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I.

A ação humana e os valores

1. A ação humana – análise e compreensão do agir

1.1. A rede conceptual da ação

􀂄 A Filosofia da Ação é uma área interdisciplinar que colhe contributos da Metafísica,


da Filosofia da Mente, da Psicologia e da moderna Teoria da Decisão.
􀂄 O objeto de estudo da Filosofia da Ação é a justificação da crença na racionalidade
da ação humana.
􀂄 Distingue-se da Ética por não considerar os aspetos morais do agir, analisando
apenas o que está na base da ação – crenças, desejos, intenções, motivos e causas.
􀂄 O seu método consiste na análise das frases de ação, mediante as quais os agentes
descrevem e explicam o que fazem:
«Por que fizeste X?» - «Fiz X porque __________ »

􀂄 O problema central da Filosofia da Ação é o de saber:

Como compatibilizar a crença de que somos seres racionais com o facto de agirmos
frequentemente de forma irracional?

􀂄 Exemplos de problemas discutidos em Filosofia da Ação:


1. O que são ações? Que acontecimentos contam enquanto ações?
2. Como individuar ou distinguir as ações umas das outras?
3. Como explicar a existência de preferências irracionais?
4. Como compreender o fenómeno da acrasia?
􀂄 Para compreender o que está em causa quando perguntamos «O que é uma
ação?», analisemos o seguinte exemplo:
1. João deseja herdar uma fortuna e crê que o melhor a fazer para satisfazer o seu
desejo é matar o seu pai abastado. Mas este pensamento põe-no tão nervoso que, ao
conduzir desajeitadamente o seu carro, mata um peão que é, afinal, o seu pai!
Cometeu ou não um parricídio?

􀂄 A atribuição da responsabilidade depende de determinarmos se a morte de seu pai


constitui, ou não, uma ação de João.
Temos, então, de procurar qual é o aspeto que nos permite dizer que um
acontecimento é uma ação.
􀂄 Será a sua associação a um ser humano? Mas há acontecimentos que envolvem
pessoas, mas que claramente não são ações – por exemplo, escorregar.
􀂄 Será a existência de movimentos corporais? Mas há ações sem movimento corporal
(estar imóvel a estudar) e há movimentos corporais que não são ações (respirar).

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􀂄 Uma outra resposta a este problema afirmaria que a intenção é aquilo que distingue
os acontecimentos que contam como ações:
Um acontecimento é uma ação apenas no caso de ser possível descrevê-lo de forma a
exibir a presença de uma intenção no agente.

􀂄 O que é uma intenção? É um estado mental mediante o qual se concretiza, se anula


ou se mantém um certo estado de coisas.
Os desejos e as crenças, e o seu discutido papel causal nas ações, são exemplos de
estados mentais intencionais.
􀂄 No exemplo 1, existe claramente um desejo (herdar uma fortuna) e uma crença, e
parece que à custa deles João concretiza um acontecimento – a morte de seu pai.
Tudo aponta, pois, que se trate de uma ação de João. Concordas?
􀂄 Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como distinguir as
ações umas das outras?», analisemos o seguinte exemplo:
2. Os membros de uma família estão sentados à mesa a comer uma feijoada. Estão
todos a fazer a mesma ação ou ações diferentes?

􀂄 Por um lado, podemos dizer que todos os familiares estão a comer a mesma coisa,
no mesmo local e à mesma hora;
􀂄 Por outro lado, cada pessoa poderá possuir intenções diferentes ao comer (apenas
matar a fome, regozijar-se com o sabor dos feijões, etc.) e os seus movimentos físicos
não são inteiramente coincidentes nem no espaço nem no tempo.
􀂄 Existem, então, duas respostas possíveis para aquela pergunta:
1. Diremos «sim» se considerarmos a ação «comer uma feijoada» como sendo um ato
genérico definido como «ingestão de feijões».
2. Diremos «não» se considerarmos a ação «comer uma feijoada» como algo realizado
concretamente por alguém, nalgum lugar, a alguma hora e com movimentos físicos
individualizados.
􀂄 Cada uma destas respostas traduz duas conceções filosóficas diferentes da ação:
1. A ação como uma entidade genérica e abstrata; para os filósofos que, como
Jaegwon Kim, a concebem deste modo, uma ação é algo meramente ideal (tal como a
ideia de Triângulo) e que pode ser exemplificado cada vez que um agente a perfaz (tal
como exemplificamos a ideia de Triângulo ao desenharmos uma figura triangular);
2. A ação como acontecimento concreto; para filósofos que, como Donald Davidson, a
concebem deste modo, as ações são acontecimentos localizados no espaço e no
tempo (têm lugar num certo sítio e a uma dada hora) e são individualmente
realizados
(feitas por alguém);
Qual destas conceções consideras correta? Porquê?

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􀂄 Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como explicar a
existência de preferências irracionais?», analisemos o seguinte exemplo:
3. Uma pessoa afirma que prefere os Limp Bizkit a Norah Jones e esta cantora a Bach.
No entanto, diz preferir Bach aos Limp Bizkit. Como explicar esta irracionalidade das
suas preferências?

􀂄 Dizemos que as suas preferências são irracionais porque são não transitivas.
􀂄 O que é a transitividade? É uma propriedade de relações: se uma entidade X tem
uma certa relação com uma entidade Y e se esta entidade Y tem o mesmo tipo de
relação com uma entidade Z, então a entidade X está nesse tipo de relação com a
entidade Z. Exemplos:
1. O Zé é mais alto do que o Chico; o Chico é mais alto do que o Quim. Logo, o Zé é
mais alto do que o Quim. A relação ser mais alto do que é transitiva.
2. O Guilherme é o pai do Pedro; o Pedro é o pai da Joana. Mas o Guilherme não é o
pai da Joana! A relação ser pai de é não transitiva.
􀂄 Ora, as ações são objeto de preferências e as nossas preferências, se forem
racionais, deverão ser transitivas:
Se preferes comer feijoada a comer filetes de pescada
e se preferes comer filetes de pescada a comer Nestum,
o que será racional que prefiras — feijoada ou Nestum?

􀂄 É legítimo pensar que qualquer comportamento racional terá de se conformar à


transitividade das preferências. Mas os estudos empíricos da Psicologia mostram que
isto nem sempre acontece, o que intriga muito os filósofos.
Como explicar a irracionalidade das preferências?

􀂄 Chama-se «acrasia» a uma falta de força de vontade. Um agente tem falta de força
de vontade se tiver o desejo de produzir um certo efeito e tiver a crença de que uma
dada ação é a melhor forma de produzir esse efeito e, no entanto, não realizar esta
ação.
􀂄 Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como compreender
o fenómeno da acrasia?», analisemos o seguinte exemplo:
Se desejas verdadeiramente respeitar os direitos dos animais e se acreditas que a
melhor maneira de o fazer é deixando de comer carne, peixe, leite ou ovos, como
compreender que o continues a comer tudo isto?

􀂄 Aristóteles refletiu sobre a acrasia e pensou que a explicação das ações acráticas só
poderia ser feita se dispusesse de um modelo de explicação de ações racionais. Esse
modelo explicativo ficou conhecido como «silogismo prático»:
1. O agente tem o desejo de produzir um efeito E.
2. O agente crê que fazer a ação A é o melhor modo de alcançar E.

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3. Logo, o agente faz A

􀂄 Neste modelo as premissas 1 e 2 são a justificação racional da ação enunciada na


conclusão, em 3. Se os agentes forem racionais, deverão poder explicar as suas ações
com base nos seus desejos e crenças, com os quais as ações devem ser coerentes.
􀂄 Numa ação acrática, isto não acontece. Vejamos o exemplo do fumar como
resultado de fraqueza irracional da vontade:
1. O António tem o desejo de ser saudável.
2. O António acredita que não fumar é a melhor maneira de ser saudável.
3. No entanto, o António fuma.

Assim concluímos que para falar de ação, implica falar de um agente, uma intenção e
uma motivação.

Sendo resumido neste quadro:

Intenção Motivo Agente


􀂄 o mesmo que projeto, 􀂄 identifica aquilo que explica e 􀂄 o autor da intenção e
isto é, aquilo que nos permite compreender a da ação ,isto é, o que
propomos fazer ou o intenção, isto é, as suas razões; pratica a ação;
propósito da ação (implica 􀂄 refere-se ao porquê da 􀂄 identifica aquele que,
a tomada de consciência intenção, ou seja, «o que é que por sua iniciativa (livre e
do sentido dos nossos levou A a fazer X»; voluntariamente), produz
atos); 􀂄 distingue-se do conceito de alterações no decorrer
􀂄 o sentido da ação, isto causa, porque ao identificarmos normal das coisas;
é, o significado atribuído a os motivos não podemos 􀂄 por ser o autor, isto é,
uma ação, identificado considerar que existe sempre aquele que pratica uma
através da resposta à entre eles e a intenção uma ação intencionalmente, é
pergunta «o quê?»; relação necessária; há que ter aquele a quem se atribui
􀂄 o objeto da decisão e a em conta a intervenção da a responsabilidade da
estratégia escolhida para o vontade. A causa faria ocorrer a ação, isto é, aquele que
concretizar. ação independentemente da responde por ela.
vontade do agente.

Definição dos conceitos nucleares

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Ação: é uma interferência consciente e voluntária de um ser humano (o agente),
dotado de razão e de vontade, no normal decurso das coisas, que sem a sua inferência
seguiriam um caminho distinto;
Agente: é o ser humano que realiza consciente e voluntariamente uma ação;
Intenção: é o para quê, isto é, o propósito que o agente quer atingir;
Motivo: é a razão pela qual ele age.

II.A ação humana e os valores

1. A ação humana – análise e compreensão do agir

1.2. Determinismo e liberdade na ação humana

􀂄 A liberdade de ação é um importante tópico discutido em Filosofia. Na tradição


ocidental moral, religiosa e jurídica, conceitos como os de responsabilidade, culpa e
imputabilidade estão vinculados ao de liberdade.
􀂄 Nessa tradição, um agente é responsabilizável por uma ação apenas no caso de ter
sido livre para agir como agiu. Por exemplo, um indivíduo é culpado aos olhos de Deus
se tiver pecado quando podia não o ter feito; um criminoso é imputável aos olhos da
Justiça se tiver cometido um crime quando podia evitá-lo.
Mas se alguém é forçado a agir de uma certa forma, será legítimo responsabilizá-lo
pela sua «ação»?
􀂄 Que “forças” condicionam as nossas ações? Podemos reconhecer três tipos de
condicionantes da ação:
1. Físicas: as ações dependem da estrutura anatómica e fisiológica do agente e das leis
naturais que regem os fenómenos do mundo;
2. Psicológicas: a personalidade, o caráter, a força de vontade ou a falta dela, os
estímulos e as motivações são aspetos que influenciam o tipo de ações que
empreendemos;
3. Culturais: as vivências, as normas, as tradições, os hábitos e costumes, e todas as
circunstâncias políticas, económicas e sociais que, enquanto agentes, nos relacionam
com outros agentes, condicionam claramente as nossas ações.
􀂄 Será que as condicionantes da ação impossibilitam a liberdade de ação? Seremos
realmente livres ou a será a liberdade apenas uma ilusão?
Para compreendermos o significado desta pergunta, teremos de dominar uma noção
essencial – a de causalidade.
􀂄 Uma cadeia causal é uma sucessão de acontecimentos na qual cada um deles é
causa do acontecimento que lhe sucede e cada um deles é efeito do acontecimento
que o antecede:

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􀂄 Uma conceção determinista da ação salienta que as ações são acontecimentos que
têm lugar no mundo e que, portanto, estão integradas em cadeias causais: ora são
efeitos de acontecimentos anteriores (mentais ou físicos); ora são causas de
acontecimentos posteriores.
􀂄 Por outro lado, pensamos que devemos responder por muitos dos nossos atos, de
que somos responsáveis em consequência da nossa liberdade. Esta é uma visão não
determinista da ação.
􀂄 Isto gera um dilema, conhecido como «dilema de Hume»:
Se o determinismo for verdadeiro, então as nossas ações são causadas por
acontecimentos remotos que não controlamos, tornando-se inevitáveis, não sendo
nós responsabilizáveis pelo que fazemos; se o determinismo for falso, então as nossas
ações são aleatórias, pelo que também não somos responsabilizáveis por elas.
Conclusão: em qualquer caso, não há livre arbítrio nem responsabilidade.

􀂄 O problema do livre arbítrio pode agora ser precisamente formulado:

Como compatibilizar a crença de que todos os acontecimentos, incluindo as ações, são


causalmente determinados, segundo as leis da natureza, com a crença de que o
Homem é livre e responsável pelas ações?

􀂄 As respostas tradicionais ao problema do livre-arbítrio podem ser divididas em


teorias compatibilistas e teorias incompatibilistas.
􀂄 As primeiras defendem que o livre-arbítrio é compatível com o determinismo; as
segundas defendem que o livre-arbítrio não é compatível com o determinismo.

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􀂄 Teorias que respondem ao problema do livre-arbítrio:

Exemplo do problema do livre-arbítrio

􀂄 O problema do livre-arbítrio, um dos mais antigos e intratáveis da filosofia, começa


com uma certa inadequação terminológica. A expressão portuguesa "livre-arbítrio",
assim como a expressão "liberdade da vontade", que é tradução do inglês "freedom of
the will", são enganosas, pois nem o juízo nem a vontade são os fatores
preponderantes. Menos comprometida seria a expressão "liberdade de decisão" ou
"liberdade de escolha" ou, melhor ainda (posto que mais abrangente), "liberdade de
ação".

􀂄 Feita essa advertência terminológica, passemos à exposição do problema. Ele diz


respeito ao conflito existente entre a liberdade que temos ao agir e o determinismo
causal. Podemos introduzi-lo considerando as três proposições seguintes:

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1. Todo o evento é causado.
2. As nossas ações são livres.
3. Ações livres não são causadas.

􀂄 A proposição 1 parece geralmente verdadeira: cremos que no mundo em que


vivemos para todo evento deve haver uma causa. A proposição 2 também parece
verdadeira: quando nos observamos a nós mesmos, parece óbvio que as nossas
decisões e ações são frequentemente livres. Também a proposição 3 parece
verdadeira: se as nossas ações fossem causalmente determinadas, elas não poderiam
ser livres.

􀂄 O problema do livre-arbítrio surge quando percebemos que as três proposições


acima formam um conjunto inconsistente, ou seja: não é possível que todas elas sejam
verdadeiras! Se admitimos que todo evento é causado e que a ação livre não é
causalmente determinada (que as proposições 1 e 3 são verdadeiras), então não
somos livres, posto que as nossas ações são eventos (a proposição 2 é falsa). Se
admitimos que as nossas ações são livres e que como tais elas não são causalmente
determinadas (que 2 e 3 são proposições verdadeiras), então não é verdade que todo
o evento seja causado (a proposição 1 é fa1sa). E se admitimos que todo o evento é
causado e que somos livres (que as proposições 1 e 2 são verdadeiras), então deve
haver a1go de errado com a ideia de liberdade expressa na proposição 3.

􀂄 Cada uma dessas alternativas possui um nome e foi classicamente defendida. A


primeira delas é chamada de determinismo; ela consiste em negar a verdade da
proposição 2, ou seja, que somos realmente livres. Ela foi mantida por filósofos como
Espinosa, Schopenhauer e Henri d'Holbach. A segunda alternativa chama-se libertismo:
ela não tem problemas em admitir que o mundo ao nosso redor é causalmente
determinado, mas abre uma exceção para muitas de nossas decisões e ações, que
sendo livres escapam à determinação causal. Com isso o libertismo rejeita a validade
universal do determinismo expressa pela proposição 1. Essa é a posição de Agostinho,
Kant e Fichte. Finalmente há o compatibilismo, que tenta mostrar que a liberdade de
ação é perfeitamente compatível com o determinismo, rejeitando a ideia de liberdade
expressa na proposição 3. Historicamente, Hobbes, Hume e Mill foram famosos
defensores do compatibilismo. No que se segue, quero considerar isoladamente cada
uma dessas soluções, argumentando finalmente a favor do compatibilismo.

1. Determinismo

􀂄 O determinismo parte da consideração de que, da mesma forma que podemos


sempre encontrar causas para os eventos físicos que nos cercam, podemos sempre
encontrar causas para as nossas ações, sejam elas quais forem. Com efeito, sendo
como somos produtos de um processo de evolução natural, seria surpreendente se as

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nossas ações não fossem causadas do mesmo modo que o são outros eventos
biológicos, tais como a migração dos pássaros e o fototropismo das plantas. Mesmo
que o princípio da causalidade não seja garantido e que no mundo da microfísica ele
tenha sido inclusive colocado em dúvida, no mundo humano, constituído pelas nossas
ações, pensamentos, decisões, vontades, esse princípio parece manter-se plenamente
aceitável. De facto, admitimos que as decisões ou ações humanas são causadas. Alguns
poderão dizer que Napoleão invadiu a Rússia por livre decisão da sua vontade. Mas os
historiadores consideram parte do seu ofício encontrar as causas, procurando
esclarecer as motivações e circunstâncias que o induziram a tomar essa funesta
decisão. Na determinação das nossas ações, as causas imediatas podem ser externas
(alguém decide parar o carro diante de um sinal vermelho) ou internas (alguém resolve
tomar um refrigerante), sendo geralmente múltiplas e por vezes muito difíceis de
serem rastreadas. No entanto, teorias biológicas e psicológicas (especialmente. a
psicanálise) sugerem que as nossas ações são sempre causadas; "Fiz isso sem nenhuma
razão" raramente é aceite como desculpa.

􀂄 Com base em considerações como essas, a conclusão do filósofo determinista é a de


que o livre-arbítrio na verdade não existe, posto que se a ação fosse realmente livre ela
não seria determinada por outros fatores independentes dela mesma. A liberdade que
parecemos ter ao tomarmos as nossas decisões é pura ilusão, produzida por uma
insuficiente consciência das suas causas. Mesmo quando pensamos que poderíamos
ter agido de outro modo, o que queremos dizer não é que éramos realmente livres
para agir de outro modo, mas simplesmente que teríamos agido de outro modo se o
sentimento mais forte tivesse sido outro, se soubéssemos aquilo que agora sabemos
etc. O argumento a favor do determinismo pode ser assim esquematizado:

1. Todo o evento é causado.


2. As ações humanas são eventos.
3. Portanto, todas as ações humanas são causadas.
4. As ações humanas só são livres quando não são causadas.
5. Portanto, as ações humanas não são livres.

􀂄 A posição determinista encontra, porém, dificuldades. Não é só o sentimento de que


somos livres que perde a validade. Também o sentimento de arrependimento ou
remorso parece perder o sentido, pois como se justifica que nós possamos arrepender-
nos das nossas ações, se não fomos livres para escolhê-las? Também a
responsabilidade moral perde a validade. Se nas nossas ações somos tão determinados
como uma pedra que cai ao ser solta no ar, faz tão pouco sentido responsabilizar uma
pessoa pelos seus atos quanto faz sentido responsabilizar a pedra por ter caído. Tais
dificuldades levam-nos a considerar a posição oposta.

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2. Libertismo

􀂄 O libertista rejeita o determinismo por considerar as conclusões acima inaceitáveis.


Ele também rejeita a primeira premissa do argumento determinista. O princípio da
causalidade, enunciável como "Todo o evento tem uma causa", não parece ter a sua
validade universal garantida. Certamente, esse princípio é extremamente útil, valendo
em geral para o mundo que nos circunda e mesmo para muitas de nossas ações. Mas
nada nele garante que a sua validade seja universal. Não podemos pensar que A = ~A
ou que 1 + 1 = 3, mas podemos perfeitamente conceber um evento no universo
surgindo sem nenhuma causa. A isso o libertarista poderá adicionar que nós
simplesmente sabemos que somos livres. Há uma grande diferença entre um
comportamento reflexo e um comportamento resultante da decisão da vontade. Nós
sentimos que no último caso somos livres, que podemos decidir sempre de outro
modo.

􀂄 Para justificar essa posição, o libertista costuma lançar mão de uma teoria da ação,
tal como foi defendida por Richard Taylor ou por Roderick Chisholm. Segundo essa
teoria às vezes, ao menos, o agente causa os seus atos sem qualquer mudança
essencial em si mesmo, não necessitando de condições antecedentes que sejam
suficientes para justificar a ação. Isso acontece porque o eu é uma entidade peculiar,
capaz de iniciar uma ação sem ser causado por condições antecedentes suficientes!
Você poderá perguntar-se como isso é possível. A resposta geralmente oferecida é que
não pode haver explicação. Para responder a uma pergunta como essa teríamos de
interrogar o próprio eu, considerando-o objetivamente. Mas, como quem deve
considerar objetivamente o eu só pode ser aqui o próprio eu, isso é impossível. Tentar
interrogar o próprio eu é tentar, como o barão de Münchausen, alçar-se sobre si
mesmo pondo os pés sobre a própria cabeça. O eu da teoria da ação é um eu esquivo
[...]. Ele é um eu autodeterminador, capaz de iniciar ações sem ser causado. Somos,
quando agimos, semelhantes ao deus aristotélico: somos causas não causadas,
motores imóveis. O argumento que conduz à teoria da ação tem a forma:

1. Não é certo que todo o evento é causado.


2. Sabemos que as nossas ações são frequentemente livres.
3. As ações humanas livres não podem ser causadas.
4. Portanto, a ação humana não precisa de ser causada.

􀂄 Embora essa solução preserve a noção de livre agência, ela tem o inconveniente de
explicar o obscuro pelo que é mais obscuro ainda, que é um mistério a ser aceite sem
questionamento. A pergunta que permanece é se não há uma solução mais
satisfatória. A solução que veremos a seguir, o compatibilismo, é hoje a mais aceite,
sendo uma maneira de tentar preservar as vantagens das outras duas sem as
correspondentes desvantagens.

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3. Compatibilismo: definições

􀂄 Segundo o compatibilismo, também chamado de determinismo moderado ou


reconciliatório, nós permanecemos livres e responsáveis, mesmo sendo causalmente
determinados nas nossas ações. O raciocínio que conduz ao compatibilismo tem a
forma:

1. Todo o evento é causado.


2. As ações humanas são eventos.
3. Portanto, todas as ações humanas são causadas.
4. Sabemos que as nossas ações são às vezes livres.
5. Portanto, as ações livres são causadas.

􀂄 Um bom exemplo de argumento em defesa do compatibilismo é o de Walter Stace,


para quem nós confundimos o significado da noção de liberdade na sua conexão com o
determinismo. Segundo Stace, o determinista acredita que a liberdade da vontade é o
mesmo que a capacidade de produzir ações sem que elas sejam determinadas por
causas. Mas isso é falso. Se assim fosse, uma pessoa que se comportasse
arbitrariamente, mesmo que contra a sua própria vontade, seria um exemplo de
pessoa livre. Mas o comportamento arbitrário não é visto como um comportamento
livre. A diferença entre a vontade livre e a vontade não-livre não deve residir, pois, no
facto de a segunda ser causalmente determinada e a primeira não. Além disso, tanto
no caso de ações livres como no caso de ações não-livres, nós costumamos encontrar
determinações causais, como mostram os seguintes exemplos, os três primeiros
tomados do texto de Stace:

A. Atos livres B. Atos não-livres

1. Gandi passa fome porque quer libertar Um homem passa fome num deserto
a Índia. porque não há comida.

2. Uma pessoa rouba um pão porque Uma pessoa rouba porque o seu patrão a
está com fome. obrigou.

3. Uma pessoa assina uma confissão Uma pessoa assina uma confissão porque
porque quer dizer a verdade. foi submetida a tortura.

4. Uma pessoa decide abrir uma garrafa Uma pessoa toma uma dose de
de champanhe porque quer brindar ao aguardente, mesmo contra a sua vontade,

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Ano Novo. porque é alcoólica.

􀂄 Note-se que a palavra "porque", que denota causalidade, é comum a ambas as


colunas. Assim, a coluna A não difere da coluna B pelo facto de não podermos
encontrar causas das ações, decisões e volições dos agentes. E às causas apresentadas
podemos adicionar ainda outras, como razões psicológicas e biográficas de Gandi, o
costume de brindar ao Ano Novo abrindo uma garrafa de champanhe etc. Mesmo nos
casos de decisões arbitrárias (como quando alguém decide lançar uma moeda no ar
para que a sorte decida o que deve fazer), a decisão de escolher arbitrariamente
também possui alguma causa.

􀂄 A diferença notada por Stace entre as ações livres da coluna A e as não-livres da


coluna B é que as primeiras são voluntárias, enquanto as segundas não. Daí que ele
defina a diferença entre a vontade livre e não-livre como residindo no facto de que as
ações derivadas da vontade livre são voluntárias, enquanto as ações derivadas da
vontade não-livre são involuntárias, no sentido de se oporem à nossa vontade ou de
serem independentes dela. Se Gandi passa fome para libertar a Índia, se alguém rouba
um pão por estar com fome, essas são ações livres, posto que voluntárias; mas se uma
pessoa assina uma confissão sob tortura ou toma uma dose de aguardente contra a
sua vontade, essas são ações que se opõem à vontade dos agentes, por isso mesmo
não são livres.

􀂄 Embora a explicação de Stace seja geralmente bem-sucedida, ela não se aplica


satisfatoriamente a alguns casos. Considere os seguintes:

A. Atos livres B. Atos não-livres

5. Uma pessoa abre a janela porque faz Uma pessoa abre a janela por efeito de
calor. sugestão pós-hipnótica.

6. Um membro de uma equipa de Um psicopata explode uma bomba porque


cinema explode uma bomba para ouve vozes que o convenceram a realizar
efeitos de filmagem. essa ação.

􀂄 No exemplo B-5 a pessoa abre a janela porque o hipnotizador lhe disse que meia
hora após ser acordada da hipnose deveria abrir a janela, sem se lembrar de que faz
isso por decisão do hipnotizador (curiosamente, se interrogada, a pessoa submetida a
esse tipo de experiência costuma fornecer uma razão qualquer, como a de que está
sentindo calor). 􀂄 Nesse caso a pessoa realiza a ação voluntariamente, pensando que
o faz por livre e espontânea vontade, embora na verdade o faça seguindo a instrução

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de quem a hipnotizou. No exemplo B-6, o psicopata também age voluntariamente, e o
mesmo poderíamos dizer de casos de fanáticos, de neuróticos e, em geral, de pessoas
presas a valores e padrões de conduta excessivamente rígidos, que sofrem por isso
limitações na capacidade de livre deliberação, apesar de agirem voluntariamente. A
ação livre deve aproximar-se de um ideal de racionalidade plena, o que aqui está longe
de ser o caso.

􀂄 Na minha opinião a diferença mais importante entre os casos apresentados, nas


colunas A e B é que em B, em que a ação não é livre, o agente age sob restrição,
coerção ou limitação externa (exemplos 1, 2, 3 e 5) ou interna (exemplos 4 e 6),
enquanto nos casos da coluna A, em que a ação é livre, o agente age motivado por
razões não-limitadoras ou "plenas". É difícil explicar o que sejam razões não-
limitadoras, mas a ideia é intuitiva: considere a diferença entre as razões de Gandi e as
razões de quem age por sugestão pós-hipnótica, por força de um delírio psicótico ou
de uma crença fanática; mesmo não-admiradores de Gandi admitiriam que as suas
razões são comparativamente menos limitadoras, menos restritivas, mais legítimas.
Admitindo essa distinção de grau entre razões limitadoras e não-limitadoras,
chegamos a uma definição inerentemente negativa da ação livre, que é mais
abrangente do que a de Stace:

A ação livre é aquela em que o agente não é restringido fisicamente, nem coagido na
sua vontade, nem limitado na sua racionalidade ao realizá-la.

Livre-arbítrio versus determinismo

􀂄 O problema do livre-arbítrio versus determinismo surge devido a uma aparente


contradição entre duas ideias plausíveis. A primeira é a ideia de que os seres humanos
têm liberdade para fazer ou não fazer o que queiram (obviamente, dentro de certos
limites ― ninguém acredita que possamos voar apenas por querermos fazê-lo). Esta é
a ideia de que os seres humanos têm vontade livre ― ou livre-arbítrio. A segunda é a
ideia (...) de que tudo o que acontece neste universo é causado, ou determinado, por
acontecimentos ou circunstâncias anteriores. Diz-se de aqueles que aceitam esta ideia
que acreditam no princípio do determinismo e chama-se-lhes deterministas. (De
aqueles que negam esta segunda ideia diz-se que são indeterministas.)
􀂄 Pensa-se frequentemente que estas duas ideias conflituam porque parece que não
podemos ter livre-arbítrio ― as nossas escolhas não podem ser livres ― se são
determinadas por acontecimentos ou circunstâncias anteriores.

Definição dos conceitos nucleares


Determinismo: princípio segundo o qual todo o fenómeno é rigorosamente
determinado por aqueles que o precederam ou acompanham, (leis da natureza: físicas

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e biológicas) ou (plano sobrenatural: vontade de Deus, força do destino) sendo a sua
ocorrência necessária e não dependente da vontade do agente;
Liberdade: é ter a possibilidade de escolher e de decidir o que fazer de nós próprios,
que tipo de pessoa nos propomos construir tendo em conta todos os fatores e
condicionalismos circunstanciais que o contexto vivencial nos proporciona e que são
simultaneamente limitações e desafios;
Liberdade humana: capacidade de autodeterminação, ou seja, a possibilidade e a
necessidade de sermos nós a orientar a nossa ação e, desse modo, a definir e a moldar
a nossa personalidade, tendo em conta as condicionantes da ação;
Causalidade: acontecimento que sucede à cadeia causal;
Finalidade: acontecimento que antecede à cadeia causal.

II.A ação humana e os valores

2. Os valores – Analise e compreensão da experiência valorativa

2.1. Valores e valoração – a questão dos critérios valorativos

Os valores são qualidades que se atribuem aos objetos. Estes orientam a nossa ação,
isto é, a nossa ação é determinada pelos valores; pelo que é considerado justo/injusto;
correto/incorreto pelo sujeito.
Os valores não existem efetivamente nos objetos, ou seja, não são características dos
objetos. Orientam as nossas ações; agimos em função daquilo que gostamos e
achamos correto.
Características dos valores
Os valores são:
􀂄 Subjetivos – quando dependem do sujeito, isto é, dois sujeitos perante um objeto
podem ter opiniões diferentes acerca do mesmo. (Ex.: uma pessoa pode achar o
objeto bonito e outra feio).
􀂄 Não são coisas nem características sensíveis dessas mesmas coisas
􀂄 São hierarquizáveis – não têm todos a mesma importância, cada sujeito tem a sua
própria hierarquia.
􀂄 Existem em pólos opostos – existem valores positivos e valores negativos. (Ex.:
beleza ≠ fealdade).
􀂄 Valor-fim e valores-meio:
 Valor-fim – são aqueles que valem por si mesmo (encontram-se no topo da
hierarquia);
 Valores-meio – são aqueles que nos permitem alcançar o valor-fim.
􀂄 Valores espirituais e valores materiais – produzem prazer sensível
 Valores éticos/morais
 Valores religiosos produzem prazer espiritual

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 Valores estéticos
􀂄 São relativos – variam de época para época; de cultura para cultura, não quer dizer
que uns sejam mais corretos que outros.
􀂄 São perenes – não morrem, apesar da sua subjetividade e da sua relatividade estes
continuarão a determinar a visão que o homem tem do mundo e as suas ações.
Critério Valorativo: Juízos e Factos
􀂄 Facto é o aspeto da realidade, aspeto esse que pode ser descrito de uma forma
objetiva. Quando queremos descrever objetivamente um facto, elaboramos os juízos
de facto.
􀂄 Juízo é enunciado onde se afirma ou nega uma coisa de outra coisa.
􀂄 Os Juízos de facto são proposições onde se descrevem objetivamente os aspetos da
realidade (factos). Descrevem a realidade tal como ela é, fornecendo assim informação
sobre o mundo. São objetivos pois não dependem da perspetiva do sujeito que os
enuncia, dependendo exclusivamente do objeto ou do facto.
􀂄 Pelo facto de eles serem objetivos possuem valor de verdade. Quando o conteúdo
do juízo corresponde verdadeiramente aos factos, é verdadeiro; quando, pelo
contrário, não corresponde, é falso.
􀂄 Os juízos de facto são os únicos que aparecem nas ciências (Ex.: leis científicas)
􀂄 Estes são descritivos, descrevendo certos aspetos da realidade.
􀂄 Os Juízos de valor servem para expressar/traduzir/mostrar a avaliação, positiva ou
negativa, que cada um de nós faz da realidade.
Contrariamente aos juízos de facto que são objetivos, os juízos de valor são subjetivos,
porque dependem exclusivamente da avaliação que cada sujeito faz da realidade.
Ao fazer a sua avaliação, o sujeito pretende influenciar os outros, levando-os a fazer o
mesmo tipo de avaliação de um acontecimento sendo, por isso, parcialmente,
normativos.
􀂄 Assim temos:

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Exemplos:

􀂄 Os juízos morais são os juízos de valor mais discutidos pelos filósofos.


Estas são duas questões importantes sobre a natureza desses juízos:
1. Os juízos morais têm valor de verdade?
2. Se têm valor de verdade, são verdadeiros ou falsos independentemente da
perspetiva de quaisquer sujeitos?
􀂄 As teorias objetivistas respondem afirmativamente a ambas as questões.
􀂄 Vamos examinar apenas teorias que não são objetivistas.

Subjetivismo

􀂄 Subjetivismo: Os juízos morais têm valor de verdade, mas o seu valor de verdade
depende da perspetiva do sujeito que faz o juízo.
􀂄 Existem factos morais, mas estes são subjetivos, pois só dizem respeito às atitudes
de aprovação ou reprovação das pessoas.
Duas razões para ser subjetivista:

􀂄 Se as distinções entre o certo e o errado não forem fruto dos sentimentos de cada
pessoa, então serão imposições exteriores que limitam as possibilidades de ação de
cada indivíduo. O subjetivismo preserva a liberdade individual.
􀂄 Quando percebemos que as distinções entre o certo e o errado dependem dos
sentimentos de cada pessoa e que os sentimentos de uma não são melhores nem
piores que os de outra, tornamo-nos mais capazes de aceitar as ações contrárias às
nossas preferências.
O subjetivismo promove a tolerância entre indivíduos.
Objeções ao subjetivismo:

􀂄 O subjetivismo permite que qualquer juízo moral seja verdadeiro.


Por exemplo, se uma pessoa pensa que devemos torturar inocentes, então para essa
pessoa é verdade que devemos torturar inocentes.
􀂄 O subjetivismo compromete-nos com uma educação moral que consiste apenas em
ensinar que devemos agir de acordo com os nossos sentimentos.

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􀂄 O subjetivismo tira todo o sentido ao debate moral. Torna absurdo qualquer esforço
racional para encontrar os melhores princípios éticos e fundamentá-los perante os
outros.
Para aprofundar esta última objeção, vejamos como o subjetivista entende os casos de
desacordo moral:

􀂄 Se a tradução do subjetivista é correta, então não há qualquer desacordo genuíno


entre o João e a Maria. Mas há um desacordo genuíno entre o João e a Maria. Logo, a
tradução do subjetivista não é correta. (Portanto, o subjetivismo é falso.)

Emotivismo

􀂄 Emotivismo: Os juízos morais são apenas frases em que as pessoas exprimem os


seus sentimentos de aprovação ou reprovação ou tentam suscitar esses mesmos
sentimentos nos outros.
􀂄 Os juízos morais não têm valor de verdade. Não são proposições.
Vantagens do emotivismo sobre o subjetivismo:
􀂄 Não implica que qualquer juízo moral pode ser verdadeiro.
􀂄 Proporciona um modelo mais aceitável da educação moral: esta pode ser vista
como a tentativa de influenciar os sentimentos das crianças de várias maneiras.
􀂄 Não implica que não há desacordos genuínos e, portanto, não exclui totalmente a
possibilidade do debate moral.
Duas objeções emotivismo:
􀂄 Os juízos morais nem sempre estão de acordo com os nossos sentimentos de
aprovação ou reprovação.
􀂄 Os juízos morais nem sempre exprimem emoções.
Definição dos conceitos nucleares
Valor: não é uma propriedade dos objetos em si, mas uma propriedade adquirida por
esse objetos graças à sua relação dom o Homem como ser social, embora os objetos,
para poderem valer, tenham de possuir realmente certas propriedades objetivas.
Juízo de facto: são juízos que descrevem a realidade, sendo por isso considerados
objetivos, verificáveis e suscetíveis de serem considerados verdadeiros ou falsos.
Juízo de valor: Expressam uma apreciação de alguém a respeito de algo, traduzindo
uma opção de natureza emotiva e afetiva; são subjetivos, discutíveis e relativos.

17
II.A ação humana e os valores

2. Os valores – Analise e compreensão da experiência valorativa

2.2. Valores e cultura – a diversidade e o dialogo de culturas

Relativismo moral
􀂄 Relativismo moral: Os juízos morais têm valor de verdade, ou seja, são verdadeiros
ou falsos. Por isso, existem factos morais.
􀂄 A verdade ou falsidade dos juízos morais é sempre relativa a uma determinada
sociedade.
􀂄 Um juízo moral é verdadeiro numa sociedade quando os seus elementos acreditam
que ele é verdadeiro, falso quando acreditam que ele é falso.
􀂄 O certo e o errado, o bem e o mal morais, são convenções estabelecidas dentro de
cada sociedade.
Podemos chamar «relativismo cultural» à ideia de que muitos costumes e práticas que
variam de sociedade para sociedade, como os hábitos alimentares, as cerimónias de
casamento ou o estilo de vestuário, são relativos à cultura: não há uma maneira de
comer, casar ou vestir que seja universalmente melhor do que todas as outras.
O relativista moral estende esta ideia quase trivial à ética. Aplicada à ética, no entanto,
a ideia deixa de ser trivial.

Duas razões para ser relativista moral:


􀂄 O relativismo promove a coesão social. Esta coesão é fundamental para a
sobrevivência da sociedade e assim para o nosso bem-estar.
􀂄 O relativismo promove a tolerância entre sociedades diferentes.
Leva-nos a não ter qualquer impulso violento e destrutivo em relação aos outros povos
e culturas.

Objeções ao relativismo moral:


􀂄 O relativismo moral conduz ao conformismo. Um conformista limita-se a agir de
acordo com as ideias dominantes na sociedade. Na ausência de algum inconformismo,
não pode haver qualquer progresso moral.
􀂄 O relativismo moral só aparentemente promove a tolerância entre culturas
diferentes:

 A afirmação do valor universal da tolerância é incompatível com o relativismo.


 Um relativista teria de aprovar atitudes de extrema intolerância se estas fossem
consideradas boas no interior de uma dada sociedade.

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A teoria dos mandamentos divinos
􀂄 Teoria dos mandamentos divinos: Os juízos morais têm valor de verdade, ou seja,
são verdadeiros ou falsos. Por isso, existem factos morais.
􀂄 A verdade ou falsidade dos juízos morais depende da vontade de
Deus.
􀂄 O certo e o errado, o bem e o mal morais, são convenções estabelecidas por Deus.
O dilema de Êutifron

A relação entre a diversidade cultural, o relativismo e a tolerância


􀂄 Os valores são simultaneamente absolutos e relativos. São absolutos porque
existem em todas as sociedades e porque há valores universalmente aceites, tais como
os valores consignados na Declaração Universal dos Direitos do Homem. São relativos
porque variam as qualidades que têm de possuir para poderem ser consideradas bens.
De facto, todas as sociedades distinguem o bem do mal, considerando o bem um valor
positivo e o mal um valor negativo ou contra valor. Porem, o conceito de bem e de mal
é definido culturalmente; os valores têm um caráter histórico e mudam à medida que
a sociedade e a cultura se transformam (dependem da época, da geografia, dos
regimes políticos, das classes sociais, da cultura, etc.); por outro lado, a par dos valores
universais como o valor da vida ou da liberdade, há valores em que a subjetividade é
predominante, dependendo dos gostos e das preferências pessoais como é o caso dos
valores estéticos, por exemplo.
􀂄 A evolução e progresso social acarretam o aparecimento de novos problemas e
novas mentalidades e a necessária transformação dos valores. Hoje, o relativismo
cultural é um valor positivo e nega-se a existência de padrões axiológicos absolutos.
Isto não significa que não deva haver valores universais a preservar para além desse
relativismo como é o caso do valor da vida e da dignidade da pessoa, qualquer que seja
a sua condição (cultura que adotou, classe social, sexo, religião, cor da pele, etnia,
etc.). A todos os seres humanos, pelo facto de seres humanos, é devida igualdade de

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direitos e de deveres, por isso, não podemos tolerar praticas culturais atentatórias da
dignidade humana e devemos usar todos os meios para garantir o respeito pelos
direitos humanos fundamentais em todos os países do mundo.

Definição dos conceitos nucleares


Absoluto (etnocentrismo): uma tendência para colocar no centro a nossa cultura,
considerando os seus valores e os seus padrões culturais como medida daquilo que é
desejável e estimável para todos.
Relativo (relativismo): aceita que comportamentos socialmente aprovados e os
sistemas de valores dos povos com os quais se entra em contacto sejam julgados e
avaliados sem referencia a padrões absolutos, a necessidade de tolerância pelas
diferenças (raciais, étnicas, religiosas, sexuais) e o valor do respeito mútuo.

Cultura: em sentido amplo, pode ser definida como os aspetos de ordem material e de
ordem espiritual que, em relação com uma sociedade ou grupo, foram adquiridos com
base em formas de vida ancestrais comuns. Pode-se afirmar “Sem homem não há
cultura. Mas sem cultura não há homem.”

II.A ação humana e os valores

3. Dimensões da ação humana e dos valores

3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial

3.1.1. Intenção ética e norma moral

􀂄 Os conceitos de ética e moral são usualmente utilizados indiferentemente, para nos


referirmos a um código ou a um conjunto de princípios que as pessoas seguem na sua
vida.
􀂄 A ética, deriva do grego ethos, que designava os comportamentos habituais, os
costumes, aquilo que permite ao ser humano construir uma segunda natureza,
referindo-se, pois, à sua interioridade.
􀂄 Assim a Ética, mantendo o significado mais próximo daquele que o próprio conceito
grego de ethos, remete mais para uma reflexão acerca dos princípios que devem
orientar a ação humana, para uma fundamentação das normas do agir, e também para
a definição dos fins orientadores da existência de cada um, tendo em vista a
autoconstrução de si na prossecução duma vida boa e feliz. Interroga-se sobre o que
dá sentido ou valor à existência humana. A Ética remete, portanto, para uma sabedoria
de vida, algo que aponta já para uma certa espiritualidade e realização pessoal
autónoma.

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􀂄 A moral utiliza-se hoje para designar o âmbito da formação das normas obrigatórias,
da sua hierarquização e aplicação a casos concretos no interior duma comunidade
humana.
􀂄 Assim a Moral constitui, portanto, um conjunto de imperativos e de interditos,
traduzindo o sentido de obrigatoriedade, o conjunto dos deveres do ser humano, isto
é, uma deontologia, as normas validas no interior de um grupo. Desenvolve-se na
pratica social, no contexto de uma cultura, no seio da qual os valores, os hábitos e os
costume geram as leis ou códigos que definem o que é desejável e o que é permitido
ou proibido, distinguindo o bem do mal. Apresenta-se, portanto, com uma função
normativa, isto é, de institucionalização de normas que regulam a conduta. A Moral
responde-nos, pois, às questões: Que devo fazer? Como é correto agir em tal
circunstância?

􀂄 Apesar desta distinção, quer a Ética quer a Moral são importantes guias da ação
humana, no sentido em que relacionam com uma vida com projetos e ideais a
alcançar. O sentido da palavra «desmoralizado» ajuda-nos a compreender bem,
embora pela negativa, a sua importância: diz-se «desmoralizado» de alguém a que
perdeu a orientação e o interesse pela vida ou pelos seus objetivos. E a Moral e a Ética
apelam exatamente para a realização pessoal do indivíduo. Apesar desta distinção
conceptual, muitos autores continuam a usar os dois conceitos como sinónimos.

Definição dos conceitos nucleares


Ética: (do conceito grego “ethos”) é o domínio da reflexão teórica sobre esses
princípios e normas tendo em vista a sua definição e, sobretudo, a sua justificação
racional. À ética diz ainda respeito a definição dos fins universais que deverão orientar
a ação humana na autoconstrução de cada indivíduo tendo em vista tornar-se pessoa.
A ética pode então ser entendida como fundamentação das normas morais do agir ou
como definição dos fins orientadores da existência de cada um.
Moral: (do latim “mores”) designa o âmbito da formação das normas, da
hierarquização e aplicação a casos concretos, traduzindo o conjunto dos deveres do
ser humano.

II.A ação humana e os valores

3. Dimensões da ação humana e dos valores

3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial

3.1.2. A dimensão pessoal e social da ética – o si mesmo, o outro e as instituições

􀂄 A responsabilidade é a capacidade de responder e prestar contas pelos atos


praticados. A responsabilidade tem duas vertentes: a responsabilidade civil, prestar

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contas pelas consequências perante terceiros, e a responsabilidade moral, prestar
conta perante a nossa consciência pelos atos e intenções dos mesmos.
􀂄 A responsabilidade exige que se assuma esta autoria dos atos praticados; assumir
esta autoria implica uma reflexão prévia que pode e deve conduzir a uma opção livre
de constrangimentos, isto é, autónoma; esta autonomia ou liberdade é condição para
se ser pessoa. A responsabilidade implica maturidade moral.
􀂄 A existência humana é uma existência partilhada, isto é, vivida em coexistência com
os outros ou, dito de outro modo, o ser humano é um ser eminentemente social.
Como nos diz F. Savater «ninguém chega a tornar-se humano se está só: tornamo-nos
humanos uns aos outros».
􀂄 Os Gregos foram os primeiros a salientar a importância desta dimensão social e
politica do ser humano, como é vísivel na definição apresentada por Aristóteles ao
afirmar «o Homem é um animal político; aquele que vive só ou é um deus ou um
louco», sendo por isso que a pena mais cruel infligida a um indivíduo era a condenação
ao ostracismo, isto é, a condenação a viver isolado dos outros.
􀂄 Sendo assim, a dimensão ética implica que não se considerem exclusivamente os
interesses individuais e se avaliem as situações tendo em conta também os interesses
dos outros.
􀂄 A relação eu-outro implica, portanto, que os nossos juízos avaliativos adotem um
ponto de vista no qual considerem igualmente os interesses de todos os que são
afetados pelas nossas ações, isto é, implica que nos coloquemos numa perspetiva de
universalidade do agir. A ação ética exige que ultrapassemos o nosso ponto de vista
pessoal e nos coloquemos, na medida do possível, no lugar do outro (entendendo-se
por outro todos os seres com quem nos relacionamos). Em vez do egoísmo a Ética
valoriza o altruísmo e a solidariedade. Em vez do benefício pessoal, a Ética promove,
elogia e estimula a consideração de valores comuns aos membros duma comunidade.
􀂄 Valorizando os comportamentos comuns, a Ética procura assim promover a
realização da vida social, em que a existência individual ganha sentido na vivência
partilhada com os outros.
􀂄 A relação com os outros coloca-nos perante o desafio da nossa autoconstrução,
evidenciando que a realização de cada um supõe também a realização dos outros,
numa convergência de vontades particulares tendo em vista a realização de fins
comuns. Mas o antagonismo e a conflituosidade entre os interesses individuais nem
sempre se conseguem compatibilizar e, por isso, as diferentes formas de
relacionamento social expressas quer em competição/solidariedade, que em
cooperação/hostilidade, exigem o estabelecimento de regras de conduta, de normas e
leis que definam os direitos e deveres de cada um num espaço de convivência.
􀂄 Esta convivência com os outros não deve ser determinada por uma força instintiva
ou biológica, antes se estabelece no interior duma comunidade, em função de
objetivos, valores e opções livremente definidos por cada sociedade. É esta

22
convergência de ideais que procura dar sentido à existência da sociedade e de cada
indivíduo.
􀂄 Nesta interação social forma-se em cada um de nós uma instância interior de
orientação e de critica do nosso agir, a que chamamos consciência moral.
􀂄 Para podermos compreender melhor a natureza e o papel da consciência moral,
costumamos compará-la a uma espécie de «juiz interior» que julga o que fazemos,
provocando-nos, em certas situações, aquilo a que chamamos remorsos por termos
praticado uma ação considerada má (ter a consciência pesada, ou ter um peso na
consciência), ou dando-nos um sentimento de bem-estar e paz interior quando agimos
bem (estar de consciência tranquila).

􀂄 O conceito de consciência moral inclui, então:


 Um sentido apelativo, para valores e normas ideais a que não devemos renunciar
(uma «bússola» orientadora do sentido da ação);
 Um sentido imperativo (obrigação), que nos ordena uma ação compatível com os
valores que defendemos (index);
 Um sentido judicativo, pois assume-se como instância julgadora dos nossos atos e
das próprias intenções do agente, conforme estão ou não de acordo com os valores
e ideais a que aderimos (judex);
 Um sentido de censura e de remorso, ou de elogio e satisfação, conforme a nossa
vivência obedece ou não aos ideais e valores assumidos (vindex).
􀂄 Embora formando-se e modelando-se no interior do grupo social a que
pertencemos, a consciência moral constitui-se na conjugação de duas orientações:

CONSCIÊNCIA MORAL
 Por um lado, cresce à medida que o  Por outro, amadurece e assume-se
indivíduo interioriza as regras e padrões como uma dimensão pessoal no sentido
do grupo (heteronomia). em que cada um se autodetermina por
princípios racionalmente justificados
(autonomia).

􀂄 Há pois, uma interação entre as estruturas do indivíduo e as influencias do meio


social, uma articulação do querer individual com os padrões sociais, que conduz à
transformação do indivíduo em pessoa.

Noção de pessoa
􀂄 Por pessoa entende-se o individuo humano que:
 Se reconhece como sujeito de direitos e deveres ou obrigações, para consigo mesmo,
para com os outros e para com as instituições;
 Assimilou de forma consciente os ideais e a sua responsabilidade social;

23
 Assume o caráter racional da sua autonomia e, portanto, a capacidade de agir livre e
responsavelmente, isto é, em nome próprio;
 Tem consciência do caráter inter-relacional da sua autonomia, uma vez que
autonomia não significa autossuficiência nem indiferença pelos outros;
 Assume a dignidade como atributo essencial do Homem, dignidade que se expressa
numa exigência perante si mesmo, perante os outros e perante as instituições.
􀂄 Podemos dizer então que ser pessoa exige viver em sociedade, reconhecer e
respeitar princípios universais de relação com os outros, reconhecer-se como sujeito
de direitos e deveres, estar aberto aos outros.
Neste sentido foram fundadas, ao longo dos tempos, instituições políticas e sociais que
visam justamente assegurar ao Homem a possibilidade de se desenvolver como pessoa
e que demonstram a aceitação pelas sociedades da personalidade humana.
Definição dos conceitos nucleares
Responsabilidade: deriva etimologicamente da palavra latina «respondere», que
significa responder pelos atos e ter a obrigação de prestar contas pelos atos
praticados. A responsabilidade pode assumir diferentes formas: responsabilidade civil
– referindo-se ao compromisso de ter de responder perante a autoridade social;
responsabilidade moral – referindo-se à obrigação de responder perante a nossa
própria consciência.

II.A ação humana e os valores

3. Dimensões da ação humana e dos valores

3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial

3.1.3. A necessidade de fundamentação da moral – análise comparativa de duas


perspetivas filosóficas

Ética utilitarista de Stuart Mill (1806-1873 d.C)


􀂄 Filósofo e economista, considerado o mais importante representante do utilitarismo
inglês. Embora mantenha a identificação base do utilitarismo da felicidade com prazer,
Stuart Mill classifica os prazeres segundo um critério qualitativo, considerando em
primeiro lugar a dignidade do Homem, e defende que o fim das nossas ações deve ser
uma utilidade altruísta e não meramente egoísta.

Duas objeções ao utilitarismo

􀂄 O utilitarismo não funciona na prática, pois exige que estejamos sempre a calcular
as consequências das nossas ações.
􀂄 O utilitarismo, como não leva em conta as normas ou regras morais comuns,
predispõe-nos a fazer frequentemente coisas erradas como mentir, roubar ou matar.

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Uma resposta às objeções

O utilitarismo é primariamente uma teoria sobre o que torna as ações certas ou


erradas.
O utilitarismo não é uma teoria sobre como devemos tomar as nossas decisões.

Por isso, o utilitarismo não implica que:


1. Temos de tomar todas as decisões calculando as consequências prováveis dos
nossos atos.
2. Temos de ser indiferentes às normas morais comuns quando decidimos o que fazer.
O utilitarista dirá que se tomássemos todas as decisões calculando as suas
consequências acabaríamos por não promover o bem.
O utilitarista dirá que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisões que,
de uma maneira geral, serão boas.

Dois níveis de pensamento moral


􀂄 Nível intuitivo: Como o nosso conhecimento é muito limitado, tomamos as nossas
decisões quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos, obedecendo às
inclinações do nosso caráter, sem aplicar o princípio utilitarista.
􀂄 Nível crítico: Aplicamos o princípio utilitarista para (1) tomar decisões em situações
em que as regras morais comuns não nos permitem saber o que fazer, (2) avaliar
criticamente essas regras de modo a determinar se elas promovem ou não o bem-
estar.

Duas objeções ao utilitarismo que não afetam as teorias deontológicas:


1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que não são moralmente
obrigatórios. É por isso, em certos aspetos, uma teoria moral demasiado exigente.
2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que não são moralmente
permissíveis. É por isso, noutros aspetos, uma teoria moral demasiado permissiva.

Integridade

A excessiva exigência do utilitarismo ameaça a nossa integridade pessoal: para agir em


conformidade com o utilitarismo, teríamos que abdicar de quase todos os nossos
projetos e compromissos pessoais.

Respeito e direitos
A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos
morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviço do fim
do bem geral.

25
Dois egoísmos
􀂄 Egoísmo psicológico: As pessoas agem sempre apenas em função do seu interesse
pessoal.
􀂄 Egoísmo ético: As pessoas devem agir sempre apenas em função do seu interesse
pessoal.
Somos todos egoístas?
Dois argumentos a favor do egoísmo psicológico:
1. Quando agimos voluntariamente, fazemos sempre aquilo que mais desejamos. Por
isso, somos todos egoístas.
2. Sempre que fazemos bem aos outros, isso dá-nos prazer. Por isso, só fazemos bem
aos outros para sentirmos prazer. Ora, isso é o mesmo que dizer que somos todos
egoístas.
Em ambos os argumentos, a premissa não sustenta a conclusão:
􀂄 Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntários as pessoas se limitam a
fazer aquilo que mais desejam, daí não se segue que todos esses atos sejam egoístas.
􀂄 Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros, isso não quer dizer que a
expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da ação.

Devemos ser egoístas?

Três objeções ao egoísmo ético:


􀂄 O egoísmo ético tira todo o sentido a uma parte importante da ética, que consiste
na atividade de aconselhar e julgar.
􀂄 O egoísmo ético é moralmente inconsistente: não pode ser adotado universalmente.
􀂄 O egoísmo ético derrota-se a si próprio: se uma pessoa optar por agir de forma
egoísta, terá uma vida pior do que teria se não fosse egoísta.

Utilitarismo

J. S. Mill defendeu o princípio utilitarista da maior felicidade: «As ações estão certas
na medida em que tendem a promover a felicidade, erradas na medida em que
tendem a produzir o reverso da felicidade.»

􀂄 O utilitarismo, tal como o egoísmo ético, é uma perspetiva consequencialista.


􀂄 Segundo o consequencialismo, agir moralmente é apenas uma questão de produzir
bons resultados.
􀂄 O egoísta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si
próprio.
􀂄 O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos
aqueles que poderão ser afetados pela sua conduta.

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􀂄 Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de ação é aquele que apresentada
a maior utilidade esperada.
􀂄 Para determinar a utilidade esperada de um curso de ação, temos de pensar nas
suas várias consequências possíveis e na probabilidade de essas consequências se
verificarem.
Hedonismo
Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa?
􀂄 Hedonismo: O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausência de dor.
􀂄 Hedonismo quantitativo de Bentham: Cada um dos diversos prazeres e dores da
vida das pessoas tem um certo valor, que em última análise é determinado apenas
pela duração e intensidade.
􀂄 Hedonismo quantitativo de Mill: Alguns tipos de prazeres são, em virtude da sua
natureza, intrinsecamente superiores a outros. Para vivermos melhor devemos dar
uma forte preferência aos prazeres superiores, recusando-nos a trocá-los por uma
quantidade idêntica ou mesmo maior de prazeres inferiores.
O argumento da máquina de experiências contra o hedonismo:
􀂄 A máquina de experiências é um dispositivo de realidade virtual que proporciona
uma vida insuperavelmente aprazível.
􀂄 Se o hedonismo é verdadeiro, então seria melhor ligarmo-nos para sempre à
máquina de experiências. Mas é melhor não nos ligarmos e continuarmos a ter uma
vida real. Logo, o hedonismo é falso.

Satisfação de preferências
Uma perspetiva alternativa ao hedonismo:
􀂄 O bem-estar consiste unicamente na satisfação dos desejos ou preferências.

Os utilitaristas de preferências defendem esta teoria do bem-estar.


Sustentam que a melhor maneira de agir é maximizar a satisfação das preferências
daqueles que poderão ser afetados pela nossa conduta.

O argumento da maioria fanática contra o utilitarismo de preferências:


􀂄 Uma maioria fanática deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva.
􀂄 Se o utilitarismo de preferências é verdadeiro, seria bom exterminar a minoria
inofensiva. Mas é profundamente errado exterminar minorias inofensivas. Logo, o
utilitarismo de preferências é falso.
Ética deontológica de Kant
Célebre filósofo alemão, um dos mais importantes filósofos da época moderna
europeia. As mais notáveis das suas obras são a Crítica da Razão Pura (sobre
gnoseologia), a Crítica da Razão Prática (sobre ética) e a Crítica da Faculdade de Julgar
(sobre estética).

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Teorias deontológicas
Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontológicas colocando duas questões:
1. O que torna as nossas ações certas ou erradas?
2. Quando é que nossas ações são certas ou erradas?
No que diz respeito à primeira questão, temos estas respostas:
􀂄 Utilitarismo: Apenas as consequências das nossas ações as tornam certas ou
erradas. As nossas ações são certas ou erradas apenas em virtude de promoverem
imparcialmente o bem-estar.
􀂄 Deontologia: Nem só as consequências das nossas ações as tornam certas ou
erradas. Muitas ações são intrinsecamente erradas, ou seja, erradas
independentemente das suas consequências. Podemos dizer, aliás, que todos temos
de respeitar certos deveres que proíbem a realização dessas ações.

No que diz respeito à segunda questão, temos estas respostas:


􀂄 Utilitarismo: Uma ação é certa apenas quando maximiza o bem-estar, ou seja,
quando promove tanto quanto possível o bem-estar. Qualquer ação que não maximize
o bem-estar é errada.
􀂄 Deontologia: Uma ação é errada quando com ela infringimos intencionalmente
algum dos nossos deveres. Qualquer ação que não seja contrária a esses deveres não
tem nada de errado.
Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas:
􀂄 Fidelidade: Mantém as tuas promessas.
􀂄 Reparação: Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito.
􀂄 Gratidão: Retribui fazendo bem àqueles que te fizeram bem.
􀂄 Justiça: Opõe-te às distribuições de felicidade que não estejam de acordo com o
mérito.
􀂄 Desenvolvimento pessoal: Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento.
􀂄 Beneficência: Faz bem aos outros.
􀂄 Não-maleficência: Não prejudiques os outros.

Deontologia
􀂄 É na Fundamentação da Metafísica dos Costumes e na Crítica da Razão Prática, que
Kant procura esclarecer as bases teóricas em que assenta a ação moral.
􀂄 Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant afirma a necessidade de se
estabelecer uma filosofia moral pura, isto é, estabelecida a partir da análise da própria
racionalidade humana e, deste modo, independentemente de tudo o que seja baseado
na experiência. A razão é a autoridade final para a moralidade e esta não pode ter
fundamento, isto é, não pode ser estabelecida e justificada, na observação dos
costumes ou modos habituais e culturais de agir com os humanos. Todas as ações
precisam ser determinadas por um sentido de dever ditado pela razão, e nenhuma

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ação realizada por interesse ou somente por obediência a uma lei exterior ou costume
pode ser considerada como moral. A ação moralmente boa é a que obedece
exclusivamente à lei moral em si mesma. A moral Kantiana é, assim concebida como
independente de todos os impulsos e tendências naturais ou sensíveis e está centrada
sobre a noção de dever e não na noção de virtude e felicidade como em Aristóteles.
􀂄 Kant faz distinção entre o bem e o agradável. O bem é função da lei moral, não deve,
pois, ser determinado antes da lei moral, mas só depois dela e mediante ela.
􀂄 Além disso, para classificar uma ação como moralmente boa não basta observar o
que o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer. Por isso, se diz que a
moral Kantiana é uma moral de intenção. Assim, nada é bom ou mau em si mesmo;
Kant afirma que a única coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo é a
vontade humana.
􀂄 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem não é simplesmente racional.
Ele é, simultaneamente, racional e natural/sensível, espírito e corpo, razão e desejo,
por isso, a vida moral é uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma
obrigação, como uma certa coação, que a sua parte racional terá de exercer sobre a
sua parte sensível. O dever obriga, força-nos a fazer o que talvez não quiséssemos ou
que pelo menos não nos agradaria, porque o homem não é perfeito e sim dual. Assim,
a moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma, uma
lei cuja autoridade não está fora do Homem mas representa a voz da razão, a que o
sujeito moral deve obedecer. Então, para que cumpra integralmente a lei moral, é
preciso que o domínio da vontade livre (vontade não submetida a nenhuma lei a não
ser a sua própria) sobre a vontade psicológica seja cada vez mais íntegro e completo.
Kant chama vontade santa à vontade que dominou por completo toda a influência e
determinação oriunda dos fenómenos concretos, físicos, fisiológicos e psicológicos,
para sujeitá-la à lei moral. 􀂄 Para uma vontade desse tipo não haveria distinção entre
razão e inclinação. Um ser possuído de uma vontade santa agiria sempre da forma que
devia agir e não haveria lugar para o conceito de dever e de obrigação moral, os quais
somente têm sentido e existência porque o Homem é dual, razão e desejo, e estes
encontram-se em oposição. É por isso que o dever nos surge sob a forma de uma
ordem ou de um mandamento – um imperativo categórico (categórico porque ordena
incondicionalmente): “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer
sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”. – Kant
reconhece que esta é apenas uma fórmula e a única regra segura para podermos
agir.

􀂄 Como imperativo categórico, Kant forneceu-nos, na prática, um critério para o agir


moral.
􀂄 Se queres agir moralmente, (isto é, para Kant, racionalmente) – o que aliás tu tens
de fazer – age então de uma maneira realmente universalizável. A universalização das

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nossas máximas (em si subjetivas) é o critério moral. O imperativo categórico afirma a
autonomia da vontade porque fornece o único princípio de todas as leis morais.

A liberdade é condição da moralidade


􀂄 A condição necessária para que seja possível apenas a razão determinar a ação é a
liberdade. A vida moral somente é possível, para Kant, na medida em que a razão
estabeleça, por si só, aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral, o
que só é possível pressupondo que o Homem é um ser dotado de liberdade.
􀂄 As ideias éticas de Kant são um resultado lógico da sua crença na liberdade
fundamental do indivíduo. Esta liberdade não é sinónimo de ausência de leis ou de
anarquia; significa, antes, autogoverno, a liberdade de poder realizar o que a razão
ordena, isto é, obedecer ao imperativo categórico.
􀂄 Poder realizar significa: causar por vontade própria um efeito no mundo, tal como as
causas naturais produzem um efeito na natureza. O homem, neste sentido, é livre,
legislador e membro de uma sociedade ética: é legislador porque é ele que determina
o que deve ser feito, e é membro ou súbdito porque obedece aos deveres que a sua
própria razão fórmula. Neste sentido, ele não tem um preço, mas uma dignidade, e é
por isso que a segunda fórmula do imperativo categórico diz para agirmos de modo a
não tratar jamais a humanidade, em nós ou nos outros, como um meio, mas sempre
como um fim em si. A ética Kantiana é uma ética do respeito à pessoa. A ética Kantiana
é moderna porque confia no homem, na sua razão e na sua liberdade, condena todas
as situações sociais de instrumentalização do Homem (a escravatura, a prostituição, o
trafico de pessoas, etc.) e reconhece à sociedade civil o direito de estabelecer leis
universais que sejam expressão da lei moral racional.

A felicidade não é o bem supremo


􀂄 Kant também reflete sobre a felicidade e a virtude, mas subordina-as ao dever. Para
Kant a felicidade é do domínio do sensível; é um desejo que está presente em todos os
seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente. Ora se a lei
moral tem origem na razão (a condição da sua objetividade e universalidade) e se cada
ser humano não concebe sempre do mesmo modo aquilo que é ser feliz, alcançar a
felicidade não pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificação. A
moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a
virtude são apenas as consequências do esforço humano para praticar atos
moralmente bons. A felicidade de que Kant fala é a da consciência do dever cumprido,
a tranquilidade da boa consciência. Temos obrigação de fazermos tudo para sermos
felizes. A única condição é que tudo o que fizermos possa ser universalizável. Não é a
felicidade a qualquer preço.
􀂄 Ser feliz é, assim, uma aspiração que o homem concretiza através do seu mérito,
mas mesmo que esse aspiração existisse ou a felicidade não fosse concretizável e
atingível através da moralidade, mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigação

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moral ou o dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo
categórico.
Em conclusão de Kant:

Alguns deontologistas, como Kant, pensam que os nossos deveres morais podem ser
inferidos de um princípio ético fundamental.
Outros deontologistas, como Ross, pensam que sabemos por simples intuição quais
são os nossos deveres.

Alguns deontologistas, como Kant, pensam que os nossos deveres são absolutos:
nunca podemos desrespeitá-los.
Outros deontologistas, como Ross, pensam que os nossos deveres são prima facie: por
vezes podemos desrespeitá-los.

Duas distinções
Alguns deontologistas, por oposição aos utilitaristas, atribuem relevância moral às
distinções ato/omissão e intenção/previsão, defendendo o seguinte:
􀂄 Atos e omissões: É pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra. Por
exemplo, é pior matar uma pessoa que deixá-la morrer.
􀂄 Intenção e previsão: É pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que não pretendemos produzir, ainda que saibamos que o mesmo resultará
da nossa conduta. Por exemplo, é pior torturar alguém que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral.

Quadro síntese da Ética utilitarista de Stuart Mill e a Ética deontológica de Kant


Fundamentação da Moral
Kant (deontológica) Stuart Mill (utilitarista)
 A felicidade é algo exterior à razão, é  O valor moral das ações está nas suas
subjetiva; consequências e nos seus efeitos
 A ação moral tem por base a boa práticos;
vontade;  Bem é aquilo que trouxer mais
 Só as ações por dever têm valor moral; felicidade global;
 As ações por dever impõem-se-nos pelo  O utilitarismo adota um relativismo
imperativo categórico; ético face à perca de critérios absolutos
 O imperativo categórico, ao impor leis e universais;
universais, constitui o fundamento da  O utilitarismo é um reflexo da
autonomia humana; tecnicização da produção e da
 O agir moral autónomo confere-nos sociedade pós – moderna.
dignidade.

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