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Ruan Didier Bruzaca

Arnaldo Vieira Sousa


(Orgs.)

DIREITO ACHADO NA ILHA


TUTELA JURÍDICA DA POSSE NO CONTEXTO DE
CONFLITO FUNDIÁRIO URBANO NO MUNICÍPIO
DE PAÇO DO LUMIAR/MA
Direito achado na ilha: tutela jurídica da posse no contexto de conflito
fundiário coletivo urbano no município de Paço do Lumiar/MA
Programa de Assessoria Jurídica Universitária Popular – PAJUP
Orientadores
Ruan Didier Bruzaca
Arnaldo Vieira Sousa
Igor Martins Coelho Almeida

Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB


Reitora
Maria Ceres Rodrigues Murad

Fundação de Amparo à pesquisa e ao desenvolvimento Tecnológico e Científico do


Maranhão – FAPEMA
Presidente
Alex Oliveira de Souza

Ruan Didier Bruzaca (Org.)


Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB, com
período sanduíche na Università degli Studi di Firenze – UNIFI, Itália. Mestre em Direito e
Instituições do Sistema de Justiça pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA.
Graduado em Direito pela UNDB. Professor da UFMA e da UNDB. Orientador do PAJUP.

Arnaldo Vieira Sousa (Org.)


Doutorando e mestre em Políticas Públicas pela UFMA. Professor e coordenador do curso de
Direito da UNDB. Orientador do PAJUP.

Alice Rêgo Matos


Graduanda em Direito pela UNDB. Integrou a equipe executora do projeto enquanto membro
do PAJUP.
Ana Paula Martins Mesquita
Graduanda em Direito pela UNDB. Integrou a equipe executora do projeto enquanto membro
do PAJUP.

Anne Karoline de Jesus Aires


Advogada. Pós-graduanda pelo Curso de Especialização em Metodologia do Ensino Superior
– CEMES, pela UFMA. Graduada em Direito pela UNDB. Integrou a equipe executora do
projeto enquanto membro do PAJUP.

Arthur Nunes Lopes Martins


Graduado em Direito pela UNDB. Integrou a equipe executora do projeto enquanto membro
do PAJUP.

Daniel Viana Silva


Graduando em Direito pela UNDB. Integrou a equipe executora do projeto enquanto membro
do PAJUP.

Glaucia Maria Maranhão Pinto Lima


Graduada em Direito pela UNDB. Integrou a equipe executora do projeto enquanto membro
do PAJUP.

Jordana Letícia Dall Agnol da Rosa


Graduanda em Direito pela UNDB. Integrou a equipe executora do projeto enquanto membro
do PAJUP.

Layse Cristina Silva Campos


Graduanda em Direito pela UNDB. Integrou a equipe executora do projeto enquanto membro
do PAJUP.

Mayara Araújo Abreu


Advogada. Graduada em Direito pela UNDB. Integrou a equipe executora do projeto
enquanto membro do PAJUP.
Rayanne Gonzaga Mendes
Graduanda em Direito pela UNDB. Graduanda em Ciências Sociais pela UFMA. Integrante
do Grupo de Estudo: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente – GEDMMA.
Integrou a equipe executora do projeto enquanto membro do PAJUP.

Ricardo Henrique Oliveira Pestana


Advogado. Pós-graduando em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais – PUC-MG. Graduado em Direito pela UNDB. Integrou a equipe executora do
projeto enquanto membro do PAJUP.

Sarah Valery Mano Queiroz


Graduada em Direito pela UNDB. Integrou a equipe executora do projeto enquanto membro
do PAJUP.

Teodoro Sanchez Rojas


Graduando em Direito pela UNDB. Integrou a equipe executora do projeto enquanto membro
do PAJUP.
Ruan Didier Bruzaca
Arnaldo Vieira Sousa
(Orgs.)

Direito achado na ilha: tutela jurídica da posse no contexto de conflito


fundiário coletivo urbano no município de Paço do Lumiar/MA

2018
São Luís
PAJUP
Diagramação e capa: Ruan Didier Bruzaca
Foto da capa: Glaucia Maria Maranhão Pinto Lima

B886d Bruzaca, Ruan Didier, 1989-


Direito achado na ilha: tutela jurídica da posse no contexto de conflito
fundiário coletivo urbano no município de Paço do Lumiar/MA / Ruan Didier
Bruzaca e Arnaldo Vieira Sousa. São Luís: PAJUP, 2018.
237 p.

ISBN 978-85-69617-16-7

1. Conflitos possessórios. 2. Ações possessórias. 3. Ocupações coletivas.


4. Paço do Lumiar. I. Título. II. Ruan Didier Bruzaca.

CDD: 340
CDU: 347.2

Este livro é resultado de pesquisa fomentada pelo


Edital UNIVERSAL/FAPEMA nº 40/2014,
referente ao projeto UNIVERSAL-00713/15.
Sumário

Apresentação
Ruan Didier Bruzaca e Arnaldo Vieira Sousa ......................................... 12

Prefácio
Thaís Emília de Sousa Viegas ................................................................. 16

Projeto “Direito Achado na Ilha” do Programa de Assessoria Jurídica


Universitária Popular – PAJUP
Ruan Didier Bruzaca e Arnaldo Vieira Sousa ......................................... 21

Direito achado na ilha: tutela jurídica da posse no contexto de conflito


fundiário coletivo urbano no município de Paço do Lumiar – Relatório
de pesquisa
Ruan Didier Bruzaca, Arnaldo Sousa, Alice Matos, Ana Paula Mesquita,
Anne Aires, Arthur Martins, Daniel Silva, Glaucia Lima, Jordana Rosa,
Layse Campos, Mayara Abreu, Rayanne Mendes, Ricardo Pestana, Sarah
Queiroz, Teodoro Rojas .......................................................................... 46

Educação popular e direito à cidade: experiências e perspectivas da


atuação do PAJUP em Eugênio Pereira
Glaucia Maria Maranhão Pinto Lima e Ruan Didier Bruzaca .............. 129
Conflito de terras nas comunidades tradicionais: aplicabilidade da
função social da propriedade enquanto instrumento de efetivação do
direito à moradia
Alice Rêgo Matos e Ana Paula Martins Mesquita ................................ 151

Protagonismo feminino e direito à moradia: a luta das lideranças


comunitárias em conflito coletivo fundiário urbano em Paço do Lumiar
no Maranhão
Glaucia Maria Maranhão Pinto Lima e Mayara Araújo Abreu ............. 169

O urbanista é o capital: Um diálogo entre o judiciário, práticas


segregacionistas e produção do espaço no município de Paço do Lumiar
Arthur Nunes Lopes Martins e Layse Cristina Silva Campos .............. 195

Resumos
(resumos, resumos expandidos e resumos de monografia)

A articulação das mulheres nas comunidades: a educação popular como


instrumento da prática feminista
Anne Karoline de Jesus Aires ............................................................... 216

Quem não pode com a formiga não assanha o formigueiro: as lideranças


de Paço do Lumiar e a Luta pela regularização fundiária
Glaucia Maria Maranhão Pinto Lima e Mayara Araújo Abreu ............. 219
Análise do pluralismo jurídico sob a ótica das comunidades tradicionais:
métodos alternativos de auto-organização e resolução de conflitos
Alice R. Matos, Ricardo H. O. Pestana e Anne K. J. Aires .................. 225

A experiência do PAJUP na comunidade de Cajueiro do Paço do


Lumiar: considerações sobre a efetivação do direito à moradia
Mayara Araújo Abreu ............................................................................ 229

Ideologia, Direito e conflitos possessórios urbanos: as decisões judiciais


no processo envolvendo a Comunidade Renascer de Paço do
Lumiar/MA
Ricardo Henrique Oliveira Pestana ....................................................... 234
Às lideranças comunitárias,
às mulheres e às comunidades
em situação de conflito fundiário
urbano em Paço do Lumiar/MA.
Às comunidades em situação
de conflito fundiário urbano da
região metropolitana de São Luís/MA.
Aos membros do PAJUP.
12

Apresentação

Este livro é produto de quase dois anos de pesquisa iniciada em 2015 e


realizada por membros do PAJUP, referente ao estudo de conflitos
fundiários coletivos urbanos no município de Paço do Lumiar/MA. É
simbólico que venha a ser publicado no corrente ano, por conta da
celebração dos 10 anos da referida Assessoria Jurídica Universitária Popular,
e, por isso, este livro também é produto dessa década inteira.
Surgido da preocupação de compreender o cenário no qual as
comunidades acompanhadas pelo grupo estão inseridas, em especial a
comunidade Eugênio Pereira, representada pela liderança Carmen, o projeto
foi empreendido no sentido de explorar os problemas referentes à relação
destas com o direito posto.
Tratou-se de um trabalho muito árduo, principalmente em razão das
dificuldades no acesso à informação e à esquematização de dados, próprios
de pesquisas empíricas no campo do direito. Entretanto, contando com a
colaboração de representantes de instituições do sistema de justiça, foi
possível precisar o objeto proposto a se estudar, ou seja, as ações
possessórias envolvendo comunidades em Paço do Lumiar.
Disto, produziu-se o relatório que consta no presente livro, além de
artigos científicos, resumos e monografias. Atenta-se que há a inclusão de
algumas produções indiretamente relacionadas com o objeto de pesquisa,
precisamente referentes às comunidades tradicionais. Entretanto, tratam-se
de produções presentes nos debates realizados à época do desenvolvimento
13

do projeto, resultantes do contato dos membros do PAJUP com as


comunidades e das inquietações destes com a realidade encontrada.
Agradecemos à UNDB e, em especial, à coordenação do curso de Direito
pelo apoio às atividades do PAJUP nessa jornada. Também à FAPEMA pelo
fomento nas pesquisas, atividades e eventos realizados, especificamente no
que diz respeito ao fomento da pesquisa que resultou neste livro por meio do
Edital Universal de 2015.
Esta obra também é resultado da luta das comunidades em situação de
conflito fundiário no município de Paço do Lumiar, sem as quais não é
possível fazer ciência e produzir um conhecimento democrático. Assim,
agradecemos às suas lideranças aguerridas e todos os seus membros, em
nome de Dona Carmem.
Por fim, lembrando Guimarães Rosa,
O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.
(Grande Sertão Veredas)

O que não falta ao PAJUP é coragem. Quanta coragem! Por isso,


agradecemos em especial a todos os membros que fizeram parte da história
do PAJUP, sem os quais não seria possível hoje o grupo alçar tamanha
importância, aos membros que construíram esse projeto, essencial para a
14

qualidade do trabalho e para a transformação que se pretende na sociedade e,


também aos que hoje integram o PAJUP e os que estão por vir.
Obrigado, PAJUP, por ser importante na vida de tanta gente!
Feliz aniversário de 10 anos!

São Luís/MA, 26 de fevereiro de 2018

Ruan Didier Bruzaca


Professor da UFMA e da UNDB
Doutorando em Ciências Jurídicas pela UFPB
com período sanduíche na UNIFI, Itália

Arnaldo Vieira Sousa


Coordenador do Curso de Direito da UNDB
Doutorando em Políticas Públicas pela UFMA
15
16

Prefácio

Quando José Geraldo Sousa Junior iniciou as atividades do Grupo O


Direito Achado na Rua, na segunda metade da década de 80, talvez não
tenha tido a dimensão da força de um projeto cujo objetivo era, em última
análise, produzir e exercitar um Direito emancipatório.
Ancorado na obra de Roberto Lyra Filho, o projeto ramificou-se em
atividades de ensino, pesquisa e extensão, contemplando o indissociável
tripé constitucional universitário. A partir daí e ao longo destes 30 anos,
completados em 2017, O Direito Achado na Rua produziu um sólido legado
epistemológico e prático, intensamente baseado na produção coletiva de
conhecimento, na interlocução tolerante de ideias e na proximidade com os
movimentos sociais, lugar a partir de onde o Direito é construído.
Não foi sem resistência que as bases teórico-conceituais que animam O
Direito Achado na Rua paulatinamente ocuparam paragens já distantes do
Planalto Central. Apesar disso, as ideias lyrianas e a proposta de construção
dialógica do conhecimento avançaram em inúmeras frentes e instituições de
ensino e foram encampadas pelas Assessorias Jurídicas Populares
Universitárias (AJUPs), coletivos de assistência, assessoria e orientação
jurídicas permeáveis às demandas de grupos vulneráveis. As pessoas
engajadas nas AJUPs, reunidas em torno da construção de um conhecimento
tão complexo quanto transdisciplinar, fortaleceram as trocas com instituições
do sistema de justiça, levando o debate sobre o caráter político das normas e
17

decisões jurídicas para além do ambiente acadêmico e consolidando a práxis


de uma teoria crítica do Direito.
Na UNDB (Unidade de Ensino Superior Dom Bosco), o PAJUP
(Programa de Assessoria Jurídica Universitária Popular) foi o responsável
por agitar o debate sobre e a partir de um Direito libertário, de uma
dogmática emancipatória, de um ensino comprometido com as demandas
vindas da rua, de uma pesquisa atenta às práticas sociais e de uma extensão
compreendida como instrumento de intervenção na e de mudança da
realidade. Aportado na vasta obra de Paulo Freire, o PAJUP tem estado
atento às reivindicações de comunidades cujos direitos humanos têm sido
sistematicamente violados. E quantas mudanças o PAJUP semeou nesta sua
primeira década de existência!
Quando penso em mudanças, considero que as atividades do grupo
tiveram impacto sobre a extensão que se realiza na UNDB provocando,
portanto, alterações institucionais a partir disso; repercutiram sobre a rotina
do Curso de Direito, especialmente pela realização de eventos e debates que
movimentaram toda a graduação; refletiram sobre a vida de inúmeras alunas
e alunos que se engajaram no PAJUP; e, principalmente, deram visibilidade
a pessoas, comunidades e reivindicações até então ocultadas política e
juridicamente.
É preciso me demorar um pouco mais na abordagem dos reflexos do
PAJUP sobre nossas alunas e alunos (falo especialmente do corpo discente
do Curso de Direito da UNDB). As mudanças são sentidas dentro e fora de
sala de aula, pois as pessoas que pesquisam com o PAJUP e se envolvem em
18

suas ações extensionistas são provocadas a politizar debates, a contaminar de


contexto as discussões, a pensar um Direito com gosto e cheiro, longe
daquele viés bacharelesco asséptico e sem cores. Quem se envolve com o
PAJUP tende a conceber o trabalho a partir de um olhar cooperativo,
solidário, atento aos sujeitos interessados e a suas pautas e intensamente
baseado em pesquisa de campo. Esta publicação é resultado disso, de uma
dedicação, de um engajamento, de uma paixão pela pesquisa-ação e pelo
poder que ela pode exercer sobre a vida das pessoas.
Em seus textos (a obra é composta por artigos completos e resumos), a
publicação que ora tenho a honra e a alegria de prefaciar reúne vasta
pesquisa de campo, documental e bibliográfica, agitando pautas novas,
valorizando narrativas alternativas e saberes despregados daquele
dogmatismo automatista e insípido, sendo tudo lindamente informado pela
realidade urbana da grande São Luís.
O tema da posse, caríssimo ao rígido ramo dos Direitos Reais, foi
temperado com uma preocupação coletiva a partir da realidade urbana do
município maranhense de Paço do Lumiar. A tutela jurídica da posse é
abordada com eira e beira: o tradicional instituto civilista é concebido
juridicamente, pensado criticamente e exposto politicamente.
Retrato de um desenvolvimento urbano iníquo, eis que segregador e
desigual, a cidade de Paço do Lumiar foi eleita como local verificação,
análise e intervenção do PAJUP, especificamente junto a Eugênio Pereira,
uma das várias comunidades cuja insegurança jurídica da posse inviabiliza
qualquer ideia de bem viver.
19

Conduzido pelos aguerridos Professores Ruan Didier Bruzaca e Arnaldo


Vieira Sousa, o grupo tomou para si o desafio de compreender este conflito
fundiário urbano como fronteira de luta pela ampla consecução do direito à
moradia. Não há qualquer dúvida de que todo o grupo encerra este ciclo de
atividades com muito mais do que um excelente livro, contribuição original
ao campo de pesquisa; saem todas e todos com o reconhecimento amargo de
que ainda há muitas desigualdades por vencer e com o doce sabor de que há
um Direito libertário e uma prática jurídico-política emancipatória forte o
bastante para efetivar a dignidade excluída a tantos humanos.

São Luís/MA, 12 de dezembro de 2017

Thaís Emília de Sousa Viegas


Professora da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco
Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina
20
21

Projeto “Direito Achado na Ilha” do Programa de Assessoria Jurídica


Universitária Popular – PAJUP1

Ruan Didier Bruzaca


Arnaldo Vieira Sousa

Introdução

O contexto urbano da grande São Luís, no Maranhão, insere-se na


problemática da exclusão e da segregação existentes em diversas cidades
brasileiras. Isto obsta que a cidade consolide seu caráter de espaço
democrático e de participação, marginalizando comunidades e sujeitos,
impossibilitando a concretização de seus direitos.
O município de Paço do Lumiar/MA está localizado no referido
aglomerado urbano e devido aos avanços da especulação imobiliária e do
crescimento da cidade, os conflitos de ordem fundiária urbana tornam-se
constantes, sendo perenes as situações de negação e violação de direitos –
que vão desde o acesso a direitos básicos à despejos forçados.
Com isso, com o intuito de compreender tal realidade e de projetar uma
atuação jurídica-educativa emancipadora capaz de superar situações de
1
Projeto de pesquisa apresentado à FAPEMA, posteriormente transformado em artigo e
publicado nos Anais do VI Seminário Direito, Pesquisa e Movimentos Sociais, realizado entre
os dias 23 e 27 de agosto de 2016, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, em
Vitória da Conquista/BA.
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injustiça, objetiva-se expor o teor e as perspectivas do projeto “Direito


achado na ilha: tutela jurídica da posse no contexto de conflito fundiário
coletivo urbano no município de Paço do Lumiar/MA”, submetido à e
fomentado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento
Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA). Trata-se de projeto
executado por discentes e docentes que compõem o Programa de Assessoria
Jurídica Universitária Popular (PAJUP).
Destarte, objetiva-se de forma específica destacar o papel da assessoria
jurídica universitária popular – no caso, do PAJUP – em relação ao contexto
de conflitos fundiários urbanos. Posteriormente, segue-se à análise da
situação dos conflitos de Paço do Lumiar. Por fim, destacar-se-á aspectos
esperados referentes à execução do projeto.

1 Assessoria jurídica universitária popular e o contexto de conflitos


fundiários urbanos na Grande São Luís/MA

Os executores do projeto “Direito achado na ilha: tutela jurídica da posse


no contexto de conflito fundiário coletivo urbano no município de Paço do
Lumiar/MA” são membros do Programa de Assessoria Jurídica Universitária
Popular – PAJUP, grupo de pesquisa e extensão da Unidade de Ensino
Superior Dom Bosco – UNDB.
O PAJUP foi criado em 2008 por discentes e docentes da UNDB, sem
qualquer apoio institucional e financeiro. Sua atuação não reflete a prática de
serviços legais tradicionais (clientelistas e eminentemente técnicas), mas sim
23

uma atuação crítica na pesquisa, na extensão e no acompanhamento sócio-


jurídico de comunidades em situação de violação de direitos humanos.
em sua prática alicerçada nos moldes da educação popular,
undamentada nos ensinamentos de Paulo reire , ue prop e
uma atuação dial tica e dial gica, no que tange a busca pela conscientização
e empoderamento por meio do conhecimento construído em conjunto entre
os discentes e os atores sociais.
Neste sentido, vai de encontro a uma postura tecnicista que expressa a
ausência de comunicação com a sociedade e, de forma mais incisiva, com as
classes oprimidas. Alinha-se, deste modo, à pesquisa-ação voltada para a
educação e desenvolvimento da cidadania, utilizando-se do diálogo,
destoando-se da finalidade única de exclusivo aperfeiçoamento técnico
(FURMANN, 2005).
Dentre as suas atuações, destaca-se principalmente: 1) auxílio na criação
e acompanhamento do “Grupo de Mulheres da Vila Luizão”, no bairro
periférico Vila Luizão (2008-2010); 2) apoio sócio-jurídico à comunidade
Vinhais Velho, ameaçada pela construção da Via Expressa (2011-2012); 3)
acompanhamento da comunidade Eugênio Pereira, ameaçada por conflitos
fundiários (2014-atual); 4) acompanhamento da comunidade Ilhinha, cujo
conflito envolve área de domínio da União e área ambiental especialmente
protegida (área de preservação permanente) (2015).
Desta forma, uma das áreas de atuação do grupo é o acompanhamento
sócio-jurídico de comunidades inseridas em conflitos fundiários coletivos
urbanos, comumente presentes no contexto da região metropolitana de São
24

Luís – exemplo do desenvolvimento urbano desigual que marca o processo


de urbanização brasileira.
Santos (1993, p. 69) apresenta que a partir da década de 1970 observa-se
uma nova urbanização no Brasil, marcada inicialmente pela urbanização
aglomerada (consequência da revolução demográfica dos anos 1950) e,
posteriormente, por uma urbanização concentrada, marcada pela
multiplicidade de cidades. Trata-se de uma nova forma de organização da
cidade que vai culminar na problemática da segregação urbana e
desigualdade social.
Tal processo de urbanização no Brasil, que se desenvolve ao longo do
s culo XX, “não superou algumas características dos períodos colonial e
imperial, marcados pela concentração de terra, renda e poder, pelo exercício
do coronelismo ou política do favor e pela aplicação arbitrária da lei”
(MARICATO, 2003, p. 15). Com isso, observa-se o surgimento de conflitos
fundiários coletivos urbanos, marcados, de um lado, por interesses de
determinados particulares/proprietários e, de outro, por uma coletividade que
ocupa áreas para subsistência e moradia.
Neste compasso, segundo Maricato (1999, p. 7- , as “invas es de terras
urbanas” são uma uestão “estrutural e institucionalizada pelo mercado
imobiliário excludente e pela ausência de políticas sociais”. Para a autora,
resultado do processo de urbanização do país, ganhando força a partir da
década de 1980, observando-se como resultado a existência crescente de
ocupações e de favelas.
25

Rolnik (2004, p. 40-42) destaca que atualmente as cidades são marcadas


por “territ rios di erenciados”, decorrentes da segregação das classes sociais
e funções no espaço urbano – resultando na segregação social. Ademais,
acrescenta que a esta segregação se soma um tratamento diferenciado por
parte da administração pública local, como a ausência de prestação de
serviços básicos, infraestrutura etc.
Tal desigualdade é consequência da urbanização no Brasil, que se
caracteriza: a) pela industrialização com baixos salários, insuficiente para
aquisição de moradia digna; b) pelas gestões locais com tradição de
investimentos regressivos, incentivando a especulação imobiliária, não a
democratização do acesso à terra; c) pela legislação ambígua ou aplicação
arbitrária da lei, observando-se uma sociedade marcada por favores e
privilégios (MARICATO, 1999, p. 9-10).
Neste sentido, observa-se a presença da “especulação imobiliária”, ue
caracteriza a urbanização brasileira e aprofunda as desigualdades sociais.
Trata-se de prática na qual terrenos vazios ou determinadas propriedades são
alvo de expectativa de valorização futura por seus proprietários, decorrente
de investimentos de infraestrutura, grandes empreendimento etc. Isto
beneficia o proprietário e o capital imobiliário, resultando em malefícios a
possíveis antigos ocupantes, que geralmente são expulsos (ROLNIK, 2004,
p. 64).
É possível alinhar essa visão de desenvolvimento ao modelo questionado
por Sousa Santos (2013, p. 94-95), que acarreta em futuros problemas,
como: decréscimo de busca comercial dos recursos, aumento de doenças
26

ambientais, impossibilidade de políticas compensatórias, aumento de danos


ao meio ambiente, reivindicações urbanas.
Tal cenário possui reflexos na Ilha do Maranhão, que abrange os
municípios de São Luís, São José de Ribamar, Raposa e Paço do Lumiar. Os
municípios são marcados por um crescimento urbano em que a desigualdade
de renda e de moradia é notória. As populações de baixa renda, cuja
alienação da força de trabalho não garante moradia digna, acabam ocupando
áreas por meios considerados ilegais, sujeitando-se a ações judiciais
propostas por eventuais proprietários das áreas ou ações administrativas
impostas pelo poder público.
A Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular do Estado do
Maranhão – SEDIHPOP/MA coletou dados a respeito de despejos na região
metropolitana de São Luís/MA, cujos números demonstram a realidade dos
conflitos fundiários urbanos na região (Gráfico 1 e Gráfico 2).
O gráfico mostra um aumento da quantidade de despejos em cada ano na
Região Metropolitana de São Luís, nos anos de 2012 (01), 2013 (20), 2014
(100) e 2015 (2, até o presente momento). Conforme gráfico abaixo,
observa-se que dos 123 despejos, o maior número encontra-se em São José
de Ribamar (69) em relação a São Luís (34), Paço do Lumiar (9) e Raposa
(10).
27

Gráfico 1 – Número de despejos na região metropolitana de São Luís/MA

Fonte: SEDIHPOP, 2015.

Gráfico 2 – Porcentagem dos despejos na região metropolitana de São Luís/MA

Fonte: SEDIHPOP, 2015.


28

O despejo caracteriza-se pela existência de medida judicial,


principalmente liminares, que impõe a desocupação de determinada área em
favor do proprietário. Os números mostram quantitativamente os despejos na
Região metropolitana, mas ainda não traz elementos quanto ao conteúdo das
decisões e quanto a possíveis ações recém ingressas em juízo.
No espaço urbano da região metropolitana de São Luís as ocupações
sofrem com esta insegurança. Conforme atesta o instituto polis, no Brasil
observa-se uma “insegurança jurídica dos ocupantes em razão das
possibilidades de conflito fundiário, e a ameaça concreta de expulsão com
base em aç es judiciais de reintegração de posse” COS A, BUENO, ,
p 70).
No município de Paço do Lumiar não é diferente. Nele encontramos
várias comunidades em situações de insegurança, como a comunidade
Eugênio Pereira. Neste sentido, passa-se a uma abordagem jurídica e crítica
da situação dessas comunidades para uma posterior projeção da atuação do
PAJUP a respeito das mesmas.

2 Análise jurídica e crítica da situação das comunidades de Paço do


Lumiar/MA

Destacada a situação dos conflitos fundiários urbanos na região da


Grande São Luís, no Maranhão, passa-se a uma abordagem geral da situação
das comunidades de Paço do Lumiar. Com isso, pretende-se destacar
29

aspectos jurídicos presentes nas situações de conflito e considerações para


que haja uma efetiva tutela de direitos.
Paço do Lumiar, considerada área periférica do município de São Luís,
teve sua ocupação e expansão urbana enquanto resultado do crescimento da
estrutura da cidade e das necessidades impostas pela classe dominante de
circulação e deslocamento (MASSULO, NASCIMENTO, CARVALHO,
2013, p. 37).
Aqui, observa-se a prática constante da concentração e da especulação
imobiliária, bem como a ausência do poder público na prestação de serviços
essenciais à qualidade de vida. Neste sentido, a expansão de áreas periféricas
no município de Paço do Lumiar resulta em “extensas áreas (...) que
possuem graves problemas de segurança, infraestrutura e acessibilidade aos
serviços públicos” MASSULO, NASCIMEN O, CARVALHO, 3, p.
43).
Neste cenário de ocupações de terras urbanas – comumente conhecidas
como “invas es” –, decorrentes do referido processo de urbanização
brasileira, o desfecho dos conflitos jurídicos acaba resultando no aumento
das desigualdades urbanas. No caso, observa-se o crescente ajuizamento de
ações possessórias, cujo resultado influencia no agravamento da questão
urbana, principalmente quando resulta no despejo da população residente nas
áreas em conflito.
No juízo possess rio “são exercitadas as aculdades jurídicas oriundas da
posse em si mesma, não se cogitando de qualquer relação jurídica
subjacente. (...) tutela-se a posse com base no ato jurídico da posse”
30

(FARIAS, ROSENVALD, 2014, p. 166). Em outros termos, discute-se quem


possui o exercício fático sobre o imóvel e, consequentemente, quem faz
cumprir sua função social – em outros termos, quem trabalha de fato na
terra.
Assim sendo, nas referidas ações, aspectos importantes devem ser
levados em consideração, como o cumprimento da função social da
propriedade pelo proprietário; a legalidade do título de propriedade; a
proteção do direito à moradia. Não obstante, numa ótica estritamente
civilista, a proteção da posse não se aprofunda em tais aspectos – o que é
favorável para o mercado imobiliário.
Neste sentido, Fernandes (2012, p. 14) atenta que existe grupos do setor
imobiliário resistem “à nova concepção (...) dada ao direito de propriedade
imobiliária urbana, qual seja, o princípio constitucional da função social da
propriedade e da cidade”. A prática crescente de especulação imobiliária
funda-se na proteção irrestrita da propriedade, pouco importando o
cumprimento da referida função social.
Assim, observa-se na ordem jurídica brasileira e nas decisões judiciais
uma “tradição incipiente de estudos jurídicos urbanísticos (...)
essencialmente legalistas, reforçando a noção civilista do direito de
propriedade individual e irrestrito” ERNANDES, , p. 7 . Este
posicionamento acaba desconsiderando diversos direitos, como o direito à
moradia de grupos sociais que ocupam determinadas áreas urbanas em
conflito.
31

Trata-se de uma tensão inevitável entre dois direitos fundamentais: de um


lado o direito à propriedade (art. 5º, XXII, CF), de outro a função social da
propriedade (art. 5º, XXIII, CF), podendo ser solucionada pela lei ou pela
ponderação do magistrado (FARIAS, ROSENVALD, 2014, p. 66). Não
obstante, juridicamente, tal tensão nem sempre é solucionada de forma
satisfatória.
Assim, atuações na ótica estritamente civilista resultam, segundo
Wolkmer (2001, p. 105) na incapacidade de regular tensões coletivas
referentes ao acesso à terra e ocupações de áreas urbanas. Tratar-se-ia da
incapacidade do modelo jurídico estatal que se limita a regulamentar
conflitos entre indivíduos e de cunho patrimonial, não regulamentando de
forma satisfatória os conflitos sociais.
Segundo Faria (2005, p. 16-17), essa incapacidade reflete a inefetividade
das instituições jurídicas e judiciais. Estas mostram-se incapazes de resolver
conflitos emergentes das contradições socioeconômicas e de lidar com
comportamentos contrários às leis, resultando em uma atuação
organizacionalmente enrijecida, uma cultura técnico-profissional fundada em
teorias arcaicas e processual/procedimentalmente formalistas e ritualistas.
O modelo clássico de legalidade positivista, estatal e liberal individualista
vivencia um esgotamento que marca seus fundamentos, seu objeto e suas
fontes. Seu exaurimento desta legalidade, legitimadora dos interesses de uma
tradição jurídica burguês-capitalista, propicia a discussão crítica das
condições de ruptura, bem como um projeto emancipatório assentado nas
condições reais e históricas (WOLKMER, 2008, p. 185).
32

Neste viés, para Farias e Rosenvald (2014, p. 93), configura-se uma


insuficiência da ordem normativa processual: diante de eventual reação do
proprietário, sua demanda será procedente pela simples exibição do registro
e produção de prova quanto à perda da posse. Não obstante, nesses conflitos
há tensão entre o direito fundamental do acesso à moradia/ao trabalho e o
direito patrimonial de propriedade. Assim, deveria haver ponderação de
direitos, devendo prevalecer o acesso à moradia, evidenciando-se o
abandono da coisa e a ausência de função social (arts. 1º, III; 3º, III e IV; 5º,
e 6º, CF) – no entanto, nem sempre existe tal ponderação.
A questão da terra presente na realidade brasileira confronta duas
concepções: a) uma concepção individualista baseada na posse e em títulos
e; b) uma concepção social (do direito agrário), ligada ao trabalho. Neste
sentido, para que ocorra um acesso à justiça adequado é necessário a
prevalência da concepção social (SOUSA SANTOS, 2011, p. 104).
Quanto ao acesso à justiça, destaca-se que esta não pode ser reduzida à
uma “dimensão t cnica, socialmente neutra”, devendo-se apresentar suas
funções sociais, bem como “o modo como as opç es t cnicas no seu seio
veiculavam opções a favor ou contra interesses sociais divergentes ou
mesmo antagônicos” SOUSA SAN OS, , p. 7-168). Em outros
termos, as técnicas processuais podem não garantir acesso à justiça se
desalinhadas a interesses sociais, como os que envolvem os conflitos
possessórios.
Este contexto de disputa pela posse, uso e distribuição da terra, é marcado
por uma estrutura agrária de privilégios e injustiças. Neste compasso,
33

assenta-se na dominação política autoritária e clientelista, ou seja, pelo


interesse de determinado grupo ou indivíduo dominante. Destarte, mantém-
se um cenário favorável ao capitalismo especulativo e discriminador, bem
como à produção do legal comprometimento com os interesses das
tradicionais elites agrárias (WOLKMER, 2001, p. 106).
Com isso, ao se demandar o judiciário, as decisões judiciais podem
agravar tal cenário. Em relação aos conflitos possessórios judicializados na
comarca de Paço do Lumiar, é possível observar uma atuação conservadora
ou não, possibilitada tanto pela pesquisa nos processos judiciais quanto pela
pesquisa cartorial e de campo nas comunidades envolvidas em conflitos
possessórios.
Em gráfico elaborado pela SEDIHPOP (2015), observa-se a existência de
conflitos coletivos com liminares de reintegração de posse, no qual o
conteúdo das decisões pode estar alinhado ou não a uma visão conservadora.
O Gráfico 3 mostra que, de 56 liminares de reintegração de posse, a maioria
situa-se no município de São José de Ribamar (38), comparado com Paço do
Lumiar (2), Raposa (5) e São Luís (11).
34

Gráfico 3 – Porcentagem de liminares de reintegração de posse na região metropolitana de São Luís

Fonte: SEDIHPOP, 2015.

Em Paço do Lumiar, como exemplo, temos o caso de Eugênio Pereira


(Processo nº 1613-35.2012.8.10.0049), localizada no referido município,
situado a 20km do centro de São Luís. Desde o ano de 2010 a comunidade
sofre ameaça de despejo, tendo em vista ter sido caracterizada como
“invasão”. Em decorrência desta “ilegalidade”, constataram-se diversos
problemas decorrentes da ausência de regularização fundiária da área, como
ausência de: a) abastecimento e saneamento básico; b) transporte público
regular; c) serviços públicos educacionais; d) serviços públicos de saúde; e)
segurança pública; f) coleta de lixo.
Observa-se que tal comunidade é exemplo, assim como outras existentes
em Paço do Lumiar, do processo de urbanização que marca as cidades
brasileiras. No caso, as desigualdades são aprofundadas na medida em que a
35

proteção possessória da comunidade é fragilizada e o direito à moradia é


posto em segundo plano frente à uma pretensão individual de direito de
propriedade.
Neste caso, os pretensos proprietários ajuizaram ação possessória e
obtiveram decisão favorável, fundamentando a mencionada ameaça de
despejo. Não obstante, a decisão não chegou a ser cumprida tendo em vista a
atuação de entidades como a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos
Advogados do Brasil, Secção Maranhão.
No aludido processo judicial, observou-se uma atuação conservadora,
fundamentada numa visão estritamente civilista. No entanto, atualmente, a
área encontra-se em vias de regularização fundiária pelo Instituto de Terras
do Maranhão – ITERMA. Trata-se de órgão estadual que arrecada terras
devolutas (que não possuem registro de propriedade) para que haja posterior
titulação em favor de indivíduos ou de coletividades.
Neste compasso, além da ação judicial não levar em consideração a
função social da propriedade e a tutela do direito à moradia, fundamentou-se
em um título de propriedade sem amparo legal – tanto que posteriormente o
ITERMA viria a dar andamento ao processo administrativo de regularização
fundiária.
Como já afirmado, o ajuizamento de ações possessórias é crescente tendo
em vista os conflitos fundiários urbanos. Não obstante, observam-se decisões
juridicamente questionáveis, que acabam aprofundando o desrespeito à
dignidade da pessoa humana.
36

Este cenário assemelha-se ao destacado por Fernandes (2012, p. 17), no


qual a segregação existente nas cidades brasileiras é resultado da
manutenção da ordem jurídica liberal, que reforça a lógica especulativa do
mercado e considera a propriedade como valor de troca – não inserindo seu
conteúdo social. Assim, a constatação da manutenção desse paradigma
jurídico possibilita formulações e questionamentos críticos tanto pela
sociedade quanto pelo mundo jurídico.
Investigar o conteúdo das decisões judiciais possibilita observar o
agravamento ou não das desigualdades decorrentes do desenvolvimento
urbano brasileiro. Trata-se, não somente de uma investigação puramente
formal das decisões, mas sim compreender de forma complexa a atuação do
poder judiciário. Neste sentido, a desconstrução da tutela jurídica da posse
fundamentada em ideais conservadores e contrapostos à função social da
propriedade e à moradia digna servirá para questionar os elementos que
agravam as situações de desigualdade no espaço urbano, fortalecendo a
atuação de movimentos e grupos sociais envolvidos em conflitos urbanos.

3 Perspectivas da atuação do PAJUP em relação à execução do projeto


“Direito Achado na Ilha”

Conforme se pretendeu no tópico anterior, a situação de conflitos


fundiários urbanos, que não raro são levados ao judiciário, pode resultar no
aprofundamento de negação e violação de direitos dependendo de como os
instrumentos jurídicos existentes no ordenamento jurídico são utilizados.
37

Neste sentido, destacam-se possibilidades de atuação do PAJUP de forma


conjunta e emancipatória junto a comunidades, com o intuito de superar tais
situações de injustiça.
A insuficiência da atuação do poder público na resolução da problemática
urbana no Brasil perdura há décadas. Alfonsin (1997, p. 1580-1581) destaca,
ambientando-se na década de 1990, que tal insuficiência decorre de alguns
fatores e, dentre eles, a rigidez e organização deficitária de Cartórios de
Registros de Imóveis e a mentalidade conservadores de juristas
(principalmente do poder judiciário). Compreender a atuação do poder
judiciário (e, consequentemente, de outros órgãos envolvidos na resolução
de conflitos agrários) possibilita entender avanços ou retrocessos jurídicos
frente a resolução das desigualdades na cidade.
Wolkmer (2001, p. 108-109) apresenta que frente a estes conflitos é
possível observar alguns comportamento do judiciário, sendo eles: a)
atuação tradicional em nível predominante – aplicação da legislação estatal
oficial; b) atuação inoperante em nível crescente – negociações pela via
administrativa e; c) atuação alternativa em nível de exceção – por relevância
pública e justiça social, o Judiciário decide em favor dos invasores,
reconhecendo direitos em face das carências e necessidades fundamentais.
A forma como a proteção possessória é concebida judicial e
juridicamente está intimamente ligada à manutenção das desigualdades nas
cidades. A tutela da posse baseada na visão civilista baseada única e
exclusivamente no título de propriedade mantém a exclusão social e a
concentração undiária. Isto resulta em um “padrão essencialmente
38

especulativo de crescimento urbano, que combina a segregação social,


espacial e ambiental” ERNANDES, , p. 3 .
Assim, é necessário aprofundar a compreensão dos conflitos fundiários
coletivos urbanos em Paço do Lumiar/MA e, consequentemente, na região
metropolitana de São Luís/MA, destacando-se a relação entre o Direito, a
desigualdade no espaço urbano e a reprodução da insuficiência na solução
dos conflitos.
Deste modo, passam-se às expectativas e algumas realizações advindas
do projeto. O PAJUP, enquanto assessoria jurídica universitária popular,
propondo pesquisar a proteção jurídica da posse no contexto de conflitos
fundiários coletivos urbanos em Paço do Lumiar-MA, pretende incidir na
mudança do grave cenário de conflitos urbanos no qual diversas
comunidades se inserem. Neste compasso, mostra-se importante a pesquisa
para o fortalecimento da luta dos membros da comunidade, sensibilização da
comunidade acadêmica e jurídica, mobilização de canais de participação
popular e questionamento do modelo jurídico dominante.
Deste modo, o projeto investiga a judicialização dos conflitos fundiários
coletivos urbanos na Comarca de Paço do Lumiar, buscando mecanismos de
efetivação do direito à moradia digna das comunidades. Especificamente,
intenta: a) levantar as legislações atinentes aos conflitos jurídicos fundiários
urbanos; b) realizar um levantamento dos conflitos fundiários coletivos
urbanos no município de Paço do Lumiar; c) dar publicidade às situações de
conflitos fundiários urbanos na região; d) investigar os fundamentos das
ações judiciais envolvendo conflitos fundiários urbanos na região; e) fazer
39

levantamento da legalidade de títulos juntados aos autos dos processos


envolvendo conflitos fundiários urbanos; f) fazer reuniões periódicas de
atualização da comunidade acerca das informações coletadas na pesquisa.
Para a concretização do projeto, foram realizadas formações acerca das
temáticas afins à realidade das comunidades, com estudo de legislação e
obras acadêmicas relacionadas a direito civil, educação popular em direitos
humanos, direito urbanístico, direito constitucional, procedimentos
possessórios, etc.
Paulatinamente ao aprofundamento nas temáticas, foi realizado o
levantamento dos casos a serem acompanhados. Para tanto, foram realizadas
visitas e pesquisas junto a comunidade, ao Fórum da Comarca de Paço do
Lumiar, à SEDIHPOP, à Defensoria Pública e ao Ministério Público, e à
Comissão Estadual de Prevenção e Combate à Violência no Campo –
COECV. Entretanto, os dados até então coletados ainda não se mostram
substanciais a ponto de atualizar aqueles anteriormente destacados.
Entretanto, continuando com tais procedimentos, espera-se mapear os casos
judicializados ou não envolvendo conflitos fundiários coletivo-urbanos para
além daqueles anteriormente destacados.
Após o levantamento das situações, pretende-se realizar trabalho de
campo junto à comunidade para formação local e levantamento de ações a
serem judicializadas. Neste ponto, pretende-se realizar a apresentação das
propostas e oficinas à comunidade, de modo a dar publicidade devida às
demandas. A atuação valer-se-á como base a metodologia da educação
popular freireana, que auxilia na construção de canais de diálogo horizontal
40

entre os discentes e a comunidade e na feitura de um conhecimento conjunto,


crítico da realidade local e articulado entre o saber popular e o conhecimento
produzido na academia.
Também se projeta realizar a análise detida de todos os processos
judiciais, com situação atual destes, atuação das partes, provas juntadas aos
autos e desempenho do Poder Judiciário em decisões e despachos. Ademais,
a análise das provas constantes nos autos servirá para comparação com o
resultado da pesquisa cartorial a ser realizada e a análise da atuação das
partes e do Judiciário servirá para uma melhor identificação dos conflitos
fundiários coletivos urbanos em Paço do Lumiar, de modo a auxiliar na sua
resolução para uma efetivação do direito à moradia digna.
Espera-se com o projeto a realização de: levantamento dos procedimentos
judiciais existentes acerca de conflitos fundiários coletivos urbanos em Paço
do Lumiar; mapeamento e análise das decisões judiciais afeitas a esses
procedimentos judiciais; mapeamento da situação cartorial demonstrada nos
autos processuais analisados e nos cartórios da cidade; judicialização de
novas demandas tendentes a auxiliar na regulamentação fundiária da
comunidade; produção bibliográfica consistente acerca da realidade dos
conflitos fundiários coletivos urbanos em Paço do Lumiar; formação, nos
discentes, de uma sensibilidade aos problemas regionais, combinada com a
formação jurídica necessária para a atuação concreta na realidade;
empoderamento da comunidade acerca das demandas judiciais fundiárias
que afetam suas vidas, através da utilização da metodologia da educação
popular.
41

Considerações finais

O artigo tratou do projeto “Direito achado na ilha: tutela jurídica da posse


no contexto de conflito fundiário coletivo urbano no município de Paço do
Lumiar/MA”, abordando o contexto no ual comunidades deparam-se com
situações de negação e violação de direitos, principalmente relacionado à
manutenção na terra.
Quanto aos aspectos teóricos, é possível visualizar as problemáticas
decorrentes do uso do direito enquanto instrumento de manutenção de poder
e de segregação social. Isto é verificado nas decisões judiciais e nos
cartórios, quando o formal desconsidera as reais relações matérias da
sociedade.
Com isso, o projeto pretende uma inserção neste contexto, com o intuito
de construir em conjunto com a comunidade práticas jurídicas que repilam
essas situações de injustiça, utilizando-se o direito como instrumento de
emancipação e concretização da justiça social.
O direito, pretendendo regular relações da vida civil, acaba interferindo
diretamente na consolidação de injustiça em diversos âmbitos da sociedade,
como ocorre com a cidade. Assim, com fundamento na educação popular, a
pesquisa e a extensão que sustentam o projeto buscam contribuir para uma
participação da comunidade na construção da cidade enquanto espaço
democrático e inclusivo.
42

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43

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45

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46
47

Direito achado na ilha: tutela jurídica da posse no contexto de


conflito fundiário coletivo urbano no município de Paço do Lumiar –
Relatório de pesquisa2

Ruan Didier Bruzaca, Arnaldo Sousa,


Alice Matos, Ana Paula Mesquita, Anne Aires,
Arthur Martins, Daniel Silva, Glaucia Lima,
Jordana Rosa, Layse Campos, Mayara Abreu,
Ricardo Pestana, Rayanne Mendes,
Sarah Queiroz, Teodoro Rojas

Direito e conflitos possessórios


Levantamento das ações possessórias em paço do lumiar

Para a realização do levantamento das ações possessórias em Paço do


Lumiar pertinentes aos objetivos do projeto “Direito Achado na Ilha” oram
elegidos algumas técnicas e critérios metodológicos e, com o intuito de
buscar dados mais precisos, foi realizado cruzamento de dados de vários
órgãos e instituições.

2
Relatório de pesquisa apresentado à Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento
Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA).
48

Os processos selecionados para análise foram levantados junto à


Comissão Estadual de Prevenção e Combate à Violência no Campo e na
Cidade (COECV), à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), à 1ª Vara da
Comarca de Paço do Lumiar, à 2ª Vara da Comarca de Paço do Lumiar e à
Vara de Interesses Difusos e Coletivos da Comarca de São Luís.
A delimitação temporal parte de processos ajuizados a partir de 2010,
momento em que se observa a organização das comunidades de Paço do
Lumiar em coletivo voltado para a resistência ao avanço do capital
imobiliário, ou seja, do Fórum das Comunidades Ameaçadas de Despejo de
Paço do Lumiar.
Assim sendo, nos dados obtidos na COECV, obteve-se uma listagem de
diversos processos, no interior e na capital do Maranhão, referentes a
conflitos possessórios. Tratam-se de processos em que a referida comissão
tem conhecimento para que atue e evite a propagação da violência nos
conflitos fundiários.
Realizando-se o crivo dos processos a partir de 2010 e localizados no
município de Paço do Lumiar, obteve-se a listagem da Tabela 1.
Quanto a estes dados, foi realizado cruzamento com as comunicações
endereçadas à OAB referente aos despejos operacionalizados pela Polícia
Militar do Maranhão. Da mesma forma, diversas comunicações foram
acessadas, mas, realizando-se o crivo daquelas a partir de 2010 e no
município de Paço do Lumiar, obtendo-se a listagem referente à Tabela 2.
49

Tabela 1 – Ações possessórias a partir de 2010 da Comarca de Paço do Lumiar (COECV)


Ano Número do processo Vara
2010 1693-67.2010.8.10.0049 1ª Vara
2011 003.2011.014.177-1 Juizados especiais
2012 92-55.2012.8.10.0049 2ª Vara
1613-35.2012.8.10.0049 1ª Vara
1022-73.2012.8.10.0049 1ª Vara
1235-79.2012.8.10.0049 1ª Vara
003.2012.006.645-5 Juizados especiais
2013 898-56.2013.8.10.0049 1ª Vara
597-12.2013.8.10.0049 1ª Vara
256-83.2013.8.10.0049 1ª Vara
2014 323-14.2014.8.10.0049 2ª Vara
2214-70.2014.8.10.0049 1ª Vara
2015 1102-32.2015.8.10.0049 1ª Vara

Tabela 2 – Ações possessórias a partir de 2010 da Comarca de Paço do Lumiar (OAB/MA)


Ano Número do processo Vara
2010 1693-67.2010.8.10.0049 1ª Vara
2012 92-55.2012.8.10.0049 2ª Vara
1613-35.2012.8.10.0049 1ª Vara
1022-73.2012.8.10.0049 1ª Vara
256-83.2013.8.10.0049 1ª Vara
2014 323-14.2014.8.10.0049 2ª Vara
50

Observa-se que são processos já destacados no levantamento da COECV


em razão da OAB integrar a referida comissão. Neste sentido, quanto aos
processos acompanhados pela COECV e OAB, tem-se o total de treze (13)
processos nos anos de 2011 (1), 2012 (5), 2013 (3), 2014 (2) e 2015 (1).

Gráfico 1 – Ações possessórias a partir de 2010 da Comarca de Paço do Lumiar (COECV e OAB/MA)

Entretanto, necessário se faz outro cruzamento de dados: com o judiciário


do Estado do Maranhão. Isto em razão de: 1) não necessariamente aqueles
processos acompanhados pela COECV e pela OAB serem conflitos
fundiários urbanos coletivos, visto que recebem comunicações de despejos
de todas as ordens; 2) nem todos os conflitos fundiários urbanos coletivos
são comunicados à Comissão e à OAB.
51

Com isso, foi realizado levantamento direto com a 1ª e 2ª Vara da


Comarca de Paço do Lumiar. Isto foi realizado em duas etapas: 1) solicitou-
se acesso aos processos destacados pela COECV e pela OAB; 2) solicitou-se
listagem completa na Comarca, utilizando-se como instrumento de pesquisa
o Sistema Themis (sistema de processos utilizado pelo judiciário
maranhense), com os critérios de tempo (a partir de 2010),
competência/natureza (cível – competência genérica), classe do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ)/tipo de ação (Reintegração/Manutenção de posse).
Na segunda etapa do levantamento deparou-se com uma grande
quantidade de processos, visto que trazia tanto conflitos individuais quanto
coletivos, bem como conflitos envolvendo bens móveis e imóveis. Ademais,
segundo os critérios do judiciário, os processos são divididos em tramitando,
julgados e arquivados. Neste sentido, somente os processos de bens imóveis
(cujo crivo se realizou pelo Jurisconsult, sistema para acompanhamento de
processos) e conflitos coletivos (aqueles que envolveriam uma determinada
coletividade organizada) foram selecionados.
Ao final, foram levantados os seguintes processos na 1ª Vara de Paço do
Lumiar: 1) Proc. nº 17602010; 2) Proc. nº 15402012; 3) Proc. nº 11112015;
4) Proc. nº 15962015; 5) Proc. nº 16912015; 6) Proc. nº 20132015. Na 2ª
Vara, os seguintes: 1) Proc. nº 7172010; 2) Proc. nº 17762011; 3) Proc. nº
492012; 4) Proc. nº 3482013; 5) Proc. nº 3972013. Destes foram incluídos
apenas os processos em trâmite e julgados, não estado inclusos os
arquivados definitivamente.
52

A estes processos se somam aqueles em que a competência foi definida


para a Vara de Direitos Difusos e Coletivos que, para o Juiz Douglas
Martins, seriam aqueles em que para além da identificação de uma
coletividade, é necessário observar a presença de interesse social. Com isso,
obteve-se listagem também proveniente do Sistema Themis, a partir de 2010,
utilizando-se como critério de filtro a Classe CNJ/Tipo de ação.
Como resultado, obteve-se tanto conflitos possessórios coletivos em Paço
do Lumiar quanto nos demais municípios presentes na Ilha do Maranhão, ou
seja, São Luís, Ribamar e Raposa.
No total, foram listados quinze (15) processos, sendo nove (9) deles em
São Luís (Proc. nº 413022016, Proc. nº 263172013, Proc. nº 33642011, Proc.
nº 596142011, Proc. nº 298522014, Proc. nº 503672013, Proc. nº
500872014, Proc. nº 171862008), cinco (5) em Raposa (Proc. nº 418462012,
Proc. nº 292042014, Proc. nº 607522014, Proc. nº 598572014 e Proc. nº
642562014), dois (2) em Paço do Lumiar (Proc. nº 262752015 e Proc. nº
932016) e nenhum em Ribamar. No Processo Judicial Eletrônico foi listado
mais um processo, em São Luís (Proc. nº 0800840-96.2015.8.10.0002),
totalizando dezesseis (16) ao todo.
Assim, em termos de divisão de conflitos coletivos na Vara de Direitos
Difusos e Coletivos, visualizam-se os processos conforme o Gráfico 2. Neste
compasso, foram listados ao fim para a análise da presente pesquisa, os
processos presentes na Tabela 3, cuja quantidade pode ser visualizada no
Gráfico 3.
53

Gráfico 2 – Ações possessórias na região metropolitana de São Luís (Vara de Direitos Difusos e Coletivos)

Tabela 3 – Ações possessórias envolvendo coletividades a partir de 2010 da Comarca de Paço do Lumiar
Ano Número do processo Vara
2010 17602010 1ª Vara
7172010 2ª Vara
2011 17762011 2ª Vara
2012 15402012 1ª Vara
492012 2ª Vara
2013 3482013 2ª Vara
3972013 2ª Vara
2015 11112015 1ª Vara
15962015 1ª Vara
16912015 1ª Vara
20132015 1ª Vara
262752015 Vara de Direitos Difusos e Coletivos
2016 932016 Vara de Direitos Difusos e Coletivos
54

Gráfico 3 – Ações possessórias envolvendo coletividades a partir de 2010 da Comarca de Paço do Lumiar

Com isso, selecionados os processos atinentes à presente pesquisa,


utilizando dos critérios acima expostos, passa-se ao mapeamento das
decisões judiciais. Com isso, será identificado em quais localidades no
município de Paço do Lumiar encontram-se tais coletividades em situação de
conflito.
55

Mapeamento das ações possessórias


Análise das ações possessórias e das decisões

A análise das decisões será realizada em conjunto com alguns aspectos


processuais, como a instrução da petição inicial, recurso pelas partes,
contestação e atuação das instituições do sistema de justiça. Alguns aspectos
foram analisados, guardada as particularidades de cada caso, podendo
estarem ou não identificados.
Em relação à petição inicial, foi realizado: a) resumo do caso; b) destaque
à presença ou não do cumprimento à função social da propriedade e da
posse; c) tipos de provas são utilizadas para fundamentar a petição; d)
utilização do título de propriedade como fundamento da ação possessória; e)
comprovação da posse; f) comprovação do cumprimento da função social da
propriedade.
Em relação à decisão liminar, foi realizado: a) resumo da decisão; b) em
caso de concessão de liminar, o fundamento para concessão de liminar
naudita altera parte e reconhecimento da veracidade dos fatos alegados pelo
autor; c) requisitos para concessão da liminar; d) caracterização da posse; e)
reconhecimento da função social; f) fundamentação em título de propriedade
e, em caso positivo, acostamento da cadeia dominial.
Em seguida, averiguar a presença de recurso pela parte autora ou pela
parte ré, observando: a) o fundamento do agravo; b) existência de juízo de
retratação; c) em caso de provimento do recurso, em que se fundamenta
56

(presença caracterização da posse, cumprimento da função social, título de


propriedade com cadeia dominial).
Em caso de contestação, foi observado: a) existência de contestação em
face de toda coletividade; b) fundamento da contestação; c) fundamento na
função social; d) caracterização da posse.
Em caso de sentença, foi destacado: a) resumo da sentença; b)
caracterização do reconhecimento da posse; c) análise do cumprimento da
função social; d) se fundamentado em título de propriedade, se se acosta a
cadeia dominial.
Por fim, foi também observado a atuação de instituições do sistema de
justiça, ou seja, do Ministério Público do Maranhão (Promotoria local e da
38ª Promotoria Especializada em Conflitos Agrários), da Defensoria Pública
do Estado do Maranhão e da advocacia popular. Analisou-se: a) existência
de atuação; b) resumo da atuação; c) fundamentos da atuação.

Processo nº 17602010 (1812-28.2010.8.10)


a) Resumo do caso e instrução da petição inicial

Trata-se de ação ajuizada por Roberto Duailibe Cassas Gomes, residente


no município de São Luís no bairro Cohama, São Luís/MA. Aquele
ingressou em juízo com reintegração de posse com pedido liminar de
Inaudita Altera Pars em face de senhora Francisca, Israel, Zé dos Pau,
Vando, José Cearense, irmã Rosa e outros que ocupam um terreno na Vila
Cafeteira em Paço do Lumiar.
57

O autor alega ter sido esbulhado pelos réus impedindo de desfrutar de seu
im vel, sendo a “invasão” clandestina e violenta onde as moradias oram
construídas de pronto sob o litígio. Ademais, o autor afirma sofrer prejuízo
por pagar mensalmente vigia para tomar conta da propriedade. Portanto,
pede restituição da posse, pena de multa diária e indenização.
Entende-se que envolve grupo organizado em coletividade e que fazem
cumprir a função social no cenário de crise urbana, uma vez que a parte ré
constitui uma unidade, constituindo a comunidade Renascer, na qual há uma
pluralidade de pessoas, bem como o animus de ali residir definitivamente,
com construção de casas.
As provas utilizadas para fundamentar a petição foram: certidão de
registro (Matrícula nº 6078, Registro nº 02. Folhas 206, Livro 2-U, de
Registro Geral de Imóveis do Serviço Notarial e Registral do 1º Ofício de
Paço do Lumiar-MA; Matrícula nº 6079, Registro nº 02. Folhas 207, Livro
2-U, de Registro Geral de Imóveis do Serviço Notarial e Registral do 1º
Ofício de Paço do Lumiar-MA), termo de resgate de um terreno foreiro ao
patrimônio municipal (Livro nº 01, folhas nº 108 a 109, termo nº 100,
registrado no Livro de Aforamento nº 17, fls 186 a 187, nº 713; Livro nº 01,
folhas nº 109 a 110, termo nº 101, registrado no Livro de Aforamento nº 17,
fls 187, nº 713) escritura pública (1º Traslado do Livro de Notas nº 69, folhas
011; 1º Traslado do Livro de Notas nº 69, folhas 012), fotos, fatura de
energia elétrica.
Segundo, entende-se que o único fundamento jurídico utilizado foi o
título de propriedade. Não há efetiva comprovação do exercício da posse
58

pela parte autora. Não há alegação do cumprimento da função social da


propriedade.

b) Decisão liminar

Na primeira liminar, alega-se que a posse está comprovada por meio da


veracidade plausível do fato alegado, demonstrando que o deferimento da
mesma não traria prejuízos aos réus, já que haveria outra oportunidade de se
alegar e provar a natureza dúplice das ações possessórias. Afirma-se que o
transcurso do tempo ao estabelecimento do esbulhado é prejuízo ao autor e
aos requeridos, que poderão vir a introduzir acessão ao imóvel alheio, vindo
a perdê-lo na forma da lei se não comprovada a boa-fé. Diz-se estar
preenchidos os requisitos do Art. 927 e Art. 928, CPC/1973. Deferiu-se a
reintegração da posse e fixou-se multa, para o caso de nova turbação, multa
de R$ 500,00 (quinhentos reais) /dia. Assim, houve concessão de liminar em
favor do autor, sendo esta inaudita altera parte.
Na concessão de liminar, levou-se em consideração o autor ser
proprietário do imóvel. Com isso, posse seria, na decisão, ter a propriedade.
Ademais, não houve análise do cumprimento da função social da
propriedade e da posse. Quanto ao título de propriedade, não houve análise
pelo juízo da cadeia dominial, não se podendo concluir pela legalidade do
título.
59

c) Recurso pela parte ré

O fundamento usado no recurso de agravo de instrumento com efeito


suspensivo é sobretudo a de que a liminar só pode ser expedida quando
restar comprovada a posse na petição inicial sem mesmo ouvir o réu se
houver continuação da posse. Caso contrário, impõe-se ao autor o dever de
justificar o alegado, por isso a necessidade da audiência de justificação a
qual fora frustrada devido à não localização do imóvel pelo meirinho.
O recurso ainda alega que o único argumento válido utilizado pelo autor é
a do pagamento de uma conta de energia, que, no entanto, não é um
argumento forte o suficiente, uma vez que a conta data de 2005 e o esbulho
de 2010, logo é um instrumento inidôneo de prova. Além disso, o fato do
imóvel sequer ter sido identificado pelo oficial de justiça mostra a
necessidade imprescindível de realizar-se a audiência de justificação prévia.
Acerca do recurso de apelação o fundamento utilizado foi o direito
fundamental à moradia no sentido da atribuição de direito humano pelo
PIDESC de tal forma que esse argumento utilizado foi no sentido de
proteção contra despejos forçados, por conta da vulnerabilidade de todos os
demais direitos humanos que restarão prejudicados sem a proteção desse.
Logo a desocupação só poderia ser feita com um acordo entre as partes e o
poder público para remanejamento da parte hipossuficiente. Para isso, foi
feita a proposta de inclusão prioritária da Comunidade no projeto Minha
casa, Minha vida para reassentamento e neste prazo ficaria vedada o despejo
da comunidade.
60

Não houve juízo de retratação. No acórdão que julgou o agravo de


instrumento, os desembargadores seguiram o voto do relator que foi no
sentido de dar provimento ao agravo, ou seja, foi concedido o efeito
suspensivo da liminar sob o fundamento da possibilidade real de
reversibilidade da medida, uma vez que se fosse permitida a liminar, os
ocupantes seriam despejados e, hipoteticamente, ao final do processo
poderiam ganhar a causa, o que poderia trazer danos irreversíveis.

d) Contestação

A contestação alega na preliminar ilegitimidade ativa e no mérito alega


ausência de comprovação do exercício da posse. Mais uma vez, encontra-se
o entendimento de que posse e propriedade são inconfundíveis e que registro
de compra e venda apenas comprova a propriedade, mas não comprova a
posse, logo o autor apenas comprova propriedade e o instrumento processual
técnico para questionar propriedade é ação reivindicatória, enquanto que
para questionar posse é a de reintegração de posse. Assim sendo, a parte
autora é ilegítima, uma vez que o legitimado ao processo é o titular do
interesse em conflito.
A contestação fundamenta-se na função social da posse. Na contestação a
posse adquire a característica de efetivo uso, gozo, fruição e reivindicação
aliada à função social da posse de acordo com a nova ordem jurídico-
urbanística. Dessa forma, ao não se constatar nem destinação econômica,
entende-se que não há posse, mas abandono da terra. Além disso, uma vez
61

entendida a função social da posse enquanto garantia fundamental, há que se


estabelecer o vínculo entre a posse a proteção da titularidade dominial

e) Sentença

Alega-se ue os “invasores” se instalaram de orma clandestina e


violenta. Que a posse fora comprovada através do enquadramento do autor
aos incisos do Art. 927, CPC/73, e pelas informações trazidas pelas
testemunhas do mesmo (empregados do mesmo – “caseiros” .
Diz-se, ainda, que os réus não desconstruíram as alegações do autor,
con irmando o esbulho ao a irmarem ue “invadiram” a propriedade “pois o
autor não cumpria a função social da mesma”. A irma-se que a Constituição
Federal garante a propriedade e que, embora vinculada à função social, a
mesma [função social] não se sobrepõe ao direito fundamental da
propriedade e que somente o Estado Democrático de Direito pode promover
a reforma agrária.
Ademais, acrescentou-se que o princípio da dignidade da pessoa humana
não pode albergar ou chancelar ilegalidades. Identificou-se ser a demanda
caracterizada como posse nova. Julgou-se a demanda procedente, conforme
Art. 269, I, CPC/73, afirmando que para além da verossimilhança, a decisão
militou no estancamento das “invas es”, evitando a especulação imobiliária.
Deu-se prazo de 15 dias para desocupação voluntária, onde, após decorrido
prazo, recorrer-se-ia ao cumprimento por meio de força policial e cobrança
62

de multa de R$ 100,00 (cem reais) /dia, sendo esta última revertida em favor
do demandante.
A posse é considerada na sentença enquanto situação de fato, verificada
por meio dos poderes inerentes à propriedade: usar, fruir, dispor e
reivindicar. É o exercício de qualquer destes elementos, relacionando-se à
coisa tal como dono. Ademais, é o animus domini (aparência de dono).
Afirma-se, ainda, que o título de domínio deve ser levado em consideração
para o julgamento da demanda, pois a posse se interliga à propriedade, não
podendo se preterir quem não tem justo título (conforme Artigos 1200 e
1201, CC/02). O cumprimento da função social não é analisado e se
fundamenta em título de propriedade.

f) Atuação de instituições do sistema de justiça

Não houve intervenção do Ministério Público do Maranhão, nem da


advocacia popular. Por outro lado, a Defensoria atuou na defesa dos
requeridos, através do Dr. Alberto Tavares, o qual elencou contestação não
só como mero instrumento processual, mas como demonstração da história
dos sujeitos passivos, elencando estudo social da comunidade Renascer,
situada na Vila Cafeteira, fomentando a existência de proibição contra
despejos forçados, a importância da função social para a interpretação fática
da propriedade e sua posse, agravando com pedido de efeito suspensivo
ativo e apelando. A Defensoria, ademais, deslocou-se até a comunidade para
registrar as moradias das famílias situadas na área em litígio, no intuito de
63

comprovar o animus de se fixar e domini (aparência de dono) e o


cumprimento da função social da propriedade, à medida que se comprova a
veracidade da declaração de pobreza da parte ré e a ausência de exercício de
posse pela parte autora.
A Defensoria atuou, anterior ao critério econômico, devido à ausência
dos requeridos na Audiência de Conciliação e Mediação após procurados por
Oficial de Justiça no endereço informado no mandado. Identificada a parte
ré, o órgão prosseguiu na defesa dos mesmos por motivos de renda e pela
percepção de se constituírem enquanto comunidade, sendo esta vulnerável a
questões que envolvem a terra.

Processo nº 7172010 (734-96.2010.8.10.0049)


a) Resumo do caso e instrução da petição inicial

Os autores Antônio de Oliveira Neto e sua esposa Maria Vilene Batista


de Oleira residentes no Centro de São Luís ingressaram em juízo para propor
ação de reintegração de posse com pedido de liminar em face Maria José
Lima da Silva, João Fernando Nascimento dos Santos, Maria Borges dos
Santos, Maria Lúcia Pereira da Silva, Juarez Silva, Isania Karine Miranda
Pinto, Silvana Miranda Nunes, Francisco Ferreira dos Santos, Guidamar
Silva dos Santos Souza e Pirruca e alegam estarem juntamente a estes outras
100 (cem) famílias onde os autores alegam possuir 30 lotes.
Tendo como perspectiva a existência de mais de 100 famílias em uma
área de 30 lotes e com a percepção do animus de ali se fixar definitivamente,
64

uma vez que foram construídos casas de taipa e alvenaria e instalação de


água, percebe-se haver uma organização tal qual de uma comunidade em
busca de terras.
Como forma de prova o autor possui escritura de compra e venda de
terreno pela Santa Mônica LTDA, registro em cartório (escritura pública no
1º traslado do Livro de notas nº 048, às fls. 131 a 135), e provas acerca do
esbulho e da propriedade. Neste compasso, apenas o título de propriedade é
utilizado como fundamento, não sendo comprovada a posse ou de sua função
social.

b) Demais aspectos processuais

A presente ação não possui à época do levantamento andamento


processual suficiente para existência de demais aspectos processuais.

c) Atuação de instituições do sistema de justiça

Não houve atuação do Ministério Público do Maranhão, da Defensoria


Pública do Estado do Maranhão e da advocacia popular.
65

Processo nº 17762011 (1819-83.2011.8.10.0049)


a) Resumo do caso e instrução da petição inicial

O autor, Zizuino Barros da Silva, se diz legítimo proprietário do imóvel


de 85.700m², com titularidade reconhecida em 2006 pelo mesmo juízo da
manutenção. Em 18 de novembro de 2011, teve notícia de que algumas
pessoas “invadiram” a re erida área e outros terrenos vizinhos. Que na
ocasião, foi com o caseiro ao local, mas não conseguiu retirar os ocupantes.
Retirou todos os seus animais em função do volume de fogo e fumaça
provocada pela queima da vegetação pelos “invasores”. Registrou Boletim
de Ocorrência no Maiobão.
No mérito, utiliza a Escritura pública de compra e venda e Contrato
particular de Cessão de direitos de imóvel para comprovar a posse (1ª
Traslado do livro de notas nº 30, fls. 145v a 148). Busca comprovar o
esbulho e a data por meio de Boletim de Ocorrência nº427/2015, alegando
ter ocorrido no dia 24 de novembro de 2011. Alega que com o esbulho,
perdeu a posse.
Pede concessão de liminar, Inaudita Altera Pars, nos termos do art. 928
CPC/1973 e danos morais em decorrência da destruição de 210m de cerca de
arame construído.
Os tipos de prova utilizado foram contrato particular de Cessão de
Direitos de Imóvel, vantagens e obrigações; Escritura pública de compra e
venda; Certidão do Registro do Imóvel lavrada pelo 1º Cartório de Paço e
Boletim de Ocorrência nº 6663/2011. Assim, utiliza-se como fundamento
66

apenas título de propriedade, não se comprovando posse ou sua função


social.

b) Decisão liminar

Expõe que para a concessão da liminar, incumbe ao autor provar: a sua


posse; a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; a data da turbação ou do
esbulho; a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a
perda da posse, na ação de reintegração. Após fundamentação, deferiu o
pedido de liminar para reintegrar o autor na posse, expedindo mandado de
reintegração e autorizando auxilio policial e lavratura de TCO por crime de
desobediência em caso de resistência. Assim houve concessão de liminar,
mas marcou audiência de justificação prévia em cumprimento à
recomendação de 31 de janeiro de 2012.
Em relação ao fundamento da decisão, quanto ao primeiro requisito,
entendeu demonstrado através do Contrato particular de Cessão de Direitos
de Imóvel, Vantagens e Obrigações, bem como por fotografias acostadas e
testemunhos. Entendeu por configurado o esbulho (queimadas, fincadas
estacas e levantadas algumas armações de barracos) há menos de 1 ano do
ajuizamento, de acordo com Boletim de Ocorrência e testemunhas. Por fim,
que a perda parcial da posse se comprovou pelo fato de não ter mais o
usufruto de parte do imóvel.
Entende-se que a decisão buscou analisar o direito de posse, mas o juízo
interpreta a posse como desdobramento da propriedade com a devida
67

exteriorização do animus domini. Ademais, não analisa o cumprimento da


função social, fundamenta-se no título de propriedade, mas não analisa a
cadeia dominial.

c) Demais aspectos processuais

A presente ação não possui à época do levantamento andamento


processual suficiente para existência de demais aspectos processuais.

d) Atuação de instituições do sistema de justiça

Não houve atuação do Ministério Público do Maranhão, da Defensoria


Pública do Estado do Maranhão e da advocacia popular.

Processo nº 15402012 (1520-72.2012.8.10.0049)


a) Resumo do caso e instrução da petição inicial

Trata-se de Ação de Reintegração de posse ajuizada por Salvador


Marques de Carvalho em face de Ciraldo Fontinele da Silva, Conceição
Sousa, José Preto, Luiz de tal e outras pessoas com qualificações incertas na
inicial. O autor da demanda alega ser proprietário de diversos imóveis
localizados no loteamento Jardim Paranã (vários lotes), no município de
Paço do Lumiar/MA com área total de 4.320 m². Aduz o autor que os
referidos imóveis estão registrados em nome de sua filha (Bianca Ticiana
68

dos Santos Carvalho Rugeri) no Cartório de Registro de Imóveis do


Município de Paço.
No ano de 1995 o autor da ação alega ter iniciado diversas obras na área a
fim de implementar um empreendimento no local. Afirma ainda, ter
participado de reuniões na associação de moradores do Paranã. Nos anos de
2006 e 2006 o autor construiu muros no local além de um poço e galpão, e,
em que pese o empreendimento não tenha dado certo o autor nunca
abandonou a área tendo designado pessoa para cuidar dos terrenos.
Em 2011, com a saúde fragilizada, alega o autor que teve seu terreno
ocupado por diversas pessoas, tentando dialogar mas sem êxito e para
documentar o esbulho alegado, solicitou documentação da Associação de
Moradores no sentido de demonstrar que o autor ocupava regularmente a
área objeto do litígio. Pede na inicial que seja concedida liminar no sentido
de retirar as pessoas do local, reconstrução do muro, danos materiais e ao
final mandado definitivo de manutenção de posse.
Entende-se com a análise do caso, que consiste em ocupação envolvendo
uma coletividade de pessoas em meio à um cenário de crise urbana diante da
discussão da posse do bem. Quanto às provas, foram apresentadas fotos,
Escritura Pública de compra e venda (Livro 096, fls 162 a 167, 1º Ofício
Extrajudicial de Paço do Lumiar), certidão de matrícula (Livro 2, matrícula
6067, Fichas 001 a 002; Livro 2, matrícula 6068, fichas 001 a 002; Livro 2,
matrícula 6069, fichas 001 a 002; Livro 2, matrícula 6070, fichas 001 a 002;
Livro 2, matrícula 6071, fichas 001 a 002; Livro 2, matrícula 6072, fichas
001 a 002; Livro 2, matrícula 6073, fichas 001 a 002; Livro 2, matrícula
69

32839, ficha 001; Livro 2, matrícula 32840, ficha 001; Livro 2, matrícula
32841, ficha 001) IPTU no nome da Filha do autor, Ata de Reunião da
Associação de Moradores, Declaração da Associação de moradores do
Loteamento Jardim Paranã.
Não se utilizou apenas fundamentos na propriedade, visto que são
utilizados outros fundamentos como a construção de benfeitorias, vigilância
do bem imóvel por parte do proprietário através de pessoa de sua confiança.
Não há efetivamente a comprovação de posse direta por parte da pessoa
do autor, tão somente é demonstrado que o autor constrói benfeitorias no
local, contratou pessoa para cuidar do bem, circunstâncias confirmadas por
testemunhas. Ademais, não se debruça sobre a questão da função social da
propriedade ou mesmo da posse.

b) Decisão liminar

Na audiência de Justificação e Conciliação a juíza passa a decidir a


respeito do pedido liminar (concedendo), analisando a partir das provas
juntadas e principalmente das provas testemunhais a respeito da questão.
Assim, foi marcada Audiência de Justificação Prévia, tendo sido as partes
requeridas devidamente intimadas, mas apenas uma compareceu à audiência,
mesmo porque as demais pessoas que estavam ocupando a área à época da
audiência são diversas das citadas (qualificadas na inicial), à exceção de uma
pessoa que continuava a ocupar a área (a que compareceu na audiência). Na
70

audiência foi concedida a respectiva liminar e requerido que fosse corrigido


o polo passivo com os novos ocupantes da área.
Os fundamentos utilizados para a concessão: A juíza manifesta-se no
sentido de que foi comprovada a posse por parte do autor mediante a oitiva
das testemunhas arroladas por ele que confirmaram que o autor ocupa a área
desde 1995, tendo realizado construções, plantações e vigilância constante.
Resta consignado pela julgadora que o autor comprovou o esbulho e perda
da área (situação confirmada pela diligência realizada pelo oficial de justiça
na área), tendo assim, atendendo aos requisitos do Art. 927 do CPC/73.
Apresenta-se que a posse caracteriza-se, principalmente através das
provas testemunhais das quais, a partir daí é reconhecida a posse. Ademais,
não há análise da função social da propriedade e da posse quando da
concessão da liminar, nem há manifestação no sentido de fundamentar a
decisão no título de propriedade.

c) Recurso pela parte ré

Fundamenta-se em diversos aspectos. Primeiramente na ausência de


Citação tendo em vista que o oficial de justiça citou pessoas diversas das
elencadas na inicial do autor, haja vista que quem ocupava o bem não eram
mais as pessoas que estavam qualificadas na peça vestibular, tanto que o
advogado do autor solicitou na audiência de justificação a correção do polo
passivo. Logo, as pessoas que deveriam ter sido citadas para a audiência não
o foram devidamente citadas havendo violação ao Contraditório e à Ampla
71

Defesa, acarretando em nulidade absoluta decorrente da ausência de citação.


O segundo aspecto do recurso se deu no sentido da ilegitimidade da parte
autora da ação, haja vista que o bem imóvel objeto do litígio está no nome da
filha do autor e do seu respectivo esposo. Por conseguinte, o agravo ainda
sustenta a tese de que os documentos juntados pelo autor (Escritura e
Registro do Cartório) são passíveis de dúvidas quanto à sua veracidade, haja
vista que foram expedidos de forma muito célere.
O relator nega o efeito suspensivo do agravo e posteriormente a Câmara
nega provimento ao recurso nos termos do voto do Desembargador Relator,
a saber: O relator rejeita a alegação de nulidade por vicio de citação e aduz
ue, tendo em vista ue são vários os supostos “invasores” da área, não há
necessidade que a inicial aponte e qualifique todos os réus sob pena de
inviabilizar o acesso à justiça. Aduz ainda que, não prospera a argumentação
de ilegitimidade ativa da parte autora, pois tal circunstância ainda não havia
sido apreciada pelo juízo a quo, não podendo ser apreciado pelo Tribunal,
que é instância revisora e o próprio autor identifica a sua filha como
proprietária, mas é ele mesmo que exerce a posse, bastando o
reconhecimento do estado de posse para o ajuizamento da ação. Por fim,
aduz que os agravantes não juntaram documentos capazes de reformar a
decisão, havendo falta de elementos capazes de reverter o quadro fático
apresentado. Não se analisa, ademais, o cumprimento da função social.
72

d) Contestação

Alegam os réus que houve falha na citação haja vista que as pessoas
qualificadas na inicial não eram mais as que estavam ocupando a área, e que
as que estavam ocupando não foram devidamente citadas. Posteriormente
pugnam pela ilegitimidade ativa do autor, tendo em vista que o mesmo não é
o proprietário do bem imóvel objeto de litígio, mas sim a sua filha. Afirmam
ser impossível a concessão de liminar por se tratar de “posse velha” e mesmo
se mostrar ausente o periculum in mora e que a desocupação do imóvel traria
mais danos aos ocupantes que já residem no local de maneira definitiva. Que
a área objeto da discussão vai muito além da alegada na inicial e que o autor
sequer se fez presente para tentar solucionar amigavelmente o conflito e que
na área que o autor diz ter construído diversas benfeitorias na verdade é
abandonada. Aduz que os documentos juntados pelo autor carecem de
idoneidade e que a manutenção da medida liminar poderá trazer danos
irreparáveis aos ocupantes da área, violando os seus direitos fundamentais
básicos
Há fundamento na função social no sentido de que, na contestação, alega-
se que deve ser respeitado o direito à moradia enquanto direito social e
humano, que o judiciário ao decidir tais conflitos deverá tomar uma
determinada postura garantidora de Direitos Fundamentais dentre outras
questões que acabam por resvalar na questão da função social da posse e
mesmo do Direito à Moradia. Por fim, a posse caracteriza-se por ser mansa e
73

pacífica, desde o início do ano de 2011, já tendo as famílias se fixado no


local, segundo levantado na contestação.

e) Atuação das instituições do sistema de justiça

Há parecer da Procuradoria Geral de Justiça no sentido de negar


provimento ao agravo interposto pela parte ré, ademais o MP não
demonstrou interesse no feito.

Processo nº 492012 (49-21.2012.8.10.0049)


a) Resumo do caso e instrução da petição inicial

A ação foi ajuizada por Rosimeire de Jesus Matos Aroucha, espólio de


Joseli Alves de Melo, em face de Quirino, Raimunda, Cícero (vulgo
Cigano , Bernardo e demais “invasores” de nomes desconhecidos. rata-se
de uma ação de reintegração de posse com pedido de liminar “inaudita altera
partes” cumulada com perdas e danos.
Os lotes “invadidos” seriam lotes no Paranã, Paço do Lumiar, Rua ,
havendo registro do BO em 13 de outubro de 2011. Alegam na inicial que
houve recusa em desocupar os lotes na oportunidade em que disseram que o
terreno não estava registrado. Tentou resolver amigavelmente sem êxito e
por isso procuraram o judiciário. Alegaram má-fé por parte dos ocupantes
por terem destruído a cerca.
74

Como pedido, houve cumulação de reintegração de posse, perdas e danos,


e desfazer a construção ou plantação. Pediu-se liminar sem audiência prévia
e imediata expedição do mandado de reintegração de posse, bem como força
policial para acompanhar o cumprimento da liminar e multa por
descumprimento. Ao fim, julgar totalmente procedente a ação tornando
definitiva a liminar.
Como prova, foram juntadas certidão de óbito de Joseli, Escritura pública
de compra e venda à Joseli, Registro Geral do Imóvel (1º translado, livro nº
71, fls nº 105 e versos, Cartório do 1º Ofício – Ribamar) e Certidão negativa
de Imposto Territorial Urbano. Utilizou-se como fundamento somente título
de propriedade.

b) Decisão liminar

Na decisão informa-se que a possessória foi retificada posteriormente


como reivindicatória. Houve deferimento do pedido de antecipação de tutela,
com imissão da posse em 48 horas e estabelecimento de multa diária de 300
reais caso descumprir. O fundamento da decisão foi que diante da alegação
de que houve esbulho e por conta das infrutíferas tentativas de resolver
amigavelmente. Neste sentido, na decisão destaca ue “está devidamente
comprovado nos autos, uma vez que a autora, ao intitular-se inventariante
dos bens, juntou termo de compromisso, à fl. 04, a escritura pública de
compra e venda dos im veis em nome de cujus”.
75

c) Pedido de reconsideração

A parte ré apresentou pedido de reconsideração e revisão da decisão


interlocutória. Destacam que o lote foi abandonado há mais de 21 anos, com
ausência de animus de domínio – nunca houve cercas. Ademais, a autora foi
incapaz de demonstrar domínio através do título de propriedade, devendo
haver extinção do processo por ilegitimidade. Aqui foi o único momento em
que se dá destaque à função social. Solicitam prescrição da reivindicação.
Utilizam como provas fotos e certidão negativa de propriedade: inexistência
de matrícula individualizada dos números 1 ao 7, 15, 16 e 17.

d) Recurso pela parte ré

Alegam que a decisão acatada é ilegal por conta da PRESCRIÇÃO da


pretensão de reaver o imóvel e pedem concessão de liminar devido ao fumus
boni iuris e periculum in mora. Não há juízo de retratação.
Entretanto, nega-se seguimento do recurso por conta do ônus do
agravante, trata-se de um recurso manifestamente inadmissível por conta da
ausência de regularidade formal, ou seja, ausência da certidão de intimação
junto com as razões do agravo e falta da indicação da tempestividade.
76

e) Contestação

Envolveu apenas dona Maria Raimunda Ribeiro, alegando que não foi
devidamente citada para compor a ação e ficou sabendo por terceiros da
existência dela. Para tanta a contagem do prazo foi reiniciada. Apresenta que
as alegações iniciais não condizem com a realidade pois ela diz que eles
moram lá há muito mais tempo do que o falado pelo autor.
Preliminarmente, destacam carência de ação por falta de interesse
processual e por ilegitimidade de parte. Alega que a parte é ilegítima porque
não há um liame subjetivo com os atos, uma vez ue a área “invadida” não
pertenceria à autora. No mérito, entende que não houve comprovação do
esbulho.
Não obstante, não se fundamenta a contestação na função social. Quanto
à caracterização da posse, afirma-se que a parte autora nunca residiu nos
limites do loteamento o que poderia ser provado com simples vistoria no
local.

f) Intervenção das instituições do sistema de justiça

Apesar de ter pedido habilitação nos autos da Defensoria Pública do


Estado do Maranhão e o recebimento da carga com urgência, houve um
pedido de desabilitação por conta da protocolização do pedido de
reconsideração.
77

g) Atuação de instituições do sistema de justiça

Não houve atuação do Ministério Público do Maranhão, da Defensoria


Pública do Estado do Maranhão e da advocacia popular.

Processo nº 3482013 (348-61.2013.8.10.0049)


a) Resumo do caso e instrução da petição inicial

Discute-se a respeito de um imóvel em que segundo os autores da ação


havia o exercício do domínio útil adquirido por transmissão municipal (03
glebas). Alegam os autores (espólio) que são detentores do domínio útil e
posse dos imóveis desde 1960 até a data da ocupação alegada, a saber,
segundo consta da inicial: 04/03/2013, tendo sido juntado boletim de
ocorrência em que é noticiada tal situação.
Segundo os autores (herdeiros), os mesmos tomaram conhecimento da
ocupação por meio de um telefonema de uma pessoa que passava pelo local.
Informam ainda que, só resolveram ajuizar a ação para resolver em âmbito
judicial após as tentativas frustradas em âmbito extrajudicial. Na inicial, há o
requerimento no sentido de concessão de liminar e há requisição de perdas e
danos (algo que não restou bem claro na inicial) pois os autores alegam que
os réus tocaram fogo na vegetação e destruíram cercas de arame.
Consta do boletim de ocorrência juntado pelos autores (o que é passível
de dúvidas quanto à veracidade dos fatos) que são várias pessoas que
ocupam o local.
78

As provas utilizadas foram: boletim de ocorrência; b) memorial descritivo


da área, assinada por engenheiro inscrito no CREA; c) certidão de matricula
do imóvel no 1º Oficio Extrajudicial de Paço do Lumiar (Livro 2, Matrícula
nº 25.319, Ficha 001, Selo 000.009.132.743; e Livro 2, Matrícula nº 25.320.
Ficha 001, Selo 000.009.132.745); d) fotos (não tão claras quanto ao
objetivo almejado na ação); e) há requisição de prova: pericial, testemunhal
e inspeção judicial.
Aparentemente o único fundamento do pedido é com base na
propriedade, haja vista não restar caracterizada a posse de fato. A posse não
é caracterizada, tanto que a juíza identifica a falta desse elemento quando
nega a liminar. Não chega a abordar a questão da função social da
propriedade ou da posse Decisão liminar.

b) Decisão liminar

A juíza entende que, tendo em vista a não comprovação da posse anterior


e posterior ao esbulho, falta um dos requisitos autorizadores da concessão de
medida liminar (nenhuma conta de água, luz ou telefone ou algum
documento apto a comprovar a posse), afirma que as fotos juntadas nada
provam a respeito da posse. Deixa consignado que o simples Boletim de
Ocorrência elaborado de forma unilateral não possui amplo valor probatório.
Cumpre ressaltar que, as mesmas partes que ajuizaram a Ação de
Reintegração de Posse, também ajuizaram Ação Reivindicatória (que discute
a propriedade da coisa), Processo nº 1056-82.2011.8.10.0049 (10272011),
79

em que nesta houve concessão de liminar, que determinou aos requeridos de


se absterem de praticar qualquer ato que turbe ou esbulhe a posse dos
requerentes, mas em relação à Ação de Reintegração de posse, em que pese
o pedido dos autores no sentido de reconsiderar a decisão liminar, a juíza
manteve seu entendimento de que a posse não restou comprovada para a
concessão da liminar (fls. 254), mesmo que tenha havido concessão de
liminar na ação reivindicatória (que discute a propriedade) os autores não
acostaram nos autos da ação possessória quaisquer elementos que
comprovassem a sua condição de possuidores.
A análise, que restou no indeferimento do pedido liminar centrou-se no
valor das provas juntadas (baixo lastro probatório) e na análise da
comprovação da posse anterior (que não restou comprovada). Não é
reconhecida a posse haja vista que não foi concedida a liminar, mesmo após
vários pedidos de reconsideração.

c) Agravo pela parte autora

A parte agravante fundamenta o recurso no sentido de que os documentos


acostados na inicial comprovam a efetiva posse do imóvel por parte do
espólio, e que haveria sim o preenchimento do art. 927 do CPC/1973. Houve
requerimento de antecipação dos efeitos da tutela recursal com fundamento
na lesão grave pelo ato dos supostos “invasores” estarem vendendo os lotes
da área ocupada aumentando a ocupação, além de uma suposta destruição
ambiental da área.
80

Cumpre ressaltar que, posteriormente, após o pedido de reconsideração


de liminar na Ação de Reintegração, tendo em vista a decisão da Ação
Reivindicatória (que discute a propriedade da coisa), Processo nº 1056-
82.2011.8.10.0049 (10272011) em que, naquela ação reivindicatória, houve
liminar favorável aos autores, os mesmos ainda agravaram a decisão da juíza
que manteve o entendimento no sentido de não concessão da liminar para
reintegração de posse. O tribunal manteve a decisão de não concessão da
liminar. Aqui não houve juízo de retratação.
Houve denegação do provimento do agravo tendo em vista que não havia
lastro probatório apto a sua concessão, e foi negado efeito suspensivo do
recurso todas as vezes em que houve interposição do Agravo de Instrumento.

d) Contestação

A contestação apresentada envolve toda a coletividade do conflito, que,


conforme levantado pelo advogado dos réus, não houve a citação dos
mesmos nem pessoalmente nem via edital, mas, nos termos do art. 214 §1º
do CPC/73, os réus que se apresentaram espontaneamente supriram a falta
de citação.
Preliminarmente, a contestação diz respeito a não inclusão dos
contestantes no polo passivo da ação, que deveria ter se dado via edital, pois
os contestantes na visão dos autores eram ausentes e desconhecidos. Diante
de tal fato, requeriam os contestantes a decretação de nulidade parcial do
feito. Além disso, os contestantes requeriam do juízo, prazo para que os
81

autores emendassem a inicial juntando alguns documentos elencados pelos


contestantes, a saber: comprovante de pagamentos de tributos (ITR ou IPTU
se fosse o caso), certificado de cadastro de imóvel rural junto ao INCRA. Se
não fossem tomadas tais providências, houve requisição no sentido de
extinção do processo sem resolução de mérito.
Após tais preliminares, a contestação fundamenta-se, no mérito, o
seguinte: os autores da demanda nunca sequer exerceram a posse do imóvel,
haja vista a falta de benfeitorias ou culturas. Os autores não exerciam
qualquer dos poderes inerentes ao domínio ou à propriedade (não
conseguiram provar). Os autores não comprovaram o exercício do domínio
útil da propriedade via “termo de a oramento”.
Cumpre ressaltar que, tramita na Comarca de Paço do Lumiar, outra ação
de reintegração de posse c/c pedido liminar proposta pelo Sr. Gilmar
Moreira da Silva em face de Raimundo Nonato da Silva, Salomão
Rodrigues, Santana de Tal, Zé Doido, Francisco José e Outros, num
perímetro superposto ou não à área dos ora contestantes – processo nº
397.05.2013.8.10.0049 (1ª vara de Paço) com a não concessão inicial de
liminar mas com posterior concessão após audiência de justificação previa
determinando que os réus daquele processo se abstenham de impedir
qualquer ato inerente ao direito de posse do imóvel.
Como se trata de “invasão” múltipla restou consignado ue a decisão
judicial deveria ser cumprida com moderação evitando arbitrariedade.
Ocorre que a oficiala de justiça junto à PM destruiu, mediante o uso de
tratores, aproximadamente 260 casas dos contestantes da presente ação fora
82

do perímetro da área objeto da ação em que houve concessão de liminar


(processo nº 397.05.2013.8.10.0049) movida pelo Gilmar Moreira.
As casas dos contestantes da presente ação objeto de análise (Processo nº
3482013) foram destruídas mesmo não fazendo parte do perímetro da área
discutida na ação movida por Gilmar Moreira (onde naquela houve a
concessão de liminar (Processo nº 397.05.2013.8.10.0049, confirmada pelo
AI nº 0002179-972013). Há denúncia ainda no sentido de que o Sr. Gilmar
se aproveitou da situação e se apoderou indevidamente de mais 4 hectares de
terras cuja área é discutida na presente ação objeto de análise (Processo nº
3482013), movida pelos espólios de Tácito Da Silveira Caldas e Violeta da
Silveira Caldas em face dos contestantes da ação.
O advogado dos réus da ação ainda requereu (na contestação) que Gilmar
Moreira Silva, autor da outra ação, indenizasse os réus pela destruição das
260 casas, haja vista a não concessão de liminar na presente ação, mas tão
somente na movida pelo Gilmar e que não englobava a área objeto da
presente ação.
Diante de tais fatos, requereu o advogado na contestação que a demanda
seja julgada improcedente e os envolvidos na destruição das casas da área
objeto da ação indenizem e se responsabilizem pelo pagamento das
benfeitorias. Requereu-se ainda a intimação do MPE por se tratar, segundo o
advogado, de interesse coletivo e difuso envolvendo pessoas pobres e
miseráveis.
Entretanto não houve fundamentação com base na função social. O
advogado não se debruçou sobre como se caracteriza a posse dos réus no
83

caso em análise. Tão somente se ateve a demonstrar que os autores da ação


não a exerciam e não comprovaram a posse ou serem detentores da área.

e) Atuação das instituições do sistema de justiça

Houve atuação da Defensoria Pública do Estado do Maranhão. A atuação


se deu tão somente como curadora especial apresentando uma contestação
por negativa geral em relação às pessoas citadas por Edital no processo
(ocupantes incertos). Fundamenta-se no art. 9º do CPC/1973 c/c Art. 4º,
XVI, LC 80/94.

Processo nº 3972013 (397-05.2013.8.10.0049)


a) Resumo do caso e instrução da petição inicial

Trata-se de ação movida por Gilmar Moreira da Silva em face de


Raimundo Nonato da Silva Filho, Salomão Rodrigues, Santana de Tal, vulgo
Zé Doido, Francisco José e outros, tendo como objeto área localizada no
lugar Pindoba, vila do Mocajutuba. Afirma que adquiriu por meio de
herança.
Afirma na inicial ue as terras oram “invadidas” pelos r us, com
destruição de estacas de cimento e arames, o que foi registrado em Boletim
de Ocorrência. Ante o exposto, entende-se que remete à existência de um
grupo inserido no contexto de crise urbana.
84

Há pedido de liminar inaudita altera parte, apresentando-se a proteção


constitucional da posse e da propriedade. Afirma-se que o autor terá danos
incalculáveis em razão da destruição de plantações e de estrutura, e do
levantamento de casebres.
O espólio de Tácito da Silveira Caldas e de Violeta Félix Caldas solicitou
habilitação como terceiro interessado. Afirma-se que o requerente da ação
não é nem proprietário, nem possuidor da área, existindo neste sentido uma
ação reivindicatória de propriedade (Proc. nº 1056-82.2011.8.10.0049).
Acosta nos autos documento público lavrado as fls. 194, do livro nº 0683,
ato 003418, traslado nº 1, das notas do Cartório do 2º Ofício de Notas da
Cidade de São Luís, conforme transcrição do Registro de Imóveis da
Comarca de Paço do Lumiar sob matrícula 583 do livro 2, Registro Geral
migrado do livro 3B, fls. 53 verso a 54.
Com isso, utiliza-se como fundamento para tutela da posse a propriedade,
não comprovado aquela efetivamente, muito menos alegando o cumprimento
da função social da posse ou da propriedade.

b) Decisão liminar

Decidiu-se pela impossibilidade de concessão de reintegração de posse.


Afirma-se ue a posse não oi comprovada por apenas “juntou aos autos
somente cópias de certidões de registro de uma área originalmente
pertencente ao esp lio de Maria Izidoria de Mello e outros”. Ademais, o
Espólio de Tácito da Silveira Caldas e Violeta Felix Caldas apresentou que
85

não há correspondência entre a área descrita e a área da escritura. Entende-se


que o autor não detém a posse, inclusive pela decisão no âmbito da ação
reivindicatória da propriedade antes citada.

c) Agravo pela parte autora

Afirma-se no agravo que o espólio não é parte legítima e não merece


proteção possessória. Entende estar presente os requisitos para concessão da
liminar, nos termos da petição inicial.
Em decisão monocrática, afirma-se estar presente os requisitos para
concessão de efeito suspensivo. Apresenta-se ue “a posse ato, nem
sempre facilmente demonstrado logo de início numa ação possessória. Na
hipótese dos autos, deveria a magistrada a quo, entendendo incomprovados
os requisitos do art. 927 do CPC, ter marcado a audiência de justificação
pr via prevista no art. , CPC, como destacado alhures”. Entende, com
isso, que foi violado o devido processo legal. Decide-se pela concessão
parcial do efeito ativo, determinando que haja audiência de justificação
prévia.

d) Audiência prévia de justificação

Não houve acordo entre as partes. A parte autora afirma que as terras
foram adquiridas por aforamento da Prefeitura de Paço do Lumiar e que não
há conexão entre as ações, conforme entende o Tribunal de Justiça do Estado
86

do Maranhão. A juíza delibera que para decidir sobre a conexão das ações é
necessário informações da 2ª Vara.
A juíza, após audiência de justificação, entende que há demonstração da
posse pela prova testemunhal. Com isso, defere o pedido liminar.

e) Recurso pela parte ré

Interpôs-se agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo.


Afirma-se que a comunidade não está inserida nas áreas indicadas pela parte
autora e pelo espólio. Apresenta-se que há contradição em relação à
localização da área. Afirma-se, também, que não existe efetiva posse do
imóvel em questão pela parte autora, inexistindo inclusive evidencias de que
ela ocupava a área. Ademais, que os depoimentos tomados não servem para
demonstrar a posse e o esbulho.
Por outro lado, a posse da parte ré é evidenciada pela compra de materiais
e pelo testemunho dos habitantes do Residencial Nova Jerusalém, ao lado do
Residencial Nova Jerusalém II – local onde habitam os figurantes do polo
passivo da ação.
A decisão monocrática referente ao recurso foi no sentido de entender
estarem presentes os requisitos para a concessão do pedido liminar. Afirma-
se que os agravantes apresentaram provas produzidas unilateralmente,
denegando efeito suspensivo ao agravo e mantendo a decisão de reintegração
de posse.
87

f) Contestação

Foi apresentada contestação por parte de membros da comunidade, não


incluídos pelo autor na inicial. Afirma-se que a localidade em que se
encontra a comunidade é diferente daquela alegada pelo autor. Solicita-se
que haja reconsideração do despacho da liminar concedida. Entretanto, não
se dá destaque ao cumprimento da função social da propriedade ou da posse.
Em decisão, as preliminares suscitadas não foram acolhidas e fixa como
ponto controvertido o prévio exercício da posse do imóvel litigado pelo
autor. Ademais, destaca-se que houve impugnação pela parte autora da
contestação, não acolhida pela juíza.

g) Perícia

A parte ré apresenta pedido de especificações de provas, como pericial,


testemunhal e depoimento pessoal. Ademais, solicita intimação do tabelião
da Comarca de Paço do Lumiar para fornecer certidão atualizada da cadeia
dominial, bem que se manifeste a respeito da grilagem e da superposição de
títulos e imóveis. A juíza decidiu pela procedência dos pedidos.
Em perícia, destaca-se que os imóveis dos requeridos não se encontram
na localidade periciada. Ademais, aponta-se a existência de áreas
sobrepostas. Apresenta-se que não é possível realização de mapa topográfico
da área, visto que no memorial descritivo não consta informações suficientes
88

para tal. Assim, concluiu-se ue “a área ocupada pelos demandados não


corresponde às áreas que constam nos documentos acostados aos autos”.
Na resposta dos quesitos, o perito afirma que as terras dos autores
encontra-se no lugar Maracajá e Maioba. Por outro lado, que um dos imóveis
localiza-se no lugar Pindoba. Em relação ao imóvel dos herdeiros de Sinésia
Izidora de Melo, Alice Sátira de Melo e Anísio de Melo, a escritura não dá
características fisiológicas da área. Houve ademais entrega da cadeia
dominial das áreas (Livro 2, matrícula 25319, ficha 001, referente a imóvel
de propriedade do município e adquirido pelo desembargador Tácito da
Silveira Caldas; Livro 2-DJ, matrícula 25320, ficha 001, referente a imóvel
de propriedade do município e adquirido pelo desembargador Tácito da
Silveira Caldas; Livro 2, matrícula 32651, ficha 002, referente a imóvel de
propriedade do município e adquirido pelo desembargador Tácito da Silveira
Caldas; Livro 3, Registo 583, ficha 001, referente a imóvel herdado de
Izidorio Manoel Ferreira de Mello).
A parte ré apresenta que, com o apresentado pela perícia, a ação
possessória não tem cabimento, dando ênfase também à sobreposição de
títulos. Em audiência posterior, a juíza manteve a decisão de reintegração de
posse, entendendo que não há que se debater propriedade em juízo
possessório.
89

h) Alegações finais

Apresentadas as alegações finais, a parte autora reitera os pedidos na


inicial. Já a parte ré apresenta que a causa é de competência da Vara de
Direitos Di usos e Coletivos, “tendo em vista tratar-se de interesses difusos e
coletivos, de moradia, de preservação da paisagem urbana, preservação do
meio ambiente, posto que no local já encontram edificadas mais de 250
duzentos e cin uenta casas”. No m rito, reitera o anteriormente alegado.

i) Recurso por incompetência do juízo

A parte ré interpôs agravo de instrumento fundamentado na


incompetência do juízo a fim de que seja reconhecida a competência da Vara
de Direitos Difusos e Coletivos.

Processo nº 11112015 (1102-32.2015.8.10.0049)


a) Resumo do caso e instrução da petição inicial

Trata-se de ação ajuizada por Amadeu da Cunha Santos Aroso Neto e


Yuefang Araújo Marques Aroso, em face de Nestor e demais ocupantes. O
autor se diz legítimo proprietário do im vel denominado “Sítio Zumbi”, com
titularidade reconhecida em 2006 pelo mesmo juízo da manutenção. Em 22
de Junho de 2015, alega que Nestor e mais 4 pessoas “invadiram” a re erida
90

área. Na ocasião, o caseiro acionou a polícia, mas esta não conseguiu retirar
os ocupantes.
No mérito, utiliza a Certidão do Registro do Imóvel lavrada pelo 1º
Cartório de Paço para comprovar a posse. Busca comprovar o esbulho e a
data por meio de Boletim de Ocorrência nº427/2015, haja vista que a polícia
foi chamada quando a ocupação se iniciou. Alega que com o esbulho, perdeu
a posse. Pediu o autor concessão de liminar, Inaudita Altera Pars, nos termos
do art. 928 CPC.
As provas juntadas foram Certidão do Registro do Imóvel lavrada pelo 1º
Cartório de Paço (Livro 2, Matrícula nº 5754), Termo de Aforamento (Livro
nº 17, fls. 190v a 191v, termo nº 716) Boletim de Ocorrência nº427/2015,
Certidão de Transmissão Causa Mortis, Termo de Aforamento e Procuração
Pública. Utiliza-se como fundamento título de propriedade, não se
comprovando posse nem sua função social.

b) Decisão liminar

Expõe que para a concessão da liminar inaudita altera parte, incumbe ao


autor provar: a sua posse; a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; a data
da turbação ou do esbulho; a continuação da posse, embora turbada, na ação
de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração. Após
fundamentação, deferiu o pedido de liminar para reintegrar o autor na posse,
expedindo mandado de reintegração e autorizando auxilio policial e lavratura
de TCO por crime de desobediência em caso de resistência.
91

Quanto aos fundamentos para concessão de liminar inaudita altera parte,


quanto ao primeiro requisito, entendeu demonstrado através da Certidão de
Aforamento e por já ter reconhecido a posse do autor nos processos nº
1.459/2002 e nº 493/2008. Entendeu por configurado o esbulho
(arrombamento com violação do cadeado) há menos de 1 mês do
ajuizamento, de acordo com Boletim de Ocorrência. Por fim, que a perda da
posse se comprovou pelo fato de nem mesmo a polícia ter conseguido
retomar o imóvel.
Entende-se que a concessão de liminar levou em consideração o direito
de propriedade. Quanto à caracterização da posse, o juízo interpreta a posse
como simples desdobramento lógico da propriedade e utiliza como
argumento o fato de já ter reconhecido o domínio do autor em decisões
passadas e documentos relacionados à propriedade do imóvel. Em momento
algum o autor comprovou a posse efetiva à data do esbulho, que é o que
deveria acontecer. Ademais, além de não analisar o cumprimento da função
social da propriedade, não verifica a cadeia dominial e a legalidade do título.

c) Recurso pela parte ré

Argumenta não ter o autor provado a data do esbulho, mas o referido


recurso foi considerado deserto por falta de recolhimento do preparo.
d) Contestação
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Utilizou-se como fundamento que o autor não cumpriu os requisitos para


a concessão da liminar, qual seja, a comprovação do esbulho e da data do
esbulho. Entretanto, não se fundamenta na função social da propriedade ou
da posse. Não adentra no mérito da caracterização da posse.

e) Atuação das instituições do sistema de justiça

Há atuação do ministério público. A Promotoria de Justiça Especializada


em Conflitos Agrários requereu a suspensão da liminar com pedido de vista
e cumprimento das orientações do Manual de Diretrizes Nacionais para
Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse
Coletiva da Ouvidoria Agrária Nacional.
Os pedidos foram indeferidos em despacho, entendendo a magistrada não
se tratar de conflito de cunho rural em razão de ser a área em questão
destinada a fins residenciais. Na ocasião, o Juízo informou dar vistas apenas
à Titular da Comarca de Paço do Lumiar.
Frente ao indeferimento, a Promotoria de Conflitos Rurais argumentou
não ter nos autos qualquer prova de que se tratava de área urbana e não rural
e que o juízo não citou o MP para se manifestar, só o fazendo após
intervenção do MP.
Após receber cópia dos autos, a Promotoria de Paço se manifestou no
sentido de ser dado vista, também, à Promotoria de Conflitos Rurais.
Em petição, requisitou a Promotoria de Paço informações à Secretaria
competente da Prefeitura de Paço do Lumiar acerca da localidade para
93

delimitação da competência a depender de ser urbana ou rural; intimação da


União, do Estado, Município, INCRA e ITERMA para buscar solução
conjunta ou se manifestarem; levantamento da cadeia dominial e
comprovantes de pagamento de impostos e encargos tributários e intimação
dos autores para comprovar a plena aplicação da função social da terra nos
termos da Lei 8.629/93 (desapropriação para Reforma Agrária).
O fundamento da intervenção do MP está nos art. 129, III da Constituição
Federal; art. 82, III do CPC de 73 e orientações do art. 14 do Anexo Único,
da Resolução nº 019/2013 – CPMP/MA.

Processo nº 15962015 (1587-32.2015.8.10.0049)


a) Resumo do caso e instrução da petição inicial

A ação de reintegração de posse tem como autores o senhor José Ribamar


Barbosa Belo e a sua esposa Marilena Rosa Belo que entraram em juízo em
ace do senhor Nestor Silva Almeida, e contra todas as pessoas “invasoras”
que alega-se estar sobre a liderança do mesmo e ocupam a área pleiteada de
forma que violam o direito de propriedade dos autores.
Em se tratando do fato em questão, tem-se que os autores supracitados
são os legítimos proprietários do imóvel, que hoje consiste no loteamento
Nova Canaã, que se localiza nas terras denominadas de Brandão, no local da
Maioba de Mocajutuba. O imóvel em questão encontra-se registrado de
acordo com os requisitos legais, e conforme foi demonstrado pela
94

documentação anexada ao processo, além do que o mesmo vem sendo


negociado, em vários lotes.
endo ocorrido uma “invasão” ao terreno vizinho do loteamento, a
administradora do loteamento, Sollo Urbanizadora, indicou aos
compromitentes compradores que cercassem seus respectivos lotes. Feito
isso, no dia 18 de agosto de 2015, o senhor Francisco Rogério dos Santos
Oliveira foi impedido de cercar seu lote pelo senhor Nestor e outros
“invasores” ue já haviam “invadido” terrenos vizinhos. Entende-se que
consiste em ocupações envolvendo comunidades que fazem cumprir a
função social no cenário de crise urbana.
As provas utilizadas foram: certidão de registro do imóvel (Loteamento
Nova Canaã) do 1º Ofício Extrajudicial de Paço do Lumiar (nº 02, matrícula
3219, fls. 33. Livro 2-L); boletim de ocorrência feito quando da ocupação;
contrato de compromisso de compra e venda que estava sendo usado para a
venda de lotes aos compromitentes compradores; edital de publicação do
registro do imóvel; alvará de Construção disponibilizado pelo Departamento
de Fiscalização Urbanística, que autoriza a implantação do loteamento Nova
Canaã; declaração da Empresa responsável por implantar o loteamento
direcionado à Secretária de Infraestrutura de Paço do Lumiar; o cronograma
de obras do loteamento
Não se utiliza como fundamento apenas o título de propriedade. A posse
é comprovada a partir da apresentação dos contratos de compra e venda que
já estavam sendo celebrados pelos proprietários do imóvel. Entretanto, não
há alegação de cumprimento da função social.
95

b) Decisão liminar

A liminar foi concedida, tendo sido observado todos os critérios definidos


no art. 937 do CPC/1973, tendo sido apreciado todas as provas e constatado
que os requisitos anteriormente citados se faziam presentes. Foi estipulado
uma multa de 500,00 por dia de descumprimento, sendo ainda autorizado o
auxílio policial para o dia da reintegração.
A reintegração foi realizada, conforme o disposto no Auto de
Reintegração e na Certidão, no dia 14 de outubro de 2015, tendo sido os
autores reintegrados na pessoa do seu advogado.
A partir da análise dos documentos anexados o juiz concedeu a liminar,
de forma que foi avaliando cada critério presente no art. 937 do CPC/1973 e
fazendo a ligação com cada documento juntado.
Analisa-se o preenchimento dos requisitos presentes no art. 937 do
CPC/1973, que foram devidamente comprovados junto ao processo, como
posse que foi comprovada com o Alvará de construção para a implantação
de loteamento, o cronograma de obras e o boletim de ocorrência realizado
junto à delegacia do município, turbação ou esbulho praticado pelo réu, a
data dessa turbação ou do esbulho, que é demonstrada pelo boletim de
ocorrência praticados a um mês da data que consta no documento e a
continuação ou perda da posse
A posse é reconhecida através da análise do documentos que comprovam
a autorização para a realização do loteamento, como o Alvará de construção
para a implantação de loteamento, o cronograma de obras e o boletim de
96

ocorrência realizado junto à delegacia do município, assim como o contrato


de compromisso de compra e venda que demonstra a negociação de alguns
lotes. Entretanto, não houve análise do cumprimento da função social.
A decisão fundamenta-se na legalidade do título de propriedade do
imóvel, tendo sido anexado ao processo A certidão de registro do imóvel
(Loteamento Nova Canaã), o edital de publicação do registro do imóvel e o
alvará de Construção disponibilizado pelo Departamento de Fiscalização
Urbanística, que autoriza a implantação do loteamento Nova Canaã.

c) Demais aspectos processuais

A presente ação não possui à época do levantamento andamento


processual suficiente para existência de demais aspectos processuais.

d) Atuação de instituições do sistema de justiça

Não houve atuação do Ministério Público do Maranhão, da Defensoria


Pública do Estado do Maranhão e da advocacia popular.
97

Processo nº 16912015 (1682-62.2015.8.10.0049)


a) Resumo do caso e instrução da petição inicial

Trata-se de ação de reintegração de posse movida pela empresa Itaqui


Geração de Energia S/A em face de Nestor, Maria Almeida e outros
desconhecidos. Afirma-se que a autora é proprietária de lotes no loteamento
Novo Canaã. Para comprovação da posse, afirma que a histórica presença da
empresa na área é de conhecimento público. Trata-se de uma empresa do
Grupo ENEVA, antes denominada MPX.
A área da empresa diz respeito a local para remanejamento de população
afetada por empreendimento da empresa, mas nem todos os lotes foram
destinados à população a etada e ue posteriormente oram “invadidas”
pelas agora parte ré. Afirma-se ue há um processo de “ avelização”, sendo
questão que proprietários, município e Ministério Público tem interesse em
evitar.
Ademais, atenta-se ue existe uma “indústria da invasão”, ue tamb m
causam “tumulto” em municípios vizinhos, como São Luís. A irma-se que
a ronta o “direito de ir e vir”. Apresenta-se na inicial ue “não se está diante
de um conflito social, mas sim de uma quadrilha especializada em invadir
lotes em período eleitoral unicamente para angariar alguns poucos votos e
depois azer desta invasão uma orma ilícita de receita”.
Há pedido liminar. No pedido, não se observa fundamento na função
social. Apresenta-se como prova certidão de matrícula do imóvel (Livro 2,
matrícula 23736, ficha 001 e verso, selo 000.008.637.061, selo da matrícula
98

000.008.887.231; Livro 2, matrícula 23737, ficha 001 e verso, selo


000.008.637.061, selo da matrícula 000.008.887.232; Livro 2, matrícula
23738, ficha 001 e verso, selo 000.008.637.061, selo da matrícula
000.008.887.233; Livro 2, matrícula 23739, ficha 001 e verso, selo
000.008.637.061, selo da matrícula 000.008.887.234; Livro 2, matrícula
23740, ficha 001 e verso, selo 000.008.637.065, selo da matrícula
000.008.887.231 1º Ofício Extrajudicial de Paço do Lumiar).

b) Decisão liminar

Entende-se que a posse restou comprovada pelas cópias dos registros


imobiliários, ou seja, com base na propriedade. Ademais, em razão do
boletim de ocorrência apresentada nos autos. Apresenta ue “diversas
pessoas invadiram o imóvel, removendo estacas de cimento, arames e telas
que cercavam os lotes, mostrando que a autora está privado do exercício
pleno da posse”. Assim, a decisão no sentido de de erir o pedido liminar.

c) Demais aspectos processuais

A presente ação não possui à época do levantamento andamento


processual suficiente para existência de demais aspectos processuais.
99

d) Atuação de instituições do sistema de justiça

Não houve atuação do Ministério Público do Maranhão, da Defensoria


Pública do Estado do Maranhão e da advocacia popular.

Processo nº 20132015 (2004-82.2015.8.10.0049)


a) Resumo do caso e instrução da petição inicial

Trata-se de ação movida por Josinaldo da Silva Matos em face das


pessoas denominadas “Gordo”, “Iris” e outros. Entende-se que se trata de
uma ação em face de grupo inserido no contexto de crise urbana.
Na inicial, destaca-se ue houve esbulho, com a “invasão” do imóvel,
adquirido pela parte autora há mais de três anos. Afirma-se que os requeridos
“invadiram o seu terreno, destruíram as plantaç es de murici e caju ue lá
existia e construíram pe uenas ‘palhoças’ de taipa, cobertas com palha e se
alojaram no local com o intuito de fixar residência, alegando que os mesmos
azem parte de uma Associação constituída para tal im”. A irma-se que a
área pertencia ao município de São José de Ribamar, mas que
posteriormente foi reconhecido como não pertencente a este.
Foram acostadas como prova o memorial descritivo da área feita pelo
Grupo Sousa Empreendimentos; escritura pública de declaração de posse e
benfeitorias emitida pelo 2º Ofício Extrajudicial de São José de Ribamar
(Livro 035, Protocolo 02722, Folha 149); contrato de compra e venda de
imóvel e de terreno; certidão que define o imóvel como fora da área do
100

município de São José de Ribamar (Processo nº 3914 da Secretaria


Municipal da Receita, Urbanismo e do Patrimônio Público de São José de
Ribamar).
Fundamenta-se o direito da parte autora afirmando-se que a posse real do
im vel comprovada “con orme documentação carreada”. Assim,
comprova-se a posse com base na propriedade e não se destaca o
cumprimento da função social.

b) Decisão liminar

A decisão analisa a presença dos requisitos do art. 927 do Código de


Processo Civil de 1973. Quanto à posse, entende-se que restou demonstrado
pelos documentos acostados: declaração de posse e contrato de compra e
venda. O esbulho pelo ingresso da parte ré e destruição das plantações. Neste
compasso, deferiu o pedido de liminar inaudita altera parte.

c) Demais aspectos processuais

A presente ação não possui à época do levantamento andamento


processual suficiente para existência de demais aspectos processuais.
101

d) Atuação de instituições do sistema de justiça

Não houve atuação do Ministério Público do Maranhão, da Defensoria


Pública do Estado do Maranhão e da advocacia popular.

Processo nº 262752015 (24498-85.2015.8.10.0001)


a) Resumo do caso e instrução da petição inicial

Trata-se de ação de interdito proibitório ajuizada pelo município de Paço


do Lumiar em face do Clube de Mães do Povoado Pindoba de Driane
Ferreira Silva, Inaldo Alves Pereira, Francisco Borjas Ferreira Fonseca,
Emídia da Silva Fonseca, Grigorio Borjas Ferreira Fonseca, Antonio Rafael
erreira dos Prazeres. A área objeto de litígio o “Lixão do Iguaíba”, do
qual as Comunidades de Iguaiba e Pindoba estariam ameaçando seu
fechamento. Afirma-se ue a atitude da parte r seria uma “atitude
anar uista”.
Apresenta-se que a posse da área é mansa e pacífica e que foi reconhecida
no processo 51452014 que tramita na Vara de Interesses Difusos e Coletivos
da Grande Ilha. A posse é comprovada na inicial pelo acervo documental
juntado. Há pedido de liminar inaudita altera parte.
Não há fundamento com base na função social da propriedade ou da
posse. Após análise, observa-se conflito com comunidade na qual existe
relação com a moradia digna, visto que a suposta intervenção na área se dá
para a tutela das condições de ambiente saudável da população.
102

b) Decisão liminar

O juízo da vara de interesses difusos e coletivos entendeu pelo


deferimento da medida liminar, entendendo estar comprovada a posse pelos
documentos acostados aos autos.

c) Contestação

Na contestação apresenta-se que no cumprimento da decisão houve


prática violenta por parte do Batalhão de Choque da Polícia Militar.
Ademais, houve atuação da Secretaria de Direitos Humanos, com o intuito
de mediar o conflito, no qual se buscou excluir as comunidades da área de
construção do aterro sanitário e buscar parcerias em relação à destinação do
lixo do município, dentre outros aspectos.
Atenta que o lixão foi objeto de inquérito civil público por parte do
Ministério Público da Comarca de Paço do Lumiar e de posterior ação civil
pública (Ação Cautelar 8192006).
Apresenta-se que a parte autora não tem posse nem propriedade da área.
Apresenta-se ue “Pindoba e Iguaíba são mais conhecidas comunidades
produtivas de frutas e verduras variadas, da Ilha de Upaon-Açu, destinadas
às eiras libres e mercados de São Luís”, não havendo omento do município
de Paço do Lumiar. Este apenas mantém o lixão em torno das comunidades,
que afeta as atividades daquela. Quanto à instalação do aterro, destaca-se que
103

se propõem a realizar acordo, destacando a impossibilidade de ocorrer nas


proximidades das comunidades.

d) Recurso pela parte autora

Apresentou-se recurso questionando decisão interlocutória que


determinou audiência pública de conciliação para resolução do caso.
Fundamenta-se em razão de considerar a situação já superada, visto que
cessou o esbulho que teria sido praticado pelas comunidades. Em decisão
monocrática, houve deferimento da suspensão da decisão.

e) Contestação

Houve apresentação de contestação por parte de Inaldo Alves Pereira.


Afirma-se que não existem os elementos para concessão do pleito. Afirma
ue “está utilizando uma área ue era utilizada por trabalhadores rurais, os
uais sobreviviam da terra para tirar seus sustentos”. Ademais, “a invasão da
área para a colocação do lixão do município, não atende os requisitos legais
para sua instalação”.

f) Manifestação do município de Paço do Lumiar

Reitera-se que o Clube de Mães do Povoado Pindoba é parte legítima na


demanda e que não houve má-fé por parte da gestão municipal.
104

g) Atuação das instituições do sistema de justiça

Houve atuação da Comissão Pastoral da Terra, que apresentou


contestação representando o Clube de Mães do Povoado Pindoba. Afirma-se
ue a parte seria ilegítima, pois “não há participação direta do Clube de
Mães da Pindoba na decisão de interdição popular do Lixão do Iguaíba”.
Afirma haver má-fé por parte do poder executivo municipal.
Também se observou atuação do Ministério Público. Apresenta-se que
houve crescimento da área do lixão e, com isso, hoje afeta área da Pindoba,
“prejudicando comunidades ue são tradicionalmente produtores de rutas,
hortaliças, pescados e mariscos que abastecem feiras e supermercados da
Ilha”. Atenta-se que o município está praticando crime ambiental e que lança
de forma indiscriminada resíduos de toda espécie na área. Atenta ao
cumprimento da função social da propriedade, devendo ser mantida com
vistas ao bem comum, não se justificando do contrário a propriedade ou a
posse. Ao fim, entende o Ministério Público que o pedido seja indeferido,
tendo em vista o mau uso do imóvel ao não se cumprir a função social e ao
cometer crime ambiental.

Processo nº 932016 (864-86.2010.8.10.0049)


a) Resumo do caso e instrução da petição inicial

Inicialmente os espólios ingressaram em juízo com ação de interdito


proibitório em face do Povoado Tendal Mirim, que recorreu à Defensoria
105

para que seja feita a audiência de justificação prévia, a qual foi frustrada.
Logo após, ingressaram com ação de reintegração de posse em face da
Comunidade que, segundo o estudo do Serviço Social da Defensoria, habita
na região há 40 anos e constituem aproximadamente 103 famílias, embora
um suposto proprietário alegue que a comunidade esteja lá há somente 1 ano.
A Defensoria foi então acionada na tentativa de que haja regularização
fundiária do assentamento rural e para isso que seja reconhecida a usucapião
ou a condenação do ITERMA e Estado do Maranhão à procederem a
regularização fundiária.
Consiste em ocupações envolvendo comunidades que fazem cumprir a
função social, ou seja, da comunidade Tendal Mirim constituída por
aproximadamente 103 famílias com a intervenção de espólios que abalam
drasticamente a manutenção da comunidade.
As provas utilizadas pela parte autora foram: título de propriedade,
registro (Livro de Registro de Imóvel, n 3-A, fls. 72-V a 73, nº 351; Livro de
Registro de Imóvel, n 3-A, fls. 16-V a 17, nº 77; Livro de Registro de
Imóvel, n 3-A, fls. 01, nº 01; Livro de Registro de Imóvel, n 3-A, fls. 71-V a
72, nº 347; Livro de Registro de Imóvel, n 3-A, fls. 01, nº 02, Cartório do 1º
Ofício de São José de Ribamar), memorial descritivo, termo de aforamento,
termo de transferência de domínio útil, documento de arrecadação municipal
(DAM), boletim de ocorrência e fotos. Por outro lado, não há comprovação
da posse. Não há alegação do cumprimento da função social da propriedade
ou da posse.
106

b) Decisões

Alega-se que a posse está comprovada, visto haver sido demonstrado o


esbulho, por meio de fotos e testemunhas, e pela própria apresentação da
certidão emitida pelo Cartório de Imóveis de São José de Ribamar e de Paço
do Lumiar, sendo as testemunhas também unânimes ao afirmar a presença da
família do autor no local e a existência de edificações, plantações e cerca no
terreno feitos pelos mesmos [família]. Ainda quanto ao esbulho, novamente
se pautando nas fotos e depoimentos das testemunhas, pautou-se a
modificação da área em litígio pelos réus, onde, além da presença de um
trator para a construção de um açude, já se percebe a existência de uma placa
de venda. Diz-se estar preenchidos os requisitos do Art. 927, CPC/73, tendo
os requerentes perdido a posse, já o terreno está sendo utilizado pelos réus.
Deferiu-se o pedido liminar autorizando o auxílio de força policial para o
cumprimento do mandado, em caso de resistência.
A concessão da liminar analisou a possibilidade de o autor ser
proprietário do imóvel e a ocorrência do esbulho. Nela, a posse é confundida
com “ser proprietário legítimo”, onde, embora em certos momentos
informada a presença de vislumbres da posse (como a presença de cercas,
casa e plantações da parte autora), quanto a estes aspectos, não se recorreu a
nenhuma prova, senão a testemunhal. Não há análise do cumprimento da
função social e, mesmo fundamentada no título de propriedade, não verifica
a cadeia dominial/legalidade do título (quantitativo).
107

Em seguida, houve outra decisão. Por meio de audiência de justificação


prévia (Art. 928, CPC/73), apontou-se que os requisitos essenciais para o
vislumbre de uma reintegração de posse estão arrolados no Art. 927,
CPC/73. Mostrou-se que realmente fora comprovado o domínio útil dos
espólios perante a área reclamada, contudo, visto as testemunhas afirmarem
ter a CEMAR colocado poste há mais de ano e dia, onde, na época, já
existiam moradores no local, não sendo estes a parte autora, constatou-se tão
somente posse, pelos reclamantes, de parte do terreno (local onde se
encontra imóvel, apenas), sendo as demais áreas já ocupadas por residências
e plantações feitas pelos próprios ocupantes e, ademais, estradas. Indeferiu-
se a medida liminar de reintegração, ressalvando-se o direito exclusivo de se
manter as 74 famílias cadastradas na área, mais as outras 30 ainda não
reconhecidas. Possibilitou-se a requisição de força policial em caso de
ocupação por novas famílias. Aqui, a posse é vista como um estado fático.
Em outra decisão interlocutória, apresentou-se que, após a segunda
decisão liminar, os espólios ingressavam com outro pedido liminar não mais
em face dos requeridos anteriores, mas de novas famílias que tentavam
invadir a área “preservada en uanto posse da parte autora” pela decisão
anterior, local onde se encontra o imóvel da família. Falou-se estar
comprovada a posse pelo enquadramento nos requisitos do Art. 927,
CPC/73, com base no depoimento das testemunhas e pelo Boletim de
Ocorrência juntado. Deferiu-se o pedido liminar e fixou-se multa de R$
500,00 (quinhentos reais) em caso de novo esbulho, em prol da não
proliferação de novos ocupantes, requisitando-se força policial se não
108

cumprida a medida, podendo-se proceder de logo a condução dos


responsáveis à Delegacia por crime de desobediência. Embora se demonstre
uma decisão que trata de um efetivo esbulho, a posse continua sendo baseada
no vislumbre de quem é o proprietário legítimo.
Por fim, em outra decisão, contatou-se que a área que os requerentes
buscavam ser reintegrados era a mesma abarcada na primeira decisão.
Demonstrou-se, através do Oficial de Justiça, inexistência de evidências de
novas ocupações, onde as únicas modificações foram melhorias nas
moradias já existentes e construções de novos em área não delimitada pela
parte autora, sendo o juízo levado a erro. Indefere-se a liminar e revoga-se a
decisão descrita no parágrafo antecedente, visto a posse do autor ser precária
e a área envolvida pertencer à Comunidade Tendal Mirim. Habilitou-se aos
autos a Associação de Produtores Hortifrutigranjeiros de Tendal Mirim.
Aqui se considera a posse da comunidade mais antiga e a do autor quanto às
áreas que estão os moradores de Tendal Mirim é precária.
Destaca-se que em nenhuma das decisões acima descritas há debate sobre
a função social da posse ou da propriedade, bem como análise
pormenorizada da legalidade de títulos acostados aos autos.

c) Agravos pelas partes figurantes no polo passivo

A Eletronorte entra no caso pela alegação dos autores de que após o


processo de eletrificação a ocupação supostamente ilegal aumentou e os
demandantes não foram consultados para tal. Assim sendo, em agravo de
109

instrumento a Eletronorte afirma que a energia elétrica é interesse público e


coletivo e contesta para o fato de que os autores apenas propuseram ação
agora, sendo que a ocupação tem mais de 30 anos, somente ingressando em
juízo tardiamente depois do projeto Luz para Todos além de ressaltar que a
comunidade é quem está dando utilidade social para a terra conforme
mandamento constitucional.
Em outro agravo, ingressaram os demais do polo passivo com advogados
particulares, com pedido de assistência gratuita, com o fundamento de que os
produtores foram um assentamento rural consolidado e inclusive possuem
CNPJ e cadastrados no PRONAF e que pela posse ininterrupta de 40 anos a
agravante tem o direito de ser mantida na posse do imóvel litigioso e que a
utilização da terra se sobrepõe à titulação dominial.

d) Contestação

A defesa da comunidade alega que os demandados exercem com animus


domini a posse sem oposição há mais de 5 anos e, portanto, é necessário
declarar o direito de usucapião que já foi alcançado, tratando-se de
prescrição aquisitiva. Além disso, alega inadequação da via eleita, uma vez
que o juízo possessório é inapropriado e deveria ter sido utilizado o petitório,
uma vez que a comunidade ocupa o local há muito mais tempo que a data da
alegada invasão.
Há fundamento na função social da propriedade ou da posse. A posse foi
fundamentada com base no artigo 170, III da Constituição Federal, como
110

forma de fundamentar o instituto da usucapião como sendo altamente eficaz


para a regularização fundiária e no desenvolvimento da terra nas cidades
excluindo-se o monopólio da propriedade e especulação imobiliária de modo
a concretizar a função social da posse.

e) Sentença

Diz-se ser impertinente o suscitado pelo autor quanto à competência da


Justiça Federal para julgar o caso, já que, embora o terreno seja da União, as
demandas possessórias são de competência da Justiça Estadual. Por certo
que a lide no âmbito da reintegração de posse, não trata do domínio, mas,
por óbvio, da posse. Afirma-se que esse tipo de ação tem por finalidade
assegurar o direito de posse sob ameaça, esbulho ou turbação, conforme o
Art. 927, CPC/73, evidenciando-se a posse do autor na medida em que
possui justo título. Caracterizou-se enquanto posse precária a posse exercida
pela ré.
A parte autora pagava os foros desde 1965, regularmente, e se fala que,
mesmo após o falecimento do proprietário original, os espólios continuaram
a usar do lugar, tal como demonstrou as testemunhas, tendo plantações e
duas casas construídas no terreno em litígio. Baseia-se o justo título também
nos artigos 1200 e 1201, CC/02 e, conforme a juíza, o réu, embora negue o
esbulho, afirmando ter a posse transmitida por terceiros, juntou tão somente
ao processo um recebido que não comprova transmissão de direitos.
111

Ademais, diz-se ser meros requerimentos sem respostas os documentos


juntados pela parte ré para demonstrar a ocupação da área em litígio (que
comprovam, inclusive, segundo a magistrada, a posse dos autores). O início
da construção do poço e do açude, inclusive, condiz com a certidão de
ocorrência e o depoimento das testemunhas no tocante ao esbulho. Julgou-se
procedente o pedido inicial, confirmando a liminar, determinando-se a
reintegração de posse definitiva dos autores. Condenou-se a parte ré a pagar
as custas e honorários advocatícios, sendo ambos fixados em 15% sobre o
valor da causa.
Na sentença, a posse consiste em situação de fato, onde, exercendo-se
qualquer dos direitos inerentes à mesma (usar, fruir, dispor e reaver), estará
caracterizada a posse, visto se agir como dono (animus domini). Diz-se ser
posse e propriedade conceitos intimamente ligados, principalmente porque
só se pode preterir quem tem justo título. Não se analisou cumprimento da
função social, bem como não se analisou de forma pormenorizada o título de
propriedade.

f) Atuação das instituições do sistema de justiça

Houve atuação da Defensoria Pública do Estado do Maranhão.


Primeiramente, cabe ressaltar a relevância da existência do Núcleo de
Serviço Social da Defensoria Pública que realiza estudos nas comunidades a
fim de construir critérios por meio dos quais sejam possíveis identificar a
efetivação da função social da propriedade, e dessa forma, conseguem ter
112

uma estimativa do lapso temporal em que reside a comunidade no local em


questão.
Além disso, a DP atua tanto como parte ré em que tenta barrar a
realização das liminares de despejo contra a comunidade, quanto como parte
autora em que realiza ações civis públicas em que pede a concessão de
medida cautelar liminar contra o ITERMA para realizar com urgência o
cadastramento das famílias e delimitação topográfica e também liminar
contra os espólios do dever de abstenção e ao Cartório de Registro de
Imóveis para efetivar o bloqueio das matrículas dos imóveis que compõem a
gleba e, finalmente, atua no sentido de pedir o direito de usucapião dos
moradores e a regularização fundiária coletiva ou títulos individuais.
No caso em questão, um dos argumentos inéditos (além da função social
da propriedade) trazidos pela DP é o argumento de que há a posse civil e a
posse agrária, sendo esta uma posse contínua exercida pelo possuidor
desempenhada sobre um imóvel rural, sendo, portanto, relacionada com o
trabalho dos lavradores com a terra, de valor imensamente maior àquela
posse meramente privada.

Estudo teórico

Foram realizados diversos estudos a partir da ampla bibliografia


adquirida com o fomento da pesquisa por parte da FAPEMA, tendo sido
realizada uma metodologia própria de estudo onde os próprios membros do
grupo facilitavam as formações teóricas.
113

A metodologia do plano de estudo foi desenvolvida a partir da construção


de blocos onde a bibliografia relevante para a temática foi dividida levando
em consideração a temática das submatérias.
Em primeiro lugar oi eito o estudo do bloco denominado “Direito
Crítico”, tal conjunto bibliográ ico teve a inalidade de apresentar a
discussão acerca do caráter tecnicista e positivista do Direito e
primordialmente explorar a crítica acerca da atuação do Judiciário.
O segundo bloco te rico oi denominado “Direito à Cidade” priorizando
os estudos que focalizam na problemática da urbanização desregulada e suas
consequências práticas que envolvem principalmente as expropriações, o
processo de periferização e a criação de populações invisibilizadas.
O terceiro bloco, “Direito à Moradia”, oi discutido a partir da leitura da
bibliografia que aborda a problemática acerca da função social da
propriedade e regularização fundiária, temas centrais deste projeto.
Por im, houve o exaustivo estudo do bloco denominado “Maranhão” em
que a prioridade foi a análise do Regimento do ITERMA, para se
compreender como funciona a regularização fundiária empreendida por este
órgão, e o estudo dos Conflitos fundiários no Maranhão a partir da leitura
dos processos posteriormente analisados neste trabalho.
Os estudos se davam a partir de reuniões ordinárias e extraordinárias
além de formações teóricas realizadas nas próprias comunidades objeto da
pesquisa.
114

Atuação junto às comunidades

Durante o curso do projeto, foram realizadas reuniões com comunidades


inseridas na problemática referente aos conflitos possessórios urbanos, a
saber, a Comunidade Eugênio Pereira, Comunidade Vila do Povo,
Comunidade Cajueiro de Paço do Lumiar e Comunidade Renascer.
Na ocasião, o PAJUP pôde compartilhar experiências acerca da vivência
das comunidades frente aos conflitos, colheu informações sobre os processos
judiciais e realizou formação teórica que permitiu a compreensão conjunta
do problema, assessorando juridicamente as comunidades e lhes
encaminhando a órgãos como Defensoria Pública do Estado do Maranhão e
Secretaria Estadual de Direitos Humanos e Participação Popular.

Comunidade Eugênio Pereira

A comunidade Eugenio Pereira localiza-se no município de Paço do


Lumiar, com cerca de 700 famílias - mais de duas mil pessoas, é oriunda de
ocupações irregulares desde 2005 e os problemas que enfrentavam, além da
falta de infraestrutura pública, como transporte, segurança, recolhimento de
lixo etc, é a constância da violência institucional.
O PAJUP mantém relações com a comunidade desde 2014, ocasião que
os relatos das violências institucionais de 2013 motivaram a ação do grupo a
conjugar esforços em prol dos direitos humanos e direitos a moradia. Desde
115

então vem se atuando em uma frente voltada a emancipação social e


principalmente a respeito do acesso a justiça.
Já no curso do projeto “Direito achado na ilha”, o grupo realizou
formações teóricas com temáticas referentes ao Direito à Cidade,
organização e formação da Associação de moradores, direito possessórios
além de ter participado de reuniões ordinárias da comunidade convocadas
por meio da líder comunitária, dona Carmem.

Foto 1 – Membros da Comunidade Eugênio Pereira e do PAJUP após reunião

Percebeu-se que, do início da atuação do PAJUP até a presente data, a


comunidade emancipou-se politicamente e conquistou diversos instrumentos
de política urbana que antes não existiam, entre eles, destaca-se: Garantia de
116

transporte público com sistema de transporte que agora beneficia e


comunidade, coleta de lixo que antes não existia, acesso à energia elétrica e
instalação de postes, além de terem sido estabelecidos canais de
comunicação com o poder público (Executivo e Legislativo), entre outros
benefícios alcançados graças a mobilização da comunidade construída em
conjunto com o PAJUP, sobretudo quando da realização do Projeto de
Pesquisa fomentado pela FAPEMA.
Ressalta-se que, no ano de 2016, o PAJUP auxiliou a comunidade a
realizar o cadastro de moradores para que apresentassem junto ao processo
judicial referente ao conflito possessório ali existente, após requerimento da
juíza da comarca de Paço do Lumiar.

Comunidade Cajueiro do Paço

Junto à Comunidade Cajueiro de Paço, o PAJUP realizou diversas


reuniões donde restou identificado que a área já estava em processo de
Regularização Fundiária. Ocorre que, após a conquista da regularização
mediante articulação e luta dos membros daquela comunidade, agora eles se
encontram ameaçados por empreendimentos ligados à transmissão de Redes
de Energia Elétrica de alta tensão.
Diante disso, o PAJUP realizou oficinas, formações teóricas referentes ao
“Direito À moradia” e acompanhou as reuni es da comunidade com os
representantes da empresa responsável pelo empreendimento, a saber,
Empresa TDG- Transmissora Delmiro Gouvêia S/A.
117

Foto 2 – Reunião entre membros da comunidade Cajueiro do Paço e do PAJUP

O problema enfrentado pela comunidade foi objeto de Monografia de um


dos membros do projeto, a saber, Mayara Araújo Abreu, intitulado: “A
experiência do PAJUP na Comunidade de Cajueiro do Paço do Lumiar -
Considerações sobre a efetivação do Direito à Moradia” em ue restou
identificado o histórico da comunidade, as especificidades dos conflitos ali
vividos e a atuação do grupo.
118

Comunidade Vila do Povo

Junto à comunidade “Vila do Povo”, o PAJUP manteve contato com a


líder comunitária, a saber, Dona Lucy, ocasião em que colheu informações
acerca do histórico da problemática envolvendo o conflito possessório
urbano naquela região, do processo judicial em curso e dos meios de
resistência que a comunidade se utilizava para o exercício do Direito à
Moradia.

Foto 3 – Membros da Comunidade Vila do Povo e do PAJUP após reunião


119

Foi realizada formação teórica em conjunto com a comunidade a fim


orientá-los acerca das seguintes temáticas: “Direito à Moradia”, “Con litos
Possess rios Urbanos”, “Elementos re erentes à Posse e Propriedade”.

Comunidade Renascer

Junto à Comunidade Renascer, uma das comunidades inseridas no


contexto de conflitos possessórios, foram realizadas reuniões aptas a
identificar os problemas vividos pela comunidade no que diz respeito aos
conflitos.

Foto 4 – Membros da Comunidade Renascer e do PAJUP após reunião

Ademais, o contato com a comunidade permitiu a colheita de


depoimentos e documentos que serviram de base para a realização da
120

Monografia de um dos membros do Projeto, a saber, Ricardo Henrique


Oliveira Pestana, intitulada: “Ideologia, Direito e Con litos possess rios
urbanos: As decisões judiciais no processo envolvendo a Comunidade
Renascer de Paço do Lumiar/MA.”.
Ressalta-se que o processo judicial envolvendo a comunidade foi objeto
de levantamento na pes uisa do projeto “Direito achado na ilha”, Processo
nº: 181228.2010.8.10.0049 que tramita perante a Comarca de Paço do
Lumiar-MA.

Eventos científicos realizados

Ao longo do período de execução do projeto, o contato com a realidade


das comunidades assim como a formação teórica permitida através da
aquisição de diversos livros, permitiu que o grupo pudesse realizar eventos
voltados, direta e indiretamente À temática do projeto “Direito achado na
ilha”, eventos em que se discutiu acerca da temática referente ao direito à
moradia e conflitos possessórios urbanos, contando com a presença de
diversas lideranças comunitárias.
O minicurso realizado em outubro de 2016 integrou a programação da
Jornada Jurídica da UNDB, evento realizado voltado para acadêmicos e
pro issionais da área do Direito. O minicurso abordou a temática “Direito à
Moradia”, expondo os con litos judiciais ue envolvem comunidades da
região, dando visibilidade às demandas ignoradas pelo setor público e
privado na luta pela terra. O espaço contou com a facilitação de membros do
121

PAJUP, sendo protagonizada, porém, pela lideres comunitárias de Paço do


Lumiar. Dona Carmem (Comunidade Eugenio Pereira), Dona Anunciação
(Comunidade Cajueiro) e Dona Divina (Residencial Renascer).
O Projeto Ágora – PAJUP visou promover um espaço de atuação dentro
da instituição, mas ora dos “muros” ormais de educação, sendo assim uma
forma de ocupar a universidade com debates que fogem dos conteúdos pré-
determinados, “ alar o ue não se ala em sala de aula”. O evento destinado
para os acadêmicos da UNDB e demais profissionais ou estudantes
interessados no debate. Em maio de 2016 foi realizada uma edição fruto dos
estudos do Projeto “Direito Achado Na Ilha”. O evento teve a finalidade de
discutir de forma horizontal a disputa por espaço, desvinculada de uma visão
dogmática do direito.
O “I Ciclo de Debates do Programa de Assessoria Jurídica Universitária
Popular – Direito Crítico e Práticas Jurídicas Emancipatórias” oi realizado
em fevereiro de 2016 e buscou debater no âmbito acadêmico, profissional e
social aspectos do pensamento jurídico crítico e da atuação crítico-
emancipatória, geralmente desconsideradas na formação do jurista. O
evento, promovido pelo PAJUP e fomentado pela FAPEMA, tinha aparente
vinculação com o Projeto “Direito Achado Na Ilha”, visto ue o evento
abordou a resistência dos grupos sociais e étnicos histórico e socialmente
marginalizados que representam e relacionam-se com práticas jurídicas de
caráter emancipatório.
122

Produção científica

Como resultado das pes uisas e ormação te rica do Projeto “Direito


Achado na Ilha”, os membros participantes puderam realizar uma ampla
produção científica, com a apresentação de banners e resumos das suas
pesquisas em eventos nacionais e internacionais, além da realização de
trabalhos de monografia. Abaixo, elenca-se a produção científica do grupo
no curso de realização do projeto:

Monografias

Título: A experiência do PAJUP na comunidade de Cajueiro do Paço do


Lumiar: considerações sobre a efetivação do direito à moradia
Autora: Mayara Araujo Abreu
Orientador: Me. Ruan Didier Bruzaca

Título: Ideologia, Direito e conflitos possessórios urbanos: as decisões


judiciais no processo envolvendo a Comunidade Renascer de Paço do
Lumiar/MA.
Autor: Ricardo Henrique Oliveira Pestana
Orientador: Me. Ruan Didier Bruzaca
123

Apresentação em eventos

Título: Protagonismo feminino e direito à moradia: a luta das lideranças


comunitárias em conflito coletivo fundiário urbano em Paço do Lumiar no
Maranhão;
Evento: III Congreso de Estudios Poscoloniales y IV Jornadas de Feminismo
Poscolonial "Interseccciones desde el Sur: Habitando Cuerpos, Territorios y
Saberes;
Autoras: Glaucia Maria Maranhão Pinto Lima e Mayara Araujo Abreu;

Título: O urbanista é o capital: um diálogo entre o judiciário, práticas


segregacionistas e produção do espaço no município de Paço do Lumiar;
Evento: III Congreso de Estudios Poscoloniales y IV Jornadas de Feminismo
Poscolonial "Intersecciones desde el Sur: Habitando Cuerpos, Territorios y
Saberes;
Autores: Arthur Nunes Lopes Martins e Layse Cristina Silva Campos;

Título: Quem não pode com a formiga não assanha o formigueiro: as


lideranças de Paço do Lumiar e a Luta pela regularização fundiária;
Evento: IV Encontro Científico UNDB (banner);
Autoras: Glaucia Maria Maranhão Pinto Lima e Mayara Araujo Abreu;
124

Título: Educação popular e direito à cidade: experiências e perspectivas da


atuação do PAJUP em Eugênio Pereira;
Evento: I Fórum Internacional de Direitos Sociais;
Autores: Glaucia Maria Maranhão Pinto Lima e Ruan Didier Bruzaca;

Título: A articulação das mulheres nas comunidades: a educação popular


como instrumento da prática feminista;
Evento: I Ciclo de Debates do PAJUP (comunicação oral);
Autora: Anne Karoline de Jesus Aires;

Título: Análise do pluralismo jurídico sob a ótica das comunidades


tradicionais: métodos alternativos de auto-organização e resolução de
conflitos;
Evento: Encontro Nordeste da Rede Latino-americana de Antropologia
Jurídica, da UFMA/UEMA;
Autores: Alice Rêgo Matos, Ricardo Henrique O. Pestana, Anne Karoline de
Jesus Aires;
Trabalho premiado com Menção Honrosa do Prêmio Célia Maria Corrêa na
categoria Painel.

Título: Conflito de terras nas comunidades tradicionais: aplicabilidade da função


social da propriedade enquanto instrumento de efetivação do direito à moradia;
Evento: Fórum Internacional de Direito: direitos sociais em debate, UNDB;
Autores: Alice Rêgo Matos, Ana Paula Martins Mesquita;
125

ítulo: Projeto “Direito Achado na Ilha” do Programa de Assessoria Jurídica


Universitária Popular – PAJUP;
Evento: Anais do VI Seminário Direito, Pesquisa e Movimentos Sociais
(Publicação em Anais de Congresso);
Autores: Ruan Didier Bruzaca e Arnaldo Vieira de Souza;

Quanto ao cumprimento dos objetivos

Faz-se necessário demonstrar quais foram os resultados alcançados a


partir dos objetivos traçados no Projeto “Direito Achado na Ilha”. Primeiro
quanto ao objetivo geral de “investigar a judicialização dos conflitos
fundiários coletivo-urbanos na Comarca de Paço do Lumiar, buscando
mecanismos de efetivação do direito à moradia digna das comunidades”.
Houve cumprimento total do objetivo geral da pesquisa, tendo em vista
que, o grupo realizou uma investigação ampla junto aos órgãos do poder
judiciário bem como Ministério Público e Defensoria Pública, analisando
diversos autos de processos findos e em andamento para proceder ao
levantamento de dados. Em relação à busca pela efetivação do direito à
moradia, as reuniões, oficinas, formações teóricas e mobilização do grupo
junto às comunidades lhes permitiu uma maior articulação voltada à luta pela
garantia do direito à moradia digna.
Quanto aos objetivos específicos, inicia-se com “levantar as legislações
atinentes aos conflitos jurídicos fundiários urbanos”. Tal objetivo foi
cumprido de forma parcial, haja vista que, houve dificuldade prática em
126

acessar as normas municipais, tendo em vista que, a maioria dos sites das
prefeituras e câmaras de vereadores não cumpre de forma efetiva a Lei de
Transparência e Acesso à Informação no que diz respeito ao acesso às
legislações. Além disso, houve certa dificuldade de acesso direto aos
gestores municipais. Muitas normas foram acessadas através do
levantamento dos processos judiciais e através de reuniões em que se colhia
informações das comunidades, sendo praticamente impossível o acesso das
normas pelos meios institucionais, a saber: Legislativo e Executivo
municipal.
Quanto a “realizar um levantamento dos conflitos fundiários coletivo-
urbanos no município de Paço do Lumiar”, tal objetivo foi completamente
alcançado, do que se pode inferir do próprio relatório em que resta
especificado a respeito do levantamento dos processos judiciais referente aos
conflitos no município de Paço.
“Dar publicidade as situações de conflitos fundiários urbanos na região”
foi cumprido através dos trabalhos científicos realizados e apresentados em
eventos nacionais e internacionais, além dos que foram publicados e das
monografias apresentadas, foi dada ampla publicidade às situações de
conflitos fundiários existentes naquela região. Ressalta-se que, por muitas
vezes, o grupo serviu como um verdadeiro “canal” entre a comunidade e
instituições garantidoras de Direitos Humanos, dando publicidade aos
conflitos enfrentados pelas comunidades, a exemplo da situação da
Comunidade Cajueiro que foi levada pelo grupo à defensoria pública.
127

Quanto a “investigar os fundamentos das ações judiciais envolvendo


conflitos fundiários urbanos na região”, tal objetivo foi totalmente alcançado
a partir dos levantamentos judiciais dos conflitos possessórios da região,
ocasião em que foi verificado, em cada um deles, os fundamentos legais e
fáticos para o ajuizamento da ação e seus resultados finais.
Quanto a “ azer um levantamento da legalidade de títulos juntados aos
autos dos processos envolvendo conflitos fundiários urbanos”, tal objetivo
não realizado tendo em vista a dificuldade de acesso às informações junto
aos cartórios.
Por fim, no que se refere a “ azer reuniões periódicas de atualização da
comunidade acerca das informações coletadas na pesquisa”, tal objetivo foi
parcialmente atendido, tendo em vista que o grupo manteve contato direito e
realizou reuniões periódicas com algumas comunidades envolvidas em
conflitos fundiários, mais especificamente: Comunidade Cajueiro,
Comunidade Vila do Povo, Comunidade Eugênio Pereira e Comunidade
Renascer. Em relação às demais comunidades identificadas a partir do
levantamento judicial das ações possessórias, o grupo não manteve contato
direito ou realizou reuniões periódicas, mas tão somente acompanhou as
discussões e mobilizações do Fórum das Comunidades Ameaçadas de
Despejo de Paço do Lumiar-MA.
128
129

Educação popular e direito à cidade: experiências e perspectivas da


atuação do PAJUP em Eugênio Pereira3

Glaucia Maria Maranhão Pinto Lima


Ruan Didier Bruzaca

Introdução

O espaço urbano pode ser compreendido sob diversas esferas de


observação diferentes, dentre elas, é passível de se compreender tal espaço
enquanto cenário de dominação social. Tal apontamento é visível a partir do
momento em que não há uma concessão de forma digna de políticas
públicas, distribuição desigual de terras, entre outros aspectos.
Tais embates desemborcam em diversos direitos, que são fortemente
violados, dentre eles, o que será objeto de estudo do presente trabalho, o
direito à cidade. Tal direito garante entre outros aspectos, a participação
direta na vida urbana, a fim de construir de forma coletiva um espaço, no
caso, a cidade.
Com isso, remetem a situações de conflitos coletivos, como a que ocorre
na comunidade Eugênio Pereira em Paço do Lumiar – MA. Trata-se de um

3
Artigo apresentado no I Fórum Internacional de Direito, ocorrido no dia 27 de novembro de
2015, em São Luís/MA, promovido pela Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, com
previsão de publicação em anais.
130

local em que ocorrem ocupações urbanas, consideradas ilegais, mas que se


situam em propriedades que não foram passíveis de cumprir a sua função
social, servindo em seu grande contingente para a especulação imobiliária e
também para tentativas de ocupação individuais.
Entretanto, a (in)visibilidade da comunidade enquanto detentora do
direito em questão é regada por violência, seja oriunda de posseiros ou até
mesmo do próprio Estado. No mesmo sentido, a não compreensão de forma
clara pela comunidade da distinção entre posse e propriedade (e processos
que envolvem tais termos), em virtude da mecanicidade e restrição do direito
em seus termos técnicos, contribuem para haja essa violação de direitos
animalesca.
Ao passo que a luta cresce, 7 anos se passaram e o PAJUP – Programa de
Assessoria Universitária Popular, chegou à comunidade a fim de auxiliar no
processo de empoderamento, através do método de Educação Popular de
Paulo Freire, para que a luta contra esse sistema que oprime e limita de
forma animalesca o direito à cidade seja cada vez mais deles, os
responsáveis pela efetiva construção da comunidade.
Sendo assim, será objeto de estudo no presente trabalho a atuação do
PAJUP enquanto assessoria jurídica universitária popular – AJUP, para
auxiliar com trabalho de base pautado nos ensinamentos de Paulo Freire, na
compreensão do litigio jurídico – conflitos coletivos urbanos, ações
possessórias - em que se encontram, visando o fomento da emancipação da
comunidade para contribuir na garantia de um direito à cidade de forma
efetiva.
131

Neste trabalho, será utilizado o método exploratório, haja vista que visa,
com a explanação sobre o tema delimitado, à ampliação do conhecimento;
além de utilizar o procedimento bibliográfico, pois se baseia tão somente em
bibliografias para a exposição acerca do tema (GIL, 1991).
Sendo assim, será utilizado o procedimento bibliográfico-documental,
com análise de bibliografia específica, periódicos em meio digital e
reportagens que envolvem a temática escolhida. Trata-se de uma abordagem
crítico-metodológica, baseada em uma crítica a realidade sob a tese de que o
direito é problemático e não sistemático apenas; constitui um pensamento
tópico e não um pensamento dedutivo (GUSTIN, 2013).

1 Direito à cidade no espaço urbano brasileiro

Os problemas que envolvem o espaço urbano brasileiro consubstanciam-


se em diversos aspectos, como a distribuição desigual de terras, ausência de
políticas públicas, insegurança da posse e da moradia etc. Neste diapasão,
diversos direitos entram em voga e, muitas vezes em conflitos – como o
direito de propriedade, o direito possessório, o direito à moradia, o direito à
habitação e, em especial, o direito à cidade.
O direito à cidade reflete-se en uanto “direito à vida urbana,
transformada, renovada” LE EBVRE, , p. 3 -139). Em outros
termos, trata-se da participação na vida urbana, reinventada a partir da
participação e da construção coletiva. Tal direito foi inserido na Constituição
Federal de 1988, segundo Maricato (2000, p. 143), no cenário brasileiro, as
132

lutas durante as décadas de 1970 e 1980, com importante papel do Fórum da


Reforma Urbana.
Tal direito não se confunde com o direito à moradia. Este pode remeter,
conforme atenta Maricato , p. , a uma “e ualização de
oportunidades na cidade”. O direito à moradia exigia mudança da base
fundiária e outras medidas, podendo-se realizar uma “re orma urbana”
baseada na reforma fundiária e na extensão das infraestruturas urbanas,
assegurando regulação entre salário e preço da moradia. Entretanto,
apesar de assegurar o direito à moradia, não assegurou o direito à cidade. A
nosso ver, isto se explica na medida em que o direito à moradia não rompe
necessariamente com a dominação econômica e política de setores e agentes,
ao passo que o direito à cidade remete a uma ruptura com aquela.
Continuando, tal direito manifesta-se no direito à liberdade, à
individualização na socialização, no habitat e no habitar, bem como no
direito à obra (atividade participante na cidade) e no direito à apropriação
(diferente do direito de propriedade) (LEFEBVRE, 2001, p. 159). Reflete
tanto uma resposta à crise existencial na vida cotidiana na cidade quanto
uma ordem para encarar a crise e criar uma vida urbana alternativa, divertida
e menos alienada, de forma conflitante e dialética, aberta ao futuro e à
novidade do incognoscível (HARVEY, 2014, p. 11).
Enquanto Lefevbre (2001, p. 167) enfatiza o significado especial do
direito à cidade da classe operária, entendo remeter a interesses gerais da
civilização e de todos os habitantes, visto a necessidade de integração e
participação, Harvey (2014, p. 14) superanda seu legado e atribui
133

importância aos acontecimentos existentes nas ruas e envolvendo


movimentos sociais urbanos4. Deste modo, tal direito relaciona-se com a
participação ativa dos sujeitos que compõem a cidade, traduzindo-se em
participação política na construção do espaço urbano – construção esta que,
na conjuntura capitalista, é reduzida a determinados setores econômicos e
sociais.
No entanto, é necessário encarar que, atualmente, o espaço urbano
brasileiro demonstra a valorização exacerbada do direito à propriedade
privada, conjuntamente com a taxa de lucro, em desfavor dos direitos
humanos – mais especificamente, do direito à cidade (HARVEY, 2012).
Com isso, a cidade acaba mostrando-se enquanto espaço de dominação
social, a ponto de, como mencionado anteriormente, haver uma
supervalorização da propriedade em detrimento do ser humano.
Neste sentido, destaca-se:

Cidade é o lugar por excelência de reprodução de força de


trabalho. Não há como não entender essa formulação. O
mundo está se urbanizando crescentemente e, nas cidades, a
moradia, a energia, a água, o transporte, o abastecimento, a

4
Conforme Harvey (2014, p. 14), a mudança na legislação brasileira com o Estatuto da
Cidade reflete a importância dos movimentos sociais. Disto resulta a promoção de um sentido
dativo de “cidadania insurgente” Holston , relacionado não com o legado de Le ebvre, mas
com as lutas que configuram a vida urbana cotidiana. Ademais, instrumentos como o
“orçamento participativo” têm inspirado pessoas em busca de respostas ao “capitalismo
internacional brutalmente neoliberalizante”.
134

educação, a saúde, o lazer não tem solução individual


(MARICATO, 2015, p. 22).

Com isso, é perceptível que a reprodução daqueles que preenchem as


vagas da força de trabalho, em seu grande contingente, se faz de modo
bastante abrangente, dependendo da localidade em questão. Ou seja, o
capital tem grande participação no ato de moldar o espaço urbano à
determinadas necessidades, destacando a reprodução visando os lucros, juros
e/ou rendas (MARICATO, 2015). Ainda sob essa premissa, Harvey (2012)
contribui que não é possível uma dissociação da cidade dos elos imaginários
criados nas relações sociais, principalmente em se tratando de dominação.
Ainda é possível perceber relação do direito à cidade com o capitalismo
quando nota-se que o processo de urbanização da sociedade atual encontra-
se intrinsecamente ligado àquele modelo de produção. Entretanto, como
elucida Ermínia Maricato (2015), as cidades precedem o capitalismo, a
ponto de muda-las, sendo impossível o pensamento do segundo sem a
primeira.
Neste compasso, destaca-se:
As especificidades no processo de urbanização acompanham
as diferentes fases do capitalismo colonial-industrial ou global
financeiro nos países centrais ou periféricos. Em algum
momento da primeira década do século XXI o mundo passou a
ser predominantemente urbano e essa crescente concentração
de população nas cidades traz novas características para as
135

sociedades e para a humanidade (MARICATO, p. 17, 2015,


grifos nossos).

Assim, a incorporação imobiliária, o capital de construção de edificações,


construções de infraestrutura e ainda capital imobiliário compõem o grupo
que visa moldar o ambiente urbano de acordo com as necessidades
concebidas através da visão capitalista, indo contra qualquer pensamento
sustentável de vida5 e de caráter emancipatório.
Sob outro aspecto, destaca-se que o planejamento urbano brasileiro,
apesar da matriz funcional moderna, foi utilizado como meio de dominação,
ocultando a então cidade real, desembocando na criação de um mercado de
imóveis baseado na restrição participativa e na especulação (PIEROT;
LIMA, 2014). Neste diapasão, as causas dos graves problemas nas cidades
não decorrem de falta ou má qualidade dos Planos Urbanísticos, mas sim por
decorrerem de “interesses tradicionais da política local e grupos especí icos
ligados ao governo de plantão” MARICA O, , p. 4 .

5
Nesse ponto, remete-se ao entendimento pluridimensional de sustentabilidade do professor
Juarez de Freitas (2012), que pode ser compreendido tanto inteligivelmente e sistemicamente,
quanto cognitiva e axiologicamente, ponto em que direciona ao desenvolvimento material e
imaterial. Ressalta-se ainda, que tal perspectiva material não pode ser vista de forma isolada,
sob o risco de tornar-se o irresponsável crescimento trágico direcionado pelo “paradigma da
insaciabilidade predat ria e plutocrática” REI AS, p. 5 , Ou seja, tal crescimento e
compreendimento urbano, visto apenas sob a ótica do capital não possui um viés salubre para
a sociedade, muito menos se pensada tal sociedade em suas próximas gerações.
136

Em outras palavras, percebe-se que a dominação econômica e política por


setores e sujeitos desembocam na determinação das políticas e no
aprofundamento das questões urbanas. Não se observa o exercício de
liberdade, de participação, de construção da obra que é a cidade. Com isso,
percebe-se a inexistência do direito à cidade e a manutenção das estruturas
que excluem determinados grupos sociais do ambiente urbano.
Para Harvey (2014, p. 30), a reivindicação do direito à cidade equivaleria
a reivindicação do “poder con igurador sobre os processos de urbanização”,
ou seja, referente ao modo como as cidades são construídas e reconstruída,
entendendo o referido autor que tal reivindicação deve se dar de forma
radical.
Neste cenário, é na garantia do direito à cidade que se percebe as
possibilidades de modificação das problemáticas urbanas – percebendo-se
aqui as contribuições de experiências pautadas na educação popular, como o
desenvolvido pela Assessoria Jurídica Universitária Popular, apresentando-
se como vetor de incentivo à mobilização e à emancipação dos envolvidos
de forma periférica e explorados no que tange ao acesso efetivo à cidade.
Sendo assim, a sociedade como um todo, não só a acadêmica, precisa
problematizar formas de efetivação de direitos, mais especificamente o
direito à cidade, que pode facilmente ser dessecado de forma
multidisciplinar. Para tanto, tais atitudes tem o poder de evitar o maior
contingente de conflitos fundiários de caráter urbano, como o que ocorre na
Comunidade Eugênio Pereira em Paço do Lumiar, no Estado do Maranhão.
137

2 Conflitos Urbanos: o caso Eugênio Pereira

A região metropolitana de São Luís/MA é marcada por tal contexto de


aprofundamento das problemáticas urbanas e ausência da garantia do direito
à moradia. Especificamente, destaca-se a realidade do município de Paço do
Lumiar, existem problemas envolvendo a especulação imobiliária, a má
distribuição de terras e de políticas públicas, ocasionando conflitos urbanos.
Neste sentido, Viana e Bruzaca (2016) destacam que o caso de Eugênio
Pereira remente a situação, perenes na localidade, envolvendo “ocupaç es,
consideradas ilegais, ocorrem em propriedades que não cumpriam com sua
função social, servindo com grande frequência a intentos individuais e à
especulação imobiliária”.
Trata-se de uma ocupação urbana consolidada na medida em que a
comunidade ocupa há anos uma área de aproximadamente 700 hectares –
cuja situação legal remete à titularidade do bem a espólio, que não fazia
cumprir sua função social. Não obstante, em razão da existência de um
titular do bem, a comunidade passou ao longo dos anos por diversas
situações de despejos, muitos dessas de forma não pacifica – com atuação
truculenta da polícia e uso de tratores e armas de efeito moral (PAJUP,
2015).
Atenta-se que, em muitas situações existentes na região metropolitana de
São Luís/MA, as ocupações urbanas, que se fazem valer em áreas, como
dito, que não cumprem sua função social, são judicialmente questionadas,
geralmente por meio de ações possessórias, ocasionando situações de
138

despejo. Aqui reflete a situação de conflito de direitos que Farias e


Rosenvald (2014, p. 66) traduzem na tensão entre posse e propriedade:
conflito entre garantias essenciais ao sistema constitucional; de um lado o
direito à propriedade (art. 5º, XXII, CF), de outro a função social da
propriedade (art. 5º, XXIII, CF), podendo ser solucionada pela lei ou pela
ponderação do magistrado (FARIAS, ROSENVALD, 2014, p. 66).
Entretanto, não raro tais ações possessórias são solucionadas em
descompasso com seus intentos constitucionais e infraconstitucionais. Neste
sentido, atenta-se à impossibilidade de conceito elástico à posse, para que
abranja todo e qualquer direito; trata-se de poder fático sobre a coisa
(FARIAS, ROSENVALD, 2014, p. 98). Em outros termos, aquelas ações
servem à defesa da posse, não da propriedade – não tendo o título de
propriedade condão de fundamentar a concessão de liminar, devendo haver
de fato o cumprimento da função social da propriedade.
Ademais, entende-se que o conflito urbano vai além da concretização dos
direitos possessórios, do direito à habitação e à moradia. Neste aspecto, em
reunião realizada na Escola Comunitária da Comunidade, tomou-se
conhecimento de diversas demandas – a exemplo, a falta de regularização da
escola, necessitando de auxílio em diversos aspectos, tanto de caráter
estrutural (para finalizar as instalações), quanto documental (alvarás,
pericias, registros) (PAJUP, 2015).
Desde já é possível observar, em consonância do exposto no tópico
anterior, a agudização de problemas sociais decorrentes do conflito urbano.
A posse exercida pela comunidade é posta em questão por pretensos
139

proprietários, impedindo a execução de políticas fundamentais para o sujeito


e que se relacionam com o direito à cidade, como a educação – ademais,
pode-se destacar a saúde, o saneamento básico, a energia, o transporte
público etc.
Apesar da importância referente à garantia da posse e da moradia, o
problema re erente a alcançar um consenso de uma “cidade socialmente
justa”, ou seja, capaz de alcançar a “superação da segregação por meio do
consenso de que estamos diante de um problema tico e de Justiça social”
dificulta-se pela “ ragmentação social e cultural” (ALFONSIN, 2000, p.
191-192). Este cenário, que se poderia modificar por meio do direito à
cidade, é mantido nas realidades brasileiras – tal qual ocorre no município de
Paço do Lumiar.
Há um predomínio, como destacado anteriormente e reforçado por Rolnik
(2004, p. 29) no sentido de a cidade tornar-se determinado majoritariamente
pelo mercado. Com isso, perde-se o espaço do político em favor do capital,
sendo as soluções das problemáticas urbanas guiadas por este em desfavor
do bem-estar da coletividade, acompanhada por uma atuação jurídica
estritamente civilista e dogmática.
Neste sentido, erige-se um cenário urbano marcado por conflitos que
paulatinamente agrava a segregação e a falta de prestação de direitos, sem
que a sua solução remeta a inserção da parcela da população excluída na
construção da obra que constitui a cidade. Neste sentido, observa-se na
atuação da assessoria jurídica universidade popular possibilidades de
repensar a problemática urbana e compreender a importância da
140

emancipação e participação política para fortalecer as lutas populares na


cidade e ressignificar esta.

3 Experiências e perspectivas da atuação do PAJUP na comunidade


Eugênio Pereira

Analisada a questão do direito à moradia no Brasil e o caso de Eugênio


Pereira, parte-se para a abordagem das perspectivas na concretização do
referido direito em tal comunidade por meio da assessoria jurídica popular,
valendo de práticas jurídicas alternativas e educação popular.
Antes de mencionar a origem do PAJUP, faz se necessário distinguir os
conceitos de assistência e assessoria. A assistência jurídica consiste em um
auxílio, uma prestação de serviço perante juízo, englobando todo e qualquer
serviço prestado por advogado (FURMANN, 2005).
Ademais, destaca-se:
Em geral, a distinção não varia muito. Assistência judiciária
seria a elaboração de trabalhos para defesa dos direitos dos
hipossuficientes pela via do Poder Judiciário, sendo efetuados
trabalhos de caráter técnico – portanto, a articulação de ações
e da defesa em juízo de forma gratuita. Os exemplos de
instituições que prestam assistência judiciária mais citados são
os escritórios-modelo, a defensoria pública e os escritórios de
advocacia popular. Pelo que se percebe o que define a
assistência judiciária é a prestação gratuita de serviços
141

advocatícios a pessoas economicamente débeis (FURMANN,


2005, p. 7).

Entretanto, o Programa Assessoria Jurídica Universitário Popular -


PAJUP não se enquadra nessa categoria mas sim de assessoria, que por sua
vez caracteriza-se enquanto o oposto da assistência, pois trata-se de uma
prática jurídica de caráter insurgente (MANINHO, 2012).
Neste sentido:
Apesar da palavra “Assessoria”, em sentido comum, ser uase
sinônima da palavra “Assistência”, oi ela escolhida para
simbolizar uma metodologia inovadora de extensão. A escolha
busca exprimir um significado político contrário às propostas
de índole “assistencialista”. A postura política da Assessoria,
por surgir no espaço discursivo dos movimentos populares, é
uma postura de contestação e não de caridade. Busca a
Assessoria desconstruir o método assistencialista, contestar a
sociedade da exploração do trabalho e rechaçar a Assistência
como solução de problemas sociais (FURMANN, 2005, p.
14).

Sendo assim, a assessoria jurídica pode ser compreendida enquanto


movimento composto por diversos profissionais e estudantes, além de
demais coletivos incentivando para uma prática de assistência e orientação
jurídica, pautada pelo método de educação popular de Paulo Freire em
conjunto com movimentos sociais. O escopo de tal medida é tentar realizar
um diálogo sobre os principais problemas enfrentados pela sociedade, para
142

que os direitos fundamentais sejam devidamente efetivados, utilizando além


de meios jurídicos os extra-jurídicos (FERREIRA, 2011).
Deste modo, Maninho (2012, p. 60) destaca:
Neste contexto, os homens se entendem enquanto sujeitos
históricos, isto é, como construtores de sua própria realidade,
de sua própria emancipação, de seu próprio espaço público,
propiciando aos sujeitos serem atores de sua própria realidade,
não mais se encontrando limitados às ordens (diretas ou
indiretas) de uma classe opressora.

A assessoria jurídica possui como seus marcos teóricos a Educação


Popular de Paulo Freire, além de trabalhar com uma perspectiva de direito de
forma crítica, pois visa emancipar os sujeitos envolvidos a ponto de que
sejam os próprios protagonistas de suas contendas, pois por diversas vezes,
se não sempre, o direito fecha-se em si mesmo, proibindo que exista uma
maior compreensão da situação fática senão por aqueles que possuem o
conhecimento técnico para tal (FURMANN, 2005).
Neste compasso:
O agente do processo de Assessoria Jurídica não é somente o
membro da comunidade nem somente o operador jurídico.
Dentro da Assessoria jurídica somente o diálogo pode
construir um conhecimento. Parte-se da proposta de que cada
um, por ter uma experiência de vida, detém um conhecimento,
e somente a partir do diálogo entre o popular e o acadêmico é
143

possível construir um conhecimento crítico (FURMANN,


2005, p. 15).

A assessoria jurídica pode ainda ser classificada enquanto advocacia


militante e assessoria universitária. Estão presentes na primeira hipótese as
entidades não-governamentais com membros de formação marxista. O
segundo caso, são grupos formados por estudantes que não coadunam com o
modelo tradicional de ensino jurídico, o então ensino bancário como
mencionado por Paulo Freire. Critica ainda o método vertical de relação
entre estudante e professor, o já mencionado método bancário de ensino
(FURMANN, 2010). A assessoria é compreendida também enquanto
movimento social, uma vez que devido ao seu elevado grau de organização,
mobilização interna e externa, além de trabalhar com articulação com grupos
e entidades que também trabalham com essa prática (MANINHO, 2012).
Neste compasso, em relação a Eugênio Pereira, desenvolve-se uma
atuação consoante os pilares acima descritos. Assim, o grupo não prestou um
serviço assistencialista pautado no tecnicismo e na dogmática jurídica, mas
sim trabalhou em conjunto com a comunidade Eugênio Pereira, por meio de
oficinas cujas demandas foram apresentadas por membros da comunidade e
trabalhadas num sentido emancipatório e critico – a exemplo, utilizando o
método de educação popular de Paulo Freire, o PAJUP em uma das
oportunidades realizou oficina sobre regularização fundiária (PAJUP, 2014).
Além de todo um aparato jurídico, no sentido de demonstrar de forma
mais acessível a comunidade a situação em que se encontram, o grupo atua
144

no sentido de criar relações com os integrantes da comunidade. A assessoria


jurídica universitária popular também se pauta sob essa perspectiva
antropológica, pois a troca de conhecimentos deve existir e deve ser feita
para ue seja possível “ azer assessoria”. Do contrário, acaba por remeter ao
conceito bancário de ensino, pois só há o depósito da informação jurídica
para a comunidade e isso não pode ocorrer, deve ser feita uma educação de
forma dialética e dialógica (FREIRE, 2005).
Além disso, o grupo visa sempre manter uma relação direta com a
comunidade, por meio de lideranças comunitárias. Neste sentido, ocorrendo
algum fato inusitado na comunidade, o PAJUP é contatado para
conjuntamente se dirimir dúvidas ou para discutir novas atitudes e avanços
da comunidade (PAJUP, 2015).
Com isso, a perspectiva de atuação do PAJUP se dá no sentido de
contribuir no combate a situação de violência de direitos humanos e, dentre
eles, o direito à cidade, utilizando-se de sua atuação diferenciada para
superar as imposições da dogmática e do tecnicismo jurídicos – que
aprofundam os conflitos sociais envolvendo o ambiente urbano, como se vê
na realidade metropolitana de São Luís.
Atualmente, quanto ao conflito possessório, a comunidade encontra-se
em situação de maior estabilidade, com a diminuição das intervenções
provocadas pelo litígio com o espólio, bem como com a possibilidade de
concessão à prefeitura de Paço do Lumiar dos 700 hectares para que seja
realizado de forma adequada a separação dos lotes para os integrantes da
comunidade Eugênio Pereira (PAJUP, 2014).
145

Ademais, a autonomia da comunidade se demonstra em outros âmbitos,


tendo como últimos avanços da comunidade a obtenção uma linha de ônibus
integrada, com dois ônibus circulando até às 22 horas, e a autorização da
prefeitura municipal de Paço do Lumiar para a construção de um espaço de
lazer para uso de toda a comunidade (PAJUP, 2015).
Tais experiências podem ser incorporadas à atuação atual do PAJUP na
comunidade, bem como multiplicada em outras atuações. Ademais, como se
pretendeu destacar, a atuação de uma assessoria em uma comunidade que
visa a regularização fundiária para um acesso efetivo do direito fundamental
à cidade é imprescindível, uma vez que o papel de uma AJUP é auxiliar no
processo de emancipação e empoderamento diante das situações fáticas do
cotidiano (PAJUP, 2015).
O direito à cidade, enquanto um direito fundamental é carregado de um
conte materialismo histórico, uma vez que a cidade é mecanismo de
exclusão, pois o capitalismo, através da especulação imobiliária, furta a
população de ter acesso à cidade criando, como já mencionado
anteriormente, uma cidade clandestina. É necessária a atuação da assessoria,
para que não seja o direito à cidade, por vezes concedido de forma furtiva a
toda a população, não somente aos que possuem patrimônio. Além disso,
percebe-se que a atuação ocorre de forma dialética e dialógica como propõe
o método exposto por Paulo Freire (2005), uma vez que a própria
comunidade já encara os membros de forma diferente desde a primeira visita
à comunidade.
146

Conclusão

É salutar que o espaço urbano brasileiro encontra diversos conflitos, no


que tange ao direito à cidade, ausência de políticas públicas, distribuição
desigual de terras, insegurança no que tange a posse do imóvel e ainda
insegurança relativa à moradia. Tais aspectos corroboram para a existência
de conflitos, devido à vasta gama de direitos que se encontram violados, que
acabam se tornando conflitos coletivos urbanos.
A comunidade Eugênio Pereira, localizada no município de Paço do
Lumiar, passa há aproximadamente sete anos por conflitos que envolvem
questões como posse e propriedade, além de enfrentar a truculência de ações
policiais e também ameaças de posseiros.
O Programa de Assessoria Universitária Popular – PAJUP entrou em
contato com a comunidade, para auxiliar no processo de emancipação da
comunidade, no que tange a compreensão dos processos coletivos que
envolvem a área da comunidade Eugênio Pereira.
Com o auxílio de formações pautadas na metodologia de Paulo Freire, a
atuação do grupo na comunidade tem sido crucial para que os habitantes
possam tornar-se protagonistas de sua própria história, construindo de forma
participativa e deliberativa o espaço urbano que ocupam.
Tal feito só é possível com a realização de uma troca efetiva de
conhecimentos, ao passo que o grupo demonstra de forma clara e não técnico
mecanicista, o que envolve um processo judicial e a comunidade nos acolhe,
tornando possível que essa troca de conhecimentos ocorra, pois só é possível
147

a atuação de uma assessoria jurídica universitária popular em uma


comunidade, se a mesma considera necessária a sua presença.

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Direitos Humanos. 1. ed. Fortaleza: Edições UFC, 2015 , p. 109-140.
150
151

Conflito de terras nas comunidades tradicionais: aplicabilidade da


função social da propriedade enquanto instrumento de efetivação do
direito à moradia6

Alice Rêgo Matos


Ana Paula Martins Mesquita

Introdução

Os chamados Direitos Reais correspondem, na categoria de direitos, de


acordo com Clóvis Beviláqua (1956), como o complexo de normas que
regulam as relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação
pela pessoa. Partindo desse pressuposto é que se é capaz de começar um
estudo analítico acerca da posse, da propriedade e de sua função social, uma
vez que ela se configura não apenas como possibilidade de visibilidade do
domínio, mas principalmente como forma de aproveitamento de um bem em
favor de quem o tenha.
Segundo Cláudia Correa e Irineu Soares [?] a função social da posse deve
ser encarada, antes de qualquer coisa, como uma forma de reinterpretar o
direito pelo viés de sua utilidade social. Na posse, a função social chega a ser

6
Artigo apresentado no I Fórum Internacional de Direito, ocorrido no dia 27 de novembro de
2015, em São Luís/MA, promovido pela Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, com
previsão de publicação em anais.
152

identificada com mais evidência, pois na propriedade, ainda que não haja o
exercício da faculdade de usar, o dono pode manter-se como tal, no caso,
como proprietário, o que na posse seria a sua própria descaracterização, uma
vez que quem usa, deve dá o sentido econômico e social à coisa.
Levando em consideração o que foi dito acima é de suma importância
também uma discussão voltada aos elementos capazes de distinguir a função
social da posse e da propriedade, tendo em vista que são conceitos que
podem facilmente ser confundidos, tornando-se assim alvo da geração de
alguns problemas. É importante ter em mente, além disso, o interesse em
saber de que forma a função social da posse pode agir, e vem agindo, de
modo a auxiliar grupos menos favorecidos da sociedade, a exemplo das
comunidades tradicionais, a garantir seu direito fundamental à moradia,
utilizando o direito como meio interpretativo para isso e se valendo de
fundamentações que se comportam analogamente ao caso em questão.
Conforme o exposto anteriormente, e tendo em mente a relevância de tal
tema para a concretização e eficácia de alguns direitos fundamenteis
previstos e assegurados constitucionalmente é que questiona-se: de que
forma a aplicabilidade da função social da posse pode agir como instrumento
de efetivação do direito fundamental à moradia frente a problemática
enfrentada pelas comunidades tradicionais atualmente?
A escolha do tema foi devido à sua intensa relevância atualmente e à
necessidade de se discutir meios alternativos para auxiliar na problemática
das comunidades tradicionais nos dias de hoje, que por ausência de uma
regulamentação adequada de seus terrenos, onde praticam atos sociais e
153

econômicos relevantes para sua sobrevivência, ficam vulneráveis à


desapropriação, ainda que tenham conseguido cumprir com a função social
necessária para a manutenção da posse.
A discussão desse tema torna-se necessária uma vez que é de grande
importância esclarecer alguns conceitos a fim de distinguir posse da
propriedade propriamente dita, além de buscar meios para demonstrar a
importância da observação da função social atrelada à posse como um dos
principais meios garantidores da efetivação de alguns direitos fundamentais
a exemplo do direito fundamental à moradia.
Diante desta problemática, estabeleceu-se como objetivo geral do
presente trabalho, a análise de como a função social da posse se manifesta
enquanto um dos principais meios de contribuição para a efetivação dos
direitos fundamentais nas comunidades tradicionais, principalmente no que
diz respeito à moradia. Sendo interessante ainda ressaltar como objetivo
específico o apontamento das principais diferenças entre a função social da
posse e da propriedade, assim como, demonstrar como a função social serve
de meio para a interpretação do direito positivado a fim uma melhor
utilidade frente a sociedade, e por fim buscou-se identificar os meios para a
manutenção da posse, através de sua função social, em prol da
vulnerabilidade das comunidades tradicionais.
Dentre os tipos de pesquisas disponíveis, este trabalho se baseou em
pesquisas do tipo bibliográficas, tendo em vista que foi feito a partir de
análise de livros, documentos e trabalhos já elaborados por outras pessoas,
com o objetivo de aperfeiçoar e ampliar o conhecimento acerca do tema com
154

a intenção de buscar uma melhor fundamentação para este. Referente à


forma de abordagem, o método utilizado foi o dedutivo, onde o inicial
conhecimento acerca do tema, pode ser desenvolvido de forma significativa
através de pesquisas com a finalidade de promover uma melhor
compreensão sobre a problemática abordada levando em conta o ponto de
vista de diversos autores sobre o tema em questão.

1 Função social da posse versus função social da propriedade: principais


diferenças

É bem verdade que ainda há quem confunda os conceitos básicos de


posse e propriedade, uma vez que ambos versam sobre o domínio de
determinada coisa. Segundo Maria Helena Diniz, “caracteriza-se a posse
como a exteriorização da conduta de quem procede como normalmente age o
dono. O possuidor é, portanto, o que tem o pleno exercício de fatos dos
poderes constitutivos de propriedade ou somente de alguns deles” 3,
p.54), este conceito também pode ser encontrado no art. 1.196 do Código
Civil. Em relação à a propriedade, Maria Helena Diniz conceitua esta como
“a relação undamental dos direitos das coisas, abrangendo todas as
categorias dos direitos reais, girando em seu torno todos os direitos reais
sobre coisas alheias, sejam direitos reais limitados de gozo ou fruição, sejam
os de garantia ou de a uisição” 3, p. 3 .
O princípio da função social vem com a finalidade de realizar uma
análise sociológica das relações, uma vez que trata da dicotomia entre o
155

público e o privado visando inserir determinada camada da sociedade que


não está inserida em relações jurídicas próprias, apesar destas serem de seu
profundo interesse.
A função social pode ser aplicada em qualquer situação, tomando a frente
a questão da posse e da propriedade, afim de diferenciá-las, pode-se dizer
que a função social da propriedade, de acordo com os pensamentos de José
Afonso da Silva,
É muito mais do que isso. Transforma a propriedade
capitalista, sem socializá-la. Não interfere apenas com o
exercício do direito de propriedade, âmbito das limitações,
porque a condiciona como um todo, possibilitando ao
legislador entender com os modos de sua aquisição em geral
ou em certos tipos de propriedade, com seu uso, gozo e
disposição (apud TAMAKI, 2015, p. 66).

Em contrapartida, no que diz respeito à função social da posse, pode-se


dizer ue esta se conceitua “como limitador do uso abusivo da posse, possui
eficácia plena. Como criador de políticas públicas de finalidade sociais, deve
atender o princípio da legalidade” AMAKI, 5, p. 73 .
Contudo, diante do exposto pode-se perceber que a aplicação da função
social da posse age com a finalidade de garantir, ainda que indiretamente,
um direito de propriedade, uma vez que há situações onde a proteção da
propriedade não pode ser colocada à frente da proteção da posse, mas que
age como tal, assim como pode ser observado na redação do art. 1228, §4º e
§5º do Código Civil, que fala:
156

§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o


imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse
ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de
considerável número de pessoas, e estas nela houverem
realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços
considerados pelo juiz de interesse social e econômico
relevante.
§ 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa
indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a
sentença como título para o registro do imóvel em nome dos
possuidores.

Assim, conclui-se que a função social da posse, por vezes se sobressai em


detrimento da função social da propriedade, apesar de ambas terem como
finalidade quase sempre o mesmo teor no tocante às garantias esperadas,
tendo em vista que a primeira visa uma maior garantia dos direitos
fundamentais assegurados à sociedade.

2 A função social como meio de interpretação do direito positivado e sua


melhor utilidade frente a sociedade

A função social tem se mostrado uma possibilidade de garantia de


diversos direitos fundamentais, a exemplo do direito fundamental à moradia
que sempre foi uma problemática muito presente na realidade social
brasileira. Através desse princípio, busca-se amparar um maior número de
157

pessoas que vem se deparando com problemas relativos a posse e


propriedade, uma vez que ainda existe uma grande falta de regulamentação
fundiária em áreas urbanas e rurais em favor destas.
A função social da posse como princípio constitucional
positivado, além de atender à unidade e completude do
ordenamento jurídico, é exigência da funcionalização das
situações patrimoniais, especificamente para atender as
exigências de moradia, de aproveitamento do solo, bem como
aos programas de erradicação da pobreza, elevando o conceito
da dignidade da pessoa humana a um plano substancial e não
meramente formal. É forma ainda de melhor se efetivar os
preceitos infraconstitucionais relativos ao tema possessório, já
que a funcionalidade pelo uso e aproveitamento da coisa
juridiciza a posse como direito autônomo e independente da
propriedade, retirando-a daquele estado de simples defesa
contra o esbulho, para se impor perante todos
(ALBUQUERQUE apud GONÇALVES, 2012).

Assim, percebe-se que ao se valer da função social para ampliar o campo


de abrangência da posse, esta atua de forma a facilitar um maior acesso a
moradias, de forma legal, principalmente no que diz respeito a auxiliar os
desprovidos de meios para consegui-los, fazendo com que estes tenham a
possibilidade de usufruir da propriedade.
Entender a posse e sua função social frente a uma parcela da sociedade
desprovida de meios, tanto técnicos quanto jurídicos ou financeiros, para
dispô-la é ao mesmo tempo entender o verdadeiro sentido de função social
158

de acordo com o aludido pela própria Constituição Federal (CF/88), que


obriga que a função social seja cumprida de modo a colaborar para o pleno
desenvolvimento de uma sociedade igualitária, ainda que abstratamente,
como um todo que cumpre com às exigências da terra.
Acerca disso, diversos entendimentos são perpassados, como os
seguintes, que visam demonstrar entendimento quanto à conscientização da
relação existente entre a função social textualizada legalmente e o interesse
social que paira por trás disso, tanto sob uma perspectiva sociológica quanto
jurídica:
A posse enquanto fenômeno social merece proteção estatal,
pois ela ue “permite a proteção do ‘ser’ nas exigências
mínimas da vida em sociedade, [sendo] instrumento essencial
de satisfação de necessidades humanas, seja ela exercida em
razão da titularidade ou não” ORRES apud RO A, 5,
p.47).
E, no conflito entre os direitos de posse e de propriedade, deve
prevalecer aquele que estiver cumprindo a sua função social,
pois esta é a garantia de um sistema equânime na sociedade
com visão para a efetivação do direito social de moradia
(ALFONSIN apud FROTA, 2015)

Nesse contexto, a posse se destaca enquanto instrumento de erradicação


de pobreza e das desigualdades sociais. Desse modo, para justificar a
prevalência da posse funcionalizada sobre a propriedade é necessário
159

interpretar o Direito Civil à luz da Constituição Federal (ROMEIRO;


FROTA, 2015).
Interpretações como essa se tornam importantes ao se ter em mente que
nos últimos tempos, cada vez mais, o Direito Civil vem se rendendo à sua
constitucionalização e tem atuado cada vez mais atrelado às garantias
mínimas de direitos reproduzidos pela Carta Constitucional, a exemplo do
direito fundamental à moradia que é o discutido no caso.

3 Os meios para manutenção da posse: atuação da função social em prol


da vulnerabilidade das comunidades tradicionais

É de conhecimento geral a situação de fragilidade e descaso que certas


comunidades tradicionais nutrem atualmente, principalmente no que diz
respeito à garantia de alguns direitos fundamentais essenciais à existência de
qualquer pessoa. O grande problema é que o direito, apesar de avanços
significativos nesse campo, não tem enxergado da maneira mais adequada a
problemática quanto ao acesso à moradia advindo de demandas expostas,
principalmente, por essas comunidades.
Para comunidades tradicionais, a terra possui um significado
completamente diferente da que ele apresenta para a cultura
ocidental hegemônica. Não se trata apenas da moradia, que
pode ser trocada pelo indivíduo sem maiores traumas, mas sim
do elo que mantém a união do grupo, e que permite a sua
continuidade no tempo através de sucessivas gerações,
160

possibilitando a preservação da cultura, dos valores e do modo


peculiar de vida da comunidade étnica (SARMENTO, 2001,
p.5)

Ao se atrelar unicamente à função social desempenhada pela propriedade,


deixa-se de escanteio a importância da função social remetida também à
posse, uma vez que deve ser observado que moradia digna e espaço de
qualidade onde se desempenhe adequadamente atividades econômicas e
sociais básicas não devem aparecer apenas quando da necessidade de se
regulamentar no “papel” o caráter de proprietário de determinado cidadão.
Mais importante que isso é a garantia de que se está cumprindo o verdadeiro
papel que a terra deveria desempenhar e pra quem é interessante cumprir
aquilo, ao invés de deixá-la sem utilidade social alguma voltada apenas para
a especulação.
(...) A função social mudou o cenário jurídico dos últimos
séculos e, de modo especial, obrigou-nos a observar, na
atualidade, institutos como o contrato, a empresa, a
propriedade, a posse, e até mesmo a família, de maneira
completamente diferente de outrora. Portanto, uma visão
flexibilizada se impõe. Poderíamos dizer que a função social,
grosso modo, revelou-se como um dínamo viabilizador da
justiça distributiva. Não falamos aqui daquele senso de justiça
distributiva que persegue unicamente a distribuição de bens
materiais, mas sim em um aspecto mais amplo, dentro de uma
teoria geral de justiça encaminhada de acordo com a estrutura
161

de um completo conceito sociopolítico de justiça


(FLEISCHARCKER apud CORREA; SOARES, [?])

De acordo com o autor supracitado e já remetendo esse assunto ao campo


da efetivação do direito fundamental à moradia, torna-se de suma
importância reconhecer o conteúdo e o alcance que a função social da posse
vem desempenhando atualmente e como essa contribuição se torna cada vez
mais válida ao considera-la como meio alternativo de atuação não só em
favor das comunidades tradicionais, mas também daqueles que efetivamente
vem usando a posse como modo de cumprimento de sua função social
exigida constitucionalmente.
A luta por direitos territoriais por parte dessas comunidades sempre foi
motivo de grandes conflitos, uma vez que a posse da terra vai muito além de
somente de ter o bem, e sim, de acordo com o pensamento de Marlon
Araújo, “trata-se de reconhecimento e apossamento de várias gerações, com
agregação de conhecimentos e símbolos, responsáveis pela existência da
comunidade tal como organizada” , p. , ou seja, a terra para as
comunidades tradicionais é uma herança que representa toda a cultura de um
povo que sempre esteve lá.
Condicionou-se pensar ue a propriedade de inida como “puro direito
subjetivo, ou seja, um interesse juridicamente protegido, que confere uma
gama de poderes ao seu titular e correlatos deveres, a serem prestados ou
observados por terceiros não-proprietários” LOUREIRO apud NE O,
2007, p. 02), assim, as pessoas que estão fora dessa relação não podem
162

interferir nesse direito, deixando margem para uma interpretação de que este
não teria limites.
Contudo, a fim de reafirmar o exposto, quando se fala das comunidades
tradicionais a questão da terra que está ligada ao conceito de território
“incluiu uma totalidade ue diz respeito: as ormas de ocupação e uso da
terra e dos recursos naturais; às culturas e valores vinculados a essa terra ou
territ rios e ao direito sobre os recursos naturais existentes” SHIRAISHI
NETO, 2007, p. 47). Posto isso, a função social da posse nessa situação
versa sobre garantias do direito de propriedade desse povo, que tanto vem
sofrendo opressões por parte de grandes empresas que visam o seu lucro a
partir da desapropriação das terras que fazem parte de uma herança cultural
destas comunidades.

Considerações finais

Ao longo do trabalho aqui apresentado buscou-se demonstrar,


inicialmente, considerações a serem feitas acerca das principais diferenças
que pairam sobre a função social da propriedade e da posse, uma vez que são
frequentemente confundidas pela contextualização geral que as mesmas
possuem, sendo diversas vezes motivo de discussão quando se entra no
mérito do assunto.
Superada essa análise pôde-se perceber a relevância que tem a
interpretação sistemática da função social da posse com o próprio texto
constitucional, uma vez que este considera como norma de direito
163

fundamental (formal e material) a observância da função social da posse


como meio regrado para o desenvolvimento, tanto econômico quanto social,
de qualquer sociedade que seja.
Além disso buscou-se fazer uma abordagem dessa função social enquanto
meio de interpretação do direito positivado através das normas de Direito
Civil e tentar elencar meios capazes de contribuir para essa manutenção da
posse em favor da vulnerabilidade as comunidades tradicionais, tanto
urbanas quanto rurais. Ao se fazer isso, levando em consideração o
sentimento de posse (e não de propriedade) nutrido por essa parcela da
sociedade, tornou-se mais evidente a diferenciação a ser feita quanto essas
determinantes.
Foi importante perceber ainda o quanto essa função social tem usado de
sua carga legal e normativa para atuar como fonte de melhorias frente a
sociedade ao considerar que esta encontra-se carente de meios que,
efetivamente, sirvam como garantidores de direitos, ainda mais quando esses
direitos dizem respeito a grupos vulneráveis no seio social.
Ao se fazer um resgate do sentido literal que a função social da posse
desempenha no Ordenamento Jurídico Brasileiro e ao analisar seu conteúdo
em detrimento da problemática apresentada pelas comunidades tradicionais é
que se pode estabelecer medidas, de cunho tanto governamental quanto
social e econômico para lançar formas alternativas de alcance à sua
efetivação.
Assim sendo, o mais viável seria a aplicação de medidas alternativas
baseadas em preceitos legais, constitucionalmente fundamentadas e
164

propícios a repetição, através da analogia, em casos semelhantes, tomando


como base o caso concreto e levando em consideração a necessidade de se
prever o cumprimento, antes de tudo, da função social, elencada como
elemento fundamental para a manutenção da posse de acordo com a Teoria
da Função Social apresentada, que visa se tornar um instrumento ativo frente
a necessidade de concretização dos direitos fundamentais.
Por fim, o trabalho teve como escopo despertar interesse quanto a uma
análise voltada para esses grupos fragilizados que estão tão próximos de nós
e merecem ter uma vida digna e fazer o melhor uso possível da terro sobre a
qual habitam, ao invés de deixá-la à mercê de especulação, apenas sob o
ponto de vista econômico, e desconsiderar os fatores sociais que pairam
sobre ela.

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Dispositivos Jurídicos definidores de uma Política Nacional. PPGSCA-
UFAM/ Fundação Ford: Amazônia, 2007.
167

SILVA, José Afonso da apud TAMAKI, Luiz Henrique. Função social da


posse. Revista dos Tribunais. vol. 956. ano 104. p. 53-86. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, jun. 2015.

TAMAKI, Luiz Henrique. Função social da posse. Revista dos Tribunais.


vol. 956. ano 104. p. 53-86. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, jun.
2015.
uma releitura à luz do princípio da função social. Santa Catarina, 20[?].
Disponível em: <
http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32619-39915-1-
PB.pdf>. Acesso em: 26 out. 2015.
168
169

Protagonismo feminino e direito à moradia: a luta das lideranças


comunitárias em conflito coletivo fundiário urbano em Paço do Lumiar
no Maranhão7

Glaucia Maria Maranhão Pinto Lima


Mayara Araújo Abreu

Introdução

A cidade de Paço do Lumiar, situada no Estado do Maranhão, é cenário


de um intenso embate entre grandes investimentos e comunidades resultantes
de ocupações coletivas urbanas. O capital é o grande motor para fazer deste
embate uma batalha muita das vezes desproporcional, deixando sempre a
parte mais fraca ainda mais prejudicada. Eugênio Pereira, Cajueiro e Vila do
Povo figuram enquanto parte em processos judiciais, seja de forma coletiva
seja de forma individual, mas sempre pautando a questão da posse,
propriedade e moradia, em seus autos. Perante tais afirmações, questiona-se
quais os motivos que levam as mulheres à assumirem a posição de liderança
na luta pela efetivação do direito à moradia em Paço do Lumiar – MA?

7
Artigo apresentado no III Congreso de Estudios Poscoloniales y IV Jornadas de Feminismo
Poscolonial – “Interrupciones desde el Sur: habitando cuerpos, territorios y saberes”, ue
ocorreu na Universidade de Buenos Aires, de 12 a 15 de dezembro de 2016, com previsão de
ser publicado nos anais do evento.
170

Com isso, objetiva-se discutir os motivos que levam as mulheres a


assumirem o protagonismo na luta pela efetivação do direito à moradia na
cidade de Paço do Lumiar no Estado do Maranhão. Busca-se traçar as
considerações sobre o direito à moradia, relacionando-o aos conflitos
fundiários urbanos e demonstrar de que forma a atuação das lideranças
femininas contribui na luta pela efetivação do direito à moradia. Além disso
o trabalho pretende investigar os conflitos fundiários envolvendo as
comunidades de Paço do Lumiar – MA, em específico: Eugênio Pereira,
Cajueiro e Vila do Povo.
Diante disso, o presente trabalho torna-se relevante pois, é necessário dar
uma maior visibilidade às demandas coletivas que ocorrem em Paço do
Lumiar, no que tange a questão de moradia. Além disso, pouco se estuda
acerca de demandas coletivas deste aspecto no âmbito acadêmico, sendo na
maioria das vezes pouco atrativo para diversas pessoas. As autoras sentem-se
satisfeitas com a elaboração deste trabalho devido a sua atuação no
Programa de Assessoria Jurídica Universitária Popular – PAJUP, que
proporcionou o contato com as comunidades, além disso, os dados
levantados fazem parte da execução do projeto Direito Achado na Ilha,
fomentado pela FAPEMA (Fundação de Amparo à Pesquisa e
Desenvolvimento Científico do Estado do Maranhão).
Neste trabalho será utilizado o método exploratório, haja vista que visa
com a explanação sobre o tema delimitado, a ampliação do conhecimento.
Além de utilizar o procedimento bibliográfico, pois se baseia em
171

bibliografias para a exposição acerca do tema. Também será utilizada a


metodologia de pesquisa de campo (GIL, 1991);
Trata-se de uma abordagem crítico-metodológica, baseada em uma crítica
a realidade sob a tese de que direito e problemático e não sistemático apenas,
constitui um pensamento tópico e não um pensamento dedutivo (GUSTIN,
2013).
É notório que o direito fundamental à moradia é garantido
constitucionalmente, ainda que por um viés meramente formalista. Apesar de
tal arcabouço jurídico, o ue se vê algo completamente distinto do “dever
ser” ue a Carta Magna disp e, a realidade consiste na total relativização
deste direito em detrimento de um interesse individual, o interesse do capital.
Diante disso, as ocupações urbanas surgem para ressignificar espaços não
utilizados de maneira adequada, dando ensejo as comunidades urbanas. As
três possuem pontos em comum, dentre eles, o fato de serem lideradas por
mulheres, ainda que materialmente (em alguns casos), o que pode influenciar
na maneira em como a comunidade lida com os processos judiciais que as
envolvem.
172

1 Do direito à moradia

Neste espaço será tratado acerca do direito à moradia8, que em seu


arcabouço possui relação direta com a estruturação das cidades assim como
do processo de urbanização que estas perpassam. Ressalta-se que para este
momento não deve ser deixado de lado o fator do capitalismo, assim como
das políticas públicas realizadas nestes espaços (VIANA, BRUZACA,
2016).
Parte-se dessa premissa pois, a conjuntura atual carece de uma análise
que vá para além das orientações jurídicas. Faz-se necessário uma
abordagem multidisciplinar e interdisciplinar, a fim de que seja possível uma
maior compreensão do fenômeno que envolve a problemática tratada no
presente trabalho.
O direito à moradia é um direito social, garantido constitucionalmente e
também com respaldo internacional. O mesmo foi inserido de forma
expressa no ordenamento jurídico pátrio no ano 2000, através da Emenda
Constitucional nº 26 (LOPES, 2014).
Trata-se de um direito social e não individual - como na maioria das
vezes é compreendido, pois, na perspectiva do Estado, seria uma maneira
mais “ ácil” de lidar com a população. al ato deve-se a maior facilidade de
8
O Direito fundamental à moradia, enquanto direito social que desafia a elaboração de
políticas públicas, é o conjunto formado pela segurança jurídica na ocupação da habitação,
pela solidez do prédio e pelos serviços púbicos urbanos que garantam a habitabilidade do
prédio e seu entorno (DOMINGUES, 2013, p. 224).
173

garantir políticas públicas (em tese), do que garantir a todo brasileiro e


estrangeiro residentes no Brasil, individualmente considerados, um “bem
econômico para morar” DOMINGUES, 3, p. 3 .
Há, portanto, um reforço no que tange à percepção das intenções do
Estado, uma vez que é notório aonde o mesmo pretende chegar, sendo o
detentor da produção de direitos positivados de forma expressa, e também a
violência utilizada para legitimar tais direitos (BARROS, 2014).
Em decorrência do capitalismo periférico, que nada mais é do que um
modelo que possui seus alicerces estruturantes em locais que se determinam
em virtude dos interesses econômicos dos grandes centros urbanos, é
possível retratar a realidade não só do Brasil, mas em Paço do Lumiar.
Assim como em diversos países da América Latina, grande maioria desses
cenários levam em consideração o interesse de poucos em detrimento do
interesse da coletividade (VIANA, BRUZACA, 2016).
Ante o exposto, por se tratar de um direito classificado enquanto social,
incumbe ao Estado o dever de efetuar políticas públicas com fulcro na
garantia deste direito. Entende-se por moradia não somente o espaço físico
para coabitar mas para além disso, um espaço que garante segurança jurídica
da posse, que seja habitável, que seja acessível, com gastos suportáveis,
entre outros fatores (CARVALHO; RODRIGUES, 2015).
Constitui-se em um conjunto de caráter heterogêneo de posicionamentos
jurídicos, sejam eles objetivos ou ainda subjetivos. Assume, portanto, uma
dupla perspectiva, com postura prestacional e também presencial. Em sua
perspectiva negativa, encontra-se protegido contra os abusos do poder estatal
174

e também de particulares, além de garantir que nenhum seja impedido de


possuir uma moradia adequada, “inclusive para e eitos de proibição de
retrocesso” (BARROS, 2014, p. 71).
Com isso, torna-se perceptível que o direito à moradia9 também é
intrinsecamente ligado ao direito à cidade, pois como já evidenciado
anteriormente, para a efetivação do direito à moradia não basta somente um
espaço físico para habitar, não se trata unicamente de ter uma casa para viver
(GOMES, 2016).
Uma vez que não garantidas através de políticas públicas, as necessidades
passam a clamar por outros caminhos, ainda que dentro da vida urbana.
Sanada a questão da moradia não haveria uma substituição da sociedade, por
uma que a força trabalhadora dependeria única e exclusivamente de salário
ao final do mês (ENGELS, 2015).
Apesar de sua essencialidade, o direito à moradia é diversas vezes
negligenciado, tal fato decorre da forma como a sociedade atual se organiza
– globalmente e com deficiência em todos os órgãos de caráter estatal. No
9
Direitos sociais, supostamente, demandam uma maior atenção do poder público em virtude
de serem, em tese, considerados enquanto direitos aplicados de forma plena. Devido à isso,
direitos sociais enfrentam embates devido aos percalços percorridos no momento de captar
recursos para dar possível efetividade à esses direitos, nesse momento, conflitos políticos e
ideológicos tomam o lugar de atenção do que na verdade deveria ser a preocupação com o
benefício da população. Em que pese todos esses fatores, questões econômicas também
impedem que esses recursos sejam captados, o que também ocorre na cidade de Paço do
Lumiar, uma vez que a especulação imobiliária é o principal ator no que tange à ferir o direito
à moradia de dos habitantes de diversas comunidades (PEREIRA, 2012).
175

Brasil, tais evidencias são gritantes, principalmente no que tange as questões


urbanas e do contexto das cidades, a predominância é do interesse de quem
tiver mais capital (VIANA, BRUZACA, 2016).
O quadro que se torna latente no Brasil, nada mais é do que um reflexo
do modelo de produção que visa o capital, uma vez que o capitalismo visa a
existência de “uma classe despossuída” ENGELS, 5, p. 69). Pretende-se
uma classe totalmente desprovida, ao ponto de não possuir nada e buscar
somente a venda de sua força de trabalho aos mais interessados. O mesmo
pode se perceber no âmbito do direito à moradia, desprover toda a classe
trabalhadora de moradia, englobando todos os seus componentes essenciais,
a fim de que esta esteja sempre disposta a vender o que tem por bem – sua
força de trabalho, em troca de uma moradia em zonas abastadas e sem o
mínimo de políticas públicas.
Até o momento, é possível perceber a complexidade do direito à
moradia10 e suas implicâncias. É latente o grito da população pela sua
efetivação, mesmo com a dependência pelo mercado ainda é evidente e
erroneamente ignorada pelos que estão no poder, que se importam apenas
com seus próprios interesses.
Neste cenário, surge então o conflito entre direitos, por um lado o direito
à moradia e de outro, o direito à propriedade. Apesar de possuírem pontos
10
Portanto, percebe-se que para além do explicitado, o direito à moradia também configura
um caminho aos meios de vida da população: saúde, esporte, educação, entre outros. Não se
trata apenas de um contingente populacional ou somente uma questão segregacional
(GOMES, 2016).
176

em comum, o direito à moradia e o direito à propriedade constituem direitos


diferentes. O direito à propriedade não constitui um direito absoluto
(LOPES, 2014).
Diante do liberalismo, as críticas foram inúmeras, haja vista que o mesmo
não facilitava ou permitia que fosse possível o acesso à uma propriedade de
caráter privado. Tal fato somente destacava o interesse da alta sociedade,
dando respaldo à mesma e à fortalecendo, diminuindo cada dia mais a
consciência de classe (BARROS, 2014).

2 As lideranças de Paço do Lumiar – MA

As mulheres retratadas neste capítulo têm em comum o papel de


liderança desempenhado em suas comunidades, com as devidas formalidades
para a prática das atividades de liderança ou não. Possuem, entretanto,
diferentes experiências decorrentes de suas vivências.
Dona Carmem, por exemplo, possui ensino superior em Pedagogia,
aplicando os conhecimentos obtidos na academia na Escolinha Eugenio
Pereira. Dona Anunciação mantem-se exercendo a atividade de costureira
enquanto Dona Luci exerce primordialmente as funções de dona de casa.
Spivak (2010) em Pode o subalterno falar? critica o processo de
produção em que o intelectual acredita estar capacitado para falar pelo outro,
construindo um discurso de resistência, enquanto efetivamente contribui para
o silenciamento do subalterno, tratado então enquanto mero objeto da
pesquisa. O que se objetiva por meio deste artigo não é a mera representação
177

ou, como trabalha a autora, um Darstellung, em que performamos ou


encenamos as representações das mulheres aqui citadas. Esse trabalho
constitui-se, entretanto, em uma homenagem a essas mulheres que marcaram
pessoalmente as autoras em sua trajetória enquanto assessoria jurídica
universitária popular e uma tentativa de tornar o seu trabalho (re) conhecido
além dos limites do município de Paço do Lumiar. Nas palavras de Ochy
Curiel (2009, p. 39, traduziu-se : “Uma crítica p s-colonial nesse sentido
significa descolonizar o pensamento e a prática política, significa reconhecer
uma hist ria silenciada, opacada e reduzida a mero testemunho”.
Compatibiliza-se, portanto com a postura pós-colonial em reconhecer a
importância da práxis de sujeitos que não correspondem ao paradigma da
modernidade entendido enquanto homem branco, heterossexual, consumidor
e de classe média, compreendendo – as enquanto agentes dotadas de
protagonismo e não como um “outro” desprovido de valor social, político e
cultural (CURIEL, 2009).
Alinha-se ainda ao pensamento de Chandra Talpade Mohantg (2003), que
preza pela não homogeneização das mulheres do Terceiro Mundo (assim
compreendidas enquanto não pertencentes à Europa Ocidental e Estados
Unidos en uanto “as oprimidas”, em contraposição às mulheres ocidentais,
lidas enquanto verdadeiramente livres e protagonistas de suas próprias
histórias.
Além disso, o presente trabalho foi elaborado levando em consideração
os princípios que permeiam a atuação de uma Assessoria Jurídica
Universitária Popular – AJUP. Os subtópicos a seguir foram trabalhados a
178

partir de transcrições de entrevistas com as lideranças comunitárias, a fim de


que possa de fato ser oportunizado espaço de fala destas, numa tentativa de
demonstrar o seu verdadeiro trabalho à comunidade acadêmica e não, de
maneira errônea, ocupar seu espaço de fala.

2.1 Anunciação – Cajueiro de Paço do Lumiar

Dona Anunciação11 exerce sua liderança informalmente, não


institucionalizada. Ou seja, nunca foi eleita como presidente de associação
ou união de moradores. É, em suas palavras, “liderança apenas de
militância”.
Chegou na comunidade do Cajueiro com seus filhos após sua separação
com o ex-marido, que a expulsou de casa. O que narra é, segundo ela, a
história da maioria das mulheres que chegam às ocupações da região: após a
separação, os homens costumam ficar com a casa e a mulher, vendo-se
desamparada e com seus filhos, acaba por pedir uma casa em alguma das
ocupações que se formam e se expandem todos os dias em Paço do Lumiar.
Desde sua chegada ao Cajueiro, se envolveu com os problemas que
afetavam a coletividade e conta que, quando percebeu, já estava exercendo
um papel de liderança, travando contatos e acompanhando de perto a
judicialização das questões envolvendo a comunidade. Fato a se notar: o

11
Referenciada enquanto AZEVEDO, Maria da Anunciação Santos.
179

Cajueiro é uma das comunidades de Paço do Lumiar que já foram


regularizadas.
Dona Anunciação e Dona Carmosina (líder da comunidade Todos os
Santos, em Paço do Lumiar – MA) foram as fundadoras do Fórum de
Regularização Fundiária contra o Despejo Forçado de Paço do Lumiar, que
reúne representantes de 43 (quarenta e três) comunidades no município de
Paço do Lumiar e que trabalha prestando assistência a essas ocupações,
muitas delas em situação de risco em decorrência de pedidos liminares (isto
é, antes da prolação da sentença de mérito) de processos de reintegração de
posse.
Muito foi citado durante as entrevistas sobre a figura da formiga,
escolhida para representar o papel do Fórum de Regularização Fundiária
contra o Despejo orçado de Paço do Lumiar. “É pela imagem eminina e
pelo trabalho organizado em conjunto”, responde. Em nosso trabalho
enquanto assessoria, é notável a presença da segunda característica: quando
há um problema em uma das comunidades, ainda que não seja aquelas em
que as lideranças aqui retratadas morem, essas mulheres se fazem presentes
entrando em contato com a OAB, Secretaria de Direitos Humanos ou
Defensoria Pública do Estado do Maranhão, seja em protestos por melhores
condições de moradia. Sobre o destaque dado à imagem feminina, é
importante frisar: de quarenta e três comunidades abrangidas pelo Fórum,
apenas duas são representadas por homens.
Quanto questionada sobre a presença de mais mulheres do que homens na
atuação efetiva de defesa das comunidades de Paço, Anunciação responde
180

que os homens, quando se percebem em uma posição de destaque, usam dela


para conseguir privilégios, inclusive sobre as mulheres da comunidade
enquanto a mulher, que nesse meio ainda exerce primordialmente o papel de
dona de casa, enxerga a comunidade enquanto extensão do lar e, por isso, se
preocupa em que o espaço da comunidade seja acolhedor a homens,
mulheres e crianças. Cita como exemplo Carmem, da Eugênio Pereira, cuja
primeira providência que tomou foi a construção de uma creche para que
crianças pudessem ser cuidadas enquanto suas mães fossem trabalhar e que
logo depois organizou para que fosse preparado um pequeno campo de
futebol para servir de lazer aos homens e crianças da comunidade.
Entre as principais atividades que realiza enquanto liderança, Anunciação
diz ser a visitação a outros moradores a principal delas, seja para informar o
andamento das questões judiciais que ameaçam o Cajueiro, seja para a
resolução de conflitos entre os moradores, atuando então enquanto
mediadora.
Anunciação fala sobre as dificuldades que encontra dentro e fora da
comunidade para o desempenho de suas funções. Dentro do Cajueiro, afirma
que encontrou resistência contra si por ser mulher e negra. Os homens da
comunidade teriam se mostrado relutantes em aceitar orientações de uma
mulher. Ela narra que não foram poucas as ocasiões em que foi vítima de
insultos misóginos e racistas. Fora dela, aponta para as dificuldades impostas
pelo Poder Público tais como burocracia e imposição de entraves
desnecessários a fim de resguardar interesses privados de determinadas
pessoas influentes na região.
181

Acompanha os processos que envolvem a comunidade por meio de


visitas constantes ao Fórum de Paço do Lumiar, além de manter contato
frequente com a Defensoria Pública do Estado do Maranhão, advogados
populares e estudantes de Direito, principalmente de assessorias jurídicas.
Segundo conta, tomou por hábito ler artigos jurídicos publicados online para
compreender melhor os problemas da comunidade, já tendo sido
aconselhada por profissionais da área jurídica a cursar Direito.

2.2 Carmem - Eugênio Pereira

Com o nascimento em 2005, Eugênio Pereira é uma comunidade da


cidade de Paço do Lumiar que luta diariamente pela Regularização
Fundiária. Moradora desde o ano de 2010, Dona Carmem12 se tornou
formalmente líder comunitária no ano de 2013, após um período em que seu
marido havia ocupado a liderança. oi ap s uma “derrubada13” na
comunidade que ela começou a mudar a sua percepção acerca da situação a
qual a comunidade estava inserida.

12
Referenciada enquanto VASCONCELOS, Maria do Carmo Marques.
13
Durante a entrevista, dona Carmem ressaltou que apesar da liminar concedida para a
desapropriação, a Eugênio Pereira nunca so reu uma ameaça de “derrubada” para toda a
comunidade. São 3 processos distintos, com donos diferentes e que por isso, em virtude do
tamanho das terras envolvidas no litigio, nunca ocorreram ameaças de desapropriação de
forma simultânea.
182

Sua caminhada até a liderança formal da comunidade, não foi tão simples
e rápida. A falta de atitude e também reclamações por parte dos moradores
com relação a liderança de seu marido, a motivaram, “ ... as reuni es,
quando eu vinha participar das reuniões, era só fala e não avançava, e aquilo
me agoniava, aí eu tomava a rente dele”. A mesma começou a aplicar o ue
vivia em escolas, por ser professora da rede pública.
Aponta ainda que trabalhou bastante pela comunidade mesmo quando
não ocupava formalmente o espaço de líder e que a taxatividade não
deslegitima a importância da atuação, em suas palavras, ela não consegue
“se enxergar ora da luta popular, de lutar por direitos”.
Ser líder comunitária para ela é se fazer útil dentro de uma comunidade e
principalmente, auxiliar na compreensão da força da coletividade, essa é a
verdadeira importância e que para ela, a maioria das pessoas, tem dificuldade
pra reconhecer. E claro, reconhecer essa força sem deixar de cobrar as
responsabilidades do Poder Público.
Para realizar o acompanhamento dos processos judiciais, dona Carmem
aprendeu bastante até hoje. Antes, ela jamais poderia imaginar que o acesso
aos autos fosse tão fácil, para ela somente advogados poderiam obter
informações. A sensação de que é possível reivindicar seus direitos, de que o
judiciário encontra-se mais próximo (ainda que distante) lhe é muito
satisfatória.
Entretanto, apesar disso, para Carmem, a importância de uma assessoria
na luta é de extrema importância, em virtude da postura que o Judiciário
ainda possui perante esses conflitos fundiários urbanos. O acompanhamento
183

pra ela, vai pra além do acompanhamento presencial durante uma audiência,
mas auxiliar na busca de uma solução e nesse ponto, ela inclui a atuação do
PAJUP.
Em meio a toda essa atuação, a principal di iculdade ou “principal
desa io” como a pr pria Carmem coloca, “manter a chama acesa”. É
querer não deixar a sede de buscar sempre, de estar na luta e para conseguir
que isso não se perca, é necessário ter estratégias! A mesma ainda comenta,
que é difícil pois dentro da própria comunidade é possível se encontrar
pessoas que só querem se aproveitar da situação.
E não só isso, mas também existe muita dificuldade em executar
determinadas atividades pelo fato do posto de líder ser ocupado por uma
mulher e por uma negra. Ela define a sua relação enquanto líder com a
comunidade, como “uma relação de amor e dio”.

2.3 Lucileide – Vila do Povo

Conhecida como Lucia, Lucí e tamb m como “Loura”, Dona Lucileide14


vive na Comunidade Vila do Povo, situada em Paço do Lumiar, há 10 anos.
Antes dona Luci vivia em outro bairro com seus filhos, porém por sofrer de
depressão e transtorno bipolar em decorrência da violência do bairro em que
vivia, a mesma resolveu se a astar, como ela aponta “tive necessidade de me

14
Referenciada enquanto SILVA, Lucileide Lavra.
184

isolar, o que foi uma forma errada de ver a minha doença (...) mas eu
precisei sair pra ter outras condiç es de vida”.
Dona Lucí se considera como uma pessoa que sempre se envolveu muito
nas uest es sociais, “por ue se icar s dentro de casa, esperando acontecer,
se torna muito mais di ícil, então eu sempre uis buscar”. Pra ela, “o
comodismo s vai trazer o atraso”, e uando chegou à Vila do Povo, decidiu
se empenhar mais do que fazia em seu antigo bairro.
O papel de liderança importante pois, em suas palavras “todos
precisamos de um líder”, pois na ausência de algu m para representar a
comunidade, está pode se considerar enquanto morta. Pela perspectiva da
comunidade, dona Lucí é muito procurada para resolver problemas até
mesmo do dia-a-dia e para ela, isso é reflexo do sentimento de acolhimento
que ela possui com a Vila do Povo.
No que tange aos acompanhamentos judiciais, dona Lucí informou que já
teve acesso à um nada consta, no Fórum e também à diferentes
documentações. A mesma não mencionou nada sobre processos judiciais de
fato. A falta de informação adequada é um dos maiores problemas
enfrentados pela comunidade e também pela liderança.
Ainda que seja uma liderança apenas material pois, na Vila do Povo,
apesar de possuir uma Associação e uma União de Moradores, dona Lucí
não ocupa nenhum espaço nestas duas instituiç es. Dona Luci ressalta “eu
tenho aprendido que as dificuldades estão aí, mas que a gente não deve
deixar se abater por elas (...) eu tenho conseguido aprender é que lutando a
185

gente chega em algum lugar e que a desistência só nos faria permanecer na


decadência.
Quando questionada sobre o que é ser mulher, dona Luci é pontual “Ser
mulher hoje uma di iculdade.”. Para ela, o ue propagam sobre direitos
iguais uma alácia “ ... a gente vive dentro do machismo. A gente pode
muito pouco e deve muito.”. Dentro da perspectiva de uma comunidade,
para dona Lucí, essa é a realidade, mal sabendo que trata-se da realidade do
mundo inteiro e não somente em Vila do Povo, infelizmente. As barreiras e a
discriminação ainda existem, pois “mulher tem ue estar na cozinha” e ue
não devem ocupar espaços para além do âmbito doméstico.

3 A judicialização dos conflitos

O Programa de Assessoria Jurídica Universitária Popular – PAJUP é um


grupo que possui sua atuação pautada no método de Educação Popular de
Paulo Freire, além possuir uma organização que levam em consideração
princípios como o da horizontalidade (LIMA, BRUZACA, 2015).
O PAJUP teve seu nascimento no ano de 2008 e a partir disso, deu início
ao seu processo de (des)construção, dentro e fora dos muros da
Universidade. De início, o grupo se envolveu com questões envolvendo
comunidades urbanas, e em sua grande maioria, pautando a questão da
moradia (FERREIRA, 2011).
Atualmente o grupo realiza Assessoria de comunidades que passam por
conflitos fundiários de caráter urbano na cidade de Paço do Lumiar – MA.
186

Como supramencionado, foi através da atuação do PAJUP que as autoras do


presente trabalho tiveram acesso às lideranças comunitárias: Dona
Anunciação, Carmem e Lucí.
A comunidade do Cajueiro passou pelo processo de regularização
fundiária tornando-se em 2015, a primeira comunidade de Paço do Lumiar a
ser regularizada (PAJUP, 2016). Não se trata mais, portanto de ocupação
constituindo-se em um bairro do município de Paço do Lumiar. O PAJUP
não teve qualquer participação no processo de regularização do Cajueiro,
entretanto, foi procurado por membros da comunidade quando
representantes legais de uma empresa de telefonia começaram a rondar o
local para a implementação de torres de telefonia que, por passarem em áreas
centrais da comunidade, acabaria por desconfigurá-la enquanto tal. O
objetivo da empresa era de comprar somente determinadas casas e indenizar
os moradores em uma quantia ínfima, insuficiente para a compra de uma
casa em bairros das redondezas.
Neste caso, a atuação do PAJUP se deu em fazer a ponte entre a
comunidade e órgãos do Poder Judiciário, principalmente com a Defensoria
Pública do Estado do Maranhão, a fim de que os direitos dos moradores a
uma moradia digna, seja na comunidade do Cajueiro, seja em outros bairros
de Paço do Lumiar (caso desejem de fato se mudar) sejam resguardados.
A problemática envolvendo a comunidade Eugênio Pereira se deu de
modo diferente, tendo em vista que a área da comunidade é bastante extensa,
pertencendo a três proprietários distintos: um espólio, uma construtora e uma
pessoa física. Um dos terrenos, para se ter uma média da extensão da
187

comunidade, possui 72 hectares. Nesse sentido, o PAJUP já atuou no sentido


de auxiliar a comunidade na realização de levantamentos /cadastros
solicitados em juízo, como também acompanhar a líder comunitária em uma
“audiência convocada por um delegado, de última hora”. Na comunidade
Eugênio Pereira, a atuação se pauta de maneira diferente, porém na mesma
perspectiva, a de não silenciamento das vozes daqueles que passam pela
situação de opressão.
Por outra perspectiva, na comunidade Vila do Povo, o contexto é
totalmente distinto. Enquanto as duas primeiras comunidades já possuem
uma organicidade e também já passaram ou passam por processo de
regularização fundiária, a comunidade Vila do Povo ainda engatinha nesse
sentido. Neste caso, a área ocupada pela comunidade pertence a uma única
herdeira, que já declarou perante órgãos da Prefeitura de Paço do Lumiar que
não possui interesse nas áreas já ocupadas pela comunidade, somente em
dois terrenos que já se encontravam murados mas que, entretanto, foram
ocupados e posteriormente vendidos para terceiros.
O contato do PAJUP com a comunidade foi por intermédio da própria
líder, dona Lucí. Durante um acompanhamento que o grupo realizou em uma
audiência, a mesma ouviu uma conversa dos membros com a comunidade e
se interessou, convidando o grupo para uma visita.
Desde então, o grupo vem fazendo oficinas com moradores da Vila do
Povo acerca do direito à moradia bem como de institutos que visem à sua
efetivação, como a usucapião. Nesse sentido, também vem sendo estimulado
188

o contato de Dona Luci com outros membros do Fórum de Regularização


Fundiária contra o Despejo Forçado de Paço do Lumiar.
A atuação de uma AJUP ocorre visando possibilitar que as vozes de
grupos invisibilizados, que passam pelas mais diversas opressões, sejam
ouvidas, de fato. Não atuando como porta-voz ou ainda representantes de
determinadas minorias, mas sim, buscando meios para que seja possível esse
diálogo. Foi nessa perspectiva que o PAJUP atuou auxiliando as
comunidades no que tange aos seus conflitos judiciais.

Conclusão

Sendo assim, diante do exposto, compreende-se que o direito


fundamental à moradia ainda é um tema que precisa ser fortemente
trabalhado, dentro e principalmente fora da academia. Tal fato deve-se em
razão de imensos obstáculos impostos em virtude do interesse do capital,
interesse do mercado imobiliário que durante o embate entre os direitos
fundamentais à moradia e à propriedade, ignoram o fator predominante do
interesse social.
Além disso, no segundo capitulo do presente trabalho, demonstrou-se que
as mulheres das comunidades de Paço do Lumiar possuem um papel crucial
em suas comunidades, na figura de líderes, com vínculos formais ou não. E
nesse aspecto contribui Bonnici (2007) que a relação de solidariedade que
ocorre entre as mulheres, possui forças suficientes para acabar com
estruturas do patriarcado.
189

O Fórum de Regularização Fundiária contra o Despejo Forçado de Paço


do Lumiar, anteriormente já mencionado, reflete bem a colocação de
Bonnici (2007), por se tratar de um grupo de 43 comunidades sendo 41
lideradas por mulheres que se apoiam indistintamente. Em reuniões
organizadas, a pauta de todas as comunidades é levada para ser discutida,
cada uma com suas individualidades.
É nesse compasso que as lideranças femininas dentro de uma perspectiva
de auto organicidade, conseguem acompanhar seus processos dentro de suas
compreensões a respeito do que é direito. Entretanto, o que leva tais
mulheres a ocupar essas posições de liderança dentro das comunidades, é o
fato das mesmas acreditarem que a comunidade constitui uma extensão de
sua própria casa.
Não se trata de um caminho fácil de ser percorrido, nem todos os
companheiros compreendem a luta e nem toda a comunidade aceita de forma
inconteste a presença de uma mulher na liderança (AZEVEDO, 2016), nas
palavras de Dona Lucí “A gente deve muito e pode muito pouco”.
Dentro dessa perspectiva, é inegável que o protagonismo feminino na luta
por moradia, nas comunidades de Paço do Lumiar, é fundamental para que a
busca por efetivação de direitos continue sempre viva, como Dona Carmem
ressaltou “para manter a chama acesa”. As lideranças ue oram
entrevistadas para contribuir na confecção deste artigo, ressaltaram que se
intitulam de formiguinhas.
As mesmas acreditam que unindo suas forças são capazes de grandes
feitos, e que juntas são muito mais fortes. É nesse sentido que concluímos o
190

presente artigo, dando visibilidade à luta protagonizada pelas lideranças e


também mulheres de Paço do Lumiar pela regularização fundiária e também
pelo direito à uma moradia digna.

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194
195

O urbanista é o capital: Um diálogo entre o judiciário, práticas


segregacionistas e produção do espaço no município de Paço do
Lumiar15

Arthur Nunes Lopes Martins


Layse Cristina Silva Campos

Introdução

Paço do Lumiar é um município do estado do Maranhão, região nordeste


do Brasil. Pertence à Região Metropolitana de São Luís. Paço do Lumiar
junto com Raposa, São José de Ribamar e São Luís formam a ilha de Upaon-
Açu que faz parte do Arquipélago do Golfão Maranhense.
O presente trabalho tem como objetivo central analisar as singularidades
de uma ex-colônia em sua formação histórica e social indo com o
direcionamento do seu processo de produção do espaço urbano e tem uma
nova proposta de se abordar a segregação urbana, mostrando a sua relação
com a desigualdade e a dominação social.
Desde 2014, Paço do Lumiar passa por um intenso processo de luta por
regularização fundiária em suas comunidades. Rolnik (2004, p. 40-42)
15
Artigo apresentado no III Congreso de Estudios Poscoloniales y IV Jornadas de Feminismo
Poscolonial – “Interrupciones desde el Sur: habitando cuerpos, territorios y saberes”, ue
ocorreu na Universidade de Buenos Aires, de 12 a 15 de dezembro de 2016, com previsão de
ser publicado nos anais do evento.
196

destaca ue atualmente as cidades são marcadas por “territ rios


di erenciados”, decorrentes da segregação das classes sociais e funções no
espaço urbano – resultando na segregação social. Ademais, acrescenta que a
esta segregação soma-se um tratamento diferenciado por parte da
administração pública local, como a ausência de prestação de serviços
básicos, infraestrutura etc.
As gestões urbanas brasileiras possuem como tradição o incentivo a
especulação imobiliária, e não a democratização do acesso à terra. A prática
da especulação imobiliária funda-se na proteção irrestrita da propriedade,
pouco importando o cumprimento da referida função social, criando a
necessidade de avaliar os critérios de acesso à terra.
Para se entender o espaço urbano do Paço do lumiar deve-se compreender
as especificidades da segregação social e econômica que caracteriza-o. O
trabalho busca salientar a mentalidade colonial do judiciário na organização
da cidade, analisando suas decisões e seu caráter segregacionista e
patrimonialista.

1 Colonialismo e a formação histórica e social de Paço do Lumiar – MA:


Uma análise pós-colonial

O Pós-colonialismo são estudos que se preocupam com o peso histórico


do colonialismo e da persistência do projeto colonizador na mentalidade e na
ideologia das pessoas que vivem em países que foram colônias europeias.
197

Esse estudo muito se expandiu na literatura, mas recentemente tem tido


outros focos, como na parte social, educacional e política (FANON, 1983).
Para se entender sobre como o colonialismo traz influências para o
município de Paço do Lumiar devemos analisar a sua história. Entre 1612 à
1614 ocorreu a ocupação francesa no Maranhão, as terras eram habitadas
pelos índios tupinambás, que para história eram considerados parceiros dos
franceses na tentativa de fundação da França Equinocial. Quando os
franceses foram expulsos, as tropas portuguesas sob o comando de Mathias
de Albuquerque, iniciaram uma terrível chacina contra os índios,
principalmente os tupinambás, aliados dos invasores. Durante mais de um
século os índios foram chacinados por Capitães-mores, soldados e colonos
desde as margens do rio Turiaçu até as águas do Parnaíba (PAÇO..., 2012).
As terras que hoje pertencem ao município de Paço do Lumiar foram
doadas, em 1628, à Companhia de Jesus pelo casal de colonos portugueses
Pedro Dias e sua esposa, Apolônia Bustamonte. O representante da
Companhia, Padre Luís Figueira, fundou nessas terras a fazenda de
Anyndibá (esse nome já era usado anteriormente pelos índios para identificar
o local). Foi aqui que se iniciou uma das primeiras missões da Companhia de
Jesus, onde se teve as primeiras famílias indígenas (PAÇO..., 2012).
Assim como em todo o Novo Mundo, a tradução, como instrumento de
catequese e conversão de populares indígenas, foi amplamente utilizada no
período colonial brasileiro. A colonização usa de estratégias de violência,
subordinação e desumanização que produzem o colonizado. Quando os fatos
contam, que com as missões jesuítas se formaram as primeiras famílias
198

indígenas, se tem a afirmação da negação de qualquer tipo de história sem a


intervenção europeia, da anulação de conceitos como família. A lógica é de
um discurso, ue cria um “sujeito colonial” dando uma noção de
humanidade que não é dele (FANON, 1983).
Em 1760, o Marquês de Pombal expulsou definitivamente os jesuítas de
todas as possessões portuguesas, desapropriou os seus bens e elevou à
categoria de Vila a maioria das aldeias jesuíticas. A antiga aldeia de
Anydibá, através da Carta Régia de 11 de junho de 1761 passou à condição
de Vila, denominada Paço do Lumiar pelo então governador Joaquim de
Melo e Póvoas, segundo ele, por ser parecida com a localidade esta mesma
denominação em Portugal (PAÇO..., 2012).
A formação histórica de Paço do Lumiar está muito liga ao cristianismo.
Sendo que, em 1764 foi ereta a Freguesia sob a invocação de Nossa Senhora
da Luz, ficando como Matriz a antiga igreja dos jesuítas de Nossa Senhora
da Luz. Nessa mesma época foram demarcados os seus limites e distritos,
bem como o patrimônio da Câmara (PAÇO..., 2012).
A população residente nos povoados era composta de homens brancos
que se constituíam em donos ou foreiros da terra, além de índios e negros,
utilizados na lavoura do arroz, algodão, fumo e mandioca. No início do
século XX, esta população estava estimada em 6.000 habitantes
(MEIRELES, 2015).
Apesar da proximidade com São Luís (Capital do Maranhão), a
população que residia nos povoados de Paço do Lumiar vivia isolada da
capital, envolvida completamente no trabalho com a terras. Durante o século
199

XIX, a vida social nesta região resumia-se às festividades e práticas


religiosas realizadas na igreja Matriz de Nossa Senhora da Luz na sede do
Município de Paço do Lumiar (MEIRELES, 2015).
No século XX, Paço do Lumiar foi distrito de São Luís, passando logo
para o distrito de São José de Ribamar. Paço do Lumiar tem sua
emancipação pela lei n°1890, de 7 de dezembro de 1959. Instalado em 14 de
janeiro de 1961, teve como seu primeiro prefeito, Pedro Ferreira da Cruz
(MEIRELES, 2015).
Para se fazer um contra discurso ao discurso que foi deixado pelo período
de colonização, se tem que resgatar identidades. Tem que se tirar a noção de
“sujeito colonizado” e trazer de volta as antigas noç es de humanidade
pertencentes a esses sujeitos. Com a chegada dos franceses, os nativos da
região de Paço do Lumiar, perderam suas terras, sua cultura, sua religião, em
nome de um avanço. O processo de recuperação da identidade perdida dos
negros e dos índios, não se encontrará só no resgate cultural e religioso, mas
na ocupação de terras em busca de moradia e como símbolo de resistência
(FANON, 1983).

2 Visão Constitucional e a Democratização do acesso à terra.

A questão da busca por moradia e em consonância com a moderna teoria


sobre a propriedade, a Carta Magna de l988 fala sobre questões como o
princípio da propriedade privada e o da sua função social. A qualificação de
função social dada à propriedade exprime as exigências dos tempos
200

modernos como respostas aos problemas que foram criados no passado.


Segundo Barros (1996, p.37):
Durante muito tempo, pairou na estrutura do direito pátrio a
verdade de que a propriedade imóvel atingia seu ponto ótimo
apenas satisfazendo o proprietário. O dogma, assim
estabelecido, tinha como pressuposto originário a sustentação
filosófica e política de que ela se inseria no direito natural do
homem, e dessa forma, apenas nele se exauria. É o que se
podia chamar de função individual ou privada da propriedade
imóvel. Em decorrência disso, surgiu uma aceitação genérica
no sentido de que o homem proprietário e a sua coisa,
chamada terra, mantinham uma estreiteza de laços, tão fortes,
que esta última parecia ter vida pela transposição de
sentimentos que aquele dedicava. Tamanha foi essa simbiose,
que surgiu, ainda no campo do direito, a figura da legítima
defesa da propriedade, e que bem poderia ser retratada nesta
metáfora: o meu é tão meu, que se alguém tentar dele se
apossar, eu revido, lesionando ou até matando, e me arvoro em
ação legítima nesse agir.

No meio rural, esse sentimento do "meu" em relação à propriedade ainda


permanece muito forte no meio rural, dificultando em muito a inserção de
um novo modo de visualizá-la. Mas, essa noção individualista da
propriedade, começa a ceder lugar ao sentido social, isto é, antes de
prevalecerem os interesses individuais, devem prevalecer os sociais. Nesse
201

sentido, para Cretella Jr. (1988, p.186), “destinação social” opõe-se à


“destinação individual”:
“Social” e “individual” são pólos da mesma esfera que se
contrapõe, antiteticamente. Em nossos dias, a destinação
social da propriedade põe-lhe em relevo um traço que inexistia
na propriedade romana. Se a propriedade, “total sujeição
jurídica de uma coisa”, “domínio completo de um objeto
corpóreo” (Puchta), foi até fins do Século XVIII, considerada
como um direito subjetivo do proprietário, nos dois últimos
séculos passou, a ter função eminentemente social.

Logo, a propriedade não pode estar sujeita tão só pelo Direito Privado,
mas ao contrário, os interesses manifestados pela comunidade a levam a ser
abarcada pelo Direito Público, passando então a sua regulação, antes adstrita
ao campo privado, para o do Direito Constitucional. A Constituição de 88
mostra claramente essa modificação conceitual, ao garantir o direito de
propriedade (Art. 5º., XXII) desde que ela atenda à sua função social (Art.
5º., XXIII).
A íntima correlação entre esses dois dispositivos indica movimento ao
conceito de "propriedade", como se refere José Afonso da Silva (1990, p.
249):
(...) embora prevista entre os direitos individuais, ela não mais
poderá ser considerada puro direito individual, relativizando-
se seu conceito e significado, especialmente porque os
princípios da ordem econômica são preordenados à vista da
202

realização de seu fim: assegurar a todos existência digna,


conforme os ditames da justiça social. Se é assim, então a
propriedade privada, que, ademais, tem que atender a sua
função social, fica vinculada à consecução daquele princípio.
È claro que, também, não é sem consequência o fato de estar
inserida, no seu aspecto geral, entre as normas de previsão dos
direitos individuais. É que, previsto como tal, fica assegurada
a instituição, não mais, porém, na extensão que o
individualismo reconheceu.

Isso significa que, para o direito brasileiro, hoje não existe a propriedade
tão só no sentido individual, dado que um dos seus elementos definidores é o
exercício da função social. José Afonso da Silva (1990), ao chamar a atenção
para essa diferenciação, quer deixar claro que função social é um princípio
novo inserido na estrutura da própria concepção e do conceito de
propriedade, de modo a ser um "elemento de transformação positiva que a
ponha ao serviço do desenvolvimento social", enquanto que limitações à
propriedade são o poder de polícia destinado a condicionar e restringir o uso
e o gozo dos bens, de modos a não causar prejuízo ao interesse social.
A função social, ao constituir o fundamento do regime de propriedade,
coloca a propriedade em submissão ao interesse de toda a coletividade, para
o alcance da justiça social. A propriedade passa, então, a ser vista como um
elemento de transformação social.
Todo proprietário tem que cumprir os dispositivos constitucionais quanto
à propriedade, pois o atendimento da função social é um mandamento
superior ao do próprio domínio. Ao cumprir, portanto, a sua condição de
203

função social, a propriedade rural estará a salvo da desapropriação para fins


de reforma agrária.

3 Cidade para poucos: alguns aspectos sobre a função social da


propriedade e especulação imobiliária.

O escopo deste trabalho se delineia, em uma visão integral, na análise do


desenvolvimento urbano desigual que marca o processo de urbanização
brasileira. O decurso de urbanização em terras brasileiras é marcado
intensamente pela mudança de paradigma acerca da função social da
propriedade. Não há como se discutir reforma urbana e estudo da cidade sem
pontuar a mudança de concepção acerca da função social da propriedade
privada e suas implicações.
O tal processo de urbanização desveladamente seletivo “no Brasil,
sabido que os ônus e benefícios da urbanização não são igualmente
distribuídos. Isto ocasiona incontáveis injustiças, que por fim produzem uma
‘cidade para poucos’.” ELICIO OSCHINI, -[?], p.02). As
comunidades que nascem de ocupações são reflexo da falta de políticas
públicas de urbanização que alcancem a população carente, a ocupação passa
a ser a possibilidade de uma moradia visto a injusta distribuição do espaço
urbano.
As ocupações em Paço do Lumiar, em sua vasta maioria, ocorrem em
espaços que não cumpriam a função social da propriedade privada. Como
supracitado é relevante para o trabalho analisar o uso da propriedade,
204

trazendo suas nuances e seu lado social. O ideal da propriedade privada é


marcado por pro unda alteraç es, este nasce com a concepção de ue “o
proprietário tinha o direito de usar, gozar e dispor e como correlato, o direito
de não usar, de não gozar e não dispor” ORRES, , p. .
O tratamento jurídico à propriedade privada, inicialmente, se faz em
referência ao poder absoluto do proprietário. Neste compasso, segundo
Felicio e Foschini (200-[?], p.07) o marco da concepção individualista da
propriedade é Revolução Francesa, que a torna intangível. Não havia relação
entre a propriedade e bem coletivo, a propriedade era direito subjetivo do
proprietário.
O entendimento atual da propriedade privada é o contraditório da teoria
individualista da propriedade, nesta teoria o individualismo está acima do
bem coletivo. O marco da mudança de paradigma na ordem jurídica é a
Constituição do México de 1917, aduz: “A Nação terá, a todo tempo, o
direito de impor à propriedade privada as determinações ditadas pelo
interesse público ... ”.
O Brasil, por sua vez, possui marcos temporais em relação a humanização
da propriedade, sendo essencial tecer comentários acercas destes: a Nova
Consolidação das Leis Civis de 1899, a aprovação da Constituição Federal
de 1988 e o Estatuto da Cidade de 2001. Torres (2010, p. 209) destaca que
Consolidação das Leis Civis de 1899 é um símbolo nacional da socialização
da propriedade, ainda que não traga textualmente expresso o termo função
social, uma vez que não aborda o poder absoluto do proprietário e faz
referência ao interesse social que a propriedade deve obedecer.
205

Se faz necessário reforçar o entendimento de que a Constituição consagra


no ordenamento o entendimento de que a propriedade é direito privado que
se submete ao bem coletivo. “Nesse contexto, uma grande novidade oi a
aprovação da Constituição Federal de 1988 e, com ela, uma grande conquista
da sociedade brasileira foi a inserção, pela primeira vez na história
constitucional brasileira, de um capítulo sobre política urbana.”
(FERNANDES, 2006, p.03)
O Estatuto da Cidade de 2001 torna indispensável a existência de Planos
Diretores Municipais “e para ue a propriedade urbana cumpra sua função
social, ela deve responder às exigências fundamentais de ordenação da
cidade expressas no plano diretor” ELICIO OSCHINI, -[?], p.09).
Como sobredito, as ocupações em Paço do Lumiar abrangem espaços que
não atendiam às necessidades sociais, passando estas áreas a cumprirem com
a função social a partir das comunidades.
Outro ponto de evidência acerca da urbanização brasileira é a
especulação imobiliária latente, fator que contribui fortemente para as
contradições e problemas sociais nas cidades brasileiras. Como aludido, este
trabalho analisa a produção do espaço no município de Paço do Lumiar,
versando sobre comunidades que ocupam espaços que não cumpriam sua
função social. Estes terrenos que permanecem vazios até a chegada dos
ocupantes, são alvo de valorização imobiliária. Isto beneficia o proprietário e
o capital imobiliário, resultando em malefícios a possíveis ocupantes, que
geralmente são expulsos (ROLNIK, 2004, p. 64).
206

A problemática passar a existir em decorrência da especulação


imobiliária a rontar “à nova concepção (...) dada ao direito de propriedade
imobiliária urbana, qual seja, o princípio constitucional da função social da
propriedade e da cidade” ERNANDES, , p. 4 A especulação
imobiliária retoma o obsoleto entendimento de propriedade privada absoluta
e ilimitada, deixando de lado a realização da função social.
É necessário, para que a cidade cumpra sua função social, que
a propriedade individual seja, no mínimo, relativizada, para
garantir o acesso a todos os moradores à cidade. Essa
relativização é expressa no Estatuto, em especial nos artigos
que reconhecem o direito de usucapião urbano e, assim,
indicam limites à especulação imobiliária (FERREIRA, 2005,
p. 7).

Se as cidades não concentrassem grandes desigualdades, passando a


serem um ambiente de políticas públicas e infraestrutura isonômicos, não
haveria especulação imobiliária. É evidente a necessidade de imposição de
limites à especulação, somente havendo estes contornos existirá a
possibilidade de democratização do acesso à terra.

4 Poder Judiciário e Segregacionismo

Pontua-se que a forma como a proteção possessória é concebida judicial e


juridicamente está intimamente ligada à manutenção das desigualdades nas
cidades. Neste cenário de ocupações de terras urbanas, decorrentes do
207

referido processo de urbanização brasileira, o desfecho dos conflitos


jurídicos acaba resultando no aumento das desigualdades urbanas. No caso,
observa-se o crescente ajuizamento de ações possessórias, cujo resultado
influencia no agravamento da questão urbana, principalmente quando resulta
no despejo da população residente nas áreas em conflito.
No juízo possessório discute-se quem possui o exercício fático sobre o
imóvel e, consequentemente, quem faz cumprir sua função social – em
outros termos, quem trabalha de fato na terra. Assim sendo, nas referidas
ações, aspectos importantes devem ser levados em consideração, como o
cumprimento da função social da propriedade pelo proprietário; a legalidade
do título de propriedade; a proteção do direito à moradia. Não obstante,
numa ótica estritamente civilista, a proteção da posse não se aprofunda em
tais aspectos – o que é favorável para o mercado imobiliário.
Assim, observa-se na ordem jurídica brasileira e nas decisões judiciais
uma “tradição incipiente de estudos jurídicos urbanísticos (...)
essencialmente legalistas, reforçando a noção civilista do direito de
propriedade individual e irrestrito” ERNANDES, , p. 7 . Este
posicionamento acaba desconsiderando diversos direitos, como o direito à
moradia de grupos sociais que ocupam determinadas áreas urbanas em
conflito.
Assim, atuações na ótica estritamente civilista resultam, segundo
Wolkmer (2001, p. 105) na incapacidade de regular tensões coletivas
referente ao acesso à terra e ocupações de áreas urbanas. Tratar-se-ia da
incapacidade do modelo jurídico estatal que se limita a regulamentar
208

conflitos entre indivíduos e de cunho patrimonial, não regulamentando de


forma satisfatória os conflitos sociais.
Segundo Faria (2005, p. 16-17), essa incapacidade reflete a inefetividade
das instituições jurídicas e judiciais. Estas mostram-se incapazes de resolver
conflitos emergentes das contradições socioeconômicas e de lidar com
comportamentos contrários às leis, resultando em uma atuação
organizacionalmente enrijecida, uma cultura técnico-profissional fundada em
teorias arcaicas e processual/procedimentalmente formalistas e ritualistas.
Neste viés, para Farias e Rosenvald (2014, p. 93), configura-se uma
insuficiência da ordem normativa processual: diante de eventual reação do
proprietário, sua demanda será procedente pela simples exibição do registro
e produção de prova quanto à perda da posse.
Não obstante, nesses conflitos há tensão entre o direito fundamental do
acesso à moradia/ao trabalho e o direito patrimonial de propriedade. Assim,
deveria haver ponderação de direitos, devendo prevalecer o acesso à
moradia, evidenciando-se o abandono da coisa e a ausência de função social
(arts. 1º, III; 3º, III e IV; 5º, e 6º, CF) – no entanto, nem sempre existe tal
ponderação.
Quanto ao acesso à justiça, destaca-se que esta não pode ser reduzida à
uma “dimensão t cnica, socialmente neutra”, devendo-se apresentar suas
unç es sociais, bem como “o modo como as opç es t cnicas no seu seio
veiculavam opções a favor ou contra interesses sociais divergentes ou
mesmo antagônicos” SOUSA SAN OS, , p. 7-168). Em outros
termos, as técnicas processuais podem não garantir acesso à justiça se
209

desalinhadas a interesses sociais, como os que envolvem os conflitos


possessórios.
Este contexto de disputa pela posse, uso e distribuição da terra, é marcado
por uma estrutura agrária de privilégios e injustiças. Neste compasso,
assenta-se na dominação política autoritária e clientelista, ou seja, pelo
interesse de determinado grupo ou indivíduo dominante. Destarte, mantém-
se um cenário favorável ao capitalismo especulativo e discriminador, bem
como à produção do legal comprometimento com os interesses das
tradicionais elites agrárias.
A interpretação Judicial progressista é exceção nas ações possessórias
que disputam áreas de ocupações, demonstrando que o judiciário adota uma
postura retrograda e em desacordo com a proteção da propriedade na ordem
jurídica constitucional. Há por parte do Judiciário a garantia da propriedade
que não está vinculada à sua função social, ou seja, há uma regulação do
direito de propriedade em nome do capital.

Conclusão

Os proponentes deste trabalho são integrantes do PAJUP – Programa de


Assessoria Jurídica Universitária Popular, tal fato proporciona a proximidade
com o tema e o relacionamento com as comunidades de Paço do Lumiar. O
"PAJUP” um núcleo de extensão universitária criado por alunos da
Unidade de Ensino Superior Dom Bosco em meados de 2008.
210

O grupo surge na emergência de apresentar o uso do direito como


instrumento de emancipação social, por intermédio de uma práxis jurídica
diferenciada que se propõe viabilizar a efetivação da função social da
universidade quanto centro gerador de conhecimento e ferramenta de
transformação da sociedade. Desta forma, uma das áreas de atuação do
grupo é o acompanhamento sócio-jurídico de comunidades inseridas em
conflitos fundiários coletivos urbanos, comumente presentes no contexto da
região metropolitana de São Luís
O grupo tem sua prática alicerçada nos moldes da educação popular,
fundamentada nos ensinamentos de Paulo Freire (2008, 1996), que propõe
uma atuação dialética e dialógica, no que tange a busca pela conscientização
e empoderamento por meio do conhecimento construído em conjunto entre
os discentes e os atores sociais. Sendo este grupo mecanismo de auxílio para
a população de Paço do Lumiar que enfrenta conflitos fundiários.
A urbanização brasileira originou um modelo de cidades desiguais, com
imensa pobreza e miséria. A cidade de Paço do Lumiar é local que expõe a
seletividade da urbanização e da justiça brasileira. “Assim, a segregação
espacial e diferenciação da cidadania foram processos simultâneos num
projeto de modernização nacional” HOLS ON, 3, p. 7
As reflexões aqui apresentadas detiveram-se na análise da produção do
espaço urbano no município de Paço do Lumiar, trazendo aspectos da
urbanização e segregação nacional. Fernandes (2006, p.12) apresenta que a
organização de uma nova ordem juridico-urbanistica no Brasil – e de resto
na América Latina – é um caminho com obstáculos e poucas comemorações.
211

É necessário entender a importância de uma concepção humanista da


propriedade, sendo essa perspectiva um mecanismo de apoucamento dos
ônus da urbanização. Sobretudo é evidente que a mudança da politicas atuais
quanto ao espaço urbano dependem da sociedade civil organizada, devendo
ser sujeito protagonista da luta por transformação social.
É preciso que se entenda a importância do Direito nesta luta, sendo o
próprio Direito mecanismo de segregação e invisibilidade este pode ter sua
lógica subvertida para atuar em favor de cidades para todos. A
transformação social encontra percalços na especulação imobiliária e no
judiciário brasileiro, demonstrando o caráter conservador e patrimonialista
da sociedade brasileira.
O Poder Judiciário se estabelece como peça fundamental da construção
do espaço urbano, sua atuação interfere no projeto e logística da cidade. A
solução dos conflitos no Judiciário precisa incorporar ditames que
enxerguem a propriedade privada em prol do bem coletivo, necessitando o
judiciário renunciar ser conservadorismo para superarmos as complicações
criadas em nome de uma urbanização acelerada e inadequada.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988. In: Vade


Mecum. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
212

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Complementar. Porto Alegre, Livraria do Advogado, l996, p.37.

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nova cultura no Direito. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Alfa Omega,
2001.
215

RESUMOS
(resumos, resumos expandidos e
resumos de monografia)
216

A articulação das mulheres nas comunidades: a educação popular como


instrumento da prática feminista16

Anne Karoline de Jesus Aires

Resumo

O presente artigo é fruto das experiências realizadas no grupo de extensão


PAJUP- Programa de Assessoria Jurídica Universitária Popular, no qual,
durantes as visitas realizadas pelo grupo nas comunidades foi possível
perceber a forte presença de mulheres na articulação das demandas e na
liderança pela luta por direitos. Neste sentido, em um primeiro momento será
utilizada o a obra “A condição humana”, da autora Hannah Arendt, por ue
nos remete a pensar sobre a distinção entre as esferas privadas e públicas,
tendo em vista esta última considerada como um espaço de igualdade, além
de tratar das atividades humanas, as quais seriam essenciais para determinar
a atuação da atividade humana. De acordo com Arendt , p. 4 “a polis
diferenciava-se da família pelo fato de somente conhecer iguais, ao passo
que a família era o centro da mais severa desigualdade”. Deste modo, fazer-
se- á uma análise dos espaços que atualmente a mulher ocupa na sociedade,

16
Resumo apresentado no “I Ciclo de Debates do Programa de Assessoria Jurídica
Universitária Popular – Direito Crítico e Práticas Jurídicas Emancipat rias”, ue ocorreu de
25 a 27 de fevereiro de 2016, na cidade de São Luís/MA.
217

além de demonstrar como o movimento feminista foi essencial por alarmar a


condição de desigualdade de gênero e quebrar com ideais de papéis prontos
para homens e mulheres. De tal modo, é imprescindível tratar dos entornos
do conceito de gênero, do modo como este foi elaborado dentro de uma
perspectiva feminista e das reformulações do conceito tendo como base a
autora Judith Butler e Joan Scott. Por último, utilizarei a educação popular
como um instrumento a ser utilizado pela AJUP para concretizar a prática feminista.

Referências

ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 2001.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: Feminismo e subversão de


identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

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Paulo: F. Perseu Abramo, 2003.

SCOTT, Joan. Wallach. Uma categoria útil de análise histórica. Educação


e realidade, Porto Alegre, 16 (2), 1998, pp. 5-22.
218
219

Quem não pode com a formiga não assanha o formigueiro: as lideranças


de Paço do Lumiar e a Luta pela regularização fundiária17

Glaucia Maria Maranhão Pinto Lima


Mayara Araújo Abreu

Resumo

O presente trabalho visa discutir acerca dos motivos que encaminham as


mulheres ao protagonismo durante a luta pela regularização fundiária em
Paço do Lumiar - MA. Também pretende tecer considerações acerca do
direito à moradia no contexto dos conflitos fundiários das comunidades. E
reconhecer a atuação das líderes comunitárias durante a luta pela efetivação
de direitos e suas vivências em: Cajueiro, Eugênio Pereira e Vila do Povo.

Introdução

Paço do Lumiar- MA é cenário de um intenso embate entre grandes


investimentos e comunidades resultantes de ocupações coletivas urbanas. O
capital é o grande motor para fazer deste embate, uma batalha muita das
vezes desproporcional, deixando sempre a parte mais fraca ainda mais

17
Resumo expandido apresentado no IX Encontro Científico da Unidade de Ensino Superior
Dom Bosco, realizado nos dias 10 e 11 de novembro de 2016, na cidade de São Luís/MA.
220

prejudicada. Eugênio Pereira, Cajueiro e Vila do Povo figuram enquanto


parte em processos judiciais, seja de forma coletiva seja de forma individual,
mas sempre pautando a questão da posse, propriedade e moradia.

Objetivo geral

Discutir acerca dos motivos que encaminham as mulheres ao


protagonismo durante a luta pela regularização fundiária em Paço do
Lumiar.

Objetivos específicos

Tecer considerações acerca do direito à moradia.


Vislumbrar sobre a atuação das líderes comunitárias e sobre suas
respectivas comunidades.

Metodologia

Será utilizado o método exploratório, que visa a explanação sobre o tema


delimitado, a ampliação do conhecimento. Além de utilizar o procedimento
bibliográfico, para a exposição acerca do tema além da metodologia de
pesquisa de campo. Trata-se de uma abordagem crítico-metodológica,
baseada em uma crítica a realidade sob a tese de que direito e problemático e
221

não sistemático apenas, constitui um pensamento tópico e não um


pensamento dedutivo.

Desenvolvimento

É notório que o direito fundamental à moradia é garantido


constitucionalmente, ainda que por um viés meramente formalista. Apesar de
tal arcabouço jurídico, o ue se vê algo completamente distinto do “dever
ser” que a Carta Magna dispõe, a realidade consiste na total relativização
deste direito em detrimento de um interesse individual, o interesse do capital.
Diante disso, as ocupações urbanas surgem para ressignificar espaços não
utilizados de maneira adequada, dando ensejo as comunidades urbanas. As
três possuem pontos em comum, dentre eles, o fato de serem lideradas por
mulheres, ainda que materialmente (em alguns casos), o que pode influenciar
na maneira em como a comunidade lida com os processos judiciais que as
envolvem.

Resultados e discussões

O direito à moradia encontra-se garantido constitucionalmente, sendo


vislumbrado também internacionalmente. É considerado um direito social,
por ser, na perspectiva do Estado um direito “mais ácil” de lidar do ue ser
garantido, no que tange às políticas públicas (ainda que em tese), do que
garantir de forma individual um bem capaz de cumprir as funções de uma
222

moradia de qualidade. (DOMINGUES, 2013, p. 203). As líderes


comunitárias Dona Anunciação (Cajueiro), Dona Lucí (Vila do Povo) e
Dona Carmem (Eugênio Pereira) afirmaram nas entrevistas realizadas que as
mulheres costumam se envolver mais diretamente com conflitos envolvendo
suas comunidades. O protagonismo feminino na luta pelo direito à moradia
nas ocupações de Paço do Lumiar pode ser demonstrado pela atuação do
Fórum de Regularização Fundiária contra o Despejo Forçado de Paço do
Lumiar, o qual conta com líderes de 43 (quarenta e três) comunidades, sendo
41 (quarenta e uma destas representadas por mulheres). É daí que se extrai a
figura da formiga enquanto ilustrativa do trabalho do Fórum que é, segundo
Anunciação (AZEVEDO,2016), pela figura feminina e o trabalho
organizado.

Conclusão

É inegável que o protagonismo feminino na luta por moradia, nas


comunidades de Paço do Lumiar, é fundamental para que a busca por
efetivação de direitos, como Dona Carmem (VASCONCELOS,2016)
ressaltou “para manter a chama acesa”. As lideranças ressaltaram ue se
intitulam de formiguinhas em decorrência de sua atividade no Fórum de
Regularização Fundiária contra o Despejo Forçado de Paço do Lumiar, tendo
sido a formiga escolhida enquanto ilustração do trabalho do Fórum em razão
da figura feminina e do trabalho organizado em conjunto e apoio indistinto.
223

Referências

DOMINGUES, Eduardo Garcia Ribeiro Lopes. Moradia não é mercadoria.


In. Revista de Direito da Cidade. vol.05, nº01. ISSN 2317-7721 p. 197-233.
2012.

VASCONCELOS, Maria do Carmo Marques Maria da Anunciação Santos.


Entrevista concedida a Glaucia Maranhão e Mayara Araujo Abreu em 03 de
setembro de 2016.

AZEVEDO, Maria da Anunciação Santos. Entrevista concedida a Glaucia


Maranhão e Mayara Araujo Abreu em 30 de agosto de 2016.
224
225

Análise do pluralismo jurídico sob a ótica das comunidades tradicionais:


métodos alternativos de auto-organização e resolução de conflitos18

Alice Rêgo Matos


Ricardo Henrique O. Pestana
Anne Karoline de Jesus Aires

Introdução

Na perspectiva tradicional da concepção de Direito, este é entendido


como o modo de organização e controle social através de normas estatais,
em que o Estado controla e regula as relações sociais. Esta concepção do
direito que o vincula a uma atividade exclusivamente estatal carrega um
fetichismo jurídico ao considerar que somete através do Direito estatal é
possível a regulamentação das condutas e conflitos de cunho social.

Objetivos

Demonstrar como uma abertura ao empoderamento das comunidades,


enquanto atores sociais podem ser determinantes para que haja maior

18
Resumo Expandido apresentado no encontro da Rede Latino-Americana de Antropologia
Jurídica – Nordeste, realizado do dia 24 a 26 de junho de 2015, do qual ganhou menção
honrosa no Prêmio Célia Maria Corrêa na categoria Painel.
226

eficácia no tocante a resolução de conflitos e ao acesso à justiça, no sentido


de abordar a importância do conhecimento tradicional para o Direito e como
comunidades tradicionais têm sua própria perspectiva de resolução de
conflitos, bem como do que seria o próprio Direito.

Metodologia

O trabalho terá uma abordagem bibliográfica com o objetivo de ampliar o


conhecimento acerca do tema com base em obras de direito crítico e formas
de acesso à justiça.

Resultados

Os resultados do trabalho se darão no sentido de perceber que o modelo


tradicional de ensino jurídico e o próprio Direito muitas vezes não é
reconhecido por Comunidades Tradicionais, como de indígenas ou
quilombolas, pois essas comunidades têm sua própria forma de enxergar o
Direito e de resolução de conflitos. Dessa forma, o Direito por uma
perspectiva emancipatória deve reconhecer outras formas jurídicas além do
que aquelas positivadas pelo modelo estatal, caracterizando assim o
pluralismo jurídico.
227

Referências

BRUZACA, Ruan Didier. A duplicação da Estrada de Ferro Carajás e


seus impactos socioambientais: Uma análise jurídica dominante e as vias
para um novo modelo jurídico. Monografia apresentada à conclusão do
Curso de Direito da UNDB, São Luís, 2011.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do Pensamento Abissal: Das


linhas globais a uma ecologia de saberes. In: Critical Review of Social
Sciences, 78, October 2007: 3-46.

WOLKMER. Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma


Nova Cultura no Direito. 2a ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1997.
228
229

A experiência do PAJUP na comunidade de Cajueiro do Paço do


Lumiar: considerações sobre a efetivação do direito à moradia19

Mayara Araujo Abreu


Orientador: Me. Ruan Didier Bruzaca

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo analisar em que medida o PAJUP


(Programa de Assessoria Universitária Popular) contribuiu para a efetivação
do direito à moradia na comunidade do Cajueiro, localizada em Paço do
Lumiar. Para isto, serão feitas considerações a respeito do direito à moradia
passando pelo tratamento dado pelo Direito Internacional, o seu processo de
constitucionalização bem como dos elementos concernentes às dificuldades
de implementação desse direito. Em seu segundo ponto, este trabalho se
propõe a discutir a Assessoria Jurídica Universitária Popular abordando um
pouco do seu contexto de surgimento, os princípios norteadores da atuação
da AJUP, as diferenças entre a AJUP e demais projetos de Extensão
Universitária para então passar a considerar a atuação das AJUPs de São
Luís. O terceiro e último ponto será dedicado a analisar a atuação do PAJUP
com a comunidade do Cajueiro. Neste sentido, serão tratados elementos

19
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Unidade de Ensino Superior
Dom Bosco como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharela em Direito.
230

como a formação do bairro, seu processo de regularização, os atos


acompanhados pelo grupo no âmbito da Ação Civil Pública promovida pela
Defensoria Pública do Estado do Maranhão, e os impactos da atuação do
PAJUP na comunidade do Cajueiro.

Palavras-chaves: Direito à moradia, Assessoria Jurídica Popular, Extensão


Universitária, Educação Popular.

Principais referências

ALFONSIN, Jaqcues Távora. A Função Social da Cidade e da Propriedade


Privada Urbana como Propriedade de Funções. In: Direito à Moradia e
Segurança da Posse no Estatuto da Cidade: Diretrizes, Instrumentos e
Processos de Gestão. Belo Horzonte: Editora Fórum, 2016

ALMEIDA, Ana Lia Vanderlei de. Um estalo nas faculdades de direito:


perspectivas ideológicas da Assessoria Jurídica Universitária Popular.
2015. 340f. Tese de Doutorado. UFPB/CCJ, João Pessoa, 2015.

FERREIRA JÚNIOR, José de Ribamar. ASSESSORIA JURÍDICA


POPULAR: uma alternativa para a efetivação de direitos fundamentais
na sociedade maranhense. 2011. 190f. Monografia. UFMA, São Luís,
2011.
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FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação? .7ª ed. Rio de Janeiro: Paz e


Terra, 1983.

_____. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

FURMANN, Ivan. Assessoria Jurídica Universitária Popular: da utopia


estudantil à ação política. 2003. Monografia (Bacharelado) – Curso de
Graduação em Direito. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, 2003.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional


internacional. – 14. ed., rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2013.

RIBAS, Luis Otavio. Direito insurgente e pluralismo jurídico: assessoria


jurídica de movimentos populares em Porto Alegre e no Rio de Janeiro
(1960-2000). 2009. 148f. Tese de Mestrado. UFSC, Florianópolis, 2009

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos


fundamentais na Constituição de 1988.- 4. ed. rev. atual – Porto Alegre:
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WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico – fundamentos de uma


nova cultura no Direito. 3ª ed. Rev. Atual. São Paulo: Editora Alfa Ômega,
2001.
232

Referência da monografia

ABREU, Mayara Araújo. A experiência do PAJUP na comunidade de


Cajueiro do Paço do Lumiar: considerações sobre a efetivação do direito à
moradia. 2017. 153 fls. Monografia – Curso de Direito, Unidade de Ensino
Superior Dom Bosco, São Luís, 2011.
233
234

Ideologia, Direito e conflitos possessórios urbanos: as decisões judiciais


no processo envolvendo a Comunidade Renascer de Paço do
Lumiar/MA20

Ricardo Henrique Oliveira Pestana


Orientador: Me. Ruan Didier Bruzaca

Resumo

O presente trabalho de conclusão de curso visa analisar como se dá a


formação da norma jurídica estatal a partir de uma determinada ideologia
alinhada à supervalorização do direito de propriedade em detrimento de
outros direitos, para que se possa demonstrar a relação entre: Ideologia e
direito, conflitos possessórios urbanos e Poder Judiciário. No primeiro
capítulo, faz-se o recorte da relação entre Ideologia e Direito. No segundo,
passa-se a identificar a origem da problemática urbanística e de habitação do
país para que, por fim, no terceiro capítulo, demonstre-se os reflexos da
formação da norma jurídica estatal frente aos conflitos possessórios urbanos
a partir da análise das decisões do judiciário envolvendo o conflito
possessório urbano na Comunidade Renascer no município de Paço do
Lumiar. Para a análise teórica, foram utilizadas literaturas marxistas e

20
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Unidade de Ensino Superior
Dom Bosco como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.
235

críticas, tanto da relação entre ideologia e direito, através das obras de Marx,
Wolkmer, Miaille entre outros, quanto do estudo envolvendo a origem dos
conflitos possessórios urbanos e luta pelo Direito à Moradia, a partir das
leituras de autores como David Harvey, Raquel Rolnik, Maricato, Bruzaca e
demais autores. A pesquisa se utilizou de documentos, quando da análise dos
autos do processo, bibliografias sobre o tema e pesquisa de campo, com
entrevista realizada para colher depoimento da líder comunitária.

Palavras-chave: Direito e ideologia; Conflitos Possessórios Urbanos;


Comunidade Renascer.

Principais referências

CANARY, Henrique. O que é... Conceitos Fundamentais de política,


economia e sociedade. 1ª ed., São Paulo, Editora José Luis e Rosa
Sundermann, 2012.

CHAGAS, Juary. Sociedade de classe, direito de classe: uma perspectiva


marxista e atual. 1ª ed., São Paulo, Editora Instituto José Luis e Rosa
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DALLARI, Dalmo. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996.


236

MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana.


7ª ed. – Petrópolis, RJ. Vozes, 2013.

MARX, Karl; ENGELS, Friederich. Manifesto do Partido Comunista-


Porto Alegre, L&PM, 2016.

ROLNIK, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia


na era das finanças. 1ª ed. São Paulo - Boitempo, 2015.

WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma


nova cultura no Direito. 3ª ed., São Paulo, Editora Alfa-ômega, 2001.

_____. História do Direito no Brasil. 4ª ed., Rio de Janeiro, Editora


Forense, 2007.

Referência da monografia

PESTANA, Ricardo Henrique Oliveira. Ideologia, Direito e conflitos


possessórios urbanos: as decisões judiciais no processo envolvendo a
Comunidade Renascer de Paço do Lumiar/MA. 79 fls. Monografia – Curso
de Direito, Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, São Luís, 2011.
237

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