meiga criatura pela qual ela se
sentia incapaz de fazer qualquer coisa mais, agora que já havia acabado
logo ela recuperou seu controle, enxugou os olhos e saiu para o arvore-
Pratt riu. Bem que ele gostava de seu patrão, mas gostava mais da
Tantripp.
ferir a alma já combalida que fazia à dela uma súplica. Se isto fosse
fraqueza, Dorothea era fraca. Mas a meia hora estava passando e ela não
podia mais demorar-se. Não avistou o marido, assim que entrou na Ala-
512
GEORGE ELIOT
meda do Teixo; mas o caminho era em curvas e ela foi adiante, com a
expectativa de achar sua figura envolta num capote azul que, com um
gorro bem quente de veludo, era a roupa que ele usava para sair pelo
jardim nos dias frios. Ocorreu-lhe que ele talvez repousasse no pavilhão,
para o qual havia um curto desvio. Ao fazer a volta ela pôde vê-lo, sen-
tado num banco junto a uma mesa de pedra. Na mesa, apoiava os bra-
lugar muito úmido para se repousar. Mas logo ela se lembrou de o ter
visto ultimamente, quando lia para ele, nesta mesma atitude, como se a
vezes falava, ou então ouvia, com o rosto virado assim para baixo. Quando
Ele não se mexeu, e ela achou que ele houvesse pegado mesmo no
sono. Pôs a mão no ombro dele, e repetiu: "Estou pronta!" Ele continuava
noite anterior lhe acudira à mente. Ela o reconheceu, tratou-o pelo nome,
mas parecia pensar que estava certo, mesmo assim, explicar tudo a ele; e
"Diga a ele que irei encontrá-lo em breve: estou pronta para prome-
ter. Só que pensar na questão foi um horror - e me fez doente. Mas não
Mas nos ouvidos de seu marido o silêncio nunca mais foi quebrado.
CAPÍTULO XLIX
va falando com Mr. Brooke. Era o dia seguinte ao enterro de Mr. Casaubon,
mexer com estas coisas - os bens, as terras, esse tipo de coisa. E tem lá
gostaria de agir - pode crer no que lhe digo, como executora testamen-
que podemos fazer. Até Dorothea ficar boa, todo este assunto lhe há de
ser ocultado, e, assim que puder ser transportada, deve vir ficar conosco.
Estar com a Celia e o bebê será a melhor coisa do mundo para ela, e
514
GEORGE ELIOT
Mr. Brooke, mãos cruzadas por trás, andou até a janela e endireitou
"Sim, mas não posso demiti-lo assim sem mais nem menos sem apon-
país por trazê-lo aqui - sim, por trazê-lo aqui." Mr. Brooke concluiu
" uma pena que esta parte do país não pudesse passar sem ele, e
seja como for, creio que me é permitido contrapor-me, e muito, a que ele
senhor há de admitir, espero, que tenho o direito de falar sobre o que diz
" claro, meu caro Chettam, é claro. Mas você e eu temos idéias
"A meu ver ele comprometeu Dorothea do modo mais injusto possível.
este que me disse a razão - não gostava do rumo que ele tomou, sabe?
ferdidade, entre os
filisteus.
MIDDLEMARCH
515
disse Sir Jarnes. "Mas eu acredito que o Casaubon apenas tinha ciúme
dele, por causa da Dorothea, e todo mundo há de supor que ela lhe dera
razão; e é isto o que torna tudo tão abominável - associar o nome dela
ao deste rapazola."
"Meu caro Chettam, por aí não chegaremos a nada, sabe?" disse Mr.
parte das bizarrices do Casaubon. Ora pois este papel, o "Quadro Sinótico"
"Bem, não, não assim com tanta urgência. Pouco a pouco, talvez,
não é que o irá impedir. As pessoas dizem o que bem querem, não o
capitulo e versículo que lhes são dados," disse Mr. Brooke, tornando -se
Tioneiro," e esse tipo de coisa; mas não poderia afastá-lo da região caso
de obstinação.
"Meu Deus!" disse Sirjames, com o máximo de paixão que era capaz
de mostrar, "vamos arranjar-lhe um posto; vamos então gastar dinheiro
com ele. Se ele pudesse entrar para o serviço de algum Governador Colo -
amanhã mesmo ele se separar de mim, você apenas há de ouvir por aqui
ainda falarem mais dele. Com seu talento para discursar e redigir docu-
agitador, sabe?"
"Um agitador!" disse Sir James, com amarga ênfase, sentindo que as
quisesse que
tenha certeza,
516
GEORGE ELIOT
melhor seria que, tão logo possível, ela fosse ficar com a Celia. Com ela
mente. Não nos convém atirar às cegas e gastar toda a munição, não é?
"Que bom saber disto!" disse Sir James, levado pela irritação a per-
der um pouco o controle. "O Casaubon, tenho certeza, não era."
"Não sei não," disse Sir James. "Teria sido menos indelicado."
um pouco seu cérebro. E tudo por nada. Ela não quer se casar com o
Ladislaw."
"Mas o codicilo foi redigido para induzir todo mundo a crer que o
soubesse da história, ainda seria pior. Ia parecer que nós não confiamos
Mr. Brooke havia dado com um argumento irrefutável, mas nem por
isto Sir James se acalmou. Ele estendeu a mão para apanhar seu chapéu,
dando a entender que não queria mais discussão, e ainda algo acalorado
disse:
"Nada será melhor do que levá-la para Freshitt assim que você pu-
MIDDLEMARCH
517
os eleitores sobre o rumo a tomar para melhor servir aos interesses nacio-
nais. Mr. Brooke acreditava sinceramente que este fim podia ser garanti-
CAPíTULO L
- Canterbury Tales.
Contos de Canterbury. 1
mana, antes de ter feito perguntas arriscadas. Todas as manhãs ela agora
se sentava com Celia num dos mais bonitos salões do andar de cima,
nários atos do bebê, tão dúbios à sua mente inexperiente que a conversa
va, quase chegava a exasperar Celia, por ser triste em demasia; pois não
"De Geoffrey Chaucer (c. 1343-140O). O trecho citado está em The Shipman"s
Prologue, linhas
1177-82.
MIDDLEMARCH
519
assim tão entediante e incômodo, e além disto havia - bem, bem! Sir
dação de como era importante que Dorothea não soubesse de nada an-
Mas Mr. Brooke estivera certo ao prever que Dorothea não se man-
teria por muito tempo passiva onde e quando lhe competisse agir; ela
mento, e sua mente, tão logo ela tomou consciência clara da situaçao em
que estava, passou a se ocupar em silêncio do que ela deveria fazer como
paróquia.
Certa manhã em que o tio lhe fazia sua costumeira visita, com desa-
costumada alacridade em seus modos, que ele explicou dizendo ser cer-
disse:
"Já está na hora de eu pensar, meu tio, sobre a quem deve caber o
benefício eclesiástico de Lowick. Depois de Mr. Tucker ter tido sua sub-
sistência garantida, nunca ouvi meu marido dizer que já tinha em mente
algum clérigo para sucedê-lo. Acho que agora seria bom eu apanhar as
ver alguma coisa que lance um pouco de luz sobre as vontades dele."
tro em breve, não é, você, se quiser, já pode ir. Mas eu dei uma olhada
nas mesas e gavetas - não havia nada - nada a não ser aquelas coisas
profundas, sabe? - além do testamento. Tudo pode ser feito a seu tem-
certa vez eu pude fazer alguma coisa para arranjar uma nomeação para
ele. um homem apostólico, creio eu, - um tipo para se dar bem com
você, querida."
ma, caso Mr. Casaubon não tenha deixado nenhuma expressão de sua
sabe haja instruções para mim?" disse Dorothea, que em relação ao tra-
520
GEORGE ELIOT
"Vamos, não convém pensar nessas coisas por enquanto, minha fi-
agora vivo numa trabalheira sem fim - é uma crise - uma crise política,
mesmo?, e eu, uma espécie de avô," disse Mr. Brooke, com pacífica afo-
bação, ansioso de se safar e dizer a Chettam que não seria culpa dele
"Olhe só, Dodo! olhe só isto aqui! Você já viu coisa mais linda que
"O quê, Kitty?" disse Dorothea, erguendo os olhos, mas meio au-
sente.
"O quê? ora essa, o lábio superior do bebê; veja como ele o está
ser que ele já tenha seus pensamentozinhos, não é? Ah, que bom se a
rolou pela face de Dorothea quando, olhando para cima, ela tentou sor-
rir.
pensando tanto? Tenho certeza de que você fez tudo, e mesmo até de-
"Você não deve ir enquanto Mr. Lydgate não disser que pode. E ele
ainda não disse (ah! cá está a ama; vamos, pegue o bebê e passeie com
ele pelo corredor). Além do mais, você meteu na cabeça, como sempre,
já estava quase disposta a pensar que Celia era mais sensata que ela, e
se indagava realmente, não sem temor, que idéia equivocada era a sua.
Celia, percebendo a vantagem que tinha, decidiu-se a usá-la. Nenhum
deles conhecia Dodo tão bem quanto ela, nem sabia como tratá-la. Após
sua solidez mental e calma sabedoria. Agora havia um bebê, estava cla-
ro, as coisas iam muito bem, e o equívoco, de modo geral, era a simples
MIDDLEMARCH
521
"Posso ver muito bem no que está pensando, Dodo," disse Celia.
você fazer agora, só porque Mr. Casaubon quis. Como se sua vida antes
já não fosse bem desagradável! Mas ele não merece isto, como você vai
constatar. Ele se comportou muito mal. O James ficou uma fúria com
que quer dizer." Passou-lhe pela cabeça que Mr. Casaubon poderia ter
legado seus bens a outro que não ela - o que não seria afinal tão aflitivo
assim.
rompendo-a impetuosamente.
nenhuma importância num sentido - você nunca iria casar-se com Mr.
Mas Celia lhe estava administrando o que a seu ver era uma dose mode-
radora de objetividade. Ter tido idéias é que fizera tanto mal à saúde de
se com Mr. Ladislaw - o que é ridículo. Só que o James também diz que
isto foi para impedir Mr. Ladislaw de querer casar-se com você pelo seu
dinheiro - como se alguma vez ele pensasse em lhe fazer uma propos-
ta. Mrs. Cadwallader disse que seria o mesmo que se casar com um
italiano, desses que exibem por aí ratos brancos! Bem, mas eu tenho de
que sua vida estava assumindo uma nova forma, de que ela sofria uma
em ritmo ainda mais acelerado, toda sua relação com Will Ladislaw. Seu
podia dizer para si mesma com a devida clareza, que devia esperar e
do; era uma violenta onda de repulsa contra seu finado marido, que
havia tido pensamentos ocultos, talvez pervertendo tudo que ela dizia e
dições que não se adequavam, de questões que tão cedo não iriam ser
resolvidas.
de ela ouvir a voz de Celia dizendo: "Está bem, babá; ele agora vai
sossegar no meu colo. Você pode ir almoçar, mas diga à Garratt para ficar
mente tendia a ser passiva, "é que Mr. Casaubon foi rancoroso. Eu nun-
ca gostei dele, nem o James. Nos cantos da boca, a meu ver, ele tinha um
que a religião não requer que você se torne infeliz por causa dele. uma
bênção, se ele foi levado, e cabe-lhe apenas agradecer. Nós não temos o
que lamentar, não é, bebê?" disse Celia confidencialmente para este cen-
dos, tinha unhas e tudo, e realmente até cabelo bastante, quando se lhe
tirava a touquinha, para fazer - não se sabia o quê: - que era o próprio
ele disse foi esta: "Temo que não esteja tão bem quanto já esteve, Mrs.
"Ela quer ir a Lowick para olhar uns papéis," disse Celia. "Ela não
para Dorothea: "Não sei não. Em minha opinião Mrs. Casaubon deveria
fazer o que lhe desse mais tranqüilidade de espírito. Nem sempre o re-
pouso decorre da proibição de agir."
MIDDLEMARCH
523
sato o que diz, tenho certeza. Há tantas coisas que eu preciso fazer. Por
suponho, Mr. Lydgate. Vou pedir-lhe para me dizer muitas coisas. Tenho
ferir. O senhor conhece Mr. Tyke e todos os -" mas o esforço de Dorothea
"Deixe Mrs. Casaubon fazer o que ela quiser," disse ele para Sir
James, a quem pediu para ver antes de sair da casa. "Ela quer a perfeita
provações de sua vida. Tinha certeza de que ela andara sofrendo por
que agora apenas se sentisse numa outra prisão, só diferente pela espé-
O conselho de Lydgate foi ainda mais fácil para Sir James seguir,
verdade sobre o testamento. Não havia como evitar isto agora - nem
nenhuma razão para adiar ainda mais a execução das coisas. No dia
seguinte, quando ela lhe pediu que a conduzisse a Lowick, Sir James
Dorothea; "eu talvez nem agüentasse. Estou muito mais feliz em Freshitt
com Celia. Serei capaz de pensar melhor no que fazer em Lowick olhan-
aldeia."
"Ainda é cedo, creio eu. Seu tio tem tido muitas visitas políticas,
coisas das quais é melhor você ficar afastada," disse Sir James, que no
Ladislaw. Mas nenhuma palavra foi trocada entre ele e Dorothea sobre a
que mencionar o assunto lhe seria impossível. Sirjames era tímido, mesmo
porque pareceria ser expor ainda mais a injustiça de seu marido. Entre-
524
GEORGE ELIOT
tanto ela desejava que Sir James soubesse do que se passara entre o
ia então claro para ele, como já estava para ela, que a estranha e
indelicada
quais era mais difícil falar. Admita-se ainda que Dorothea desejava que
isto fosse sabido por causa de W111, já que os amigos dela pareciam pen-
sar nele como um simples objeto da caridade de Mr. Casaubon. Por que
deveria ser ele comparado a um italiano que exibia ratos brancos? Esta
lento, oprimido no plano de transmitir sua obra, tal qual o fora ao executá-
para trás seus planos: só tivera tempo de pedir aquela promessa, pela
qual pretendia ainda manter sob seu frio domínio a vida de Dorothea.
trabalho que seu julgamento lhe sussurrava ser inútil para todos os fins,
vivia e sofria já não estava mais diante dela para lhe dar pena: restava
525
à propriedade, que era a marca do vínculo partido, ela bem que gostaria
de se livrar do seu jugo e não contar com mais nada, além da fortuna
propriedade insistiam em vir à tona: não estava ela certa, quando pen-
sou que a metade deveria caber a Will Ladislaw, - mas agora já não era
impossível ela fazer este ato de justiça? Mr. Casaubon havia encontrado
inviolável.
teresse sua menção ao beneficio eclesiástico e, assim que pôde, ele reto-
mou este assunto, vendo aqui uma possibilidade para comgir o voto
"Ao invés de lhe dizer alguma coisa sobre Mr. Tyke," disse ele, "eu
dependem dele. Acho que foi por causa delas que ele não se casou. Eu
nunca ouvi um pregador tão bom - com uma eloqüência tão despojada
"Mas por que não fez mais?" disse Dorothea, agora interessada por
tato que é extremamente difícil fazer um bom trabalho dar certo: são
526
GEORGE ELIOT
confia que ingressou na profissão errada; quer um campo mais vasto que
e conciliar estes gostos com sua situação não lhe é nada fácil. Não tem
dinheiro para tanto - se mal tem para o gasto; e isto o levou ao jogo de
e ganha muito. Claro que isto o faz tomar por companhia pessoas abai-
homens mais inatacáveis que já conheci. Não tem veneno nem hipocri-
sia, que tantas vezes vão com quem é mais correto por fora."
"Diz meu tio que se fala de Mr. Tyke como um homem apostólicof
disse Dorothea, meditativamente. Seu desejo era que fosse possível res-
ante tudo onde o pastor não banque a principal figura. Vejo um pouco
disto em Mr. Tyke no Hospital: boa parte de sua doutrina é uma espécie
deveria pensar, como fez São Francisco, que é necessário pregar aos pas-
sarinhos."
que mais que as outras o torna uma bênção ampla, a ela me agarro como
a mais verdadeira - isto é, a que aceita o maior bem, seja de que espé-
cie for, e leva o maior número de pessoas a dele serem partícipes. Segu-
MIDDLEMARCH
527
ramente é melhor perdoar muito que condenar em excesso. Mas eu gos -
mas também tem inimigos: sempre há pessoas que não podem perdoar
um homem capaz por ele ser diferente. E essa maneira de ganhar dinhei-
versa ocorreu, e não havia ninguém presente para tornar dolorosa para
ela a inocente menção a Ladislaw feita por Lydgate. Este, como lhe era
típico quando se falava dos outros, tinha esquecido por completo a ob-
morte de Mr. Casaubon, ele mal tinha visto Ladislaw, e não ouvira coisa
um assunto delicado com Mrs. Casaubon. Quando ele se foi, sua descri-
pensando sobre ela? Teria ele sabido do fato que lhe fazia a face arder
como nunca dantes? E como reagiria, se viesse a sabê-lo? - Mas tão
italiano com ratos brancos! - não, pelo contrário, ele era uma criatura
que entrava nos sentimentos dos outros, e que podia calcular a pressão
férrea.
CAPITULo LI
dida pela baixa quantidade de bebida ingerida. Will Ladislaw era então
MIDDLEMARCH
529
"Ora, por que quer você envolver-me nisto? Eu nunca estou com
Mrs. Casaubon, nem é provável que venha a estar, já que ela se encontra
O fato era que Will fora tornado mais suceptivel por observar que
Mr. Brooke, ao invés de desejar, como antes, que ele fosse com mais
tramar para evitar ao máximo que ele aparecesse por lá. Era uma conces-
que ele devia ser mantido longe da granja por causa de Dorothea. Os
amigos dela, então, olhavam -no com alguma suspeita? Pois as lágrimas
que derramavam eram supérfluas: eles estavam muito enganados, se o
Até agora Will não tinha visto de todo o abismo entre ele e Dorothea
não sem raiva por dentro, pensando em se afastar das redondezas: seria
mente estar em Roma; e ela não estaria mais distante de mim." Mas o
que vemos como nosso desespero é muitas vezes tão-só a avidez dolo-
rosa de uma esperança não nutrida. Suas razões para não partir eram
quando era mister o "treinar" para a eleição e havia tantas cabalas, dire -
lado certo, ainda que de cérebro e medula bem moles, como convinha
530
GEORGE ELIOT
mista como Mr. Brooke, que poderia ser eleito à sua própria custa; e a
"Nessas coisas há táticas, como você sabe," dizia Mr. Brooke; "en-
deixa de ser interessante isto," e assim por diante. Concordo com você
que esta é uma ocasião peculiar - o pais com vontade própria - ligas
políticas - esse tipo de coisa - mas nós às vezes somos muito rigoro-
sos ao separar as partes, Ladislaw. Essas dez libras para os pais de famí-
lia, por exemplo: por que dez? preciso estabelecer um limite - certo:
nele."
"Claro que é," disse Will, impaciente. "Mas se o senhor for esperar
lhe parecia uma espécie de Burke com uma pitada de Shelley; mas após
altura das coisas sua animação era tanta que até o fazia suportar grandes
havia sido testado por nada mais difícil do que um discurso de presiden-
tor de Middemarch, do qual ele saíra com a impressão de ser, por natu-
MIDDLEMARCH
531
reza, um estrategista, e de que era uma pena não se ter dado há mais
tantes era um grande ônus para uma cidade; pois mesmo que não hou-
havia muitos em cujas opiniões o ramo dos secos e molhados tinha grande
peso. Mr. Mawmsey, pensando que Mr. Brooke, não sendo "muito es-
bendo qual deve ser a resposta. Muito bem. Mas pergunto ao senhor,
como marido e como pai, o que eu devo fazer quando há cavalheiros que
me vêm dizer: Taça como bem quiser, Mawmsey; mas, se você votar
país por manter comerciantes do partido certo." Pois estas mesmas pala-
vras me foram ditas, nesta mesma cadeira onde o senhor está agora sen-
de ser um prazer votar num cavalheiro que fala de tão honrosa maneira."
colocar-se ao nosso lado. Esta Reforma com o tempo vai afetar a todos
532
GEORGE ELIOT
tem de vir primeiro antes de o resto seguir-se. Concordo com seu ponto
interesses. Pegue algo tão simples como um voto; pois bem, ele pode
cidida.
voto, devo saber o que estou fazendo; devo pensar, falando com o devi-
xa. Os preços, admito, são algo cujo mérito ninguém consegue saber; e
eles não vão poder reformar; caso contrário, eu votaria para que as coi-
sas fiquem como estão. Pouca gente tem menos necessidade de clamar
minha família. Não sou daqueles que nada têm a perder; refiro-me à
se com sua esposa de ter sido um pouco duro demais com Mr. Brooke de
Tipton, e de que agora ele já não ligava tanto assim para a questão de
seu voto.
com Ladislaw, o qual por sua vez, de tão contente, persuadiu-se de que
MIDDLEMARCH
533
nações fossem ativas demais em relação aos processos. Para fazer negó-
ria para garantir maioria para o lado correto. Havia escrito vários discur-
deixava-a pairar no ar, para sair correndo em sua busca e custar a vir de
induzir Mr. Brooke a pensar nos argumentos certos na hora certa era
torná-lo saturado deles, até que lhe ocupassem todo o espaço do cére-
falando.
prova, pois antes do dia da escolha de candidaturas Mr. Brooke iria ex-
uma bela manhã de maio e tudo parecia esperançoso: havia uma pers-
pectiva de entendimento entre o comitê de Bagster e o de Brooke, à qual
do ramo manufatureiro como Mr. Plymdale e Mr. Vincy davam uma so-
mas que, como senhorio, havia feito nos últimos seis meses, e ouvindo
"Não está nada mal, não é?" disse Mr. Brooke quando a multidão se
ajuntou. "Vou ter uma boa audiência, seja como for. Eu gosto disto, sabe?
534
GEORGE ELIOT
viera dizer a Middemarch seu dever - falasse tanto que já era alarman-
vontade, para Will, que estava bem nas suas costas e sem tardar lhe
serviu o suposto fortificante. Não foi uma boa idéia; pois Mr. Brooke era
logo após o primeiro, foi uma surpresa para seu organismo, que tendeu
ser feito por razões particulares mas, uma vez empreendido, exige abso-
Não era por causa do começo de seu discurso que Mr. Brooke se
sentia ansioso; isto, tinha certeza, sairia bem; fá-lo-ia na medida, talha-
barcar seria fácil, mas a visão do mar aberto que poderia vir depois era
programa."
do, por Deus! O Hawley conseguiu um plano muito melhor." Ainda as-
mais amável do que Mr. Brooke, com o memorando no seu bolso do pei-
o cabelo louro cortado curto e a fisionomia neutra. Ele começou com certa
535
Era tão bem dito que parecia natural, depois disto, uma ligeira pausa.
até os dísticos de Pope podem não ser senão "partes de nós que caem,
janela por trás do orador, pensou: "Pronto, está tudo perdido. A única
tes possam pela primeira vez dar certo." Mr. Brooke, enquanto isto,
dato.
partes, "da China ao Peru," como disse alguém - Johnson, penso eu, "O
Passeante," não sabem?" Pois é o que eu tenho feito, até um certo ponto
- não tão longe como o Peru; mas não fiquei sempre em casa - vi que
não daria certo. Estive no Levante, para onde vão alguns dos produtos de
deria ter ido sem dificuldade em frente, e regressaria incólume dos ma-
res mais remotos; mas um golpe diabólico havia sido preparado pelo
inimigo. Sem mais nem menos, acima dos ombros da multidão ergueu-
se, quase em face de Mr. Brooke, e a uns dez metros dele, sua própria
dos desejos
como está
536
GEORGE ELIOT
uma voz de Polichinelo. Todos olharam para as janelas abertas das casas
este não era de modo algum inocente; se não acompanhava com a preci-
são de um eco natural, fazia porém uma escolha pérfida das palavras que
sido grande erro, já que Hawley provavelmente pretendia que lhe atiras-
sem pedras.
lizado de idéias em si mesmo: o que lhe chegou aos ouvidos foi aliás
uma cançãozinha, sendo ele a única pessoa que ainda não se dera conta
res, e neste momento ele estava ainda mais excitado pela sensação ar-
resgatá-lo do Báltico.
mas nunca precisamos de precedentes para uma causa justa - mas en-
fim há Chaffiam, ora; não posso dizer que eu teria apoiado Chaffiam, ou
Pitt, o jovem Pitt1 - ele não era um homem de idéias, e nós precisamos
"Que se danem suas idéias! nós queremos a Lei," disse uma voz alta
risos foram mais fortes que nunca, e Mr. Brooke, estando agora calado,
filho de igual
537
"Há algo no que diz, meu bom amigo, e por que nos reunimos, se-
senhores terão a Lei" - aqui Mr. Brooke fez uma pausa para fixar o
monóculo e tirar o papel que estava no seu bolso do peito, com a im-
remedou:
"O senhor terá a Lei, Mr. Brooke, por impugnação devido às cabalas,
e uma cadeira fora do Parlamento, por cinco mil libras, sete xelins e
imagem, que chegara mais para perto. No momento seguinte, viu-a do-
ombro de Mr. Brooke, enquanto o eco dizia: "Tudo está muito bem;"
munhar que "as solas das botas deste senhor puderam ser vistas acima
Mr. Brooke recuou para a sala do comitê, dizendo do modo mais dis-
plicente possível: ", não foi nada bom, não é? Eu deveria ter ganho logo
entrado logo na Lei, não é?" acrescentou, olhando para Ladislaw. "Contu-
Mas não foi decidido por unanimidade que as coisas iam dar certo; o
538
GEORGE ELioT
estratagemas.
"Foi o Bowyer quem fez aquilo," disse Mr. Standish, de modo evasi-
teria convidado a jantar," disse o pobre Mr. Brooke, que pelo bem de
de vez do "Pioneiro" e Mr. Brooke. Ficar por quê? Para tapar o abismo
Veio a seguir o sonho jovem das maravilhas que ele poderia fazer - em
quiririam valor mais alto, agora que a vida pública já se ia a tornar mais
nacional e ampla, e poderiam conferir-lhe tal distinção que ele não pare-
ceria ter de pedir a Dorothea que descesse a seu nível. Cinco anos: - se
onde o talento traz fama, e a fama, tudo o mais que é prazeroso. Poderia
poria todo seu ardor. Por que não haveria ele de um dia ser erguido nos
admitidos no foro,
Londres,
Lincoin"s Inn e
Gray"s Inn).
MIDDLEMARCH
539
Mas não de imediato: não até que algum tipo de sinal fosse trocado
entre ele e Dorothea. Não sossegaria até ela saber por que, mesmo que
ele fosse o seu escolhido, não se casava com ela. Donde lhe ser necessá-
Logo porém teve razão para suspeitar de que Mr. Brooke se anteci-
mas observou que sua saúde, ao contrário do que havia imaginado, não
cair fora. O Casaubon, coitado, foi uma advertência, sabe? Fiz despesas
guir. Um homem mais comum que você poderia continuar agora - mais
comum, sabe?"
sos em torno, com as mãos nos bolsos. "Estou pronto a fazê-lo, sempre
que o queira."
dem não tê-lo em tão alta estima como sempre o tive, como um alter ego,
fazendo outra coisa, no futuro. Pretendo dar uma chegada à França. Mas
Wellington.
540
GEORGE ELIOT
Após Mr. Brooke o ter deixado, disse Will para si mesmo: "O resto
da família andou instando com ele para livrar-se de mim, e ele pouco se
importa agora com o meu destino. Pois vou ficar enquanto eu quiser.
Hei de agir por moto próprio, e não porque eles estão com medo de
mim."
CAPÍTULo LII
"His heart
- WORDSWORTH.
€"Seu coração
- WORDSWORTH.1
NA NOITE DE JUNHO em que Mr. Farebrother soube que ele ficaria com o
onde até os retratos dos grandes jurisconsultos pareciam olhar com sa-
tisfação. A mãe nem tocou no chá com torradas; mas, sentada com seu
emoção por esse rubor nas faces e o brilho do olhar, que dão a uma velha
vo, que parece ter energia bastante não só para brilhar por fora, mas
também para aclarar a atarefada visão interior: dir -se-ia que, além de
542
GEORGE ELIOT
com as crianças, além de muitas meias novas para dar de presente, en-
culdades para que se case com algum solteirão de Lowick - Mr. Solomon
Featherstone, por exemplo, tão logo eu saiba que tem amor por ele."
Miss Winifred, que o tempo todo estivera a olhar para o irmão, cho-
rando para valer, o que era seu modo de alegrar-se, sorriu por entre as
lágrimas e disse: "Você deve dar-me o exemplo, Cam: deve você casar-se
agora."
"Não me oponho em nada. Mas quem tem amor por mim? Eu sou
"Bom seria se se casasse com Miss Garth, meu irmão," disse Miss
especificar.
com majestática discrição, "e uma esposa seria muito bem-vinda, Carriden.
Você há de querer seu uíste em casa, quando nós formos para Lowick, e
sempre chamava sua irmã tão miudinha por este magnificente nome.)
que nada sabia do que o uíste significava para seu filho, e falando em
trina.
"Estarei muito ocupado para jogar uíste; vou ter duas paróquias,"
MIDDLEMARCH
543
"Eu é que sou obrigado a agir de modo a que a senhora não venha a
Sua natureza era uma dessas nas quais a consciência se torna mais
ativa quando o jugo da vida cessa de esfolá-las. Ele não fez nenhuma
"Muitas vezes já desejei ser outra coisa na vida que não clérigo,"
disse ele a Lydgate, "mas talvez seja melhor tentar fazer de mim um
O Pastor não sentia então que sua cota de obrigações fosse ser cô-
que eu posso consultar. já lhe contei tudo antes, e o senhor foi tão bon -
"Sente-se, Fred, estou pronto para ouvi-lo e fazer o que puder," dis-
por mais que olhe ao redor, não vejo outra coisa para fazer. Não gosto da
carreira, mas seria um duro golpe para meu pai dizer-lhe isto, depois de
ele ter gasto tanto dinheiro, educando-me para ela." Fred fez de novo
uma pausa, depois repetiu: "Não vejo outra coisa para fazer."
544
GEORGE ELIOT
"Eu conversei com seu pai sobre isto, Fred, mas não fui muito longe.
Ele disse que era tarde demais. Mas você agora já atravessou uma ponte:
sair a cavalo pelo campo, de fazer como os outros homens. Não é que eu
queira ser um mau sujeito, não, de modo algum; mas o tipo de coisa que
fazer? Meu pai não tem capital para me fornecer, porque senão eu me
quando meu pai quer que eu já ganhe alguma coisa. Está muito certo
dizer que, entrando para a Igreja, eu cometo um erro; mas quem diz isto
capacitada que eu que concorda com eles integralmente. Penso que seria
"Parece-me pois ter-lhe ocorrido que talvez você possa ser um pas-
dever, ainda que o mesmo não me agrade. A seu ver, terão razão para
queixar-se de mim?"
sua posição há de exigir de você. Só lhe posso falar sobre mim mesmo,
intranqüilo."
alguém de quem gosto muito: que amo e sempre amei desde criança."
MIMUMARCH
545
"Ela nunca o dirá; e há um bom tempo fez-me prometer não lhe falar
seja um clérigo. E eu não desisto dela, não posso, e sei que ela se inte-
ressa por mim. Ontem à noite conversei com Mrs. Garth e ela me disse
que a Mary estava passando uns dias com Miss Farebrother no reitorado
de Lowick."
"Pois é, tem sido muito boa, ajudando minha irmã. Você quer ir
até lá?h*
"Não, quero pedir um grande favor de sua parte. Fico sem jeito de
incomodá-lo assim deste modo, mas talvez a Mary lhe ouça se o senhor
" uma tarefa um pouco delicada, meu caro Fred. Eu terei de pressu-
por sua ligação com ela; e tocar no assunto, como você deseja que eu
e Quer dizer que se guiaria por isto para decidir se entra ou não para
a Igreja?"
"Não meu tipo de amor: nunca deixei de sentir amor por Mary. Se eu
pau."
"Não, estou seguro que não. Ela o respeita mais que a qualquer
outro, e não o afastaria com gracejos, como faz comigo. Claro que eu
não poderia ter contado isto a ninguém, nem pedido a ninguém para
falar com ela, a não ser o senhor. Não há ninguém capaz de ser tão
amigo, ao mesmo tempo, de nós dois." Fred fez uma pausa, depois dis-
se, em tom algo queixoso: "E ela devia reconhecer que eu suei muito
para ser aprovado. Devia acreditar que, por causa dela, sou capaz de
qualquer esforço."
546
GEORGE ELIOT
pônei que ele havia acabado de comprar. "Eu sou um galho velho," pen-
numa folha de papel. O sol já estava baixo, e árvores altas lançavam suas
sombras pelos caminhos gramados por onde Mary se movia sem chapéu
vinha pela grama, ela acabara de curvar-se para ralhar com um cachorri-
nha!" dizia Mary numa grave voz de contralto. "Um cachorro ajuizado
não se comporta assim deste modo; podem até pensar que você é um
rapazinho travesso."
lentes homens."
"Não; se bem que a sabedoria possa não ser seu ponto forte, que são
rosto mais sério, e as mãos, mais frias; "deve ser o Fred Vincy."
do qual vim a saber, confidencialmente, pelo seu pai; aliás, foi naquela
MIDDLEMARCH
547
Fred, logo depois de ele ter ido para a faculdade. Mr. Garth me contou o
remorso, porque você havia sido o meio inocente a impedir que o Fred
recebesse suas dez mil libras. Tenho pensado sobre isto, e eu soube de
uma coisa que lhe pode trazer alívio - que lhe pode mostrar que ne-
Mr. Farebrother fez uma pausa e olhou para a moça. Ele queria dar a
Fred o maior relevo possível, mas seria bom, pensou, livrar a mente de
"Quero dizer que sua atitude não fez nenhuma diferença real para o
legal após a queima do último; que ele não se sustentaria, se fosse con-
testado, e não tenha a menor dúvida de que de fato o seria. Assim, sobre
seu caminho até aqui, e agora surge a questão, o que ele há de fazer?
uma questão tão difícil que o Fred está inclinado a seguir a vontade do
que se torne um clérigo. Diz ele que poderia orientar seu espírito para
for preenchida, farei tudo o que eu puder para ajudá-lo. Depois de al-
gum tempo - não, é claro, logo no começo - ele poderia ficar comigo
quase igual ao que me coube como pastor da paróquia. Mas repito que
há uma condição sem a qual este bem não poderá ocorrer. Ele me abriu
seu coração, Miss Garth, e pediu-me que intercedesse por ele. A condi-
com toda a franqueza, o Fred não dará nenhum passo que diminua as
chances de você consentir em ser sua esposa; mas, com esta perspectiva,
548
GEORGE ELIOT
"Não me é possível dizer que jamais serei sua esposa, Mr. Farebrother:
que o senhor está dizendo é muito gentil e generoso; por nada me cabe
querer comgir seu julgamento. Mas é que eu tenho um jeito meu, bem
"Ele me pediu que lhe relatasse exatamente o que voce pensa," dis-
se Mr. Farebrother.
"Eu não seria capaz de amar um homem ridículo," disse Mary, sem
pretender ir mais além. "O Fred tem bom senso e conhecimento sufici-
entes para se tornar respeitável, caso queira, nalgum ramo leigo, mas
tornaria um clérigo para obter uma distinção social, e penso que não há
Mr. Crowse, com seu rosto apático, seu guarda-chuva bem posto, seus
tamente uns idiotas - como se -" Mary se controlou. Tinha sido arras-
"As moças são muito severas; não sentem como os homens a pres-
são da ação, se bem que eu talvez deva fazer de você uma exceção quan-
to a isto. Mas é tão baixo assim o nível no qual põe o Fred Vincy?"
"Não, não mesmo; ele tem bastante bom senso, mas a meu ver, como
profissional."
outra maneira - você lhe dará o apoio da esperança? Pode ele contar
com conquistá-la?"
"Quero dizer que ele não devia colocar tais questões antes de ter feito
MIDDLEMARCH
549
tentativa de ser acorrentada, mas ou bem seu sentimento por Fred Vincy
ou ele conta que permaneça solteira até se pôr à altura de sua mão ou,
seja como for, pode ficar desapontado. Desculpe-me, Mary, - era assim
mais de uma vida - creio que a postura mais nobre, para ela, é ser
jeito de Mr. Farebrother, mas com seu tom de voz, que continha uma
gum homem pudesse amá-la, a não ser Fred, que a desposara com o anel
lha; e ainda menos que pudesse ter alguma importância para Mr.
tempo de sentir que aquilo tudo era brumoso e talvez ilusório; mas uma
"Já que julga de meu dever, Mr. Farebrother, vou-lhe dizer que o
sentimento que nutro pelo Fred é muito forte para que eu renuncie a ele,
por quem quer que seja. Nunca eu seria totalmente feliz, se o soubesse
tanto, desde que éramos bem pequenos, para que eu não me machucas-
todos. Mas diga-lhe, por favor, que até então não prometerei casar-me
com ele; eu causaria vergonha e dissabor aos meus pais. E ele é livre
forma, no lugar certo, e espero ainda viver para juntar suas mãos. Que
550
GEORGE ELIOT
CAPÍTULo LIII
hidden suckers whereby the belief and the conduct are wrou-
tor fosse alguém que ele aprovasse de todo; e tomou por ser uma adver-
geral que, bem no momento em que ele entrava na posse dos títulos de
552
GEORGE ELIOT
de compra. Uma forte tendência neste sentido parecia ter sido dada pela
den. Era o que o pobre do velho Peter, ele também, tinha esperado;
prios vizinhos nem sempre são bastante abertos para fazer sequer uma
insinuação sobre os deles. O frio e judicioso Joshua Rigg não havia per-
mitido a seu pai perceber que Stone Court era algo menos que o princi-
uma visão muito distinta e intensa de seu bem principal, pois a avidez
vigorosa que ele herdara já havia assumido uma forma especial à força
das circunstâncias: e o bem principal, para ele, era ser cambista. Desde
posses, fazer muitas coisas, sendo uma delas casar-se com uma gentil
senhorinha; mas tais acasos e alegrias, todos eles, a imaginação bem que
podia dispensar. A grande alegria pela qual sua alma anelava era ter uma
loja de câmbio num cais muito movimentado, ter em toda a sua volta
fechaduras das quais ele tivesse as chaves, e manusear com a mais subli-
cofres.
Basta. Nosso interesse pela venda das terras de Joshua Rigg parte do
disposição a lhe trazer talvez uma sanção a um propósito que ele havia
MIDDLEMARCH
553
mas não com confiança excessiva, e ofereceu suas devidas graças numa
fato com o destino de Joshua Rigg, que pertencia a regiões não mapeadas
colonial imperfeito; surgiam, isto sim, das suas reflexões de que esta
Isto não era o que Mr. BuIstrode dizia a qualquer um com a intenção
os fatos, tão genuíno como qualquer teoria sua talvez seja, se por acaso
você não concordar com ele. Pois o egoísmo que entra em nossas teorias
não lhes afeta a sinceridade; antes, quanto mais se satisfaz nosso egois-
prietário de Stone Court, e o que Peter diria, "se pudesse saber," torna-
cia superior das coisas em geral era uma delícia para Solornon. Já Mrs.
no final das contas, não ficaria muito satisfeito com os asilos de pobres!"
de Stone Court. Poucos dias se passavam sem que ele desse umas voltas
Garth, que viera a seu encontro, como combinado, opinar sobre um pro-
no terreiro.
554
GEORGE ELIOT
ser tida sem dor, quando o senso de deméríto não assume uma forma
remorso. Mais ainda, pode ser tida com intensa satisfação, quando a
profundidade de nossos pecados não é senão uma medida para a pro-
coisa com os das tardes tão remotas em que, ainda um rapazola, ele
pre, bem como sua capacidade de expô-los. Mas seu breve devaneio foi
em seu chapéu. Estava agora a uns três metros dos cavaleiros, que
todo o estrago que esses vinte e cinco anos hão de ter feito em nós dois.
Mas então como vai, homem? Você não esperava ver a mim por aqui, não
dizendo:
compondo-se numa atitude jactanciosa. "Já vim antes aqui para estar com
ele. E estar com você, meu velho amigo, não me surpreende tanto assim
dencial. uma felicidade rara que o encontre, porém; pois não me impor-
to em ver meu enteado: não é um tipo afetuoso, e agora sua pobre mãe já
MIMUMARCH
555
se foi. Para falar a verdade, vim movido pelo meu amor por você, Nick:
vim para apanhar seu endereço, pois - olhe aqui!" Raffies tirou do bolso
tado a continuar por ali com a intenção de ouvir o que pudesse sobre um
Caleb era porém singular: certas tendências humanas que em geral são
fortes quase não se faziam presentes em seu espírito; sendo uma delas a
viam sido descobertas, ele ficava mais sem jeito do que o culpado. Espo-
"Você não pôs seu endereço completo nesta carta," continuou Raffies.
"O que nem lembra o homem de negócios tão bom que outrora foi. "O
Arvoredo," - bem, isto existe em toda parte: mas você vive aqui por
saber quão infeliz foi a filha, não é? Mas você, Nick, por Júpiter, está tão
a seu lado."
dade quase mortal. Cinco minutos antes, a extensão de sua vida sub-
tuais e concepções dos desígnios divinos. E agora, como que por horro-
rosa magia, esta figura avermelhada e ruidosa tinha surgido à sua frente
BuIstrode estava em ação, e ele não era homem de agir ou falar inopinada-
mente.
", eu estava indo para casa," disse ele, "mas posso atrasar-me um
556
GEORGE ELioT
menor questão de estar com meu enteado. Prefiro ir com você para casa."
"Seu enteado, se é que ele era Mr. Rigg Featherstone, não está mais
de dizer: "Bem, então não tenho objeções a fazer. já andei muito, desde
a estrada das diligências. Aliás nunca fui muito de andar, nem de mon-
fui meio desajeitado na sela. Mas que agradável surpresa deve ser para
para a casa. "Você não o confessa; mas nunca encarou de peito aberto
gélida, "nosso conhecimento de tantos anos atrás não tinha o tipo de.
algum serviço de mim, ele lhe será prestado com maior presteza se o
relações de outrora, e mal pode ser justificado por mais de vinte anos
de separação."
"Você não gosta de ser chamado de Nick? Ora essa, pois de Nick
tenha algum aí na casa agora. Da última vez, bem que o Josh encheu
meu frasco."
Mr. BuIstrode ainda não entendera de todo que nem mesmo o dese-
e que uma alusão desagradável sempre lhe servia como uma nova deixa.
Mas pelo menos estava claro que outras objeções eram inúteis, e Mr
MIDDLEMARCH
557
"Seus hábitos e os meus são tão diferentes, Mr. Raffies, que é dificil.
sensato para ambos será nos despedirmos o mais cedo possível. Como
algum negócio para discutir comigo. Mas, diante das circunstâncias, con-
vido-o a passar a noite aqui, e aqui virei a cavalo amanhã bem cedo -
a me fazer."
pido para uma temporada; mas por uma noite eu me arranjo, com esta
do que o meu enteado como anfitrião; mas o Josh tinha uma certa birra
comigo porque eu me casei com a mãe dele; e entre nós dois nunca
havia resolvido aguardar que ele voltasse a estar sóbrio, antes de gastar
suas palavras à toa. Mas cavalgou para casa com uma visão terrivelmen-
se livrar de John Raffies, cujo ressurgimento não podia porém ser visto
e era um castigo de nova espécie. Para ele era uma hora de angústia,
muito diferente das horas em que sua luta se travava em segurança pri-
das, - não iam sendo meio santificadas pela singularidade de seu dese-
divino? E iria ele se tornar afinal uma simples pedra de tropeço e uma
mo? Quem não iria, quando houvesse um pretexto para o cobrir de ver-
gonha, confundir toda sua vida e as verdades que ele havia esposado
558
GEORGE ELIOT
crimes capitais, nada inferior ao banco dos réus é desonra. Mas Mr.
BuIstrode
a Stone Court. A antiga e bela vivenda nunca havia parecido ser mais
cos floriam, e o nastúrcio, com suas folhas tão bonitas prateadas de or-
fachada, aguardando a descida de Mr. Raffies, com quem ele estava con-
denado ao desjejum.
havia imaginado que deveriam ser; seu prazer de atormentar talvez até
fosse mais forte, porque seu espírito não se afinava então em tom tão
alto. E é claro que à luz da manhã seus modos pareciam mais desagra-
dáveis ainda.
queiro, que mal pôde ir além de sorver uns goles de chá e quebrar, sem
comer, sua torrada, "agradeço-lhe que mencione logo o motivo pelo qual
"Mas ora só, quem tem bom coração, não quer sempre rever um
Novo que a gente sempre o chamava, quando soubemos que queria ca-
sar-se com a velha viúva. Alguns diziam que você tinha uma bela parecença
de família com o Nick Velho, e a culpa era de sua mãe, sendo ela que o
contava com um convite para ficar com você num bom lugar. Eu mesmo
estou sem residência, agora que minha esposa morreu. Nada em parti-
MIDDLEMARCH
559
"Posso indagar por que voltou da América? Julgava eu que seu dese-
jo expresso e forte de partir para lá, quando uma soma adequada lhe foi
vontade de ficar. Mas eu fiquei bem uns dez anos; mais do que isto não
me convinha. E lá, Nick, eu não volto mais." Aqui Mr. Raffies piscou
com tabaco, quem sabe, - ou algo do mesmo gênero, que leva um ho-
mem a agradáveis companhias. Mas não sem ter garantida certa inde-
pendência. isto o que eu quero: já não sou mais tão forte, Nick, apesar
de estar com o rosto mais corado que o seu. Eu quero uma independên-
cia."
"Mas tem de ser como me for conveniente," disse, com frieza, Raffies.
"Não vejo razão para eu não fazer por aqui uns conhecidos. Não me
camisa; e com este traje de luto, correia e tudo, duvido que eu não o
honre entre os fidalgos daqui." Mr. Raffies tinha arredado sua cadeira e
olhado para si de alto a baixo, detendo-se em particular na correia. Sua
principal intenção era amolar Bulstrode, mas realmente ele pensava que
sua aparência agora causaria boa impressão, pois que não só era espiri-
tuoso e bonito, mas também se vestia por um estilo enlutado que indi-
BuIstrode, após uma pausa, "prepare-se para atender aos meus desejos."
"Eu não fiz isto sempre? Oh, Senhor, de quão pouca valia me fizestes, e
quão pouco obtive! Desde então penso às vezes que talvez tivesse sido
meio mole. Mas a essa altura, suponho, você já enterrou a velha - para
ela, agora, dá tudo na mesma. E com esse proveitoso negócio, que foi
uma verdadeira bênção, você fez sua fortuna. Transformou-se num fidal-
560
GEORGE ELIOT
rar se ele não deveria deixar Raffies fazer como bem quisesse, e simples-
desprezível que ninguém lhe daria crédito. "Mas não se ele contar sobre
na necessidade de falsear.
"Não tive tanta sorte como você, por Júpiter! Para mim, em New
York foi tudo abominável; aqueles ianques são frios que só vendo, e um
em mim - mas o ramo era restrito, como se diz. Um amigo dela cuidara
companhia. Tudo comigo é muito honesto; sou tão aberto como o dia.
Não pense mal de mim por não o ter procurado antes; sofro de uma
vê, o destino me trouxe até você, Nick - para uma bênção talvez para
nós dois."
que calcula sobre os mais baixos sentimentos humanos puder ser cha-
mada de intelecto, deste ele tinha seu quinhão, pois sob o impulsivo
tom de troça com que falara a Bulstrode havia uma evidente seleção
da decisão:
MIDDLEMARCH
561
"Convém refletir, Mr. Raffies, que um homem pode sair logrado quan-
do se esforça por obter uma indevida vantagem. Embora não tendo ne-
insistir em permanecer por aqui, mesmo por pouco tempo, não terá nada
ameaçaf
"Ora, meu bom amigo, não entende um gracejo? Só quis dizer que
dadef
de honra! - pego minha valise e me vou. Mas não abrirei mão de minha
liberdade por uma anuidade imunda. Quero ir e vir como eu bem quiser.
imediatamente era um alivio muito grande para ser rejeitado com base
endereço."
"Não, espero aqui até que o traga," disse Raffies. "Vou dar um pas-
tado; esta moça tão bonita causou-me forte impressão. Não a encon-
562
GEORGE ELIOT
Nick. Sei que gostaria de fazer alguma coisa por ela, já que é sua entea-
da. "
meza de seus olhos cinzentos; "se bem que isto possa reduzir minha
capacidade de ampará-lo."
Enquanto ele saía da sala, Raffies, nas suas costas, piscou lentamen-
triunfante.
"Mas qual era mesmo o nome, diacho?" disse ele então, quase em
BuIstrode.
ção foi ligeira, e ele logo se cansou desta perseguição mental; pois pou-
cos homens eram mais impacientes por ocupação pessoal ou mais ne-
governanta, dos quais extraiu tudo o que queria saber sobre a situação
em paz com tais recursos, sentado na sala com lambris de madeira, brus-
dado não tenha o menor valor. Raffies imediatamente pegou sua cader-
neta e escreveu-o, não porque tencionasse usá-lo, mas apenas para ga-
Não iria mencioná-lo a Bulstrode: não havia nisto nenhum proveito real,
e para uma mente como a de Mr. Raffies sempre existe num segredo
MIDDLEMARCH
563
Ele estava satisfeito com seu sucesso atual, e pelas três da tarde do
negra na paisagem de Stone Court, mas não do pavor de que esta mancha
LiVRO VI
Viúva e a Esposa
CAPÖTULO LIV
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GEORGE ELIOT
co opressiva: não daria certo sentar-se por várias horas do dia, como um
uma atitude que não iriam tolerar numa irmã sem filhos. Dorothea bem
tendo em vista o esforço; mas para uma tia que não reconhece como
Buda seu sobrinho infante, e nada tem a fazer por ele, a não ser admirá-
lo, o comportamento de um bebê pode parecer monótono, e o interesse
em observá-lo, esgotável.
feita.
"Dodo é o tipo de pessoa que não liga para ter nada de seu - seja
crianças, seja lá o que for!" disse Celia a seu marido. "E, se ela tivesse
tido um bebê, não poderia jamais ser bonitinho como o Arthur. Poderia,
James?"
"Não! Imagine só! realmente foi uma bênção," disse Celia; "e eu
acho que é muito bom para Dodo ser viúva. Ela pode querer ao nosso
bebê como se fosse dela, e ainda pode ter tantas idéias originais quanto
quiser."
"Pena que ela não fosse uma rainha," disse o devoto Sir James.
"Mas então o que seríamos nós? Teríamos de ser outra coisa," disse
"O que vai fazer em Lowick, Dodo? Você mesma diz que não há
nada a fazer lá: todos estão tão bem, tão arrumados, que a melancolia
acaba por vencê-la. E aqui se ve que tem andado contente, indo por toda
Tipton com Mr. Garth, e até nos cantos mais sórdidos. Agora que o
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nosso tio está fora, você e Mr. Garth podem agir à vontade; e tenho
"Eu virei sempre aqui, e hei de ver ainda melhor como o bebê vai
"Mas nunca o verá tomando banho," disse Celia: "o que sem dúvida
(mas agora quero ficar sozinha, e na minha casa. Quero conhecer me-
suas razões. Mas ninguém a seu redor a aprovava. Sirjames, muito pe-
saroso, propôs que todos migrassem para Cheltenham, por alguns me-
ses, com a arca sagrada, conhecida igualmente como berço: e nessa fase
não era crível que Dorothea, uma viúva ainda tão jovem, pensasse em
viver sozinha em sua casa em Lowick. Mrs. Vigo havia sido leitora e
saber, nem mesmo Dorothea poderia ter algo a objetar contra ela.
Mas você não deve ir por aí. Ouso dizer que aqui parece um pouco enjoada
da nossa velha e boa viúva; mas pense no enjôo que você mesma pode-
tempo; é preciso haver gente à sua volta que porém não o creia, se você
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"Mas suponho que tenha descoberto seu erro, minha filha," disse
ela, "eu ainda penso que a maior parte do mundo está errada sobre
muitas coisas. Seguramente alguém pode ser são e pensar assim, posto
que a maior parte do mundo tantas vezes tenha sido forçada a rever sua
opinião."
comentou com seu marido: "Será bom para ela se casar de novo assim
que os Chettams não o desejariam. Mas vejo com clareza que um mari-
bres eu iria convidar Lord Triton. Algum dia ele há de ser marquês, e
ninguém pode negar que ela daria uma marquesa ótima: de luto, está
mulher geralmente se resume a ficar com o único homem que ela conse-
gue arranjar. Ouça bem o que eu digo, Humphrey. Se os amigos dela não
"Foi Celia quem me contou tudo sobre o testamento, sem que eu nada
perguntasse."
"Sim, sim; mas eles querem que a coisa seja abafada, e pelo que eu
Mrs. Cadwallader não disse nada, mas, tendo nos olhos escuros uma
expressão bem sarcástica, fez três significativos sinais com a cabeça para
seu marido.
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sobre uma terra estéril com enormes pedras plantadas - mudo memorial.
das vezes sentar-se. A princípio ela andava por toda a casa, questionan-
motivo que a continha e constrangia em sua vida com ele, ainda se lhe
indignado, e lhe dizia que ele era injusto. Um de seus atos talvez soe
risível, por supersticioso. O Quadro Sinótico para uso de Mrs. Casaubon ela
usá-lo. Você não vê agora que eu não podia submeter minha alma à sua, traba-
lhando sem esperança em algo em que não acredito? - Dorothea." Depois foi
sabia que bem poderia advir de seu encontro: pois ela estava sem ação;
injustiça a ele imposta. Mas a sede de o ver lhe possuía a alma. Como
das, vez e outra procurá-la com um olhar humano, que nela pousasse
decidido e súplice, o que iria ela pensar durante sua viagem, o que iria
também era verdade que, lembrando-se do que Lydgate lhe havia dito
sobre Will Ladislaw e a pequena Miss Noble, ela contava que Will viesse
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GEORGE ELIOT
antes de entrar na igreja, ela o viu tal como o vira, na última vez em que
ele ali tinha estado, sozinho no banco do pastor; mas, quando ela entrou,
vão ela as escutava à espera de que dissessem sobre Will uma palavra
virão às vezes para ouvi-lo em Lowick. A senhora não acha?" disse Dorothea,
"Se forem sensatos, virão sim, Mrs. Casaubon," disse a velha se-
avô dele, pelo meu lado, era um excelente pastor, mas o pai fez advo-
Mas às vezes ela é uma boa mulher e dá a quem o merece, como foi
seu caso, Mrs. Casaubon, que deu a meu filho um benefício eclesiás-
tico."
Mrs. Farebrother retomou seu tricô com uma honrada satisfação por
seu breve e claro esforço de oratória, mas não era isto o que Dorothea
queria ouvir. Pobre coitada! ela nem mesmo sabia se Will Ladislaw ain-
perguntar, à exclusão de Lydgate. Mas ela agora não podia ver Lydgate,
Ladislaw, tendo sabido da estranha proibição contra ele deixada por Mr.
poderiam alegar muitas e boas razões. Ainda assim, "eu quero vê-lo"
Certa manhã, por volta das onze horas, Dorothea estava sentada em
seu boudoir, com uma planta das terras agregadas ao solar e outros docu-
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se sua própria energia não buscasse razões para a ação ardente. A touca
de viúva, nesse tempo, fazia uma moldura oval para o rosto, com uma
dos olhos.
Seu devaneio foi interrompido por Tantripp, que veio dizer que Mr.
A sala de visitas era para ela o lugar mais neutro da casa - o que
dois espelhos altos e mesas com nada em cima - era uma sala, em
suma, onde não havia razão para sentar-se neste canto ou naquele. Fica-
para a alameda. Porém, quando Pratt para lá levou W111 Ladislaw, a jane-
la estava aberta; e um visitante alado, que ora entrava, ora saía zumbin-
do sem ligar para os móveis, tornava a sala menos fria, formal e desabi-
tada.
"Que bom ver o senhor por aqui de novo," disse Pratt, que se atardava
mesmo o mordomo soubesse que ele era muito orgulhoso para se pen-
durar em Mrs. Casaubon, agora que ela era uma viúva rica.
como um criado a quem nada se devia dizer, já sabia do fato que Ladislaw
ainda ignorava, e tirara suas conclusões; com efeito, não havia discorda-
do de sua noiva Tantripp quando ela disse: "O seu patrão era ciumento
Cadwallader que vem vindo por aí um lorde para casar-se com ela, quando
acabar o luto."
embaraçado, e Dorothea, calma. Desta vez ele se sentia infeliz, mas de-
dissimulado. já na porta ela se deu conta de que este encontro tão dese-
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jado, era afinal bem difícil e, quando viu Will avançando em sua direção,
o profundo rubor que lhe era raro veio-lhe com rapidez dolorosa. Ne-
nhum dos dois soube por quê, mas nenhum também falou. Por um mo-
mento ela estendeu a mão, e foram então sentar-se perto da janela, ela
num canapé, ele noutro, à sua frente. Will estava particularmente sem
jeito: estranhava em Dorothea que o simples fato de ela ser viúva cau-
sasse uma tal mudança na maneira como o recebia; e não sabia de ra-
mantinham - a não ser que, como a imaginação já lhe dissera uma vez,
nutriam dele.
disse Will; "eu não suportaria partir da região e começar vida nova sem
parte, isto sim, se não tivesse desejado ver-me," disse Dorothea, seu há-
advogado, já que este, pelo que dizem, é o melhor preparo para a vida
"O que torna a conquista ainda mais honrosa," disse Dorothea, cheia
de ardor. "Além disso, o senhor é tão talentoso! Eu soube por meu tio
que fala muito bem em público, a tal ponto que todos lamentam quando
preocupa com que se faça justiça a todos, fico muito contente. Quando
essas coisas que adornam a vida para nós que estamos bem. Mas já sei
"Aprova pois que eu parta por uns anos, nunca voltando aqui até
nha virado a cabeça e olhava pela janela as roseiras, nas quais pare-
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Will nunca soube como lhe foi possível poupar-se de se atirar a seus
pés quando aquele "muito tempo" soou com delicado tremor. Costuma-
respeito."
ninguém que eu tenha alguma vez conhecido. Nunca houve muita gente
em minha vida, nem parece que vá haver. E o espaço de memória que
Nem nunca seria exato dizer que neste encontro, ao qual comparecera
com amarga resolução, ele fosse terminar com uma declaração passível
todo exato que ele se achava temeroso do efeito que as declarações des-
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ciam vir encerrados os verões de todos os anos que Will passaria lon-
ge. Não era uma atitude ponderada. Mas Dorothea nunca pensava em
si, que teria causado a ambos a mesma espécie de choque. Nunca ele
sentira mais do que amizade por ela - nunca lhe passara pela cabeça
qualquer coisa que justificasse o que era para ela uma afronta de seu
marido aos sentimentos dos dois: e esta amizade, ele ainda a sentia.
Algo que poderia ser descrito como um silencioso soluço interior per-
correu Dorothea antes de ela dizer numa voz pura que só tremeu nas
de e fluidez:
"Sim, fazer o que diz há de ser o melhor para si. Ficarei muito feliz
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estivesse em casa, alguma coisa poderia ser feita! Foi esta preocupação
com as agruras financeiras de Wili, quando ela possuía o que deveria ter
sido a parte dele, que a levou dizer, vendo que ele se mantinha em silên-
lá em cima - quero dizer, aquela bela miniatura de sua avó. Não creio
senhor é incrível."
" muita bondade sua," disse W111, irritado. "Mas não, não me inte-
resso por ela. Não há grande consolo em possuir o que a nós se asseme-
cabeça que um homem que só dispõe de uma valise para suas coisas
"O senhor é de longe o mais feliz de nós dois, Mr. Ladislaw, por não
ter nada."
ser de despedida; e ele, deixando seu encosto na mesa, deu alguns passos
bens cuja posse Dorothea detinha, e seria preciso toda uma narrativa para
"Até agora eu nunca havia sentido que não ter nada fosse um infor-
túnio," disse ele. "Mas a pobreza pode ser tão horrível como a lepra, se
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"São tantos os modos por que a dor se revela! Há dois anos atrás eu
nem tinha idéia disto - quero dizer, do modo inesperado como os pro-
me, e muito, agir como eu bem queria, mas agora já quase desisti,"
"Pois eu não desisti de agir como bem quero, mas é muito raro que
o consiga fazer," disse Will. Plantado a uns dois metros dela, ele tinha a
situação em que tal prova talvez o colocasse. "Aquilo a que mais aspira-
biblioteca, madame."
se-ia que um mesmo choque elétrico havia passado por Will e ela. Am-
bos sentiram-se a resistir com orgulho, mas nenhum olhou para o outro,
com ele ativou-lhe a decisão e a dignidade: não havia nos seus gestos
nenhum sinal de embaraço. Quando Will saiu da sala, ela olhou para Sir
dado. E por que se comportaria de outro modo? Com efeito, Sir James
guntasse por que se retraía assim, não estou certo de que a princípio ele
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Will, a não ser sob penalidade, era suficiente para tornar impróprias
quaisquer relações entre eles dois. E sua aversão era mais forte ainda
Mas em certo sentido Sir james era uma potência ignorada até por si
mesmo. Entrando nesse momento, foi ele uma corporificação das razões
mais sólidas pelas quais o orgulho de Will se tornou uma força repelen-
CAPÍTULo LV
mos; pois não há idade tão dada como a juventude a pensar que suas
terremotos, mas é provável que eles vejam além de cada abalo e reflitam
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lher - era inimaginável para ela, que facilmente havia interpretado toda
sua conduta pela suposição de que o codicilo de Mr. Casaubon lhe pare-
cia, como a ela mesma parecera, uma crassa e cruel interdição a qualquer
Por esta própria razão ela o nutrira sem nenhum entrave interior. Tal
curo, ela podia dar vazão ao apaixonado pesar do qual se admirava ela
vo rigor ao neto que seu próprio juízo e coração defendiam. Pode al-
inclinar a face, como se nisto houvesse uma lisonja à criatura que havia
sofrido uma condenação injusta? Não sabia ela então que era o Amor
que lhe vinha, fugaz como um sonho antes do despertar, com as cores da
manhã em suas asas - que ao Amor é que ela consagrava seus soluços
perdido e que fazia falta em sua sorte, e seus pensamentos sobre o futu-
Um dia em que ela foi a Freshitt para cumprir sua promessa de pas-
sar a noite e ver o bebê tomando banho, Mrs. Cadwallader aí veio jantar,
tendo o Reitor partido para uma pescaria. Era uma noite quente e, mes-
cuidados, o calor era tanto que fez Celia, vestida, em seus leves cachos,
de vestido preto e touca justa. Tal porém só se deu depois que alguns
vre. Ela já se tinha sentado e abanado por algum tempo com um leque,
"Tire a touca, Dodo. Esta sua roupa, querida, só lhe pode fazer mal,
tenho certeza."
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"Tenho de ver você sem isto; ela abafa a todos nós," disse Celia,
do entrou na sala Sir James. Ao ver a cabeça agora livre, num tom de
"Fui eu, James, eu quem o fiz," disse Celia. "Não tem por que a
Dodo fazer de seu luto um cativeiro; não tem por que, entre amigos, ela
"Uma viúva, minha querida Celia," disse Lady Chettam, "deve usar
que tinha certo prazer em alarmar a velha senhora, sua boa amiga. Sir
Celia.
"Isto é muito raro, creio eu," disse Lady Chettam, num tom previsto
meteu deste modo, a não ser Mrs. Beevor, e foi muito doloroso para
Lord Grinsell, quando ela o fez. Seu primeiro marido era discutível, o
que tornava o fato ainda mais espantoso. E ela foi severamente punida.
pistola carregada."
seja pela primeira, seja pela segunda vez, sempre é ruim. A prioridade é
ferente."
a que o faz por duas vezes merece seu destino. Mas, se ela puder casar-
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"Acho que o tema de nossa conversa foi muito mal escolhido," disse
"Não por minha causa, Sir Jamesf disse Dorothea, decidida a não
particios. "Se é para meu bem que está falando, posso assegurar-lhe que
mais ou menos o mesmo, para mim, que falar das mulheres que vão à
caça à raposa: quer elas sejam por isto admiráveis ou não, eu não as
imitaria. Por favor, deixe Mrs. Cadwallader se distrair com este assunto,
soberbo modo, "espero que não tenha pensado que houvesse alguma
exemplo que me ocorreu. Ela era enteada de Lord Grinsell, que se casou
casar."
der ninguém. Nem mesmo hei de fazer menção a Dido ou Zenóbia. Mas
reitores."
em particular para Dorothea: "Ter tirado sua touca, Dodo, realmente fez
falou tal qual falava antes, quando alguma coisa que não lhe agradava
era dita. Mas eu mal pude perceber se era o James ou Mrs. Cadwallader
"Nenhum dos dois," disse Dorothea. "O James falou por delicadeza
"Mas você sabe, Dodo, que, se algum dia se casasse, até que ter
berço e beleza seria muito melhor," disse Celia, refletindo que Mr.
Casaubon não havia sido ricamente contemplado com estes dons, e que
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"Não fique aflita, Kítty; são bem outras as idéias que tenho sobre
queixo da irmã e olhando para ela com indulgente afeição. Celia ninava
eu me faria amiga. Vou pedir a Mr. Garth uma porção de conselhos: ele é
"Você então será feliz, Dodo, se já tem uma intenção," disse Celia.
"O Arthurzinho talvez goste dos planos, quando crescer, e poderá então
ajudá-la."
nos de todo tipo," tal como outrora de seu hábito. Sir James não fez
o sentir como uma espécie de profanação para Dorothea. Ele estava ci-
do ela agia de acordo com isto. Mas, se a escolha de Dorothea havia sido
desposar sua solidão, ele achava que a decisão, para ela, era de fato
adequada.
CAPÍTuLo LVI
havia começado quando ela soube que ele aprovava suas casinhas, au-
contemporâneo e
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mentara rápido durante sua estada em Freshitt, pois Sir James a induzi-
que lhe retribuíra de todo a admiração e dissera à sua esposa que Mrs.
mesmo quando garoto havia muitas vezes pensado: "Mr. Garth, eu gos-
do feito, e com ele, quando está pronto, os homens passam a ter vida
melhor." Foram estas as palavras que usou: é desta maneira que ela vê as
coisas."
dinação.
"Você gostaria de a ouvir falando, Susan. Ela fala com as palavras mais
simples, e numa voz que é como música. Até me lembra, meu Deus, de
aos ouvidos."
Com esse bom entendimento entre eles, era natural que Dorothea
gócio que bem então começava a gerar outros era a construção de estra-
por onde o gado ainda pastava numa paz inviolada devido à ausência de
o curso desta história em relação a duas pessoas que lhe eram caras.
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GEORGE ELIOT
do mar não está dividido entre vários proprietários de terras com exi-
em nesgas triangulares que iam ser "o mesmo que nada;" ao passo que
inacreditáveis.
que a lei diga nada! Desde que eles comecem, o que há de impedi-lo
de cortar a torto e a direito? Eu, como é bem sabido, não tenho com
lutar."
fazer suas medições," disse Solomon. "Foi o que pessoal fez em Brassing
puro fingimento, isto de que eles sempre são forçados a seguir por um
"O mano Peter, que Deus o tenha, tirou dinheiro de uma compa
nhia," disse Mrs. Waule. "Mas foi pelo manganês. Não por uma linha d
"Bem, há uma coisa a ser dita, Jane," concluiu Mr. Solomon, abai
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mais eles hão de nos pagar para deixarmos que avancem, se é que vêm
mesmo."
Este raciocinio de Mr. Solomon era talvez menos profundo do que
penoso,
and Scales," ou mesmo de uma oferta dos três fazendeiros locais para
mesma ordem, com uma suspeição de céu e terra que se nutria ainda
melhor e tinha mais tempo livre. Solomon era na época o administrador
erroneamente supor que ele tivesse outras razões para ali estar, além da
mera falta de impulsos para se mover. Depois de olhar por longo tempo
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GEORGE ELIOT
algum trabalho em curso, era comum que ele erguesse um pouco os olhos
de seu hábito parar para uma charla precavida e vagamente intrigante com
antes e sentindo que levava vantagem sobre os narradores, por não acre-
ditar de todo neles. Um dia, contudo, envolveu-se num diálogo com Hiram
Ford, um carroceiro, no qual foi ele mesmo quem deu informação. Quis
não havia como saber quem eram essas pessoas, nem as intenções que as
estabelecendo a desordem.
"A gente antão num vai poder se mexer de um lugar pro outro,"
"Não mesmo," disse Mr. Solomon. "E retalhar terras tão boas como
as desta paróquia! Melhor eles irem lá para Tipton, como eu digo. Mas
ninguém sabe o que é que está por trás disto. Eles querem desenvolver
", são esses gajos de Londi, eu acho," disse Hiram, que tinha uma
"Decerto que sim. E lá pras bandas de Brassing, pelo que ouvi dizer,
lunetas que levavam e os fez sair em disparada, pra que perdessem toda
a vontade de voltar."
"Deve mesmo de ter sido engraçado," disse Hiram, cuja própria gra-
há quem diga que esta região já conheceu melhores dias, e sinal disto
cortá-la toda com suas linhas de trem; e tudo para que o grande trans-
porte engula logo os pequenos, de modo a não deixar sobre a terra nem
"Pois ó que eu faço meu chicote estalar na cara deles, antes que eles
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por linhas férreas foi discutida não só no "Weights and Scalesf mas
campestre.
Certa manhã, não muito após a entrevista em que Mary Garth con-
fessou a Mr. Farebrother os sentimentos que nutria por Fred Vincy, acon-
teceu de seu pai ter um assunto a resolver que o levou até a fazenda de
Yoddrell, na direção de Frick: sua tarefa era medir e avaliar uma retirada
alcançariam no ponto em que ele ia fazer suas medições. Era uma dessas
Cheiro que teria sido ainda mais doce para Fred Vincy, que montado a
cavalo vinha pelas veredas, se sua mente não estivesse agitada por malo-
grados esforços para imaginar o que ele iria fazer, com seu pai, de um
lado, contando com seu ingresso imediato na Igreja, Mary, do outro, amea-
para Fred porque o pai, satisfeito de ele não mais ser um rebelde, mostra-
va-se bem humorado com ele, tendo-o mandado nessa agradável cavalga-
deveria fazer, restaria a tarefa de o dizer a seu pai. Forçoso é admitir que
decisão, que tinha de vir primeiro, era porém a mais díficil tarefa: que
ocupação secular havia na Terra para um jovem (cujos amigos não lhe
GEORGE ELIOT
poneses, cujo trabalho de revirar o feno não era mais tão premente após a
rapazola de dezessete anos, que por ordem de Caleb fora apanhar o nível
todos. Pelo que vejo, vocês mataram por espancamento o rapaz. Pois fi-
para a forca," disse Fred, que depois, ao se lembrar das próprias frases,
vem que eu acerto as contas contigo. Mas sem esse cavalo e o chicote
ocê num se atreve a vir, eu sei. Porque eu te tiro logo o fôlego, ouviu?"
Mas agora o que ele queria era voltar às carreiras para junto de Caleb e
do jovem prostrado.
não sofrera mais que isto, e Fred o pôs no cavalo para ir até a fazenda de
que eles podem voltar para apanhar seus troços," disse Fred. "O terreno
"Não, não," disse Caleb, "Já houve uma interrupção. Eles vão ter de
desistir por hoje, e é melhor assim. Olhe, leve estas coisas com você no
cavalo, Tom. Eles vão ver você chegando e hão de dar para trás."
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Garth," disse Fred, depois de Tom ter partido. "Não se sabe o que pode-
" mesmo, foi uma sorte," disse Caleb, um pouco distraído ao falar
loucos. Não posso continuar sem que alguém me auxilie com a cadeia de
disse Fred, com a impressão de que estaria cortejando Mary, se a seu pai
prestasse ajuda.
"Sem, se você não se importar com o calor, nem com ter de se abai-
xar -"
com aquele grandalhão que se virou para desafiar-me. Para ele seria uma
mesmo vou até lá falar com os homens. Tudo isso é pura ignorância.
"Não, não; fique aqui onde está. Posso prescindir de seu sangue jo-
havia nele uma curiosa mistura - provinda de ele sempre ter sido um
de um dia era parte do bem-estar de todos, pois isto era a principal parte
de dois ou três metros, Todos olhavam meio zangados para Caleb, que
andava rápido com uma das mãos no bolso e a outra enfiada entre os
perto deles.
GEORGE ELIOT
hábito por frases curtas, e significativas a seu ver para si, já que tinha
po
"!" foi a resposta, lançada a intervalos por cada um, de acordo com
"Bobagem! Não é nada disto! Eles estão olhando para ver por onde
arrumarão encrenca. Esses homens estão autorizados por lei a vir aqui
O dono da terra não pode dizer nada e, se vocês se meterem com eles
vão-se ver às voltas com o delegado, com o juiz Blakesley, com as alge
Caleb fez aqui uma pausa, e talvez nem o maior dos oradores pudes-
"Eu porém sei que não tinham más intenções. Alguém lhes disse
que a estrada de ferro era uma coisa ruim. Pois foi mentira. Ela pode
causar aqui e ali algum dano, a isto ou aquilo; tal como o sol que está no
"Ah, boa pros cabras graúdos fazer dinheiro com ela," disse o velho
Timothy Cooper, que havia ficado para trás, revirando seu feno, quando
Rei Jorge e o Regente, e o novo Rei Jorge e depois o outro que tomou
nome novo - e pro pobre tem sido sempre o mesmo. Que é que ele
pra ele, num dá salário pra economizar e, se ele guardar algum dinheiro,
é se matando de fome. O tempo foi ficando pior pro pobre desde que eu
era um fedelho. E assim vai ser com a estrada de. ferro. Ela só vai deixar
o pobre ainda mais pra trás. Mas quem se mete com isso é doido, con-
forme eu disse aqui pros meus companheiros. Isso é coisa de gente graúda,
é o mundo deles. Mas o senhor fica com a gente graúda, Master Garth."
época - que guardava suas economias num pé de meia, vivia num case-
bre isolado e não se deixava levar pela eloqüência, tendo tão pouco do
espirito feudal e nele acreditando tão pouco como se não fosse total-
Caleb se viu numa dificuldade enfrentada por qualquer pessoa que ten-
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ta, em período de trevas e sem contar com milagres, raciocinar com rús-
ticos que estão de posse de uma inegável verdade que eles conhecem
cial que eles não sentem. Caleb não teve a seu comando uma saída hipó-
"Se você não pensa bem de mim, Tim, não importa; não é disto que
se trata agora. Pode não estar bom para o pobre - e não está mesmo
não; mas aqui o que eu quero é que os rapazes não façam o que ainda
vai tornar tudo pior para eles. As bestas podem levar um fardo pesado,
mas não adiantaria jogá-lo na valeta da estrada, já que parte da carga é
Timothy.
"Não, mas o resto. Vamos, eu hoje estou tão cheio de trabalho como
"Tá, num vamos se meter - pela gente eles pode fazer como qui-
ser" - foram as formas pelas quais Caleb obteve suas promessas; ele
observava lá da porteira.
ânimo, até riu muito quando deu uma escorregada na lama, junto de uma
cerca-viva, que sujou sua calça de verão tão perfeita. Era o vitorioso
começo
brar uma ocupação para si que tinha vários atrativos. Não estou certo de
que algumas fibras na mente de Mr. Garth não tivessem retomado sua an-
tiga vibração pelo mesmo fim que agora se revelava a Fred. Pois o incidente
efetivo é tão-só o contacto do fogo com onde houver estopa e óleo; e a Fred
Garth disse:
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GEORGE ELIOT
"Um rapaz não precisa ser bacharel para fazer esse tipo de trabalho,
não é, Fred?"
disse Fred. Fez uma pausa e, mais hesitante, acrescentou: "O senhor
acha que eu já estou muito velho para aprender sua profissão, Mr. Garth?"
"Minha profissão é muito variada, meu jovem," disse Mr. Garth, sor-
rindo. "Muito do que eu sei só pode vir com a experiência: não dá para
bem jovem para lançar as bases." Caleb pronunciou a última frase com
ênfase, mas certa incerteza o fez parar. Sua mais recente impressão era
"O senhor crê que eu pudesse ser útil nela, se tentasse?" disse Fred,
que sua folga comece. A outra é que voce não se deve envergonhar do
seu trabalho e pensar que lhe seria mais honroso estar fazendo outra
aquilo para fazer, eu poderia conseguir alguma coisa. Não importa o que
um homem seja - eu não daria nem dois pences por ele" - aqui a boca
que senão nunca será feliz. Ou, se você for feliz, será um verdadeiro
estafermo."
" mais ou menos o que a Mary pensa a respeito," disse Fred, coran-
do. "Acho que o senhor sabe o que eu sinto pela Mary, Mr. Garth: e
enquanto Fred falava. Mas ele meneou a cabeça, com solene lentidão, e
disse:
"As coisas tornam-se mais sérias então, Fred, se você quer tomar à
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"Sei disto, Mr. Garth," disse Fred, impaciente, "e eu faria qualquer
coisa por ela. Ela diz que nunca me aceitará se eu entrar para a Igreja; e
iria trabalhar duro, faria por merecer sua admiração. Gostaria de lidar
sei se sabe - embora o senhor vá me tornar por um tolo por causa disto
"Susan" ante seus olhos. "Que foi que você disse ao seu pai sobre isso
tudo?"
"Por enquanto nada; mas tenho de dizer. Só estou esperando para
ver o que é que eu posso fazer ao invés de entrar para a Igreja. Lamento
muito decepeionar meu pai, mas um homem de vinte e quatro anos tem
do tinha quinze anos, o que me seria bom fazer agora? Minha educação
foi um erro."
"Mas preste atenção, Fred," disse Caleb. "Você tem certeza de que a
"Pedi a Mr. Farebrother que falasse com ela, porque ela me proibira
- eu não sabia que outra coisa fazer," disse Fred, justificando-se. "E diz
pôr numa posição honrosa - quero dizer, fora da Igreja. Ouso pensar
que o senhor tome por indesculpável de minha parte, Mr. Garth, estar a
de eu ter, por mim mesmo, feito alguma coisa. claro que eu não tenho
"Sim, meu jovem, você tem um direito," disse Caleb, com a voz
ajuda dos velhos. Eu tive de me arranjar sem muita ajuda, quando era
jovem; mas de bom grado a teria recebido, nem que só fosse pelo senti-
Mr. Garth não daria nenhum passo importante sem consultar Susan,
mas confesse-se que, antes de chegar em casa, ele já tinha sua decisão
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GEORGE ELIOT
tomada. Em relação a um grande número de assuntos sobre os quais os
mundo. Nunca sabia o que queria comer e, se Susan lhe dissesse que
eles teriam de morar num casebre de quatro cômodos, para fazer econo-
mia, ele haveria de dizer: "Pois então vamos," sem pedir maiores deta-
lhes. Mas Caleb impunha seu domínio, nos pontos em que seu senti-
timidez para reprovar, todos a seu redor sabiam que, em ocasiões excep-
cionais, quando resolvia, era absoluto. Mas nunca de fato ele resolvia
pontos Mrs. Garth decidia, mas no centésimo ela em geral sabia que
a idéia de ser clérigo, e a Mary diz que não o aceitará, caso ele seja; e o
panto resignado.
" uma boa solução," disse Mr. Garth, ajeitando-se firmemente con-
com ele, mas acho que conseguirei superá-los. O rapaz tem amor por
Mary, Susan, e um amor verdadeiro por uma boa mulher é uma grande
"Nem uma palavra. Uma vez eu lhe perguntei pelo Fred; fiz-lhe uma
pequena advertência. Mas ela me garantiu que nunca iria casar-se com
nada. Mas parece que o Fred pediu a Mr. Farebrother que falasse com
ela de fato gosta do Fred, só que não o quer como clérigo. O coração
dele está fixado em Mary: posso ver isto, o que me deixa uma boa opi-
MIMUMARCH
597
Fred Vincys."
tendia fazer-lhe uma proposta; mas é claro que agora que o Fred o usou
tente por sua causa. Seus bens, sempre senti, não são compatíveis com o
se Mrs. Garth, convencida de que ela, abaixo desta marca, jamais teria
amado um qualquer.
"Bem, outros talvez achassem que você poderia ter agido melhor.
Mas para mim teria sido pior. E é isto o que me toca muito em relação ao
Fred. Ele no fundo é um bom rapaz, e bastante esperto para dar certo, se
tudo, e ela lhe fez uma espécie de promessa, condicionada ao que ele
venha a ser. Tenho portanto em minhas mãos, posso dizer, a alma deste
rapaz; e farei por ele o que eu puder, pedindo a Deus que me ajudei
Mrs. Garth não era dada a lágrimas, mas uma de bom tamanho já lhe
598
GEORGE ELIOT
via um teste a ser feito, para o qual ele não estava preparado.
mo sempre fiz grande parte da escrita, mas não posso prescindir de aju-
tório ele nem havia pensado; mas, de ânimo resoluto como estava, não
ia tirar o corpo fora. "Não temo a aritmética, Mr. Garth, para a qual
atenção e passando-a para Fred, bem molhada na tinta, com uma folha
os números no fim."
quando Fred lhe entregou o papel ele emitiu uma espécie de rosnado,
"Que posso fazer, Mr. Garth?" disse Fred, cujo moral baixara mui-
to, não só pela avaliação de sua caligrafia, mas também pela visão de si
599
tório.
"Fazer? Ora essa, deve aprender a grafar suas letras e seguir a linha.
balho. "Há assim tão poucos negócios no mundo para que você ainda
tenha de mandar quebra-cabeças pelo país afora? Mas é deste modo que
rio poderia não entender qual era o drama entre o profissional indigna-
com muitos pensamentos. Mr. Garth havia sido tão bondoso e encorajador,
prometido a si mesmo que iria a Lowick para estar com Mary e dizer-lhe
que fora contratado para trabalhar com seu pai. Não queria causar-se
dia não for bastante, faça serões à noite. Vamos ter paciência, meu jo-
vem. Nossos livros por ora continuam com o Callum, enquanto você
deve conversar com seu pai sobre o nosso acerto. Com voce, quando
memória. Do escritório de Mr. Garth ele foi direto para o armazém, sen-
seu pai era fazer a penosa comunicação com toda a gravidade e formali-
dade possíveis. Além disso, era mais certo a decisão ser entendida como
60O
GEORGE ELIOT
que havia feito e estava resolvido a fazer, expressando no final seu Ia-
mento por ser causa de uma decepção para o pai, e pondo a culpa em
nessa manhã, e o leve amargor que já trazia nos lábios tornou-se intenso
virou a chave com força. Depois olhou com firmeza para o seu filho, e
disse:
"Muito bem; pois siga o seu rumo. Nada mais tenho a dizer. O se-
"Muito bem; nada mais tenho a dizer. A seu respeito, lavo minhas
mãos. Só espero que, quando você também tiver um filho, ele lhe dê
Isto, para Fred, foi muito ofensivo. Seu pai usava essa vantagem
desleal que possuímos nós todos quando estamos numa situação patéti-
do pathos. Na realidade, nos desejos de Mr. Vincy sobre seu filho havia
do, ainda assim, tinha em mãos uma alavanca forte; e Fred se sentiu
disse ele, depois de se levantar para sair; "vou ter um salário suficiente
mesa. "Claro que sua mãe vai querer que você fique. Mas cavalo para
MIDDLEMARCH
601
Fred atardava-se; ainda tinha alguma coisa a dizer, que por fim lhe
veio.
Mr. Vincy, de sua cadeira, deu uma rápida olhada em direção a seu
filho, que avançara para perto dele, e então estendeu a mão, dizendo
marido talvez nunca ocorrera, a certeza de que Fred se casaria com Mary
Garth, de que sua vida seria doravante estragada por uma perpétua mis-
ela, parecia estar havendo uma conspiração dos Garths para apossar-se
porque bastou aludir a isto para que ele "voasse" sobre ela como nunca
antes. Era de gênio muito doce para mostrar-se zangada; mas sentia que
olhar para Fred já a fazia chorar um pouco, como se ele fosse objeto de
alguma profecia funesta. Talvez ela tenha sido mais lenta para recuperar
sua alegria costumeira porque Fred lhe pediu para não reabrir a desagra-
dável questão com o pai, que havia aceito sua decisão e o perdoara. Se
seu marido houvesse usado de veemência com Fred, ter-se-ia ela saído
em defesa de seu filho querido. já no fim do quarto dia, Mr. Vincy lhe
disse:
"Varrios, minha querida Lucy, não fique assim tão abatida. Como
"Nunca nada me fez sofrer tanto, Vincy," disse a esposa, com seu
pescoço e o queixo claros começando a tremer, "a não ser a doença dele."
"Bah, nada disto interessa! normal que a gente espere ter proble-
mas com os filhos. Mas não torne a coisa pior, fazendo-me vê-la em tal
desânimo."
"Bem, vou reagir," disse Mrs. Vincy, despertada pelo apelo e arru-
plumagem.
602
GEORGE ELIOT
"Não adianta começar a fazer confusão por causa de um," disse Mr.
"Pois é, coitada. Sei o que eu sofri com a decepção dela com o bebê;
dias a Rosamond há de vir por aí com uma bela história para me contar.
Mas eles não me arrancarão dinheiro, garanto. A família deleque o aju-
sineta para pedir limão, Lucy, e não fique mais tão triste. Amanhã, levo
CAPÖTULo LVII
(1771-1832),
604
GEORGE ELIOT
(havia começado a ver que este era um mundo no qual até mesmo um
jovem cheio de brio, por falta de um cavalo que o carregue, às vezes tem
de andar a pé), ele saiu às cinco horas e passou antes em casa de Mrs
vas relações.
de uma grande macieira no pomar. Era um dia de festa para Mrs. Garth,
pois seu filho mais velho, Christy, seu maior orgulho e alegria, tinha vindo
em casa para uma breve folga - Christy, para quem a coisa mais desejável
Fred, uma espécie de lição com modelo vivo que a mãe educativa lhe
dava. O próprio Christy, uma edição masculina de sua mãe, de testa qua-
drada e espáduas largas, mas que mal chegava aos ombros de Fred -
razão a mais para se estranhar que o julgassem superior - era sempre tão
ma altura. Nesse momento, ele estava por terra, perto da cadeira da mãe,
com seu chapéu de palha puxado bem sobre os olhos, enquanto Jim, do
outro lado, lia em voz alta trechos daquele amado autor que constituiu
fria muita interrupção de Ben, que havia pegado seu velho arco e suas
cerejas agora sobre a mesa de chá, num montículo. coral, sentava-se por
Vincy. Quando, sentando-se este num banco de jardim, ele disse que
crítica e espe-
MIMUMARCH
rio. E este seu terno velho de Glasgow não está nada adequado. Além
disto, seu pai já vem para casa. Devemos deixar o Fred ir sozinho. Ele
"Crianças, afastem-se!" disse Mrs. Garth; "está muito quente para ficar
se pendurando nos amigos. Levem seu irmão para ele ver os coelhos."
Fred sentiu que Mrs. Garth quis dar-lhe uma oportunidade de dizer o
"Ah, sim! ele veio mais cedo do que eu esperava. Desceu da diligên -
cia às nove horas, pouco depois do pai dele ter saído. Estou doida para
No ano passado ele pagou suas despesas dando aulas e, ao mesmo tem-
"Ele é um grande sujeito," disse Fred, para quem estas alegres ver-
tros." Após breve pausa, acrescentou: "Mas temo que a senhora pense
fazem mais do que alguém jamais pensaria em lhes pedir que fizessem,"
respondeu Mrs. Garth. Ela estava tricotando e, à sua escolha, podia olhar
605
se Ben.
"Consigo sim. Mãe, por favor, diz que eu posso ir," pediu Letty, cuja
vida era muito tabulada pela resistência à sua depreciação enquanto
menina.
" Eu vou ficar corri o Christy," observou Jim; mais ou menos como se
ciumenta.
606
GEORGE EuOT
embora pretendesse ser bem reservada, queria dizer algumas coisas que
"Sei que me considera muito indigno, Mrs. Garth, e com boa razão,"
Mas, enquanto homens como Mr. Garth e Mr. Farebrother não desisti-
rem de mim, não vejo por que deva eu fazê-lo." Fred pensou que cairia
"Certamente," disse ela, com exagerada ênfase. "Um jovem por quem
os pais que ele tem se dedicaram tanto seria com efeito culpável, se se
Fred assustou-se um pouco ante linguagem tão forte, mas disse ape-
nas: "Espero que não seja assim comigo, Mrs. Garth, já que fui encoraja-
do a crer que eu talvez possa conquistar a Mary. Mr. Garth lhe falou
sobre isto? E a senhora não ficou surpresa, pois não?" concluiu Fred,
"Não surpresa por Mary o ter encorajado?" replicou Mrs. Garth, que
pensou que seria bom para Fred aperceber-se mais do fato de que os
mão, fosse o que fosse o que supunham os Vincys. "Sim, confesso que
eufiquei surpresa."
mesmo conversei com ela," disse Fred, rápido na defesa de Mary. "Mas,
quando pedi a Mr. Farebrother que falasse por mim, ela o autorizou a
plares encontram às vezes deste modo seus bodes expiatórios. Com enér-
gica decisão, ela agora disse: "Você cometeu um grande erro, Fred, pe-
ra-se, embora sem entender o que queria Mrs. Garth dizer, e, em tom de
MIDDLEMARCH
607
tros," disse Mrs. Garth. Sem pretender ir além desta doutrina geral e
firmeza:
"A senhora quer dizer, Mrs. Garth, que Mr. Farebrother gosta da
Mary?"
"E se assim fosse, Fred, acho que você é a última pessoa que deveria
ela ter ido um pouco longe demais. Fred apanhou sua bengala e o cha-
Mrs. Garth não pôde falar de imediato. Pusera-se ela mesma na de-
tinha fortes razões para encobrir o que sabia. E para ela a consciência de
o medo de que Caleb a pudesse supor em erro não era facilmente supor-
pondeu:
"Falei só por inferência. Não estou ciente de que a Mary saiba algu-
ma coisa a respeito."
608
GEORGE ELIOT
derramou o leite, depois pulou no chão outra vez e, com o. salto, espa-
lhou metade das cerejas; Ben, pegando a meia tricotada pela metade,
to Letty vinha gritando para sua mãe contra a crueldade - era uma
também e o tête-à-tête com Fred chegou ao fim. Este se foi assim que
pôde, e Mrs. Garth não pôde insinuar que se retratava um pouco de sua
Ela porém não chegara a tanto e, para evitar uma censura de Caleb,
decidiu-se a censurar-se ela mesma e confessar-lhe tudo nessa noite ain-
da. Curioso, que tribunal terrível, sempre que ele entrava em ação, vira-
va para ela o manso Caleb! Mas ela pretendia observar-lhe que a revela-
Seu efeito sobre ele, enquanto caminhava para Lowick, sem dúvida
tanto como com aquela sugestão de que, não estivesse ele atrapalhando
estava aborrecido também por ter agido, como disse, qual um grande
o que Mary havia dito dele, Fred não tinha como se impedir de sentir
que possuía um rival: era uma nova impressão, que lhe despertou obje-
ções extremas, pois ele não estava nem um pingo disposto a desistir de
Mary pelo bem dela, mas sim a lutar por ela, fosse com que homem
fosse. Mas uma luta com Mr. Farebrother teria de ser de tipo metafórico,
MIDDLEMARCH
609
muito mais difícil para Fred do que a muscular. Para Fred esta experiên-
cia era decerto uma mortificação quase tão grande quanto sua decepção
com o testamento do tio. O ferro não lhe entrara ainda na alma, mas ele
já começara a imaginar quão afiado seria o gume. Não lhe ocorreu uma
só vez que Mrs. Garth poderia estar enganada sobre Mr. Farebrother, se
entrou, e Mary estava copiando, com uma letra minúscula na qual era
lar de Fred com Mary: era impossível uma delas propor que fossem to-
das dar uma volta no jardim, e Fred previu que acabaria tendo de ir-se
embora sem lhe dizer uma palavra a sós. Falou-lhe primeiro da chegada
ver que esta última noticia a comovia muito. "Folgo em sabê-lo," disse
alguém lhe notase a face. Mas aqui estava um assunto que Mrs.
"Não quer dizer, minha querida Miss Garth, que folga em saber que
apenas, já que as coisas são assim, que folga em sabê-lo sob a direção de
sempre tem uma boa razão para suas opiniões, mas isto me espanta.
Claro que os que pregam nova doutrina eu ponho fora de questão. Mas
enquanto ela parecia refletir um instante, "não gosto dos lenços que eles
põem no pescoço."
"Bem, então não gosta dos de Camden?" disse Miss Winifred, não
610
GEORGE ELiOT
"Dos dele, sim," disse Mary. "Não gosto dos lenços de pescoço dos
"Que coisa mais intrigante!" disse Miss Noble, sentindo que seu
majestosamente.
"Miss Garth tem idéias tão severas do que as pessoas deveriam ser
"Bem, pelo menos fico feliz de que ela faça uma exceção ao meu
contratação por Mr. Garth. No fim ele disse, com uma calma satisfação:
ralmente, de Mr. Farebrother ser tão estimável, desejou todavia que ele
claro qual seria o fim, já que Mary abertamente punha Farebrother aci-
vor, venha também. Quero que veja a aranha estupenda que eu achei
hoje cedo."
mecidas. Acostumada a pensar, não sem rigor, no que era provável, Mary,
como ridícula, tendo em tais rejeições precoce prática. Deu-se como ela
"Olhem, vou buscar uma gravura para o Fred, que é bem alto, pen-
ta." E saiu em seguida. A primeira coisa que Fred disse a Mary, no en-
tanto, foi:
"Seja o que for que eu fizer, Mary, não adianta nada. No fim você
MIDDLEMARCH
611
" impossível você não estar vendo isto com bastante clareza -
"Só vejo é que você se comporta muito mal, Fred, falando assim de
Mr. Farebrother depois de ele ter intercedido tanto por sua causa. Como
não suspeitava de nada, era inútil dizer-lhe o que Mrs. Garth tinha dito.
"Veio-me assim sem mais nem menos," respondeu ele. "Com você
não fosse por isto. Disse tudo ao seu pai, e ele foi muito bom; tratou-me
"Por isto? isto o quê?" disse Mary, imaginando agora que alguma
tentação para mim bancar a coquette pérfida e deixá-lo supondo que al-
"Você realmente gosta mais de mim, Mary?" disse Fred, virando para
escondendo as mãos nas costas. "Só disse que nenhum mortal, além de
você, jamais me fez a corte. E que não existe a hipótese de que um ho-
mem muito sensato venha algum dia a fazê-la," concluiu ela alegremente.
"Queria muito que você me dissesse que nunca poderia pensar nele,"
disse Fred.
"Não se atreva nunca mais a tocar nisto comigo, Fred," disse Mary,
dade de sua parte não ver que Mr. Farebrother nos deixou a sós de pro-
pósito para que pudéssemos falar livremente. uma decepção para mim,
GEORGE ELIOT
Não houve tempo de dizer mais nada, antes de Mr. Farebrother vol-
tar com sua gravura; e Fred teve de retornar à sala de visitas com um
sa, no todo, foi ainda mais doloroso para Mary: sua atenção inevitavel-
uma razão para ir no dia seguinte à sua casa era um alívio, pois o desejo
mais sincero de Mary era estar sempre claro que ela gostava mais de
outros tesouros.
estaf disse Mary a si mesma, com um esboço de sorriso nos lábios. Era
Mas tais coisas, com Fred de fora, Fred abandonado e parecendo triste
CAPITULo LVIII
- SHAKESPEARE: Sonnets.
- SHAKESPEARE: Sonetos."
fazer um pedido como aquele que ele então antevia. Ainda não conhece-
Soneto 93.
614
GEORGE ELIOT
em sair a cavalo, num dia em que seu marido se opusera a isto; mas não
se deve supor que ela tenha tido na ocasião uma explosão de cólera, ou
ter de dizer, nosso Tertius de igual nome detestou como um janota insí-
pido "que repartia o cabelo da testa à nuca numa moda abjeta" (não
dentro a própria irisânia, pois fora ele quem atraíra esta visita ao consen-
tir com a ida à casa de seu tio na viagem de núpeias, e tornou-se particu-
Pois para Rosamond a visita era uma fonte de exultação sem preceden-
tes, se bem que graciosamente dissimulada. Era tão intensa sua consci-
to com um médico, ainda que de boa estirpe: parecia agora que o casa-
mente por sugestão do Capitão, sua irmã casada, Mrs. Mengan, tinha
tivesse um porte militar e o bigode para lhe dar o que certas cabecinhas
louras e em flor adoram como "estilo." Tinha ele, ademais, essa espécie
Quallingliam, e ele viu como era fácil ficar flertando com ela várias horas
por dia. A visita acabara por ser uma das diversões mais gostosas que ele
MIDDLEMARCH
615
primo Tertius queria vê-lo à distância: se bem que Lydgate, que preferi-
da, houvesse contido sua antipatia, fingindo apenas em geral não ouvir
via ido a Loainford para estar com oficiais, seus irmãos de armas, lá
estacionados. "Você às vezes parece tão ausente - parece que olha atra-
vés da cabeça dele para alguma coisa por trás, ao invés de olhar para
ele."
"Rosy, meu bem, suponho que você não espere que eu tenha muito
a conversar com um burro tão presunçoso como este," disse Lydgate,
"-me inconcebível como você pode falar de seu primo com tama-
balho, enquanto ela falava, com uma gravidade suave que continha um
toque de desdém.
Rosamond pensou que sabia perfeitamente bem por que Mr. Ladislaw
não pstava do Capitão: ele estava com ciúme, o que a ela dava prazer.
"Não, querida; mas nós já demos jantares para ele. E ele entra e sai
,Ainda assim, quando ele está na sala, você podia dar-lhe mais aten-
ção. Talvez ele não seja uma fénix da inteligência, a seu modo de ver; é
de uma outra profissão; mas seria melhor, para você, conversar um pou-
"O fato é que você gostaria que eu fosse um pouco mais como ele,
sorriso que não era exatamente terno e certamente não era alegre.
616
GEORGE ELIOT
Rosamond ficou quieta e não retribuiu o sorriso; mas as curvas delicio-
Plymdale; mas para a maioria dos mortais há uma estupidez que é insu-
portável e outra que até se aceita bem - porque senão o que seria, de
tar, houve várias razões para ela se sentir tentada a retomar suas caval-
cinzento, que ele garantiu ser manso e treinado para transportar uma
do, e voltou antes dele para casa; mas a cavalgada havia sido um tal
Mas Lydgate, pelo contrário, ficou mais que ofendido - ficou abso-
"Contudo, você voltou sã e salva," disse por fim, num tom decisivo.
"Mas não me faça isto de novo, Rosy, ouviu bem? Mesmo se fosse o
co de acidente. Foi por isto, e você sabe muito bem, que eu quis que
MIDDLEMARCH
617
"Não diga bobagens, meu bem," disse Lydgate, num tom suplican-
te; "certamente é a mim que cabe julgar por você. Digo que não deve ir
bolso, movendo-se até então por perto, parou agora junto dela, como se
habilidosos dos homens, com seus dedos grandes e bem formados. Er-
gueu as macias voltas das tranças e prendeu-as no pente alto (para tais
coisas servem os homens!); e que podia então fazer, senão beijar a nuca
raro com uma diferença que nós fazemos o que já fizemos antes. Lydgate
ainda estava zangado e não esquecera o assunto.
"Direi ao Capitão que ele devia ter pensado melhor antes de lhe
ão, Tertius, por favor, não faça nada disto," disse Rosamond, olhan-
do para ele, e com algo de mais marcado que de costume na fala. "Seria
tência. O que gostava de fazer, para ela era o que estava certo, e toda sua
marido, saiu mesmo, não querendo que ele o soubesse senão depois de
já ser tarde para poder proibir. Certamente a tentação era grande: ela
Capitão Lydgate, filho de Sir Godwin, em outro bom cavalo a seu lado,
e de ser encontrada nesta situação por tantos, a não ser seu marido, era
uma coisa tão boa como seus sonhos de antes do casamento: além do
618
GEORGE ELIOT
Mas o cavalo cinzento, manso, porém não preparado para uma ár-
tou-se com ela e em Rosamond deu um susto ainda pior, levando-a fi-
nalmente a perder seu bebê. Lydgate, não sendo capaz de se demonstrar
irado com a esposa, foi porém quase grosseiro com o Capitão, cuja visita
calma certeza de que o passeio a cavalo não fizera diferença, de que se ela
esta inteligência era - qual era a forma que tomara para, correndo numa
avanços que lhe traria o talento; mas para ela a ambição profissional e
científica dele não guardava mais relação com estes desejáveis efeitos do
cheiro. E, à parte este óleo, com o qual não tinha o que fazer, claro está
que ela acreditava mais em sua própria opinião que na dele. Lydgate
mento de ter feito alguma coisa para a repelir. De sua parte, disse-se ele
que ainda a amava com a ternura de sempre, e que seria capaz de adap-
tar-se às negativas dela; mas Lydgate - bem! Lydgate andava muito
MIDDLEMARCH
619
era um ornamento muito mais raro para o salão da casa que qualquer
ver suplantadas.
sua preocupação pensativa com outros assuntos que não ela, bem como
Estes últimos estados de espírito tinham, entre outras, uma causa que
querendo lhe afetar a saúde, nem o ânimo. Entre eles dois, com efeito,
que pode evidentemente ocorrer até mesmo entre pessoas que estão
sara mês após mês sacrificando mais da metade de suas melhores in-
interferir, para a superfície lisa e sem reflexos que o espírito dela apre-
sentava a seu ardor pelos fins mais impessoais de sua profissão e estu-
deveria de algum modo adorar como sublime, muito embora não sa-
Rosamond eram muitas vezes pouco mais do que o lapso das resolu-
siasmo que não está bem ajustado a uma constante porção de nossas
Rosamond; e acreditava, não sem espanto, que ela nunca lhe passara
620
GEORGE ELIOT
nos misteriosa. Era uma inferência que saltava aos olhos de todos, e que
estava endividado; e ele não conseguia parar de pensar por muito tempo
que dia a dia ia afundando mais nesse pântano, uma tentação para os
Dezoito meses atrás Lydgate era pobre, mas nunca havia conhecido
mem que comprou e usou um monte de coisas, sem as quais podia pas-
Como isto aconteceu pode ser visto facilmente sem muita aritmética
pesas iniciais vão de quatrocentas a quinhentas libras a mais que seu capi-
clientela, que se sentia obrigado a manter dois cavalos, cuja mesa era
suprida à larga e que pagava um seguro de vida e um alto aluguel por sua
casa e jardim, podia constatar que suas despesas dobravam seus rendi-
mentos é concebível por qualquer um, bastando não crer que estes deta-
fância a um trem de vida extravagante, achava que manter bem uma casa
ífeorrespondia;" e Lydgate supunha que, "se era para se fazer uma coisa,
convinha fazer bem feito" - sem entender que eles pudessem viver de
MIMUMARCH
621
peixe caro, por exemplo, por um mais barato - a idéia lhe pareceria so-
dieta a seus magros recursos; mas, oh meu Deus! a essa altura já não
deixou de ser notável - não é de fato o que esperamos dos homens, que
efeitos de seu traje; parecia-lhe tão-só parte da rotina que ele tivesse uma
pilhas. Convém lembrar que ele nunca havia sentido a pressão de uma
dívida importuna, e que andava a pé por hábito, não por autocritica. Mas
va-o que condições tão estranhas a todos os seus propósitos, tão odio-
samente dissociadas dos assuntos de que ele pretendia ocupar-se, hou-
induzilo a recorrer a seu sogro, ainda que não tivesse sido avisado, de
Vincy não floresciam, e que uma expectativa de ajuda da parte dele seria
amigos; nunca na parte anterior de sua vida ocorrera a Lydgate que ele
622
GEORGE ELioT
precisasse de fazer o mesmo: nunca havia pensado no que seria para ele
pedir dinheiro emprestado; mas agora que lhe vinha tal idéia à cabeça,
esta. Enquanto isso ele não tinha dinheiro, nem perspectivas de o ter; e
que Rosamond voltava a uma bela saúde ele pensava em torná-la total-
imposta.
tinha oferecido a única boa garantia em seu poder ao credor menos pe-
outro artigo ainda em bom estado. "Qualquer outro artigo" era uma
núpeias.
época, que não oferecia condições aos profissionais cujas fortunas não
quela bela manhã em que foi dar uma palavra final sobre a baixela de
compras cujo montante não tinha sido exatamente calculado, trinta li-
MIDDLEMARCH
623
bras por adornos que ficariam tão bem no pescoço e nos braços de
se, não tinha como não cogitar da hipótese de deixar que as ametistas
voltassem para seu lugar no estoque de Mr. Dover, embora ele se esqui-
conseqüências, pensar nas quais nunca fora de seu hábito, ele se prepa-
rava para agir, baseado neste discernimento, com uma parte do rigor
Não dizia por dentro, enraivecido, que cometera um grande erro; mas o
erro agia nele como uma doença cronica reconhecida, fundindo suas
mas no momento sentiu-se aborrecido por não poder ter a casa livre.
sua entrada. Para um homem esmagado por seu fardo como o pobre
Lydgate estava, não há consolo em ver duas pessoas a trautear para ele,
quando chega com a impressão de que o sofrido dia ainda reserva mais
sofrimentos. Seu rosto, já mais pálido que de costume, tomou um ar
mãos.
falar.
Rosamond, que já havia percebido que seu marido estava num "humor
624
Wili, que era muito rápido, não precisou de mais que isto. "Bem,
"O chá está vindo," disse Rosamond; "espere um pouco, por favor."
brincando, e em seu tom mais leve; "ele não há de falar comigo a noite
toda."
GEORGE ELioT
que Lydgate havia previsto; mas os modos indiferentes dela foram pro-
vocantes demais.
gar diante da bandeja de chá. Estava pensando que nunca o tinha visto
tão desagradável assim. Lydgate virou para ela os olhos negros e obser-
e a olhar para os objetos logo à frente sem uma curva sequer que se
figura de sílfide por ele interpretada outrora como sinal de uma sensibi-
enquanto ele olhava para Rosamond e dizia a si mesmo: "Seria ela capaz
sempre assim." Mas este poder de generalizar, que dá aos homens tanta
seu pedido apaixonado para lhe ser dito o que mais confortaria aquele
homem, por quem ela parecia ter de sufocar todos os seus impulsos,
MIDDLEMARCH
625
posso fazer - ele passou a vida inteira trabalhando por este objetivo.
tons compunham uma música, para longe da qual ele caía aos poucos -
pondo-o na mesinha ao lado e então voltando, sem olhar para ele, para o
ela até que era bastante sensível, lá a seu jeito, e recebia impressões
dura-
Rosamond não amarrava a cara, nem nunca havia alteado a voz: sentia-se
assim; mas fortes razões eram as dele para não adiar sua revelação, mes-
sua dor, na perspectiva da dor causada a ela. Mas ele esperou a bandeja
ser levada, as velas serem acesas, e que se pudesse contar com a tranqüi-
cadeira dele, olhá-lo por fim e encontrar-lhe os olhos, seu pescoço deli-
cado, sua face, seus lábios primorosamente talhados nunca tiveram mais
momentos de seu amor por ela a todas as demais memórias que esta-
vam sendo revolvidas nessa crise profunda. Larga, sua mão baixou sua-
626
GEORGE ELIOT
"Sou obrigado a lhe dizer algo que vai magoá-la, Rosy. Mas há coi
sas em que marido e mulher devem pensar juntos. Ouso crer que já lhe
"Não pude pagar tudo o que nós tivemos de comprar antes de nos
afundar de fato cada dia mais, pois as pessoas não me pagam mais de
pressa porque outros querem dinheiro. Fiz o que pude para você não
saber disto, quando não estava bem; mas agora nós devemos pensar
para ele de novo. Esta frase de só quatro palavras, como tantas outras
vras "O que eu posso fazer!" o máximo de neutralidade que elas podiam
" preciso que você saiba, porque eu tenho de dar uma garantia por
liário."
Rosamond foi tomada por intenso rubor. "Você não pediu dinheiro
"Não."
pai, insisto, não deve saber de nada, a menos que decida eu mesmo
MIDDLEMARCH
627
na expectativa malsã do que haveria ela de fazer em forma de desobe-
não era dada a chorar, e nem gostava, mas agora seu queixo e os lábios
todos, eram de uma nova indulgência, mais de acordo com seu gosto.
Mas ele tinha desejado poupá-la tanto quanto pudesse, e aquelas lá-
lareira em face.
direção. Que ela tivesse resolvido afastar-se dele, a essa altura de seu
dissabor, tornava tudo mais difícil de dizer, mas era-lhe imperioso prosse-
guir. "Temos de concentrar energias para fazer o que é preciso. Fui eu que
errei: eu deveria ter visto que não estava em condições para viver desse
modo. Mas muitas coisas se opuseram a mim em minha clínica, que agora
vida. Nós agüentaremos o golpe. Depois que eu der a tal garantia, terei
tempo para olhar ao redor; e você é tão inteligente que, se dirigir sua
sido um leviano, um bom tratante, para pagar minhas contas - mas ve-
Lydgate punha o pescoço sob a canga como uma criatura que tivesse
garras, mas que também tinha Razão, que nos conduz com freqüência à
rança de que ele, por reconhecer a própria culpa, ouvisse sua opinião:
"Estou certa, Tertius, de que seria muito melhor. Por que não pode-
628
GEORGE ELIOT
mos ir para Londres? Ou para perto de Durham, onde sua família é co-
nhecida?"
"Seus amigos não vão querer que você fique sem dinheiro. E certa-
Quanto aos amigos, eu deles nada espero, e a eles nada hei de pedir."
a cabeça: ela nunca se teria casado com Lydgate, se soubesse como ele
iria proceder.
meu bem," disse Lydgate, tentando ser gentil novamente. "Há uns deta
lhes que eu quero examinar com você. O Dover diz que aceita de volt
uma boa parte da baixela, e qualquer jóia que quisermos. Realmente
cujos lábios pareceram até se tornar mais finos, dada a finura da expres
são. Ela estava decidida a não mais opor resistência, nem a fazer mai
sugestões.
total
em até mais de trinta libras. Não marquei nenhuma jóia." Lydgate havi
realmente sentido que esta questão das jóias lhe era muito penosa;
mas
que ela não se identificara nada com ele, tal qual se fossem criaturas d
enfiou as mãos até o fundo dos bolsos, numa espécie de vingança. Res
MIDDLEMARCH 629
"Aqui estão todas as jóias que você já me deu. Pode devolver o que
Para muitas mulheres o olhar lançado por Lydgate a ela teria sido
"E quando pensa em voltar?" disse ele, com um travo amargo na voz.
"Oh, à noitinha. Claro que não vou falar no assunto com a mamãe."
resultado foi o que ele disse, com um pouco da antiga emoção em sua voz:
"Unidos como nós fomos, Rosy, você não deveria deixar-me entre-
fazer."
"Não é bom que a coisa seja deixada ao encargo dos criados, nem
que eu tenha de lhes falar a respeito. E serei obrigado a sair cedo - não
sei bem a que horas. Entendo que você queira esquivar-se à humilhação
dessas questões de dinheiro. Mas, Rosamond, meu bem, por uma ques-
possível; já que você é minha esposa, não há como impedir sua partici-
uma relação da prataria que nós podemos devolver, do que pode ser
sarcasmo.
630
GEORGE ELIOT
virando quando Lydgate, que estava bem perto, enlaçou-a com o braço e
Dê -me um beijo."
Seu inato calor humano recebeu uma ducha fria, e é parte da virilida-
envolver em problemas por casar-se com ele. Recebido o beijo dele, ela
rada por ora. Mas Lydgate não se podia impedir de olhar à frente, te-
CAPÍTULO LIX
morte. Miss Winifred, pasma ao descobrir que seu irmão já tinha conhe-
cimento do fato, observou que Cainden era o mais incrível dos ho-
mens, por saber das coisas e não comentá-las; Mary Garth disse que
achou que a notícia tinha alguma relação com o fato de elas só terem
632
GEORGE ELIOT
visto Mr. Ladislaw em Lowick uma vez; e Miss Noble emitiu muitos
miadinhos compadecidos.
tava com eles, e nunca esta discussão voltara à sua mente, até que um dia,
passando pela casa de Mary para dar um recado de sua mãe, por acaso ele
viu Ladislaw saindo, Entre Fred e Rosamond, pouco havia o que dizer um
desprazer dos irmãos, e particularmente agora que ele dera o passo erra-
uma profissão tão simples como a de Mr. Garth. Donde Fred ter preferido
contava e, desde que levado pela primeira vez a pensar na relação entre
que havia, de ambos os lados, uma paixão amorosa, e isto lhe pareceu
Lydgate e Rosamond que ele não sentisse a menor vontade de lhe falar
sobre o assunto; de fato, não confiava muito nas reticências dela sobre
W111. E estava certo; embora não vislumbrasse de que modo sua mente
dado, Rosy, para que não lhe escape nem a mais leve insinuação ao
pelou por não ter ido para Londres, como ameaçara fazer.
costura suspenso entre seus dedos ágeis. "Há um ímã muito forte aqui
pelas vizinhanças."
Wili, galante até certo ponto, mas, por dentro, já a ponto de se zangar.
MIDÖ3LEMARCH
633
prevendo não haver senão um certo cavalheiro com quem Mrs. Casaubon
mântico."
"Meu Deus! o que está querendo dizer?", disse Will, corando até as
bém não desejando outra coisa senão falar a fim de produzir efeitos.
"Não sabe que Mr. Casaubon dispôs em seu testamento que, se Mrs.
"Ouso dizer que ela gosta mais do senhor que da fortuna," disse
"Por favor, não diga nada mais sobre isto," disse Will, num subtorn
"Agora está zangado comigo, não é?" disse Rosamond. "Não está cer-
to guardar rancor a mim. Deveria era agradecer-me por lhe ter contado."
foi-se embora.
Ido ele, Rosamond deíxou sua cadeira e andou para o outro extremo
olhar pela janela. Sentia-se oprimida pelo tédio e por essa insatisfação
banal, que não se refere a nenhum direito real, não nasce de uma paixão
634
GEORGE ELIOT
de impelir à ação, bem como à fala. "Realmente não há muito com que
do de ajuda."
CAPÍTuLo LX
- Justice Shallow.
- juiz Shallow.1
POUCOS DIAS APóS - já era o fim de agosto - houve uma ocasião que
nos negócios; pelo contrário, este era devido ao grande sucesso de Mr.
Larcher no ramo dos transportes, que lhe permitira adquirir uma man-
contemporâneo de Gibbons.2
76).
636
GEORGE ELIOT
leilão de Mr. Larcher tornou-se ainda mais atraente porque a casa, com
O Arvoredo. O leilão era tão bom quanto uma feira, em suma, e todas as
classes que dispunham de lazer a ele acorriam: para alguns, que se arris-
iam ser vendidos, "todo mundo" estava lá; até mesmo Mr. Thesiger, o
reitor da paróquia de Saint Peter, tinha aparecido para dar uma olhada,
onde Mr. Borthrop Trumbull sobressaía com sua banca e o martelo; mas
"Todo mundo" nesse dia não incluía Mr. BuIstrode, cuja saúde não
Aos ouvidos de Will, esta cláusula poderia ter soado satírica, caso
pelo qual ele deveria ficar em liberdade para, a qualquer dia que quises-
MIDDLEMARCH
637
como nosso desejo pôde ser atendido, no entanto - coisas muito mara-
vilhosas aconteceram! Will, sem confessar esta fraqueza a si mesmo, foi-
mesmo tempo que outra, igualmente forte, de o não fazer antes de ver
mais uma vez Dorothea. Donde a resposta que ele deu: tendo razões
atormentada pela idéia de que as pessoas que olhavam para ele provavel-
quer, cheio de más intenções que eram frustradas por uma disposição so-
bre bens. Como a maioria dos que afirmam sua liberdade em relação à
esta afirmação - haver alguma coisa em seu sangue, sua conduta ou seu
caráter que ele mascarava com uma opinião. Sob uma impressão irritante
desta espécie, era capaz de passar dias com um olhar desafiador, mudan-
ante alegria ficaria chocado com o contraste. Mas ele não achou nada
bre Dante - que desdenhavam seu sangue polonês, quando eles mes-
num lugar de destaque, por perto do leiloeiro, com cada indicador num
bolso do colete e a cabeça jogada para trás, não ligando para se dirigir a
ninguém, embora houvesse sido cordialmente saudado como um
638
GEORGE ELIOT
mas Mr. Borthrop Trumbull tinha nas veias um líquido benigno; era, por
martelo, sentindo que ele atingiria um valor mais alto com suas reco-
mendações.
mente seria oferecido sem preço mínimo, sendo, como posso dizer, pela
que ouvi? muito obrigado - meia coroa, para começar, por este guarda-
estilo antigo tem tido muita procura nas altas rodas. Três xelins - três e
ter à mão um guarda-fogo que corte, se você tem uma tira de couro ou
foi largado na forca por falta de uma faca para cortar a corda e arriá-lo.
MIDDLEMARCH
639
obrigado, Mr. Clintup - vamos vender por seis xelins - vamos vender
no papel à sua frente, como sua voz também caiu num tom de indiferen-
te despacho quando ele disse: "Mr. Clintup. Cuide disto, Joseph."
"Vale a pena dar seis xelins para ter um guarda-fogo do qual sempre
se poderá dizer esta graçola," disse Mr. Clintup, rindo baixo, para se
justificar com seu vizinho mais próximo. Tímido, mas respeitado, ele era
como posso dizer: por um lado, vejam, parece uma caixinha portátil,
este lote - pois eu mesmo tenho um desejo por ele. O que melhor que
dizer, a virtude? - é algo que obsta a toda linguagem profana, que liga
tornar
Eis aqui uma amostra: "Como se escreve grama, para fazê-la atrair as
borboletas? Resposta - grana." Ouviram bem? - borboletas - grama
640
GEORGE EMOT
- cinco xelins."
partiram de Mr. Bowyer, e eram de exasperar, pois ele não poderia honrá-
los, e queria apenas impedir outros homens de fazer bela figura. A cor-
rente arrastou até mesmo Mr. Horrock, mas sua entrega à opinião rei-
que o lance talvez nem fosse detectado como dele, sem as imprecações
amistosas de Mr. Bambridge, que queria saber o que Horrock faria com
sair cedo."
regalo. Aqui está uma gravura do Duque de Wellington rodeado por seu
deve deixar levar pelos ventos da política - que um mais belo tema -
MIDI)LEMARCH
641
comes e bebes, dispostos sob um toldo no gramado. Era este toldo que
nente; mas seu terno preto, já bem puído nas beiradas, gerava a prejudi-
cial inferência de que ele não era capaz de se conceder tantos prazeres
como gostaria.
"Quem é que vem aí com você, Bam?" disse Mr. Horrock, de banda.
para a frente outra vez, ele viu o ilustre desconhecido que, para sua
Mr. Trumbull.
"E então, Mr. Ladislaw, e então? Isto aqui lhe interessa como um
principal dos Velhos Mestres, como eles são chamados - creio eu,
todas estão à altura desta - algumas são mais escuras do que tal-
usa itálico para mostrar que o leiloeiro pronuncia "Gaido," e não Guido.
642
GEORGE ELIOT
vez se aprecie, e seus temas não são familiares. Mas aqui temos um
Pois não. Joseph, vire o quadro um pouco para Mr. Ladislaw - Mr.
como vêemf
que uma jóia da arte esteve entre nós aqui nesta cidade, e ninguém em
seis pences - cinco guinétis e dez xelins. Mais, minhas senhoras, mais!
uma jóia, e já se permitiu que "não poucas jóias," como diz o poeta,
tema como este seja arrematado por um preço tão baixo - seis libras e
Mrs. BuIstrode tinha grande desejo pelo quadro e pensando que ele po-
deria chegar a oferecer até doze libras. Mas a obra lhe foi entregue por
dez guinétis, com o que ele abriu caminho em direção à porta do grama-
do e saiu. Como estava com calor e com sede, resolveu ir até o toldo,
onde não havia outros visitantes, para tomar um copo d"água: pediu-o à
mulher que lá atendia; mal ela o foi buscar, teve um instante de desprazer
ao ver entrar o flórido estranho que tinha ficado olhando para ele. Will
tos de tipo inchado que uma ou duas vezes se considerara seu conhecido
por tê-lo ouvido falar sobre a questão da Reforma, e que talvez quisesse
contar uma novidade para ganhar um xelim. Sob esta luz sua pessoa,
Mas isto pouco significava para o nosso velho conhecido Mr. Raffies,
MIDDLEMARCH
643
e, meio furioso, respondeu: "Sim, senhor, era. Mas o que isto lhe inte
ressa?"
apenas e logo de saída "O que isto lhe interessa?" teria parecido uma
evasiva - como se ele ligasse para alguém que soubesse algo de sua
origem!
Raffies, por sua vez, não estava tão ansioso por um choque como o
mantido em suspenso.
"Eu não quis ofendê-lo, meu caro senhor, não quis ofendê-lo! Sim-
péu, virou girando numa perna para se afastar. Will seguiu-o por um
momento com os olhos e pôde ver que ele não regressava à sala do
julgou-se um tolo por não deixar que o homem falasse mais; - mas
de tal fonte.
arranhei o meu francês. Foi em Boulogne que eu vi seu pai - que seme-
644
GEORGE ELIOT
estrangeira. John Bull não produz muitos assim. Mas seu pai estava muito
doente quando o vi. Meu Deus! através das mãos dele quase se podia
"Ah! Bem! Muitas vezes me perguntei que fim levou sua mãe. Era
ainda uma moçoila quando fugiu da casa dos pais - uma moçoila de
qual ela fugiu," disse RafIles com uma piscadela, olhando Will de través.
"O senhor não sabe nada que a desonre," disse Will, já uma fúria ao
se virar para ele. Mas Mr. Raffies nessa hora não e-a sensível às variações
de aparência.
é que era um pouco honrada demais para gostar dos pais - aí é que
boa, de altos lucros, sem erro. Mas Sarah, por Deus, não devia saber de
não quis saber de nada com ele, lhe pôs a culpa. E assim ela fugiu de
tudo aquilo. Eu, meu senhor, viajei para eles, de maneira decente -
gente devota, meu senhor, muito devota - e ela queria ir para o palco.
O filho ainda vivia na época, e a filha estava mal vista. Ora pois! cá
estamos nós no Blue Bull. Que lhe parece, Mr. Ladislaw, se entrássemos
"Não, não posso mais que lhe dizer boa-noite," disse Will, precipi-
tando-se por uma passagem que levava a Lowick Gate - quase corren-
- sua mãe nunca lhe disse por que razão tinha fugido da família.
Pois bem! em que ele, Will Ladislaw, era pior, supondo-se que a
verdade sobre esta família fosse a mais hedionda? Sua mãe enfrentara
MIDDLEMARCH
645
Haveriam de descobrir que o sangue que lhe corria nas veias era tão livre
CAPÍTULO LXI
- Rasselas.
mível resposta.
dentes. Garantiu que era um velho amigo seu e disse que você lamenta-
ria não estar com ele. Queria esperá-lo aqui, mas eu o aconselhei a
bem para mim e disse que seu amigo Nick dava sorte com esposas. Não
"Título pelo qual se tornou mais conhecido o livro The Choice of Lifé, or
Johnson (1709-
1784).
MIDDLEMARCH
647
"Acredito que eu saiba quem ele é, meu bem," disse Mr. BuIstrode,
em sua voz sob controle de hábito, "um desgraçado, um infeliz dissolu-
to a quem ajudei mais que devia, em dias idos. Contudo, presumo que
você não será mais incomodada por ele. Provavelmente ele virá ao Ban-
Nada mais foi dito sobre o assunto até o dia seguinte, quando Mr.
vestir e viu-o sem paletó e gravata, com um braço apoiado numa gaveta
"Estou com muita dor de cabeça," disse Mr. Bulstrode; era tanta a
freqüência com que ele assim se queixava que sua esposa já estava pre-
afetuosa atenção o acalmou. Embora sempre polido, era seu hábito re-
ceber tais serviços com marital frieza, como obrigação da mulher. Hoje
porém, enquanto ela se inclinava sobre seu corpo, ele disse: "Harríet,
voce é muito boa," num tom que para ela tinha alguma coisa de novo;
que novidade era, não sabia exatamente, mas sua solicitude de mulher
verteu-se na repentina idéia de que ele poderia estar com uma doença
incubada.
devassidão."
"Ele já foi embora de vez?" disse Mrs. BuIstrode, ansiosa; por certas
vel, ouvi-lo a se íntitular seu amigo!" Não gostaria de dizer nesse mo-
mento nada que implicasse sua habitual consciência de que as antigas
relações do marido não estavam no mesmo nível que as dela. Não que
soubesse muito sobre tais relações. Que seu marido havia sido de início
na praça, como ele mesmo dizia, e ganho uma fortuna antes dos trinta e
três anos, que se casara com uma viúva muito mais velha que ele - uma
648
GEORGE ELIOT
bom para Mr. BuIstrode ter conquistado a mão de Harriet Vincy; cuja
que a lançada nas vias públicas ou nos pátios das capelas dissidentes de
BuIstrode estava convencida de que ser salva na Igreja era mais respeitá-
vel. Ela queria tanto ignorar, diante dos outros, que seu marido havia
lado até mesmo quando conversava com ele. E ele sabia muito bem
disto; na verdade, sob alguns aspectos tinha até certo medo desta espo-
ele se casara por uma inclinação profunda e ainda subsistente. Mas seus
"Oh, creio que sim," ele respondeu com um esforço para conferir a
patente que sua necessidade de atormentar era tão forte quanto qual-
nas para vir a Middemarch indagar por ele e ver se lhe agradaria morar
pouca, e das duzentas libras ainda lhe restavam algumas: mais vinte e
cinco, por ora, e só, bastar-lhe-iam para despachar-se dali. O que ele
mais tinha querido era ver seu amigo Nick e família, e saber tudo sobre
MIDDLEMARCH
649
talvez voltasse para uma permanência maior. Desta vez Raffies declina-
terror.
ção lastimosa de sua esposa certos fatos de sua vida pregressa que o
merecida vergonha.
mos as costas ainda estão diante de nós, em lugar da relva e das árvores.
Mais uma vez ele se viu quando ainda jovem bancário, agradável
como pessoa e tão esperto com os números quanto fluente em seu dis-
650
GEORGE ELIOT
ponto no qual ele escolheria agora despertar, tomando o resto por so-
sua satisfação ainda mais; seu poder se estendia por um espaço restrito,
cujo efeito o atingia entretanto com intensidade maior. Sem esforço ele
tado por sua religiosidade pela dona da casa, notado por sua capacidade
receu mais indicado para preencher o lugar, cuja vacância era grave-
mente sentida, do que seu jovem amigo BuIstrode, se ele quisesse ser
de penhores das mais grandiosas, quer pela extensão, quer pelos lu-
filial na zona chique, e nenhum sinal de coisa reles ou suja que pudes-
se causar vergonha.
sa não é abrir uma taberna com decoração ostentosa, outra aceitar in-
traçar a linha na qual eles começam nas transações humanas? Até para
Deus, não foi esta a maneira de salvar Seus eleitos? "Sabeis," - o jo-
vem BuIstrode havia dito então, como agora dizia o BuIstrode mais ve-
MIDDLEMARCH
651
lho, - "sabeis que minha alma se assenta distante de tais coisas - que
a todas vejo como ferramentas para cuidar do Vosso jardim, ganho aqui
e ali ao descampado."
a verdade é que BuIstrode se viu levando duas vidas distintas; sua ativi-
dade religiosa não podia ser incompatível com seu trabalho, desde que
deixava o egoísmo mais ávido porém menos capaz de fruir, sua alma se
tornava mais saturada da crença de que ele fazia tudo por amor a Deus,
antes, a única filha tinha fugido de casa, afrontado seus pais e virado
atriz; o filho único por sua vez morreu, e depois de algum tempo Mr.
com toda a riqueza das transaçoes magníficas, cuja exata natureza ela
adorá-lo, como as mulheres muitas vezes adoram seu padre ou seu mi-
nistro "feito homem." Era natural que, passado certo tempo, a idéia de
e anseios por sua filha, de há muito dada por perdida tanto para Deus
quanto para os pais. Sabia-se que a filha se casara, mas ela tinha sumido
por dupla razão quis reaver sua filha. Se ela fosse encontrada, haveria
um canal para os bens - talvez bem largo, com disposições para vários
652
GEORGE ELIOT
Eis aí o mero fato que agora BuIstrode era forçado a ver no rígido
surgir por raciocínios que pareciam prová -la certa. A conduta de Bulstrode
naquela época, pensava ele, tinha sido sancionada por providências no-
táveis, que pareciam indicar-lhe o caminho para ele ser o agente a fazer
cial lá estava - qual seja, eram todos favoráveis a seus próprios fins.
Era-lhe fácil estabelecer o que dele era devido aos outros, procurando
considerável, fosse parar com umajovem mulher e seu marido, que eram
Havia horas em que BuIstrode sentia que sua ação era incorreta; ma
ele retirou seu capital, mas não fez os sacrifícios necessários para encer
rar o negócio, que ainda foi conduzido por treze anos, antes de final
mente vir abaixo. Enquanto isso Nicholas BuIstrode havia usado discre
corantes que estragaram a seda de Mr. Vincy. E agora, quando esta rés
MIDDLEMARCH
653
importante, uma coisa que entrou ativamente na luta dos seus anseios e
homens.
O serviço que ele podia prestar à causa da religião tinha sido vida
afora o motivo que alegava a si mesmo para sua escolha no agir: o moti-
vo ao qual nas suas preces ele dera vazão. Quem usaria dinheiro e posi-
ção social melhor do que ele tencionava fazer? Quem poderia suplantá-
Mr. BuIstrode a causa de Deus era uma coisa distinta da sua própria
Deus, que eram para ser usados meramente como instrumentos e aos
cios onde o poder do príncipe deste mundo mostrava seus mais ativos
ção evangélica do que o uso de frases amplas por motivos estreitos é pe-
culiar aos ingleses. Não há doutrina geral que não seja capaz de corroer
Mas um homem que acredita em algo mais que sua cobiça necessaria-
padrão de BuIstrode havia sido sua dedicação aos serviços pela causa de
654
GEORGE ELIOT
Deus: "Sou um reles pecador, um vaso a ser consagrado pelo uso - mas
usai-me!" - era o molde no qual ele havia comprimido sua imensa ne-
todo.
ção com as próprias mãos. Era realmente diante de seu Deus que
criando uma consciência em seu intimo, ele pensava em por que meios
taneamente ele fizesse alguma coisa correta, Deus o livraria das conse-
proteção. Por fim chegou a uma decisão difícil e escreveu uma carta a
"Está muito satisfeita sim, obrigado; ela saiu com as filhas agora à
MIDDLEMARCH
655
noite. E eu lhe pedi que aqui viesse, Mr. Ladislaw, porque desejo fazer-
fidencial, diria eu mesmo. Nada, ouso crer, jamais esteve tão longe dos
quase tão repulsivos para ele quanto seu lembrado contraste. Com
marcada mudança de coloração, respondeu:
"O senhor tem diante de si, Mr. Ladislaw, um homem muito abala-
solicitado vir aqui esta noite. No que tange a leis humanas, não há direi-
tendo feito uma pausa, apoiava numa das mãos a cabeça e olhava para o
chão. Mas acabou por fixar em Will seu olhar perscrutador e dizer:
"Vim a saber que o nome de sua mãe era Sarah Dunkirk, que ela
fugiu da casa dos pais para aderir ao teatro e, também, que seu pai em
dem na qual era feita uma inquirição que seria de se esperar houvesse
seguia nessa noite a ordem das suas emoçoes; não lhe restavam dúvidas
tar o castigo.
"Não; ela nunca gostava de falar da família. Era uma mulher muito
"Não tenho nada a alegar contra ela. Não será que alguma vez ela
656
GEORGE ELIOT
"Ouvi-a dizer que ela pensava que a mãe não sabia a razão de sua
pausa, acrescentou: "O senhor tem um direito sobre mim, Mr. Ladislaw:
como eu disse antes, não um direito legal, mas um que minha consciên-
cia reconhece. Tornei-me rico por este casamento - algo que provavel-
sua avó pudesse ter descoberto a filha dela. Filha que, suponho, já não
vive mais."
que, sem saber direito o que fazia, pegou seu chapéu no chão e se levan-
alma."
" meu desejo, Mr. Ladislaw, fazer reparações pela privação sucedi-
da a sua mãe. Sei que o senhor não tem fortuna e desejo dotá-lo adequa-
vas. Por vários momentos Will não deu resposta, até que Mr. BuIstrode,
mente, dizendo:
ele mesmo havia previamente decidido ser necessário. Mas, não ousan-
MIDDLEMARCH
657
"Não hei de negar que a conjectura está certa," respondeu com a voz
em falsete. "E desejo fazer uma reparação ao senhor, por ser a única
pessoa ainda viva que sofreu por minha causa uma perda. Confio em
que entenda meu propósito, Mr. Ladislaw, que se reporta a direitos mais
com firmeza:
"Antes de eu dar qualquer resposta a seu oferecimento, devo pedir-
lhe, Mr. BuIstrode, que me responda por seu turno a uma ou duas per-
nosos?"
cena em que teria de se humilhar, mas seu intenso orgulho e seu hábito
não lhe cabe instituir uma inquirição deste tipo," respondeu sem erguer
658
GEORGE ELIOT
que há uma nódoa contra a qual nada posso. Minha mãe, que a sentiu,
tentou manter-se livre dela tanto quanto pôde, e o mesmo farei eu. Pode
BuIstrode ia falar, mas Will, com resoluta rapidez, saiu num instante
dele. Estava por demais possuído por uma rebeldia exaltada, contra a
tar no momento se não tinha sido duro no seu proceder com BuIstrode -
guém senão ele sabia como tudo o que se ligava ao sentimento de sua
sair, e chorou como uma mulher. Era a primeira vez que enfrentava uma
não havia consolo que lhe bastasse. Mas o alívio do choro teve de ser
não ter ouvido, em primeira mão, as coisas interessantes que elas tenta-
CAPÍTULo LXII
- Old Romance.
- Velha romança.
nhã seguinte à sua agitada cena com BuIstrode, escreveu-lhe uma breve
carta, dizendo que várias causas o haviam detido na região mais do que
hora que ela marcasse para o dia mais próximo possível, já que ele tinha
Ladislaw se sentia muito sem jeito por estar propondo novas despe-
para a dignidade de um homem que ele reapareça quando não mais es-
atardava. Ainda assim, era mais satisfatório no todo, para seus senti-
mentos, usar o meio mais direto de procurar estar com Dorothea do que
660
GEORGE ELIOT
por seu desejo, seria bom ela entender que ele queria muito. Quando se
novo aspecto à relação entre eles e tornavam sua separação mais absolu
certo que, segundo o disposto por Mr. Casaubon, o casamento com ele
enfrentar tão duro contraste por sua causa, seria ele capaz de desejar-lhe
ela. A esperança secreta de que, alguns anos mais tarde, ele pudesse
Mas Dorothea não estava em casa, nessa manhã, para receber a nota
palavras dele, que "era bom um pouco de ocupação mental desta espé-
mento de sua permanência. Sir James, com efeito, embora muito alivia-
Sir Jarries ou, pelo menos, justificar sua aversão por um "rapaz" que ele
Standish acabara de lhe dizer uma coisa que, se por um lado justificava
MIDDLEMARCH
661
estava tão diferente dele mesmo, nessa manhã, que se irritava na ansie-
geral evitava, como se fosse, para todos dois, causa de vergonha. Não
podia usar Celia como intermediária, pois não queria que ela também
ter por acaso chegado, já vinha ele imaginando como, com sua timidez e
pouca eloqüência, poderia dar um jeito de lhe fazer a comunicação. A
quisessem.
Dorothea foi retida com o bom pretexto de que Mr. Garth, com quem
ela gostaria de estar, era esperado na mansão na mesma hora, e ela aín-
as alusões necessárias.
inocente. Mas eu já estou tão queimada que não há mais como sujar-me."
"Não digo que isto tenha grande importância," disse Sirjames, avesso
Dorothea saiba que há razões pelas quais ela não deveria recebê-lo ou-
tra vez; e eu realmente não posso dizer isto a ela. Vindo da parte da
virou para juntar-se a eles, parecia que Mrs. Cadwallader havia atraves-
apenas para trocar idéias com Celia, como senhora experiente, sobre o
ouvido falar?
662
GEORGE ELIOT
"Tudo falso!" disse Mrs. Cadwallader. "Ele não partiu, ao que pare
guém entra na casa sem encontrar este jovem cavalheiro deitado no ta-
"A senhora começou dizendo que uma informação era falsa, Mrs
sas a Will, por medo de ser, ela mesma, mal compreendida. Sua face s
espalmadas e disse: "Deus queira que sim, minha querida! - toda ma-
ledicência sobre quem quer que seja, a meu ver, pode ser falsa. Mas
uma pena que o jovem Lydgate tenha desposado uma dessas moças d
exemplo, com quem os pais não sabem o que fazer; e ela tem um dote
- contudo! - ser sensato pelos outros. Mas a Celia onde está? Que tal
entrarmos, hem?"
"Eu já estou de partida para Tipton," disse Dorothea, não sem alti
vez. "Adeus."
MIDDLEMARCH
663
vam e lhe desciam pelo rosto, mas ela não se dava conta. O mundo
parecia tornar-se feio e odioso, sem lugar para a sua confiança. A voz
interior que escutava só lhe dizia uma coisa: "Não é verdade - não é
em que ela encontrara Will Ladislaw com Mrs. Lydgate, tendo ouvido a
"Ele disse que nunca faria nada que eu desaprovasse - e bom seria
mento com Will e uma defesa apaixonada dele. "Todos tentam denegri-
lo diante de mim; mas não hei de ligar para nenhuma dor, se ele não
tiver culpa. Sempre acreditei que era uma boa pessoa." - Estes foram
cocheiro pediu licença para sair por meia hora com os cavalos, pois havia
"Devo ficar aqui um pouco, Mrs. KelIMou até a biblioteca para co-
piar da carta do meu tio as instruções que ele lhe manda. Quer-me abrir
Dorothea, que ao falar saíra andando. "Mr. Ladislaw está lá, procurando
uma coisa."
falta ao arrumar seus pertences na bagagem, e que ele preferia não dei-
idéia de que Will se encontrava ali era-lhe de todo satisfatória por ora,
plação da memorável obra de arte que tinha uma relação com a nature-
za,ta, misteriosa demais para Dorothea. Sorria ainda para a obra e punha
664
GEORGE ELIOT
carta dela esperando por ele em Middemarch, quando Mrs. KelI, às suas
tou Mrs. Kell fechar a porta atrás de si para que os dois se encontrassem:
um olhava para o outro, mas algo que suprimia a expressão oral lhes
uma grande alegria encontrá-lo aqui." Will achou que seu rosto tinha a
primeira vez; pois sua touca de viúva, presa ao chapéu, saíra junto com
este, e ele pôde notar que ela, não fazia muito, havia vertido lágrimas.
tume dela, quando estavam face a face, sentir sempre confiança e a feliz
pessoas poderiam de repente impedir tal coisa? Deixemos pois que soe
"Mandei hoje uma carta a Lowick, pedindo licença para vê-la," disse
W111, sentando-se diante dela. "já estou de partida, mas não poderia ir
"De fato; mas naquela ocasião eu ignorava certas coisas que agora
sei - coisas que alteraram minhas idéias sobre o futuro. Quando a vi
antes, meu sonho era poder voltar algum dia. Não creio, agora, que ja-
thea.
viando o olhar do dela, com irritação na face. "Claro que o devo desejar.
caráter foi posto em dúvida por uma sórdida intriga. Quero que saiba
MIDDLEMARCH
665
dava atrás de dinheiro sob o pretexto de buscar - uma outra coisa. Não
riqueza bastava."
aonde; mas era à janela que de si ficava mais próxima e que, como
ção de Will: queria apenas convencê-lo de que nunca lhe fizera injusti-
ça, a ele que parecia estar a evitá-la como se ela fosse também parte do
mundo hostil.
"Seria muito cruel de sua parte supor que eu jamais lhe houvesse
Num brusco impulso, ao ali vê-la, Will recuou para longe da janela,
cólera, magoou Dorothea, pronta a dizer que tudo aquilo era igualmen-
te duro para ambos e que ela estava indefesa; mas as estranhas particu-
fez necessária."
tos, estas palavras dela soaram cruelmente neutras para ele, que depois
to Dorothea o olhava de longe, ele foi até a mesa para fechar o portfôlio.
tos juntos. O que podia ele dizer, se o que mais obstinadamente se ins-
talara em sua mente era o amor apaixonado por ela, que ele mesmo se
proibira declarar? E o que podia dizer ela, se não tinha como lhe ofere-
cer ajuda - se era forçada a conservar o dinheiro que deveria ter cabido
a ele? - se ele hoje não parecia corresponder como antes à sua simpatia
e confiança profundas?
666
GEORGE ELIOT
da janela.
"Tenho de ir-me," disse, com essa expressão tão típica do olhar que
se associa às vezes a um sentimento amargo, como se ambos estivessem
semos adeus?"
"Sim," disse Will, num tom que parecia afastar por desinteressante
"Oh, que palavras tristes!" disse Dorothea, com uma tendência peri-
certa vez que éramos parecidos por falarmos ambos com expressões muito
fortes."
"Eu não usei palavras fortes agora," disse W111, encostando-se na qui-
uma vez na vida; e ele deve saber, mais cedo ou mais tarde, quando se
acaba o que é melhor para si. Esta experiência me ocorreu quando ainda
sou muito jovem - eis tudo. O que mais me interessa, mais que qualquer
não só por se achar fora do meu alcance, mas interdito também, mesmo se
por tudo aquilo por que eu mesmo me respeito. Claro que continuarei a
viver como pode um homem que, num transe, tenha visto o céu."
Will fez uma pausa, imaginando que seria impossível Dorothea não
a aprovação de si mesmo, por lhe falar de modo assim tão claro; contudo
- não se podia propriamente dizer que fosse cortejar uma mulher parti-
espectral de corte.
com uma visão bem diversa. A idéia de que pudesse ela própria ser o
que mais interessava a Wili fê-la vibrar um instante, mas logo surgiu a
dúvida: a lembrança do pouco que tinham vivido juntos empalideceu-se
e encurtou ante a lembrança que lhe sugeria quão mais completo have-
ria de ter sido o intercurso de Will e outra pessoa com a qual ele se
poderia referir-se a esta outra relação, e o que se passara entre eles era
IVEDDLEMARCH
667
amizade e pela cruel obstrução a isto imposta pelo ato injurioso de seu
tante certeza de que Will se referia a Mrs. Lydgate. Mas por que revol-
tante, se ele queria que ela soubesse que também aqui sua conduta de-
quase furioso, que era preciso acontecer alguma coisa para impedir esta
separação - algum milagre, e não decerto algo contido nas falas delibe-
radas de ambos. Entretanto, tinha ela afinal amor por ele? - era impos-
sível fingir para si mesmo que lhe seria melhor acreditar que ela estives-
se livre desta dor. Era impossível negar que na origem de suas próprias
palavras havia uma aspiração secreta pela certeza de que ela o amava.
Nenhum dos dois soube por quanto tempo eles permaneceram as-
Middemarch."
E estendeu a mão, que Will reteve um instante sem dizer coisa algu-
ma, pois estas suas palavras lhe haviam parecido cruelmente frias, sem
"Nunca eu lhe fiz uma injustiça. Lembre-se de mim, por favor," disse
"Por que precisa dizer isto?" retrucou Will, com irritação. "Como se
to, e o impeliu a sair sem mais delongas. Para Dorothea foi tudo como
fez ao alcançar a porta - a noção de que ele não mais estava ali. Afun-
dando na cadeira, aí ela ficou por instantes, sentada como uma estátua,
668
GEORGE ELIOT
ameaças que jaziam por trás, veio a alegria - uma alegria vinculada à
impressão de ser ela realmente que Will amava e a quem fazia renúncia,
vam, mas - Dorothea respirou fundo e sentiu que lhe voltavam as for-
ças - ela poderia pensar sem constrangimento nele. Nesse momento
gelo que até então a oprimia, sua consciência tinha por onde expandir-
se; seu passado lhe voltava com mais largueza de interpretação. Não era
menor a alegria - talvez na hora fosse até mais completa - por causa
espanto.
tiva age com alegre facilidade, uma pequena exigência à atenção é aten-
dida de todo como se fosse apenas uma fresta aberta à luz solar, agora
era fácil para Dorothea escrever seus lembretes. Foi em tons animados
cheias de viço sob o funesto chapéu. Puxando para trás o molesto "véu
de viúva," ela olhou à sua frente a indagar-se por qual caminho Will
teria ido. Era de sua natureza orgulhar-se por ele ser inculpável, e por
defendê-lo."
graça longe de sua escrivaninha, querendo logo chegar ao fim das via-
va o céu azul, bem afastado da região das grandes nuvens que singravam
ia Dorothea a desejar que pudesse alcançar Will e vê-lo ainda uma vez.
Depois de uma curva da estrada, ei-lo que aparecia com seu portfólio
embaixo do braço; mas no momento seguinte ela o ultrapassava, enquan-
to ele lhe erguia o chapéu, e ela sentiu uma pontada de dor por estar ali
sentada numa espécie de exaltação, deixando-o para trás. Não podia vi-
MIDDLEMARCH
669
afastando-os cada vez mais um do outro e fazendo com que olhar para
trás fosse de todo inútil. Não só ela não mais podia fazer algum sinal que
parecesse dizer: " preciso nos separarmos?" como também não podia
parar a carruagem para esperar por ele. E ainda mais: que mundo de ra-
"Eu só queria ter sabido mais cedo - e queria que ele soubesse -
dado o dinheiro, tomando as coisas mais fáceis para ele!" - eram seus
mais íntima entre eles, que residia na opinião de todos os seus parentes.
Ela sentia por inteiro o imperativo das razões que haviam determinado
a conduta de Will. Como poderia ele sonhar que ela desafiasse a barreira
colocada por seu marido entre eles? - como poderia ela jamais dizer a
estado atual pouco lhe oferecia do que ele almejava, fazia sua conduta
decisão. Afinal de contas, ele não tinha garantias de que ela o amava:
poderia algum homem fingir que se sentia mesmo contente, neste caso,
partido.
LiVRO VII
Duas Tentações
CAPÍTULo LX111
- GOLDSMITH.
- GOLDSMITH.1
"TEM visTo MUITO sua fénix da ciência, o Lydgate, nesses últimos tem-
pos?" disse Mr. Toller num dos seus jantares natalinos, falando para Mr.
var das caçoadas de Mr. Toller sobre sua crença nos novos rumos da
medicina. "Eu moro um pouco longe e ele está sempre muito ocupado."
"Ocupado, ele? Folgo em sabê-lo," disse o Dr. Minchin, num misto
de urbanidade e surpresa.
"Grande parte de seu tempo ele dedica ao Novo Hospital," disse Mr.
Farebrother, que tinha boas razões para insistir no assunto: "Sei disto
pela minha vizinha, Mrs. Casaubon, que vai lá com freqüência. Diz ela
numa coisa ótima. Ele agora apronta um novo pavilhão, para a eventua-
Goldsmith (1728-
1774).
674
GEORGE ELIOT
no que nenhum de vocês tenha certeza plena do que deveria fazer. Quan-
disse o Dr. Minchin, olhando para Toller, "porque ele lhes mandou a
"Para um jovem que ainda está começando, o Lydgate vive num pa-
tamar muito alto," disse Mr. Harry Toller, o fabricante de cerveja. "Su-
isto, ora bolas! Sempre se guarda algum rancor de um homem que con-
disse Mr. Chichely. "Ele não ajudaria muito. Como os parentes do outro
lado hão de ter acorrido, não sei dizer." Havia uma espécie de reticência
"Oh, eu não diria que o Lydgate tenha algum dia pensado em sua
prática como um meio de vida," disse Mr. Toller, com uma ligeira nota
Não era a primeira vez que Mr. Farebrother ouvia alusões ao fato de
mas ele não julgava improvável haver uma reserva de expectativas que
energia abrupta, sempre que tinha algo a dizer. Lydgate falava obstina-
para dizer ou mostrar, não tinha uma só daquelas coisas concretas que
quais ele mesmo costumava insistir, afirmando que "em toda investiga-
ção deve haver uma sístole e uma diástole" e que o -a mente de um ho-
mano como um todo e o horizonte de uma lente." Nessa noite ele pare-
MIDDLEMARCH
675
cia estar falando muito a fim apenas de evitar qualquer questão pessoal;
e não tardou que fossem para a sala de visitas, onde Lydgate, tendo
silêncio, mas com uma estranha luz nos olhos. "Pode ser que ele tenha
tomado um opiato," foi a idéia que passou pela cabeça de Mr. Farebrother
Não lhe ocorreu que o casamento de Lydgate pudesse não ser puro
prazer: como todos, ele achava Rosamond uma pessoa afável e dócil,
bem acabado da educação para moças; e a mãe dele não podia perdoar
Rosamond porque ela nunca parecia dar-se conta de que Henrietta Noble
do para a dignidade pessoal, salvo a dignidade de não ser tolo nem vil,
pronto a ouvi-lo.
Novo, houve uma festa à qual Mr. Farebrother foi convidado com insis-
tes; todos os filhos dos Vincys sentaram-se para jantar à mesa, e Fred
havia convencido sua mãe que, se ela não convidasse Mary Garth, os
Farebrothers poderiam ver nisto uma desfeita a eles, de quem Mary era
amiga íntima. Mary compareceu, e Fred ficou todo animado, se bem que
triunfo que era sua mãe ver a importância de Mary junto às principais
dade de Fred sobre suas próprias vantagens, nos dias em que ele não
676
GEORGE ELIOT
brother," um temor que ainda estava à sua frente. Mrs. Vincy, em pleno
grosso e ondeado, seu rosto tão simples, sem lírios nem rosas, e se es-
díser a cara" dos Garths. Contudo, a festa se mostrou bem alegre, e Mary,
delicadeza com que seus pais a tratavam, e também nada avessa a que
notassem o quanto ela era estimada por pessoas cuja opinião devia ter
desse interesse pela presença do marido que uma esposa amorosa segu-
Lydgate participava das conversas, nunca ela olhava para ele, não mais
do que se fosse uma estátua de Psiquê moldada para olhar noutra dire-
ção: e quando, depois de chamado fora por uma ou duas horas, ele rea-
pose estudada pela qual ela satisfazia sua oposição a ele sem compro-
Rosamond, que por acaso se achava perto dela: "A senhora sempre tem
ele é tão dedicado à sua profissão como Mr. Lydgate o é," disse Rosamond,
curta e correta.
dei conta disto quando Rosamond esteve doente e fui ficar com ela. A
senhora sabe, Mrs. Farebrother, que a nossa é uma casa alegre. Eu mes-
rente de um marido que sai fora de hora, sem que nunca se saiba quando
MIDDLEMARCH
677
voltará para casa, e é de gênio reservado e frio, penso eO - corri este
não costumavam muito agradá-la, mas nunca ela foi uma menina de
mostrar mau gênio; era sempre boazinha que só vendo, desde bebê, e de
uma natureza incomparável. Mas meus filhos, graças a Deus, todos têm
bom gênio."
Facilmente acreditaria nisto quem quer que olhasse Mrs. Vincy ago-
ra, quando ela puxou para trás as largas fitas de sua touca e sorriu na
direção de suas três filhinhas, entre sete e onze anos de idade. Só que na
olhadela sorridente ela foi obrigada a incluir Mary Garth, que as três
meninas haviam encurralado num canto para que ela lhes contasse his-
liciosa que ela sabia muito bem de cor, porque Letty nunca se cansava de
correu então para ela, de olhos arregalados numa excitação muito séria,
o retorno de Louisa ao atraente canto, ela pensou que, se Fred lhe pedis-
Mr. Farebrother foi para lá, sentando-se por trás de Louisa para pegá -la
no colo; bastou isto para que todas as meninas insistissem com ele para
com a eficiência de Mary, caso Mr. Farebrother não a olhasse com óbvia
dar às crianças.
"Oh, eu não me atrevo; já fui posto para trás. Peça a Mr. Farebrother."
a história das formigas que tiveram sua linda casa destruída por um gi-
678
GEORGE ELIOT
gante chamado Tom, o qual achava que elas não se importavam, porque
uma história da sacola, o que vai sair é um sermão. Que tal se eu lhe
lábios.
"Ah, já estou vendo que não dá para pregar no Dia de Ano Novo,"
descoberto que causava ciúme a Fred e que sua própria preferência por
"De fato," disse Mrs. Vincy, obrigada a resp?nder, posto que a velha
senhora, na expectativa, se virasse para ela. "E uma pena ela não ser
mais bonita."
"Eu não diria isto," disse, decidida, Mrs. Farebrother. "A compostu-
ra dela me agrada. Não nos cabe esperar beleza sempre, quando o bom
Deus julgou por bem sem beleza fazer uma excelente -Jovem. Em primei-
se de Mary ainda vir a se tornar sua nora; pois havia uma desvantagem
partida completa para satisfazer sua mae, que considerava seu próprio e
luz sob a qual até uma carta que não é posta na mesa tinha sua dignida-
de. Mas no final ele pediu a Mr. Chichely que lhe tomasse o lugar, e saiu
MIDDLEMARCH
679
brasa. "Como vê, não me custa nada sair da mesa de uíste," prosseguiu
ele, sorrindo para Lydgate, "e agora eu não jogo mais por dinheiro. Se-
"Ah, não queria que eu soubesse, não é? Pois eu diria que esta dis-
sentir que se lhe fez algum bem. Não compartilho do desagrado de al-
guns por ficar devendo um favor; prefiro, palavra, ficar devendo um favor
"Não sei do que está falando," disse Lydgate; "a não ser que se trate
do que eu disse sobre você certa vez a Mrs. Casaubon. Mas eu não pen-
sava que ela fosse quebrar a promessa de não comentar este assunto,"
denhosamente.
não queria que seu desejo de me dar uma ajuda fosse do meu conheci
mento, meu caro amigo. E uma ajuda que decerto se concretizou. Chega
a ser dura prova para a satisfação consigo mesmo constatar que o bem
"Não vejo como conseguir dinheiro sem sorte," disse Lydgate; "se-
guramente é só por sorte, mesmo numa profissão, que um homem ga-
nha dinheiro."
Mr. Farebrother pensou poder atribuir tal ponto de vista, que con-
Tillotson (1630-
680
GEORGE ELIOT
não vai bem nos negócios. E respondeu num tom de bem humorada
aprovação:
"Ah, o mundo, tal como anda, requer enorme paciência. Mas é me-
seu poder."
com aquela frase, se oferecia para ajudá-lo, coisa que não podia agüen-
uma retribuição do favor. Além disto, o que mais devia vir, por trás de
toda oferta assim feita? Se ele "especificasse seu caso," forçoso lhe seria
dar a entender que necessitava de coisas específicas. E o suicídio, no
Mr. Farebrother era homem muito arguto para não captar o sentido
físico, eram tão maciços que pareciam pôr fora de questão, quando logo
"já passa das onze," disse Lydgate. E eles foram para a sala de visitas.
CAPÍTULo LXIV
st Gent. Where lies the power, there let the blame lie too.
der de Dover sobre seu mobiliário e com nada a contar, exceto o lento
pois os belos honorários que lhe tinham vindo de Freshitt Hall e Lowick
Manor foram sorvidos com facilidade - só mil libras pelo menos pode-
olhar ao redor."
682
GEORGE ELIOT
os bens com os quais sorrindo vão regalar seus vizinhos, tornara tão
dão forma ao mau gênio. Mas agora ele era presa dessa irritação ainda
seus prévios desígnios. " nisto que estou pensando; mas naquilo é que o
suas grandes almas caíram por engano; mas a idéia de um ser estupendo
saber de dívidas, a não ser numa escala grandiosa, Sem dúvida, eram
mesmo sórdidos; e para a maioria, que não é excelsa, não há como esca-
par à sordidez senão estando livre do anseio por dinheiro, com todas as
por bom, sua avidez por funções que devem caber a outros, sua freqüen-
quer.
Era por estorcer-se com a idéia de meter seu pescoço sob este jugo
vil que Lydgate havia caído num estado de soturna amargura que au-
MIDDLEMARCH
683
propostas se tornaram cada vez mais concretas. "Nós dois podemos vi-
ver com uma empregada só," dizia então, "e também com um só cavalo
gastos iniciais foram exagerados. O Peacock, como você sabe, vivia numa
casa muito menor do que esta. culpa minha: eu deveria ter pensado
não foi acostumada. Mas nós nos casamos porque nos amávamos, supo-
nho. E isto pode ajudar-nos a ir tocando o barco até que as coisas me-
lhorem. Agora, meu bem, deixe este trabalho de lado e venha para junto
de mim."
e ele a pôs no colo, se bem que ela estivesse, no mais íntimo de si mes-
Com uma das mãos ele a pegou na cintura, e suavemente cobriu as dela
com a outra; pois este homem meio brusco denotava muita ternura nos
haver muitos de nossa classe que com bem menos se ajeitam: devem-se
dele é enorme."
684
GEORGE ELIOT
"De fato, em tudo eles têm mau gosto - tornam a economia feia.
Não é preciso que façamos o mesmo. Eu só quis dizer que eles evitam
"Mas por que sua clientela não há também de ser boa, Tertius? A de
Mr. Peacock era. Você devia ser mais cuidadoso para não melindrar as
que seu começo foi bom, com a conquista de várias boas famílias. O que
não dá certo é ser excêntrico; você devia era pensar no que é do agrado
dade da alma de uma ninfa das águas pode ter seu encanto até que ela se
"Cabe a mim julgar, Rosy, o que devo fazer em minha clínica. Não é
esta a questão entre nós. Basta você saber que nossa renda provavel-
tempo que você dedica ao Hospital: não está certo que tenha de traba-
lhar de graça."
"Foi acertado desde o início que meus serviços iam ser gratuitos. E
"Acho que eu vejo uma saída que nos livraria de boa parte da dificul-
dade atual. Ouvi dizer que aquele rapaz, o Ned Plymdale, vai-se casar
com Miss Sophy Toller. Eles são ricos, e não é comum que haja em
Middemarch uma boa casa vazia. Tenho certeza de que eles gostariam
direção, era evidente que lágrimas lhe haviam brotado, pois de mãos
MIMUMARCH
685
ventário dos móveis que aquele homem andou fazendo, - pensei que
isto já seria o bastante."
"Eu lhe expliquei na época, meu bem. Isto foi só uma garantia, e por
trás desta garantia há uma dívida. E é uma dívida que precisa ser paga
dentro dos próximos meses, porque senão teremos nossa mobília vendi-
da. Se o Plymdale ficar com a casa e com a maioria dos móveis, seremos
capazes de pagar não só esta dívida, mas também algumas outras, e nos
uma casa menor: sei que o Trumbull tem uma muito decente para alugar
por trinta libras ao ano, e esta aqui sai por noventa." Lydgate proferiu seu
se a enxugá -las com o lenço, ela olhava para o grande vaso sobre o conso-
lo da lareira. Nunca ela havia sentido uma amargura tão intensa como a
desse momento. Por fim disse, sem pressa e com cuidadosa ênfase:
"Eu jamais poderia acreditar que lhe agradasse agir deste modo."
nos bolsos para com passos altivos se afastar da lareira; "não é disto que
se trata. Claro está que não me agrada; é a única coisa que me resta
fazer." Depois, girando sobre seus calcanhares ele se virou para ela.
mais zangado.
"Se for para ficarmos nesta situação, será inteiramente por Sua cau-
"Você se nega a proceder como deveria com sua própria família. Você
ofendeu o Capitão Lydgate. Sir Godwin foi muito gentil comigo, quando
alguma coisa por você. Agrada-lhe porém, ao invés disto, dar a Mr. Ned
686
GEORGE ELIOT
respondeu com ainda mais violência: "Bem, se é assim então que voce
quer, isto me agrada. Admito que prefiro esta solução a fazer de mim
mesmo um parvo, indo pedir aonde não adianta. Entenda pois que é
tudo, sua vontade não era porém mais forte que a dela, nem um pouco.
Por sua vez ele saiu de casa e, à medida que seu sangue esfriava,
ta. Era como se no delicado cristal uma rachadura tivesse tido início,
desejos específicos quanto pelos objetivos gerais que ele tinha. A pri-
ainda tinha também um lugar em seu coração, e era de seu intenso dese-
que "ela nunca terá muito amor por mim" é mais fácil de agüentar do
que o medo de que "eu não terei mais amor por ela." Assim, depois
daquela explosão, seu esforço interior foi perdoá-la de todo e pôr a cul-
Mimando-a nessa noite, ele tentou curar a ferida que abrira pela manhã,
com efeito ela recebeu de bom grado os sinais de que o marido a amava
e estava sob controle. Isto porém era uma coisa bem distinta de sentir
MIMUMARCH
"Não," disse Lydgate, "mas vou procurá -lo esta manhã, quando pas-
Rosamond por um sinal de que ela não mais se opunha à idéia, ao levan-
Assim que chegou a hora adequada para fazer uma visita, Rosamond
foi à casa de Mrs. Plymdale, mãe de Mr. Ned, onde logo se derramou em
Plymdale, era bem possível que Rosamond agora tivesse vislumbres re-
cias a vantagem estava toda do lado de seu filho, era mulher muito gen-
til para não se portar com gentileza.
"Pois é, o Ned está feliz da vida, sabe? E a Sophy Toller é tudo o que
eu podia desejar como nora. Claro que o pai tem condições de fazer
alguma coisa bem significativa por ela - não se poderia esperar senão
isto, com uma cervejaria como a dele. A família corresponde aos nossos
anseios. Mas não é no que mais atento. Ela, sim, é que é uma ótima
moça - sem pretensões, sem grandes ares, se bem que num nível de
primeira grandeza. Não me refiro aos que têm titulos de nobreza. Não
vejo nada de muito bom nas pessoas que almejam sair de sua própria
"Vejo como uma recompensa ao Ned, que nunca foi de levantar de-
mais a cabeça, ele ter-se ligado a uma família excelente," continuou Mrs.
como são, poderiam fazer objeções porque alguns dos nossos amigos
não pertencem à sua roda. bem sabido que sua tia Bulstrode e eu
como se todos estivessem abaixo dele, nem é do tipo que se exibe falan-
que não o seja. Isto é um preparo que deixa a desejar, tanto para aqui
687
688
GEORGE ELIOT
"Oh, sem dúvida; as aparências muito pouco têm a ver com a felici-
dade," disse Rosamond. "Tudo indica a meu ver que eles vão ser um
aquela casa da Praça de Saint Peter, vizinha à de Mr. Hackbutt; ela tam-
bém pertence a ele, que a está reformando muito bem. Não penso ser
provável que saibam de uma melhor. Acho aliás que o Ned vai decidir
isto hoje."
"Bem, fica perto da Igreja e num lugar elegante. Mas as janelas são
estreitas, e ela é toda cheia de altos e baixos. Por acaso você sabe de
idéia súbita.
em sua resposta, nada ela pensou a respeito, como também não refletiu
sobre a falsidade que havia quando disse que as aparências pouco ti-
tinha um plano na cabeça que, uma vez executado à risca, provaria que
passo em falso teria sido para ele, se de fato descesse da posição em que
estava.
Ao voltar para casa, ela passou pelo escritório de Mr. Borthrop
Trumbull, a fim de falar com ele. Era a primeira vez em sua vida que
era uma idéia que transformava sua tenacidade calma em invenção ati-
va. Aqui estava um caso no qual não poderia bastar apenas desobedecer
e ser serena, placidamente obstinada: ela tinha de agir segundo seu jul-
não estivesse, com efeito, ela não teria desejado agir com base nele."
aos seus encantos, mas também porque as fibras de bondade que nele
que esta mulher incomumente bonita - esta jovem senhora dos mais
MIDDLEMARCH
689
pedir que ela lhe concedesse a honra de sentar-se, ele se pôs à sua frente
marido havia estado com Mr. Trumbull esta manhã, falando em passar
sua casa.
"Sim, madame, ele esteve aqui; esteve aqui para isto," disse o bom
tarde, se possível, cumprir as ordens que deu. Ele quer que eu aja sem
maiores delongas."
pontas de sua gravata azul com as duas mãos e olhando, cheio de defe-
"Sim, por favor. Vim a saber que Mr. Ned Plymdale já arranjou uma
posta."
sempre que precisar dos meus serviços," disse Mr. Trumbull, que sentia
ele causasse agrado. Ele então pensou: "Se ela ficar feliz e eu me puder
treito pelo qual temos de passar durante uma viagem longa. E eu o farei,
690
GEORGE ELIOT
to Rosamond ia tocando a música serena que era tão útil às suas medi-
pouco tarde; afastados de si todos os livros, ele olhava para o fogo com
"Fui hoje de manhã à casa de Mrs. Plymdale, e ela me disse que ele
já havia ficado com a casa da Praça de Saint Peter que é vizinha à de Mr.
Hackbutt."
Lydgate ficou quieto. Tirou as mãos de trás da cabeça para com elas
testa, ao mesmo tempo em que apoiava nos joelhos seus cotovelos. Sentia
desapontamento. Preferiu não olhar para ela, nem falar, antes de haver
sua amargura, o que pode interessar a uma mulher mais do que a casa e
que nada mais se passasse entre seu marido e o leiloeiro até surgir al-
gum fato novo que justificasse sua interferência; de qualquer modo, ela
sa, disse:
MIDDLEMARCH
691
outros algum por conta, para fazê-los esperar com paciência enquanto
ficarmos na casa?"
possível fazer.
"Por que não mencionar a quantia?" disse Rosamond, com uma li-
paz seria preciso pelo menos mil libras. Mas," acrescentou incisivamen-
te, "tenho de pensar no que fazer sem este dinheiro, não com ele."
Mas no dia seguinte ela pôs em prática seu plano de escrever a Sir
dele e outra de Mrs. Mengan, sua irmã casada, consolando-a pela perda
em Quallingham. Lydgate lhe tinha dito que esta polidez nada significa-
apelo feito por ela e acharia até agradável, por sua causa, comportar-se
692
GEORGE ELIOT
qüência ele estava em dificuldades financeiras, para sair de vez das quais
necessitaria de mil libras. Ela não disse que Tertius ignorava sua decisão
de escrever; pois achava que, supondo-se que ele aprovasse a carta, isto
estaria de acordo com o que ela dizia da grande estima dispensada pelo
marido a seu tio Godwin como o parente que sempre fora seu melhor
amigo. Tal era a força das táticas da pobre Rosamond, agora que ela as
de Sir Godwin ainda não chegara resposta. Mas na manhã desse mesmo
dia Lydgate veio a saber que Rosamond havia revogado sua ordem a
desjejum, disse:
que antes nem pensava em mudança se incline agora a ficar com ela,
desde que a coisa seja anunciada. Nessas regiões rurais, muita gente
continua a viver nas velhas casas de sempre, mesmo quando elas já não
dei que o Trumbull não procurasse mais," disse ela, com uma calma
hora que ele estivera a amarrar suas tranças e a lhe falar na "linguazinha"
mente sorria, mostrando suas covinhas, para o fiel devoto. Com tais
fibras fremindo ainda em seu corpo, o choque que ele recebeu não podia
ser logo e distintamente raiva; era uma dor confusa. Pondo de lado o
garfo e a faca que estava usando, e comprimindo-se contra o espaldar da
tempo, para não ir adiante com o negócio. Sabia que seria muito preju-
e dos móveis, coisa a que eu fazia muita objeção. Creio que era razão
suficiente."
MIMUMARCH
693
outra espécie; não adiantou nada eu ter chegado a uma conclusão diferen-
te, e dado uma ordem de acordo com ela?" disse Lydgate violentamente,
"Não é preciso que me diga outra vez," disse Rosamond numa voz
que saiu pingada e soou como gotas de água fria. "Lembro-me do que
falou. E de que falou com a mesma violência de agora. Mas isto não
muda minha opinião de que você devia tentar todos os outros meios,
a minha?"
"Pode fazê-lo, é claro. Mas penso que me deveria ter dito, antes de
Lydgate não disse nada, mas jogou a cabeça para um lado e espichou os
cantos da boca, em desespero. Rosamond, vendo que ele não estava olhan-
do para ela, levantou-se e colocou diante dele sua xícara de café; sem dar
seu íntimo nem lhe permitiria dar livre vazão à cólera nem perseverar na
"Quando nós nos casamos, todos achavam que sua situação era muito
boa. Eu não podia imaginar então que você chegaria a querer vender
nossos móveis e alugar uma casa em Bride Street, onde os cômodos são
umas gaiolas. Se for para viver deste modo, pelo menos vamos sair de
Middemarch."
694
GEORGE ELIOT
veis, os outros confiam nelas. Tenho certeza de ouvir papai dizer que os
Torbits andaram endividados e por fim se saíram bem. Não pode ser
com isto pelo menos causar uma impressão, ou então de dizer-lhe bru-
talmente que ele era o senhor, e ela tinha de obedecer. Mas ele não
dando a entender que havia sido enganada com uma falsa visão de feli-
sendo torpedeada por ela, ele engoliu metade da xícara de café e levan-
fosse muito sujeita ao medo, achou mais seguro não revelar que ela
havia escrito a Sir Godwin. "Prometa-me que não irá procurá-lo por al-
Lydgate deu uma risadinha. "Sou eu, creio, quem deve obter uma
promessa de que você nada fará sem falar comigo," disse ele, olhando-a
"Não esqueça que nós vamos jantar no papai hoje," disse Rosamond,
à espera de que ele se virasse e lhe fizesse uma concessão mais clara.
Mas ele disse apenas: "Ah, é," impacientemente, e saiu. Ela considerou
muito odioso ele não ter pensado que as propostas que tivera de fazer-
ela lhe pediu para adiar sua volta ao Trumbull, nada assegurar das inten-
ções que tinha. Estava convencida de ter agido, sob todos os aspectos,
MIDUEMARCH
695
bertara do desconforto de estar na casa do pai, mas não lhe dera tudo o
que havia desejado e esperado. O Lydgate por quem sentira amor foi
maioria enquanto seu lugar era ocupado por detalhes cotidianos com os
quais viver lentamente, de hora em hora, e não por entre os quais flutuar
riam sua presença enfadonha para ela. Havia uma outra presença que,
tinha a ver com seu nrofundo ennui- e narecia-lhe (talvez ela estivesse
Casaubon
no desjejum, ele sob um efeito bem mais forte do conflito íntimo de que
a cena dessa manhã fora apenas um dos muitos episódios. Seu esforço
Que deveria ele fazer? Melhor até que a própria Rosamond, via
tristeza que seria levá-la para uma casinha em Bride Street, onde ela
696
GEORGE ELIOT
tro: uma vida de privações e a vida com Rosamond eram duas imagens
que se haviam tomado cada vez mais inconciliáveis, desde que a ameaça
vesse feito a promessa pedida por sua esposa, não voltou a estar com
Trumbull. Começou até a pensar numa rápida viagem ao Norte para fa-
lar com Sir Godwin. Acreditara noutras épocas que nada o forçaria a
fazer um pedido de dinheiro ao seu tio, mas então não conhecia a pres-
mais desagradável que fosse para ele, poderia dar uma explicação bem
neste passo como o mais fácil para advir-lhe uma reação raivosa de que
eles também.
CAPíTULo LXV
que então se espantar se em 1832 o velho Sir Godwin Lydgate foi lento
para escrever uma carta que interessava mais a outros do que a ele
perando uma resposta a seu cativante pedido, a cada dia mais se desa-
tas chegando e sentia iminente o uso a ser feito por Dover da vanta-
Certa manhã, depois de Lydgate ter saído, chegou uma carta a ele
698
GEORGE ELIOT
da, e o fato de lhe vir uma carta e, mais ainda, a própria demora desta
carta pareciam indicar uma resposta bem condescendente. Tais idéias a
deixaram muito excitada para fazer qualquer coisa que não um trabalhinho
posta à sua frente na mesa. Por volta do meio-dia ela ouviu os passos do
mais delicado: "Venha cá, Tertius - há uma carta para você aqui."
"Ah?" disse ele, nem tirando o chapéu, mas já a enlaçando pela cin-
tura com o braço para ir até onde se encontrava a carta. "Do tio Godwin!"
marido, ela viu que seu rosto, em geral de um moreno pálido, ia toman-
do uma brancura sem viço; com os lábios e narinas tremendo ele jogou o
"Será impossível suportar viver com você, se for agir sempre em se-
seguintes termos:
último vintém. Com dois filhos mais novos e três filhas, não é
grande enrascada; quanto mais cedo for para outro lugar, melhor
será. Mas eu, não mantendo relações com homens da sua profissão,
também nisto não lhe posso ajudar. Fiz tudo o que pude como seu
MIDDLEMARCH
daria muito bem para isto, e haveria à sua frente uma perspectiva
você por não ter seguido a profissão dele, mas não eu. Eu sempre
lhe quis bem, mas não se esqueça de que agora você tem de andar
GODWIN LYDGATE."
699
"Será que isto basta para convencê-la do mal que pode causar com
suas intromissões secretas? Terá você suficiente bom senso para reco-
As palavras foram duras; mas não era a primeira vez que ela deixava
Lydgate frustrado. Ela não olhou para ele, nem deu resposta.
til eu pensar no que quer que seja. Você tem sempre agido contra mim
estou fazendo."
lhe rolou sobre os lábios. Nada ainda ela dizia; mas sob esta quietude se
pleto desgosto que ela até desejou nunca o ter visto na vida. A grosseria
problemas que causavam a ela. Até seu pai, que poderia ter feito mais
via senão uma pessoa que ela não via como repreensível, e esta era aquela
70O
GEORGE ELIOT
ao seu gosto.
simplesmente grave, e não amargo, "que nada pode ser tão fatal quanto
zes de eu expressar uma vontade concreta com a qual você parece con-
eu nunca posso saber no que irei confiar. Haveria alguma esperança para
Silêncio ainda.
"Por que não dizer tão-só que esteve errada, e que eu posso confiar
que no futuro você não agirá mais assim?" disse Lydgate, insistindo,
mas num tom algo solícito, que Rosamond percebeu sem demora para
a palavras como as que usa comigo. Não fui acostumada a uma lingua-
pressei deste modo com você, e penso que deva desculpar-se. Disse tam-
você não me tornou a vida agradável. Acho que seria de esperar que eu
pois largou seu chapéu, passou um braço pelo espaldar da cadeira e por
momentos ficou olhando para o chão sem falar. Rosamond levava sobre
MIDDLEMARCH
705
mos obrigados a identificar nossos atos, não mais que os artigos dê inara
Rosamond só sentia que ela estava magoada, e que era isto o que Lydgate
devia reconhecer.
emoções fez com que este temor rapidamente se alternasse com os pri-
fosse cair, não só de sua altiva resolução, mas também nos hediondos
tos. Não posso separar minha felicidade da sua. Se estou zangado com
você, é porque parece que você não vê como qualquer dissimulação nos
aparta. Como poderia eu desejar fazer-lhe algum mal, quer por minhas
vida que estou magoando. Eu nunca me zangaria com você, se você fos-
"Eu quis apenas evitar que você nos precipitasse em desgraça sem
com o bebê."
o próprio rosto, com sua mão carinhosa e forte. Mas apenas acariciou-a;
não disse nada; pois o que havia a dizer? Não podia prometer protegê-la
702
GEORGE ELIOT
deixou para de novo sair, pensou porém que era tudo mais duro para
ela, dez vezes mais, que para si: ele tinha uma vida fora de casa e cons-
desculpar tudo nela - mas era inevitável que nesta sua inclinação à
CAPITuLo LXVI
`Tis one thing to be tempted, Escalus,
Outra é cair.")
LYDGATE CFRTAMFWE tinha boas razões para refletir sobre o serviço que
lhe o impulso a mais necessário para fazê-lo sair um pouco de si. Não
mens tolos à vida respeitável e homens infelizes à vida calma - era uma
704
GEORGE ELioT
mental.
preocupação com ser amado, uma ou duas vezes ele experimentara uma
tais fugas transitórias dos motivos de angústia. Sendo forte, podia beber
vinho à vontade, mas não ligava para isto; tomava água com açúcar,
quando havia a seu redor homens bebendo, e até das primeiras fases da
euforia causada pelo álcool ele sentia pena e desdém. Com o jogo, era a
álcool. já dissera a si mesmo que o único ganho com o qual ele se impor-
aspirava não podia equivaler à emoção dos dedos que se agitam para
agora começou a se voltar para o jogo - não com apetite por sua excita-
ção, mas com uma espécie de cobiçosa contemplação interior desta ma-
neira fácil de ganhar dinheiro, que não acarretava um pedido nem impu-
Paris nessa época, era provável que tais pensamentos, secundados pela
idéia vã de obter ajuda de seu tio, foi um forte sinal do efeito que pode-
roda constituída em sua maioria por homens, como nosso conhecido Mr.
parte de sua memorável dívida, obrigado que fora, após perder dinheiro
MIDDLEMARCH
705
manter entre si sobre o local; não constituíam eles porém uma comunida-
vezes havia pegado no taco no Green Dragon; mas depois não teve mais
que lhe restava e que Lydgate resolvera trocar por um mais barato, espe-
rando com esta redução de estilo ganhar talvez vinte libras; pois ele agora
se preocupava com as menores quantias como meios de ajudá-lo a manter
uma partida só para passar o tempo. Nessa noite ele tinha o brilho pecu-
liar nos olhos e a inabitual vivacidade já percebidos certa vez por Mr.
zes ganhou. Mr. Bambridge já se fizera presente, mas Lydgate nem deu
numa escala maior e onde, por uma entrega breve mas pujante à tenta-
ção do diabo, ele poderia vencer sem se deixar seduzir, e assim pagar por
estudava direito, e o outro era Fred Vincy, que vinha de passar várias
noites neste seu velho antro. Hawley, exímio no taco, trouxe ao jogo de
bilhar novo alento. Mas Fred Vincy, surpreso ao ver Lydgate e ainda
" i,
706
GEORGE ELIOT
meza de ânimo. Por seis meses ele andara a trabalhar com afinco nas mais
que de resto se tornava talvez menos severa por ser posta muitas vezes
em prática, nas noites em casa de Mr. Garth, sob o olhar de Mary. Mas há
róquia; e Fred, nada vendo a fazer que lhe soasse melhor, fora entocaiar-
estrenuamente correto. Não saíra uma só vez para caçar nessa tempora-
da, nem contara com um cavalo seu para montar, tendo andado de um
pangaré muito manso que este lhe podia emprestar. Não era nada bom,
começara Fred a pensar, ser mantido ele atrelado com rigor ainda maior
do que se fosse da Igreja. "Uma coisa eu lhe digo, Dona Mary - apren-
duro do que escrever sermões," havia dito, desejoso de que ela aprecias-
comparados a mim, não eram nada. Eles bem que se divertiam, e nunca
do Mary fora do caminho algum tempo, Fred, tal qual um cachorro forte
jogar bilhar, mas ele estava decidido a não apostar. A essa altura, no
tocante a dinheiro, Fred tinha em mente o plano heróico de poupar ao
máximo, para ir restituindo-as, as oitenta libras, que Mr. Garth lhe pro-
pusera, coisa que lhe seria fácil fazer se se abstivesse de todas as despe-
sas fúteis, já que ele possuía roupas de sobra e nada gastava com seu
de já ter pago na íntegra as noventa libras das quais ele privara Mrs.
MIDDLEMARCH
707
trinta restantes para Mrs. Garth, quando Mary voltasse para casa) -
tinha em mente as tais dez libras como um fundo do qual poderia arris-
car alguma coisa, caso surgisse a oportunidade de uma boa aposta. Por
quê? Bem, por que não pegaria alguns soberanos, quando havia tantos
indo e vindo ao redor? Nunca ele iria longe demais por este caminho
aos prazeres, que há uma hipótese de proceder pelo erro à sua escolha e
que não é por ser um pateta que ele se abstém de fazer mal a si mesmo,
rada.
mesmo poderia ter feito. Fred levou um susto, tão grande que nem po-
çados, como que à visão de algo indecoroso; enquanto Lydgate, com seu
excitada que faz pensar num animal de olhos ferozes e garras retrácteis.
libras; mas com a chegada do jovem Hawley a situação já não era mais a
colocava em dúvida.
708
GEORGE ELIOT
não tão seguro. Embora continuasse a apostar em si mesmo, Lydgate
começou a errar muitas vezes. Ainda assim foi em frente, pois seu espí-
se ele fosse o mais ignorante dos vadios presentes. Fred, notando a rapi-
dez com que perdia, viu-se na nova situação de ter de espremer o cére-
bro para pensar nalgum estratagema com o qual lhe fosse possível, sem
razão para sair dali. Outros percebiam também, como pôde ver, quão
veio que a arrojada improbabilidade de dizer que ele queria falar com
que desceria logo, indo a seguir, com um novo impulso, para indagar de
falar comigo. Ele está lá embaixo. Achei que você gostaria de saber dis-
teria servido a inspiração. Lydgate ainda não dera pela presença de Fred,
"Não, não," disse Lydgate; "não tenho nada em particular para dizer
a ele. Mas - o jogo acabou - tenho de ir-me - só vim aqui para falar
com o Bambridge."
de Lydgate. Seu objetivo presente, estava claro, era conversar a sós com
MIDDLEMARCH
709
tenho um assunto urgente para tratar com você. Que tal nós caminhar-
Era uma bela noite, com o céu coalhado de estrelas, e Mr. Farebrother
propôs que eles dessem uma volta pela estrada de Londres para chegar à
"Eu também," disse Fred. "Mas ele disse que só foi para procurar o
Bambridge."
Fred não pretendia dizer isto, mas foi obrigado a admitir agora: "Es-
tava sim. Mas suponho que por mero acaso. Eu nunca o tinha visto lá
antes."
"Julgo que tenha tido alguma boa razão para abrir mão do hábito?"
"Sim, como aliás o senhor bem sabe," disse Fred, não gostando de
"Não vou fingir e negar que me deva de fato certa obrigação. Vou
Vincy voltou a estar à mesa de bilhar todas as noites - não vai agüentar
por muito tempo o freio," fui tentado a fazer o contrário do que estou
"Que bom saber disto! Mas meu primeiro impulso, garanto, foi ficar
para ser agarrada, já exigiu de você não pouco esforço. Creio que imagi-
ne - estou certo de que sabe - que sentimento fez surgir esta tentação
em mim. Estou certo de que sabe que a satisfação dos seus sentimentos
710
GEORGE ELIOT
mento do fato; e a emoção perceptivel nos tons de sua bela voz dera um
cunho solene às suas palavras. Mas nada era capaz de acalmar a apreen-
são de Fred.
"Não se pode esperar que eu desista dela," disse ele, após um mo-
sidade.
lembrar que ela só está ligada a você sob condições - e, neste caso, um
conquistar este lugar estável, quer no amor, quer no respeito dela, que
ao invés de sua língua tão hábil, dificilmente seu modo de atacar poderia
ser mais cruel. E uma terrível convicção possuiu-o, a de que por trás de
"Decerto sei como é fácil que eu me dê por perdido," disse ele, numa
peu-se porém, pois não queria revelar tudo o que sentia, e então disse,
auxiliado por ligeiro amargor: "Mas eu pensava que o senhor fosse meu
amigo."
"E sou; é por isto que nós estamos aqui. Mas tive forte tendência a
de que este rapaz queira fazer-se mal, por que há você de interferir? Você
não vale tanto quanto ele, e os dezesseis anos que tem a mais e vem
transpondo sempre meio sequioso não lhe dão um direito, maior que o
ta de Fred. O que estaria ainda por vir? Seu grande medo era saber que
um tom maior.
MIDDLEMARCH 711
antiga intenção. Nada poderia ser tão bom, Fred, pensei eu, para me
sava. E agora, espero que me compreenda, quero que você faça a felici-
terei pronunciado."
Saint Botolph - ele estendeu a mão, como que para indicar que a con-
Vincy.
"Você não deve imaginar que eu acredite que atualmente haja algum
declínio na preferência dela por você, Fred. Mantenha em paz seu cora-
çáo que, se você agir como deve, tudo o mais deve dar certo."
posso dizer que me pareça digno de ser dito - só que hei de empenhar-
po, antes de cada qual se despedir da luz das estrelas. Grande parte das
com o Farebrother certamente seria muito bom para ela - mas se ela
pode ser uma boa imitação do heroísmo, assim como conquistá-la pode
CAPÍTULo LXVII
onde não saiu com vontade de aventurar-se outra vez à sorte. Pelo con-
- se por acaso ele houvesse entrado num cassino, onde a sorte era para
ser agarrada com as duas mãos, e não colhida entre o polegar e o indica-
MIDDLEMARCH
713
até que preferiria jogar a assumir a alternativa inevitável que se lhe im-
punha agora.
tivera o orgulho sustentado pela idéia de que fazia bom uso social deste
vos lhe pareciam muitas vezes uma mistura absurda de impressões contra-
ditórias - que acabara por criar para si mesmo fortes obstáculos ideais a
ponto em que os homens se põem a dizer que suas juras foram proferi-
descobriu porém, como aliás suspeitava, que ela já se dirigira a seu pai
duas vezes, sendo a última após a decepção com Sir Godwin; e o papai
tinha dito que cabia a Lydgate se safar sozinho. "Papai disse que, com
um ano ruim depois do outro, teve de negociar cada vez mais com capi-
tal emprestado e abrir mão de muitos regalos: devido aos seus encargos
de família, nem sequer de cem libras ele poderia dispor. E também disse:
"O Lydgate que vá pedir ao Buístrode, pois eles sempre foram unha e
carne.""
pelo menos que corri qualquer outro homem, permitiriam dar ao pedido
714
GEORGE ELIOT
pedir? bem verdade que nos últimos tempos parecia ter havido um
da. Sob outros aspectos não se mostrava mudado: fora sempre muito
polido, mas nele Lydgate havia desde o início notado uma acentuada
entre os dois. Lydgate adiou sua intenção dia a dia, pois seu hábito de
agir com base nas próprias conclusões era enfraquecido por sua repug-
Mr. BuIstrode com freqüência, mas nunca se tentava valer dessas oca-
escrever uma carta: prefiro isto a qualquer conversa indireta;" mas nou-
Os dias porém passavam sem que uma carta fosse escrita ou uma
que tantas vezes lhe causara irritação, qual fosse, que eles se mudas-
rio de fato."
Contra dar este passo, que além do mais ele sentia ser um vil aban-
assim tão depressa. E depois? Numa pobre morada, ainda que na maior
MIDDLEMARCH
entre a ambição científica e uma esposa que se opõe a este tipo de resi-
com Lydgate nessa manhã específica, muito embora nada tivesse a di-
zer-lhe além do que antes já havia dito. Ansioso ele ouviu as palavras de
"Sabe-se que a tensão mental, por mais ligeira que seja, pode afetar
Vela marca profunda que a ansiedade há de por algum tempo deixar até
mesmo nas pessoas vigorosas e jovens. Eu, por natureza, sou muito
forte; entretanto ultimamente tenho sido muito abalado por uma acu-
mulação de problemas."
o cólera, caso esta moléstia vitimasse o nosso distrito. E, desde seu apa-
recimento nas proximidades de Londres, bem que nos convém, para nossa
"Em todo caso o senhor já fez sua parte, tomando boas precauções
muito em preparo pela busca de ajuda, e ainda não fora sofreada. Acres-
centou pois: "A cidade agiu muito bem, no que tange à higiene e à ado-
716
GEORGE ELIOT
"Verdade," disse Mr. BuIstrode, com certa frieza. "E em relação ao
lugar perto da costa - que me seja aconselhado, claro está, pela salubri-
"Nas circunstâncias que acabo de indicar, claro que devo abdicar de qual-
gerir até certo ponto. Por conseguinte, desde que minha decisão de me
outro apoio ao Novo Hospital, além do que irá subsistir pelo fato de ter
mento de Lydgate foi este: "Talvez ele tenha andado perdendo muito
"A perda para o Hospital dificilmente poderá ser suprida, temo eu."
argentada; "a não ser com uma mudança nos planos. A única pessoa
disposta a aumentar suas contribuições com quem se pode certamente
contar é Mrs. Casaubon. Tive uma conversa com ela a este respeito e
apoio."
"A mudança que prevejo é uma fusão com a Enfermaria, a fim de que
MIMUMARCH
717
"Sem dúvida é uma boa solução quanto aos meios e aos fins," disse
Lydgate, com uma ponta de ironia em seu tom. "Mas não se pode espe-
interrom-
per meus métodos, quando mais não seja apenas por serem meus."
com um modo de colocar os fatos que tornava difícil para Lydgate mani-
creio que uma grande fortuna, mas fundos dos quais pode bem dispor.
disse a ela que não é preciso apressar-se - que, de fato, meus próprios
lugar, haveria ganho, e não perda." Mas ainda havia um peso em sua
"Exatamente; é este seu expresso desejo. Sua decisão, diz ela, vai
depender muito do que o senhor puder dizer-lhe. Mas não é para já:
718
GEORGE ELIOT
acredito que ela esteja em preparo para partir em viagem. Tenho aqui
sua carta " disse Mr. BuIstrode, apanhando-a para ler umas frases. "No
gar sobre umas terras que lá tenho de ver podem repercutir em minha
sua confiança em si mesmo, sentiu que seu esforço para obter ajuda, se
gostaria muito deles, se não tivesse a quem pagar por meu turno." Lydgate
"Acabei por cair em dificuldades financeiras das quais não vejo como
possa sair, a menos que alguém que confie em mim e em meu futuro
era o capital que me restava quando vim para aqui, e de minha própria
nossa modesta renda. Verifico estar fora de questão que o pai de minha
esposa venha a fazer tal adiantamento. por isto que relato minha situa-
MIDDLEMARCH
719
selho, Mr. Lydgate, seria que o senhor, ao invés de contrair novas obri-
declaração de insolvência."
do-se e falando com amargura, "ainda que em si mesmo fosse coisa mais
agradável."
meu caro senhor, são o quinhão que aqui nos cabe, e um corretivo ne-
"Muito obrigado," disse Lydgate, sem saber direito o que dizia. "Já
- DANIEL: Musophilus-
mais
conhecidos.
MIDDLEMARCH
721
expos ou que deixou escapar na coriVersa com Lydgate haviam sido de-
terminados nele por uma dura experiência à qual se viu submetido des-
seqüências.
Sua certeza de que Raffies, a não ser que estivesse morto, retornaria
dois males, sentiu que ao menos esta alternativa não seria pior do que o
ter pela cidade erradio. Manteve-o toda a noite em seu próprio quarto e
prazer de seu amigo em receber um homem que já tão útil lhe fora e
ainda não tivera toda a sua paga. Havia um astucioso cálculo sob a estre-
tante mais expressivo como pagamento, para livrá-lo desta nova aplica-
Com efeito, Bulstrode foi mais torturado do que Raffies, com sua
fibra grosseira, seria capaz de imaginar. Dissera ele à sua esposa que
apenas estava tomando conta desta infeliz criatura, vítima do vício, que
de outro modo poderia fazer mal a si mesma; deu a entender, sem recor-
rer à falsidade em sua forma direta, que havia um laço de família que a
exigiam cautela. Ele mesmo iria conduzir para longe, na manhã seguin-
gados, e de justificar sua ordem de que ninguém a não ser ele entrasse
no quarto, mesmo que fosse com comida e água. Mas, lá sentado, to-
722
GEORGE ELIOT
Mulher honesta e direta em seus hábitos, era pouco provável que ela se
so que lhe restava era um desafio enérgico. Após deixar Raffies essa
noite na cama, o banqueiro mandou que pusessem sua carru agem fecha-
fim por nós prefixado em nossa mente e desejo. E é tão-só aquilo de que
acalmasse.
acordá-
Io assim tão cedo, Mr. Raffies, porque mandei que a carruagem estivesse
lo de uma razoável quantia, desde que se enderece a mim por carta; caso
MIDDLEMARCH
72
caso use sua língua de modo que me seja injurioso, o senhor terá de
viver dos frutos eventuais que lhe traga a sua própria malícia, sem ne-
nhuma ajuda minha. Ninguém há de lhe pagar por difamar meu nome:
sei o que pode de pior contra mim, e hei de enfrentá-lo com a necessária
meu senhor, e faça sem barulho o que ordeno, porque senão mando
chamar a polícia para o tirar à força desta casa, e o senhor, ainda que
não terá sequer meio xelim do meu bolso para pagar as despesas que lá
tenha."
Raramente em sua vida BuIstrode havia falado com tal energia ner-
vosa: durante boa parte da noite ele premeditara este discurso pensando
que era isto o que tinha de melhor a fazer. A ameaça deu certo para
deram com o fato de seu patrão, homem rigoroso, que sempre andava
lhe ter dado cem libras. Vários motivos induziram BuIstrode a ser tão
mão-aberta, mas ele não se inquiriu com atenção sobre todos. Enquan-
lhe ter ocorrido que o homem já se alquebrara muito desde a sua primei-
desafiá-lo, fato que julgava ter demonstrado. Mas quando, livre da re-
pulsiva presença, BuIstrode regressou à sua casa pacata, não trazia con-
sigo a confiança de se haver assegurado algo mais que uma trégua. Era
724
GEORGE ELIOT
Qual de nós pode saber o quanto de sua vida interior mais recôndita
tros homens, até que a trama de opiniões assim erguida sofra ameaça de
ruína?
to cuidado ela evitou qualquer alusão ao fato. Dia a dia ele se habituara
certeza de que era observado e medido com uma oculta suspeita de que
guardava algum segredo desabonador fazia sua voz titubear quando ele
mem ao longe - e, apesar de rezar por este resultado, ele mal podia
senão ser para a maior glória de Deus. Tal recuo o impeliu por fim a fazer
peito devessem ser propaladas, neste caso ele estaria a uma distância
num novo cenário, onde sua vida não acumulasse a mesma vasta sensi-
cidade acabaria por ser, como bem sabia, extremamente doloroso para
sua esposa, e por outras razões ele também preferiria ficar onde criara
nal, desejando deixar todas as portas abertas para seu retorno depois de
nas redondezas, sob pretexto de estar com a saúde abalada, sem excluir
talvez acontecesse para evitar o pior, e de que estragar sua vida com um
tado Caleb Garth. Como todos os que tinham negócios desta espécie,
queria trabalhar com o agente que mais zelava pelos interesses do em-
mero capataz, mas sim a arrendar as terras por ano, com os implementos
Mr. Garth?" disse BuIstrode. "E que me diga por quanto sairiam por ano
"Vou pensar nisto," disse Caleb, a seu modo brusco. "Vou ver como
posso resolver."
Não fosse por ele ter de pensar no futuro de Fred Vincy, Mr. Garth
esposa já temia ser demais para ele, devido ao peso dos anos. Mas ao se
separar de BuIstrode, depois daquela conversa, ocorreu-lhe uma idéia
to, ainda teria tempo de sobra para aumentar seu conhecimento ajudan-
do noutras tarefas. Tão patente foi a alegria com a qual ele mencionou a
idéia a Mrs. Garth que ela não pôde nem pensar em arrefecer-lhe o pra-
excesso.
cadeira com uma expressão radiante, "se eu pudesse dizer-lhe que esta-
725
726
GEORGE ELIOT
va tudo arranjado. Pense só, Susan! Durante anos ele andou com este
pouco, comprar o gado. Ele ainda não decidiu, pelo que vejo, se irá ou
"Será você capaz de não tocar no assunto com o Fred, enquanto não
"Oh, não sei," disse Caleb, deixando pender de lado a cabeça. "O
fariam mais tanta falta. Contudo, nada direi até que eu saiba em que
moderado era o interesse de BuIstrode por seu sobrinho Fred Vincy, forte
ele não fez objeções à proposta de Mr. Garth; e havia também outra razão
para que não lamentasse dar um consentimento que iria beneficiar um mem-
bro da família Vincy. Era que Mrs. BuIstrode, ao tomar conhecimento das
ouvir dele que os negócios de Lydgate não eram facilmente resolviveis e que
a solução mais sensata era deixá-los "seguir seu curso." Mrs. BuIstrode dis-
sera então pela primeira vez: "Acho-o sempre um pouco duro para com
minha família, Nicholas. E estou certa de não ter uma razão que seja para
renegar qualquer um dos meus parentes. Podem ser muito mundanos, mas
olhar nos olhos da esposa, que se enchiam de lágrimas, "é bem vultoso
o capital já por mim fornecido ao seu irmão. Não se pode esperar agora
MIDDLEMARCH 727
Mas Mr. BuIstrode, ao se lembrar deste diálogo, percebeu que ficaria
poderia ser benéfica ao seu sobrinho Fred. Por ora ele só comunicara
que pretendia fechar por alguns meses O Arvoredo, alugando uma casa
na Costa Sul.
Daí Mr. Garth ter obtido a garantia que queria, ou seja, que Fred
tes propostos.
estado dos animais e das terras, para chegar a uma avaliação prelimi-
nar. Sua pressa em tais visitas era certamente maior do que a própria
velocidade dos fatos lhe exigiria talvez; mas ele era estimulado pelo
"Bem, bem," replicou Caleb; "o castelo não desabará neste caso so-
CAPÍTULO LXIX
- Eclesiástico."
por volta das três horas do mesmo dia em que aí recebera Lydgate, quando
que Mr. Garth, achando-se presente, pedia para falar com ele.
vor, Mr. Garth," continuou o banqueiro, em seu tom mais cortês. "Que
bom que tenha chegado a tempo de me encontrar aqui. Sei que o senhor
olhou, corpo inclinado para a frente, deixando que por entre as pernas
cada um de per si, como a partilhar alguma idéia abrigada em sua testa
larga e serena.
mado à pachorra com que ele começava a falar sobre qualquer assunto
119:10.
MIDDLEMARCH
729
pelo influxo de ar e luz no local. Era por propostas do gênero que Caleb
tava, e até então os dois iam-se dando bem. Contudo, quando ele vol-
"Espero que não tenha encontrado nada de errado por lá," disse o
banqueiro; "eu também estive lá ontem. O Abel este ano fez um bom
errado - um estranho que, penso eu, está muito doente. Ele quer um
este assunto mantinham-se por demais em alerta para ele ser tomado de
mor nos lábios. "Como ele chegou até lá? O senhor sabe?"
visto com o senhor uma vez, em Stone Court, e me pediu que o levasse.
Vendo que ele estava adoentado, pareceu-me que era o mais correto a
fazer: dar-lhe um abrigo. E agora acho que o senhor, sem perda de tem-
po, deveria pedir ajuda médica." Caleb apanhou seu chapéu no chão, ao
hora ele esteja no Hospital. Primeiro vou mandar que o meu lacaio leve-
lhe a cavalo um recado, neste instante, e depois irei eu mesmo a Stone
Court."
vez o Raffies só tenha falado de sua doença ao Garth. Este pode espan-
tar-se, como há de lhe ter ocorrido outrora, com um tipo assim tão reles
730
GEORGE ELIOT
guntar alguma coisa sobre o que Raffies teria dito ou feito seria trair seu
medo.
"Fico-lhe imensamente grato, Mr. Garth," disse ele, com sua habi-
tos, e então irei ver o que se pode fazer por este pobre coitado. Talvez o
senhor ainda tenha outro assunto a tratar comigo. Sente-se de novo, por
que confie seus negócios a outras mãos que não as minhas. Sou-lhe
BuIstrode.
"Assim tão de repente," foi tudo o que a princípio ele pôde dizer.
"Pois é," disse Caleb; "mas já está decidido. Tenho de desistir do
trabalho."
cravada. Caleb sentiu muita pena, mas não teria como recorrer a pretex-
tos para justificar a decisão, ainda que eles pudessem ser úteis.
"O senhor foi levado a isto, deduzo, por calúnias a meu respeito
" verdade. Não nego que estou agindo com base no que dele ouvi."
prejudicar-me por acreditar sem mais nem menos numa calúnia," disse
benéfica."
mesmo se pensasse que Deus não estava vendo. Espero ser sempre
ditar que este Raffies me contou a verdade. E não posso ser feliz traba-
nham, pois isto me fere a consciência. Devo pedir-lhe que procure outro
agente."
MIDDLEMARCH
731
"Muito bem, Mr. Garth. Mas ao menos devo tentar saber que horro-
res ele lhe disse. Devo saber de que sórdido falatório eu fui transforma -
do em vítima," disse BuIstrode, já se mesclando uma certa dose de raiva
à humilhação que ele sentia diante daquele homem tranqüilo que re-
" inútil," disse Caleb, fazendo um sinal com a mão, inclinando li-
sua piedosa intenção de poupar tão deplorável pessoa. "O que ele me
disse jamais há de passar por meus lábios, a não ser que algo, por ora
uma vida perniciosa e se, com a intenção de obter mais para si, a outros
privou de seus direitos por dolo, ouso crer que se arrependa - que
queira voltar atrás e não possa: e isto deve ser um horror," - Caleb,
guendo a mão. "Sinto muito. Não o julgo dizendo: ele é mau e eu sou
virtuoso. Deus me livre! Eu não sei de tudo. Um homem pode agir mal
e sua vontade, depois disto, sair purificada, embora ele não possa mais
purificar sua vida. Eis aí uma triste punição. Se tal se dá com o senhor -
então confiar na sua garantia solene de que o senhor não irá repetir a
"Por que iria eu dizer isto, se tal não fosse minha intenção? Não tenho
medo do senhor. E histórias como esta nunca me tentarão a falar."
mem depravado."
"O senhor é injusto comigo por assim tão de pronto acreditar nele,"
732
GEORGE ELIOT
negar claramente o que Raffies poderia ter dito; e entretanto vendo uma
saída no fato de Caleb não o haver relatado de modo a lhe pedir uma
acreditar em coisa melhor, mas que possa ser comprovada. Não o privo
expor pecados de um homem, a não ser que haja certeza de que é preci-
bom-dia."
mente à sua esposa que havia tido umas pequenas diferenças com
para ele.
"Ele queria interferir demais, não é?" disse Mrs. Garth, imaginando
que o marido fora atingido no seu ponto sensível por não receber per-
de trabalho.
"Oh," disse Caleb, gravemente meneando a cabeça e sacudindo a
mão. E Mrs. Garth entendeu que este sinal indicava que ele não preten-
guagem de suas esperanças e medos, tal como nós ouvimos timbres que
ção com a qual ele se encolhera tremendo diante de Caleb Garth, pelo
pelo fato de ser Garth, e não outro, o homem a quem Raffies havia fala-
esperança de segredo. Que Raffies fosse atingido por doença, que tives-
se sido levado para Stone Court e não a outro lugar - eis aí ocorrências
MIDDLEMARCH
potente até para determinar a morte. Sabia que devia dizer: "Que seja
Entretanto quando chegou a Stone Court ele não pôde ver sem um
lhe tinha sido tomada. Só viera ali porque estava doente e alguém anda-
va atrás dele - havia alguém no seu encalço: mas ele não tinha dito
de falsidade por dizer que não falara nada, já que ele acabara de contar
Raffies negou com juras solenes, pois o fato é que ocorriam uns claros
nhuma palavra de Raffles sobre o que mais queria saber, ou seja, se ele
não havia falado a mais ninguém nas redondezas além de Caleb Garth.
estivesse muito doente. Concluía-se que deste lado, portanto, não ti-
Rigg e, onde quer que havia herança, a presença dessas moscas zum-
bindo em torno parecia bem natural. Como ele também podia ser "pa-
rente" de BuIstrode não estava tão claro, mas Mrs. Abel concordou
com seu marido não haver "sabência alguma," proposição que lhe soou
734
GEORGE Ei,ioT
"Chamei-o, Mr. Lydgate, para ver um infeliz que foi meu empregado
em conseqüência encontrou seu caminho até aqui. Creio que está muito
da política.
fosse qual fosse o fim de Raffies, por ele Lydgate nunca soubesse mais
nada.
meçar a falar.
uma decisão quanto ao possível efeito das complicações; mas era ho-
não têm experiência. Posso muito bem passar esta noite aqui, se me
"Não creio que seja necessário," disse Lydgate. "Parece que ele sos-
BuIstrode.
"O senhor acha então que o caso tem esperança?" disse BuIstrode,
MIMUMARCH
"A não ser que haja complicações posteriores, como por ora ainda
não detectei - sim," disse Lydgate. "Ele pode passar para um estado
"O homem está muito combalido," pensava ele, "mas suas forças
Acho que ele faz algum teste pelo qual descobre por quem o Céu se
de Lowick Gate. Desde sua primeira conversa com BuIstrode, pela ma-
nhã, não voltara lá, tendo sido encontrado no Hospital pelo mensageiro
do banqueiro; e pela primeira vez vinha para casa sem a visão de algum
necessário para salvá-lo da iminente perda de tudo que tornara sua vida
forto eles podiam dar um ao outro. Era mais suportável haver-se sem
ternura por si mesmo do que ver que sua própria ternura não podia dar
entanto mal se distinguiam para ele daquela dor mais aguda que os do-
736
GEORGE ELIOT
reles mobília, e dos cálculos para saber até quando daria para comprar
assim muito triste que ele desceu do cavalo e entrou em casa, não espe-
rando ser animado a não ser por seu jantar e refletindo que, antes do fim
seu fracasso. Seria bom não perder tempo em prepará-la para o pior.
Mas seu jantar o esperou longamente, antes de ele ser capaz de comê-
mas seus olhos azuis logo se encheram de lágrimas, e seus lábios treme-
ram. O homem forte tinha tido que agüentar demais nesse dia. Perto da
que não devia impedi-la de fazer o que bem quisesse. Em meia hora ela
foi e voltou e disse que papai e mamãe queriam que ela ficasse com eles
meia dúzia viria. Era melhor ela voltar para casa até Lydgate conseguir
MIDDLEMARCH
737
para com ela, que era tanto um impulso emocional quanto uma bem
sistente.
"Vejo que não deseja que eu vá," disse ela, com fria doçura; mas
por que não o diz sem um acesso de violência? Ficarei lá até você me
Lydgate nada mais falou, mas saiu às suas visitas. Sentia-se despe-
Rosamond nunca havia notado. Nem olhar para ele, agora, ela agüenta-
CAPÍTULO LXX
Court, foi examinar os bolsos de Raffies, que ele imaginava conter sinais
outro lugar, a não ser uma datada dessa manhã. Esta, amassada junto
com um prospecto de uma feira de cavalos num dos seus bolsos de trás,
Middemarch. A conta era alta e, como Raffies não trazia bagagem, era
dinheiro para comprar a passagem; pois sua bolsa estava vazia, e nos
bolsos nada havia além de uns meios xelins e uns pences esquecidos.
para Bulstrode estranhos, que satisfação poderia ter Raffies, com seu
MIDDLEMARCH
739
parecia ter agido em relação a Caleb Garth; pois BuIstrode sentia grande
Lydgate, que ele recusou, e à negativa de outras coisas que pediu, pare-
tar sua cólera, sua vingança que o deixava à míngua, e afiançando com
solenes juras que nunca a nenhum mortal tinha dito uma palavra contra
ele. Nem isto BuIstrode achou que gostaria que Lydgate ouvisse; mas
raiar do dia, Raffies pareceu imaginar sem mais nem menos a presença
matar de fome por haver falado, quando ele nunca o havia feito.
tar, mantendo domínio pela fria impassibilidade, sua mente esteve in-
- este esforço para condensar palavras num estado mental sólido era
invadido e permeado pelo vigor írresistível das imagens dos fatos que
Não podia senão ver a morte de Raffies, e nela ver sua libertação. O que
que estava prescrito. Mas mesmo assim poderia haver um erro: as pres-
crições humanas são falíveis: Lydgate dissera que certo tratamento havia
740
GEORGE ELIOT
apressado a morte - por que então seu próprio método não o faria
tudo.
jo. Declarou a si mesmo que pretendia obedecer as ordens. Por que ha-
toda obscuridade parecida com uma ausência de lei. Sem embargo, ele
obedeceu.
maneira como ele recebera sua recusa, a seu ver a atitude justificável que
nele criar um forte sentido de obrigação pessoal. Lamentou não ter feito
rante anos desejou ser melhor do que era - que havia imposto às suas
ras, trouxera-as em sua companhia como um coro devoto até que agora,
bem mais cedo, mas fora detido, disse ele; e BuIstrode percebeu sua
MIDDLEMARCH
741
"Não; ainda penso que ele pode reagir. O senhor vai ficar aqui?"
disse Lydgate, olhando para Bulstrode com esta pergunta abrupta que o
conjectura suspeitosa.
decisão. "Mrs. Bulstrode está sabendo das razões que me prendem. Mrs.
Abel e o marido não têm muita experiência para que fiquem sozinhos, e
e repetiu sua ordem de que o álcool não devia em absoluto ser dado.
grande temor. Ele é capaz de resistir até sem muita comida. Ainda tem
boas reservas."
"Aliás, Mr. Lydgate, não me parece que esteja bem o senhor - fato
incomum e posso até dizer sem precedentes pelo que sei a seu respei-
vor, sente-se."
nei-lhe ontem qual era a situação dos meus negócios. Não há nada a
acrescentar, a não ser que desde então minha casa já foi posta em execu-
ção de fato. Uma frase curta basta para transmitir muito incômodo. Dir-
mim mesmo afligiria uma mudança desastrosa em sua situação. São nu-
742
GEORGE ELIOT
tia. Estou ciente de que a ajuda, nestes casos, para ser efetiva tem de ser
completa."
do em sua casa - pensando em sua vida com seu bom começo salvo da
disse o banqueiro, avançando para ele com o cheque. "E espero que
dificuldades."
sibilidade de acerto."
recusa: isto correspondia ao lado mais generoso de seu caráter. Mas des-
de que ele pôs seu pangaré a galope, para poder chegar mais cedo em
para pagar o agente de Dover, passou-lhe pela cabeça, com uma impres-
pela sua visão, a idéia deste contraste em si mesmo que poucos meses
favor pessoal de monta - que ele estivesse cheio de alegria por arranjar
O banqueiro sentiu ter feito alguma coisa para anular uma causa de
sua inquietude, entretanto não ficou assim tão mais calmo. Não medira
cia de Lygate, mas nem por isto ela estava menos ativa em seu sangue
não se liberta dos meios pelos quais a pode quebrar. Será esta claramen-
te a intenção que tem? Não, de modo algum; mas os desejos que ten-
MIDDLEMARCH
743
caminho para sua imaginação e lhe relaxam os músculos nos próprios
momentos em que ele uma vez mais se repete as razões de sua promes-
forças - como poderia BuIstrode ansiar por isto? A imagem que dava
alívio era a de Raffies morto, e indiretamente ele orava por este meio de
alívio, rogando para que o resto de seus dias na Terra, se possível, ficasse
dia ia avançando, foi-se irritando com a vida que persistia em tal ho-
tão bruta, sobre a qual a vontade, por si mesma, não tinha poder algum.
E ele se disse que estava muito esgotado; não ficaria com o doente esta
hora depois, chamou Mrs. Abel e disse-lhe que já não tinha condições
dose. Mrs. Abel nada sabia até então das prescrições de Lydgate; sim-
do o que ele lhe mandava. Resolveu pois perguntar o que mais ela deve-
"Nada por ora, a não ser oferecer-lhe sopa ou água de soda: preci-
sando de novas indicações, pode vir pedir-me. Não voltarei aqui ao quarto
Em todo caso ele teria de correr este risco. Desceu primeiro até a sala
, W11
744
GEORGE ELIOT
tasse esta noite. Talvez ele manifestasse uma opinião diferente, achas-
co, BuIstrode sentiu que poderia ir para a cama e dormir, dando graças
talvez previsse que o paciente cairia em breve num bom sono e ficaria
a arrastar sua esposa para passar seus últimos anos longe da terra e
dos amigos, com uma suspeita contra ele que levaria seu coração a
estranhá-lo.
quarto, que trouxera consigo para baixo. Lembrou-se de não ter dito a
mexer um bom tempo. Ela já poderia ter dado, a essa altura, mais do
que havia Lydgate prescrito. Esquecer parte de uma ordem, em seu pre-
corredor, fez uma pausa, com o rosto voltado para o quarto de Raffies, e
pôde ouvi-lo gemendo e murmurando. Assim, já que ele não estava dor-
mindo, já que o sono persistia em não vir, quem sabe não seria melhor,
se, Mrs. Abel bateu na porta; abriu-lhe apenas uma fresta, de modo a
quer outra coisa para o pobre infeliz? Ele diz que está afundando e nada
ópio. E repete cada vez mais que está afundando terra adentro."
"Acho que ele vai morrer por falta de sustento, se continuar assim
deste jeito. Eu, quando cuidei do coitado do meu patrão, Mr. Robisson,
MIMUMARCH
745
Mas nem assim Mr. BuIstrode respondeu logo, e ela continuou. "Não
seu desejo, estou certa. De outro modo, eu teria de lhe dar do nosso
rum, de uma garrafa que guardamos conosco. Mas como o senhor tem
A essa altura uma chave foi passada pela fresta da porta, enquanto
e ficou rezando algum tempo. Supõe alguém que a prece solitária seja
ração a esvair-se. Andou então até o jardim, vendo a geada matinal que
pouco entre as três e as quatro horas. Não daria o senhor, por favor, uma
olhada nele? Não pensei que eu fizesse mal em deixá-lo. Meu marido já
sono que restaura a vida, mas no sono que corre cada vez mais fundo
a novamente na adega.
Abel que ela podia ir cuidar do seu trabalho - ele mesmo ficaria com o
doente no quarto.
746
GEORGE ELIOT
agora que sua ausência deveria ser breve. Uma ocasião propícia a algu-
mas economias, a seu ver desejáveis, poderia surgir com seu afastamen-
viesse a assumir boa parte das despesas do Hospital. Deste modo passa-
forçando-o a pensar na vida que ali se desfazia, que outrora havia sido
subserviente à sua - e o deixara bem alegre por ser tão baixa que lhe
deixei-o aos cuidados de Mrs. Abel. Segundo ela, foi entre as três e as
quatro horas que ele caiu no sono. Quando eu cheguei, antes da oito, já
benfeitor para ele. O caso que tinha pela frente o intranqüilizava porém.
sabia como indagar BuIstrode sobre o assunto sem que parecesse insultá-
MIMUMARCH
747
engano.
Políticas. A propósito de Raffies, nada foi dito, a não ser quando BuIstrode
não tinha outros parentes além de Rigg, que ele mesmo declarara lhe ser
hostil.
aquela noite em que Lydgate descera do salão de bilhar com Fred Vincy,
outro homem, não seria assim tão grave; mas no caso de Lydgate era um
dos vários sinais de que ele estava mudando, não parecia mais ser o
tola propagação dos boatos acabara por lhe dar uma idéia, pudessem
influir em tal mudança, Mr. Farebrother achava que ela decorria princi-
que a penhora dos bens já estava sendo feita na casa, o Pastor se decidiu
estender-lhe a mão, que Mr. Farebrother até estranhou. Poderia ser isto
uma orgulhosa rejeição de simpatia e ajuda? Não importava; a simpatia
"Como vai, Lydgate? Vim estar com você por ter sabido de uma
748
GEORGE ELIOT
"Acho que eu sei a que se refere. Ouviu dizer que havia uma penhora
"Sim; é verdade?"
mais feliz, sou capaz de alegrar-me ainda mais com seu gesto. Passei
tomo a liberdade."
"Não acredito que pergunte alguma coisa que me possa ser ofensiva."
"Pois então - isto é necessário para aquietar-me de vez o coraçao
- a fim de pagar suas dívidas - você não fez uma outra - fez? - que
quem agora sou devedor é o Bulstrode. Ele me adiantou uma bela soma
gesto do homem de quem ele não gostava. Seus sentimentos eram tão
" natural que o Bulstrode se interesse pelo seu bem -estar, já que você
intranqüila que apenas poucas horas antes havia denotado seus primei-
MIDDLEMARCH
749
ser puramente egoístas. Deixou pois que as suposições, com toda sua
empréstimo, que lhe estava no entanto mais vívida e presente que nun-
ca, tal como o fato que delicadamente o Pastor ignorava - que sua
"Vou montar uma sala de cirurgia," disse. "Em relação a isto, penso
portar, vou arranjar um aprendiz. São coisas de que não gosto, mas que
meço, tive uma esfoladura bem grave: isto fará com que os pequenos
tiva marca do jugo que ele suportava. Mas Mr. Farebrother, cujas; espe-
tulações efusivas.
CAPÍTULo LXXI
winter.
acha
no inverno.
nisto.")
em seu ócio sob a grande arcada que levava ao recinto do Green Dragon.
Embora não fosse dado à contemplação solitária, ele tinha saído do lo-
bo que encontra alguma coisa que vale a pena bicar. Neste caso, não
havia objeto material do qual se nutrir, mas o olho da razão via uma
forma.
rua, foi o primeiro a agir sob este prisma, pois que, sendo seus fregueses
MIDDLEMARCH
751
principalmente mulheres, maior era sua sede por uns dedos de prosa
que ele não ia desperdiçar muitas palavras com tal interlocutor. Dentro
cia algo de novo; e Mr. Bambridge achou que então valia a pena desfiar
regressar. Aos senhores presentes foi dada a garantia de que, quando lhe
mostrassem alguma coisa para suplantar uma égua baia de raça, de seus
Hereford." Já uma parelha de cavalos pretos que era sua intenção atrelar
ele a Faulkner em 19, por cem guinéus, e por Faulkner revendida dois
perambulando até o Green Dragon, mas, como andasse por acaso pela
High Street e visse Bambridge do outro lado, deu algumas de suas largas
de, Bambridge então era incapaz de conhecer um cavalo assim que nele
pé de costas para a rua, estava combinando uma hora para ver e experi-
752
GEORGE ELIOT
de tom, "que não foi só o seu cavalo de cabriolé que encontrei em Bilkley,
que queira uma informação curiosa, posso fornecê -la gratuitamente. Pois
mente em riste. "Ele esteve no leilão do Larcher, mas eu nada sabia a seu
qualquer quantia, que conhece todos os seus segredos. Comigo porém ele
deu com a língua nos dentes: nossa, como entorna um copo! Não creio,
gabar até mesmo de um tumor num cavalo, como se isto pudesse render
Mr. Hawley.
Bambridge.
MIDDLEMARCH
753
"Sim, Mr. Lydgate. Mr. BuIstrode passou uma noite com ele, que
"Vamos lá, Bambridge," disse Mr. Hawley, com insistência. "O que
tário da Câmara uma garantia de que algo digno de ser ouvido achava-se
ali em curso; e foi em face de sete ouvintes que Mr. Bambridge proferiu
em sua mente pela obtenção de tal fim; apenas aceitara o que parecia
ter-se oferecido. E era impossível provar que tivesse feito alguma coisa
gar sobre o feno, mas na realidade para extrair de Mrs. Abel tudo o que
arranjou uma oportunidade para estar com Caleb, batendo em seu escri-
mas foi forçado a admitir que havia deixado de trabalhar para ele no
esta versão a Mr. Toller. A afirmativa foi passada adiante, até perder por
GEORGE ELIOT
dar uma olhada nos registros e discutir o assunto com Mr. Farebrother,
justiça fosse como sempre suficiente para impedir que sua própria anti-
que tal medo pudesse relacionar-se à generosidade dele para com seu
esta complicação das coisas seria capaz de surtir efeito maligno para a
sabia por ora da brusca liqüidação das dívidas, teve o cuidado de eximir-
discussão sobre o que poderia ter sido, embora não houvesse provas
corso ou cigano."
"Sei que o toma por uma de suas ovelhas negras, Hawley. Na reali-
Farebrother, sorrindo.
"Ah, sim, nisto entra em causa sua propensão liberal," disse Mr.
outro, tinha não só sido capaz de livrar-se da penhora dos bens em sua
MIDDLEMARCH
755
que lhe davam mais corpo e ímpeto, para logo encontrar ouvidos junto a
outras pessoas, além de Mr. Hawley, que não eram tão lentas em ver
evidências diretas; pois já era coisa sabida, nos boatos sobre a situação
de Lydgate, que nem seu sogro nem sua própria família nada fariam por
do Banco, mas também pela própria e ingênua Mrs. BuIstrode, que men-
deitaram mão a seu trabalho para sair com mais freqüência a tomar chá
Mr. Hawley foi o primeiro a convidar seleto grupo, que incluía os dois
ditar que Lydgate não pudesse ser subornado tão facilmente quanto outros
ro. Mesmo que o dinheiro só lhe tivesse sido proporcionado para fazê-lo
não dar com a língua nos dentes acerca do escândalo da vida anterior de
756
GEORGE ELIOT
todo o poder superior que o mistério tem sobre o fato. Todos preferiam
compatível uma licença mais liberal. Para alguns, até o escândalo mais
equivalente ao que lhe "vinha à cabeça." Como vinha, ela não sabia,
mas o fato é que estava lá, diante de seus olhos, como se escrito a giz no
quadro sobre a lareira - "e o BuIstrode poderia dizer, ele que de tão sujo
por dentro era bem capaz de arrancar pela raiz os cabelos, se estes sou-
" bem provável," disse Mrs. Dollop. "Se um biltre disse, mais ra-
zão para que outro o repita. Hipócrita como tem sido, e comportando-se
com toda aquela arrogância, como se não houvesse pela região um pas-
tor à sua altura, ele não pôde senão se aconselhar com o diabo, e o diabo
zuns que ia recolhendo. "Mas tem gente por aí, pelo que eu entendi, que
diz que mesmo antes de agora o BuIstrode já queria fugir, com medo de
ser desmascarado."
MIDDLEMARCH
"Queira ou não queira, ele vai ser enxotado," disse Mr. Dill, o bar-
- que está com um dedo machucado - foi fazer a barba comigo e disse
já ficou contra ele e quer vê-lo fora da paróquia. E o que andam falando
Em voz trêmula, disse Mr. Limp: "Mas pra cidade vai ser ruim, se o
destoavam da bondade que ele estampava no rosto: ", tem gente que é
"Mas o dinheiro não vai ficar com ele, pelo que eu sou capaz de
entender," disse o vidraceiro. "Num tão dizendo que tem gente que vai
homem a zero."
"Diz o Fletcher que não é nada disto. Que podem provar quanto quise-
rem de quem que é filho esse rapaz, o Ladislaw, e será inútil, será igual
"Pois ora vejam só!" disse Mrs. Dollop, indignada. "Dou graças a
Deus por ter levado meus filhos, se isto é tudo o que a lei pode fazer por
um órfão. Então não importa, quem é o pai, quem é que é mãe da gente?
que sempre existem dois lados, quando não mais; não fosse assim, eu
de quem se é filho, essa história de lei, pra lá e pra cá, não passa então
de uma bobagem. O Fletcher pode, como bem queira, dizer isto, mas
"Se eles vão entrar na justiça, e se tudo que o povo anda dizendo é
757
758
GEORGE ELIOT
verdade, então vão ter de olhar mais coisas, num é só o dinheiro não,"
disse o vidraceiro. "Tem esse pobre camarada que tá morto e enterrado:
pelo que eu consigo entender, era um homem mais fino que o BuIstrode,
noutros tempos."
"Homem mais fino! Taí, comprovo," garantiu Mrs. Dollop; "e mais
bem apessoado também, pelo que ouvi falar. Tal e qual quando Mr.
pra cidade foi obtido por falcatrua e ladroeira," - e eu disse: "Bem, pra
olhar pra ele, desde que ele veio aqui na Slaughter Lane querendo com-
prar a casa que está por cima da minha: ninguém olha pra cor do seu
dinheiro e fica encarando a gente como se quisesse ver a gente por den-
tro à toa." Foi isto o que eu disse, e Mr. Baldwin pode comprovar."
pelo que eu entendi, era homem forte e corado, tanto como se pode
querer, e uma ótima companhia - mas agora tá lá, morto e bem morto,
que sabe mais do que devia sobre como é que é que ele foi parar lá."
numa casa isolada, onde quem pode pagar hospitais e enfermeiras para
a metade da região prefere velar por ele em pessoa, dia e noite, e nin-
guém chega perto, só um doutor conhecido por sua falta de escrúpulos "
que era pobre que mal se agüentava, mas depois se encheu de tanto
dinheiro que até pôde pagar a Mr. Byles, o açougueiro, uma conta de
a dominar sua freguesia. Por parte dos mais corajosos, houve um coro de
adesão; mas Mr. Limp, após sorver uma golada, juntou as mãos
espalmadas e comprimiu-as a fundo entre os joelhos, baixando a
quereu uma nova talagada para umidificar-se e tornar-se claro outra vez.
"Por que é que não desenterram o homem pro juiz examinar?" disse
o tintureiro. "Já fizeram isso tantas vezes! Se houve um crime, uma tra-
"Eles não, Mr. JoriasV" disse enfaticamente Mrs. Dollop. "Eu sei como
MIMUMARCH
759
são os médicos. São espertos demais para serem descobertos. E esse Dr.
Lydgate já era por retalhar todo mundo antes mesmo de se exalar dos
corpos o último suspiro - claro está que finalidade ele tinha, examinan-
certo, de que a gente não sente o cheiro nem vê, nem antes nem depois
gotas que a gente nem sabia se estavam ou não no copo, mas que no dia
seguinte faziam um bruto efeito. Pois en - tão, julgue o senhor por si mes-
mo. Tudo o que eu digo é que foi uma bênção que eles não tenham
trazido esse Doutor Lydgate pra nossa associação. Muitas mães, por
gas de Mrs. BuIstrode, antes de Lydgate poder saber claramente por que
as pessoas o olhavam de um modo estranho, e de o próprio BuIstrode
suspeitar da revelação dos seus segredos. Este, não estando nada acos-
sobre diversos tipos de negócios, tendo agora decidido que não precisa-
fruir nesta cidade, junto com suas águas e o ar, e seis semanas lá passa-
sua vida fosse doravante ainda mais devota, em virtude dos últimos pe-
por temor de manifestar uma mudança muito brusca de planos logo após
nada lhe fora revelado sobre a história de Raffies, e BuIstrode ansiava por
nada vir a fazer que pudesse eventualmente dar ênfase às suas indefinidas
760
GEORGE ELIOT
ra a encolher-se muito foi um encontro casual com Caleb Garth, que, con-
os
tância.
face da hesitação dos seus projetos, por algum tempo ele se mantivera na
retaguarda, e agora achava que lhe convinha nessa manhã reassumir sua
da cidade onde esperava terminar seus dias. Entre as várias pessoas que
Todo mundo de distinção parecia ter chegado antes deles. Mas ainda
MIDDLEMARCI-1
761
Lydgate pôde ver outra vez a troca peculiar de olhares, antes de Mr.
interesse público que é vista como preliminar não só por mim, mas tam-
oito de meus concidadãos, que aqui estão em meio a nós. Somos unãoni-
soas que perpetram tais atos, têm de defender-se o melhor que podem,
e é isto o que eu e os amigos que posso intitular de meus clientes no
caso estamos decididos a fazer. Não afirmo que Mr. BuIstrode tenha sido
muitos anos ele se deu a práticas nefandas e conquistou sua fortuna por
desde a primeira menção a seu nome, vinha passando por uma crise
obstante sentiu que seu próprio movimento de ódio ressentido foi con-
Neste, a rápida visão de que sua vida havia afinal sido um fracasso,
762
GEORGE ELIOT
voltava agora contra ele com toda a força peçonhenta das garras de uma
pando todos os temores doutrinários, e que, nisto mesmo que ele ali se
e que sua resposta ia ser um revide. Mas não ousava levantar-se e dizer:
"Não sou culpado, toda essa história é falsa" - e, ainda que cedesse à
desmascaramento, tão inútil quanto puxar, para cobrir sua nudez, um far-
Por alguns momentos houve silêncio total, com todos os que se acha-
dade, ele se apoiava com força contra o espaldar da cadeira; não podia
mãos comprimidas nos dois lados do assento. Mas sua voz era perfeita-
nunciadas com clareza, embora ele fizesse uma pausa entre as senten-
ças, como se lhe faltasse o fôlego. Virando-se primeiro para Mr. Thesiger,
atitudes a meu respeito que são ditadas por ódio virulento. Acreditar
nos libelos lançados contra mim por um linguarudo causa alegria aos
rir um tom mais mordente, até parecer um grito baixo - "quem será
MIDDLEMARCH
763
meu acusador? Não estes homens cuja vida é anticristã e até mesmo
mais altos objetivos, quer em relação a esta vida, quer à vida futura."
- Mr. Hawley, Mr. Toller, Mr. Chichely e Mr. Hackbutt; mas a explosão
"Se é a mim que se refere, meu senhor, desafio-o e a quem quer que
modo como gasto o que ganho, não é princípio meu manter ladrões e
sem necessários padrões de escrúpulo para avaliar suas ações. Mais uma
volvem sua pessoa, ou então a demitir-se dos cargos nos quais de qual-
quer modo já nos recusamos a vê-lo como um colega. Afirmo, meu se-
nhor, que nos recusamos a cooperar com um homem cujo caráter não se
livre das luzes infâmantes que lhe foram Iançadas, não apenas por rela-
tos, mas também por atos recentes."
"Mr. Buistrode, não creio que seja desejável prolongarmos esta dis-
que nos vem de ser feita por Mr, Hawley, movido pelo pensamento de
dar-lhe ampla oportunidade de defesa. Devo porém dizer que sua atual
764
GEORGE ELIOT
que Lydgate percebeu que não lhe restavam forças para caminhar sem
apoio. Que podia ele fazer? Não podia ver um homem, a seu lado, cair
e deste modo conduziu-o para fora da sala; no entanto seu gesto, que
pleno, tal qual ela devia ter-se apresentado a outras mentes. Sentiu-se
então convicto de que este homem que se arqueava trêmulo em seu
braço lhe havia dado as mil libras por suborno e de que o tratamento
no ele o aceitara.
vel desta revelação, ainda assim foi moralmente forçado a levar Mr.
gem por fim a acaloradas discussões entre vários grupos sobre o caso de
BuIstrode - e Lydgate.
que andava muito intranqüilo por "ter ido um pouco longe demais" no
rosa na qual Lydgate tinha passado a ser visto. Mr. Farebrother preten-
mento de Lydgate - um rapaz que ele vira estar muito acima do nível
comum, quando lhe trouxera uma carta de seu tio, Sir Godwin. Mr.
do abaixo de si mesmo.
765
los.
"Oh, querida," disse Mr. Brooke, "nós andamos a ouvir más notícias
ram pelo jardim em direção ao portão que dava para o adro da igreja; e
pressões sobre Lydgate lhe fossem repetidos. Após breve silêncio, fa-
"O senhor não crê que Mr. Lydgate seja culpado de alguma baixeza,
LivRo VIII
CAPÍTULo LXXII
Full souls are double mirrors, making still
Farebrother.
um bom resultado."
creio eu, quase sempre são melhores do que os vizinhos pensam," disse
fdvorável dos outros; e pela primeira vez ela se sentiu algo descontente
770
GEORGE ELIOT
fassem pela força emocional, não lhe agradava nada. Dois dias depois,
ouvindo uma calúnia a seu respeito, fosse querer defendê-lo. Para que
vivemos, se não for para tornarmos a vida, uns para os outros, menos
seu tio, e a experiência que desde então acumulara dava-lhe mais direito
risco de ela cair nalguma nova ilusão, quase tão negativa quanto despo-
sar Casaubon. Ele agora sorria muito menos; quando dizia "Exatamen-
te," em geral era para introduzir uma opinião discordante, não como
va, para sua própria surpresa, que tinha de resolver-se a não temê-lo -
sobretudo porque ele era realmente o seu melhor amigo, mesmo que no
mente o fará."
"Penso que seus amigos devem esperar até que encontrem uma opor-
senti tanta fraqueza em mim mesmo que posso conceber até um homem
menos indireto lhe oferecem por suborno para garantir seu silêncio so-
mentado como eu sei muito bem que o Lydgate estava. Não hei de acre-
ditar em nada de pior sobre ele se não houver prova convincente. Mas
MIDDLEMARCH
771
quem gosta de que ela os interprete num crime: não há prova em favor
- não é uma coisa sólida e inalterável. uma coisa que vive e muda, e
"Então pode ser socorrido e salvo," disse Dorothea. "Eu não teria
medo de pedir a Mr. Lydgate que me contasse a verdade, para que pu-
desse ajudá-lo. Medo por quê? Como eu não vou ficar com as terras,
James, posso fazer como propôs Mr. BuIstrode, e assumir o lugar dele na
fie em mim; e ele talvez me diga coisas capazes de aclarar todas as cir-
cunstâncias. Com todos nós a seu lado, iríamos livrá-lo então de seu
o mundo mais que ela," disse Sir James, com seu típico franzir de cenho.
"Seja lá o que for fazer por fim, Dorothea, no momento você devia ficar
BuIstrode. Não sabemos ainda o que pode acontecer. Não concorda co-
"Sim, sim, querida," disse Mr. Brooke, não sabendo direito em que
ponto da discussão ele entrava, mas vindo com uma contribuição que de
modo geral era apropriada. " fácil, sabe, a gente ir longe demais. Você
não deve acreditar sem refletir nas suas idéias. Quanto a se precipitar
para dar dinheiro a projetos - não pode ser, sabe? O Garth me fez
772
GEORGE ELIOT
me. E você, Chettam, você está gastando uma fortuna com essa cerca de
carvalho em tomo das suas terras."
com Celia para a biblioteca, que por hábito era o seu salão.
,Agora, Dodo, ouça o que diz o James," disse Celia, "Porque senão
você cai numa enrascada. Sempre o fez, e sempre o fará, quando resolve
agir como lhe agrada. Acho que agora é afinal uma bênção que tenha o
James para pensar por você. Ele deixa você ter os seus planos, somente
"Ralmente, Dodo," disse Celia, num tom mais gutural que de hábi
to, "você é contraditória: primeiro uma coisa e depois outra. Você costu
que se ele lhe pedisse até deixaria de vir-me ver para sempre."
"Claro que me submetia a ele, porque era meu dever; era o que eu
sentia por ele," disse Dorothea, olhando através do prisma de suas lágri
mas.
"Então por que não pode pensar que é seu dever submeter-se um
pouco ao que deseja o James?" disse Celia, com uma sensação de vigor
claro que os homens sabem mais sobre tudo, exceto o que as mulheres
sabem melhor."
"Bem, quero dizer sobre bebês e essas coisas," explicou Celia. "Eu
nunca cederia ao James sabendo que ele estava errado, como você cos-
CAPÍTULO LXXIII
Pity the laden one; this wandering woe
que seu marido havia tido uma fraqueza na reunião, mas que ele espera-
va vê-lo logo melhor e voltaria no dia seguinte, a não ser que ela o
mandasse chamar antes, foi direto para casa, montou em seu cavalo e
andou para fora da cidade, para não ficar ao alcance, quase cinco quilô-
metros.
tinha vindo para Middemarch. Tudo o que lhe havia acontecido ali pare-
cia um mero preparo para esta fatalidade odiosa, que se abatera como
uma praga sobre sua honesta ambição, e que devia levar mesmo as pes-
774
GEORGE ELIOT
como emoção que o predispunha à ternura. Pois ele estava muito infeliz.
entender a dor de alguém que cai desta serena atividade na luta absor-
Como ele iria viver sem defender-se entre pessoas que o suspeita-
embora sem dar detalhes, para tornar-lhe totalmente clara sua própria
coisa: tudo o que quis foi manter-me preso a ele por um grande favor:
Temo que o tenha feito. Mas, seja ou não isto, todo mundo acredita que
não pode ser culpado pelo último delito; e é bem possível que sua mu-
louco oferecer seu testemunho em sua própria defesa e dizer: "Não acei-
fortes do que esta afirmação. Ademais, para dizer tudo sobre si mesmo
mentar as suspeitas dos outros contra ele. Deveria dizer que não sabia
para o empréstimo poderia ter surgido com o chamado para ele ir cuidar
MIDDLEMARCH
775
dições de ainda ser tratado quando ele chegou, e ele então imaginasse
prias prescrições passariam por erradas junto à maioria dos seus colegas
o que ele julgava melhor para a vida que lhe confiavam teriam sido o
ponto no qual insistiria com mais rigor. Tal como foi, apoiara-se ele na
fosse, não podiam ser tidas por um crime, de que para a opinião domi-
de que o caso era apenas uma questão de etiqueta. E isto quando, repe-
cuidar da vida, fazendo por ela o que de melhor posso pensar. A ciência
por uma prova válida, pouca diferença faria para a bendita sociedade
assim, a dimínuír-me."
776
GEORGE ELIOT
testa quadrada não eram obra insignificante do acaso. Logo ao voltar para
mal que lhe pudesse ser feito. Não bateria em retirada à calúnia, como se
plenamente seu senso de obrigação para com Bulstrode. Era verdade que
a associação com este homem lhe tinha sido fatal - verdade que, se ainda
tivesse em suas mãos as mil libras, sem pagar nenhuma dívida ele devol-
mais orgulhosos dentre os filhos do homem) - mas nem por isto ele iria
desviar-se daquele pobre mortal tão esmagado, a cuja ajuda havia recorri-
"Farei o que julgo certo, sem dar explicações a ninguém. Para me bani-
rem, vão tentar deixar-me à míngua, mas -" persistia na decisão obstina-
riam trazer.
CAPÍTULO LXXIV
juntos.")
EM MIDDLEMARCH umA esposa não podia ficar muito tempo sem saber
que a cidade tinha de seu marido uma opinião negativa. Amiga íntima
meira oportunidade para deixar suas amigas saberem que você não ti-
delas; e uma candura robusta nunca esperava que sua opinião fosse so-
licitada. Depois, havia o amor à verdade - uma frase ampla, mas que
significava neste contexto uma vívida objeção a ver uma esposa mais
778
GEORGE ELIOT
quem falava não contaria tudo o que tinha em mente, em sinal de res-
rentes modos, esta atividade moral. Mrs. BuIstrode não inspirava anti-
acordo com sua baixa estima dos prazeres terrenos. Quando o escân-
dalo sobre seu marido veio a furo, ocorreu-lhes comentar sobre ela:
"Ah, pobre mulher! Ela é tão pura como a luz do dia - nunca suspei-
o que seria bom ela sentir e fazer nas circunstâncias, que naturalmente
mantinha a imaginação ocupada com seu caráter e história, desde o
tempo em que ela era Harriet Vincy até hoje. · análise de Mrs. BuIstrode
uma coisa negativa para ser "descoberta" a seu respeito. Mrs. Buistrode
chá para um pequeno grupo de amigas, "mas deu um jeito de pôr sua
"Mas não se pode censurá-la por isto," disse Mrs. Sprague; "porque
MIDDLEMARCH
779
ela tinha de ter alguém à sua mesa, já que poucas pessoas, do que há de
"Mr. Thesiger sempre o apoiou," disse Mrs. Hackbutt. "O que agora
"Mas no fundo nunca gostou muito dele - todo mundo sabe disto,
disse Mrs. Tom Toller. "Mr. Thesiger nunca vai a extremos. Atém-se à
pelos livros de orações " do Dissenso e por esta espécie inferior de reli-
Hackbutt. "E pode ser que esteja mesmo, pois dizem que os Bulstrodes
"E é claro que isto põe em descrédito suas doutrinas," disse Mrs.
Sprague, que era mais velha e antiquada em suas opiniões., "Por um bom
"Não creio que se deva vincular as mas ações das pessoas à sua reli-
gião," disse Mrs. Plyrndale que, com sua face de falcão, até então só ouvia.
"Estou certa de não ter razões para ser parcial," disse Mrs. Plymdale,
termos com Mr. Bulstrode, e que Harriet Vincy já era minha amiga muito
antes de se casar com ele. Mas eu sempre mantive minhas próprias opi-
niões e disse a ela onde estava errada, coitada. Ainda assim, no tocante
a religião, penso que Mr. BuIstrode poderia ter feito o que fez, e pior,
entretanto ser homem sem religião. Não digo que não tenha havido até
"Não concordo," disse Mrs. Sprague. "Como você bem sabe, ela o
"Mas o "pior" não pode ser descobrir que seu marido merecia estar
"Sim, penso que é encorajar o crime, haver boas esposas que cuidam
de tais homens e fazem tudo por eles," disse Mrs. Tom Toller.
GEORGE ELIOT
"E boa esposa a pobre Harriet tem sido," disse Mrs. Plymdale.
"Acha o marido o melhor dos homens. verdade que ele nunca ne-
que por enquanto ela não sabe de nada, pobre criatura. Espero muito
que eu não venha a encontrá -la, pois morreria de medo de deixar esca-
par alguma coisa sobre o seu marido. Será que ela já ouviu alguma insi-
nuação?"
"Custa-me acreditar," disse Mrs. Toller. "Dizem que ele está doente
e nunca mais saiu de casa desde a reunião de quinta-feira; mas ela on-
tem esteve com suas filhas na igreja, e todas de chapéus novos, de palha
da Itália. O dela aliás tinha uma pena. Nunca eu pude notar que sua
"Ela sempre usa umas coisas muito bonitas," disse Mrs. Plymdale,
tempo dela. Os Vincys já sabem, pois Mr. Vincy estava na reunião. Vai
ser um golpe para ele. Pois além de sua filha há também sua irmã."
iT, é mesmo," disse Mrs. Sprague. "Ninguém supõe que Mr. Lydgate
obscuro sobre as mil libras que ele aceitou e a morte do tal homem.
"Não tenho tanta pena da Rosamond Vincy quanto de sua tia," dis-
a pena que eu sinto. Com todos os seus defeitos, poucas são melho-
res que ela. Desde menina tinha as maneiras mais corretas, sempre
foi boa de coração e franca como o dia. Suas gavetas, quando quer
Kate e a Ellen. Vocês podem imaginar como seria duro para ela viver
entre estrangeiros."
"Diz o doutor que era o que ele recomendaria aos Lydgates fazer," disse
"Ouso crer que seria muito bom para ela," disse Mrs. Plymdale; "Já
MIDDLEMARCH 781
que é bem do tipo frívolo. Mas isto lhe vem da mãe; nunca de sua tia
BuIstrode, que sempre lhe deu bons conselhos e, pelo que eu sei, prefe-
Mrs. Plymdale achava-se numa situação que lhe causava certa com -
opiniões tão sérias que ela acreditava serem as melhores noutro sen-
peso sobre sua velha amiga, cujos defeitos ela preferiria ver contra
um fundo de prosperidade.
redo. Para o fato de o odioso homem ter chegado doente a Stone Court, e
estava sofrendo apenas de uma doença fisica, mas também de algo que
lhe afligia o espírito. Não permitia que ela lesse para ele, nem que lhe
estava certa, tinha acontecido. Talvez fosse uma grande perda em dinheí-
rido, disse para Lydgate, no quinto dia depois da reunião, quando ela já
782
GEORGE ELIOT
"Por favor, Mr. Lydgate, seja franco comigo: gosto de saber a verda-
"Um ligeiro abalo nervoso," disse Lydgate, sendo evasivo por sentir
"Mas causado por quê?" disse Mrs. BuIstrode, nele pondo, da ma-
crença de que seu marido fora atingido por alguma calamidade, da qual
este ocultamento. Pediu pois às suas filhas que olhassem pelo pai e to-
que iria ver ou ouvir indícios, se por acaso se soubesse de algo errado
que não estava; mas contra isto irrompeu por ela um brusco e forte dese-
"Há quase uma semana que, tirante a igreja, eu não vou a canto
algum," disse Mrs. BuIstrode, depois de algumas observações introdu-
"Sim, esteve simf disse Mrs. Hackbutt, com a mesma atitude. "O
MIMUMARCH
783
"Esperemos que não haja mais casos de cólera para enterrar lá,"
disse Mrs. BuIstrode. " uma aflição horrorosa. Eu porém sempre achei
"Será decerto uma alegria para mim que more sempre em Middemarch,
Mrs. BuIstrode," disse Mrs. Hackbutt, com um leve suspiro. "Mas deve-
mos aprender a nos resignar, seja aonde for que o destino nos conduza.
Embora eu esteja certa de que sempre haverá pessoas nesta cidade que
que ela podia fazer era prepará-la um pouco. Mrs. BuIstrode brusca-
mente sentiu-se fria e trêmula: por trás das palavras de Mrs. Hackbutt,
edificantes sobre os tópicos mais banais, que mal podiam ter relação
temão pensado que lhe seria mais fácil perguntar a Mrs. Plymdale que
a qualquer outra; mas para sua surpresa via agora que uma velha amiga
BuIstrode de que devia ter acontecido era uma grande desgraça, e ela,
ao invés de ser capaz de dizer com sua inata franqueza: "Que é que
você tem na cabeça?" viu-se ansiosa por sair dali antes de ouvir coisa
784
GEORGE ELIOT
que Selina agora, do mesmo modo que Mrs. Hackbutt antes, evitava
notar o que ela dizia sobre o seu marido, como teriam evitado notar
um defeito pessoal.
levasse ao armazém de Mr. Vincy. No breve trajeto, seu pavor juntou tal
força, por ela permanecer na escuridão, que assim que entrou no escritó-
rio, onde seu irmão trabalhava sentado à mesa, seus joelhos tremiam e
sua face geralmente flórida tinha uma palidez mortal. Nele, quando a
Momento talvez pior que todos os que vieram depois. Continha essa
do mundo, foi ficar ao lado dele, com um salto do coração, com seu
ao fim de Raffies.
"Todo mundo vai falar," disse ele. "Até mesmo se um homem for
inocentado por um júri, eles vão falar, sacudir a cabeça, piscar os olhos
- e, do jeito que o mundo anda, um homem bem que pode ser ou não
ser culpado. um golpe fatal, que atinge não só o BuIstrode, mas tam-
acusa de nada. E estarei a seu lado, seja qual for a decisão que tomar,"
MIDDLEMARCH
785
vou-me deitar. Cuide do seu pai, sim? Quero ficar em paz e não vou
jantar."
sua consciência mutilada, à sua pobre vida podada, antes de poder an-
dar com firmeza para o lugar que o destino lhe impunha. Uma luz nova
e inquiridora caíra sobre o caráter de seu marido, e ela não podia ser
que os faziam parecer um odioso engano. Ele se casara com ela ocultan-
dolhe aquele passado negro, e ela já não tinha mais fé para acreditá-lo
inocente do pior que lhe era imputado. Sua natureza honesta e ostento-
sa tornava para ela a partilha de uma merecida desonra tão amarga como
Mas esta mulher pouco instruída, cujas frases e hábitos eram uma
prosperidade ela partilhara por metade quase da vida e que dela gosta-
mais ainda por sua proximidade sem amor. Ela sabia, quando trancou
a porta, que ao destrancá-la deveria estar pronta para ir até seu infeliz
ploro e não hei de reprovar." Mas precisava de tempo para reunir suas
forças; para, aos soluços, dizer adeus à alegria e orgulho de sua vida,
síveís que ela havia começado uma nova vida na qual abraçava a humi-
e, ao invés de usar sua touca cheia de adornos, pôs outra, sem nada,
por cima do cabelo escorrido, que logo lhe conferiu a aparência de uma
metodista pioneira.
BuIstrode, que sabia que sua esposa tinha saído e voltara dizendo
não estar bem, passou o tempo numa agitação igual à dela. Antevira o
bilidade como algo mais fácil de suportar que uma confissão. Mas agora,
786
GEORGE ELIOT
lentamente numa miséria sem piedade. Talvez nunca mais visse, no ros-
ela, nisto que vinha a aproximar-se, achou que ele parecia menor -
velha ternura percorreram-na por dentro como uma grande onda e, pon-
torno da boca, tudo dizia: "já sei"; e suas mãos e seus olhos gentilmente
tendo ela se sentado a seu lado. Ainda não podiam falar-se da vergonha
que ela passava com ele, nem dos atos que a haviam desencadeado. O
pírito como era, não obstante ela se esquivava a palavras que pudessem
Ela não podia dizer: "Quanto há nisto de calúnia e suspeita falsa?" e ele
CAPÍTULo LXXV
1"ínconstance."
- PASCAL.
inconstância.")
- PASCAL. 1
gos. Ela porém não estava alegre: sua vida de casada não correspondia a
ela; mas ele também tinha perdido uma parte de seu espírito d"antes, e
desejo de que ele fosse viver em Londres. Quando não dava esta respos-
ta, ela ouvia languidamente e se perguntava se, pelo que tinha, valia a
788
GEORGE ELIOT
de que ele a princípio despertara para o regozijo ativo; e o que ela con-
secreta, que a fazia receber toda ternura como um pobre substituto para
mente a ter, muito mais admiração por ela; sendo Rosam"ond uma des-
sas mulheres que vivem geralmente pensando que todos os homens que
esperanças. Mrs. Casaubon, sim, tudo bem, mas o interesse de Will por
sempre solteiro e viver por perto, sempre às suas ordens, e de ter por ela
de interesse. A partida dele havia sido para ela uma decepção proporcio-
sua ruminação pesarosa sobre aquele frágil romance que ela alimentara
MIDDLEMARCH
789
por religião, e mais vezes ainda por um amor poderoso. Will Ladíslaw
mandara umas cartas bem engraçadas, meio para ela, meio para Lydgate,
e ela respondera: sentia que sua separação não deveria ser definitiva, e a
mudança pela qual agora ansiava era que Lydgate fosse viver em Lon-
pôs a trabalhar por este resultado, quando de súbito chegou uma deliciosa
menos do que uma carta de Will Ladislaw a Lydgate, que versava prin-
não deixava de mencionar que talvez lhe fosse necessário fazer uma
sídade muito agradável, dizia ele, quase tão boa como as férias para
tinha certeza. Enquanto Lydgate lia a carta para Rosamond, seu rosto
a tudo o que ela antes julgava que poderia afetar sua felicidade. Com a
alegria que se instalara em seu ânimo, pensou que Lydgate tinha apenas
sem falar no assunto com ele, enviar convites para um encontro à noite
" a letra do Chichely. Sobre o que lhe escreve ele?" disse Lydgate,
790
GEORGE ELIOT
intrigado ao lhe passar o bilhete. Ela foi obrigada a deixar que o lesse, e
casa. Suponho que haja convidado outros, e que eles tenham recusa-
do também."
ficando cada vez mais insuportável - não que houvesse alguma nova
qualquer coisa que ele supunha de antemão não fosse interessar a ela já
tudo que se relacionava às mil libras, a não ser que o empréstimo tinha
também sua mãe e o restante da família, que não via há vários dias; e
agora pôs sua touca para ir lá perguntar que fim eles haviam tomado,
minha filha!" e mais nada. Ela nunca tinha visto seu pai tão abatido; e,
Ele não respondeu, mas Mrs. Vincy disse: "Oh, você não ouviu nada,
lhe trouxe. As dívidas já eram péssimas, mas isto ainda será pior."
"Espere, Lucy, espere," disse Mr. Vincy. "Você não ouviu nada sobre
MIMUMARCH
791
mas não fossem coisa já experimentada por ela, e sim alguma força invi
sível que, com mão de ferro, lhe esganava a alma por dentro.
Seu pai contou-lhe tudo, dizendo no fim: " melhor que você saiba,
minha filha. O Lydgate a meu ver deve sair da cidade. As coisas se volta-
ram contra ele, que não teve como o impedir. Mas não o acuso de nada,"
falhas.
Foi um choque terrível para Rosamond, que não podia conceber des-
tino mais cruel que o dela - ter-se casado com um homem que se tor-
Rosamond, para ela sentir nesses momentos que seu problema era me-
ela se casara com este homem na maior inocência, acreditando que ele e
sua família eram para ela uma glória! Como de hábito, mostrou-se re-
ticente com seus pais, e disse apenas que, se Lydgate tivesse feito o que
"Ela está agüentando além da conta," disse sua mãe depois de ela sair.
Mas Rosamond foi para casa com uma sensação de justificada re-
pugnãoncía por seu marido. O que ele havia realmente feito - como
exatamente havia agido? Ela não sabia. E por que não lhe contara tudo?
Ele nem mesmo lhe falara do assunto, e ela, claro, não podia falar. Deu-
lhe até vontade, certa vez, de ir pedir ao seu pai para voltar para casa;
mas a perspectiva logo se lhe mostrou como seria enfadonha: uma mu-
lher casada vivendo novamente com os pais - uma vida assim, para ela,
não parecia ter sentido: nesta situação ela não conseguia se ver.
Nos dois dias seguintes Lydgate, notando nela uma mudança, achou
que poderia ter sabido das más notícias. Falaria com ele, ou iria persistir
792
GEORGE ELIOT
para um lado.
Ele pensou: "Eu sou um tolo. já não desisti de toda esperança? Ca-
sei-me com a preocupação, não com a ajuda." E nessa mesma noite ele
disse:
"Sim," respondeu ela, pondo de lado seu trabalho, que já fazia com
habitual.
se tiver noção de quem sou, há de falar agora e dizer que não crê que eu
merecesse desgraça!"
esperava que viesse de Tertius o que teria de ser dito do assunto. Que
sabia ela? E se ele era inocente, se não procedera mal, por que não fez
fosse dela somente. Para ela, ele era sempre um ser à parte, fazendo
outro da sala. Uma consciência subjacente lhe dizia entretanto que ele
teria de dominar sua raiva e contar tudo a ela e convencê-la dos fatos.
dela e, se a ela faltara simpatia, dar-lhe ainda mais. Logo voltou à inten-
Irprta gravidade que havia uma calúnia a enfrentar, e não da qual sair
"Não -riam ser unos na decisão de viver com o mínimo possível, para
MIDDLEMARCH
793
intranqüilo, mas Rosamond achou que por muito, preferindo que ele se
sentasse. Ela também achava que a oportunidade era boa para conven-
cer Tertius do que ele deveria fazer. Fosse qual fosse a verdade sobre
disse:
"Naturalmente, Tertius
"Hem?"
para Londres. Papai, todo mundo diz que é melhor você ir. Seja qual for
novo aquela velha história, que ele já não podia agüentar. Com uma
nação de ser mais, porque ela era menos, a noite tivesse tido melhor
influência de um ser mais sólido que o seu. Tomadas de assalto, elas são
tarefa.
ço em vão. Eles assim continuaram a viver dia a dia com seus pensamen-
tos à parte, Lydgate saindo, para o pouco trabalho que tinha, num clima
794
GEORGE ELIOT
sendo cruel. De nada adiantava dizer alguma coisa a Tertius; mas, quan-
CAPÍTULo LXXVI
rado, pois seguira-se a uma carta de Mr. BuIstrode na qual este declarava
796
GEORGE ELIOT
teor ainda aderia. Fora de seu dever, antes de dar novos passos, reabrir a
do Buistrode tornou a lhe falar do hospital, sentiu que a ocasião que não
ia longe quanto ao destino dos outros, mas suas emoções estavam presas.
A idéia de uma boa ação ao seu alcance "obeecava-a como uma paixão," e
da sua comodidade. Para essa conversa com Lydgate, estava cheia de es-
perança, não ligando para o que se dizia sobre ser ele muito reservado;
nem para o fato de ela ser uma mulher muito jovem. Nada lhe parecia
mais descabido do que insistir em sua juventude e sexo, quando ela esta-
referiam a seu casamento e seus problemas - mas não; havia duas oca-
sua esposa e alguém mais. A dor diminuíra para Dorothea, mas deixara-a
mentos, para ela, eram como um drama, punham brilho em seus olhos e
davam uma atitude de suspense a toda sua figura, embora ela estivesse
particularmente perceptível para ela que não o via há dois meses. Não
era a mudança do emagrecimento, mas esse efeito que até mesmo rostos
mento e desânimo. Quando ela estendeu a mão para ele, sua aparência
cordial lhe abrandou a expressão, mas apenas tingindo-a de melancolia.
"Há um bom tempo que eu desejava muito vê-lo, Mr. Lydgate," dis-
MIMUMARCH
797
se Dorothea quando eles se sentaram face a face; "mas tanto adiei que
só lhe pedi para vir depois que Mr. BuIstrode voltou a me falar do hospi-
de querer fazer tendo-o sob seu controle. E estou certa de que não se
"A senhora quer decidir se deve dar ao hospital uma generosa aju-
mudar da cidade."
erros a seu respeito. Desde o inicio eu sabia que eram erros. O senhor
que, respirando fundo, disse: "Muito obrigado." Mais não poderia dizer:
era muito novo e estranho em sua vida que estas poucas palavras de con-
coisa que em seu estado de sobriedade já fora decretada por ele irrazoável.
"pois depois poderemos conversar. Não é bom deixar que os outros, por
sua caridade, muda a luz para nós: começamos a ver as coisas de novo
para a vida como um homem que, sendo arrastado, se põe a lutar com a
798
GEORGE ELIOT
risse ter passado sem ele. O Bulstrode anda muito mal, acossado, e já
com a vida por um fio. Mas eu gostaria de contar-lhe tudo. Para mim
nhora há de sentir o que é justo para um outro, como sente o que é justo
para mim."
"Confie em mim," disse Dorothea; "nada repetirei sem sua permis-
são. Mas pelo menos eu poderia dizer que o senhor me tornou todas as
circunstâncias claras, e que sei que não tem culpa de nada. Mr. Farebrother
acreditaria em mim, como meu tio e Sir James Chettam. Aliás, posso
ela iria fazer, era quase passível de ser tomada por prova de que o faria
por fim o assaltaram, sobre seu ideal do dever médico e o temor de sua
reconhecida.
799
ro, de que o BuIstrode tinha fortes motivos para querer que o homem
móia contra o paciente - de que eu, seja como for, aceitei um dinheiro
para não soltar minha língua. São justamente tais suspeitas as que se
e nunca podem ser negadas com provas. Como minhas ordens vieram a
nosas - possível até que a desobediência nada tenha a ver com ele, que
ele talvez apenas não mencionasse o fato. Mas, para o que os outros pen-
ta-se que ele tenha cometido um crime só porque não lhe faltava o motivo
espiga que se estraga - a confusão está feita e não pode ser desfeita."
se defender. E que tal lhe tenha ocorrido, ao senhor que quis levar uma
ater-me à idéia de que isto seja imutável. Sei que foi o que quis. Lem-
primeira vez. Sobre nenhuma outra dor tenho pensado mais do que nes-
"Pois é," disse Lydgate, sentindo que ali encontrava espaço para
de. Os obstáculos mais terríveis são porém de tal ordem que ninguém os
pital seja mantido por nós segundo o plano atual, e que o senhor conti-
nue aqui, embora contando apenas com a amizade e apoio de uns pou-
nhecer que haviam sido injustas, porque veriam que os seus objetivos
eram puros. O senhor ainda pode conquistar grande fama, como o Louís
80O
GEORGE ELIOT
destruí-la. Mesmo assim, não posso pedir a alguém que ponha um bom
"Pense bem. Sinto-me muito pouco à vontade com meu dinheiro, por-
que eles dizem que eu tenho pouco para qualquer grande obra do tipo
que mais me agrada, e no entanto tenho muito. O que fazer, não sei.
Tenho setecentas libras de renda por ano de minha própria fortuna, mais
novecentas por ano que Mr. Casaubon me deixou, e de três a quatro mil
pagaria pouco a pouco com a parte de minhas rendas de que não preci-
so, para comprar uma terra e fundar uma aldeia que seria uma escola de
indústria; mas Sir James e meu tio me convenceram de que era muito
arriscado. Como vê, nada me alegraria mais do que ter um bom fim para
dar ao meu dinheiro: eu gostaria que ele tornasse a vida para os outros
melhor. algo que me incomoda muito - sendo demais para mim que
impreciso e sem alcance, pouco ajudado por sua imaginação.) Mas ela
"Espero que agora o senhor veja como falava com excessivos escrú-
pulos," disse ela, num tom de persuasão. "O hospital seria um bom fim;
também o dinheiro para fazer tudo isto; se isto fosse possível," disse ele.
"Mas _"
samente:
Dorothea sentiu que seu coração começou a bater mais rápido. Teria
ele este sofrimento também? Mas ela temeu dizer alguma coisa a respei-
"Não posso agora fazer nada - dar nenhum passo - sem levar em
MIDDLEMARCH
80O
vesse sozinho, tornou-se para mim impossível. Não consigo vê-la so-
frendo. Para ela, que se casou comigo sem saber o que a esperava, não o
visse forçado," disse Dorothea, com vívida memória de sua própria vida.
"E ela é contra nós permanecermos aqui. Quer mudar-se. Está can-
"Mas quando ela vir o bem que pode advir da permanência -" disse
deu logo.
mesmo, na verdade, perdi todo o ânimo para continuar minha vida aqui."
Outra vez fez uma pausa e depois, seguindo o impulso de levar Dorothea
a se enfronhar cada vez mais nas dificuldades de sua vida, disse: "O fato
é que este problema se abateu sobre ela de maneira muito confusa. Nós
não conseguimos conversar sobre o caso, nem sei direito o que ela pôs
baixeza. E é culpa minha; eu deveria ser mais aberto. Mas tenho sofrido
cruelmente."
era censurável. Diria que todos os espiritos justos hão de reconhecer sua
eu, com uma prova de que ao menos a senhora ainda tem respeito por
mim. Não lhe falarei de sua visita - para que ela não a relacione, de
modo algum, aos meus desejos. Sei muito bem que eu nada deveria
reprimia para não dizer o que tinha em mente - que ela sabia muito bem
como é possível haver barreiras invisíveis à fala entre marido e mulher. Era
802
GEORGE ELIOT
Lydgate não respondeu, e ela viu que ele travava um debate interior.
Lydgate ainda esperou, mas por fim pôs-se a falar em seu tom mais
decidido.
que o novo hospital seja agregado à velha enfermaria e que tudo conti-
nue como se eu nunca tivesse aparecido aqui. Desde que assumi o co-
fazer uso dele," concluiu amargamente. "Em nada poderei pensar por
mim como tirar-me um peso das costas, se a cada ano um pouco lhe
de renda. Por que não fazem as pessoas tais gestos? Se é tão difícil tor-
que pelo mesmo impulso que lhe infundia energia às palavras, para pou-
sentado. " bom que a senhora tenha estes sentimentos. Mas não sou o
ser subvencionado por um trabalho que nunca completei. Para mim está
muito claro que não me cabe contar com nada mais, a não ser sair de
um longo tempo para obter aqui uma renda, e - e é mais fácil partir para
MIDDLEMARCH
803
as mudanças necessárias num lugar novo. Devo fazer como os outros ho-
mens, pensar no que agrada ao mundo e dá dinheiro; procurar uma brecha
tação de águas, ou ir para uma cidade do Sul onde haja ingleses ociosos
aos montes, e apregoar meu valor - é numa espécie de concha assim que
não há prova a meu favor além da opinião que já se tinha de mim. Espe-
"O que posso dizer sobre o senhor há de tornar uma estupidez supor
"Não sei não," disse Lydgate, com sua voz a sair como um gemido.
ela não pensa no seu próprio futuro e logo dilapidaria a metade de suas
e do qual abaixar seus olhos claros para os pobres mortais que lhe diri-
amiga. Terá sido o Casaubon quem nela despertou uma alucinação he-
Casaubon deve ter desconfiado. Bem - seu amor ajudaria mais um ho-
libertar Lydgate da obrigação com BuIstrode, certa de que esta era uma
804
GEORGE ELIOT
parte, embora pequena, da pressão que ele tinha de suportar. Sem per-
breve carta na qual alegava ter mais direito do que Mr. BuIstrode à satis-
ela, que tinha tão poucas finalidades concretas às quais destinar o seu
quisesse, desde que sua aquiescência ao pedido ora feito fosse garanti-
da. Anexando-lhe um cheque de mil libras, ela então resolveu que leva-
CAPÍTULO LXXV11
- Henrique V."
que ficaria fora até a noite. Ultimamente ela não saía de casa nem do seu
jardim, a não ser para ir à igreja e, uma vez, para estar com seu pai, a
não é, papai? Acho que teremos muito pouco dinheiro. Mas estou certa
de que alguém nos dará ajuda." E Mr. Vincy respondera: "Sim, minha
filha, até cem ou duzentas libras, não me importo. Posso chegar a isto."
Londres, até sentir-se segura de que a vinda seria para a ida uma potente
causa, embora sem saber direito como. Tal modo de estabelecer seqüên-
806
GEORGE ELIOT
cia que ao romper-se provoca o maior choque: pois ver como pode ser
causado um efeito é muitas vezes ver possíveis falhas e entraves; mas
nada ver senão a desejável causa e, logo após, o desejável efeito, livra-
nos da dúvida e nos torna a mente fortemente intuitiva. Era por este
tos que a rodeavam com o capricho de sempre, embora com maior lenti-
que Lydgate sentia em face dela uma timidez estranha, e o homem forte,
dominado por sua aguda sensibilidade àquela frágil criatura cuja vida ele
va-se às vezes à sua aproximação, pois ainda com mais força se precipi-
tava em seu íntimo, após ter sido momentaneamente expelido por exas-
- onde ela às vezes passava o dia todo quando Lydgate saía - pronta
para ir à rua. Tinha uma carta para pôr no correio - uma carta endereçada
uma alusão aos problemas, para apressar sua vinda. Sua criada, agora a
seio e pensou: "Nunca ninguém ficou tão linda assim de chapéu, coitadi-
nha."
do, em seu posterior encontro com ele, ela a princípio lhe interpretara as
nhia de uma mulher tão bela, que devia partilhar de seus outros gostos,
MIDDLEMARCH
807
das com que ele havia indicado que o objeto temido por seu amor era
ela própria, que era o amor tão-só por ela que ele estava resolvido a não
tando com orgulhoso prazer em seu apurado senso de honra e sua deter-
aquietar-se de todo em relação à estima que ele podia nutrir por Mrs.
pureza por sua crença pura em nós; e nossos pecados tornam-se então
confiança. "Se você não for bom, ninguém é bom" - estas palavrinhas
concepção sobre eles, era porém um dos grandes poderes da sua condi-
ção de mulher, que desde o início havia agido fortemente sobre Will
pelas quais lhe tentara transmitir seu amor e o abismo criado pela rique-
Dorothea sentiu por sua vez uma paz deliciosa e triste na relação que os
unia, tomando-a por uma relação que era inteira e sem mácula. Havia
ver feito a Will por seu marido, bem como as condições externas que a
BuIstrode, viera à luz mais um fato para afetar a posição social de Will, o
808
GEORGE ELIOT
nas costas do pobre Will, do que o "italiano com ratos brancos." O hon-
rado Sir James estava convencido da retitude de sua própria satisfação
sob a qual ele ver seu próprio equívoco. Dorothea observara a animosi-
dade com que a parte de Will na dolorosa história fora mais de uma vez
trazida à baila; mas não pronunciara uma só palavra, sendo agora conti-
da, como antes não o era quando falava de Will, pela consciência de uma
relação mais profunda entre eles dois, que devia manter-se sempre em
cia. Simplesmente aceitara a relação com Will como parte das mágoas
se nas superfluidades que o destino lhe dera. Era capaz de suportar que
pretendente do qual ela não sabia nada por ora, mas cujos méritos, quan-
guém que há de cuidar dos seus bens para você, querida," foi a atraente
sugestão feita por Mr. Brooke das características que mais convinham.
nheiros de viagem.
MIDDLEMARCH
809
marido, que da felicidade dela tinha feito no entanto uma lei para si. Eis
te. Mas com muita pena Dorothea pensava na solidão que deveria ter-se
animação que ela sentia após longa conversa com Mr. Farebrother, o
"Vou dar boas notícias a Mrs. Lydgate, e talvez ela concorde em me falar
respeito a um novo sino de belo som para a escola e, como ela tinha de
pela rua até lá, após mandar que o cocheiro ficasse à espera de uns paco-
tes. A porta de entrada estava aberta e a criada aproveitava a ocasião
para espiar a carruagem estacionada ali perto, até entender que a senho-
"Não tenho certeza, minha senhora; entre, por favor, que eu vou
ver," disse Martha, meio confusa por causa de seu avental de cozinha,
mas ainda assim bastante calma para saber que "madame" não era o
título adequado àquela régia e jovem viúva com uma parelha na carrua-
redor que ia para o jardim. A porta da sala não estava trancada, e Martha,
empurrando-a sem olhar para dentro, esperou que Mrs. Casaubon a cru-
zasse e depois se afastou, tendo a porta sido aberta e fechada sem fazer
barulho.
810
GEORGE ELIOT
to. Encontrou-se do outro lado da porta sem que nada de notável lhe
chamasse a atenção, mas logo ouviu uma voz falando baixo que a fez
te, viu, à terrível luz de uma certeza que aclarava todos os contornos,
uma coisa que a fez parar imóvel, sem suficiente autocontrole para falar.
Sentado de costas para ela num sofá contra a parede e alinhado com
a porta por onde havia entrado, viu Will Ladislaw: junto, virada para ele
com um lacrimejante rubor que lhe dava ao semblante um " novo brilho,
nado para ela, cerrava-lhe as mãos nas suas e falava com discreto fervor.
instante desta visão, sem jeito tentou retroceder e se viu bloqueada por
Mas imediatamente ela os deviou dele para Rosamond e, numa voz fir-
me, disse:
va aqui. Vim trazer uma carta para Mr. Lydgate, que é importante e eu
se poderia pensar que, embora mais pálida que de costume, nunca ela
estivera animada por uma energia assim tão segura. E era isto de fato o
mentos. Tinha visto uma coisa tão abaixo da sua capacidade de crer, que
suas emoções retrocediam de lá para sem objetivo juntarem-se em exci-
MIDDLEMARCH
811
Sentia forças para trabalhar e andar um dia inteiro sem comer nem be-
nhã: ir a Freshítt e Tipton para contar a Sir James e a seu tio tudo o que
ela queria que os dois soubessem sobre Lydgate, cuja solidão conjugal,
sob a provação que ele vivia, agora lhe era apresentada com uma signifi-
cação toda nova, tornando-a mais ardente na disposição de ser sua de-
fensora. Nunca ela sentira nada como esta força triunfante de indignação
novo vigor.
"Seus olhos estão brilhando tanto, Dodo!" disse Celia, num mo-
mento em que Sirjames tinha saído da sala. "E você nem ve o que olha,
seja o Arthur, seja o que for. Desconfio que esteja por fazer uma extrava-
cabeça.
"Meu Deus, estará você, Dodo, a formular um plano para todas elas?"
CAPÍTULO LXXVI11
tempo - ele olhando para o ponto onde Dorothea estivera, ela olhando
certas de fazer, por fúteis gestos e reparos, com que aquilo que não é
pareça ser. Ela sabia que Will recebera um golpe drástico, mas estava
não ser como material a moldar para se adaptar aos seus desejos; e acre-
ditava em seu poder, fosse para apaziguar ou subjugar. Até mesmo Tertius,
por mais inflexíveis que os fatos fossem, Rosamond teria dito agora,
como o fazia antes de seu casamento, que nunca desistia de uma decisão
casaco de Will.
"Não me toque!" disse ele, expressão que saiu como uma chicotada,
e se atirou para longe, alternando-se da vermelhidão à brancura como se
o outro extremo da sala, pôs-se de frente para ela, com as mãos nos
MIMUMARCH
813
bolsos, a cabeça jogada para trás, o olhar feroz aplicado não em Rosa-
cios tão leves que só o próprio Lydgate, pelo hábito, seria capaz de in-
caído, pondo-o de lado com seu xale. Depois cruzou suas mãozinhas à
Para Will teria sido mais seguro, antes de mais nada, apanhar seu
chapéu e ir-se embora; tal impulso porém não lhe ocorrera; ele fora to-
Rosamond com sua raiva. Suportar a fatalidade que ela havia atraído
sobre ele sem extravasar sua fúria parecia tão impossível quanto uma
amaldiçoá-la? Sua ira se exalava sob uma lei repressiva que ele era obri-
de sarcasmo, disse:
"Por que não vai atrás de Mrs. Casaubon e explica sua preferência?"
"Ir atrás dela!" atalhou ele em tom cortante. "Pois então acha que
ela iria virar-se a olhar para mim, ou ainda a qualquer palavra minha dar
mais crédito que às de uma pena sórdida? - Explicar! Como pode ex-
deva ser sincero com ela por ter sido covarde com você."
melhor. Tinha porém uma certeza - que ela acreditava em mim. Fosse
não
crer. - Mas isto agora acabou! Nunca me tornará por outra coisa além
Will se interrompeu, tal qual se visse segurando uma coisa que não
814
GEORGE ELIOT
Explicar minha preferência! Eu nunca tive uma preferência por ela, como
não tenho preferência por respirar. Não existe outra mulher a seu lado.
Tocar-lhe a mão, ainda que morta, causar-me-la mais agrado que tocar
para uma existência nova e terrível. Não lhe acudia uma idéia de repulsa
to sofrimento quando Will parou de falar: tinha os lábios sem cor e, nos
para consolá-la, com o consolo de seus braços tão fortes que tantas ve-
Dava passos a esmo ainda, meio fora de si, quando acabou de falar,
agora que já estava a ponto de partir sem dizer mais nada, recuava de tal
mente que, tendo retornado a esta casa onde havia usufruído de uma
camente se lhe revelara um problema que tanto jazia fora quanto dentro
MIDDLEMARCH
815
lentas: - que sua vida bem podia vir a tornar-se cativa desta mulher ao
desamparo, que se jogara sobre ele na árida tristeza de seu coração. Mas
sem alento ele se rebelava contra o fato que sua arguta apreensão lhe
pareceu-lhe que era ele o mais digno de pena dos dois: pois a dor deve
em compaixão.
não tinha forças para revidar com paixão; o terrivel colapso da ilusão
para a qual se deslocara toda a sua esperança foi um golpe que a dei-
meio ao qual ela se sentia tão trôpega quanto uma consciência solitá-
ria e perplexa.
afinal perguntou: "Devo vir logo à noite para estar com Lydgate?"
E então Will saiu da casa, sem que Martha jamais soubesse que ele
lá estivera.
num desmaio. Quando voltou a si, sentiu-se fraca até mesmo para ir
tocar a síneta e desamparada ficou, até que a rapariga, intrigada com sua
maiara e precisava de ajuda para subir ao seu quarto. Uma vez lá, jogou-
Quando tomou seu pulso, ela o olhou com uma insistência que há muito
não denotava, como se se sentisse feliz por ele ter-se feito presente.
lhe um braço pelas costas para se curvar e dizer: "Minha pobre Rosamond!
816
GEORGE ELIOT
gritos e soluços histéricos, e na hora seguinte ele não fez outra coisa
que todo este abalo em seu sistema nervoso, que evidentemente acarre-
tava um retorno do interesse por ele, era devido à excitação das novas
CAPITULo LXXIX
talk, they drew nigh to a very miry slough, that was in the
midst of the plain; and they, being heedess, did both fall
- BUNYAN.
- BUNYAN.I
ela talvez dormisse logo sob o efeito de um anódíno, foi à sala de visitas
que Lydgate o recebeu deixava claro que ele não fora informado da visita
anterior, e Will não podia perguntar: "Mrs. Lydgate não lhe disse que eu
818
GEORGE ELIOT
modo, Rosamond já lhe havia esboçado. Ela porém não aludira ao fato
imediato, não a afetava - e ele agora pela primeira vez soube disto.
"Achei melhor informá-lo de que seu nome foi envolvido nas revela-
ções," disse Lydgate, que era capaz de entender, mais que a maioria dos
falar a respeito, tão logo você saia pela cidade. Suponho que o que Raffies
refere. Temo que a mais recente versão seja que eu me mancomunei com
Ele estava pensando: "Há aqui um novo timbre no som de meu nome
para recomendá-lo aos ouvidos dela; contudo - que significa isto agora?"
Mas nada disse da oferta que BuIstrode lhe fez. Will era muito fran-
apenas: "Mrs. Casaubon foi a única pessoa a se adiantar e dizer que não
mer que suas palavras pudessem ter sobre a mesma alguma inintencional
MIDDLEMARCH
819
se, com um sorriso pálido: "Vamos tê-lo novamente conosco, amigo ve-
Rosamond lhe havia suplicado na manhã desse mesmo dia que instasse
com Lydgate para dar este passo; e parecia-lhe estar contemplando num
mentânea.
seu próprio desagrado por sua vida estragada, doravante vazia e sem
objetivos.
CAPÍTULo LXXX
And the most ancient Heavens, through thee, are fresh and strong."
mitia dizer não estar de todo sozinha no solar, e a resistir por ora à
ainda tinha uma hora antes de se vestir para o jantar, foi direto até a
MIDDLEMARCH
821
fosse muito rico, nunca havia problema, mas se viesse água, água, água
sar-se, vestiu-se às pressas e foi para o presbitério mais cedo que o neces-
sário. Esta casa nunca era desanimada, pois Mr. Farebrother, como um
novo White de Selborne, 1 sempre tinha uma coisa nova a contar de seus
mentar; e havia acabado de soltar dois belos bodes para serem mascotes
das criaturas que conversam copiosamente através das antenas e que, por
"Foi Mr. Ladislaw quem me deu," disse Miss Noble. " alemã - e
muito bonitinha; mas, sempre que cai, vai rolando cada vez mais longe."
822
GEORGE ELIOT
"Oh, eu o amava!"
entre os soluços, pela perda da crença que ela havia plantado e mantido
do pelos outros, era digno no seu pensamento - pela perda do seu orgulho
de, como mulher, reinar na memória dele - por sua perspectiva doce e vaga
têm visto era após era nos embates espirituais do homem - implorou
adulta era abalado por soluços como se ela fosse uma criança em de-
sespero.
Havia duas imagens - duas formas vivas que lhe partiam o coração
em dois, como se fosse um coração de mãe que parece ver o filho dividi-
MIDDLEMARCH
823
braços para ele e gritava, com amargos gritos, que sua proximidade era
se onde se movia, estava o Will Ladislaw que era uma crença transfor-
mem vivo por quem nenhum lamento de pena podia erguer-se e lutar
ele impondo sua vida à dela" que sem ele poderia ser bem completa?
ela que nada tinha de reles para dar em troca? Ele sabia que a iludia -
gasto a metade. Por que não ficara ele na multidão daqueles aos quais
nada pedia - ela que somente rezava para que fossem menos despre-
zíveis?
Mas por fim ela perdeu suas forças para gemer e chorar: foi aquietan-
do-se em soluços fracos, e no chão frio soluçou até pegar no sono.
poltrona onde antes ficara com freqüência em vigília. Era bastante vigorosa
para agüentar essa noite dura sem sentir grandes males, além de fadiga e
algumas dores no corpo; mas havia despertado num novo estado: como
se sua alma tivesse sido liberada de seu terrível conflito; ela não mais
lutava com sua dor: já podia sentar-se com esta por leal companheira,
acidente do seu.
824
GEORGE ELIOT
impulso baixo, que torna uma mulher mais cruel com uma rival que
com um amante infiel, não podia ter condições de ressurgir em
das coisas. Todo o ativo pensar com o qual ela se representara as pro-
nos deixa ver como víamos nos dias de nossa ignorância. · sua pró-
pria dor irremediável ela pediu que a tornasse mais prestativa, e não
E que espécie de crise não seria esta nas três vidas que, em contacto
tes carregando o ramo sagrado? Os objetos a serem salvos por ela não
eram para ser procurados por sua imaginação: a escolha, para si, já esta-
va feita. Ela ansiava pelo perfeito Bem que, instalando-se num trono em
seu íntimo, lhe pudesse governar a vontade errante. "Que devo fazer -
como devo agir agora, hoje mesmo, se eu puder vencer minha dor e
Levou tanto tempo para chegar a esta questão, que a luz do dia já
estrada que se expunha à visão, aquém dos campos e além dos seus
portões. Um homem com uma trouxa nas costas e uma mulher com seu
bebê eram divisados na estrada; nos campos, viu figuras que se moviam
- talvez o pastor com seu cachorro. Longe, onde o céu se curvava, havia
tar dos homens para a resignação e o labor. Sendo parte desta vida
MIDDLEMARCH
825
tas lamúrias.
A decisão sobre o que iria ela fazer nesse dia não se oferecia ainda
clara, mas algo que estava ao seu alcance agitava-a como um murmúrio
meçou a fazer sua toalete. E logo chamou por Tantripp, que a veio aten-
"Ora essa, madame, vê-se que nem esteve na cama durante toda a
para Dorothea que, apesar das abluções, tinha as faces pálidas e as pál-
ora se há. Todos devem achar agora que merecia dar-se um pouco de
descanso."
não estou mal. Uma xícara de café, logo que possível, vai-me deixar
alegre. Quero que me traga meu vestido novo, e acho que hoje vou que-
darei graças a Deus se puder vê-la com um pouco menos de crepe," disse
Tantripp, abaixando-se para acender o fogo. "O luto tem razão de ser,
como eu sempre disse; mas três pregas na barra de sua saia e uma sim-
como a senhora com uma tarja bonita - são tudo o que convém para o
seria iludido por sua própria vaidade se se casasse comigo pensando que
"O fogo vai pegar, minha boa Tan," disse Dorothea, falando como
costumava fazer nos dias de outrora em Lausanne, só que em voz muito
nhã, em que estava com mais cara de viúva que nunca, ela pedisse o luto
aliviado que antes se recusava a usar. Jamais Tantripp daria com a chave
deste mistério. Dorothea queria reconhecer que a vida que tinha pela
frente não seria menos ativa por ela haver sepultado uma alegria sua; e a
826
GEORGE ELIOT
do-lhe a mente, fazia-a agarrar-se até mesmo a esta pequena ajuda ex-
terna, para chegar à calma decisão. Pois a decisão não era fácil.
CAPÍTULo LXXXI
- Faust: 2r Theil.
("ó terra que, após mais uma noite constante,
encontro.
"Será que Mrs. Lydgate poderá receber-me assim tão cedo?" disse
ela, tendo refletido que seria melhor evitar qualquer alusão à sua visita
anterior.
avisá-la de que está aqui. Desde sua visita de ontem que ela não
passa;
bem, mas hoje de manhã melhorou, e acho muito provável que se ani-
me, revendo-a."
828
GEORGE ELIOT
Estava claro que Lydgate, como esperava Dorothea, não sabia nada
sultado do anúncio.
Após levá-la à sala de visitas, ele fez uma pausa para tirar da algibeira
uma carta que lhe deu em mãos, dizendo: "Escrevi esta carta ontem à
insatisfatória que a fali - pelo menos não se ouve como as palavras são
inadequadas."
decer, já que o senhor me permitiu ocupar tal lugar. O senhor não con-
Sem mais dizer, ele subiu a estar com Rosamond, que, mal tendo
esteve comigo ontem à noite; aposto que ele voltará hoje aqui. Achei-o
Casaubon veio visitá-la de novo; você gostaria de estar com ela, pois
uma agitação benéfica, pensava ele, pois parecia tê-la feito voltar-se para
Rosamond não ousou dizer não. Não ousava erguer a voz para tocar
nos fatos de ontem. Por que tinha Mrs. Casaubon voltado? A resposta
Dorothea uma nova dor para ela. Não obstante, em sua nova e humi-
lhante incerteza, não ousava fazer nada além de aquiescer. Não disse
que sim, mas levantou-se e deixou que Lydgate lhe pusesse um leve xale
nos ombros, enquanto dizia: "Eu já estou de saída." Algo então cruzou-
MIDDLEMARCH
lhe a mente, e a levou a dizer: "Diga à Martha, por favor, para não trazer
nado ele era, para que a confiança de sua esposa nele dependesse da
Dorothea, por dentro envolvia a alma na mais fria reserva. Tinha Mrs.
Casaubon vindo dizer-lhe alguma coisa sobre Will? Se fosse o caso, era
uma liberdade que ela ressentiria; e preparou-se para enfrentar cada pa-
lavra com polida impassíbilidade. Will havia ferido demais o seu orgu -
lho para que ela sentisse qualquer compunção para com Dorothea e ele:
sua própria lesão lhe parecia muito mais grave. Dorothea não só era a
coisas que lhe diziam respeito - havia de ter vindo agora com a impres-
usá-la. Com efeito, não apenas Rosamond, mas qualquer pessoa, saben-
Dorothea, que havia tirado as luvas, por um impulso a que nunca podia
Rosamond não pôde furtar-se ao seu olhar, nem a pôr sua mão miúda na
uma peça do mais raro cristal veneziano; mal ela olhou para Rosamond,
se todo seu esforço para conter as lágrimas. No que aliás teve êxito, e foi
830
GEORGE ELIOT
cadeiras por acaso mais próximas, e por acaso também juntas; se bem
bem afastada de Mrs. Casaubon. Mas ela parou de pensar em como ter-
"Eu ontem tinha uma missão que não completei; é por isto que tão
cedo estou aqui novamente. Espero que não me torne por muito inopor-
tuna, se lhe digo que vim para lhe falar da injustiça que se tem demons-
muitas coisas sobre ele de que ele próprio pode não gostar de falar,
gostar de saber que seu marido tem amigos sinceros, que não deixaram
de acreditar em seu caráter nobre? Permitirá que eu fale disto sem pen-
vieram como uma cálida torrente para acalmar e reduzir seus temores.
Naturalmente Mrs. Casaubon sabia de tais fatos, mas não queria falar de
nada relacionado a eles. Era um alívio muito grande para que Rosamond
sentisse no momento outras coisas. Na nova paz de sua alma, ela res-
pondeu gentilmente:
"Sei que a senhora tem sido muito boa. Gostaria de ouvir tudo o que
tou-me, porque fui muito ousada e pedi. Nunca acreditando que ele
porque lhe desagradava dizer: "Não fiz nada de errado" como se fosse
dade é que ele não sabia nada desse tal de Raffies, nem que havia sobre
este alguns infames segredos; e pensava que Mr. BuIstrode só lhe ofere-
MIDDLEMARCH
831
tes- Toda sua preocupação com o paciente foi tratá-lo com acerto, e o
fato de o caso não terminar como ele havia esperado deixou-o pouco à
"" ele achou ter cometido um grande erro por não lhe comunicar
tudo isto. Mas a senhora há de perdoá-lo. Tal se deu porque ele coloca
sua felicidade acima de qualquer outra coisa - sente que tem a vida
migo porque sou uma estranha. E eu então lhe pedi licença para vir
Foi por isto que eu estive aqui ontem, e por isto é que estou de volta.
sando que outros têm problemas - problemas graves - sem que tente-
çando-se cada vez mais às suas palavras, acabara por imprimir-lhe à voz
timbres capazes de penetrar na medula, como um grito exangue de al-
ferida no corpo, prorrompeu num choro histérico tal qual fizera na vés-
não fosse capaz de controlar-se até o fim deste encontro e, com a mão
832
GEORGE ELIOT
influência também peculiar, se bem não fizesse idéia de que Mrs. Lydgate
envolvidos.
patia por parte de uma mulher que ela havia abordado com temor e
ao normal, e ela recolheu o lenço com o qual escondia até então o rosto,
seus olhos bateram nos de Dorothea, tão indefesos como se fossem flo-
sua provação; mas penso que a teria suportado melhor se houvesse sido
assuntos penosos."
"Foi a si mesmo que ele culpou por não falar," disse Dorothea. "A
respeito da senhora, disse que não podia ser feliz fazendo algo que a
tinha de influenciar sua escolha em relação a tudo; e que por esta razão
MIDDLEMARCH
833
a nada que a fizesse sofrer. Pôde dizer-me isto porque sabe do quanto eu
mesma sofri em meu casamento com a doença de meu marido, que lhe
andar sempre com medo de ferir alguém que está ligado a nós."
receber qualquer bênção nesta espécie de amor. Sei que ela pode ser
se nos amava e confiava em nós, não contou com nossa ajuda, e fomos
Sua voz tinha baixado ao extremo: ela temia ir longe demais no que
erro. Preocupada com sua própria ansiedade, não notava que Rosamond
Rosamond e disse, com rapidez mais agitada: "Eu sei, eu sei que o sen-
timento pode ser muito forte - que se apossa de nós sem percebermos
- que é duro, e até pode parecer pior que a morte, separar-se dele - e
deu um beijo na testa de Dorothea, que estava bem junto dela, e por um
gum naufrágio.
834
GEORGE ELIOT
"Ontem, quando a senhora entrou aqui - não era o que pensou que
cada vez mais ao falar. "E agora eu acho que me odeia, porque - porque
ontem a senhora se enganou sobre ele. Diz que é por causa de mim que
há de pensar mal dele - tomando-o por uma pessoa falsa. Mas por
causa de mim é que não será. Nunca ele me teve amor - bem sei que
não - e sempre fez pouco caso de mim. Ontem, disse que não existia
outra mulher para ele, além da senhora, A culpa pelo que aconteceu é
inteiramente minha. Disse que nunca lhe poderia explicar - por minha
causa. Disse que a senhora jamais voltaria a pensar bem dele. Mas agora
Rosamond havia aberto a alma por impulsos que até então lhe eram
manhã dera origem a uma dor resistente: ela só poderia perceber que
la. O que de imediato lhe vinha à consciência era uma simpatia imensa e
generoso que redimira seu sofrimento, sem considerar que este esforço
"Não, a senhora foi muito boa comigo," disse Rosamond. "E eu nem
imaginava que o pudesse ser tanto. Eu, que estava muito infeliz, agora
MIDDLEMARCH
835
"Mas dias melhores hão de vir. Seu marido será apreciado, na justa
medida, e depende do consolo que a senhora lhe der. Ele a ama acima de
tudo. A pior perda seria perder isto - e tal não lhe ocorreu," disse
Dorothea.
preendendo agora que Lydgate poderia ter dito alguma coisa a Dorothea,
e que sem dúvida ela era diferente das demais mulheres. Talvez houves-
"Não, claro que não! Como pôde imaginar isto?" Nesse instante a
perseguido, depois de sair, por dois rostos pálidos: Mrs. Casaubon pa-
que não cumpria com meu dever, deixando vocês duas juntas aqui;
assim, vim para casa logo depois de estar no Coleman. Notei que a
provável que chova. Posso mandar alguém para pedir que sua carrua-
falar demais."
por elas partilhada fora séria demais para permitir agora um uso superfi-
mond, mas falou-lhe de Mr. Farebrother e dos outros amigos que ti-
nham ouvido com convicção sua história.
da fadiga.
"o que você acha de Mrs. Casaubon, agora que já esteve tanto com ela?"
bonita. Se você for conversar com ela assim com tanta freqüência, ficará
836
GEORGE ELIOT
Lydgate sorriu para o "com tanta freqüência." "Mas por acaso ela a
nar-lhe o rosto. "Que olhar mais triste, Tertius! - e que cabelo! ponha-
o, por favor, para trás." Ele ergueu a mão, sua mão grande e branca, para
zado abrigo. E o abrigo ainda estava ali: com triste resignação Lydgate
mando-lhe o fardo de sua vida nos braços. Tinha de andar como podia,
CAPÍTULO MIIX
- SHAKESPEARE: Sonnets.
("Minha dor jaz à frente e a alegria atrás.")
- SHAKESPEARE: Sonetos."
culo mais forte que sua própria resolução, a qual, sem nunca chegar a ser
que os meses se passavam, parecia-lhe cada vez mais dificí dizer-se por
que não dar uma chegada a Middemarch - apenas para saber alguma
coisa sobre Dorothea; e se numa visita assim corrida, por qualquer es-
tranha coincidência, ele se encontrasse com ela, não haveria por que se
pensara que não devia fazer. Como ele estava irremediavelmente sepa-
e a mudança de ares.
Soneto 50.
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GEORGE ELIOT
não seria louvável neste caso fazer uso dos direitos que ele tinha
junto a BuIstrode, solicitando que o dinheiro que lhe havia sido ofe-
recido fosse aplicado como meio para tornar praticável uma iniciativa
banqueiro poderia tê-lo feito desistir logo disto, se não houvesse sur-
Tal era o objetivo que Will se atribuíra como razão para ir. Pretendia
se achava junto ao solar, não era por culpa sua. Ele se afastara dos
com Dorothea; mas a fome nos doma, e pela visão de certas formas e o
som de uma certa voz Will se tornara muito faminto. Nada servira para
acolhida lisonjeira (em meios tacanhos) ao novo estilo que ele usava em
dínho que lhe era familiar; e chegando a temer, de fato, que sua visita
passara a ser o mais fatal de sua vida. Na manhã seguinte sentiu-se tão
MIDDLEMARCH
839
razão pela qual, a despeito desta exigência, teria seria melhor para
certa forma, na dependência dele era uma dificuldade que se vira imen-
samente agravada por sua explosão de raiva com ela. Odiando sua pró-
sofrer um fim tão súbito; e a infelicidade dela era uma força que o
lhe propunha era tão nulo como se, decepados seus membros, ele ti-
ainda muito recente para a tanto ele resignar-se, e logo dar-se a uma
Tomar a diligência para Riverston foi tudo o que portanto ele fez de
mais decidido. E por ela retornou quando ainda dia claro, tendo resolvi-
840
GEORGE ELIOT
de discrição, mas isto decerto não teria sido tão bom para as três pes-
noite.
respeito. Contei-lhe porque ela veio-me ver e foi muito boa. Você não
tem agora o que reclamar de mim. Não terei feito nenhuma diferença em
sua vida."
tindo sobre elas, com a imaginação excitada, Will sentiu que sua face
que ele lhe propunha. Bem que podia restar-lhe ainda em mente uma
841
raios do sol calam sobre grandes lírios brancos, onde o mal jamais se
CAPÍTULo LXXXIII
- DR. DONNE.
- DR. DONNE."
DUAS MANHÃS APóS SUA visita a Rosamond, Dorothea, com duas noites
ou seja, mais vitalidade do que lhe seria possível concentrar numa ocu-
por sua inquietação infantil. Hoje seria bem diferente. O que havia para
ser feito na aldeia? Oh, meu Deus, nada! Todos estavam bem, com suas
degraus de pedra eram por toda parte lavados, sendo portanto inútil ir
MIDDLEMARCH
843
até a escola. Mas havia vários temas a cujo respeito Dorothea tentava
e dos quais ela esperava uma luz quanto à melhor maneira de despender
dinheiro sem fazer mal aos vizinhos, ou - o que a vem a ser a mesma
controle; e ela verificou por fim que estava lendo e relendo as mesmas
especial contido no texto. Não tinha jeito. Deveria mandar atrelar a car-
ruagem para ir a Tipton? Não; por essa ou por aquela razão, preferia
surara seu relaxamento? Foi pois até o armário dos mapas e desenrolou
cabeça se inclinava a pensar noutra coisa, como era bom estudar num
bre seu mapa e a pronunciar os nomes num tom baixo mas audível que
o mais das vezes criava uma melodia de fato. Depois de toda sua expe-
rosto nas mãos e exclamar: "Oh, meu Deus! oh, meu DeusV"
Tal qual um carrossel, não havia razão para que aquilo parasse; mas
lhe anunciada.
bida calorosamente; mas, enquanto sua mão era apertada, ela emitiu
toda uma série dos seus guinchos de castor, como se tivesse a dizer
844
GEORGE ELIOT
útil."
"Não vou-me demorar," disse Miss Noble, enfiando a mão na sua cesti-
nha para nervosamente tatear um objeto lá dentro; "deixei um amigo à
mente ela mostrou o objeto que seus dedos buscavam. Era a caixinha de
guns minutos."
que senão vou ter de voltar e dizer que não, e isto há de magoá-lo."
venha."
O que fazer senão isto? Por nada no momento ela ansiava tanto
quanto por estar com Will: uma possibilidade que se insinuara de resto,
impressão de estar fazendo, por causa dele, alguma coisa que era um
audacioso desafio.
Era de seu próprio corpo que ela tinha então menos consciência, pois
pensava no que poderia pensar por sua vez Will, e nos sentimentos im-
injusto mesclara-se aos seus sentimentos por ele desde o início, e agora,
na reação de seu coração à angústia, esta resistência era mais forte que
nunca. "Se o amo tanto é porque ele foi muito maltratado," dizia sua
rosto do que jamais ela vira. A insegurança em que se achava era tanta
MIDDLEMARCH
845
que ele temia que alguma palavra ou mesmo um olhar de sua parte
Vendo que ela não lhe estendia a mão como de hábito, Will parou a
por me receber."
"Eu queria vê-lo," disse Dorothea, por não ter ao seu dispor outras
maneira de o acolher, tal qual uma rainha, não foi muito animadora; mas
"Temo que tome por insensatez, e talvez por erro, eu voltar tão cedo.
Tenho sido punido por minha impaciência. A senhora sabe - todos sa-
fato em seu destino. E acrescentou: "A senhora sabe como isto me faz
que a senhora não pensaria bem de mim, se minha decisão fosse outra,"
disse Will. Por que se lembrava ele de lhe dizer agora alguma coisa do
gênero? Ela soube que ele havia confessado seu amor por ela. "Eu achei
"O senhor agiu como eu esperaria que agisse," disse Dorothea, en-
846
GEORGE ELIOT
ceito contra mim por uma simples circunstância sobre o meu nascimento,
o que outros certamente fariam," disse Will, jogando a cabeça para trás, a
seu modo antigo, e olhando-a bem nos olhos com um grave apelo.
"Uma nova provação, se fosse o caso, seria para mim uma nova ra-
zão de me colocar a seu lado," disse, com todo ardor, Dorothea. "Nada
poderia mudar-me, a não ser -" seu coração se intumescia, e era dificil
prosseguir; mas ela fez um grande esforço para se controlar e dizer numa
voz trêmula: "a não ser pensar que o senhor fosse diferente - não tão
exceto um," disse Will, cedendo a seus próprios sentimentos ante a evi-
pensei que duvidasse disto, tudo mais para mim deixou de ter importân-
cia. Tudo estava acabado, não havia mais nada o que tentar - só supor-
Ele pegou-lhe a mão e ergueu-a aos lábios, com algo como um solu-
ço. Mas poderia ter posado, ali de pé, com seu chapéu e as luvas na
disse ela, andando para a janela, embora falasse e se movesse com uma
não temia tanto assim o que ela poderia por sua vez estar sentindo.
folhas contra o céu turvo. Nunca uma ameaça de tempestade havia dado
tanto prazer a Wili, pois livrava-o da necessidade de ir-se embora.
próximos. A luz ficava cada vez mais escura, mas de repente o clarão de
MIDI)LEMARCH
847
"Foi um erro o senhor dizer que não teria mais nada o que tentar.
Ainda que o nosso bem se perdesse, restaria o dos outros, que justifica
todo esforço. Há pessoas que podem ser felizes. Foi quando me vi mais
desditosa que tive a impressão de entender isto com mais clareza que
"Mas experimentei coisa pior - pois pior era pensar mal -" Dorothea
Will corou. Tinha a impressão de que tudo o que ela dizia era ditado
Posto que eu deva partir - posto que nos devamos separar para sempre
- é lícito que pense em mim como alguém que está à beira da cova."
sem as mãos.
provável que eu sempre seja muito pobre: não posso senão contar, numa
Seus lábios, como os dele, tremiam. Nunca aliás se soube que boca
848
GEORGE ELIOT
por trás dela investia a fúria do vento; era um desses momentos em que
sentar-se a seu lado, pegando-lhe a mão que se virou para cima para ser
mirava.
pessoas," explodiu de novo; "é ainda mais intolerável - ter nossa vida
"Não - não diga isto - sua vida não precisa ser estragada," disse
docemente Dorothea.
"Terá de ser," disse Will, com raiva. " cruel que me fale deste modo
tenho, como se fosse uma bagatela - falar assim diante dos fatos. Nós
mero escríba e porta-voz. algo que vejo com bastante clareza. A ne-
nhuma mulher, mesmo que ela não tenha luxos aos quais renunciar,
que ela queria dizer, entretanto lhe era muito difícil encontrar as
palavras,
um debate mudo. E era duro que ela não pudesse dizer o que queria. Wili,
assim, tudo, pensava Dorothea, teria sido mais fácil. Por fim ele se virou,
MIDDLEMARCH
849
mas, num instante, vinham-lhe rolar pelo rosto: "Não ligo para a pobre-
no, mas ela recuou a cabeça e gentilmente manteve a dele afastada para
des olhos rasos d"água e dizendo, como uma criança, aos soluços: "Po-
CAPÍTULo LXXXIV
In hurtynge of my name."
- A moça não-morena. 1
isto explica por que vinha Mr. Cadwallader andando pela inclinação do
novos pares do reino: tinha por certo, pelo que lhe dissera seu sobrinho,
MIDDLEMARCH
851
cia sobre sua irmã mais nova, casada com um baronete. Lady Chettam
tomou por muito repreensível tal conduta e lembrou que a mãe de Mrs.
era melhor ser "Lady" que "Mrs.," mas que Dodo nunca ligava para
precedência, desde que pudesse agir a seu modo. Mrs. Cadwallader sus-
tentou que era uma tola satisfação ter precedência quando todos a seu
redor sabiam que nem uma gota de bom sangue você tinha nas veias; e
de novo Celía, parando a olhar para Arthur, disse: "Mas que bom seria
tasse logo! Bem que ele poderia ser aliás, se o James fosse Conde."
"Minha querida Celia," disse a viúva, "o título de James vale muito
mais que o de qualquer Conde novato. Eu nunca desejei que o pai dele
se pôs de braços dados com o tio, que lhe acariciou a mão com um "E
limitando suas saudações a um "Ora essa, então estão todos aqui, não
"Não tome assim tão a peito, Brooke, a rejeição da Lei; você tem a
"A Lei? ah, U" disse Mr. Brooke, a um modo pacífico de desatenção.
"Foi rejeitada, não é? Mas os Lordes estão indo longe demais, e ainda
"Qual é o problema?" disse Sir James. "Tomara que não seja outro
caça como Trapping Bass, Chettam," continuou ele enquanto iam en-
trando, "garanto-lhe não ser tão fácil, para um juiz, mandar recolhê-los
852
GEORGE ELIOT
alguém para aplicá-la por nós. Você mesmo, sabe, tem em seu coração
vosa. Quando tinha a dizer algo que incomodava, era seu hábito
mais suave. Continuou ele a conversar com Sir James sobre os ladrões
"Bem, é uma coisa muito penosa, sabe?" disse Mr. Brooke. "Ainda
a par, minha filha." Mr. Brooke olhou aqui para Celia: "Você nem imagi-
mas, veja bem, não foi capaz, como eu também não fui, de o impedir. Há
cabeça para Celia, que de imediato lançou a seu marido um olhar assus-
jovem Ladislaw?"
Mr. Brooke fez que sim com a cabeça, completando: "Sim, com o
marido. "Da próxima vez você terá de admitir que não me falta perspicá-
cia; a não ser que me contradiga para continuar cego como sempre foi.
MIDDLEMARCH
853
"Quando você soube disto?" disse Sir James, não querendo ouvir
mais ninguém falar, mas achando dificil ele mesmo dizer alguma coisa.
nenhum dos dois, há dois dias atrás, tinha a menor idéia - a menor idéia,
sabe? Há algo de muito singular nas coisas. Mas a Dorothea já está deci-
dida - não adianta se opor. Eu fui muito taxativo com ela. Fiz o que era
de meu dever, Chettam. Mas você sabe que ela pode agir como queira."
um ano atrás," disse Sirjames, não por espírito sangüinolento, mas por
disse Mr. Cadwallader, lamentando ver seu amigo, bondoso por nature-
dia seguinte ao enterro do Casaubon eu bem que disse o que devia ser
"O que você queria, Chettam, e você sabe, era impossível," disse
Mr. Brooke. "Queria que nos livrássemos dele, não é? Mas eu lhe disse
que o Ladislaw não era de se dobrar à nossa vontade: ele tem lá suas
invulgar."
que você tenha formado tão boa opinião sobre ele. a isto que devemos
tê-lo instalado aqui entre nós. a isto que devemos o fato de vermos
uma mulher como Dorothea degradando-se por se casar com ele." Sir
James fazia breves pausas entre suas frases, pois as palavras não lhe
uma origem ruim - e, creio eu, tem um caráter leviano e bem poucos
854
GEORGE ELIOT
"Eu a fiz ver tudo isto," disse Mr. Brooke, como que se desculpando.
"Minha filha, você não sabe o que é viver com setecentas libras por ano,
sem ter carruagem e esse tipo de coisa, e encontrar-se entre pessoas que
ignoram quem você é." Fui bem taxativo. Mas aconselho-o a conversar
você mesmo com Dorothea. O fato é que a fortuna do Casaubon não lhe
"Não - desculpe-me - não farei isto," disse Sir James, com mais
grande sofrimento que uma mulher como Dorothea tenha cometido tal
erro."
abre mão de uma fortuna, e nós homens temos uns dos outros uma
mulher que faz isto. Mas creio que você não deve condená-la dizendo
quando ela não nos agrada," disse calmamente o Reitor. Como muitos
homens que sabem levar a vida, ele tinha a habilidade de dizer de vez
indignação virtuosa. Sir James tirou seu lenço para logo o levar à boca.
seu marido. "Ela disse que nunca se casaria de novo - com quem quer
que fosse."
Mrs. Cadwallader. "A única coisa que me espanta é que vocês estejam
surpresos. Não fizeram nada para impedir isto. Se tivessem trazido aqui
ele a teria levado. Nada mais era seguro. Mr. Casaubon tinha preparado
"Não sei o que você entende por erro, Cadwallader," disse Sirjames,
MIDDLEMARCH
855
"Ele não é um homem que nós possamos aceitar na família. Pelo menos,
devo falar por mim," continuou, desviando com cuidado seus olhos de
Mr. Brooke. "Suponho que outros achem sua companhia muito agradá-
"Bem, Chettam, você sabe que eu," disse Mr. Brooke, de bom hu-
mor, passando a mão numa perna, "não posso dar as costas à Dorothea.
Até um certo ponto devo ser um pai para ela. Disse-lhe: "Minha filha,
não vou-me recusar à sua vontade." Eu tinha falado antes com energia.
Mas eu posso anular a vinculação dos bens, sabiam? Vai custar dinheiro
que se dava conta ele mesmo. Tocara num ponto de que Sir James se
para Dorothea. Mas em meio a esta massa corria um veio que, como
homem bom e honrado, nem para si ele podia gostar de reconhecer: era
tiva lisonjeira para seu filho e herdeiro. Daí Sir James ter sentido um
súbito embaraço quando Mr. Brooke aludiu com seu meneio de cabeça à
do por Mr. Brooke lhe travou mais a língua do que a cáustica insinuação
de Mr. Cadwallader.
seu tio à cerimônia de casamento, e disse, embora com tão pouca preo-
jantar: "O senhor acha então que a Dodo vai-se casar logo, titio?"
"Eu não criaria confusão nenhuma. Se ela gosta de ser pobre, é pro-
blema dela. Ninguém diria nada se ela se casasse com o rapaz por ele ser
856
GEORGE ELIOT
seus amigos casando-se comigo: eu mal chegava a ter mil libras por ano
lher pudesse gostar de mim. Palavra, acho que devo ficar do lado de
"Humprey, isto é puro sofisma, e você sabe," disse sua esposa. "Túdo
ção. "Não se pode dizer que Elinão tenha baixado de classe. já Mr.
responder à sua mãe. Celia olhou para ele como uma pensativa gatinha.
de ir embora."
les belos retratos de Crichley que datam de antes da invasão dos idiotas."
"Convido a todos para jantar comigo amanhã, está bem? - está bem,
Celia?"
"James, você vai - não é?" disse Celia, pegando a mão do marido.
"Oh, claro que sim, se você quiser," disse Sir James, puxando seu
"Dorothea não viria, sabe, a menos que você fosse estar com ela."
"Lembre-se, Celia, eu não posso estar com ela," disse Sir James.
MIDDLEMARCH
857
"De que adianta falar isto? - mas está bem, vou até a estrebaria
Celia pensava que adiantava muito, se não falar assim, pelo menos
sua infância sentira-se capaz de agir sobre a irmã colocando uma palavra
sensata - abrindo uma janelinha para que a luz do dia de sua própria
capaz de aconselhar sua irmã sem filhos. Como podia alguém entender
irmã logo assim tão cedo após a revelação de seu planejado casamento.
joelhos se encostando.
"Sabe, Dodo, é muito triste," disse Celia, em seu tom gutural e pláci-
do, mostrando-se o mais isenta de humores possível. "Você nos desapon-
tou a todos. E eu nem consigo pensar que isto vá acontecer - você nunca
vai poder viver assim desse jeito. E depois há todos os seus planos! Ga-
ranto que não pensou nisto. O James se daria por você a qualquer incô-
modo, e você poderia ficar fazendo o que gosta pela vida inteira."
"Porque sempre você quis coisas que não podiam ser. Outros planos
porém dariam certo. E agora como pode se casar com Mr. Ladislaw, quan-
você sempre foi. Você quis Mr. Casaubon porque ele tinha uma grande
com Mr. Ladislaw, que não tem bens nem coisa alguma. Acho que é
Dorothea riu.
858
GEORGE ELIOT
sivo. "Como você vai viver? vai desaparecer entre estranhos. E nunca
"Querida Celia," disse Dorothea, com terna gravidade, "se você nunca
"Será sim," disse Celia, com a mesma tocante distorção de seu rosto
Dodo. Mas você sempre esteve errada; só que não me posso impedir de
amá-la. Ninguém consegue imaginar onde você vai viver: para onde po-
derá ir?"
bem que poderia dar-lhe metade das minhas coisas, mas como, se nunca
voltar a vê-la?"
"Mas seria muito melhor se você não se casasse," disse Celia, enxu-
desconforto. E você não faria o que ninguém pensava que era capaz de
fazer. O James sempre disse que você deveria ser uma rainha; mas isto
erros que sempre andou cometendo, Dodo, e este é mais um. Ninguém
acha que Mr. Ladislaw seja um marido adequado para você. E você disse
" verdade que eu poderia ser uma pessoa mais sábia, Celia," disse
Dorothea, "e que poderia fazer coisa melhor, se eu fosse melhor. Mas
isto é o que eu vou fazer. Prometi casar-me com Mr. Ladislaw; e vou
"Que bom," disse Celia, mais à vontade. "Só que eu gostaria que
tivesse um marido do tipo do james, com um lugar aqui por perto aonde
eu pudesse ir de carruagem."
859
do a história.
irmã. "Se você soubesse como aconteceu, não lhe pareceria maravilhosof
"Não, querida, você teria de sentir junto comigo, senão jamais sa-
beria."
CAPITULo LXXXV
Blindman, Mr. Nogood, Mr. Malice, Mr. Love -lust, Mr. Live-
loose, Mr. Heady, Mr. High-mind, Mr. Erimity, Mr. Liar, Mr.
from the earth! Ay, said Mr. Malice, for 1 hate the very look
is too good for him, said Mr. Cruelty. Let us despatch him
- Pilgrim"s Progress.
MIDDLEMARCH
861
pado à morte.")
- A viagem do peregrino."
que o apedrejavam não eram senão feias paixões encarnadas - que sabe
que é apedrejado, não por professar a Verdade, mas por não ser o ho-
um pavor, não podia impedir que a presença dela fosse ainda assim um
IDejohn Bunyan.
862
GEORGE ELIOT
mento por uma ampla confissão à esposa: os atos que ele tinha lavado
daria ela? Ele não podia suportar que lhes desse sempre em silêncio o
trava força para encará-la na impressão de que ela não se podia ainda
sua mão ante a chegada das trevas, poderia ouvir sem se esquivar ao
mais profunda.
Andava cheio de tímidas atenções para com sua esposa, não somen-
do, podia viver sem restrições só com o sofrimento que a cada dia lhe
intenção não vender as terras que possuo aqui, e sim deixá-las para você,
esconda!"
pos.
cidade, que sua clínica quase já não dá para nada e que eles dispõem
de muito pouco para se estabelecer noutra parte. Prefiro que nos prive-
que à que chegava com a frase Mar uma reparação;" sabendo que o
MIMUMARCH
863
marido devia compreendê-la. Mas ele tinha uma razão pessoal, que
dizer:
dele."
nião pública a tomar por coisa estabelecida que todos deviam evitar
ligações com seu marido. Por algum tempo ela ficou em silêncio; e
ver banhado de dor aquele rosto que há dois meses apenas estava ale-
disse:
seria um modo vantajoso de cuidar das terras que eu pretendo que se-
jam suas."
a pensou em a
meu alcance para fazer-lhe algum bem antes de partir. Nós sempre fo-
Bulstrode, não gostando do que tinha a dizer, mas desejando o fim que
,Deixe-lhe bem claro que as terras na prática são suas e que ele não
864
GEORGE ELIOT
giu, estabelecendo as condições, das quais você pode propor uma acei-
tação renovada. Não acho improvável que ele aceite, sendo você quem
CAPÍTULo LVI
"Le coeur se sature d"amour comme d"un sel divin qui lê
Paurore."
MRS. GARTH, OUVINDO CALEB entrar no corredor, pela hora do chá, abriu
a porta da sala e disse: " você, Caleb? já jantou?" (As refeições de Mr.
"Já sim, e um bom jantar - carneiro frio com não sei mais o quê.
"Não. Você vai sair de novo sem tomar chá, Caleb?" disse Mrs. Garth,
GEORGE ELIOT
cabeça, o qual fazia um anteparo para proteger seus olhos do sol enquan-
to ela dava gloriosos empurrões no balanço a Letty, que ria e gritava feito
louca.
"Vim falar com você, Mary," disse Mr. Garth. "Vamos dar uma volta."
Ela sabia muito bem que era algo particular o que seu pai tinha a
voz dele uma gravidade terna: sinais a que estava acostumada desde a
"Vai ser um tempo tristonho até você se casar, Mary," disse ele, olhan-
do para a ponta da bengala que segurava com a outra mão, e não para ela.
vinte e quatro anos que eu vivo só e alegre: e o que está por vir, suponho"
não será tão longo." Depois de uma pausa, e com mais gravidade, incli"
nando o rosto para o do pai, disse: "O senhor está contente com o Fre&
lado.
"Foi sim, eu anotei e pus a data, anno Domini e tudo," disse Mary. "O
senhor gosta das coisas por escrito, não é? E o comportamento dele com
o senhor, meu pai, é realmente bom; ele tem um profundo respeito pelo
Fred."
"Olhe lá, você está querendo índuzir-me a pensar que ele é um bom
parceiro."
"De modo algum, papai. Eu não o amo por ele ser um bom parceiro."
ção a um marido."
ria dizer muito com esta frase tão vaga); "porque é melhor tarde do que
M=LEMARCH
867
nunca. Uma mulher não deve forçar seu coração a nada - pois com isto
"Serei fiel ao Fred enquanto ele me for fiel. Não creio que um de nós
possa prescindir do outro, nem gostar mais de outra pessoa, por mais
que a admiremos. Seria uma diferença muito grande para nós - como
ter de esperar um pelo outro um bom tempo; mas o Fred sabe disto."
senhora, suplicante, foi que veio pedir-me. Quer fazer bem ao rapaz, e
para ele pode ser uma coisa ótima. Poupando, pouco a pouco ele pode
cia, "devo tomar tudo em meus ombros e ficar como responsável, dando
"Talvez seja muito, papai," disse Mary, contida em sua alegria. "Não
pouco, primeiro assim eu quis falar com você porque achei que gostaria
de contar para ele. Discutido entre vocês, eu poderia conversar com ele
"Oh, mas que pai bom o senhor é!" exclamou Mary, enlaçando-lhe o
disposto a ser acarinhado. "Não sei se outra moça pensa como eu que
"Bobagem, minha filha; seu marido você vai achar que é melhor."
ordem."
868
GEORGE ELIOT
Quando eles estavam entrando na casa com Letty, que correra para
"Mas que belas roupas usa este extravagante jovem!" disse Mary,
quando Fred se postou imóvel e lhe ergueu o chapéu com jocosa forma-
"A coisa não está nada boa, Mary," disse Fred. "Olhe só as beiradas
casamento."
moda antigo."
"Dois anos? seja sensato, Fred," disse Mary, virando-se para andar.
"Por que não? Vive-se melhor com elas do que com as que não são
lisonjeiras. Se não for possível nos casarmos dentro de dois anos, a ver-
escapulir; vou entrar para falar com Mr. Garth. Não estou no meu juizo
perfeito. Meu pai anda danado da vida - minha casa já não é mais a
"Se achasse má notícia saber que você iria viver em Stone Court e
nheiro ano a ano até que todo o gado e apetrechos sejam seus, e ser um
no tempo?"
"Será que você só pensa em bobagens, Mary?" disse Fred, não
"Pois foi o que o meu pai acabou de me dizer que pode acontecer, e
ele nunca fala bobagens," disse Mary, olhando bem para Fred agora,
quando ele pegava na mão dela, enquanto iam andando, e apertava até
casar-se logo."
"Não assim com tanta pressa, meu senhor; como sabe que eu não
preferiria adiar este casamento por alguns anos? Isto lhe daria tempo
MIDDLEMARCH
869
para sair da linha, e aí, se eu gostasse mais de outro, teria uma desculpa
"Por favor, não brinque, Mary," disse Fred, muito sentido. "Diga-me
a sério que isto tudo é verdade, e que por causa disto você está feliz -
" tudo verdade, Fred, e estou feliz por causa disto, porque é de
"Quando nós noivamos pela primeira vez, Mary, com o anel de guar-
de Mary, mas o fatal Ben veio correndo pela porta com o Brownie a latir
"Fred e Mary! vocês não vão entrar nunca? - posso então comer
seu bolo?"
Cada limite é um começo e também um fim. Quem é capaz de separar-se
o que aconteceu mais tarde com eles? Pois o fragmento de uma vida, por
grande começo, como o foi para Adão eEva, que limitaram sua lua-de-
quista gradual ou a perda irremediável dessa união completa que faz dos
as em comum.
não terem paciência, nem uns com os outros, nem com o mundo.
saber que a estes não ocorreu tal fracasso" mas que os dois construíram
que Fred Víncy fosse escrever algum dia sobre nabos e beterrabas de
forragem.
872
GEORGE ELIOT
todos na cidade foi dar o crédito desta obra a Fred, observando-se que
e que não era preciso elogiar ninguém por escrever um livro, já que este
devida a Farebrother, que lhe dera uma boa levantada no momento cer-
to. Não posso dizer que nunca mais tenha voltado a ser iludido por suas
não do julgamento de Fred. Ele continuou com seu amor por cavalos,
como aceitava os risos por sua covardia nas cercas, quando parecia ver
tido filhos homens; quando Fred manifestou desejo de ter uma menina
como ela, disse, sorrindo: "Seria uma provação muito grande para a sua
sua casa, consolava-se muito ao perceber que pelo menos dois dos me-
ninos de Fred eram Vincys autênticos, e não tinham "a cara dos Garths."
Mas Mary se alegrava em segredo porque o mais novo dos três se pare-
cia muito com seu pai, como este há de ter sido quando usava jaleco
nhas; ocorreu a Ben sustentar que as meninas eram menos úteis que os
para quão pouco elas serviam; ao que Letty, que se apoiava muito em
dade do anterior, abria o flanco para muitos, pois Ben respondeu desde-
que sua mãe confirmasse que os meninos eram melhores que as meni-
MIDDLEMARCH
873
nas. Mrs. Garth declarou que uns e outros eram igualmente traquinas,
mas que sem dúvida os garotos eram mais fortes, corriam mais e atira-
vam com maior precisão a uma distância maior. Com esta sentença ora-
cular Ben ficou bem satisfeito, sem se importar com a traquinagem; mas
Fred nunca ficou rico - sua esperança não o havia levado a contar
com isto; mas pouco a pouco economizou o bastante para tornar-se dono
do gado e dos bens móveis de Stone Court, e o trabalho posto por Mr.
matrona, tornou-se tão sólida quanto sua mãe na figura; mas, ao contrá-
rio dela, dava aos garotos pouca instrução formal, levando Mrs. Garth a
considerados bem avançados; talvez porque estar com a mãe, antes, era
o que mais gostavam sempre. Quando voltava a cavalo para casa, nas
sala de visitas com lambris de madeira; e sentia pena dos homens que
"Ele era dez vezes mais digno de você do que eu," Fred agora, magnani-
mamente, podia dizer a Mary. "Sem dúvida era," respondeu Mary, "e
Mary Garth, nos dias do velho Peter Featherstone, muitas vezes era man-
874
GEORGE ELIOT
cada vez menos a ela, donde Rosamond ter concluído que aprendera o
valor de sua opinião; por outro lado, ela passou a confiar mais na capa-
cidade dele, agora que ele ganhava um bom dinheiro e, ao invés da anti-
Fazia uma bela vista com as filhas, quando desfilava em sua carruagem,
dizia de quê, mas queria provavelmente dizer que era uma recompensa
por sua paciência com Tertius, cujo temperamento nunca se tornou isen-
uma explicação, disse-lhe que esta era uma planta que havia florescido
escolhera? Pena que não tivesse ficado com Mrs. Ladislaw, que ele vivia
vantagem para Rosamond. Mas seria injusto omitir que ela nunca pro-
mulheres, por sentir que sempre havia alguma coisa melhor que poderia
ter feito se, além de ser melhor, ela soubesse mais. Mesmo assim, nunca
seria possivel senão cheia de emoção, e ela também a enchia agora com
MIDDLEMARCH 875
uma atividade beneficente que não lhe dava a dor das dúvidas de desco-
lhou bem, nesses tempos em que as reformas tinham início, com uma
males, do que estar seu marido no fulcro da luta contra eles, dando-lhe
ela sua ajuda de esposa. Muitos, que a conheciam, julgaram uma pena
que uma pessoa assim tão independente e rara fosse absorvida pela vida
der, ela deveria ter feito - nem mesmo Sir James Chettam, que não ia
além da prescrição negativa de que não deveria ter-se casado com Will
Ladislaw.
deslizou eia para um convite à granja, o qual, uma vez escrito, não pode-
bens continuava de pé; no dia em que sua pena fez o ousado convite, ele
foi a Freshitt especialmente para declarar que tinha razões mais fortes
que nunca para tomar esta decisão enérgica, como precaução contra qual-
carta chegada para Celia a fez chorar em silêncio enquanto a lia; e quan-
qual o problema, ela explodiu numa Iamentação como ele jamais tinha
ouvido.
tou certa de que ela me quer por lá. E ela não saberá o que fazer com o
bebê - vai fazer tudo errado. E eles pensaram que ela fosse morrer.
Oh, que horror! Suponha que fôssemos o Arthurzinho e eu, e não dei-
xassem a Dodo vir estar comigol Que bom seria, James, se você não
"Por Deus do céu, CeliaV" disse Sirjames, muito perturbado, "o que
876
GEORGE ELIOT
é que você quer? farei tudo o que quiser. Levo-a amanhã mesmo à cida-
"Meu caro, não me cabe indicar-lhe o que fazer, mas por mim eu deixa-
quanto o aliviava a idéia de que ninguém esperava ele fazer alguma coi-
sa específica.
Tal sendo o que pedia o coração de Celia, era inevitável que Sirjames
estavam presentes.
Ficou entendido que Mr. e Mrs. Ladislaw fariam pelo menos duas
visitas por ano à granja, aonde gradativamente viria uma fileirinha de pri-
Mr. Brooke viveu até a velhice e sua propriedade foi herdada pelo
clinou, pensando que suas opiniões tinham menos chance de ser abafa-
Middemarch, onde dela se falava, para uma geração mais nova, como
de uma moça bonita que se casara com um clérigo adoentado, com ida-
de para ser seu pai, e que em pouco mais de um ano após ele morrer
renunciou aos seus bens para casar-se com um primo do finado - que
podia ser, pela idade, seu filho, e não tinha berço nem bens. Quem não
tinha conhecido Dorothea geralmente observava que ela não podia ter
sido mulher "Uo maravilhosa assimf porque senão não se teria casado
MIDDLEMARCH
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grande fé, aparência de ilusão. Pois não há criatura cuja vida interior seja
tão forte para não ser grandemente determinada pelo que está fora dela.
ardentes feitos tomaram forma já passou para sempre. Mas nós, pessoas
como a daquele rio de que Ciro quebrou o ímpeto, escoou por canais
que não tiveram grande nome na Terra. Mas o efeito de sua pessoa nos
tão mal, nem com você nem comigo, como poderiam estar, isto se deve
em grande parte ao número dos que fielmente viveram uma vida oculta,
da Distribuidora Record.
RP Record
Sejabem-vindo.