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ANOS
PAULUS
Mutações culturais
novembro-dezembro de 2014 – ano 55 – número 299
e evangelização
03
Um novo “fundamento
antropológico” para a
teologia, a pastoral e a
espiritualidade
Pe. Nicolau João Bakker, svd
13
Evangelização,
educação
e universidade hoje
Pe. Johan Konings, sj
23
Catequese com jovens:
desafios e esperanças
Solange Maria do Carmo
João Ferreira Júnior, ofmCap
33
Roteiros homiléticos
Celso Loraschi
Em busca de
uma nova catequese
COM INSPIRAÇÃO CATECUMENAL
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Um novo “fundamento
antropológico” para a teologia,
a pastoral e a espiritualidade
Pe. Nicolau João Bakker, svd*
em Filosofia, Teologia e Ciências Sociais. Atuou sempre na A qual ponto o relato dá grande destaque?
pastoral prática, tanto rural quanto urbana. Foi educador
no Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de
Sem dúvida, cabe um lugar central à posição
•
Campo Limpo (SP). Lecionou Teologia Pastoral no Itesp que o ser humano ocupa em meio a todas as
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(SP). Atualmente, atua na pastoral paroquial em Diadema demais criaturas. Ressoam com solenidade as
(SP). Além de cartilhas populares, publicou artigos
pastorais diversos na REB, na Vida Pastoral e na Grande palavras de Gn 1,27: “Deus criou o homem à
•
Vida Pastoral
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mem e mulher ele os criou”. O Criador dá uma co”: o ser humano é “imagem de Deus” por
atenção toda especial ao primeiro casal: insu- ser uma criatura de natureza racional, mas
fla-lhes nas narinas o “hálito da vida” (2,7) e trata-se de uma natureza “decaída”, pois,
dá-lhes grandes responsabilidades, entre as pelo pecado, a natureza humana vive num
quais “dar nomes” (2,19) aos animais da terra estado permanente de obscurecimento que
e aos pássaros do céu, além de “cultivar e guar- só pode ser vencido pela graça de Deus.
dar o jardim de Éden” (2,15). Infelizmente, diz Quando falamos de fundamento “antro-
o texto, “Deus os expulsou do jardim de Éden” po-lógico” – ser humano, em grego, é “an-
(3,23) porque não agiram de acordo com sua thropos” –, falamos, concretamente, do
responsabilidade. “modo de conceber” o ser humano. No de-
Esse grande destaque dado pela Bíblia ao correr dos séculos, a Igreja fala do ser huma-
ser humano recebeu imenso reforço da cultura no, preferencialmente, como imagem de
grega. Muito antes de Jesus, os filósofos gre- Deus, e os filósofos laicos ressaltam, prefe-
gos, especialmente Aristóteles rencialmente, a natureza racio-
(†322 a.C.), já tinham coloca- “A biologia evolutiva nal do ser humano. Mas mes-
do o ser humano no topo de mo quando nossos teólogos e
todos os seres existentes, defi- mostra que é a místicos apresentam o ser hu-
nindo-o como “animal racio- mente que faz a mano como imagem de Deus,
nal”. Para os gregos, apenas a quase sempre o fazem basean-
razão humana elevava o ser
cultura, sim, mas é do-se em santo Anselmo
humano acima das coisas me- igualmente a cultura (†1109) e são Tomás de Aqui-
ramente materiais. Quando os
que faz a mente.” no (†1174), que deram grande
primeiros cristãos foram ex- destaque à razão como impor-
pulsos das sinagogas judaicas e tante instrumento de apoio à
começaram a formar suas próprias comunida- fé. Os filósofos laicos da Modernidade deixa-
des cristãs, foi este o caldo de cultura encon- rão a fé de lado e seguirão o caminho trilhado
trado. Muitas vertentes da época manifesta- por Descartes (†1650). Para este, apenas a
vam até desprezo pelo corpo. Os gnósticos e razão, por ser não material, eleva o ser huma-
os maniqueístas, por exemplo, fizeram uma no acima das coisas materiais. Apenas a razão
separação radical entre matéria e espírito, cor- faz do ser humano um “sujeito”, e todo o res-
po e alma, valorizando apenas o espiritual. to é “objeto”, que só será conhecido quando
Para se fazerem entender, os “Santos Pa- submetido a uma análise racional rigorosa.
dres”, as lideranças cristãs mais fortes da Por esse fundamento antropológico, o ser
Igreja primitiva, usaram a linguagem do seu humano se tornou um ser isolado de tudo,
tempo. Sempre é assim: o modo de pensar, inteiramente acima – e até “dono” – do res-
em cada época, tem seu próprio modo de fa- tante da natureza.
lar. Os primeiros tratados teológicos, os pri- Determinado modo de conceber se tra-
meiros movimentos espirituais, como tam- duz em determinado modo de agir. O funda-
bém a primeira ação pastoral da Igreja, todos, mento antropológico que, de forma muito
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em conjunto, manifestam grande estima pelo rudimentar, esboçamos acima criou, de fato,
espiritual e certo desprezo pelo corpo e pelas não apenas o mundo que temos, mas tam-
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coisas materiais. De modo particular, santo bém a Igreja que conhecemos, com sua teolo-
Agostinho (†430) colaborou muito para sa- gia, sua espiritualidade e sua ação pastoral
cramentar de vez o que podemos definir
•
como “o primeiro fundamento antropológi- cia, ouvimos dizer que o mundo está em cri-
4
se, como também a própria Igreja. O que está
acontecendo? Acontece que exatamente esse Coleção Creio na Alegria
antigo fundamento antropológico do crer e Sandra Regina de Sousa e Tania Ferreira Pulier
do agir está mudando radicalmente, e, com
feições cada vez mais claras, está surgindo
um novo. O objetivo deste artigo é trazê-lo à
tona, e isso para evitar que nossa Igreja se
transforme, como observava Jesus, na “fi-
gueira seca” (Lc 22,29-33), deixando de pro-
duzir frutos.
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alguns bilhões de anos, a vida foi evoluindo em apenas uma hora, nossa espécie sapiens
sobre a face da Terra, tornando-se cada vez surgiu agora, nos últimos segundos do últi-
mais complexa até desenvolver o cérebro hu- mo minuto!
mano, que, sem dúvida, é a estrutura mais Esse ser maravilhoso que imaginamos
complexa que podemos encontrar. A rigor, que somos não foi colocado por Deus no pa-
portanto (e isso para quem tem fé), não ape- raíso do jeito que a Bíblia sugere. Na verda-
nas o ser humano é imagem de Deus, mas de, somos descendentes do gênero Homo,
qualquer ser vivo, por mais insignificante seres muito parecidos conosco que viviam
que (aparentemente) possa parecer. Na histó- na Terra entre 500 mil e 150 mil anos atrás.
ria da Igreja, os místicos, mais intuitivos, en- Todos esses diferentes gêneros foram extin-
tenderam isso bem melhor do que nossos tos. Um deles, o Homo erectus – isto é, “o
1
teólogos, mais racionais. Veja-se o exemplo que anda de pé” –, foi, provavelmente, nos-
de são Francisco de Assis. so parente mais próximo. Porém, se nosso
Mas como deixar isso cérebro atual mede 1.500 cm3,
mais palatável, uma vez que a “Usando a linguagem o do Homo erectus tinha ape-
grande maioria das lideran- da fé, mas respeitando nas 1.100 cm3. Com o passar
ças eclesiais, religiosas ou lei- do tempo, o cérebro humano
gas teve pouca ou nenhuma
os dados da ciência, foi evoluindo mais, tornando-
formação nesse campo das devemos dizer que -se mais complexo e integran-
ciências? De fato, é mais do do novas habilidades.
Deus fez tudo isso
que urgente incluir o item E esses companheiros do
“concepção de vida” na pauta de modo ainda mais Homo erectus, de onde vieram?
da formação permanente (te- maravilhoso.” Não há dúvida. Todos foram
ológica e espiritual) das nos- descendentes da família dos ho-
sas lideranças e do povo cristão em geral. minídeos, os tais macacos-homens ou homens-
Para vir ao encontro dessa necessidade ur- -macacos, de diversos tipos (sempre bípedes),
gente, tracemos o desenvolvimento do cére- que habitavam a Terra desde 4 milhões de anos
bro humano – ou da racionalidade – nos atrás. Seus cérebros eram bem menores. Mes-
últimos 750 milhões de anos. mo assim, esses nossos parentes foram suficien-
Não há discussão a respeito. Dizem, to- temente espertos para inventar a pedra lascada
dos os entendidos, que nós, os atuais seres e, uns 750 mil anos atrás, descobriram o fogo.
humanos, pertencemos à espécie sapiens. Já aparecem melhores estratégias de caça coleti-
Com nosso cérebro superdesenvolvido, o va, linguagem mais apurada e muito maior afe-
planeta Terra viu surgir uma diversidade ex- to familiar, especialmente entre mãe e filhos,
tremamente rica de culturas, um desenvol- fruto de um processo de criação muito longo.
vimento tecnológico que parece não ter li- E esses hominídeos, de onde vieram? Se-
mite e um conhecimento vasto e profundo guramente, não de extraterrestres. Sempre
de quase todos os segredos da natureza e do trilhando o caminho silencioso da seleção
universo. Mas esse nosso supercérebro é natural (com base nas mutações genéticas),
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muito recente. Comprimindo todo o tempo como descobriu o grande naturalista Charles
do desenvolvimento da vida sobre a Terra Darwin (†1882), os hominídeos são todos
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gigantesco – que, há 65 milhões de anos, ex- 2. Consequências teológicas do novo
tinguiu da Terra os dinossauros e, com eles, fundamento antropológico
11% de todas as formas vivas do nosso pla-
Algumas questões-chave das indagações
neta. Partilhamos com os primatas não ape-
teológicas atuais têm relação direta com o
nas um cérebro, mas também muitas outras
novo fundamento antropológico acima esbo-
características, como olhos mais centraliza-
dos e polegares oponíveis, que nos ajudam çado. Vejamos algumas.
muito a viver melhor.
É este o novo fundamento antropológi- 2.1. Fim das certezas dogmáticas e
co: nossa “alma” não veio do céu, mas da início do diálogo cultural
terra. Deus não nos deu a alma num mo- A evolução biológica e a evolução cultural
mento mágico, insuflando-a para dentro do não percorrem caminhos paralelos. Na verda-
nosso corpo, como sugere o relato do paraí- de, estão profundamente inter-relacionadas.
so, nem no momento da concepção, como Desmoronou-se o antigo paradigma que opu-
ainda reza a fé cristã. Usando a linguagem nha natureza a cultura. Isso é evidenciado pe-
da fé, mas respeitando os dados da ciência, las novas ciências. Durante alguns milênios,
devemos dizer que Deus fez tudo isso de como vimos acima, existia uma fé quase cega
modo ainda mais maravilhoso. Deus permi- na “superioridade” absoluta, quase divina, da
tiu que a Vida fluísse, em primeiro lugar, do razão. A Modernidade aprofundou ainda mais
próprio universo, quando este, 4,5 bilhões essa concepção quando, com Descartes, fez
de anos atrás, gerou a Terra, e depois, das uma separação radical entre a “res cogitans” (o
entranhas da Terra, sempre adaptada às cir- eu que pensa) e a “res extensa” (a coisa pensa-
cunstâncias, Deus fez a Vida fluir, de forma da). Impôs-se, dessa forma, a “antropologia
auto-organizativa e com inimaginável diver- cultural”: tanto a Igreja quanto a ciência, cada
sidade e criatividade. uma a seu modo, habituaram-se a conceber e
Durante dois bilhões de anos, a vida uni- valorizar o ser humano apenas levando em
celular e depois pluricelular (bactérias e pro- conta sua perspectiva racional/cultural.
tistas) venceu – não sem inúmeros reveses – A biologia evolutiva mostra que é a
todos os desafios de um meio ambiente em mente que faz a cultura, sim, mas é igual-
constante transformação, estabilizando a at- mente a cultura que faz a mente. Cérebro e
mosfera terrestre e inventando todas as tecno- cultura se desenvolveram juntos, em mútua
logias biológicas que ainda hoje nos permitem relação. Cultura e genética se influenciam
viver, entre as quais a obtenção de energia por mutuamente. O grande cérebro nasceu com
meio da fermentação, da fotossíntese (nas base na complexidade cultural crescente e
plantas que comemos) e da respiração aeróbia. não vice-versa, como sempre se pensou. No
Nossa carga genética e nosso metabolismo decorrer do longo processo de hominização,
atuais ainda revelam, com perfeição, o apren- os agrupamentos “humanos” se viram, per-
dizado desses bilhões de anos. E quando as manentemente, inseridos em um meio am-
condições o permitiram, a vida animal surgiu. biente muito hostil e diante de crescente
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70% do cérebro já desenvolvido; o ser hu- não está na sua certeza doutrinal, mas na
mano, apenas com 23%, o que prolonga imensa riqueza de sua tradição espiritual.
enormemente o tempo de infância e adoles- Sem o “mito da superioridade”, como nos
cência. Surge, desse modo, nova “cultura lembrou o teólogo americano Paul F. Knitter,
familiar” e, concomitantemente, regressa o é essa riqueza que justifica a nossa universa-
comportamento inato ou genético. Um cére- lidade e unicidade, tão enfaticamente defen-
bro maior gera novas competências linguís- didas pela Congregação para a Doutrina da
ticas, lógicas e inventivas, e essa crescente Fé na declaração Dominus Iesus (2000). Todas
complexidade cultural, por sua vez, age so- as tradições religiosas do mundo perfazem o
bre as bases filogenéticas, favorecendo mu- mesmo caminho: buscar sentido e construir
tações que aumentam as potencialidades do Vida em meio às ambiguidades da realidade
cérebro. Novos hábitos se tornam estruturas ambiental e sociocultural. O diálogo se im-
inatas, passando para a herança genética e põe, com respeito e humildade, mas também
recalcando os comportamen- sem falsa modéstia. Temos
tos estereotipados. A cada “Essa religião muito a oferecer. Felizmente,
passo diminui-se a depen- ‘reparadora’ não é embora ainda com as suspeitas
dência generalizada do meio de Roma, nossa teologia, nas
ambiente e aumenta-se a
uma fantasia, mas a últimas décadas, tem feito
complexidade social a ser herança sagrada que grandes avanços nessa direção.
transmitida culturalmente de
faz parte da essência
pais para filhos. Para muitos, 2.2. A “função
esse processo de hominiza- da própria Vida.” reparadora” da religião
ção ainda não terminou. A Numa máquina, qualquer
interação entre cultura e cérebro continua, desordem nas engrenagens a faz parar. Num
e, ao que parece, sem direção definida. ser vivo, é o contrário: da desordem se faz
A Igreja (católica) construiu suas certe- ordem. Já dissemos que vida é auto-organiza-
zas dogmáticas vendo no ser humano, dota- ção. Bom exemplo disso encontramos nos
do de razão, a imagem e semelhança de primeiros passos da vida sobre a face da Ter-
Deus. Um ser humano capacitado para en- ra. Há aproximadamente 3,5 bilhões de anos,
tender a Revelação divina, mas sujeito a a atmosfera terrestre era totalmente diferente
uma autoridade eclesiástica que garante a da atual. Não existia oxigênio nem camada
veracidade desse entendimento. A ciência de ozônio. Os primeiros códigos genéticos
também acreditou na total superioridade da em fase de formação sofreram o impacto vio-
razão para construir suas próprias certezas. lento da radiação ultravioleta do sol que ain-
O novo fundamento antropológico veio da incidia diretamente sobre a terra. Fre-
mostrar que nem a Igreja recebeu as verda- quentemente, os genes se danificavam. O
des prontas do céu nem a ciência construiu próprio processo bioquímico auto-organiza-
suas certezas com o recurso exclusivo da ra- tivo dentro do código genético reagiu à de-
zão. Tudo foi fruto de longo e penoso pro- sordem, inventando as “enzimas reparado-
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cesso de aprendizagem cultural, deslancha- ras”, até hoje presentes, e muito importantes,
do desde o início pelo imperativo máximo em qualquer processo vital.
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nasce a Igreja do diálogo. A força da Igreja já herança dos nossos antepassados reptílicos, o
8
mesocéfalo, herança dos nossos primeiros pa- Muitos darwinistas convictos, especial-
rentes mamíferos, e o neocéfalo, herança dos mente entre os atuais militantes ateus, veem a
mamíferos superiores e dos primatas que evo- religião como fruto do mundo imaginário aci-
luiu para a grande massa neocortical do sa- ma mencionado. Uma fantasia. Quem observa
piens. São agora 1.500 cm3 de bilhões e bi- a religião “de fora”, apenas racionalmente,
lhões de neurônios, e trilhões e trilhões de si- pode facilmente chegar a essa conclusão. A re-
napses, com grande capacidade de intercone- ligião serviu – e ainda serve –, de fato, para os
xões em todas as direções. Embora frágil e mais deploráveis desvios. Mas para quem olha
instável, podendo ser ofuscado (por exemplo, a religião “de dentro”, ou na perspectiva de
pelos impulsos afetivos), o córtex superior do uma real experiência mística, o mundo da
nosso cérebro exerce enorme influência sobre imaginação cede lugar a fortíssima realidade.
nosso pensar e agir, interrompendo a vivência No fundo daquilo que chamamos “alma” – e
natural harmônica com o meio ambiente. onde repousa, acreditamos, o próprio Espírito
Surgiu o que os antropólogos chamam de Deus –, o ser humano encontra energias
de “brecha antropológica”: a consciência jamais imaginadas. Todas as pessoas religiosas,
subjetiva (que confunde o real com o imagi- de qualquer religião, usam essas energias para
nário) pode sobrepor-se inteiramente à pôr “ordem” na desordem. Nós, cristãos, so-
consciência objetiva (que compreende o mos privilegiados porque nossa tradição reli-
real). Não existe qualquer dispositivo na giosa é riquíssima e acreditamos que, em Je-
consciência que diferencie a verdadeira sus, Deus nos mostrou um exemplo perfeito.
consciência da falsa. Da mesma forma que Em certo sentido, a religião é como a enzima
não existe qualquer dispositivo interno no reparadora à qual nos referimos. Ela nos liga
cérebro que diferencie a visão alucinatória (ou re-liga) ao Deus em que cremos, à nature-
da percepção visual real. Como o pensamen- za que nos gerou e que continuará nos ampa-
to, também o comportamento humano pode rando se soubermos respeitá-la e nos liga no-
desligar-se inteiramente dos padrões genéti- vamente aos nossos irmãos e irmãs, restabele-
cos. Na vida humana, ordem e desordem cendo a ordem cada vez que fazemos alguma
convivem em tensão permanente. Os inces- desordem. Essa religião “reparadora” não é
santes desafios ambientais e a crescente uma fantasia, mas a herança sagrada que faz
complexidade sociocultural exigiram um parte da essência da própria Vida.
novo cérebro muito mais criativo. E ele veio.
Surgiu assim um novo ser humano. Um
3. Consequências pastorais do novo
ser com novas aptidões e necessidades psi-
fundamento antropológico
coafetivas, que agora ri quando as coisas
dão certo e chora quando contrariado. Um O novo fundamento antropológico põe
ser cujo eros já não está circunscrito à época em nova perspectiva quase toda a ação pasto-
do cio, como nos primatas, mas pervaga o ral da Igreja. O limitado espaço deste artigo
corpo todo o tempo todo. Um ser que se nos obriga a ser sucintos, mas vejamos al-
pergunta de onde vem e para onde vai, que guns exemplos.
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quando o mundo acordou para a questão, a níveis (células, organismos, ecossistemas); 4) a
Igreja continuou dormindo o sono dos justos. Vida na Terra depende basicamente da “ener-
Com base no fundamento antigo, para a Igre- gia solar”, transformada em energia química
ja, o que importava era a alma, não o corpo. pela fotossíntese, que sustenta todos os ciclos
“Salva tua alma!”, proclamava-se dos púlpitos. ecológicos; 5) a Vida sobrevive graças à “diver-
A espiritualidade dos primeiros séculos se vol- sidade” (biológica e cultural), pois é ela que
tava prioritariamente para o “outro mundo”. permite a recuperação das desordens e dese-
Depois veio a “fuga do mundo”. A teologia da quilíbrios naturais e culturais; 6) existe um
Igreja, durante 2 mil anos, priorizou a vida do “equilíbrio dinâmico” na Vida, pois os inúme-
espírito, a razão e a doutrina. Até hoje nossa ros elos de realimentação na rede lhe permi-
catequese visa, basicamente, a um indivíduo tem recuperar a estabilidade quando ocorrem
desligado de seu meio ambiente. No novo desordens e flutuações.
fundamento antropológico,
esse indivíduo não existe. Não “Não é possível 3.2. A recuperação
é possível salvar a alma sem o salvar a alma pastoral do corpo
corpo, ou o indivíduo sem seu Ainda em 1958, nós, novi-
sem o corpo, ou ços devotos, recebemos do
contexto sociocultural. Nem se
salva a sociedade descuidando o indivíduo sem nosso mestre espiritual um pe-
do meio ambiente. Está tudo queno “flagelo” para castigar o
seu contexto
irremediavelmente interligado nosso corpo a fim de preservá-
e interdependente. sociocultural.” -lo de todas as tentações deste
Nas escolas, o meio am- mundo. Mas já não víamos
biente já está na agenda; na Igreja, ainda não. sentido nisso, a proposta já não
Criamos analfabetos ecológicos. Do ponto de “pegava”. O novo fundamento antropológico
vista da “salvação”, trata-se de verdadeiro desas- já mostrava sua cara. Neste, o corpo (desva-
tre pastoral. Atenção! Para nós, não basta ensi- lorizado) já não é separado da alma (superva-
nar ecologia simplesmente. Importa anunciar o lorizada). A alma, se quisermos continuar
Evangelho da Vida, em todos os momentos da falando dela, continua importante, mas como
nossa catequese e evangelização. Para dar Vida dimensão específica do corpo. Acima falamos
plena, ou abundante (cf. Jo 10,10), ao ser hu- da “brecha antropológica”, isto é, da capaci-
mano, precisamos preservar a Vida como ela é: dade da mente de entrar, com muita facilida-
fruto e dependente da natureza, e preservada de, no mundo da imaginação, da fantasia.
apenas em fidelidade a ela. Com a secular sobrevalorização da mente, a
As renovadas teologias da criação e da sal- teologia da Igreja (sem grande sucesso no
vação, unidas, apresentam-nos a “cartilha da meio popular!) elaborou doutrinas pouco
alfabetização ecológica” que estava faltando. simpáticas ao corpo. Mas é exatamente o cor-
Ela, seguindo uma sugestão de Fritjof Capra, po que faz a alma cantar ou chorar! Se o cor-
pode ser resumida em seis pontos: 1) a “Teia po não é tocado, a alma não canta. É um ins-
da Vida” (que Deus criou) é uma “rede” onde trumento só.
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deixar lixo, pois tudo é “reciclado”, e a morte vestiu a camisa nem do capitalismo nem do
é apenas uma dimensão da Vida; 3) a Vida não socialismo. Apenas o progresso espiritual in-
teressava. O espírito, porém, não precisa de
•
há uma cooperação generalizada em todos os pão, o corpo sim. Apenas o novo fundamen-
10
to antropológico que une corpo e mente per- muitos sentidos, podemos identificá-la com o
mitiu à Igreja descobrir a importância da so- próprio Deus, mas aí já é uma questão de fé e
brevivência corporal. Do pão e do corpo. A não de ciência. Todas as proibições morais tra-
nova pastoral se alimenta das teologias do dicionais da Igreja, à luz do novo fundamento
corpo: corpo faminto (teologia da liberta- antropológico, recebem novo olhar, de grande
ção), corpo sexuado (teologia do gênero), alcance prático. Permanece, e até se reforça, a
corpo não discriminado (teologia afro), cor- intransigência em defesa da Vida, mas não se
po preservado (ecoteologia) etc. Há mais: trata de defender apenas uma presumida alma
uma pastoral que esquece o corpo (na sua eterna desligada do corpo. Entram em cena,
realidade individual, social e ambiental) não também, as psicoafetividades da pessoa hu-
condiz com Jesus Cristo. Esquece a boa-no- mana, as exigências da vida em sociedade e a
va do Reino. incondicional necessidade de preservar a Vida
Por receio de romper com uma tradição no planeta Terra.
muito sagrada, o magistério da Igreja e mui-
tas lideranças eclesiais bem-intencionadas 3.3. Novo enfoque para a pastoral
costumam defender a Vida com base no en- sociotransformadora
foque da “alma eterna”, vinda diretamente de Edgar Morin,2 um dos mais eminentes
Deus, a qual habitaria nosso corpo. Esse antropólogos da atualidade, em seu livro Ter-
modo de pensar fica patente na intransigên- ra-Pátria (Ed. Sulina, 2005), lamenta o que
cia da Igreja com relação ao aborto, à prática considera um equívoco das religiões e ideo-
homossexual, ao sexo fora do casamento, à logias tradicionais que ofereceram ou uma
proibição dos meios anticoncepcionais, à eu- salvação celeste (os cristianismos tradicio-
tanásia e a muitas outras questões ligadas ao nais), ou uma salvação terrestre (as esquerdas
nosso corpo. Tudo entra na lista das graves tradicionais), ambas inexistentes, na opinião
proibições porque seria contra a “natureza do autor. Com base na nova concepção an-
humana”. Na concepção do mais influente tropológica, ele propõe (sem ironia) o “Evan-
teólogo do passado, são Tomás de Aquino gelho (não da Salvação, mas) da Perdição”
(†1274), cada criatura deve comportar-se de (cap. 8). Ninguém pede para nascer nem
acordo com sua “lei natural”, isto é, a lei que para morrer. A Vida na Terra evolui sem
corresponde à sua natureza, criada por Deus, rumo definido e, inexoravelmente, terminará
e que o ser humano pode conhecer quando quando se esgotar o atual ciclo de energia do
faz bom uso da razão. Sol. Estamos, portanto, “perdidos”. Ainda as-
São Tomás, como as demais lideranças re- sim, ele diz, não se trata de uma marcha para
ligiosas da época, estava preso ao fundamento o abatedouro. Ideias-guia são bem-vindas, e
antropológico do seu tempo. Não há o que viver bem vale a pena. Finalizando seu racio-
criticar. Todas as nossas concepções têm sem- cínio, o autor se pergunta: “Será que não se
pre o colorido do tempo em que vivemos. A poderia degelar a enorme quantidade de
concepção antropológica do nosso tempo, po- amor petrificado em religiões e abstrações,
rém, é muito diferente da de são Tomás. A voltá-lo não mais ao imortal, mas ao mor-
nº- 299
mente é tão corpo quanto o restante do corpo. tal?... O apelo da fraternidade não se encerra
É a aptidão do corpo – de qualquer corpo vivo numa raça, numa classe, numa elite, numa
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ano 55
– de relacionar-se com seu meio (ambiental e nação... Mas por que evocar a palavra reli-
sociocultural) e perceber o que constitui uma
2 Para o embasamento deste artigo, usamos em parte o
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11
gião? Porque temos necessidade para levar se organiza com base numa nova energia:
adiante a hominização...” (p. 172). significados! Não significados impostos de
Morin não acredita em religiões, mas fora, por alguma hierarquia ou doutrina.
leva muito a sério a religiosidade. Do ponto Não se controla um ser humano como se
de vista da ciência, não existe nem objetivo, controla uma máquina. Entre milhares de
nem projeto, nem planejamento na natureza significados oferecidos, ele seleciona auto-
(não consciente). Para Morin, isso não signi- nomamente o que lhe parecer melhor. Mas,
fica que a vida seja arbitrária e sem sentido, como vimos, sua mente é, digamos, um tan-
como afirma a escola mecanicista do neodar to “ilusória”. Se de todos os lados (direita,
winismo. Sobretudo a vida social (conscien- esquerda, sindicatos, movimentos) vem
te) depende em grande parte dos significa- como único significado importante o ter, o
dos oferecidos. E aí entra um novo enfoque consumir, o desfrutar etc., sua consciência
para a pastoral social. Em qualquer nível imaginária pode facilmente perder de vista o
(célula, órgão ou organismo), a vida biológi- próprio fundamento antropológico que an-
ca sobrevive graças à recepção de perma- seia por Vida plena (integrada). Cabe à pas-
nente fluxo de energia (basicamente, oxigê- toral social da Igreja lembrar ao ser humano
nio, água e insumos). A Vida lida com esse (e aos governantes!) que o objetivo da Vida
aporte de energia de forma autônoma ou não é simplesmente “ter”, mas, tendo o ne-
auto-organizativa. cessário, relacionar-se saudavelmente (em
A vida social do ser humano consciente redes ecossociais) e “ser”.
Liturgia diária
O periódico LITURGIA DIÁRIA facilita o contato com a Palavra
de Deus na liturgia e na leitura pessoal; favorece uma melhor
assimilação e compreensão da liturgia da missa.
de assinaturas da Paulus:
ano 55
12
Evangelização, educação
e universidade hoje
Pe. Johan Konings, sj*
Lovaina. Atualmente, é professor de Exegese Bíblica na Oriente, viviam ainda a Guerra Fria, mas havia
Faje (BH). Entre outras obras, publicou: Descobrir a Bíblia sinais de descongelamento. As forças políticas
a partir da liturgia; Evangelho segundo João: amor e
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13
Ásia e na África. Esse otimismo constituiu o mas sobretudo nos países economicamente
pano de fundo para a encíclica Mater et Magis- fracos, tomou ares de capitalismo selvagem.
tra, de João XXIII, para a constituição Gau- O mundo sonhado como grande confraterni-
dium et Spes, do Concílio Vaticano II, e depois zação mostrou-se esfacelado. Forças margi-
para a encíclica Populorum Progressio, de Paulo nais apareceram no primeiro plano: o terro-
VI. Sonhava-se com um mundo baseado na rismo internacional, o narcotráfico, aliando-
força do trabalho justamente remunerado, -se amiúde a movimentos políticos regionais.
com aprimoradas leis trabalhistas, com efi- As oposições que, no fim do século passado,
cientes políticas e instituições sociais, como se pareciam amainar-se recrudesceram – por
reflete na Laborem Exercens, de João Paulo II. vezes, com a ajuda do fundamentalismo reli-
Acreditava-se num mundo organizado demo- gioso. E, então, o capital desregrado provo-
craticamente e comprometido com a paz in- cou a crise...
ternacional. Fenômenos destoantes, como as
ditaduras latino-americanas, 1.2. Em nível micro
eram considerados obstáculos “Os valores Falamos anteriormente do
passageiros ou fase inerente à tradicionalmente aspecto sociopolítico “macro”.
dialética histórica. Mas havia Mais importante, talvez, seja
quem duvidasse. Os ecologis-
prezados esvaziaram- aquilo que pouco aparece nas
tas começavam a lançar suas se com a cumplicidade manchetes dos jornais: o aspec-
advertências. O paraíso técni- dos agentes to humano, cultural. Num
co-industrial socialista ou so- modo bem diferente do que
cial-democrata teria de en- educadores da previa a utopia marxista, está
frentar, logo mais, as graves sociedade, entre os surgindo um “homem novo”,
dificuldades que já se anun- novo paradigma, nova constela-
ciavam a partir da primeira quais estão os meios ção de valores. A revolução ci-
crise do petróleo. Não só as de comunicação.” bernética modificou profunda-
matérias-primas, mas o pró- mente as relações humanas e a
prio ambiente natural começava a dar sinais percepção do mundo. As novas
de esgotamento... gerações nasceram num mundo em que tudo
E sem que a grande maioria o percebesse, está à mostra e à venda e em que tudo parece
estava-se criando nova estrutura, que se reve- possível e adquirível... virtualmente, enquan-
lava na explosão dos meios de comunicação to, de fato, tudo está mais engessado do que
de massa, na mundialização das imagens pela nunca. As relações sociais e psicoafetivas –
televisão, na aparição dos computadores pes- amizade, família, namoro – sofrem a concor-
soais, na aceleração das comunicações, na rência das relações virtuais, que não deixam
internet, na telefonia celular... A comunica- de ser reais também. Já antes, os laços familia-
ção em tempo real acelerou os movimentos res estavam enfraquecidos pela concentração
financeiros, provocou o inchaço do capital urbana industrial, que transformara as mães
especulativo, a superconcentração de capi- em operárias e provocara, com a bênção da
nº- 299
tais. A cibernetização da indústria provocou agroindústria, o êxodo rural; agora, com a in-
desemprego, trabalho informal e insegurança vasão da informática, os filhos são entregues
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ano 55
social. As conquistas trabalhistas do século não aos cuidados dos pais, mas da tela. Entre-
XX foram postas em xeque. O bloco do socia- tanto, os filhos do êxodo rural, crescidos na
•
lismo real se desintegrou e se entregou ao ca- favela, mesmo se inscritos na escola pública,
Vida Pastoral
14
que ofereça oportunidades promissoras. En- esvaziaram-se com a cumplicidade dos ver-
contram outro tipo de oportunidade: o tráfico dadeiros agentes educadores da sociedade,
de drogas, a prostituição. Criam sua sociedade entre os quais estão os meios de comunica-
em forma de gangues. Mesmo os filhos das ção. Os programas de televisão de maior au-
classes A, B e C, muitas vezes carentes da afe- diência não suscitam grandes arroubos de
tividade estruturadora proveniente dos pais – idealismo humano. Toda noite, conforme
em decorrência de ausência, desunião, guarda avançam as horas, sucedem-se a insignificân-
compartilhada etc. –, acabam criando sua so- cia, a violência e a volúpia – e não se sabe
ciedade paralela, suas tribos, com valores eclé- qual das três é mais perniciosa... Mesmo os
ticos ou, muitas vezes, desvalores alimentados programas ditos religiosos ficam, muitas ve-
pelos instintos da violência e da sexualidade
zes, na superficialidade do instinto religioso
bruta, o instinto básico.
sentimental. E poucos são os que assistem
Reconhecemos os ganhos da socializa-
aos programas realmente formativos que al-
ção de bens materiais, as possibilidades cul-
gumas redes, mormente de instâncias públi-
turais criadas pela informática, o acesso aos
cas e/ou educativas, veiculam.
tesouros da literatura mundial, das artes
O esvaziamento da educação em geral
plásticas etc. e não aceitamos o pessimismo
atinge também as escolas. Na escola pública,
mórbido de quem proclama que tudo está
a qualidade do ensino fundamental é muito
perdido, eximindo-se de qualquer engaja-
precária. Isso, em parte, por causa dos baixos
mento. Mas convém admitir que a situação
salários dos professores, que assumem dois
cultural e psicoafetiva dos jovens causa pre-
ou até três turnos e carecem de incentivo.
ocupação. Há ainda transmissão de valores?
Mas em parte também pelo excesso de expe-
E o que se transmite não necessita atenção?
Ademais, se parte dos jovens, por algum rimentos educacionais, não levados até o
atavismo – já que são educados pelos avós ponto desejado com o devido profissionalis-
no lugar dos pais –, sentem saudades dos mo ou não adaptados às circunstâncias reais,
valores tradicionais, tendem a apegar-se de- como no caso do Projeto Escola Plural de
sesperadamente a uma religiosidade difusa Belo Horizonte, que não dispunha de educa-
ou às formas mais sentimentais, devocio- dores plurais e, implantado sem a devida
nais, individualistas e alienantes, as que o participação e envolvimento dos professores
Concílio Vaticano II queria precisamente re- e educadores, caiu na burocracia. A presença
mover do centro do cristianismo. Cada um de grande número de alunos desmotivados
inventa a religião a seu jeito, sem compro- na sala de aula dificulta a aprendizagem dos
misso comunitário. A comunidade, preocu- outros, que acabam igualmente desmotiva-
pada com a participação efetiva de todos, dos. Além disso, as licenciaturas não prepa-
especialmente dos pobres, como sujeitos em ram os professores para a realidade, por
verdadeira fraternidade, fica abandonada, exemplo, para a escola inclusiva, a violência
enquanto se formam grupos particulares em escolar e outros problemas.
torno de determinada devoção, determina- Mesmo admitindo que, no ensino particu-
nº- 299
da mística, determinada música. A solida- lar, a situação didática talvez seja melhor, não
riedade e a participação organizada de todos se pode fechar os olhos para outro problema
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ano 55
cedem novamente lugar ao assistencialismo que aí se percebe: muitos pais das classes A, B
(que, devemos admitir, é melhor do que e C “depositam” seus filhos na escola, “tercei-
nada no contexto que se criou...). rizam” a educação que eles mesmos não são
•
Vida Pastoral
15
cessivo, quer do vazio interior causado por Ora, o papel da universidade não se es-
seu modo materialista de viver e pensar. Ora, gota na estrutura sociocultural. Sua vocação
se a família não fornece a base da educação, a última está na verdade. O pragmatismo vul-
escola não consegue construir o andar de gar que domina nossa sociedade nos leva a
cima. De forma semelhante, há o problema esquecer a existência de algo como a paixão
de as escolas, mesmo as particulares, volta- pela verdade, a qual impeliu Sócrates e Pla-
rem-se apenas para a formação para o merca- tão à busca da epist m e da al theia como
do ou para o vestibular, em vista de uma car- reação contra o predomínio da doxa sofista.
reira promissora, sem ênfase nos valores hu- A paixão pela verdade é pássaro raro em
manos, na solidariedade. As novas gerações nosso céu. Algum jornal sério talvez dedi-
são estimuladas em todos os âmbitos a ter que umas linhas a quem se empenha pelo
valores materiais, e não ideias ou valores hu- que se pode chamar de verdade política,
manos. posta a serviço da justiça, da
Consideremos agora o “O pragmatismo vulgar transparência, das necessárias
âmbito da universidade, que transformações na sociedade,
não é somente o ambiente que domina nossa mas pouca atenção se dedica a
universitário, mas a estrutura sociedade nos leva a quem procura a compreensão
do saber acadêmico-científi- honesta do mundo e de tudo o
co. É para entrar nessa estru-
esquecer a existência que existe – a verdade pura e
tura que os universitários se de algo como a paixão simples. Contudo, é esta a ati-
preparam, embora muitos pela verdade, a qual tude que mais contribui para a
nunca cheguem a ocupar um vocação do ser humano: bus-
cargo de decisão na sociedade impeliu Sócrates car dentro de nós a verdade
e acabem se tornando apenas e Platão.” que nos remete à verdade que
operários especializados. Nos- nos transcende.
sas observações tocam, portanto, em algo Hoje cresce a tendência de os estudantes
mais amplo que os alunos tomados individu- irem para a universidade mais por necessida-
almente. Devemos ter em mente toda a estru- de, em busca de saída profissional, que em
tura do saber científico, bem como seu papel busca de saber. Podem até granjear certo co-
na sociedade. nhecimento científico e domínio técnico,
Na Modernidade, podia-se falar de um mas sua formação humana integral fica
mundo acadêmico, que, ao lado da Corte e aquém do desejado. Não estão acostumados
da Igreja, exercia um papel importante na so- com o estudo sistemático, voltado para a vida
ciedade e produziu tanto a Ilustração do sé- e não apenas para o resultado imediato. Além
culo XVIII quanto o crescimento das ciências disso, devido à pouca idade, ao desenraiza-
nos séculos XIX e XX. Entretanto, as acima mento e a outros fatores, muitas vezes são
apontadas mutações civilizatórias atuais emocionalmente instáveis. Muitos chegam à
transformam profundamente o âmbito da universidade sem saber direito o que querem
universidade. Sinais disso são os cursos a dis- estudar. Podem até ter uma inteligência bas-
nº- 299
tância, o conceito de megacampus, a vincula- tante estimulada, mas sem projeto definido:
ção das universidades à indústria e ao comér- uma inteligência ainda a ser estruturada,
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ano 55
cio, o registro mais quantitativo que qualita- quando já deveria estar integrada num proje-
tivo de pesquisa e produções por agências to de vida pessoal. A universidade não se
apresenta, na realidade, como instância edu-
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16
base no contrato assinado na hora da matrí- trincável. A efetivação do “Reino”, ou seja,
cula. O estudante, sobretudo o que não mora de uma sociedade que supere o arbitrário, o
com a família, está entregue às exigências da imediato e instintivo e, sobretudo, o egoís-
sobrevivência individual. A diversão cultural mo e a soberba que espreitam o ser humano
de boa qualidade é pouco aproveitada. Os desde o jardim do Éden, é também uma
que vêm do interior perdem o contato com questão de cultura. Como a personalidade
suas tradições familiares e religiosas. De for- humana se encarna num corpo e encontra
ma geral, o ambiente da universidade é um no equilíbrio psicofisiológico firme aliado
convite a abandonar a fé religiosa. para sua atuação eficaz, o espírito do Reino
Quanto aos docentes, percebem-se mu- de Deus se encarna numa sociedade perme-
danças análogas. Já não constituem uma elite ada por uma cultura, que é como que sua
de “catedráticos”, antes, parecem operários alma. E se essa cultura não é cultivada, mas
ou, em certas instituições, quase escravos. E fica entregue a forças devastadoras, não será
apesar da dialética hegeliana ensinar que o possível criar, em nível de sociedade, con-
escravo, por seu trabalho, acaba conquistan- dições profícuas para uma comunhão hu-
do o saber até tornar o senhor dependente de mana condizente com o Reino anunciado
si, muitos dos atuais docentes, confinados na pelo evangelho.
perspectiva estreita de sua tese e de sua hipe- Não digo isso por nostalgia da cristanda-
respecialização, não brilham pela cultura ge- de, da cultura cristã, da sociedade cristã.
ral e continuam meros escravos. Meio século depois que Emmanuel Mounier
anunciou a morte da cristandade, autores re-
centes, como Danielle Hervieu-Léger, afir-
2. Olhar cristão
mam a “exculturação” do cristianismo da cul-
Olhando com os olhos da fé cristã, pode- tura pós-moderna, que desconstruiu o cris-
mos dizer que os universitários na sociedade tianismo e a religiosidade em geral, para que
pós-industrial parecem ovelhas sem pastor. cada um construa seu próprio mundo simbó-
Constituem uma preocupação pastoral prio- lico. Mas o atestado de óbito da cristandade
ritária, porque não se trata apenas da vida não nos deve impedir de sonhar com um
pessoal e espiritual de alguns indivíduos, mundo em que as coisas se deem conforme o
mas de toda uma geração destinada a levar que Cristo sugeriu e pregou! Mesmo sem que
aos ombros graves responsabilidades para a Igreja represente uma potência sociopolíti-
com a sociedade e a cultura. ca, o Reino de Deus, confiado a uma comuni-
dade pequena e de pequenos (cf. Mateus
2.1. Evangelho, cultura e sociedade 11,25), é para todos e não se estabelece pela
A comunidade cristã e os outros grupos imposição do poder, mas pelo amor. O erro
religiosos devem tomar consciência de sua da cristandade não tem sido sonhar com um
urgente responsabilidade com a cultura. Reino de paz, justiça e amor para toda a hu-
Não apenas com as culturas reprimidas, manidade, mas aliar-se de modo confuso e
como a afro e a indígena, mas também com antievangélico aos poderes desta terra e/ou
nº- 299
a cultura global, da sociedade toda e da hu- deixar-se cooptar por eles. Nós, cristãos,
manidade toda. Não que a evangelização hoje, reconhecemos os direitos da sociedade
•
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seja um serviço cultural, mas o Reino de civil, mas não desistimos de esperar que esses
Deus que ela anuncia encarna-se e manifes- direitos se tornem sempre mais conformes
ta-se concretamente na cultura. Entre cul-
•
tura e evangelho existe uma dialética inex- o projeto de Deus para a humanidade toda.
17
Só para dar um exemplo: admitimos que, em dades cristãs. É-se cristão, concretamente,
função da boa ordem na sociedade, se prote- em uma das confissões cristãs. Portanto, os
jam os direitos de cônjuges que se separam e membros de cada confissão devem assumir
contratam novo casamento. Mas, à luz do sua missão segundo as regras de fé e prática
que Cristo nos ensina e seu Espírito nos ins- que sustentam a vida de suas comunidades,
pira, acreditamos que seria melhor se tal coi- enquanto procuram a unidade na diversida-
sa não fosse necessária. de, o verdadeiro ecumenismo.
A atuação cristã no âmbito da cultura é Quatro décadas atrás, o termo preferido
feita de sabedoria e profetismo. Profetismo para falar da missão da Igreja era “pastoral”.
no sentido de apontar o que – segundo cre- Esse termo, porém, evocava antes os pastores
mos – Deus deseja para toda a humanidade que o povo laical, o laós. Por isso, foi sendo
e de censurar o que trai os compromissos substituído pelos termos “ação” ou “missão
assumidos com esse projeto. evangelizadora”, bem mais
E sabedoria no sentido do “Da tradicional adequados porque evocam a
“saber e sabor” da vida huma- cristandade, que missão – confiada pelo próprio
na, com todos os seus aspec- Jesus tanto aos Doze como aos
tos, possibilidades e impossi-
confundia a Igreja setenta e dois – de levar o evan-
bilidades históricas, virtudes com a sociedade, gelho ou boa-nova do Reino de
e vícios – que são às vezes os Deus a todos e, em primeiro
sobra só uma
exageros das virtudes... lugar, aos pobres, pois, para
Pergunta-se então qual casquinha.” atingir a todos, é bom começar
será a atitude cristã, evangéli- com aqueles que são sempre
ca e evangelizadora, no âmbito da educação postergados: os últimos serão os primeiros.
das novas gerações, laboratório da cultura da Esse anúncio da boa-nova não se dá só em
sociedade de amanhã. E pergunta-se como a palavras, mas também em ações que sejam
comunidade cristã atenderá à realização da- sinais do Reino, como o próprio Jesus os rea-
quilo que, no fundo do coração e diante do lizava na sua missão junto a seu povo e no
Absoluto, cada um deseja – o Desejo que só seu tempo.
descansa nele.
2.3. Missão evangelizadora,
2.2. Missão eclesial espiritualidade e compromisso ético
Tampouco quanto em outros âmbitos, a Chamamos esta missão de evangelizado-
missão da Igreja na Educação e na universi- ra porque, no mundo de hoje, e também no
dade hoje não deve ser mero serviço de ma- Brasil, se deve partir do pressuposto de que
nutenção, mas missão evangelizadora. A uni- todos precisam ser evangelizados, até que se
versidade é terra de missão como era, na che- prove o contrário. O pressuposto cristão já
gada dos missionários, a Terra da Santa Cruz. não existe; a hipótese de uma sociedade
Missão que, no espírito do papa João XXIII e evangelizada não se verifica. Da tradicional
do Concílio Vaticano II, seja ecumênica e as- cristandade, que confundia a Igreja com a
nº- 299
sumida em diálogo com todas as religiões ho- sociedade, sobra só uma casquinha. Não vi-
nestas. Ora, sem diminuir em nada essa aspi- vemos num mundo cristão, mas numa terra
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a coerência confessional interna das comuni- Educação, mas de pô-las em contato com a
18
proposta de Jesus Cristo, apresentada como orações” (santo Agostinho). Essa prática es-
boa notícia. Não se trata, em primeiro lugar, piritual é coroada pela eucaristia e exige
de incentivar a participação nos sacramentos, momentos de contemplação e de oração, de
mas de algo muito anterior a isso: o anúncio leitura orante da Bíblia, de estudo e apro-
de um novo ser humano e de uma nova co- fundamento da tradição espiritual e da vida
munidade, em nome de Cristo e com base em cristã hoje. Antes de tudo isso, porém, urge
seu ensinamento e exemplo de doação radi- a iniciação cristã, que muitos batizados
cal. A evangelização não quer, em primeiro nunca conheceram num modo condizente
lugar, levar as pessoas à missa, mas a Cristo e com a fé adulta.
ao Reino que ele anuncia. Depois, poderão Ora, a mística cristã é inseparável da im-
celebrar a palavra e o memorial de Cristo na postação ética; o encontro com Cristo susci-
eucaristia, participada com convicção e ver- ta, de imediato, um apelo ético. Contem-
dadeira fé. Mas antes disso, as pessoas preci- plando o Servo Padecente, fitamos o rosto
sam ser confrontadas com uma vida nova, do outro, nosso irmão, que de modo incon-
aquela que lhes foi prometida no ato batismal dicional interpela nossa solidariedade com a
e muitas vezes não foi conscientemente assu- preferência que ele recebe na qualidade de
mida. E uma vez que se tiverem, livre e cons- outro. Como sugere Lévinas, serei um “eu
cientemente, decidido por essa “opção cris- ético” porque me deixo “sequestrar” pelo
tã”, poderão aprofundá-la na mística que apelo do outro e responderei a esse apelo
consiste em ter Jesus diante dos olhos e no com todo o envolvimento de minhas capaci-
empenho ético ao qual ele as convida. dades humanas, exercendo o senso crítico e
A mística de que falamos é o olhar diri- criando a articulação política que uma res-
gido para Cristo, no qual vemos o Pai (cf. Jo posta honesta exige. Por isso, os estudantes
14,9), Deus que se manifesta no amor (cf. e universitários, em particular, precisam to-
1Jo 4,8.16) e nos dirige o apelo do amor fra- mar conhecimento das injustiças que os ro-
terno radical. Por um lado, já em nível pré- deiam, da miséria material e moral de gran-
-evangélico, a espiritualidade contribuirá des porções da humanidade, bem como das
para que no mundo do som ensurdecedor, possíveis articulações para que a justiça e a
da visualidade ofuscante e do erotismo des- solidariedade se tornem mais eficazes – a
pudorado haja espaço para o silêncio, a con- outra sociedade possível. Dos docentes e
templação, a modéstia e a gratuita amorosi- profissionais, de modo especial, exige-se o
dade nas relações humanas e afetivas. Tam- exercício de sua profissão na linha de tal
bém o cultivo do belo pode ser considerado projeto, sem negligenciar seu testemunho
como pré-evangelização. Nesse nível culti- de vida ética pessoal. A melhor prova de
var-se-á, até com a contribuição de outras compreensão é a prática. A inspiração cristã
religiões e mundivisões, a percepção da di- se comprova pela prática: “amar com ações
mensão transcendente, misteriosamente e em verdade” (1Jo 3,16).
presente no universo e na existência pesso-
al. Por outro lado, a evangelização no senti- 2.4. Missão do Povo de Deus
nº- 299
a “oração que rezamos em todas as nossas hierárquica, exercem sua missão evangeliza-
19
dora em primeiro lugar por serem membros ainda não formados encontrarão semelhan-
do Povo de Deus, povo ao mesmo tempo lai- tes apelos em primeiro lugar no estudo e no
cal e sacerdotal, eleito por Deus para que seu preparo do exercício profissional. A missão
amor seja conhecido por todos. Todos são evangelizadora não se exerce fora do envol-
evangelizadores em decorrência da vocação vimento principal do estudante, o estudo,
cristã geral, como acentuou o papa Paulo VI que lhe mostra os desafios éticos da socie-
na Evangelii Nuntiandi. A hierarquia tem, de- dade e de sua responsabilidade profissional.
certo, o papel específico de acompanhar e O estudo não deve somente visar à qua-
incentivar a missão de todos, mas quem par- lificação técnica, mas inscrever-se numa “sa-
tilha a vida dos destinatários os atingirá de bedoria” humana e cristã que concerne à
modo mais concreto, como dizia o fundador sua vida inteira, bem como ao mundo no
da Juventude Operária Católica, Joseph Car- qual ele vive agora e no qual viverá na hora
dijn: o apóstolo dos operários da atuação profissional. Conce-
será o operário. A missão univer- “A mística cristã ba o universitário esse mundo
sitária não é mero projeto da hie- é inseparável da com a devida lucidez, com “sa-
rarquia, mas missão do Povo de bedoria” humana e cristã, provi-
Deus, no qual os ministros (ser- impostação ética; denciando para que sua cultura
vos!) ordenados não substituem o o encontro com geral e sua formação humana
testemunho do companheiro, do acompanhem passo a passo sua
irmão de lida e luta.
Cristo suscita, de qualificação profissional. Está aí
imediato, um um chamado para aquilatar o
2.5. Missão universitária estudo acadêmico com aquele
apelo ético.”
no contexto sociocultural supplément d’âme de que falava o
concreto filósofo Bergson. E isso não só
Essa missão evangelizadora e ação com- nas universidades confessionais, mediante
prometida com o Reino anunciado por Jesus, disciplinas proporcionadas pela instituição,
na qual incluímos tanto as instituições de en- mas em todas as universidades e faculdades,
sino e pesquisa quanto a vida e atuação dos mediante atividades extracurriculares ou de
acadêmicos, docentes e discentes, deverá foca- extensão, iniciativas das agremiações estu-
lizar em primeiro lugar o ensino superior dantis, convênios etc. E sem esquecer as
como tal, no seu contexto sociocultural. Sem muitas possibilidades da prática da solida-
essa atenção pelo ensino superior como tal, a riedade, na entreajuda individual, nos servi-
missão junto aos acadêmicos, docentes e dis- ços comunitários organizados a partir da
centes fica abstrata, limitada a aspectos que universidade, na presença em conflitos de
não atingem seu envolvimento profissional, ordem social, na assessoria e elaboração de
seja em nível pessoal, seja em nível estrutural. estudos ou projetos sociais e políticos em
Nesse sentido, os profissionais, na sua prol da população ou em vista de estruturas
área de atuação, os gestores e administrado- e práticas públicas mais justas.
res, nas suas instituições, e todos, no nível
nº- 299
des para traduzir em atitudes e gestos aqui- Como dissemos, o âmbito universitário
lo que o anúncio do Reino de Deus e a me- inclui o papel estrutural da universidade, os
•
da por seu Espírito, lhes ensinarem. Os tária, a vida dos seus agentes, docentes e
20
discentes, especialmente em sua dimensão própria instituição à sua vocação científico-
acadêmica. A missão evangelizadora nesse -didático-comunitária; as condições de vida,
âmbito deve ser de qualidade universitária, a cultura e a percepção de vida dos acadêmi-
deve participar do amor à verdade e do cos; os valores e desvalores cultivados no
olhar investigador que caracterizam o au- meio deles etc.
têntico empenho científico e intelectual. O A enorme diversidade do campo univer-
evangelizador que, ao dirigir-se a esse cam- sitário-acadêmico exige uma articulação
po, ficar alheio ao genuíno espírito acadê- perspicaz, para que a missão evangelizadora
mico será como um missionário que fica seja como a dos discípulos de Jesus: “cordei-
alheio à cultura e à linguagem do povo no ros no meio de lobos, [...] simples como as
meio do qual pretende exercer sua missão. pombas e prudentes como as serpentes” (Mt
Por outro lado, a missão universitária cristã 10,16). Onde mais se adensa a inteligência,
procurará confrontar o âmbito e o espírito mais pode concentrar-se a malícia. Cabe aí o
universitário com o que a missão do próprio dom da inteligência divina, que se traduz em
Cristo trouxe de específico à humanidade. organização humana.
Com esse “específico” apontamos, sobretu- Dependendo das circunstâncias, essa or-
do, a experiência de Deus como Pai, no sen- ganização e articulação podem ser atribui-
tido transcendente que esse termo simbóli- ção de grupos espontâneos, de movimentos
co tem no evangelho, bem como as exigên- de vida cristã atuantes em determinado am-
cias da fraternidade humana que se resu- biente ou instituição, de um serviço da pró-
mem no mandamento do amor, com aquela pria instituição de ensino superior (espe-
incidência na realidade objetiva que o termo cialmente se cristã), da organização pastoral
“Reino de Deus” evoca. de determinada igreja ou de um organismo
Esse encontro do evangelho com o mun- ecumênico.
do universitário é um diálogo. Não uma
inócua conversa em busca de conformismo,
3. Linhas de ação
mas – mesmo quando encaminhado num
boteco, show ou cinema – um diálogo em Entre a multidão de tarefas concretas que
busca de verdade e autenticidade. Exige en- se apresentam na evangelização universitária,
carnação universitária, presença existencial devem ser priorizadas, pelo menos no atual
e histórica, participativa e ao mesmo tempo momento, as que se podem chamar de teóri-
crítica, solidariedade sincera, bem como a cas: o estudo da mentalidade contemporâ-
coragem de ser diferente por causa do que nea, da visão de mundo em tempo de crise
se percebe a mais em Cristo: a diferença econômica, ecológica e ética; também o estu-
cristã, que não exclui, mas completa os va- do propriamente teológico, ou seja, do signi-
lores autênticos existentes também fora da ficado de Deus e do Transcendente, ou da
comunidade cristã. mensagem e teologia cristã em relação espe-
Todas as áreas e dimensões da vida uni- cial com o mundo da cultura e da universida-
versitária e acadêmica estão na mira dessa de; a pesquisa sociorreligiosa; o estudo e ava-
nº- 299
científica e de sua aplicação; a adequação da ensino e de seu impacto nas pessoas e na es-
21
trutura sociocultural e política; as exigências dos estudantes no ensino, na pesquisa e na
da formação humana integral das pessoas. extensão universitária; quando necessárias,
Ao mesmo tempo, apresentam-se como ações políticas dentro e fora da universida-
tarefas práticas urgentes: a iniciação na fé de, em entendimento com instâncias quali-
(ainda que “atrasada”) dos acadêmicos que ficadas e competentes, e isso sempre com
querem ser cristãos de verdade; a formação uma consciência histórica unida à sabedoria
de núcleos ou comunidades cristãs, permi- humana e cristã.
tindo um relacionamento pessoal, pois cada
cristão tem direito a uma comunidade de
4. Conclusão
relações diretas, de intercâmbio, diálogo e
apoio pessoal; o diálogo da fé, tanto com os À guisa de conclusão, ressaltamos, em
estudantes quanto com os docentes, os ad- primeiro lugar, a preocupação de situar a mis-
ministradores, os funcioná- são evangelizadora universitá-
rios; celebrações religiosas “Acentuamos, ria no contexto amplo da cultu-
autênticas e prática sacra- sobretudo, a ra atual, que está em comunica-
mental consciente; formação ção com o mundo inteiro e tem
de agentes para a missão uni-
necessidade de características novas e inéditas,
versitária e de grupos de es- verdadeira ação proibindo a mera reprodução
tudo e conscientização; ações do passado. Destacamos ainda
evangelizadora,
de solidariedade para com a dialética entre o individual e
pessoas do âmbito universi- comparável à dos o comunitário, entre o profis-
tário ou a partir da universi- primeiros cristãos no sional e o humanístico, entre o
dade; iniciativas de ajuda, campus da universidade e o
especialmente aos candidatos ambiente não cristão.” campo da sociedade, entre a
ou universitários iniciantes, mística e a ética. Mas acentua-
em termos didáticos, culturais, psicológicos mos, sobretudo, a necessidade de verdadeira
e socioeconômicos; promoção ou divulga- ação evangelizadora, comparável à dos pri-
ção de programas culturais humanizadores meiros cristãos no mundo não cristão. E essa
e, por isso, evangelizadores; iniciativas jun- ação deverá ser sustentada pelas comunida-
to às agremiações estudantis; cursos curri- des cristãs, em sinergia com todos aqueles
culares ou atividades extracurriculares e de que compartilham os mesmos valores huma-
extensão, oficinas e cursos de curta duração nos, os quais, se verdadeiramente humanos,
sobre temas específicos etc.; envolvimento são também cristãos.
nº- 299
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ano 55
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Vida Pastoral
22
Catequese com jovens:
desafios e esperanças
Solange Maria do Carmo*
João Ferreira Júnior, ofmCap*
23
1. Desencontros entre a Igreja e a ce absurdo que o magistério da Igreja não
juventude perceba que endurecer o discurso sobre a
sexualidade não resolve os problemas ligados
Apesar das conquistas observadas, perma-
ao assunto – nem os do clero, menos ainda os
nece precária e descuidada a catequese católi-
da juventude. Enquanto a Igreja escreve para
ca com jovens. Nossa juventude tem ficado à
uma juventude ideal (fiel, obediente, casta,
margem da Igreja já faz tempo e, ainda que pura, quase angelical), nossa juventude real
alguns tentem resgatar a pasto- (cheia de desejos e libido que a
ral da juventude ou incremen-
tar movimentos para atingir
“Vivem sua própria mídia insiste em despertar pre-
cocemente) fica entregue à pró-
essa faixa etária, basta um pou- moral sexual, tendo pria sorte e encontra no campo
co de honestidade para con- sua consciência da moral sexual sua própria
cluir que o esforço empreendi-
do não tem dado os resultados formada pela mídia maneira de sobreviver ao aban-
dono catequético.
desejados. Citemos apenas al- – e não pela Igreja,
guns pontos que mostram 1.2. A liturgia católica
como se tornou difícil o diálo-
salvo exceções.”
Apesar dos esforços do
go entre a fé cristã católica e o Concílio, a liturgia católica per-
mundo da juventude: a moral sexual da Igreja, manece engessada e se apresenta aos jovens
as celebrações litúrgicas, a linguagem da fé e o como maçante e tediosa. Acostumados ao ba-
modelo de comunidades eclesiais que prevale- rulho e ao agito dos ambientes juvenis, os jo-
ce em nossas paróquias. vens ficam estarrecidos diante do ritual silen-
cioso e mimético de nossas celebrações. No
1.1. A moral sexual geral, as liturgias têm o ritmo de uma assem-
Segundo a opinião de vários especialistas, bleia que não aprecia o movimento próprio da
a moral sexual da Igreja diz muito pouco a juventude nem o deseja.
nossos jovens, para quem o que nossa Igreja É difícil admitir, mas a maioria de nossos
ensina a esse respeito se tornou motivo de iro- jovens tolera os ritos litúrgicos em nome da
nia. E enquanto a moral sexual deságua dos piedade e da obrigação cristã, mas não os sa-
púlpitos e dos documentos do magistério boreia ou aprecia. Então, quando não criam
numa lista não enumerável de pecados ligados um caminho alternativo dentro da própria
à sexualidade – desde a masturbação até a prá- Igreja Católica, por meio de algum movimen-
tica homossexual –, nossos jovens descobrem to que lhes ofereça a fé cristã de modo mais
o amor e o sexo à revelia do que diz a moral apetecível – ainda que questionável teologi-
católica. Vivem sua própria moral sexual, ten- camente –, nossos jovens evadem para igrejas
do sua consciência formada pela mídia – e não
pela Igreja, salvo exceções.1 São poucos os que 1 Em recente pesquisa, o Datafolha entrevistou peregrinos
dão conta de viver a castidade ou os que nela católicos presentes no RJ para a JMJ. Dos entrevistados,
65% defendem o uso de preservativos nas relações se-
acreditam como valor.
nº- 299
na e a que vem a público na mídia, envolven- papa. Entre os jovens não participantes, a opinião da Igre-
do seus representantes. Diante de tantos es- ja simplesmente nem é levada em conta. Cf. <http://m.
g1.globo.com/mundo/noticia/2013/07/pesquisa-mostra-
•
que-peregrinos-se-mostram-mais-liberais-que-a-igreja-
sos sexuais, pornografia e prostituição), pare- catolica.html>. Acesso em: 29 jul. 2013.
24
neopentecostais ou escolhem manter a fé vínculos contratuais que afetivos. Mais que
cristã a seu modo, mas sem vínculos de per- pertença institucional, a juventude quer o di-
tença a nenhuma instituição. reito de peregrinar em busca de um espaço
que favoreça sua própria identidade. Muitas
1.3. A linguagem da fé vezes, porém, encontram comunidades ecle-
Salta aos olhos a caducidade da lingua- siais que cumprem obrigações, exigem pre-
gem religiosa que prevalece no ambiente ca- sença, instituem regras, impõem condições,
tólico. Utilizando uma linguagem inacessível, cobram o dízimo... mas oferecem muito pou-
o discurso cotidiano da fé cristã não favorece co no que se refere ao crescimento humano e
o encontro com Jesus Cristo. Emilio Alberi- ao exercício da liberdade responsável. Quase
ch, dando voz ao povo, atreve-se a dizer que sempre, os jovens se veem tratados como
a catequese “utiliza linguagens que ninguém crianças, para quem as regras decidem, em
entende, se dirige a auditórios que já não nome de Deus, o que podem ou não fazer de
existem e responde a questões pelas quais sua vida. Há comunidades que ainda difun-
ninguém se interessa” (ALBERICH, 2005, p. dem a teologia do medo e o puritanismo mo-
24). Segundo Yves Congar, “a crise atual vem ral, não sem hipocrisia. É, pois, legítimo que
em grande parte do fato de que a Igreja, ten- muitos jovens se perguntem: ser cristão e
do criado um maravilhoso conjunto de ex- pertencer a uma comunidade de fé favorece a
pressões da fé na cultura latina, se apegou a minha formação, o meu desabrochar como
ela em demasia: inclusive na atividade de sua pessoa humana, ou inibe e veta minhas po-
expressão missionária” (CONGAR, 1976, p. tencialidades?
41). Também Torres Queiruga tem levantado Diante disso, parece honesto que nós, ca-
essa bandeira (TORRES QUEIRUGA, 1998), tequistas e catequetas, nos perguntemos: a
e o assunto não foi ignorado pelo Documen- comunidade cristã pode ser uma mediação
to de Aparecida (n. 100d) nem pela CNBB favorável para a experiência pessoal com Je-
(cf. Estudos da CNBB 97, n. 107). sus Cristo ou se tornou espaço de transmis-
Parece que o nó da questão não está no são automática da fé, sem exigência de perso-
vocabulário adotado, mas no conteúdo co- nalização dessa mesma fé? Ainda que consi-
municado. Não basta trocar as palavras, dizer gamos responder teologicamente a essas
“Deus é dez”, “Jesus é o cara”, confeccionan- questões, pode ocorrer que nossa prática
do uma espécie de vocabulário juvenil reli- pastoral desminta nossa teologia. Oferece-
gioso, repleto de gírias religiosas. Não basta mos aos nossos jovens – e ao cristão em geral
também tatuar o corpo e cantar rock ou funk – comunidades que os convençam das vanta-
gospel. A pergunta é: “O que está sendo pro- gens da pertença? O quadro é frequente: nos-
posto faz sentido, gera vida nova? O evange- sos jovens, ainda que participem de algum
lho anunciado é, para os jovens, força para evento na Igreja (como a Jornada Mundial da
viver?” Mais que a adequação das palavras, Juventude), ainda que não tenham abando-
importa saber se o complexo sistema comu- nado totalmente os ritos católicos, não têm
nicacional da fé acompanha as necessidades mais laços afetivos nem efetivos com a comu-
nº- 299
dos jovens e os processos de evolução huma- nidade eclesial na qual foram inseridos pelo
na pelos quais eles têm passado. batismo quando crianças.
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ano 55
do risco de frieza quando unidas mais por 154). A constatação de peritos no assunto,
25
como o catequeta espanhol Donaciano Martí- número um tornou-se gerir a urgência. Exau-
nez Álvarez, causa preocupação: “Em relação ridos por tantos compromissos urgentes, já
ao processo de iniciação à fé dos adultos, ao não temos tempo para refletir sobre a constru-
catecumenato em seu sentido mais verdadei- ção do futuro. Queremos ser felizes no presen-
ro, creio que estamos em situação de inexper- te e pronto! Nossa relação com o espaço tam-
tos” (idem, p. 133, grifos do autor). Em geral, bém já não pode ser descrita como antes. As
entendemos de catequese, mas não de jo- pequenas aldeias e vilas do passado cederam
vens, de seus anseios, de seus sonhos, de sua espaço às aglomerações e teias urbanas. As
vida neste novo tempo cha- pessoas se movem de um lugar
mado pós-modernidade. En- “Quase sempre, a outro sem maiores sacrifícios.
tão, precisamos nos debruçar E mesmo os que não têm acesso
sobre esse tema.
os jovens se veem à rápida mobilidade física têm
tratados como sua subjetividade formada pela
2. Características crianças, para quem mobilidade da comunicação e
das informações. Uma proxi-
da pós-modernidade as regras decidem, em midade comunicacional e ima-
Vivemos um momento nome de Deus, o que terial anula distâncias e gera
muito especial. São tantas as onipresença virtual. Mas a oni-
mudanças, que já nem falamos podem ou não fazer presença virtual paga seu pre-
de tempo de mudanças, mas de de sua vida.” ço, pois, ao estar em toda par-
mudança de tempo ou mudan- te, não se está em lugar ne-
ça epocal. Diante dessa mudan- nhum. O espaço foi desmaterializado e ago-
ça epocal, nós nos perguntamos: como comuni- ra, como um andarilho errante, vagueamos
car a fé ao indivíduo pós-moderno, especial- por labirintos sem achar a saída. Nesse no-
mente aos jovens? A primeira condição para madismo, restou-nos apenas o próprio corpo
que retomemos nosso trabalho evangelizador como “última morada possível” (VILLEPE-
com um mínimo de eficácia é entender um LET, 2003, p. 19). Talvez por isso o corpo
pouquinho o tempo em que vivemos. seja tão cultuado neste tempo e tão cuidado-
A multirreferencialidade: bem diferente da samente preservado. É ele a casa na qual ha-
cristandade e da modernidade, a pós-moder- bitamos e condição de possibilidade de ser
nidade não dispõe de apenas um referencial; é um com os outros, de entrar em relação, de
plural, multirreferencial. A sociedade atual re- fazer comunhão.
age à razão instrumental positiva da moderni- A primazia da tela: se, no passado, fo-
dade e abre espaço para a razão do coração, mos marcados pela cultura da transmissão,
“que a própria razão desconhece”, admitindo da narrativa, as novas gerações são confi-
possibilidades antes impensadas. Uma multi- guradas pela cultura da tela, da imagem.
plicidade de significados conquista espaço e, Tudo acontece diante da tela da televisão,
ainda que sejam contraditórios e opostos – se- do cinema, do computador, do celular ou
gundo a razão moderna –, esses significados de tantos outros aparelhos, cada vez mais
nº- 299
não se excluem devido às escolhas do coração. eficientes. Mais que um instrumento, eles
A relação com o espaço e o tempo: a rela- se tornaram uma mediação que muda nos-
•
ano 55
26
comunicada. Ganha força e conquista es-
paços o mundo virtual, a ponto de a juven- Coleção de catequese
tude se tornar totalmente dependente dele, Primeiro livro do catequizando
já não saber existir fora dele. e Segundo livro do catequizando
A psicologização do social: nas décadas de Irmã Mary Donzellini
1960 a 1980, nós nos sentíamos como um
agente social totalmente necessário para a mu-
dança do mundo. Acreditávamos na utopia de
um mundo novo, sem dor nem mazelas, cons-
truído sobre as bases da fraternidade que sus-
tenta a fé cristã. Mas o tempo mudou. O Reino
sonhado não veio; caímos na descrença de que
112 págs.
um dia ele será real. Nossa razão foi capaz de
coisas horríveis, e os desmandos do ser huma- Esperamos que este subsídio possa
no nos fizeram entender que não somos tão ajudar a pastoral bíblico-catequética
bons e abertos para Deus como pensávamos. da preparação à Primeira Eucaristia,
fazendo crescer a fé de todos aqueles que
A utopia social perdeu sua força. Nossos pro- participam dos encontros catequéticos. Traz
jetos são mais modestos e dizem respeito, nor- ilustrações coloridas e algumas dinâmicas
para incentivar a criatividade dos que
malmente, à nossa vida pessoal, nossa realiza- preparam os encontros catequéticos.
ção, nossa família, nossa carreira. Essa mu-
dança de foco do social para o subjetivo coloca Livro do catequista
Fé, Vida, Comunidade
a sociedade pós-moderna sob a égide dos in-
divíduos. O indivíduo atual quer, antes de Irmã Mary Donzellini
3. Desafios catequéticos
ilustrativas.
meramenteilustrativas.
27
a maioria dos jovens hoje, o desafio não é palavra nas palavras humanas e provoca um
tornar-se um agente sociotransformador deslocamento naquele que aceita ser interpe-
(como na modernidade), mas assumir-se in- lado por ele. A catequese não trabalha com a
teiramente como sujeito, construindo uma simples transmissão de uma informação so-
identidade confiável para si, numa verdadei- bre Deus ou com a simples comunicação de
ra fidelidade a si mesmo (VILLEPELET, 2009, verdades intangíveis. Ela comunica a palavra
p. 64). Trata-se de assumir sua singularidade, de Deus, que “é um acontecimento ao mes-
sua individualidade, ou ainda, mo tempo que faz acontecimen-
sua unidade, sua integridade e “Parece que o to” (LACROIX; VILLEPELET,
sua diferença, tornando-se sujei- 2008, p. 34).
to de si mesmo. Num mundo nó da questão
complexo, onde as pessoas po- não está no 3.2. Desafio querigmático
dem ser o que elas quiserem ser, A secularização da sociedade
nossos jovens se encontram ex- vocabulário moderna hoje observada impele a
postos a todos os ventos, pois adotado, mas Igreja a dar uma orientação reso-
seus alicerces axiológicos se lutamente mais querigmática à
apresentam abalados.
no conteúdo catequese. A crescente seculariza-
A catequese não está sem re- comunicado.” ção fez que o mistério cristão – a
cursos no trabalho de desenvol- vida, morte e ressurreição de Je-
vimento da interioridade. A ex- sus – fosse exilado do horizonte
periência de Deus que a catequese comunica de compreensão do indivíduo pós-moderno.
– especialmente por meio da meditação, da Para muitos de nossos jovens, a proposta cris-
oração, da acolhida da palavra de Deus, do tã não passa de “lenga-lengas por longo tempo
mergulho no mistério – possibilita ao cristão remoídas, de velhas histórias desgastadas e es-
transitar nesse ambiente sem receios. O amor téreis” (VILLEPELET, 2000, p. 83). O cami-
de Deus revelado em seu Filho, que o ato ca- nho de vida que o cristianismo propõe se en-
tequético dá a conhecer, mostra-se como contra sob suspeita de impertinência.
grande aliado nessa construção. Deus é ínti- Uma catequese mais querigmática requer
mo ao coração e se revela a nós nas profunde- uma volta ao centro da fé cristã, o mistério
zas de nossa interioridade. A catequese não pascal: Jesus foi crucificado, mas Deus o res-
deve, pois, ter receio de trabalhar a dimensão suscitou, e do Ressuscitado vida nova jorra
espiritual da relação com Deus por meio da para os seres humanos. A ressurreição de Je-
oração e da contemplação, as quais permitem sus não é, pois, um detalhe que se acrescenta
perceber sua presença no mais íntimo do ser. ao resto da fé, mas seu núcleo mais funda-
A catequese enfrenta então o desafio de mental. O paradoxo da vida que vence a
proporcionar aos jovens essa experiência hu- morte não pode passar em brancas nuvens.
manizante da fé, que pode ajudá-los na cons- Nossos jovens precisam conhecer Jesus de
trução de sua identidade. O amor de Deus é Nazaré, o Crucificado que se encontra Res-
energia para viver; é força vivificante. Cada suscitado entre nós, e saber por que motivo
nº- 299
jovem, interpelado por Deus, pode acolher foi crucificado: sua práxis. No mistério pas-
sua palavra no profundo de si mesmo como cal, o distanciamento entre Deus e a humani-
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ano 55
uma palavra atual e viva que Deus lhe dirige, dade fica anulado, pois Deus se deixa reco-
graças ao seu amor sem medidas. A cateque- nhecer na figura de seu Filho, que se fez ho-
•
se se faz lugar propício para essa interativida- mem e foi fiel até a cruz. É no Crucificado
Vida Pastoral
de construtora e desconstrutora. Deus toma a que Deus mostra quem é: puro amor. É na
28
vida entregue de Cristo que ele se deixa co- rância religiosa das multidões. Mas a fé ficou
nhecer como amor-gratuidade. O conheci- encarcerada na cela da doutrina e da trans-
mento da verdade cristã não se dá por via missão de um saber. Na modernidade, a pe-
natural, mas no escândalo da cruz, pois o dagogia da aprendizagem alçou voos na cate-
Deus totalmente outro é pura gratuidade re- quese. Fez conquistas no campo da experiên-
velada em Jesus, que ele ressuscitou dos mor- cia, unindo fé e vida. Mas ela copiava a peda-
tos. A catequese precisa recuperar seu fôlego gogia humanista da escola: seus ritmos, seu
e anunciar aos jovens o mistério pascal. modo de gerar aprendizagem, sua concepção
de conhecimento etc. Ao adotar a pedagogia
3.3. Desafio pedagógico humanista do mundo escolar ocidental, em
Eis que o grande sinal dos tempos ho- que a razão é situada no centro e o conheci-
diernos – a desconstrução da razão clássica mento é construído em vista da figura do
– se faz visível: as igrejas que adotam certo aprendiz, a catequese eliminou do seu dina-
estilo espiritualizante estão repletas de fiéis; mismo o mistério.
os movimentos religiosos alternativos atraem Na pós-modernidade, porém, a experi-
numerosos adeptos; grupos religiosos de ência de Deus em Jesus Cristo, que os con-
todo tipo estão abarrotados de gente; as Jor- temporâneos ainda não fizeram, ultrapassa
nadas Mundiais da Juventude, em torno da todo entendimento, apesar de pressupô-lo. A
figura do papa, congregam multidões de to- catequese atua no campo da acolhida do mis-
dos os recantos do mundo. Todos querem tério, e não no campo da racionalização da fé,
Deus, ainda que não saibam que Deus é esse. apesar de todo esforço para dar suas razões.
Por meio da busca alucinada por algo que No ato catequético, a categoria de mistério se
console o ser humano e o arranque de sua apresenta inegociável; ela é seu cerne, seu
própria insignificância, revela-se que a pala- cume. Na humilde atitude de acolhida, o
vra de Deus quer ser ouvida: “Vinde a mim mistério é vivido.
todos vós que estais cansados e carregados de Em razão da estranheza das novas gera-
fardos, e eu vos darei descanso” (Mt 11,28). ções diante do mistério pascal, insistimos na
Diante dessa sede de Deus, percebemos urgência de uma pedagogia que se distancie
que novo desafio se impõe ao ato catequéti- da pedagogia escolar e proporcione a experi-
co: proporcionar a experiência cristã de ência do Deus misterioso que ultrapassa todo
Deus, pois a catequese já não pode pressupor entendimento: a pedagogia da iniciação. Trata-
a familiaridade das pessoas com o mistério -se de propor o evangelho como força para
cristão nem pode se contentar em ensinar a fé viver; de apresentar o mistério pascal sem re-
como se a adesão a Jesus Cristo se limitasse baixar o que ele tem de exigente, de abrupto
ao problema do conhecimento. Nosso Deus é e de desconcertante. E propor não é ensinar,
um Deus que fala ao coração bem mais que à nem impor verdades, nem apenas construir a
cabeça. Esse coração se entusiasma, apaixo- fé por indução com base em realidades terre-
na-se e se rejubila, mas não sem razão, é cla- nas. É crer que o indivíduo pós-moderno
ro. Então, perguntamos: que pedagogia é pode fazer seu encontro pessoal com o Deus
nº- 299
mais apropriada para proporcionar a experi- de Jesus Cristo e que esse encontro é o come-
ência cristã de Deus? ço de longo discipulado. O jovem contempo-
•
ano 55
tre os pensadores da fé, permeada pela igno- vir dizer, agora, vejo-te com meus próprios
29
olhos” (Jó 42,5). É tarefa urgente da cateque- são de ser possível participar de uma comu-
se, em dias atuais, propor a fé. nidade ideal, onde os afetos transbordam e a
convivência fraterna é natural. Normalmen-
3.4. Desafio comunitário te, a palavra Igreja remete a instituição, nor-
A nova gramática da existência que orien- mas, leis, regras, hierarquia, obediência, ri-
ta o indivíduo contemporâneo se apresenta, à tos. A palavra comunidade, ao contrário,
primeira vista, como alheia a todo instinto quase sempre faz referência a laços de solida-
gregário, a todo laço de pertença. Percebe-se riedade, fraternidade, adesão, sem contratos
hoje, especialmente no meio dos jovens, a e normas que estabeleçam essas relações. São
tentação de dispensar todo laço de pertença ambientes de oração, partilha e diálogo onde
religiosa, de querer viver sem entraves insti- a solidariedade se assenta por afinidade, por
tucionais: cada um construindo para si uma comunhão de interesses.
religião à sua imagem e semelhança, numa A Igreja não é, entretanto, nem uma so-
atitude de subjetivação da crença. Para mui- ciedade fria, organizada hierarquicamente,
tos, ser cristão já não significa necessaria- nem uma comunidade quente, sem nenhu-
mente ter uma pertença estável, recebida em ma legislação, que vive ao sabor dos afetos.
herança dos familiares ou da Ela é a família dos filhos de
sociedade, nem mesmo uma “Trata-se de propor Deus, uma comunidade de ir-
pertença alicerçada nas bases mãos, onde os membros não se
do engajamento solidário na o evangelho como escolhem mutuamente, mas
missão. A adesão, nos dias força para viver; são dados uns aos outros como
atuais, é fortemente personali- irmãos, filhos de um mesmo
zada, mas móvel.
de apresentar o
Pai. Essa irmandade, que se dá
Apesar de essa procura ser mistério pascal sem em torno do único Pai, ensina
subjetiva, ela não é solitária, rebaixar o que ele os irmãos a se aceitar uns aos
não é isolada, mas se dá no in- outros sem que tenham se es-
terior de comunidades nas tem de exigente.” colhido mutuamente, pois têm
quais o clima de união e de a mesma filiação. Ela ensina a
convívio facilita o consenso. A Igreja a viver relações verdadei-
experiência da transcendência é atingida ramente fraternas em meio a relações assimé-
quando a vida se transforma em momentos tricas e hierárquicas. Ela ordena a vivência do
de intensidade emocional partilhados com amor sem medidas e do serviço aos mais fra-
outros irmãos de fé. A pertença depende de cos. Ela, apesar de não eliminar os laços con-
uma escolha que diz respeito ao campo de tratuais (a hierarquia, a obediência, as nor-
investimento pessoal, do retorno que esse mas etc.), ressignifica esses laços.
engajamento pode proporcionar. Como lidar O apelo de Deus para que vivamos frater-
com isso? Teria a fé cristã, cuja índole é de nalmente corre o risco de ser malcompreendi-
natureza comunitária, algo a oferecer a este do, como se a fraternidade eliminasse toda
mundo pós-moderno, onde os laços frater- diferença e toda especificidade das funções e
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nos se encontram tão fragilizados? serviços assumidos. A Igreja pode ser idealiza-
Para enfrentar esse desafio, o primeiro da como uma comunidade quente, de relações
•
ano 55
passo importante é ajudar nossos jovens a re- afetivas, onde reina a espontaneidade e o dese-
solver o mal-entendido que opõe Igreja a co- jo de estar junto. Mas viver fraternalmente não
•
cristãos com a Igreja institucional e cria a ilu- vas e calorosas, apesar da importância dos afe-
30
tos. “Não é a intensidade ou o calor dos senti- esse encontro. Nosso povo católico, mesmo
mentos que fazem a fraternidade, mesmo que os mais afastados da vida eclesial, gosta de
isso contribua fortemente” (VILLEPELET, celebrar, cantar, rezar, meditar... As celebra-
2003, p. 74). A relação fraterna não se estabe- ções litúrgicas, a começar das missas, preci-
lece só na esfera da afetividade, mas na esfera sam ser repensadas. O “rubricismo” precisa
da ética. Ela é criada por um terceiro, Deus, dar lugar ao bom senso, a monotonia à criati-
que nos congrega. vidade, a linguagem formal e técnica à lin-
Encerrando nossa reflexão, voltemos aos guagem do coração, o cumprimento dos ritos
desencontros entre a Igreja e os jovens men- ao mergulho no mistério pascal, a frieza das
cionados no começo deste artigo: a moral celebrações ao calor juvenil e à participação
sexual da Igreja, as celebrações litúrgicas, a alegre dos jovens.1
linguagem da fé e o modelo de comunida- 3) A linguagem da fé: quando falamos que a
des eclesiais que prevalece em nossas paró- linguagem da fé diz bem pouco a nossa gen-
quias. O que esses pontos levantados têm a te juvenil, lembramos que essa linguagem
ver com os desafios catequéticos acima não se refere apenas ao vocabulário, mas ao
apresentados? Vejamos. mundo de significações dos jovens, ou seja,
1) A moral sexual: na sociedade pós-moder- à gramática existencial deles, tão marcada
na, em que a afirmação já não vem dos valo- pelo afeto e pela subjetividade, enquanto a
res transmitidos por outrem, mas da constru- nossa geração foi marcada pela razão e pela
ção laboriosa da interioridade de cada pes- utopia social. Nosso desafio hoje não é ensi-
soa, parece inútil dar aos jovens a receita nar a fé, mas ser iniciado nela. Para atrair os
pronta acerca dos comportamentos morais, jovens, teremos de vencer preconceitos pe-
também no campo da sexualidade. Ou a dagógicos antigos; haveremos de deixar
Igreja educa os jovens para a responsabilida- para trás os caminhos pedagógicos já co-
de, ajudando-os, por meio da boa-nova do nhecidos e precisaremos nos aventurar em
evangelho, a tomar decisões éticas e morais construir com os próprios jovens uma peda-
compatíveis com a vida cristã, ou estará fa- gogia mais ousada.
lando para ninguém. Sua moral sexual não 4) O modelo eclesial: participar de comuni-
será acolhida por meio da força e da teologia dades fraternas, com exigências éticas até a
do medo, pois esses argumentos já não são doação radical da vida, pode ser ótima al-
aceitos pelos jovens de hoje, libertos da culpa ternativa para ajudar o sujeito à procura de
e do medo do castigo eterno. Enfrentar o de- si mesmo a se encontrar. Mas essa participa-
safio da interioridade, ajudando os catequi- ção já não se dá por convenção, tradição ou
zandos a construir para si uma identidade obrigação, mas porque é um investimento
que não seja fútil, será o caminho mais peno- importante na construção da interioridade.
so, porém mais eficaz para que a moralidade O encontro entre identidade cristã e perten-
cristã tenha respaldo entre a juventude. ça eclesial se instaura na e pela iniciação à
2) As celebrações litúrgicas: se nossos jovens fraternidade, que se dá em comunidades
não receberam a fé no berço familiar e por cristãs que procuram viver essa fraternida-
nº- 299
ver esse encontro. A liturgia é o lugar ideal que não comunica o mistério... Muitos trouxeram para a
para essa experiência transformadora. Mas missa a lógica do auditório, da festa, do shopping... Não
se trata disso, mas de fugir do engessamento litúrgico,
•
31
de. A catequese deveria, pois, ser vivida sas comunidades eclesiais não se tornarem
como um âmbito criador de relações frater- esse espaço fraterno que afirma o sujeito,
nas; fraternidade essa que ultrapassa até nossos jovens vão se recusar a construir
mesmo o ambiente eclesial. Enquanto nos- seus laços de pertença.
Referências
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______. L’avenir de la catéchèse. Paris: L’Atelier: Ouvrières, 2003. p. 19. (Tradução
nº- 299
wig Ana Maria; VILLEPELET, Denis (Org.). Risquer la foi dans nos sociétés: Églises
ano 55
______. La centralité du présent. Les Cahiers de l’Atelier, Paris, n. 523, p. 56-64, 2009.
32
homiléticos
Roteiros
Celso Loraschi*
Também na internet:
vidapastoral.com.br
33
Roteiros homiléticos
e recordando seus testemunhos de fé e amor. consequências dessa teologia na vida das pes-
A partir do século V, a Igreja dedica um dia soas empobrecidas, abandonadas, doentes...
do ano para rezar por todas as pessoas faleci- O sistema religioso oficial as considerava pe-
das, também por aquelas que ninguém lem- cadoras ou impuras e, portanto, indignas da
bra. É um dia que evoca saudade, esperança salvação divina.
e compromisso. Saudade daqueles que parti- Jó está convencido de sua inocência. De-
ram e marcaram, de uma maneira ou de ou- bate com os amigos até dar-se conta de que
tra, a vida de todos nós que ainda peregrina- está realmente sozinho em suas convicções.
mos neste mundo. Esperança porque nos foi Com quem poderá contar? Pouco a pouco, Jó
revelado que a morte não tem a última pala- vai abandonando suas pretensões de se fazer
vra, é passagem para a vida em plenitude. entender. Dentro de sua própria realidade de
Compromisso porque queremos que nosso dor e trevas, encontra novo caminho de aces-
tempo histórico seja vivido de acordo com o so a Deus, já não vinculado ao dogma da re-
que nos exorta a palavra de Deus. Como Jó, tribuição. Para além de qualquer instituição,
depositamos nossa confiança naquele que é o abre-se para Deus, fonte de toda a vida. Jó
defensor da vida (I leitura). Renovamos nossa confessa: “Eu sei que meu defensor está
convicção de que “a esperança não decepcio- vivo”. Defensor, vingador ou redentor (go’el
na”, como afirma Paulo em sua carta aos Ro- em hebraico), na antiga tradição de fé do
povo de Israel, é aquele cuja função é prote-
manos (II leitura). E nos consolamos, agrade-
ger os membros mais fracos da família, como
cidos, com a declaração de Jesus: “Esta é a
também resgatar os bens, a vida e a liberdade
vontade daquele que me enviou: que eu não
das pessoas endividadas.
deixe perecer nenhum daqueles que me deu,
A certeza da intervenção divina em favor
mas que os ressuscite no último dia”.
da vida das pessoas justas é ressaltada nesse
texto. É uma declaração cujas palavras me-
II. Comentário dos textos recem ser “consignadas num livro, gravadas
bíblicos por estilete de ferro num chumbo, esculpi-
das para sempre numa rocha”. Deus se inte-
1. I leitura (Jó 19,1.23-27a): Eu o ressa pela vida pessoal de cada um de seus
verei com os meus próprios olhos filhos. Ele nos ama, nos liberta e nos salva.
A experiência religiosa de Jó o leva a procla-
O livro de Jó faz parte da literatura sa- mar: “Eu mesmo o contemplarei, meus
piencial. Foi escrito, em sua maior parte, no olhos o verão...”.
período pós-exílico, por volta do ano 400
a.C. Reflete sobre a questão do sofrimento 2. II leitura (Rm 5,5-11): A
das pessoas justas, retratadas na figura de Jó. esperança não decepciona
Em situação calamitosa, abandonado por to- Esse texto está relacionado com o seu
dos, Jó recebe a visita de três “amigos”. Em contexto imediatamente anterior. Paulo refe-
vez de manifestar solidariedade a Jó, procu- re-se à justificação pela fé, o dom gratuito da
nº- 299
ram convencê-lo de que o sofrimento se deve salvação que Deus nos concede por meio de
aos pecados que certamente cometera. Eles Jesus Cristo. Somos todos pecadores. Eis em
•
ano 55
representam o pensamento teológico domi- que consiste o amor divino: Cristo morreu
nante: a conhecida “teologia da retribuição”, por nós, pessoas fracas, injustas e infiéis. Pela
•
segundo a qual Deus retribui o bem com o morte expiatória de Jesus, revela-se o rosto
Vida Pastoral
bem e o mal com o mal. Podemos imaginar as misericordioso de Deus. Ele não leva em con-
34
ta a nossa condição de pecadores. Seu amor alimentamos (palavra e eucaristia) neste novo
não é baseado em nossos méritos. Por meio êxodo rumo à pátria celeste.
de Jesus, fomos reconciliados com Deus e, Toda pessoa que, pela fé, acolhe Jesus e
pela fé, vivemos em paz com ele. dele se alimenta já possui a vida eterna. A fé
Nessa certeza, a caminhada nesta em Jesus não se resume a um assentimento
vida terrena é marcada pela “esperança que intelectual nem apenas a uma adesão reli-
não decepciona, pois o amor de Deus foi giosa, sem compromisso concreto. A fé é um
derramado em nossos corações pelo Espíri- jeito de ser que perpassa o cotidiano da
to Santo que nos foi dado”. Ora, o amor de vida. É a configuração da nossa vida na vida
Deus em nossos corações nos dá a garantia de Jesus. Assim, todo aquele que vive em
de um futuro de plenitude e glória. A vida Jesus não perecerá. Foi para isso que Deus
plena não é ilusão: é revelação divina que enviou o seu Filho ao mundo. “Esta é a von-
nos foi dada definitivamente na vida, morte tade de meu Pai: que todo aquele que vê o
e ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo. Filho e nele crê tenha a vida eterna; e eu o
Assim, reconciliados com Deus, vivemos o ressuscitarei no último dia”. A fé nos possi-
nosso tempo histórico como expressão de bilita “ver” Jesus, penetrar no seu mistério e
alegria e de gratidão a Deus, que nos criou e inundar todo o nosso ser pelo dom da ver-
nos salva na gratuidade de seu amor. Se dadeira vida.
Deus nos ama desse modo, também nós de- A comunidade joanina confessa que Je-
vemos amar uns aos outros. Se Jesus entre- sus veio ao mundo “para que todos tenham
gou sua vida livremente para a vida do vida e vida em plenitude” (Jo 10,10). Esta é
mundo, também nós doamos a vida, livre- também a nossa confissão de fé: ele é o doa-
mente, pelo bem dos outros. dor da vida plena já para este mundo e para
a eternidade. Ele mostrou o caminho da jus-
3. Evangelho (Jo 6,37-40): A vida tiça e da fraternidade a este mundo e venceu
eterna a morte pela sua ressurreição. Ele não exclui
O capítulo 6 do Evangelho de João apre- ninguém. Nele já ressuscitamos para a vida.
senta o ensinamento de Jesus sobre o pão da A morte não tem a última palavra.
vida. Ele se dirige à multidão perto do mar da
Galileia. Chama-lhes a atenção para que não
III. Pistas para reflexão
se ocupem somente com o alimento que pe-
rece, e sim com o “pão da vida”, o alimento - Meus olhos verão a Deus. Deus se revela
que dura para a vida eterna. na história humana de modo processual. Pou-
O pão da vida é o próprio Jesus, que li- co a pouco, conforme atesta a Bíblia. Ele se
vremente se doa como alimento: “Eu sou o deu a conhecer juntamente com o seu plano
pão da vida: aquele que vem a mim não terá de amor e salvação. O livro de Jó mostra que o
fome, e aquele que crê em mim jamais terá ser humano é um buscador de Deus. No meio
sede” (6,35). Na caminhada do Êxodo, rumo de muitas perguntas, dúvidas e crises, Deus
à terra prometida, Deus enviou do céu o permite que amadureçamos até nos conven-
nº- 299
“maná” que alimentou o povo durante todo o cermos de que ele realmente existe e é a fonte
tempo. É o símbolo da palavra de Deus que de toda a vida. Reconhecemos que, sem sua
•
ano 55
alimenta e dá a vida. Agora, Jesus é o verda- presença amiga e misericordiosa, a vida perde-
deiro maná descido do céu como eterno ali- ria todo o sentido. O encontro com Deus
transforma o nosso jeito de pensar e agir. Ele é
•
Palavra de Deus que se fez carne. Dele nos defensor da vida, o doador de todos os bens.
35
Roteiros homiléticos
cio de acolher a graça divina; de desapegar- coríntios, mostra Jesus como base-alicerce in-
-se do que é efêmero; de cultivar a amizade substituível da comunidade, comparando-a
•
ano 55
pessoal com Deus; de discernir e acolher a com um santuário, construído, porém, com pe-
sua vontade. Como seguidores de Jesus, é dras vivas. A comunidade, construída sobre o
•
tempo de defender e promover a vida neste alicerce que é Cristo, é templo de Deus e mora-
Vida Pastoral
36
II. Comentário dos textos
bíblicos O Processo de formação
da identidade cristã
1. I leitura (Ez 47,1-2.8-9.12): O Marlene Maria Silva, Rita de Cássia Pereira
Rezende e Vanildo de Paiva
verdadeiro templo gera vida para
todos
O profeta Ezequiel exerce sua atividade
entre os anos 593 e 571 a.C. Sacerdote exilado
na Babilônia com uma parte do seu povo, ele
anuncia as sentenças de Deus. Com sua lin-
guagem simbólica, Ezequiel indica os passos
para a construção do mundo novo: assumir a
responsabilidade pelo fracasso histórico de um
sistema que se corrompeu completamente,
provocando a ruína de toda a nação; converter-
-se para Javé, assumindo o seu projeto; e, com
246 págs.
base nisso, construir uma sociedade justa e fra-
terna, voltada para a liberdade e a vida. Com
Auxílio importante na tarefa que
esse “programa profético”, vislumbramos um as comunidades eclesiais têm na
futuro novo: Deus volta para o meio de seu formação de seus catequistas. Ao
povo, provocando o surgimento de uma socie- refletir sobre temas clássicos da
dade radicalmente nova. Os versículos esco- espiritualidade cristã – tais como
a sede de Deus, a conversão, a
lhidos para a primeira leitura da festa de hoje profissão da fé, a vida comunitária
falam desse “futuro novo” vislumbrado pela –, de maneira orante e celebrativa,
conversão. Pertencem a uma seção maior (ca- esse livro se coloca como instrumento
pítulos 40-48), que tem como tema central bastante útil e significativo para a
meditação do catequista acerca da
“Deus no meio do seu povo”. Nesses capítulos própria vocação e vivência cristã,
aponta-se para uma “nova Jerusalém”, tendo bem como sugere um itinerário
como centro vital o templo, onde habita o espiritual a ser percorrido com os
Deus que caminha com seu povo. seus catequizandos no processo de
iniciação à vida cristã.
ilustrativas.
paulus.com.br
ano 55
37
Roteiros homiléticos
mamente fecunda, portadora de vida para os Toca os animais e os vendedores para fora do
seres que nela vivem. E essa água sai do tem- templo. Manda que os vendedores de pombas
plo onde mora Deus. É, portanto, mensageira tirem aquilo dali. Elas serviriam para as ofe-
de vida do Deus da vida que habita no meio rendas dos pobres, e era aí que se verificava a
do seu povo. O mar Morto chama-se assim maior exploração, chegando o preço de um
porque, apesar de receber todo o volume de casal de pombos a ser cinco vezes maior do
água doce do rio Jordão, não tem vida nem que nas aldeias. Os pobres, não tendo condi-
vazão. É, pois, símbolo de ausência de vida, ções de oferecer a Deus ovelhas ou bois, sacri-
sinônimo de morte. Mas com a água que sai ficavam pombos para os ritos de expiação e
do templo torna-se extremamente fecundo, e purificação, bem como para os holocaustos de
não somente para a fauna. propiciação (cf. Lv 5,7; 14,22.30s). Com esse
O Novo Testamento apropriou-se dessa gesto, Jesus inaugura os tempos do Messias.
imagem de Ezequiel em várias ocasiões. As Zacarias previa um tempo em que o culto es-
mais significativas estão na literatura joanina: taria plenamente isento da exploração do
a água que jorra do lado aberto de Jesus (Jo povo. Para João, esse tempo chegou com Je-
19,34) e a descrição da nova Jerusalém em sus. A partir de agora ninguém mais poderá,
Ap 22,2. mesmo que o faça em nome de Deus, defen-
der um culto ou religião que sejam coniventes
2. Evangelho (Jo 2,13-22): Jesus é o com a exploração do povo.
novo templo Para aprofundar esse aspecto, é preciso ter
Por ocasião da festa da Páscoa, a cidade de presente a situação econômica daquele tempo.
Jerusalém se enchia de peregrinos. A Páscoa Nessa época, a maioria das terras da Palestina
era, para os judeus, a festa principal, pois nela estava nas mãos de latifundiários. Estes per-
o povo recordava a libertação da escravidão tenciam à elite religiosa (sumos sacerdotes e
do Egito. No tempo de Jesus, o povo ia a Jeru- anciãos) e moravam em Jerusalém. O sumo
salém para essa celebração festiva. Contudo, a sacerdote era o presidente do Sinédrio, o su-
Páscoa deixara de ser uma festa popular e de premo tribunal que condenará Jesus à morte.
vida por ser manipulada pelas lideranças reli- Três semanas antes da Páscoa, os arredores do
giosas, econômicas e políticas daquele tempo. templo se tornavam grande mercado. O sumo
O povo vai a Jerusalém para celebrar a liberta- sacerdote enriquecia com o aluguel dos espa-
ção, mas o que lá encontra é a maior explora- ços para as barracas dos vendedores e cambis-
ção. Pior ainda: parece que Deus está de acor- tas. Os animais criados nos latifúndios eram
do com tudo isso. Além de ser o sustentáculo conduzidos a Jerusalém e vendidos. A teologia
econômico da Judeia e de sua elite (18 mil veiculada pelo templo de Jerusalém é extre-
funcionários, sacerdotes, levitas e outros, mais mamente conservadora, isso porque os diri-
a promoção do turismo religioso), o templo gentes do templo estão por trás de todo o co-
era o grande negócio do pequeno grupo de mércio que nele se desenvolve.
sumos sacerdotes, formado praticamente pela Deus, o aliado dos sofredores empobreci-
família de Anás. Vendiam os animais a preço dos, sempre denunciou, por meio dos profe-
nº- 299
acima do mercado e, em seguida, os recebiam tas, a exploração da religião. Ele é o Deus que
de graça para sacrificar e queimar parte deles ouve o clamor dos marginalizados. Mas a te-
•
ano 55
em honra de Deus, enquanto o restante sem- ologia veiculada pelo templo de Jerusalém
pre lhes pertencia. afirma o contrário. Para ser ouvido, Deus
•
Jesus não concorda com essa situação. precisa ser comprado mediante sacrifícios. A
Vida Pastoral
João nos mostra Jesus usando um chicote. ira de Jesus tem toda razão de ser.
38
Os dirigentes, que se sentem lesados pelo
gesto de Jesus, reagem. Eles o querem intimi- Planejamento na catequese
dar: “Que sinal nos mostras para agir assim?” Eliane Godoy
(v. 18). Jesus lhes responde que sua morte e
ressurreição serão o grande sinal: “Destruam
este templo, e em três dias eu o levantarei” (v.
19). Temos aqui o centro do evangelho deste
dia. Jesus não só aboliu os sacrifícios do tem-
plo de Jerusalém, mas decreta que o novo
templo será o seu corpo, morto e ressuscitado.
A essa altura o Evangelho de João já aponta
para os responsáveis pela morte de Jesus.
80 págs.
Na comunidade de Corinto haviam sur-
gido “panelinhas” em torno dos principais
evangelizadores que por lá passaram: Paulo, A falta de planejamento, de
Apolo, Cefas… (1Cor 1,12), o que gerava conhecimentos metodológicos e de
tensões na comunidade. Paulo, na primeira conteúdos articulados com começo,
meio e fim desestimula os catequistas
carta aos Coríntios, ajuda a entender melhor e catequizandos, além de
essa tensão comunitária. Mostra aos coríntios enfraquecer a catequese. Faltando
que Cristo é o centro da comunidade e sua planejamento, tende-se a utilizar
razão de ser, ao passo que os agentes de pas- da improvisação como rotina, e
não como exceção. A boa intenção
toral não o são. Em outras palavras, Paulo,
é importante, mas a qualidade da
Apolo, Cefas e tantos outros evangelizadores catequese não pode depender
são como que instrumentos que conduziram apenas dela. A preparação e
e conduzem os coríntios a Cristo. Esse tema o planejamento adequados são
aparece na carta em 1,10-17; 3,1-17; 4,1-13. necessários. Este livro oferece uma
reflexão sobre a necessidade do
Um pouco antes (3,5), Paulo afirmou que planejamento, seus objetivos e
ele e Apolo são servidores de Deus, por meio possíveis resultados, como também
ilustrativas.
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ano 55
39
Roteiros homiléticos
como o centro.
1. Evangelho (Mt 25,14-30): Para
- Comunidade santuário. A comunidade
•
e adversidades e se torna santuário, fonte de quinto e último discurso de Jesus (Mt 24-
Vida Pastoral
40
Está voltado para as realidades futuras, apon-
tando a segunda vinda de Jesus como o even- Introdução à
to norteador de todo comportamento no Teologia Fundamental
tempo presente. J. B. Libanio
A parábola apresenta um homem que, ao
viajar para o estrangeiro, chama seus três ser-
vos, confiando-lhes os seus bens. A cada um
entrega os talentos conforme a sua capacida-
de. Mesmo o que recebe um talento tem em
mãos algo de muito valor, considerando que
o talento equivalia a aproximadamente 34
quilos de ouro. O centro da questão está na
maneira como cada um aplica o que recebe
do seu senhor. A forte reprimenda dada ao
que enterrou o talento indica a chamada de
atenção que os autores desejam fazer aos in-
224 págs.
terlocutores. O que estaria acontecendo na
comunidade cristã de Mateus, ao redor do
ano 85, época da redação do seu evangelho? A dimensão religiosa sofre
Podemos suspeitar que, entre os judeu- fortemente o impacto da cultura.
-cristãos, havia alguns que se acomodaram Por conseguinte, a cultura
urbana moderna bate de cheio
numa situação de fechamento e de indiferen- contra o imaginário tradicional,
ça para com o próximo. Considerando o con- questionando-o ou mesmo
junto do livro, percebemos a intenção funda- desfanzendo-o. Ao conhecer esse
mental que é a prática da justiça, não confor- mundo cultural, ao menos de
modo sumário, brotam perguntas
me a interpretação oficial da Lei, e sim con- à fé, às quais a Teologia
forme a vontade divina. Esta se realiza pela Fundamental trabalha. Nessa
vivência do amor aos pobres e pequeninos. introdução, J. B. Libanio abordou
Parece que alguns judeu-cristãos ainda mani- os elementos basilares dessa
disciplina teológica, seu percurso
festavam extrema dificuldade de abrir-se à
histórico até a atualidade e suas
nova proposta inaugurada por Jesus. Perma- perspectivas e desafios diante
ilustrativas.
meramenteilustrativas.
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ano 55
41
Roteiros homiléticos
A expressão “dia do Senhor” aparece tam- tem extrema habilidade de gerenciar a sua casa;
bém em vários textos do Primeiro Testamento. exerce ofícios diversos com destreza; é aplicada
•
ano 55
Refere-se à intervenção especial de Deus na e sabe como adquirir os bens necessários para a
história humana, normalmente com o objeti- família. Além disso, é sensível às necessidades
•
vo de estabelecer um julgamento. Para Paulo, alheias e sabe partilhar: “Estende a mão ao po-
Vida Pastoral
ter consciência da volta inesperada do Senhor bre e ajuda o indigente”. A conclusão revela a
42
característica de uma pessoa sábia: “Enganosa é ga, à corrupção, ao hedonismo... Poderemos
a graça e fugaz é a formosura! A mulher que nos fechar em nosso mundo e nos desinteres-
teme ao Senhor, essa merece o louvor...”. sar pelo sofrimento alheio, pela destruição do
O texto exalta, portanto, uma vida pau- planeta... Somos capazes de vislumbrar quais
tada no temor ao Senhor. É um dom do Es- são as consequências provenientes destas duas
pírito Santo. É a fonte de onde brota a sabe- propostas: viver como filhos da luz e viver
doria, com todas as suas boas ações. Quem como filhos das trevas?
teme a Deus faz de sua vida um dom que lhe - Com sabedoria e com amor. Há muita gente
agrada. Todas as coisas são transitórias, tam- que põe o sentido de sua vida nos bens transi-
bém a graça e a beleza. As obras da sabedo- tórios. Podem ter tudo e faltar-lhes a sabedoria.
ria, porém, duram para sempre, porque são A mulher apresentada na primeira leitura nos
expressões do amor. Como escreverá Paulo: indica como viver com sabedoria: no temor ao
“O amor jamais passará” (1Cor 13,8). Senhor, isto é, na submissão ao seu plano de
amor. Tudo o que fazemos deve ser realizado
com especial dedicação, pensando no bem da
III. Pistas para reflexão família e também das pessoas que passam ne-
- O tempo é dom de Deus para boas cessidade. A vida nos foi dada não para sermos
obras. Deus concedeu os talentos, de modo escravos do ativismo, e sim para louvarmos a
original, a cada um de nós. Ninguém está Deus em tudo o que fizermos. Todo momento
isento de contribuir para a construção de é propício para amar a Deus e ao próximo.
um mundo de fraternidade e justiça. Cada
pessoa, conforme a sua capacidade, é cha-
34º Domingo do Tempo Comum
mada a fazer parte do grande mutirão a fa-
/Cristo Rei
vor do Reino de Deus. O comodismo e a
indiferença contradizem a fé cristã. É bom 23 de novembro
que cada um de nós se pergunte: que talen-
tos recebi de Deus e de que modo os desen- Opção preferencial
volvo e aplico? Conforme a parábola de Ma-
teus, o servo que enterrou seu talento o fez pelas pessoas
por medo do seu senhor. O contrário do
medo não é a coragem, e sim a fé. Quais
medos, hoje, impedem o testemunho de
excluídas
vida coerente com a fé e o seguimento de
Jesus Cristo? Em nossa comunidade de fé (e I. Introdução geral
também na sociedade), que boas ações pre- O tema central enfocado neste dia em que
cisam urgentemente ser feitas? homenageamos a Jesus Cristo como Rei do
- Viver como filhos da luz. O tempo é sagra- Universo é o cuidado preferencial com as pes-
do. Caminhamos nesta terra ao encontro do soas necessitadas. Na I leitura, pela boca do
Senhor. Não sabemos quando nem como será. profeta Ezequiel, Deus se revela como o Rei-
nº- 299
São Paulo nos alerta sobre o que é realmente -Pastor que vai ao encontro das ovelhas que se
importante: viver cada momento de modo dispersaram por causa da negligência dos
•
ano 55
digno, como filhos da luz. Para isso, é necessá- maus pastores, os líderes do povo. Ele as reco-
ria a atitude de vigilância. Se não estivermos lhe sob o seu cuidado direto. Dispensará a
•
acordados, poderemos ser arrastados pela ten- cada uma o tratamento necessário para a sua
Vida Pastoral
43
Roteiros homiléticos
enfatiza o texto da liturgia deste domingo. dos pastores da Palestina serve de fonte de
A caracterização de Deus como o verda- inspiração.
•
ano 55
deiro Pastor é comum em vários outros tex- Jesus, o Filho do homem, veio para sal-
tos do Primeiro Testamento. Por exemplo, var a todos os povos. Sua prática histórica
•
mo 23(22). Com base na situação cultural fez-se servo de todos, dedicando-se priorita-
44
riamente às pessoas excluídas. Na concep-
ção da comunidade cristã de Mateus, ele A família em foco
voltará como governante, de modo glorioso, Marfiza T. Ramalho Reis
para o estabelecimento definitivo do Reino e Maria Elci Spaccaquerche
de Deus. Todas as nações reunir-se-ão ao
seu redor. Como verdadeiro Pastor, julgará
com justiça. Os critérios de julgamento não
serão a pertença a determinado povo (como
pensava o judaísmo oficial), nem a esta ou
àquela tradição religiosa, nem o cumpri-
mento de todas as leis. Há uma só lei deter-
minante, o amor às pessoas que sofrem ne-
cessidades: famintas, sedentas, forasteiras
(migrantes), nuas, doentes e presas.
De acordo com o sistema sacerdotal da
época, todos esses grupos faziam parte da ca-
296 págs.
tegoria das pessoas impuras, que traziam o
estigma da condenação divina. No entanto, Nas telas do Cinema e da TV,
Jesus conhecia muito bem as causas da exclu- imagens surgem e nos revelam,
são social e jamais iria conceber a ideia de cas- sendo, portanto, necessário explorá-
tigo divino. Pelo contrário, apresentou o ver- -las para compreender um sentido
mais amplo da cultura e sua relação
dadeiro rosto de Deus por meio de seu jeito com a psique. Consideramos a
terno e misericordioso de relacionar-se com as análise de filmes muito apropriada
vítimas dos sistemas político e religioso. para compreendermos essas
A parábola também questiona: “Onde relações de tempo e espaço,
assim como as ansiedades que
está Deus?” A ideia dominante é que Deus se emergem. Quando nos permitimos
encontra no templo de Jerusalém. No tempo ser guiados por uma história,
em que Mateus escreve (pelo ano 85), o realizamos a nossa leitura, aquela
templo já não existe: fora destruído pelo de que precisamos. Existem
muitas leituras, e nossa proposta
exército romano no ano 70. Agora, para os
neste livro é mostrar uma leitura,
rabinos, Deus está nas sinagogas e naqueles interpretar personagens e símbolos
ilustrativas.
meramenteilustrativas.
que cumpriam a Lei e, por isso, eram cha- sem categorizá-los. Na verdade,
mados de “justos”. Na parábola, as pessoas este livro não é sobre cinema,
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Roteiros homiléticos
I. Introdução geral
ano 55
não precisa cair no desespero, pois, sempre entrando no Advento, tempo de renovar as
Vida Pastoral
46
“Vigiai!” é a advertência do próprio Jesus a
seus discípulos. Todo momento é propício Percorramos os caminhos da Paz
para acolher o Salvador. Que ninguém seja Papa Francisco
surpreendido (evangelho). O amor de Deus
se manifestou na história do povo de Israel e,
de forma plena, por meio de Jesus Cristo. Sé-
culos antes do nascimento de Jesus, o povo
dirigia-se a Deus como Pai e Redentor. Mes-
mo com as infidelidades dos seus filhos, o Pai
permanece fiel à aliança de amor. Ele perdoa
e protege os pecadores arrependidos; está
próximo de quem pratica a justiça e age em
favor de quem espera nele. Deus Pai nos edu-
ca e nos transforma: nós somos a argila, e ele
é o oleiro (I leitura). Sua graça foi derramada
144 págs.
abundantemente sobre todos nós por meio
do seu Filho, Jesus. Paulo constata o efeito
dessa graça no comportamento dos cristãos
“Uma corrente de esforço pela
de Corinto. Também a nós, hoje, Deus con- paz possa unir todos os homens e
cede todos os dons para sermos irrepreensí- mulheres de boa vontade. É o forte
veis na esperança da plena revelação de Cris- e premente convite que dirijo a toda
to (II leitura). Conduzidos pelo espírito da a Igreja Católica, e que estendo
a todos os cristãos de outras
palavra de Deus contida nas leituras deste confissões, aos homens e mulheres
domingo, preparamo-nos de modo digno de qualquer religião, e também aos
para o Natal, voltando ao caminho do amor e irmãos e irmãs que não creem: a
da fidelidade a Deus e ao próximo. paz é um bem que supera qualquer
barreira, porque é um bem de
toda a humanidade. A cultura do
II. Comentário dos textos encontro e do diálogo é o caminho
para a paz.” Papa Francisco
bíblicos
vigiai, vigiai!
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Roteiros homiléticos
Esse texto do Terceiro Isaías consiste numa Essa bela confissão pode muito bem tornar-se,
Vida Pastoral
súplica dirigida a Deus, na qual o povo confes- para cada um de nós, um caminho de espiri-
48
tualidade neste tempo de Advento e na cami- talecerá até o fim, para que sejam irrepreensí-
nhada ao encontro definitivo com Deus. veis”. E lembra-lhes qual vocação receberam
de Deus: a comunhão com Jesus. A “comum-
3. II leitura (1Cor 1,3-9): Deus nos -união” é o que caracteriza as famílias e as
chama à comunhão comunidades cristãs. É o jeito de ser das pes-
Paulo manifesta sua alegria diante do tes- soas que seguem a Jesus. A fé e a unidade
temunho cristão revelado pela comunidade andam juntas.
de Corinto. Ao longo da carta, ele oferecerá
diversas orientações para o crescimento ain- III. Pistas para reflexão
da maior dos participantes daquela igreja. Já
na introdução, expressa uma ação de graças a - Somos servos vigilantes? Jesus sabe que
Deus e incentiva os cristãos à fidelidade ao enfrentamos dificuldades de toda espécie no
Senhor Jesus Cristo. A comunidade de Co- caminho da santidade. Vivemos pressiona-
rinto era formada, em sua maioria, por gente dos por muitas propostas atraentes e engano-
que não era sábia segundo a lógica do mun- sas. Não podemos “dormir”, como quem se
do, não era poderosa e não tinha prestígio deixa levar pelo espírito de alienação, indife-
social. Em outras palavras, eram pessoas con- rença e acomodação. O evangelho que ouvi-
sideradas sem valor (cf. 1Cor 1,26-27). En- mos insiste na atitude da vigilância. O servo
tão, quais são os motivos da ação de graças? vigilante é aquele que vence o egoísmo pela
Os motivos que Paulo enumera são vá- prática do amor-serviço. O tempo de Adven-
rios: ele diz que a comunidade acolheu “a to é propício para avaliar as nossas atitudes
graça de Deus dada através de Jesus Cristo”; cotidianas: somos servidores “vigilantes” ou
também diz que Jesus cumulou a comunida- somos egoístas “dorminhocos”?
de “de todas as riquezas: da palavra e do co- - Somos argila nas mãos do Oleiro? Temos a
nhecimento”; alegra-se ainda porque “o tes- oportunidade de participar deste tempo de
temunho de Cristo tornou-se firme a tal pon- graça que é o Advento. Não podemos desper-
to que não falta nenhum dom”. É também diçá-lo com distrações que nos desviam do
uma comunidade que está vigilante, à espera essencial: acolher Jesus Cristo de forma dig-
da “revelação de nosso Senhor Jesus Cristo”. na. O texto de Isaías nos lembra que Deus é
São motivos de exultação para Paulo, nosso Pai querido: ele nos criou e nos educa.
pois foi ele que primeiramente anunciou o Quando erramos e nos arrependemos, ele
evangelho em Corinto, ao redor do ano 50. nos perdoa. Ele é o Redentor (go’el) que assu-
Estabeleceu-se por lá, na casa de Priscila e me as nossas dívidas e nos oferece nova opor-
Áquila, durante um ano e meio. Fez questão tunidade para sermos pessoas verdadeira-
de trabalhar para não depender da ajuda mente livres. Sejamos como a argila nas mãos
alheia. Aprendeu a renunciar ao egoísmo fa- do oleiro: Deus nos corrige, molda-nos,
risaico para seguir a Jesus Cristo crucificado, transforma-nos e nos realiza plenamente. O
unindo-se aos “crucificados” da sociedade. que está impedindo a ação do divino Oleiro
Organizou a comunidade cristã... Agora, em nossa vida? Quando e como estamos ma-
nº- 299
não perde a oportunidade de animar os seus o chamado que Deus nos faz para viver e pro-
Vida Pastoral
filhos espirituais, dizendo que Cristo os “for- mover a “comum-união”. Certamente conhe-
49
Roteiros homiléticos
ência para conosco e “não quer que ninguém como o pastor em busca de suas ovelhas. Ele
se perca, mas que todos venham a converter- as reúne, tomando no colo as que necessitam
•
ano 55
-se”. Esse tempo histórico em que vivemos ser carregadas. Deus é o resgatador da vida
pode transformar-se em tempo de salvação ameaçada e o cuidador das pessoas enfraque-
•
(II leitura). São palavras que nos encorajam a cidas e indefesas. Nisto consiste a sua glória:
Vida Pastoral
50
Teologicamente, esse segundo êxodo
aponta para um horizonte ilimitado, a liber- A presença não ignorada de
tação em plenitude. Ela acontecerá com a Deus na obra de Viktor Frankl
vinda de Jesus Cristo, o Emanuel – “Deus- Thiago Antonio Avellar de Aquino
-conosco”. Como em terceiro e definitivo
êxodo, ele nos põe em marcha, na certeza
não apenas das libertações históricas, mas da
salvação eterna. O Advento é tempo de ven-
cer as resistências e pôr-se em caminhada,
celebrando a presença salvadora de Deus.
96 págs.
Filho de Deus que assumiu a condição hu-
mana. A palavra “princípio” vai além do sen-
tido cronológico. Indica nova origem, novo Por meio da análise existencial,
tempo inaugurado por Jesus. Ele vem para Viktor Frankl descobriu uma
religiosidade inconsciente, ou
dar início à nova criação. João Batista é o seja, uma relação intencional
mensageiro que vem preparar-lhe o caminho. para com Deus velada para a
De acordo com a tradição judaica, o Mes- consciência do homem moderno.
sias seria precedido por Elias (cf. Ml 3,23). Essa compreensão apenas pôde
ser captada e sintetizada por
Marcos respeita essa tradição, apresentando um autor que fosse de fato uma
João Batista como o novo Elias. Sua missão é pessoa profundamente sensível
comprovada por meio da citação de dois tex- ao fenômeno religioso, o que
tos da Primeira Aliança (Ml 3,1 e Is 40,3). permitiria vislumbrar e reintegrar
a religiosidade em uma dimensão
Sua mensagem é ousada; ele fala no mesmo saudável do ser humano. Nessa
espírito de Elias. É verdadeiramente um pro- perspectiva, o presente livro
feta. E até “mais do que um profeta”, como teve como principal escopo
dirá Jesus (Lc 7,26). Sua pregação no deserto compreender o significado
ilustrativas.
meramenteilustrativas.
da religião e da religiosidade
corresponde ao anúncio de um tempo de para a logoterapia e identificar
graça e libertação. O deserto, na história de
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Roteiros homiléticos
Jesus. Enquanto João batiza com água, Jesus mano no início do segundo século, orien-
batizará com o Espírito Santo. O batismo de tando-as para viverem na fidelidade à tradi-
João está associado à confissão e ao perdão dos ção apostólica. Diversas situações estão de-
pecados. A imersão na água constituía rito pu- sencorajando os cristãos a permanecer na fé
rificatório com consequente transformação do que receberam das primeiras testemunhas
coração, conforme se percebe nas palavras do da vida e da proposta de Jesus.
profeta Ezequiel: “Borrifarei água sobre vós e Uma dessas situações diz respeito à fé na
ficareis puros; sim, purificar-vos-ei de todas as segunda vinda de Jesus. A expectativa da
vossas imundícies e de todos os vossos ídolos iminência da sua volta já não é tão grande.
imundos. Dar-vos-ei coração novo, porei no Um grupo de pregadores trata da questão
vosso íntimo espírito novo, tirarei do vosso com zombaria, dizendo: “Não deu em nada
peito o coração de pedra e vos darei coração a promessa de sua vinda... Tudo continua
de carne” (Ez 36,25-26). como desde o princípio da criação” (3,4). O
João Batista deve ter causado profunda texto deste domingo rebate as ideias desses
impressão aos olhos dos que o conheceram. falsos pregadores. Argumenta que não é
Vários se fizeram seus discípulos. Chegou a ser uma questão a ser medida pela lógica huma-
considerado o Messias esperado. O texto de
na. Os cálculos humanos não conseguem
Marcos corrige essa concepção. O Messias é
penetrar os desígnios divinos. Seus pensa-
Jesus. Seu batismo é com o Espírito Santo, isto
mentos e seus caminhos não são os nossos
é, sua prática é produzida de acordo com a
(cf. Is 55,8-9). A atitude a ser tomada é de
dinâmica eficaz do Espírito Santo. Ele vem
nos abandonar, com toda a confiança, ao
combater todas as forças demoníacas. Diante
plano salvador de Deus.
dele, João Batista apresenta-se como um servo
O texto reafirma a volta de Jesus numa
indigno de desatar-lhe as correias das sandá-
nova dimensão de tempo: “Para o Senhor, um
lias. Jesus é “mais forte”. Percebe-se aqui o eco
das palavras de Isaías (9,5): “Um menino nos dia é como mil anos e mil anos como um dia”.
nasceu, um filho nos foi dado, ele recebeu o O tempo aqui é entendido em seu sentido
poder sobre seus ombros, e lhe foi dado este “cairológico”. Este tempo cronológico, tão fu-
nome: Conselheiro-maravilhoso, Deus-forte, gaz, pode se transformar em cairológico, pro-
Pai-para-sempre, Príncipe-da-paz”. pício para acolher a salvação que Deus nos
A atitude de humildade e de serviço de oferece gratuitamente. O tempo do relógio é a
João Batista diante de Jesus torna-se modelo oportunidade que Deus nos dá para entrar-
e caminho para todos os que desejam cele- mos na dinâmica do “tempo eterno”. Deus usa
brar o Natal de uma maneira coerente com a de muita bondade e paciência para conosco
fé cristã. O convite que nos é lançado é de “porque não quer que ninguém se perca, mas
mudança de vida. “Dobrar-se” perante Jesus é que todos venham a converter-se”. A primeira
não desperdiçar a graça da salvação que entra carta a Timóteo (2,4) completa: “Ele quer que
definitivamente na história humana. todos se salvem e cheguem ao conhecimento
da verdade”. O nosso empenho cotidiano,
nº- 299
3. II leitura (2Pd 3,8-14): Para que portanto, não é fantasiar sobre quando ou
ninguém se perca como será o fim do mundo e a volta de Jesus,
•
ano 55
A segunda carta de Pedro pode ser con- mas viver na santidade e na justiça, contri-
siderada um “testamento”. Atribuída ao buindo para que já neste mundo seja concreti-
•
apóstolo Pedro, oferece conselhos às comu- zada a sua proposta de vida em abundância,
Vida Pastoral
52
III. Pistas para reflexão
Josefina Bakhita
- Sempre a caminho. Deus se revelou na his- O coração nos martelava no peito
tória do povo de Israel em caminhada pelo de- Roberto Italo Zanini (Org.)
serto. Também suscitou a esperança do povo
exilado na Babilônia, anunciando-lhe novo
êxodo. Jesus se tornou o caminho para todas
as pessoas que nele acreditam. Nós também
somos peregrinos neste mundo, sempre em
caminhada. Todos nos encontramos na condi-
ção de êxodo, isto é, em caminho para uma
vida sempre melhor: mais justa, mais fraterna,
mais santa... Nesta caminhada, temos a certeza
do “Deus-conosco”. Ele nos educa, orienta,
perdoa, encoraja... Ele cuida de cada um de
nós como o pastor cuida de suas ovelhas, car-
96 págs.
regando no colo as mais frágeis. Preparar-se
para o Natal é fazer o êxodo pessoal, familiar e
“Uma pérola negra, africana, está
comunitário: mais bondade, mais sinceridade, incrustada na coroa da glória de
mais atenção, mais justiça, mais amor, mais fé, Deus. Bakhita é para nós todos o
mais esperança, mais... Isso implica menos testemunho dos mais doces atributos
de Deus: o seu fiel e eterno amor,
correrias, menos consumismo, menos...
a sua misericórdia e compaixão,
- Aos pés de Jesus. João Batista preparou- a sua infinita bondade. Bakhita,
-se para a vinda de Jesus por meio de uma vida precisamente para nós, fala da
simples. Deu testemunho de humildade e ser- absoluta liberdade de Deus nas suas
viço. Sentiu-se indigno de ser um escravo de escolhas, com preferência privilegiada
pelos pobres e humildes. A vida de
Jesus para desatar-lhe as correias das sandá- Bakhita, antes no Sudão, depois na
lias. Sua vida foi uma denúncia contra o con- Itália, é a história do amor de Deus
sumismo e a busca de poder. Sua pregação que salva e redime, que ergue do
visava à confissão dos pecados, à conversão e monturo os pobres, para fazê-los
assentar-se entre os grandes do seu
ao perdão divino. O batismo era o sinal exter- povo. Ela nos ajuda a iluminar o
no da disposição interna de purificação e mu-
ilustrativas.
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ano 55
53
Roteiros homiléticos
Jesus é a luz
Um homem, enviado por Deus, vem para
testemunhar essa verdade. Seu nome é João,
verdadeira
que significa “Deus é favorável”. O seu teste-
munho é verdadeiro, pois não é dado por al-
gum interesse pessoal, mas pelo cumprimen-
to de uma missão divina. Em sua humildade,
I. Introdução geral ele nega ser Elias ou algum dos profetas. No
Nas leituras deste domingo, transpira entanto, ele “foi enviado”, assim como os
alegre expectativa. O Salvador vem! O teste- profetas eram enviados por Deus para procla-
munho de João Batista não deixa dúvidas de mar a sua vontade ao povo. Alguns deles
quem é Jesus: a luz verdadeira que vem ilu- anunciaram a vinda do Messias. João Batista
minar todo ser humano. Com a missão de completa a profecia do Primeiro Testamento,
preparar a sua vinda, João Batista nos convo- bem próximo à vinda do Messias, preparan-
ca a “endireitar o caminho do Senhor” (evan- do-lhe o seu caminho.
gelho). Jesus é o Messias, o ungido de Deus, O testemunho fala alto. A pregação que sai
enviado ao mundo “para trazer a boa notícia da boca de quem vive o que fala penetra fundo
aos pobres, para curar os corações feridos, no coração dos ouvintes. O testemunho de
para proclamar a liberdade aos oprimidos, João Batista era tão forte, que muitos achavam
para libertar os presos e anunciar o ano da que ele fosse a verdadeira luz. Possuía uma au-
graça do Senhor...” (I leitura). O amor gratui- toridade especial, sem a delegação do sistema
to de Deus manifestado em Jesus Cristo nos religioso centrado no templo. Isso provocou
enche de alegria e confiança; somos tomados ciúme nas autoridades religiosas e também
pelo sentimento de gratidão. Em oração e em preocupação, por causa do seu poder de atrair
ação de graças, acolhemos a vontade divina e multidões. Por isso, os judeus de Jerusalém en-
nos esforçamos para viver na santidade (II viam uma comissão de sacerdotes e levitas para
nº- 299
leitura). É preciso aguçar os ouvidos e abrir o investigar quem é João Batista. Ele esclarece:
coração para que a palavra de Deus penetre “Eu não sou o Cristo”. Ao negar também ser
•
54
transgressora e contrária à expectativa oficial. Uma elite sacerdotal reconstrói o templo e
A postura firme e coerente de João Batista, organiza o sistema de pureza. O povo é opri-
que culminou com o seu martírio, tornou-se mido e cada vez mais empobrecido sob a
para as primeiras comunidades cristãs um si- obrigatoriedade de pagamento de impostos
nal de luz muito forte. Ao redor dele formou- tanto aos persas como ao templo.
-se um movimento de seguidores. Foi neces- O grupo profético toma posição a favor
sário dirimir as dúvidas a respeito da sua iden- dos pobres. Sente-se vocacionado por Deus e
tidade e missão. João Batista “não era a luz, ungido pelo Espírito Santo para fortalecer o
mas veio para dar testemunho da luz”. Ele não ânimo e a esperança das pessoas vítimas do
é um obstáculo ou uma sombra, mas reflexo poder político e religioso. Pelas categorias ci-
da grande luz. Seu ministério possui imensu- tadas, descobrimos a condição social dessa
rável importância: proporcionar a acolhida do gente: são pobres, possuem coração ferido,
dom da fé no Messias verdadeiro. são pessoas oprimidas e são presas. A elas
O evangelho fundamenta a missão de Deus envia o profeta com a missão específica
João Batista no texto do Segundo Isaías de anunciar a boa notícia, curar, proclamar a
(40,3): ele é “a voz que clama no deserto: en- liberdade e libertar. É Deus intervindo na his-
direitai o caminho do Senhor”. Os que entor- tória humana para resgatar a vida onde ela
taram o caminho do Senhor foram as autori- está sendo ameaçada.
dades judaicas, ali representadas pela delega- A utopia que move esse movimento profé-
ção de sacerdotes e levitas. Elas vão se opor tico é uma sociedade justa e fraterna, como foi
radicalmente a Jesus, tentando impedi-lo de no tempo do tribalismo israelita. É o que se
exercer o seu ministério. É preciso ouvir a constata pela referência à promulgação do “ano
voz da profecia que clama no deserto. Pelo da graça do Senhor”: diz respeito à celebração
deserto, apoiado na certeza da presença de do ano jubilar, com a tomada de medidas para
Deus, o povo foi abrindo o caminho para a a repartição da terra às tribos, o perdão de to-
terra de liberdade e vida. A presença salvado- das as dívidas e a libertação dos escravos, a fim
ra de Jesus Cristo abre caminho para um de que não houvesse pessoas excluídas. Essa
novo mundo: depende de nossa acolhida e utopia serviu de matriz inspiradora para a ação
adesão à sua proposta. A voz da profecia – do grupo profético do Terceiro Isaías, compro-
conforme o testemunho e a pregação de João metido com a organização de uma sociedade
Batista – incomoda quem não deseja mudan- justa. Sua concepção de Deus contrapõe-se à
ças. É para a nossa conversão e consequente dos sacerdotes do templo. É outra teologia,
adesão a Jesus como nosso salvador que João que emerge do lugar social das pessoas injusti-
Batista foi enviado... çadas. Jesus se alimentou dessa teologia com-
prometida com a vida em abundância para to-
2. I leitura (Is 61,1-2a.10-11):
dos. Conforme vai relatar o Evangelho de Lu-
O Espírito Santo nos ungiu
cas (4,18-19), é exatamente esse texto de Isaías
O movimento profético de Isaías Terceiro (61,1-2a) que Jesus vai assumir como síntese
(Is 56-66) emergiu no período do pós-exílio reveladora de sua missão.
nº- 299
(ao redor do ano 500 d.C.). A situação do A segunda parte dessa I leitura (61,10-
povo é conturbada. Há sérios conflitos entre 11) consiste num hino de louvor e alegria
•
ano 55
os que voltaram do exílio e os que permane- pela certeza do agir libertador de Deus junto
ceram na terra de Judá. Um pequeno grupo a seu povo. Vislumbra-se a realização da uto-
•
se impõe com o apoio do governo persa, ar- pia de um novo mundo, porque Deus assim
Vida Pastoral
rogando-se o direito de tomar posse da terra. o quer. “Eis que vou criar um novo céu e uma
55
Roteiros homiléticos
nova terra” (Is 65,17). O povo, ungido pelo Percebe-se que o apóstolo oferece suas
Espírito de Deus, sente-se renovado: vestido instruções num tom de seriedade e vigilância.
com vestes de salvação, coberto com o manto Ele nos exorta a ser íntegros e irrepreensíveis,
da justiça, preparado para a celebração de vivendo conforme a vontade do “Deus da
um novo casamento. Deus, sempre fiel à paz”, que nos concede a santidade perfeita e
aliança, “faz germinar a justiça e o louvor em nos sustenta nesta caminhada ao encontro do
todas as nações”. A vinda de Jesus é a realiza- Senhor que vem. Essa paz divina é muito mais
ção desse sonho... do que a ausência de conflitos, não consiste
em mera tranquilidade, mas está ligada à re-
3. II leitura (1Ts 5,16-24): Alegrai-
conciliação definitiva com Deus e com as bên-
-vos sempre
çãos messiânicas.
Em sua primeira carta aos Tessalonicen-
ses (que também é o primeiro escrito canôni-
co do Segundo Testamento), Paulo demons-
III. Pistas para reflexão
tra preocupação especial com o comporta- - Acolher a luz verdadeira. Em prepara-
mento da comunidade cristã, que vive a ex- ção ao Natal do Senhor, é importante prestar
pectativa da vinda de Cristo. Ele usa a palavra atenção à voz de João Batista, que anuncia a
“parúsia” (“vinda”), que, na cultura greco- vinda de Jesus, a luz verdadeira. Como profe-
-romana, designa a chegada solene de uma ta, enviado por Deus, ele nos exorta a “endi-
pessoa ilustre. Nesse caso, refere-se à volta reitar os caminhos do Senhor”. Com a vinda
triunfal de Jesus. de Jesus, já não precisamos andar às cegas ou
Paulo exorta os cristãos a viver prepara- tateando na direção de pequenas luzes que
dos para a parusia, que se dará de forma re- logo se apagam. As trevas foram definitiva-
pentina. Em que consiste essa preparação? mente vencidas pelo Messias, a luz do mun-
Pode ser resumida neste apelo: “Vede que do. Como João Batista, podemos transformar
ninguém retribua o mal com o mal; procurai nossa vida em reflexo da luz verdadeira. É
sempre o bem uns dos outros e de todos” Jesus que deve brilhar por meio de nosso jei-
(5,15). Tendo por fundamento o amor frater- to de ser e agir... Que trevas existem em nós
no, a comunidade não precisa temer. Pelo que precisam ser dissipadas?
contrário, pode alegrar-se sempre. Na certeza - Ungidos pelo Espírito Santo. A profecia
do encontro com o Senhor, deve orar inces- de Isaías Terceiro revela que o Espírito de
santemente, dando graças a Deus. Deus está sobre as pessoas marginalizadas
A alegria do cristão é contínua e funda-se pelo sistema de poder. Também João Batista é
na fé no Senhor Jesus. Ela não depende de cir- um profeta marginalizado que prega no de-
cunstâncias externas; mesmo num mundo serto. São pessoas pequeninas, reflexos do
hostil, permanece viva. A alegria constante amor de Deus. São ungidas pelo Espírito
está intimamente ligada ao hábito da oração, Santo... Também Jesus vai nascer à margem
num espírito de ação de graças a Deus, fonte da cidade de Belém. Ele é o Filho de Deus.
de todo bem. É de sua vontade que estejamos Ungido pelo Espírito Santo, vai assumir a
nº- 299
conscientes disso e levemos uma vida de grati- causa da libertação das situações que opri-
dão. Ele nos dá o Espírito Santo com seus mem o ser humano. Deus age por meio das
•
ano 55
dons; ele suscita profecias, isto é, maneiras di- pessoas humildes e frágeis... O que isso quer
versas de instruir para edificar e para discernir dizer para nós hoje?
•
o que é bom. Paulo continua com tom impe- - Alegria e oração. São Paulo exorta: “Ale-
Vida Pastoral
rativo: “Guardai-vos de toda espécie de mal”. grai-vos sempre, orai sem cessar”. A alegria
56
cristã nasce da fé em Jesus. Ela jamais se apa-
ga, não importam as circunstâncias. Está inti- Para ler o Apóstolo Paulo
mamente ligada à oração constante. É pela Chantal Reynier
oração e pelo amor fraterno que permanece-
mos na paz de Deus e irradiamos a sua luz.
As trevas se dissipam, e o Espírito Santo nos
ajuda a discernir o que é bom e a viver na
santidade... Neste tempo de Advento, é bom
nos perguntar: como vai a nossa vida de ora-
ção pessoal, familiar e comunitária?
296 págs.
4º Domingo do Advento
21 de dezembro Esclarecimentos necessários, para
que todos os interessados na
I. Introdução geral
Neste 4º e último domingo do Advento,
meditamos sobre a anunciação do Senhor,
conforme relata o Evangelho de Lucas. O
Salvador encarna-se no mundo pela via não
356 págs.
57
Roteiros homiléticos
ra). Jesus é o extravasamento do amor divi- sua memória. Não é para isso que Deus o
no derramado sobre todos os povos. Ele nos chamou, e sim para cuidar da vida do povo.
foi dado a conhecer pelos anúncios proféti- Um templo material para o Senhor revela a
cos e pela bondade e sabedoria de Deus, a pretensão de “apropriar-se” do sagrado e “le-
quem queremos glorificar eternamente (II gitimar” o domínio monárquico sobre o
leitura). Entrando na semana do Natal, na povo, como vai acontecer a partir de Salo-
mesma disposição de Maria, a mãe de Jesus mão. A habitação em que Deus prefere morar
e nossa, queremos acolher o Salvador e di- não é a feita de cedro, pois isso significaria
zer-lhe com o coração e com a vida: “Eis afastamento do lugar social onde vivem as
aqui os servos e as servas do Senhor...”. pessoas comuns. A habitação humilde em
que Deus quer morar é o chão onde se en-
contra o povo.
II. Comentário dos textos Deus, então, indica que a perenidade do
bíblicos reino de Davi se dará por outro caminho. De
sua descendência virá o Messias. Seu reino,
1. I leitura (2Sm 7,1-5.8b-12.14a.16): porém, não será monárquico nem atenderá à
A tenda de Deus expectativa dos dominantes. O messianismo
A história de Davi, ao longo da Bíblia, vai de Jesus revela-se transgressor desde o anún-
sendo contada e recontada pelas sucessivas cio do seu nascimento.
gerações. Ao redor dessa personagem cria-se
2. Evangelho (Lc 1,26-38): A
verdadeiro movimento. O regime da monar-
anunciação do Messias
quia produziu uma realidade de marginaliza-
ção para muita gente. A memória de Davi Segundo o Evangelho de Lucas, o anún-
como rei-pastor funciona, para as vítimas do cio do nascimento de Jesus se dá no “sexto
poder monárquico, como resistência e espe- mês” a contar da concepção de João Batista.
rança do estabelecimento de um Reino de É evidente a ligação com o “sexto dia” da
justiça e paz. criação, quando Deus criou o ser humano.
A 1ª leitura deste domingo consiste Jesus inaugura nova humanidade. O anún-
numa denúncia à situação privilegiada em cio se dá em Nazaré da Galileia. No Primeiro
que se encontra Davi. Depois de uma traje- Testamento, não encontramos referência a
tória de inúmeras lutas e conflitos, ele se essa cidade, o que indica ser um lugar sem
torna rei de Israel, constrói para si uma casa importância. Ninguém poderia supor que a
luxuosa e pretende construir um templo promessa do Messias seria cumprida por
magnífico para Deus. Por meio do profeta meio de uma jovem camponesa de Nazaré.
Natã, porém, Deus lembra a Davi que ja- Lucas tem clara intenção de contrapor a
mais precisou de uma casa, pois, desde o instituição religiosa oficial localizada em Je-
nascimento de Israel, sempre morou em rusalém com a cidadezinha de Nazaré, de
tenda, a fim de caminhar com o seu povo, onde não se esperava nada de bom (cf. Jo
protegê-lo e libertá-lo. 1,46). Maria está comprometida em casa-
nº- 299
para o Senhor revela a intenção de projetar-se Assim, Jesus foi reconhecido pelas multidões
Vida Pastoral
politicamente, firmar seu poder e perenizar como o Messias que, segundo a crença co-
58
mum, deveria pertencer à linhagem davídica.
No entanto, ele é “grande” não por ser “filho Qual o sentido da vocação
de Davi”, e sim por ser “Filho do Altíssimo”. e da missão?
Por isso, “o seu reinado não terá fim”. O rei- José Lisboa Moreira de Oliveira
no de Jesus é universal e eterno, não se anco-
ra no poder temporal nem age com a força de
nenhum exército. Seu programa está contido
em seu nome: Jesus = “Deus salva”.
Com relação a Maria, Lucas não menciona
sua ascendência. É uma mulher comum a quem
o anjo anuncia que será a mãe de Jesus. A graça
de Deus está nela e conceberá o “Filho de Deus”
96 págs.
com o poder do Espírito Santo. A “sombra” que
cobre Maria lembra a “nuvem” que simbolizava Convite para percorrer o caminho
a presença de Deus no meio do seu povo em feito desde o Concílio até agora,
caminhada pelo deserto rumo à terra prometi- de modo que enxerguemos a
da. O livro do Êxodo relata também: “A nuvem dimensão vocacional da ação
cobriu a tenda da reunião e a glória do Senhor evangelizadora da Igreja.
encheu a habitação” (Ex 40,34).
Maria é a nova habitação de Deus. O Vocação
Convite para servir
anjo Gabriel, mensageiro divino (cujo nome
significa “Deus é forte”), anuncia: “O Espíri- Pe. José Dias Goulart
to Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo
vai te cobrir com a sua sombra”. Ela é esco-
lhida e agraciada como “sinal” salvífico de
Deus, conforme anunciara o profeta Isaías
(7,14): “O Senhor vos dará um sinal: eis que
a jovem está grávida e dará à luz um filho e
dar-lhe-á o nome de Emanuel”. As expres-
sões: “agraciada” e “encontraste graça diante
256 págs.
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Roteiros homiléticos
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Sagrada família
28 de dezembro Iniciação à Filosofia de São
Tomás de Aquino
Henri-Dominique Gardeil
de Deus
I. Introdução geral
A Igreja preocupa-se de modo especial
com a família. Ela é o espaço privilegiado
onde se desenvolve o maravilhoso dom da
472 págs.
vida de cada ser humano. O Documento de
Aparecida lembra que “a família é sujeito e Conserva todo o frescor graças aos
objeto de evangelização, centro evangeliza- magníficos textos de São Tomás,
cuidadosamente traduzidos e
dor de comunhão e participação”. Para isso, disponibilizados simultaneamente em seu
“deve encontrar caminhos de renovação in- teor latino original.
terna e de comunhão com a Igreja e o mun-
do” (DAp 568s). O papa Francisco convo- Iniciação à Filosofia de São
cou recentemente um sínodo sobre os desa- Tomás de Aquino
Psicologia e Metafísica – Vol. 2
fios pastorais da família no contexto da
evangelização. De fato, são muitos os desa- Henri-Dominique Gardeil
diversos membros que formam a família, Mostra que o estudo da alma, em Aristóteles,
ampliando-se para a comunidade. O texto é parte integrante da investigação física, na
qual ele se inscreve como uma espécie de
do Eclesiástico dirige-se especialmente aos introdução para a biologia.
filhos, a fim de que saibam honrar e servir
os seus pais, em obediência à lei de Deus.
Vendas: (11) 3789-4000
Assim, atrairão sobre si bênçãos divinas (I 0800-164011
leitura). A carta aos Colossenses ressalta os
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Roteiros homiléticos
plar a família de Nazaré (evangelho), cons- ajunta um tesouro; será respeitado pelos seus
tatamos que Deus realiza o seu plano de próprios filhos; quando rezar, será atendido;
amor por meio do assentimento de fé dos terá uma vida longa; dará alegria à sua mãe; a
pais, como Maria e José. A família é sagrada compaixão para com o pai não será esqueci-
na medida em que seus membros se amam, da e, em lugar dos pecados, serão aumenta-
pois, onde há amor, Deus aí está. dos os méritos; no dia da aflição, será lem-
brado por Deus...
II. Comentário dos textos 2. II leitura (Cl 3,12-21): Santos e
bíblicos amados de Deus
Este texto da carta aos Colossenses, atri-
1. I leitura (Eclo 3,3-7.14-17a): buída a Paulo, orienta a comunidade cristã
Honrar pai e mãe no que se refere ao relacionamento na famí-
O livro do Eclesiástico (ou Sirácida) foi lia. A cultura grega predominava em toda a
escrito originalmente em hebraico em torno região da Ásia Menor, onde se situava a cida-
do ano 200 a.C. por um senhor chamado de de de Colossas. A casa, normalmente, era
Jesus filho de Sirac. O original não chegou constituída por esposa e marido, pais e filhos,
até nós. O que temos é a tradução em grego escravos e patrões. É esse o modelo de casa
feita pelo neto do autor, por volta do ano 130 que tem presente o autor.
a.C. É um livro que busca preservar a tradição Ao ler o conjunto do texto (3,5-17), per-
religiosa do povo judeu, cuja identidade está cebe-se o motivo pelo qual os membros da
ameaçada pelo domínio grego. Um dos temas casa devem ser instruídos. Há comportamen-
mais caros desse livro é a sabedoria aplicada tos condenáveis, como a “imoralidade sexual,
ao cotidiano. O texto da liturgia de hoje ressal- impureza, paixão, maus desejos, especial-
ta a Sabedoria que se expressa no relaciona- mente a ganância, que é uma idolatria” (3,5).
mento dos filhos com os seus pais. Constitui E mais: há desordens provocadas por “ira,
um comentário do quarto mandamento do furor, malvadeza, ultrajes e palavras indecen-
Decálogo. É bom verificar todo o conjunto do tes” (3,8) e também há mentiras (3,9) e dis-
texto: 3,1-18. A honra aos pais refere-se tanto criminação de pessoas, “entre grego e judeu,
ao respeito à autoridade como ao sustento em circunciso e incircunciso, estrangeiro ou bár-
suas necessidades. O desprezo desse manda- baro, escravo e livre” (3,11).
mento corresponde à ofensa a Deus. Esse modo de pensar e de agir, é claro,
Apesar da cultura patriarcalista em que o ameaça a vida familiar também dos cristãos.
autor está inserido, percebe-se (pelo menos São comportamentos que contrariam o que
neste texto) igualdade de tratamento para pai deveria ser o modo de viver dos seguidores e
e mãe, assim como se constata também na seguidoras de Jesus, “eleitos de Deus, santos
formulação do quarto mandamento. Esse e amados”. Então, qual é a maneira coerente
mandamento, como afirma a carta aos Efé- de viver desses “eleitos de Deus”? O texto
sios, é “o primeiro que vem acompanhado de (3,12-17) é tão claro, que prescinde de expli-
nº- 299
uma promessa: para que sejas feliz e tenhas cação. Constitui um caminho privilegiado
vida longa sobre a terra” (Ef 6,2-3). Essa pro- para a felicidade das famílias no tempo atual.
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ano 55
que honra e respeita o seu pai e a sua mãe: tema familiar dominante na época, em que o
Vida Pastoral
alcança o perdão dos pecados; é como quem poder de decisão se concentrava na figura do
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pai/patrão. O autor é filho da sua época. À luz
dos ensinamentos de Jesus, porém, foi restabe-
lecida a igualdade entre mulher e homem, en- Teoria das ideias de Platão
tre esposa e marido. Todos os seres humanos, Uma introdução ao idealismo
cada qual com suas originalidades e especifici- Vol. 1 e 2
dades de funções, possuem a mesma e impres- Paul Natorp
cindível dignidade. Isto é agradável ao Senhor,
que nos criou à sua imagem e semelhança.
416 págs.
cia são retratados como escolhidos de Deus,
por meio dos quais ele realiza o seu plano de
amor e de salvação universal. A própria etimo-
logia dos nomes, na língua hebraica, revela tra-
ços do rosto divino: Gabriel (Deus é forte), Za-
carias (Deus se lembra), Isabel (Deus é plenitu-
de), João (Deus é favorável), Maria (amada de
Deus), José (Deus acrescente), Ana (misericór-
dia), Simeão (Deus ouviu) e Jesus (Deus salva).
O texto deste domingo apresenta alguns
544 págs.
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Roteiros homiléticos
Também Simeão e Ana são apresentados Eclesiástico e da carta aos Colossenses, pode-
por Lucas como pessoas afinadas com o plano mos captar o alerta diante do que pode ame-
de Deus. Não estão aí por acaso: representam açar a vida familiar. É necessário cultivar os
o povo de Israel, que se manteve fiel na certeza valores que a tradição de fé nos deixou como
da vinda do Salvador, conforme a promessa herança. São valores que atraem a bênção di-
feita por meio dos profetas. O texto diz que vina, como o comportamento de honra e de
Simeão “era justo e piedoso e esperava a con- respeito dos filhos para com os pais, bem
solação de Israel”; Ana era profetisa e “servia a como os sentimentos de compaixão, bonda-
Deus dia e noite com jejuns e orações”. São de, humildade, mansidão, paciência e perdão
pessoas conduzidas pelo Espírito Santo que mútuo. A família de Nazaré inspira a família
sabem discernir e acolher os sinais de Deus na de hoje a ser “sagrada”, tendo em vista a ple-
história humana. Por isso, ambos se alegram, na realização de cada um dos seus membros
louvam a Deus e anunciam suas maravilhas. e a sua missão evangelizadora no mundo,
Jesus, portanto, cresceu sob o cuidado de como esclarece o Documento de Aparecida:
Maria e José, na simplicidade de um lar co-
O casal santificado pelo sacramento
mum, participando de sua comunidade de fé
do matrimônio é um testemunho da pre-
e respeitando a tradição religiosa de seu povo.
sença pascal do Senhor. A família cristã
Conheceu a Deus com base no testemunho de
cultiva o espírito de amor e serviço. Qua-
seus pais e foi tomando consciência de sua
tro relações fundamentais da pessoa en-
identidade e de sua missão salvadora. “O me-
contram seu pleno desenvolvimento na
nino foi crescendo, ficando forte e cheio de
vida da família: paternidade, filiação, ir-
sabedoria. A graça de Deus estava com ele” (Lc
mandade, nupcialidade. Essas mesmas
2,40). A sagrada família de Nazaré inspira as
relações compõem a vida da Igreja: expe-
famílias cristãs de nossos dias: quando Deus é
riência de Deus como Pai, experiência de
levado a sério e seu amor é vivido entre todos
Cristo como irmão, experiências de filhos
os que estão na casa, essa família torna-se por-
em, com e pelo Filho, experiência de
tadora da bênção divina, “sujeito e objeto de
Cristo como esposo da Igreja. A vida em
evangelização, centro evangelizador de comu-
família reproduz essas quatro experiên-
nhão e participação”. É uma família “sagrada”.
cias fundamentais e as compartilha em
miniatura: são quatro facetas do amor
III. Pistas para reflexão humano (DAp 583).
- A família é bênção de Deus que precisa Outras reflexões sobre a família no Docu-
ser cultivada. Nas entrelinhas dos textos do mento de Aparecida, números 567 a 616.
ABC da Bíblia
Trata-se de um livrete-programa para cinco encontros, destinados às comunidades
de base, círculos bíblicos e outros grupos dedicados ao estudo da Bíblia. É útil
nº- 299
também para uma leitura pessoal. De apresentação bastante simples, não oferece
dificuldade para o leitor de nenhuma categoria social. (40 páginas)
Imagens meramente ilustrativas.
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ano 55
Vi si t e no ssa lo j a Vi rt ua L | paulus.com.br
Vida Pastoral
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SAZONAL
MATERIAL
2015
CALENDÁRIOS
DE PAREDE
CALENDÁRIO
DE MESA
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CALENDÁRIOS DE
MENSAGENS (PAREDE OU MESA)
Paisagens
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Santos
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Mensagens
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CALENDÁRIOS
AGENDA DE LITURGIA DA PALAVRA
PLANEJAMENTO DE CADA DIA ANO B
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Variedades
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Dízimo Colorido - Grande
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Grande Agenda Litúrgica PB - Grande
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Bíblico
Cód.: 7891210013095 Pequena PB - Pequena Colorido - Pequena
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AGENDA AGENDA DE
CATEQUÉTICA MESA LUXO
Cód.: 7891210013910 Preta
Cód.: 7891210013804
Creme
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A questão humana existencial
no sentido da vida
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O LIVRO DO SENTIDO
Volume 1
Crise e busca de sentido hoje
(parte crítico-analítica)
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