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Ciber-socialidade: tecnologia e
vida social na cultura contemporânea
P ara compreendermos os
impactos das novas tec
nologias na cultura e na co-
municação contemporâneas devemos
dirigir nosso olhar para a sociedade
ções sociais: “... tel qu’il se donne”
(Lyotard, 1959, p. 7).
Partindo dessa visão fenome
nológica do social, Maffesoli tenta des-
crever o que, segundo ele, vai marcar
enquanto um processo (que se cria) a atmosfera das sociedades ocidentais
entre as formas e os conteúdos (Sim- contemporâneas: a “socialidade”, mos-
mel). É isso, no fundamental, o que trando como este conceito é definido em
nos propõe Maffesoli. Trata-se, a oposição ao de “sociabilidade”. A socia-
partir da perspectiva formista lidade “daria o tom” aos agrupamentos
simmeliana, de mostrar a di- urbanos, diferenciando-se da sociabili-
nâmica sócio-técnica que se dade por colocar a ênfase na “tragédia
instaura neste final de século do presente”, no instante vivido além de
misturando, de forma inusi- projeções futuristas ou morais, nas rela-
tada, as tecnologias digitais e ções banais do cotidiano, nos momentos
a “socialidade” pós-moderna, não institucionais, racionais ou finalistas
formando a cibercultura1. da vida de todo dia. Maffesoli procura
Para compreendermos olhar “a vida como ela é”, como diria
melhor essa cibercultura pla- A obra de Maffesoli é decisiva para Nelson Rodrigues (aliás, ambos investem
netária, vamos tentar mostrar como se fazer uma abordagem fenomenológi numa perspectiva erótica do social).
conceitos maffesolinianos, tais como ca da sociedade contemporânea ocidental. A socialidade é para Maffesoli um con-
o “tribalismo”, o “presenteísmo”, o Como veremos, o conjunto de conceitos junto de práticas cotidianas (hedonismo,
“vitalismo” e o “formismo”, podem que compõem a socialidade maffeso- tribalismo, presenteísmo) que escapam
ser aplicáveis para descrever a re- liniana nos ajudará a compreender os ao controle social e que constituem o
lação entre as novas tecnologias e fenômenos recentes da cultura eletrônica substrato de toda vida em sociedade,
a sociedade contemporânea. Esses global (Internet, multimídia de massa, não só da sociedade contemporânea,
“miniconceitos” vão pontuar todos wearables computers, tamagotchi, “ob- mas de toda sociedade. É a socialidade
os campos da cultura, não só a ciber jetos que pensam”, MIT, cyborgs2 etc.). que “faz sociedade”, desde as sociedades
cultura (comunidades virtuais, jogos A fenomenologia dedica-se aos “études primitivas (momentos efervescentes,
eletrônicos, imaginário ciberpunk, de ‘phénomènes, c’est à dire de cela qui ritualísticos ou mesmo festivos) até as so-
cibersexo, realidade virtual, ciber apparaît à la conscience, de cela qui est ciedades tecnologicamente avançadas.
espaço), mas todos os acontecimen- donné” (Lyotard, 1959, p.7). E é nesse A socialidade é, assim, a multiplicidade
sentido que a sociologia maffesoliniana de experiências coletivas baseadas não
tos cotidianos, todas as formas de
é uma fenomenologia do social. Ela tem na homogeneização ou na institucio
agregação (banal, festiva, esportiva,
por objetivo olhar aquilo que é “dado”, nalização e racionalização da vida, mas
midiática) que marcam atualmente
aquilo que “é”, e não aquilo que “deve ser” no ambiente imaginário, passional, eró-
as sociedades.
uma sociedade, insistindo na descrição tico e violento do cotidiano dos “homens
A sociedade contemporânea das formas presentes (atuais) das rela- sem qualidade” (Musil). Maffesoli aponta
LOGOS
que existem momentos de uma deter- Como afirma Maffesoli, se não podemos me la manière nécessaire sans laquelle la vie
minada sociedade em que uma forma mais falar de unidade (fechada, acabada, ne peut entrer dans le phénomène, sans
vai exprimir melhor uma determinada objetiva e instrumental) do social, a laquelle elle ne peut pas être vie spirituelle”
cultura. Assim foi, por exemplo, a forma análise da vida cotidiana nos permite (Simmel, 1990, p.229). A evolução das
institucionalizada da modernidade. Em ver uma certa unicidade (unicité), que se formas da cultura se estabelece, assim,
outras, como na sociedade contempo- traduz como uma união holística, como num processo paradoxal entre a vida,
rânea, é a socialidade não institucional, um processo em que elementos os mais que quer superar suas formas (que é a
tribal, que se sobressai. diversos agem em sinergia, dentro de possibilidade mesma de “ex-istência” da
Esta socialidade, então, vai se es- uma mesma forma “formante”. vida), e estas últimas, que revestem a
tabelecer como um “politeísmo de Maffesoli indica, no conjunto de seu vida e que tendem a cristalizá-la. Para
valores”, no qual nós “atuamos” de- trabalho, como a modernidade insistiu Simmel, e aí está a idéia de vitalismo
sempenhando papéis, produzindo numa assepsia social marcada por uma social presente nos trabalhos de Maffe
máscaras de nós mesmos, agindo numa racionalidade instrumental. Ela buscava soli, a fecundidade da vida obriga as
verdadeira “teatralidade cotidiana” domesticar (ou aniquilar) as “imperfei- formas a se reconstituírem num proces-
(Goffman, 1973). É no cotidiano, locus ções” (tidas como escórias sensoriais) so contínuo. Desse modo, a forma teria
da prática dessa “teatralidade” exercida da vida, como as emoções desmedidas, duas funções contraditórias: ser ao mesmo
nos diversos papéis que encarnamos nas a violência e o imaginário simbólico. tempo suporte e prisão da vida4. As formas
situações plurais do dia a dia, que nós po- de uma determinada sociedade vão
demos “ex-ister” (ser, no sentido de “sair cristalizar-se em objetos técnicos, nas
de si”), sem sucumbir aos imperativos Podemos propor, como hipó- instituições e no imaginário. Essas formas
de uma moral ou de uma racionalidade tese de trabalho, que as novas tendem a se desenvolver de maneira
implacável, típicos do individualismo tecnologias de comunicação autônoma e independente. A cultura
moderno. realiza-se, segundo Simmel, nessa tra-
A socialidade pós-moderna, por co- atuem como fatores de difração gédia, como processo de objetivação
locar a ênfase no presente, não investe desse comunitarismo tribal típico do sujeito e de subjetivação dos objetos.
mais no “dever ser”, mas naquilo “que é”. da socialidade contemporânea. Por exemplo, em todos os objetos téc-
A vida cotidiana vai insistir na dimensão nicos, podemos ver como esses são, ao
do presente, caótico e politeísta. Isto mesmo tempo, limite e possibilidade de
vai caracterizar um primeiro conceito Entretanto, a contemporaneidade, manifestação da vida social, sob a forma
chave da socialidade: o “presenteísmo”, insiste Maffesoli, vai ser marcada por de uma tekhnè.
a ênfase no presente em detrimento de um imaginário dionisíaco (sensual, tri- Podemos explorar essa metodologia
perspectivas futuristas. A socialidade bal), além de prerrogativas puramente formista para analisar a cibercultura e
não seria, portanto, contratual, no sen- instrumentais. Podemos ver exemplos principalmente o ciberespaço. Este, en-
tido dos engajamentos políticos fixos disso nas diversas situações que mar- quanto forma técnica é, ao mesmo tempo,
ou dos pertencimentos a classes sociais cam a cadência das ações minúsculas limite e potência dessa estrutura social de
definidas e estanques. Ela seria efêmera, do presente. E a técnica vai desempe- conexões tácteis, que são as comunidades
imediata, empática. Maffesoli dá vários nhar um papel muito importante nesse virtuais (chats, MUDs e outras agregações
exemplo dessa socialidade nas suas processo. Ao invés de inibir as situações eletrônicas)5. Em um mundo saturado
análises sobre a sociedade contempo- lúdicas, comunitárias e imaginárias da de objetos técnicos, será nessa forma
rânea (agrupamentos urbanos, festas e vida social, as novas tecnologias vão técnica que a vida social vai impor o seu
rituais, moda, tecnologia etc.). Sobre esta agir como vetores potencializadores vitalismo (a socialidade) e reestruturá-la.
questão, A conquista do presente (1984) dessas situações. As diversas manifestações contemporâ-
é obra de referência. Essa sociologia da forma (“formante”) neas da cibercultura podem ser vistas
A socialidade, por conseguinte, en- tem origem na sociologia de Simmel, influ- como expressão cotidiana dessa vida
contra sua força na astúcia das massas ência decisiva da sociologia maffesoliniana. tecnicizada que se rebela contra as for-
(Baudrillard, 1985), marcada por uma As formas (institucionais, simbólicas, técni- mas instituídas e cristalizadas.
espécie de passividade ativa, intersti cas) de uma cultura visam enquadrar a vida, Segundo Maffesoli, e aí está mais um
cial, subversiva, e não por um ataque regulá-la, controlá-la. Para o “formismo” de conceito importante para compreender-
frontal de cunho revolucionário. Esse Simmel, a vida se impõe sempre contra os mos a socialidade, estaríamos assistindo
comportamento rizomático (Deleuze & limites da forma. A vida necessita da forma hoje a passagem (ou a desintegração) do
Guattari, 1980), esguio e efêmero, vai ser para “ex-istir”, da mesma maneira que ela indivíduo clássico à (na) tribo. A erosão e o
determinante para a cibercultura. Como deve estar para além das formas. É nesse esgotamento da perspectiva individualista
afirma um zippie3, um dos expoentes embate entre formas e conteúdos que se da modernidade são correlatos à formação
dessa cibercultura: “antes de lutar contra enraíza o trágico da sociedade (Simmel, das mais diversas “tribos” contemporâneas
o sistema, nós estamos ignorando-o”. 1988). (um fenômeno mundial). Através dos di-
Entretanto, se não existe mais uma A forma seria uma “matriz” que pre- versos “tribalismos” (1987), a “organização”
unidade do social (na passagem do mo- side o nascimento e a morte de diversos da sociedade cede lugar, pouco a pouco,
delo ocidental de árvore ao rizoma), isso elementos da vida em sociedade. A forma à “organicidade” da “socialidade”, agora
não significa uma desagregação radical, seria então “formante”. As formas sociais tribal e não mais racional ou contratual.
nem tão pouco o isolamento patológico. são o invólucro “dont cette vie s’habille, com- Se, na modernidade, afirma Maffesoli,
LOGOS
o indivíduo tinha uma função, a pessoa agindo como vetores de comunhão, de l’évidence tactile passe actuellement,
(persona) pós-moderna tem um papel, compartilhamento de sentimentos e de outre les innombrables rassemblements
mesmo que efêmero, hedonista ou reliance comunitária. Isso mostra que a (...), par le développement technologique
cínico. Para Maffesoli, a lógica individu- tendência comunitária (tribal), o presen- (télématique, vidéotexte, micro-électro-
alista apoiou-se sobre uma identidade teísmo e o paradigma estético podem nique) où se joue une interdépendance
fechada, sobre o indivíduo, enquanto potencializar e ser potencializados pelo sociétaire indéniable. (...) c’est au contrai-
que a persona só existe em relação ao desenvolvimento tecnológico. Podemos re la fusion groupale que prend le dessus
outro; por isso que tem necessidade da ver nas comunidades do ciberespaço dans l’âge esthétique” (1990, p.45).
tribo, para se construir com o outro, pelo a aplicabilidade do conceito de socia A sociedade contemporânea, esti-
outro e no outro. O indivíduo é, assim, lidade, definido por ligações orgânicas, mulada pela tecnologia, mergulha nessa
“poussé par une pulsion grégaire, il est, efêmeras e simbólicas. A cibercultura, em dimensão da socialidade sobre a qual
lui aussi, le protagoniste d’une ambiance todas as suas expressões é, precisamen- nos fala Maffesoli. Podemos dizer que, na
affectueuse que le fait adhérer, participer te, esta reliance social potencializada cultura contemporânea, as tecnologias
magiquement à ces petits ensembles vis- pela tecnologia microeletrônica. Como potencializam uma “comunicação-co-
queux que j’ai proposé d’appeler tribus” mostra Maffesoli, a socialidade pode munhão”, em que “l’individu ici s’abolit
(1992, p.17). efetivamente, “... caminhar lado a lado en tant que tel pour participer à une
Segundo Maffesoli, estaríamos vendo com o desenvolvimento tecnológico, communauté, quelque peu mythique
hoje, por meio dos diversos tribalismos ou mesmo ser apoiada por ele (veja-se o certes, dont l’imaginaire n’est pas sans
contemporâneos (religiosos, esporti- micro ou o Minitel)” (1987, p.110). effet dans le quotidien, en particulier
vos, hedonistas, musicais, tecnológicos Podemos propor, como hipótese parce qu’il accentue la communication
etc.), o surgimento das “solidariedades de trabalho, que as novas tecnologias sans objet spécifique: la communication
orgânicas” (Durkheim), das “comunida- de comunicação atuem como fatores pour la communication” (1990, p.286).
des emocionais” (Weber), da “reliance” de difração desse comunitarismo tribal É interessante notarmos também
(Bolle de Bal). O tribalismo refere-se, típico da socialidade contemporânea. que a tecnologia moderna foi associada
conseqüentemente, a uma vontade de Isso vai caracterizar a formação de uma ao expoente da racionalidade, da obje-
“estar-junto” (être-ensemble), para a qual sociedade de comunicação estruturada tividade, da austeridade, sendo oposta
o que importa é o compartilhamento de sobre uma conectividade generalizada, a toda e qualquer forma de socialidade
emoções. Isso vai formar o que Maffesoli utilizando redes planetárias de comuni- (o emocional, o subjetivo, o dionisíaco).
identifica como “cultura do sentimento”, cação (ciberespaço - rede de redes) em Maffesoli aponta isso muito claramente
baseada em relações tácteis, por formas tempo real (imediato, presenteísmo). no prefácio de um número especial
coletivas de empatia. Essa cultura do Com o ciberespaço, estamos assistindo da revista francesa Sociétés sobre a
sentimento não se inscreve mais em a uma forma crescente de agregações tecno-socialidade (technosocialité). Ele
nenhuma finalidade, tendo como única eletrônicas, mostrando a permanência afirma: “il peut sembler paradoxal de
preocupação o presente vivido coleti- (senão o renascimento) de comunidades penser, dans un même mouvement, la
vamente. de base, ou de comunidades orgânicas technique et la socialité. C’est pourtant
Maffesoli propõe analisar esta nova baseadas no que a Escola de Palo Alto ce paradoxe que ce numéro de Sociétés
“ambiance” comunitária pós-moderna a (ver: Watzlawick) chamou de “proxemia” entend poser” (1996, p.1). No entanto,
partir do que ele chama de “paradigma (proxémie). Esse comunitarismo tribal por mais paradoxal que possa pa-
estético”. Para Maffesoli, a socialidade tri- está presente nas redes telemáticas recer, a tecnologia contemporânea
bal contemporânea, gregária e empática, como Internet, nos videotextos como o é um dos fatores mais importantes
que se apóia sobre as multi-personalida- Minitel, nos BBSs6 etc. Isso mostra que de formação dessa socialidade pós-
des (as máscaras do teatro cotidiano), a tecnologia “não chega a erradicar a moderna.
age a partir de uma “ética da estética” e potência da ligação (da re-ligação) e, O estranhamento atual em relação
não a partir de uma moral universal. A às vezes, serve-lhe até de coadjuvante” à técnica advém justamente dessa sim-
sociedade elabora, assim, um ethos, une (Maffesoli 1987, p.61) biose bizarra entre a socialidade ma-
maneira de ser, um modo de existência Essas comunidades virtuais do ci- ffesoliniana, que recusa a positividade
“où ce qui est éprouvé avec d’autres sera berespaço encaixam-se bem no que utópica e a racionalidade industrial, e
primordial. C’est cela même que je désig- Hammerz chama de “communauté sans as novas tecnologias. A cibercultura
nerai par l’expression: éthique de l’esthé proximité”, instituindo não um território contemporânea mostra que é no co-
tique”. Estética aqui deve ser compreendida, físico, mas um território simbólico (em- ração mesmo da racionalidade técnica
afirma Maffesoli, como Gesamtkunstwerk, bora o pertencimento simbólico não que a socialidade aparece com força
como obra de arte total (1990, p.12). Esta seja exclusividade das comunidades e ganha contornos definidos. Como
“ética da estética” vai impregnar todo o eletrônicas). As comunidades virtuais afirma Maffesoli: “les divers procès
ambiente social e contaminar o político, a agregam-se em torno de interesses co- d’affolement, sportifs, politiques, reli-
comunicação, o consumo, a publicidade, muns, independentes de fronteiras ou gieux, musicaux, sont ici pour témoig-
as empresas, ou seja, a vida cotidiana no demarcações territoriais fixas. Essas co- ner de la perdurance de l’aspect par au
seu conjunto. munidades de interesse são como “une moins ‘non rationnel’ dans nos sociétés
A explosão da comunicação contem- cosa mentale, une sorte de matérialité (...). Certains y voient même la marque de
porânea deve-se às novas mídias que mystique” (Maffesoli,1990, p.215). Mais la postmodernité” (1992, p.100).
vão potencializar essa pulsão gregária, uma vez, Maffesoli vem constatar “que Talvez estejamos vivendo uma re-
LOGOS
versão do processo de isolamento in- eletrônicos (hackers, crackers, cypher sociabilidade moderna, as tecnologias
dividualista moderno, buscando, pelas punks...), entre outros, mostram como o microeletrônicas (digitais) diferenciam-
tecnologias (o que é estranho), uma nova “mundo da vida” parte em simbiose ativa se (em forma e conteúdo) das tecno-
forma de agregação social (eletrônica, com o “mundo da técnica”. logias eletromecânicas (analógicas).
efêmera e planetária). A cibercultura, A contracultura das anos 70, por Todo o desafio sócio-técnico da cultura
esse “estilo” da cultura técnica contem- exemplo, foi um movimento contra a contemporânea está na passagem da
porânea, é o produto social e cultural cultura desligante (déliante) da moder sociabilidade moderna à socialidade
da sinergia entre a socialidade estética nidade. Esta contracultura refutava a pós-moderna e na substituição das tecno
contemporânea de que nos fala Maffe- tecnologia, pois ela encarnava o símbolo logias analógicas pelas numéricas.10
soli e as novas tecnologias. Como mostra maior do totalitarismo da razão cientí- A tecnologia, que foi o instrumento
magnificamente o sociólogo francês, “... fica, causa principal da racionalização principal da alienação, do desencanta-
aussi paradoxal que cela puisse paraître, dos modos de vida e da dominação mento do mundo e do individualismo,
on peut établir une étroite liaison entre da Natureza, “com a urbanização e in- vê-se investida pelas potências da socia-
le développement technologique et l’am dustrialização das cidades ocidentais. lidade. A cibercultura que se forma sob
plification de l’esthétique. La technique A cibercultura toma por herança esta os nossos olhos mostra como as novas
qu’avait été l’élément essentiel de la contracultura, mas ela não recusa a tec- tecnologias são efetivamente ferramen-
réification, de la séparation, s’inverse nologia. Fruto da “geração X”, a sociedade tas de compartilhamento de emoções, de
dans son contraire, et favorise une sorte convivialidade e de retorno comunitário,
de tactilité, une expérience commune” perspectivas essas, em se tratando princi-
(1992, p.255) A tecnologia, que foi o ins- palmente do reino da técnica, colocadas
A socialidade caótica e fractal vai ser trumento principal da aliena- à parte pela modernidade. A cibercultura
alimentada pelas tecnologias microe- ção, do desencantamento do é a socialidade na técnica e a técnica na
letrônicas, numa espécie de harmonie socialidade.
conflictuelle, ajudada pelo politeísmo mundo e do individualismo, A geração 90 já está habituada ao
de valores e pelo excesso de imagens. A vê-se investida pelas potências multimídia, à realidade virtual e às re-
profusão de imagens, e de tecnologias da socialidade. des telemáticas. Ela não é mais literária,
da imagem, pode ser entendida aqui a individual e racional, mas simultânea,
partir da análise do barroco enquanto como diria McLuhan, presenteísta, tribal
“forma” social contemporânea. Para e estética, como afirma Maffesoli, e “si-
Maffesoli, essa profusão de imagens (de contemporânea aceita a tecnologia a mulacro” dela mesma, como nos explica
todos os gêneros) está na base de uma partir de uma perspectiva lúdica, erótica, Baudrillard. Ela se compõe como um
baroquisation do mundo, exprimin- violenta e comunitária7. Nesse sentido, zapping de signos, como apropriação
do aqui o bouillon (caldo) de cultura as comunidades virtuais, os zippies e os de bits e bytes, num espaço-tempo em
multiforme que constitui as sociedades ravers mostram bem esse vetor de comu- profundas transformações.
ocidentais. Essa ambiance barroca está nhão e de partilha de sentimentos, hedo- A cibercultura aceita o desafio da
presente de forma radical no culto quase nista e tribal; enquanto que os hackers, sociedade de simulação e joga (sam
mágico em relação aos objetos técnicos, os tecno-anarquistas e os cypherpunks8 plings, zappings) com os símbolos da
“que soit la télévision, le vidéotex, la demonstram, do seu modo, a contesta- sociedade do espetáculo. A cibercultura
micro-informatique et autre télécopie, ção do sistema tecnocrático, o desvio e não é mais a sociedade do espetáculo, no
tous raccourcissent les temps, annihi a apropriação tecnológica. sentido dado a essa pelo situacionista
lent le futur, et sont promoteurs d’un Aqui, podemos compreender como, francês Guy Debord. Ela é mais do que
instant éternel” (1990, p.160). Tokyo, a partir da análise da socialidade contem- o espetáculo, configurando-se como a
Times Square, Beaubourg ou Piccadilly porânea proposta por Michel Maffesoli, “manipulação” digital do espetáculo. O
Circus mostram bem essa “pregnância” a cibercultura constitui-se como uma espetáculo é a representação do mundo
das imagens e a barroquização estética “ciber-socialidade”9, uma estética social através dos mass media, enquanto que a
da vida social contemporânea. (aproximação comunitária, prazer cor- cibercultura é a simulação do mundo pe-
poral e sensorial) alimentada pelo que las tecnologias do virtual. A cibercultura
A ciber-socialidade nós poderíamos chamar de tecnologias surge com os postmedia, ou seja, as re-
Hoje em dia vemos o prefixo “cy- do ciberespaço (redes informáticas, rea- des informáticas, o multimídia interativo,
ber” em tudo: cyberpunk, cybersexe, lidade virtual, multimídia). A cibercultura a realidade virtual. A cibercultura toma
ciberespaço, cibermoda, ciber-raves etc. forma-se pela convergência do social e a simulação como a via de apropriação
Cada expressão forma, com suas parti- do tecnológico, sendo que, com inclusão do real, enquanto que o espetáculo da
cularidades, semelhanças e diferenças, da “socialidade” na técnica, ela vai adqui- tecnocultura moderna apropria o real
o conjunto da cibercultura. As tribos rir seus contornos mais nítidos. por meio da representação do mundo.
cyberpunks, as comunidades virtuais Não se trata obviamente de nenhum (Uso o termo “tecnocultura” para identi-
das redes informáticas (Minitel, BBS, determinismo social ou tecnológico, e ficar a cultura técnica moderna baseada
Internet), o hedonismo e o presenteísmo sim de uma processo simbiótico, no qual na eletro-mecânica e nas ideologias da
das raves (festas “tecno”), os fanáticos por nenhuma das partes determina impiedo- modernidade. Obviamente, em sentido
jogos eletrônicos, o ativismo rizomático samente a outra. Da mesma forma que a lato, a cibercultura é uma “tecnocultura”.
e político-anarquista dos militantes socialidade pós-moderna distingui-se da Essa tipologia, mesmo que insuficiente,
LOGOS
pode nos ajudar a discernir as diferenças escrita (alguns são gráficos), também em Payot, 1990.
entre as duas.) tempo real. Sobre os MUDs e chats enquanto WATZLAWICK, P. La realité de la realité. Con-
Mesmo que a cibernética (do grego comunidades virtuais, ver: RHEINGOLD, H. fusion, désinformation, communication.
Virtual communities. Addison-Wesley, 1993. Paris: Seuil, 1978.
Kubernetes) signifique controle e pilo- 6
Sobre as comunidades virtuais, ver: RHEIN WEBER, M. Economie et société. Paris: Plon,
tagem, a cibercultura não é o resultado GOLD, R. Op. cit.; e LEMOS, A. Les commu 1971.
linear e determinista de uma “programa- nuatés virtuelles. In: Sociétés, n.45. Paris:
ção” técnica do social. Ela parece ser, ao Dunod, 1994, p.253-261.
contrário, o resultado de uma apropria- 7
Ver o interessante livro de COUPLAND, D.
ção simbólica e social da técnica. O que Géneration X. Paris: Robert Laffont, 1991.
vai caracterizar a cibercultura nascente 8
LEMOS, A. La culture cyberpunk, le cauche
não é um determinismo tecnocrático, mar de la modernité. In: Congrès Interna
mas uma sinergia entre a socialidade tional de Sociologie, Paris: Sorbonne, 1993.
Ver também: LEMOS, A. A cultura cyberpunk
contemporânea e a técnica, em que a In: Textos, n.29. Salvador: FACOM/UFBA,
primeira não rejeita mais a segunda. Não 1993.
se trata mais de excluir a socialidade, e 9
Neologismo a partir de “ciber” - tecnologias
tudo o que ela tem de trágico (violento, do ciberespaço e socialidade -, a socia
erótico, lúdico), como inimiga de uma lidade contemporânea.
sociedade racional, técnica e objetiva. 10
Nesse processo, supera-se a “natureza”
A sociedade contemporânea se auto- naquilo que Negroponte chama de substi-
organiza a partir da introdução da tuição dos “átomos” pelos “bits”. Ver: NEGRO
socialidade na técnica. A cibercultura PONTE, N. A vida digital. São Paulo: Cia. das
Letras, 1995; e MANZINI, E. Artefacts. Paris:
não é uma “cibernetização” da sociedade, CGP, 1991.
mas a “tribalização” da cibernética.
Bibliografia
Notas
BAUDRILLARD, J. A sombra das maiorias silen-
1
Ver: LEMOS, A. La cyberculture. Les nouvelles ciosas. São Paulo: Brasiliense, 1985.
technologies et la société contemporaine. BOLLE DE BAL, M. La tentation commu
Tese de Doutorado. Paris V - Sorbonne, 1995. nautaire. Les paradoxes de la reliance
Sobre ciberespaço, ver: BENEDIKT, M. (ed). et de la contre-culture. Bruxelas: De
Cyberspace. First steps. MIT, 1992; LÉVY, P. l’Université de Bruxelles, 1985.
L’iIntelligence collective. Pour une anthro DEBORD, G. La société du spectacle. Paris:
pologie du cyberspace. Paris: La Découverte, Gallimard, 1992.
1995; e LEMOS, A. As estruturas antropológi- DELEUZE, G. & GUATTARI, F. Capitalisme et
cas do ciberespaço. In: Textos. n.35. Salvador: schizophrénie. Milles Plateaux. Paris: Minuit,
FACOM/UFBA, 1996. 1980.
2
Sobre os cyborgs, ver: LEMOS, A. A página DURKHEIM, E. Les formes elémentaires de la
dos cyborgs. In: <http://www.facom. ufba. vie religieuse. Paris: PUF, 1978.
br/pesq/cyber/lemos>. GOFFMAN, E. La mise en scène de la vie
3
Os zippies (Zen Inspired Pagan Professio- quotidienne. Paris: Minuit, 1973.
nal) são neo-hippies que utilizam as novas ILLICH, I. La convivialité. Paris: Seuil, 1973.
tecnologias como fonte de reaproximação LYOTARD, J-F. La phenomenologie. Paris: PUF,
comunitária e de busca da espiritualidade. 1959.
Já os ravers são os participantes das raves MAFFESOLI, M. A conquista do presente. Rio
parties, festas tribais, cadenciadas pela de Janeiro: Rocco, 1984.
música tecno-eletrônica. Ver: LEMOS, A. Ci- _____. O tempo das tribos. Rio de Janeiro:
ber-rebeldes. In: Guia da Internet, BR. Rio de Forense, 1987.
Janeiro: Ediouro, 1996. _____. Au creux des apparences. Pour une
4
Para Simmel, a vida tende a superar ela ethique de l’esthétique. Paris: Plon, 1990.
mesma, desenvolvendo-se no plano dos _____. La transfiguration du politique. La
valores vitais, enquanto vida (Mehr Leben), e tribalisation du monde. Paris: Grasset,
se tornando mais do que a vida, superando- 1992.
a (Mehr-Als-Leben). Sobre a obra de Simmel, _____. Préface. In: Sociétés. Dossier Techno
ver: JANKÉLÉVITCH, V. Georg Simmel, philo socialité, n. 51, Paris: Gauthier-Villars,
sophe de la vie. In: SIMMEL, G. La tragédie 1996.
da la culture. Paris: Rivages, 1988. McLUHAN, M. La galaxie Gutenberg. La
5
Chats são fóruns (muitas vezes temáticos genèse de l’homme typographique. Paris:
- paquera, brasil, hacker, sexo etc.) de Gallimard, 1967.
bate-papo on-line, em tempo real. Os MUDs MORIN, E. La méthode I. La nature de la * André Lemos é Doutor em Sociologia
(Multi User Dungeons) são jogos on-line (tipo nature. Paris: Seuil, 1977. pela Université Paris V - Sorbonne e
role play games), em que os participantes SIMMEL, G. La tragédie da la culture. Paris: Professor Adjunto da Faculdade de
criam mundos e personagens imaginários Rivages, 1988. Comunicação da UFBA
por meio de uma ficção construída pela _____. Philosophie de la modernité. Paris: