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SALGADO:
Os MIGRANTES e os SEM-TERRA no ensaio TERRA
KEICY HELLEN VICTO DA CUNHA RÊGO
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO TURISMO E ARTES
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
HABILITAÇÃO EM JORNALISMO
JOÃO PESSOA
2015
KEICY HELLEN VICTO DA CUNHA RÊGO
JOÃO PESSOA
2015
KEICY HELLEN VICTO DA CUNHA RÊGO
Aprovado em ____/____/_____
Banca examinadora
____________________________________
Professor Doutor Pedro Nunes Filho
Orientador – UFPB
____________________________________
Professora Doutora Glória Rabay
Examinadora – UFPB
____________________________________
Professor Doutor Bertrand Lira
Examinador – UFPB
DEDICATÓRIA
A todos os brasileiros que lutam pelo combate às injustiças
sociais. Aos meus pais, Fátima Victor e Edvandro Rêgo, por
serem tão dedicados, e se sacrificarem para que eu tenha
uma educação de qualidade. Às minhas tias Bernardina,
Luciene, Terezinha e Célia, por serem meus maiores
exemplos de generosidade.
AGRADECIMENTOS
Sebastião Salgado
RESUMO
Este trabalho toma por objeto de estudo o ensaio fotográfico Terra, de autoria de Sebastião
Salgado, destacando em oito fotos pré-selecionadas as características de fotodocumentação,
memória, ética e crítica social presentes na obra. Desta forma, discutiu-se sobre a construção
de uma nova realidade visual, a atuação do fotógrafo enquanto filtro cultural, e a utilização da
fotografia como forma de intervir socialmente. A pesquisa se justifica no reconhecimento do
trabalho de Salgado, na identificação da fotografia como forma de documentação, fonte
histórica e instrumento de crítica social. Utilizou-se a metodologia de Stumpf (2005) para
realizar a pesquisa bibliográfica, e Kossoy (2012), para a obtenção de análise das imagens.
Kossoy propõe uma dupla linha de investigação das imagens que alia uma análise iconográfica
a uma interpretação iconológica, abordando assim, as duas realidades da fotografia. Além dos
aportes teóricos de Kossoy (2007; 2009; 2012), utilizou-se Sousa (2004), Boni (2008), e
Salgado e Francq (2014), para discorrer sobre: os fundamentos teóricos da fotografia, o
documento fotográfico, o fotojornalismo, o fotodocumentarismo de crítica social, a fotografia
humanista, a trajetória profissional e pessoal de Sebastião Salgado e sobre o Livro Terra. Ao
fim das análises, observamos que as fotografias de Salgado, além de muito técnicas e artísticas,
são ricas fontes históricas, com mensagens carregadas de críticas sociais.
RÊGO, Keicy Hellen Victo da Cunha. Sebastião Salgado's humanistic photography: Migrants
and landless people in “Terra” essay. UFPB. Monograph presented in Social Media Major,
Journalism, 2015. 119 p.
This work takes as object of study the photographic essay Terra, by Sebastião Salgado. It
enhances, in eight preselected photos, the characteristics of photo documentation, memory,
ethics and social criticism present in his work. Thus, this work considers the construction of a
new visual reality, the photographer’s role as a cultural filter, and the uses of photography as a
way of social intervention. The research is justified in acknowledgment of Salgado’s work; in
the recognition of photography as a form of documentation, a historical source and as an
instrument of social criticism. It was utilized the methodology of Stumpf (2005) to perform the
bibliographic research, and Kossoy (2012) to obtain the images analysis. Kossoy proposes a
double line of image investigation which combines an iconographic analysis to an iconological
interpretation, in a way that comprehends the two realities of photography. Besides the
theoretical contributions of Kossoy (2007; 2009; 2012), this work also utilizes Sousa (2004),
Boni (2008), and Salgado and Francq (2014) to discuss: the theoretical foundations of
photography, photographic paper, photojournalism, photodocumentarism of social criticism,
humanistic photography, Sebastião Salgado’s professional and personal trajectory and his Livro
Terra. At the end of the analysis, we observed that Salgado’s photographs, besides very
technical and artistic, are rich historical sources, filled with messages of social criticism.
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13
1 A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA REALIDADE VISUAL ........................................ 19
1.1 Fundamentos teóricos da fotografia ............................................................................ 19
1.2 O documento fotográfico .............................................................................................. 21
1.3 Fotojornalismo .............................................................................................................. 23
1.3.1 A construção do Realismo ....................................................................................... 24
1.3.2 O Reino do Credível ................................................................................................. 27
2 FOTODOCUMENTARISMO, CRÍTICA SOCIAL E HUMANISMO ......................... 29
2.1 Fotodocumentarismo de crítica social ......................................................................... 30
2.2 O surgimento do fotodocumentarismo de crítica social ............................................ 32
2.3 Fotografia Humanista................................................................................................... 41
3 ANALISANDO O ENSAIO TERRA ................................................................................. 44
3.1 Sebastião Salgado .......................................................................................................... 44
3.1.1 O brasileiro “Tião” Salgado ..................................................................................... 46
3.1.2 Entre a França, a África e a Fotografia .................................................................... 52
3.1.3 O fotógrafo Sebastião Salgado ................................................................................. 54
3.1.4 O Instituto Terra e o Projeto Gênesis ....................................................................... 59
3.2 O Ensaio Terra .............................................................................................................. 64
3.3 A fotografia humanista em Sebastião Salgado ........................................................... 70
3.3.1 Os primeiros donos das terras .................................................................................. 70
3.3.2 A exploração dos Trabalhadores Rurais................................................................... 75
3.3.3 O Sonho do Ouro...................................................................................................... 79
3.3.4 A Seca ...................................................................................................................... 84
3.3.5 As coisas da Morte e da Vida ................................................................................... 88
3.3.6 O Caminho do Céu ................................................................................................... 92
3.3.7 A Família Migrante .................................................................................................. 96
3.3.8 A luta de todos........................................................................................................ 101
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 106
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 110
ANEXOS............................................................................................................................... 113
Outras imagens do Ensaio Terra.................................................................................... 113
13
INTRODUÇÃO
1
Um dos mais populares movimentos sociais do Brasil, tendo como principal objetivo a luta pela reforma agrária.
14
maioria, e nenhum superior. Graças aos avanços tecnológicos, pude assistir cursos online e
comprar livros em sebos de todo o país. A realização deste trabalho também foi uma maneira
de me aprofundar nos estudos da fotografia, sem deixar de lado a minha paixão pela postura
crítica do jornalismo.
Este trabalho tem como objetivo analisar o ensaio fotográfico Terra de autoria de
Sebastião Salgado, destacando em oito fotos pré-selecionadas as características de
fotodocumentação, memória, ética e crítica social presentes na obra. Para tanto, refletimos
acerca da natureza da fotografia enquanto documento, fotodocumentação, memória, ética e
construção de uma nova realidade visual. Também destacamos os aspectos formais da
fotografia em termos de linguagem, técnica e estética, aplicados à fotografia humanista de
Sebastião Salgado. Por fim, examinamos o livro Terra, de Sebastião Salgado, publicado no ano
1997, destacando as principais características do referido ensaio de fotodocumentação.
Para realizar a nossa pesquisa bibliográfica utilizamos a metodologia de Ida Regina C.
Stumpf (2005 p. 54), que sugere os seguintes passos: “definir o tema de estudo com precisão,
dividir o tema principal em subtemas, começar a pesquisar fontes, delimitar o tema no tempo e
espaço, escolher o objeto de estudo, encontrar material pertinente, e por fim, acrescentar
inovações à temática”. Apesar do destaque internacional de Salgado, são poucos os estudos que
analisam o seu trabalho, assim como também são poucos os estudos referentes ao
fotodocumentarismo em geral.
Como o propósito de fundamentar a nossa análise, utilizamos os aportes teóricos de
Boris Kossoy (2007; 2009; 2012), Jorge Pedro Sousa (2004) e Paulo César Boni (2008).
Discorremos sobre os fundamentos teóricos da fotografia, o documento fotográfico, o
fotojornalismo, o fotodocumentarismo, o a fotografia documental de crítica social e a fotografia
humanista. Em seguida, recorremos à biografia de Salgado (2014), Da minha terra à Terra,
escrita por ele em parceria com a jornalista Isabelle Francq, e ao documentário O Sal da Terra:
Uma viagem com Sebastião Salgado, uma coprodução do alemão, Wim Wenders, e o filho do
protagonista, Juliano Ribeiro Salgado, para realizarmos nossa pesquisa sobre o fotógrafo/autor
e o livro Terra, nosso objeto de estudo.
Para elaborar as análises nos apropriamos da metodologia de pesquisa de Kossoy
(2012), que propõe uma dupla linha de investigação. Procurando atingir tanto a primeira, como
a segunda realidade da fotografia, o autor sugere uma análise iconográfica, aliada a uma
interpretação iconológica. Segundo Kossoy (2012, p. 107), a análise iconográfica é responsável
por abordar a segunda realidade, a exterior, detalhando sistematicamente “o conteúdo da
15
imagem em seus elementos icônicos formativos”. Seria, então, uma descrição dos aspectos
explícitos na fotografia.
Ainda de acordo com o teórico Kossoy (2012, p. 108), para aprofundar a análise das
imagens, a discussão passa para um plano pós-iconográfico, onde “descrever e constatar não é
suficiente”. É quando entra a interpretação iconológica, responsável pela primeira realidade, a
interior, o instante que ficou no passado. Esta fase da análise é “o momento de uma incursão
em profundidade na cena representada, que só será possível se o fragmento visual for
compreendido em sua interioridade”. O autor explica que para conseguir realizar uma
interpretação iconológica é preciso acumular conhecimentos sobre o momento retratado. Para
elucidar a proposta da dupla linha de investigação, Kossoy (2012, p. 108), apresenta o seguinte
desenho:
romancista americano William Saroyan, ‘somente se você olha a imagem e diz ou pensa mil
palavras’”.
As imagens são ambíguas, elas iludem e confundem. Para realizar uma leitura coerente
é preciso interpretá-la com malícia, investigando a cena retratada, o período histórico, os filtros
culturais e tecnológicos. Segundo Kossoy (2012, p. 128), é necessário usar a mesma estratégia
utilizada para os textos. Ter um olhar crítico, ler nas entrelinhas! De acordo com Weinstein e
Booth (apud KOSSOY, 2012, p. 128): “No que uma boa fotografia desvenda para o olho e a
mente compreensiva, ela falhará em desvendar para o olhar apressado”. Ou seja, nem sempre a
mensagem será compreendida. Mesmo ciente da grande possibilidade de ser feita uma leitura
tortuosa, Kossoy (Ibid.), aconselha: “Não deixar de ousar na interpretação: esta é a tarefa”.
Com a intenção de organizar a análise, criamos um modelo de ficha baseado no modelo
de investigação iconográfica de Kossoy (2012, p. 103). Acrescentamos ao modelo um espaço
para a análise iconológica e retiramos o espaço de “REF”, que não foi explicado pelo autor.
Ainda segundo Kossoy (2012), a análise iconográfica pode ser dividida em dois níveis:
Em nossas fichas mantivemos essa divisão em dois níveis, ID E ICON, e optamos pela
modalidade documental de reprodução impressa. Ainda de acordo com Kossoy (2012, p. 98), a
modalidade artefato de época trata a “fotografia tal como nos veio do passado do ponto de vista
material”. Já a modalidade reprodução impressa, mantém o foco no conteúdo da imagem, o que
a torna mais adequada a este projeto. O autor acrescenta:
investigação iconográfica de Kossoy (2012, p. 103) e a ficha utilizada em nossa análise, uma
vez que a comparação entre as duas facilita a compreensão de nossas escolhas e adaptações.
(IMAGEM)
ANÁLISE ICONOGRÁFICA
ID
ICON
(REPRODUÇÃO
IMPRESSA)
INTERPRETAÇÃO ICONOLÓGICA
Fonte: A autora.
19
As fotografias são fruto da ação da luz sobre uma superfície quimicamente sensível.
Antes do surgimento dessa técnica de fixação, já era possível projetar as imagens utilizando a
câmera obscura. Se no começo os artistas favoreciam-se da câmera obscura para delinear as
projeções, criando apenas um esboço da sua obra, atualmente, o seu trabalho vem antes de a luz
passar pela câmera. O artista seleciona um fragmento da realidade, e gerencia a tecnologia
utilizada para que o resultado fique de acordo com o seu objetivo. Ou seja, antes de acionar a
câmera, a imagem já foi idealizada pelo fotógrafo. É o que explica Boris Kossoy (2012), em
Fotografia e História, primeiro livro de sua trilogia teórica. Para ele, “Toda fotografia tem sua
origem a partir do desejo de um indivíduo que se viu motivado a congelar em imagem um
aspecto dado do real, em determinado lugar e época” (KOSSOY, 2012, p. 38). Isto é, a
motivação do fotógrafo é responsável pela criação da imagem e por suas características.
Ainda segundo o autor, se toda fotografia é uma reprodução de um fragmento da
realidade, criada através da ação da luz que entra na câmera e desenha a imagem em uma
superfície sensível, regida por um indivíduo, então, conclui-se que existem três elementos
fundamentais para a criação de uma fotografia: “o assunto, o fotógrafo e a tecnologia”
(KOSSOY, 2012, p. 39). Esses três elementos são chamados por ele de “elementos
constitutivos”. São eles que geram um processo de produção que é finalizado no momento em
que a imagem é cristalizada. É nesse instante que são definidos “espaço e tempo”, o que teórico
chama de coordenadas de situação. Em síntese:
Para entender melhor esse ciclo, é importante conceituar cada elemento constitutivo.
Kossoy (2012, p. 40) define os elementos constitutivos da seguinte forma: o termo assunto
refere-se ao “tema escolhido, o fragmento do mundo exterior”, o fotógrafo é “autor do registro,
agente e personagem do processo”, e tecnologia são os “materiais fotossensíveis, equipamentos
e técnicas empregados para a obtenção do registro, diretamente pela ação da luz”. As
coordenadas de situação, espaço e tempo, são respectivamente o “local onde se deu o registro
e o momento em que se deu o registro”. Por fim, o autor conceitua fotografia como sendo, “a
imagem, registro visual fixo de um fragmento do mundo exterior, conjunto dos elementos
20
Essas singularidades são fruto das escolhas feitas pelo fotógrafo. Ainda para o autor, a
atuação do fotógrafo funciona como um filtro cultural:
e se temos através da fotografia, uma nova prova de sua existência, há na imagem uma nova
realidade, passada, limitada, transposta.” Assim, entendemos que a partir de uma foto é possível
transpor a primeira realidade, já passada, criando uma segunda realidade, restrita e deslocada
da original. E é a partir dessa realidade recriada que surge a vida do documento fotográfico.
A fotografia é uma das inúmeras invenções criadas em meio aos avanços científicos
ocorridos na Revolução Industrial. O seu surgimento trouxe a oportunidade de modernizar o
conhecimento, tornando-se base para pesquisas em diversos campos científicos. À medida que
ela se popularizava, as técnicas eram aperfeiçoadas, a indústria fotográfica cresceu, e, aos
poucos, tudo foi sendo documentado em forma de imagem.
“A expressão cultural dos povos exteriorizada através de seus costumes, habitação,
monumentos, mitos e religiões, fatos sociais, políticos passou a ser gradativamente
documentada pela câmera” (KOSSOY, 2012, p. 28). Com a fotografia, o homem passou a
conhecer melhor outras realidades, que antes só eram descritas verbalmente, por escrito, ou
através de técnicas pictóricas.
A partir do desenvolvimento da indústria gráfica, multiplicavam-se o número de fotos
impressas, o que possibilitou o surgimento de um novo processo de aprendizado do real. A
partir deste momento, pessoas de diferentes níveis sociais teriam acesso à informação visual
sobre povos distantes, como acrescenta Kossoy (2012, p. 29):
Desde 1840, inúmeras imagens têm guardado memórias visuais de diferentes lugares,
paisagens e pessoas. É por essa capacidade de reter informações e memórias, que as fotografias
são consideradas documentos históricos. Para Kossoy (2009, p. 28):
A última das cinco funções estabelecidas por Rouillé (2009, p. 79) é – informar.
Segundo Osório (2013, p. 22), “o caráter informativo da fotografia teve bastante destaque e
ganhou força durante os períodos de guerra, quando houve uma grande aliança entre a fotografia
e a imprensa, e o surgimento do fotorrepórter”. Essa união fez com que a as fotografias fossem
mais divulgadas, potencializando a sua função informativa. Mesmo exercendo as diversas
funções estabelecidas por Rouillé, e fornecendo um vasto painel de informações iconográficas,
segundo Kossoy, a fotografia ainda não atingiu integralmente o status de documento.
23
Este seria um alerta de que existe um certo preconceito em adotar a fotografia com uma
fonte histórica ou como objeto de pesquisa. Kossoy (2012, p. 30), acrescenta que dentre as
muitas razões que poderiam explicar esse preconceito, existem duas em especial. A primeira
seria que, “apesar de sermos personagens de uma civilização da imagem [...] existe um
aprisionamento multissecular à tradição escrita como forma de transmissão do saber”. A
segunda razão seria uma consequência da anterior, os pesquisadores “resistem em aceitar,
analisar, e interpretar a informação quando esta não é transmitida segundo um sistema
codificado de signos em conformidade com os cânones tradicionais da comunicação escrita”.
(KOSSOY, 2012, p. 32).
É importante ressaltar que nas últimas décadas houve certo progresso com relação ao
reconhecimento da fotografia como documento. Alguns autores chegam a falar em uma
revolução documental, onde o conceito de documento passaria a englobar diversos
instrumentos novos, como os sons e as imagens. Desde os anos 1990 o interesse em estudar
documentos fotográficos vem crescendo, gerando um aumento significativo no número de
dissertações e teses na área.
Deixando claro o preconceito que as imagens sofrem e a eficiência da fotografia como
forma de documentação, a partir de agora focaremos nossos esforços em ressaltar o seu caráter
representativo. A partir da relação documento / representação da imagem fotográfica,
refletiremos sobre sua essência de “realidades e ficções”.
1.3 Fotojornalismo
era visto apenas como uma“máquina de registrar a verdade”, e seu trabalho era só capturar a
realidade.
A ideia de realismo acompanha a fotografia desde a sua criação, ligada à ideologia da
objetividade, camuflando interesses e tramas ideológicas implícitos nas imagens. No segundo
livro de sua já citada trilogia teórica, Realidades e Ficções na Trama Fotográfica, Kossoy
(2009, p. 19), afirma:
Mesmo possuindo esse status de credibilidade, inicialmente a fotografia era vista pelo
jornalismo apenas como uma ilustração do texto, e não como um complemento da narrativa.
Para Baynes (apud SOUSA, 2009, p. 18), “[...] o aparecimento do primeiro tablóide fotográfico,
em 1904, marca uma mudança conceitual: as fotografias teriam deixado de ser secundarizadas
como ilustrações do texto para serem definidas como uma outra categoria de conteúdo”. Era o
reconhecimento de que a fotografia chegou para enriquecer o jornalismo, servindo como uma
forte ferramenta de disseminação de ideias e manipulação da opinião pública.
Como foi dito anteriormente, a fotografia possui uma realidade recriada, a segunda
realidade. Essa realidade própria não é fundamentalmente a mesma ocorrida na cena registrada.
Retomando o raciocínio de Kossoy (2009, p. 22), entendemos que: “Trata-se da realidade do
documento: uma segunda realidade construída, sedutora em sua montagem, em sua estética, de
forma alguma ingênua, mas que é todavia, o elo material do tempo e espaço representado.”
Compreender a existência das diversas realidades que fluem na representação fotográfica é um
caminho para entender a criação e a recepção das imagens.
Buscando elucidar esse caminho, Kossoy (2009, p. 41), identifica dois processos, o
“processo de construção da representação, a produção da obra fotográfica propriamente dita,
por parte do fotógrafo”, e o “processo de construção da interpretação, a recepção da obra
fotográfica por parte dos diferentes receptores; suas diferentes leituras em precisos momentos
25
da história”. Ao isolar esses mecanismos, ou, como define o teórico, “desmontar esses
processos”, inicia-se a busca pela compreensão da relação que existe entre a realidade e a
fotografia. Descobrindo assim, “em que medida a fotografia dá margem a um processo de
construção de realidades”.
O primeiro processo, a construção da representação, é elaborado de acordo com o
propósito do seu criador. Como foi explicado no tópico sobre os fundamentos teóricos da
fotografia, existe uma ligação inseparável entre a imagem e o seu referente, a partir do qual a
fotografia foi desenhada. Mas essa conexão é intermediada por um filtro cultural, a
mundividência do fotógrafo. Para Kossoy (2009, p. 43): “A representação fotográfica é uma
recriação do mundo físico ou imaginado, tangível ou intangível; o assunto registrado é produto
de um elaborado proceso de criação por parte de seu autor.”
Isto é, o processo de construção da representação se inicia na imaginação do fotógrafo
e se desenvolve de acordo com suas motivações, técnicas, ideias etc. No momento em que é
finalizado o processo de construção da representação, surge uma nova realidade, transposta,
interpretada e idealizada. É a realidade da fotografia, da reprensentação, do índice
inconográfico, prova da existência de uma realidade passada. É essa segunda realidade que será
apreciada, analisada e decifrada pelo receptor, participando do processo de construção da
interpretação. Explica Kossoy (2009, p.44):
Esse segundo processo é tão ou mais complexo que o primeiro, pois envolve a visão de
mundo de diversos personagens e suas formas de interpretação. A junção dos dois processos
pode ser vista como um confronto de experiências. O fotógrafo constroi uma mensagem de
acordo com suas convicções, e o receptor interpreta-a usando os mesmo artifícios. Se essa
interprestação gera uma crítica, esse processo pode ser visto até como um diálogo. A respeito
da leitura que fazemos das imagens, Kossoy (2009, p. 44) explica:
De acordo com o dicionário Michaelis (2009), credível é “algo que se pode crer”, crível,
acreditável, verossímil, “que tem aparência de verdade”. Atributo poderoso quando se busca
persuadir. Sobre persuasão e verossimilhança Citelli (1994, p. 13) explica: “É possível que o
persuasor não esteja trabalhando com uma verdade, mas tão-somente com algo que se aproxime
de uma verssimilhança ou simplesmente a esteja manuseando.”
As novas realidades criadas pela fotografia são absolutamente credíveis e verossímeis,
características poderosas para o jornalismo e sua busca pela persuasão. Ainda mais quando
pode-se moldar essas realidades de acordo com suas conveniências, realçando ou escondendo
informações. Ainda segundo Citelli (1994, p. 14): “Persuadir não é apenas sinônimo de enganar,
mas também o resultado de certa organização do discurso que o constitui como verdadeiro para
o receptor”. A junção da imagem com o texto jornalístico colabora com esse aconselhamento,
convencimento de como se deve interpretar uma realidade que foi construída de acordo com a
organização do discurso de um fotógrafo / jornalista. Segundo Sousa (2004, p. 9):
ligada à forma como a fotografia é encarada. Se aceitarmos que a fotografia sofre intervenções
no seu processo de produção, então, não podemos mais vê-la como um espelho do real.
Mesmo pontuando mudanças, Sousa alerta que ainda existem dúvidas de que o
fotojornalismo tenha superado esse comprometimento com a realística. O autor argumenta que
a rotina de produção do fotojornalismo da atualidade, ainda persegue o realismo e não valoriza
a criatividade:
Não é em forçar o fotojornalismo a ser igual à arte que está a receita para o
jornalismo fotográfico de hoje. Isto é, não deve perder-se o norte da intenção
informativa do fotojornalismo entendendo-se aqui o conceito de informação
de uma forma ampla, no sentido de gerar conhecimento profundo,
contextualizar, ajudar a perceber e fomentar a sensibilidade dignificadora para
com o ser humano, a terra e os seus problemas. Mas, estamos convictos de
que representará uma mais valia para o fotojornalismo e para o público que a
atividade se abra a orientações criativas, originais, com ponto de vista, que
podem passar pela insinuação da arte na fotografia jornalística e pela fuga ao
realismo. E que devem passar pela autoria consciente e responsável, mesmo
que esta autoria encontre abrigo no realismo.(SOUSA, 2004, p. 224).
humanos quer o significado que qualquer acontecimento possa ter para a vida humana ou ainda
as situações que se desenvolvem à superfície da Terra e afetam a mundivivência do homem”.
Ao comparar o documentarismo social ao fotojornalismo, Sousa (2004, p. 13), ressalta
a instantaneidade do fotojornalismo, com o que ele chama de discurso do instante,
diferenciando-o do documentarismo social:
Isto é, mesmo que o ponto de partida seja um mesmo acontecimento, a forma de abordá-
lo será diferente. Enquanto o jornalismo se satisfaz em noticiar o ocorrido no momento, o
documentarismo social relaciona o fato com às condições sociais dos participantes.
Voltando as definições dessa classe da fotografia documental, temos a descrição de Boni
(2008, p. 2), que nomeia a corrente como fotodocumentarismo de denúncia social.
Boni é mais incisivo em sua definição, colocando o documentarismo social como uma
forma de denúncia, de intervenção social. Enquanto Sousa ressalta o comprometimento dos
fotodocumentaristas sociais com a mundivivência dos seres humanos, Boni trata o gênero como
um veículo de crítica social. Tendo assim, intenções que vão além da documentação do real.
Para o autor, a fotografia de documentação social, além de documentar, tem o poder de intervir
e modificar a realidade. Sobre a relevância dessa corrente fotográfica, Boni (2008, p. 3), alerta:
Para Sousa (2004), podemos encontrar indícios do que viria a ser o fotodocumentarismo
em diversos trabalhos, inclusive nas obras dos fotógrafos da cultura social e na dos pioneiros
da fotografia humanística, como Thomson em parceria com Adolphe Smith, Riis, Atget, Zille,
Sander, Hine, Peter etc. O desejo da intervenção social foi adicionado à fotografia documental
33
a partir de trabalhos de fotógrafos como Jacob Riis e Lewis Hine. Acrescenta o autor: “A via
iniciada por Thomson e, principalmente, Riis e Hine, deixou marcas no fotojornalismo”
(SOUSA, 2004, p. 53).
Como dito no tópico anterior, a crítica social faz parte da atual fotografia documental e
carrega fortes influências de ícones da como Thomsom, Riis e Hine. Sebastião Salgado é
considerado o principal responsável por resgatar essa linha do fotodocumentarismo.
“Conforme, nos nossos dias, Salgado viria a dizer, mais do que momentos decisivos, há vidas
decisivas, com toda a sua cultura e toda a sua ideologia” (SOUSA, 2004, p. 54). Ou seja, mais
do que os instantes decisivos2 de Bresson e do fotojornalismo, existem vidas, histórias e
ideologias decisivas. Determinantes em suas realidades, essas vidas se transformam em
documentos fotográficos de grande poder interventor.
Sobre o trabalho de John Thomson, pioneiro do fotodocumentarismo de compromisso
social, Sousa (2004, p. 54), lembra que:
Street Life in London, publicado em 1862, é a obra mais famosa de Thomson. A respeito
desse clássico da fotografia social, Sousa (2004, p. 55), relata:
Com texto de Adolphe Smith, este livro, ilustrado com gravuras de madeira
feitas por Henri Mayhew a partir dos originais fotográficos de Thomson,
tornou-se um clássico do reformismo social ilustrado, de intenção
consciencializadora e moralizadora, apegado ao que contemporaneamente se
poderia classificar, embora com reservas, como “justiça social”. Nessa obra,
John Thomson procurou retratar a vida nas ruas londrinas, os ofícios, os fait-
divers, as pessoas, sem exageros ou melodramas, em fotografias a meia-
distância, em pleno sol, com reduzida profundidade de campo. Porém, os
sujeitos provavelmente, apercebiam-se da presença do fotógrafo, até porque o
equipamento era muito difícil de esconder. Teriam, assim, posado para
Thomson, perdendo-se naturalidade, mas ganhando-se algum valor estético ao
nível compositivo. A intenção de Thomson, bem vitoriana, era a de que os
ricos protegessem os pobres, trabalhadores honestos, mas necessitados.
Todavia, as fotos de Thomson, também por aqui bem vitorianas, não mostram
2
Conceito criado por Cartier-Bresson que define o momento exato em que se deve capturar a imagem.
34
Figura 4 - Imagem que compõe a obra Street Life in London, de John Thomson.
Fonte: <http://www.theguardian.com/artanddesign/gallery>
Figura 5 - Imagem que compõe a obra Street Life in London, de John Thomson.
Fonte: <http://www.theguardian.com/artanddesign/gallery>
35
A fotografia de Thomson tinha certa sutileza em sua face denunciante, sua tendência à
crítica social não era completamente exposta. Já nos trabalhos de Riis e Hine as intenções
delatoras eram mais explícitas. Para Sousa (2004), Riis foi o primeiro jornalista a acreditar, com
seriedade, que a fotografia poderia ser usada como uma arma para mudar uma realidade
permeada pela pobreza e pelo crime. O fotógrafo impactava o público ao retratar pobres em
suas casas, abrigos e vielas.
De acordo com Boni (2008), Riis obteve sucesso em sua luta por melhores condições
de vida para a população carente de Nova Iorque.
Fonte: <http://karinaschroeder.com/2012/03/14/jacob-riis/>
36
Segundo Boni, assim como muitos imigrantes, Riis passou por dificuldades, e trabalhou
em diferentes empregos. Até que, em 1877, foi contratado como repórter do New York Tribune,
sendo incumbido de acompanhar rondas policiais em tabernas e pontos de venda de ópio. “A
profissão de repórter lhe permitia um contato maior com as mazelas da sociedade. A exposição
diária à pobreza e à violência, aliada ao fato de ter sido, também, um imigrante que enfrentou
dificuldades, pode ter contribuído para a formação de seu caráter engajado” (BONI, 2008, p.
7).
Vivenciar aquela realidade – seja a princípio, quando estava diretamente inserido nela
como um imigrante em uma situação de exclusão social, ou posteriormente, quando
acompanhava em sua rotina de repórter – fez com que Jacob Riis conseguisse reproduzir com
propriedade a situação das áreas pobres de Nova Iorque. Essa proximidade entre o fotógrafo e
a realidade retratada que, por consequência, originou um grande conhecimento da temática, fez
com que o trabalho de Jacob atingisse plenamente a sua função de impactar a classe média e
mobilizar melhorias sociais.
Fonte: <http://karinaschroeder.com/2012/03/14/jacob-riis/>
Fonte: <http://karinaschroeder.com/2012/03/14/jacob-riis/>
Apesar da revolução causada por suas imagens, Riis era originalmente um escritor. A
iniciativa de fotografar veio da insatisfação com o trabalho dos fotógrafos que contratou, e da
38
necessidade de ilustrar seus artigos e livros. Segundo Boni (2008, p. 8), “Suas fotografias
pecavam na composição, apenas registravam uma descrição bruta, porém fiel da realidade”.
Devido à sua intenção de impactar o receptor, as imagens de Riis eram cruas e ríspidas, tendo
no preto e branco um potencializador da sua carga dramática.
Para Sousa (2004), o primeiro herdeiro de Thomson e Riis foi o sociólogo e
(foto)jornalista Lewis Hine. Como dito anteriormente, o trabalho de Hine é uma referência para
a fotografia de denúncia explícita. Assim como no caso de Riis, as trajetórias pessoal e
profissional de Hine estão diretamente ligadas ao seu engajamento social. Sobre a vida e
carreira de Hine, Boni (2008, p. 10), elucida:
Fonte: <http://monovisions.com/biography-documentary-photographer-lewis-hine/>
Fonte: <http://monovisions.com/biography-documentary-photographer-lewis-hine/>
Hine era mais sutil que Riis, suas fotografias são mais aprimoradas e delicadas, mas não
deixam de cumprir sua função crítica. Com o passar do tempo, Hine passou a se autodenominar
40
um “fotógrafo-intérprete”, não mais “fotógrafo social”, uma mudança que, para ele, seria
necessária devido à forte carga opinativa de suas fotografias. Assumindo o que Sousa (2004, p.
59) chamou de “um realismo com ponto de vista”. Segundo o autor, Hine soube utilizar muito
bem essa fotografia realista de opinião como um “veículo consciencializador”. O fotógrafo
possuía em sua essência uma soma de valores e experiências que tornou sua fotografia um
admirável instrumento provocador. De acordo com Tereza Siza e Paulo Alexandrino:
O trabalho de Hine tem uma coerência e unidade que refletem a sua crença
nas imagens como veículo privilegiado de comunicação e a sua solidariedade
para com os jovens, os pobres, os imigrantes e os proletários. Para ele, diz um
crítico da época, ser “direto” significava mais do que usar o médium
fotográfico sem “truques”. Significava também assumir a responsabilidade
ético-política de uma visão sobre o mundo que se propôs difundir. (SIZA;
ALEXANDRINHO, apud SOUSA, 2004, p. 60).
Fonte: <http://monovisions.com/biography-documentary-photographer-lewis-hine/>
41
objetivo de Steichen era mostrar que, ao fim e ao cabo, todos os seres humanos são iguais e
devem auferir da mesma dignidade, que a vida era semelhante em todo a Terra e que os seres
humanos eram uma grande família”.
Para que essa mensagem fosse transmitida com clareza, ressaltando a mensagem
humanista, as 503 fotografias foram organizadas em uma ordem que reproduzia as fases da
vida. Levando o receptor a percorrer um circuito pelas etapas da vivência humana. Sousa (2004,
p. 146), explica:
Fonte: <luciaadverse.wordpress.com/tag/steichen/>
43
Como marco da fotografia humanista, The Family of Man é referência para fotógrafos
como Salgado e Richards, integrantes da nova geração dos concerned photographers. Para
Albornoz (2005, p. 96), o brasileiro Sebastião Salgado é um dos expoentes de mais destaque na
fotografia humanista:
Figura 13 – Capa do DVD do documentário O Sal da Terra: Uma viagem com Sebastião
Salgado.
Fonte: <http://imovision.com.br/index.php/filme/o-sal-da-terra/>
3
Depoimento retirado do documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
45
Em 2014 foram lançadas duas importantes obras sobre a vida de Salgado, fundamentais
contribuições para o enriquecimento deste trabalho. Uma delas foi o documentário O Sal da
Terra: Uma viagem com Sebastião Salgado, fruto da parceria entre o alemão Wim Wenders e
o filho do protagonista, Juliano Ribeiro Salgado. No início do documentário, Wenders
(informação verbal)4, relata suas impressões sobre Salgado: “Imaginei que a pessoa fosse
ambos, um grande fotógrafo e um aventureiro. Uma coisa percebi logo sobre Sebastião Salgado,
que ele se importa de verdade com as pessoas. Isso tem muita importância para mim”.
Fonte: <http://cinema.uol.com.br>
4
Depoimento retirado do Documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
46
homem, uma criança. Pois Sebastião nutre um profundo amor pelas pessoas
que fotografa. Como explicar de outro modo o fato de elas se encontrarem tão
presentes, vivas e confiantes em suas imagens? Há tempos seu trabalho me
comove. Admiro a estética barroca de suas imagens, suas luzes sempre
extraordinárias, a força que emana delas, mas também a ternura que
manifestam e que desperta o melhor de mim mesma. (SALGADO; FRANCQ,
2014, p. 7).
Assim como Wenders, Francq ressalta o altruísmo de Salgado, todo o seu cuidado com
as pessoas fotografadas, e como essa preocupação reflete em suas posturas diante da câmera.
As pessoas retratadas passam segurança, não parecem intimidadas pelo fotógrafo. Mesmo
mostrando realidades difíceis, as figuras humanas demonstram um posicionamento firme diante
daquelas situações. Para iniciarmos nosso relato sobre a vida do fotógrafo, relembraremos sua
infância e juventude no Brasil, analisando como esta vivência influenciou seu trabalho e
pontuando episódios decisivos de sua história, como o seu encontro com Lélia Wanick.
Fonte: <http://www.geracaoalpha.com.br/>
das suas terras já foram cobertas por Mata Atlântica. A região leva o nome do Rio que o banha,
e é conhecido por suas minas de ouro e ferro. “Quando era criança, a Mata Atlântica cobria
metade desse vale. Mas isso foi antes de o Brasil entrar numa economia de mercado e começar,
como no resto do mundo, a devastar suas florestas”.
A família de Salgado morava em uma fazenda de propriedade de seu pai, de quem
herdou o nome. Segundo o fotógrafo, na fazenda moravam aproximadamente trinta famílias:
A fazenda do meu pai era grande e autossuficiente, nela vivam cerca de trinta
famílias. [...] Era uma boa fazenda. Meu pai era o proprietário e tinha
empregados, que possuíam seus próprios animais e cultivavam um pedaço de
terra para alimentar suas famílias. Uma parte do trabalho deles ia para o meu
pai, o resto ficava com eles. Ninguém era rico, ninguém era pobre, essa forma
de exploração agrícola existia no Brasil desde o século XVI. (SALGADO;
FRANCQ, 2014, p. 15).
A região era ligada ao resto do Brasil pela estrada de ferro da Companhia Vale do Rio
Doce, que eventualmente era interrompida por deslizamentos de terra, nos períodos de chuva.
A comunidade que morava na fazenda da família Salgado era autossuficiente e não passava por
necessidades quando ficavam totalmente isolados. Sebastião é sempre muito saudoso ao
lembrar de sua infância naquele lugar. Em suas aventuras de criança, são notáveis: o seu
entrosamento com a natureza, a liberdade de morar no campo, e a sua busca por novos
horizontes.
Além das viagens para visitar suas irmãs, Salgado também acompanhava seu pai em
longas viagens para conduzir seus animais até o abatedouro. Eram cerca de 45 dias cruzando
fazendas, florestas e rios a cavalo. Ao lembrar das viagens feitas por seu pai, ele lembra que
muitas vezes fazia os trajetos a pé, ficando na estrada por mais de cinquenta dias, e relaciona a
paciência e a lentidão com que eram realizadas essas travessias com o seu trabalho fotográfico.
Os homens tinham tempo para conversar, para olhar a paisagem. Essa lentidão
é a mesma da fotografia. Pois apesar de o avião, o carro ou o trem nos levarem
rapidamente de um ponto a outro do planeta, depois disso, no local de destino,
no momento de fotografar, é preciso esperar o tempo necessário. Adaptar-se
à velocidade dos seres humanos, dos animais, da vida. Mesmo que hoje nosso
mundo seja rápido, muito rápido, a vida, por sua vez, não segue a mesma
escala. Para fazer fotos, é preciso respeitá-la. (SALGADO; FRANCQ, 2014,
p. 17).
Como dito anteriormente, a paciência, o respeito ao tempo das pessoas, e essa dedicação
a um longo projeto, são características próprias do estilo de trabalho realizado por Salgado. Ao
contrário dos fotojornalistas, os fotodocumentaristas precisam de um planejamento do projeto
que será realizado, de um longo tempo de dedicação exclusiva, e de um trabalho de
entrosamento com a cena e os personagens que farão parte do seu trabalho. Além de um
fotodocumentarista, Salgado é também um humanista. O que explica a sua constante atenção e
respeito pelas limitações da vida humana.
Outra associação feita por Salgado faz referência às luzes e belezas de sua terra natal.
“Minha terra é muito bonita. Tem montanhas não tão altas, mas magníficas. [...] Foi onde eu
aprendia ver e amar a luminosidade que me segue por toda a vida” (SALGADO; FRANCQ,
2014, p. 17). O brasileiro talvez seja um exemplo de que, não importa onde estejam os
fotógrafos, eles tentaram reproduzir as características da luz de seu lugar de origem. Usando
como influência em seu trabalho, sua vivência e suas referências sobre o que é belo, adquiridas
desde a infância.Segundo Salgado e Francq (2014, p. 17):
Foi resgatando as luzes e paisagens do Vale do Rio Doce que Salgado achou explicações
para o seu estilo de fotografar. Quanto aos seus grandiosos projetos, seriam fruto da sua
vivência e trabalho no campo. Ambas as elucidações confirmam as palavras, já citadas, do
fotógrafo. “Cada um desenvolve a forma de ver em função de sua história” (informação
verbal)5.
Até os quinze anos, Sebastião estudava em Aimorés, uma pequena cidade próxima a
fazenda de onde morava. Depois foi estudar em Vitória, Capital do Espírito Santo, onde
terminou o ensino médio. Sobre sua chegada à Vitória, ele relembra: “Lá descobri outro planeta.
Por exemplo, eu não conhecia o telefone, não existia na minha cidade” (SALGADO; FRANCQ,
2014, p. 1). Salgado faz parte da primeira geração da família a ir estudar na cidade.
Seu pai trabalhou como farmacêutico, mas abandonou a profissão de sua formação para
ser fazendeiro. Sobre a vida de seu avô, Salgado conta: “[...] meu avô, comerciante atacadista
e aventurei que adorava conhecer novos horizontes. Ele morreu de malária num lugar bem longe
de casa, a dois ou três meses de distância – naquela época” (op. cit. p. 18). Para Sebastião pai,
seu filho herdou o espírito aventurei do avô. Em um depoimento exibido no documentário
(informação verbal)6, Sebastião pai diz: “Tião muito malandro, muito viajante. Nunca vi gostar
de viajar tanto assim! Meu pai era assim, não parava em lugar nenhum, só vivia viajando.
Parecia uma lançadeira.”
Na capital, Sebastião morou com um grupo de mais cinco ou seis rapazes. Por precisar
de dinheiro, foi trabalhar como secretário na Aliança Francesa, uma tradicional escola de
francês. Depois do Ensino Médio começou a cursar Direito, como queria seu pai. Sobre o curso
de direito relata: “Gostei da parte histórica, mas o resto não me interessou” (op. cit. p. 19).
Influenciado pelas transformações do governo desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek,
Salgado trocou o curso de Direito por Economia. “O Direito me parecia tradicional, enquanto
a Economia representava a meus olhos o que havia de mais moderno. [...] As faculdades de
economia abriam as portas, decidi me tornar economista: queria embarcar naquela aventura
moderna” (SALGADO; FRANCQ, 2014, p. 19).
E foi nessa aventura que Salgado fez carreira, até descobrir o prazer de fotografar. Aos
vinte anos, Sebastião conheceu um dos personagens mais importantes da sua história, a sua
parceira, no amor e no trabalho, Lélia Wanick. “Estamos no escuro sobre o que seria de
Sebastião se esta jovem não tivesse aparecido no quadro” (informação verbal)7. Lélia tinha
5
Frase retirada do documentário o Sal da Terra, 2014.
6
Depoimento retirado do documentário O Sal da Terra, 2014.
7
Frase retirada do documentário o Sal da Terra, 2014.
50
apenas dezessete anos, terminava o Ensino Médio e já havia estudado dez anos de conservatório
de piano. Logo depois, a moça começou a dar aulas em uma escola primária e também lecionava
aulas de piano. “Ela era lindíssima. Faz mais de 45 anos que estamos casados e continuo
achando Lélia igualmente linda. Depois que nos conhecemos, passamos a compartilhar tudo”
(op. cit. p. 20).
Os amigos que moravam com Salgado eram bastante atentos à situação do país,
colaborando para que o jovem casal descobrisse a política. Foi assim que eles começaram a ter
consciência de realidades como o grande fluxo migratório do campo para cidade, e a
consequente desigualdade social que esse êxodo potencializou. Sebastião vinha de uma
realidade muito diferente da que acabara de conhecer, como ele mesmo explica:
Fonte: <//gerryco23.wordpress.com>
Sebastião começou a ter amizades com militantes de esquerda, e logo estava aderindo a
partidos radicais. Em 15 de dezembro de 1967, recebeu seu diploma de Economia. Como havia
51
sido aprovado, com bolsa, para o mestrado na Universidade de São Paulo, teria que se mudar
rapidamente para a metrópole. No dia seguinte, 16 de dezembro, Lélia e Tião casaram-se e
mudaram-se para São Paulo.
Morando na capital paulista, eles vivenciaram a revolta da população contra o Regime
Militar e suas inúmeras violações aos Direitos Humanos. Segundo Salgado e Francq (2014), a
então situação do país causou um forte sentimento de revolta em ambos, radicalizando o
engajamento do casal. Lélia e Salgado participavam de todas as manifestações e ações de
resistência à ditadura. Mesmo com todo perigo, o casal estava determinado a lutar e defender
seus ideais. Até que o grupo do qual participavam decidiu que os mais jovens deveriam ir para
o exterior.
Nosso grupo decidiu que os mais jovens, dos quais fazíamos parte, deviam ir
para o exterior para se formar e continuar agindo de lá, enquanto os que
tivessem mais maturidade entrariam para a clandestinidade. [...] Em agosto
deixamos nosso país. Quando embarcamos no navio, sabíamos que, se
fôssemos identificados, seríamos atirados na prisão e torturados. Ainda
lembro do nosso alívio quando deixamos o último porto, e o navio se afastou
definitivamente da costa brasileira rumo à França. (SALGADO; FRANCQ,
2014, p. 22).
Fonte: <http://www.50emais.com.br/>
Recém chegados à França, o casal, Salgado e Lélia, já possuía bastante afinidade com o
país que os acolhia. “Quando cheguei à França, sabia exatamente onde ficava o boulevard
Raspail, a rue de Rivoli e a place de la bastille. Também foi na Aliança Francesa que conheci
Lélia, que falava e escrevia perfeitamente em francês” (op. cit. p. 23). Mesmo com essas
afinidades com o local, eles passaram por difíceis fases de adaptação. Quando chegaram à Paris
estavam deslumbrados, e bastante confortáveis aproveitando os longos dias de verão. Depois
veio o outono, e o clima estranho trouxe muita saudade do Brasil. Relembra Salgado e Francq
(2014, p. 24):
Chegamos a Paris em agosto de 1969. Achamos tudo maravilhoso: os dias que
não acabavam, as manhãs que começavam muito cedo. Mas veio o outono, a
luz declinou e, em dezembro, Lélia e eu beirávamos a depressão. Sentíamos
uma falta terrível de nosso país. Sabíamos que não podíamos voltar, que
estávamos envolvidos demais nos movimentos de oposição. Éramos muito
jovens e foi muito difícil.
Para aqueles jovens militantes, a França representava a pátria dos Direitos Humanos e
da democracia. “Representava uma terceira opção entre o comunismo e os Estados Unidos”
(op. cit. loc. cit.). Eles conquistaram a oportunidade de estudar no país das ideias democráticas,
mas não tinham bolsa. Morando em um quarto da cidade universitária, Salgado trabalhava lá
mesmo descarregando caminhões na cooperativa, e Lélia como funcionária da biblioteca.
Ajudando os brasileiros que chegavam exilados, Salgado e Lélia fizeram grandes
amizades e formaram uma rede de solidariedade. As pessoas chegavam devastadas, algumas
haviam sido torturadas. “Foi na França que descobrimos o significado da palavra solidariedade,
depois que aprendemos, não esquecemos nunca mais” (SALGADO; FRANCQ, 2014, p. 25).
Foi ajudando seus conterrâneos que o casal se sentiu amparado.
Hoje foi provado que Lélia e Sebastião foram espionados. Com a abertura de arquivos
brasileiros, foram encontrados documentos do Serviço Nacional de Informação sobre detalhes
da vida do casal. Por ter acompanhado de perto e sofrido com as perseguições da ditadura,
ambos consideram uma vitória a eleição de seus companheiros de esquerda.
É uma alegria poder ver, hoje, que aqueles que foram perseguidos, torturados,
espancados estão em cargos de poder no Brasil. Poder ver que a esquerda é
que possibilitou a renovação a partir do presidente Fernando Henrique
Cardoso, antecessor de Lula. Que nossos colegas de luta se tornaram
ministros. Que Lula, que participou da oposição e nunca saiu do Brasil, pois
era proletário, e que foi perseguido e preso, tornou-se o maior presidente que
53
o Brasil já teve. Foi ele que conseguiu integrar à classe média os 35 milhões
de brasileiros que viviam abaixo do limiar da pobreza. E igualmente a
presidente Dilma Rousseff. Ela também foi presa, espancada, torturada.
(SALGADO; FRANCQ, 2014, p. 27).
Quando resolveu trocar o curso de Direito por Economia, Salgado viu aquilo como uma
aventura na qual ele queria embarcar. Mal sabia ele que a sua mais ousada aventura ainda estaria
por vir. A aventura de trocar a estabilidade de economia pelo prazer da fotografia. E,
principalmente, a aventura diária de ser um fotógrafo. Sebastião voltou inúmeras vezes à África,
continente por qual tem paixão, mas agora sua intenção era unicamente fotografar. Mesmo
tendo abandonado Economia, todo o conhecimento adquirido ao longo de sua carreira
acadêmica não desapareceu. Salgado continuando sendo um Economista, o que lhe ajudou a
transformar a satisfação instantânea de fotografar em longos projetos.
diferentes lugares da África, pela Organização Internacional do Café, que Sebastião pôde
vivenciar diferentes formas de exploração de trabalhadores, e muitos tipos de injustiças sociais.
Quando Salgado viajava para fotografar algum país novo, sempre havia uma grande
preocupação em saber qual o contexto social em que suas fotografias estariam situadas. O
fotógrafo atribui à sua diversificada formação a facilidade em compreender o contexto histórico
e social dos locais onde trabalhava. Sobre esses cuidados e o uso das imagens como sua forma
de linguagem, relata:
Sempre fui capaz de colocar minhas imagens dentro de uma visão histórica e
sociológica. O que os escritores relatam com suas pernas, eu relatava com
minhas câmeras. A fotografia é para mim uma escrita. É uma paixão, pois amo
a luz, mas é também uma linguagem. Poderosíssima. Quando comecei, ai onde
minha curiosidade me levasse, onde a beleza me comovesse. Mas também por
todos os lugares onde houvesse injustiça social, para melhor descrevê-la. (op.
cit. p. 43).
Assim, sempre buscando ser coerente com a cultura do lugar onde trabalhava, Salgado
foi se firmando na profissão e transmitindo suas mensagens a um número cada vez maior de
receptores. Para Sousa, Salgado usa a linguagem fotográfica como um código gramatical
reconhecível, capaz de propor uma leitura de mundo, explorando a realidade como um signo.
O autor acredita que essa seja um dos motivos para que as imagens do brasileiro façam sentido
e sejam dotadas de uma força plástica extraordinária. Elucida Sousa (2004, p. 191):
Sebastião já trabalhou com fotografia colorida, mas apenas por exigência de algumas
revistas. As cores representam uma série de inconvenientes para o fotógrafo, além de serem
desinteressantes para ele. O fotógrafo explica que antes das fotos digitais, na época das
fotografias analógicas, os filmes preto e branco eram bem mais flexíveis com relação à
exposição. As fotos podiam ser feitas em superexposição e depois recuperadas na revelação,
até chegar à luz sentida no momento do clique. Técnica impossível para a fotografia colorida.
56
Entendemos assim, que o preto e branco daria mais espaço e tranquilidade para a
interpretação do receptor. Sem se distrair com as cores fortes, voltando suas atenções para
personagens fotografados, e passando por esse processo de colorir mentalmente as imagens, o
observador usará mais a sua imaginação e formulará o colorido que mais lhe agrada, de acordo
com sua vivência. Sobre as preferências de Salgado, Sousa (2004, p. 190), analisa:
Eu havia assinado contratos com a Paris Match, a Life, a Stern e o El País para
lançar um novo projeto, intitulado Êxodos. Precisava de uma equipe. Como a
Magnum se recusava a criar esse tipo de entidade, nós mesmo a inventamos,
Lélia e eu. No que se refere a comercialização das imagens, buscamos agentes
em diferentes países do mundo. Vender nunca foi nosso foco, mas sabíamos
montar projetos que contavam histórias, sabíamos planejar e realizar
reportagens. Lélia tinha experiência com exposições, desde a concepção a
cenografia; ela tinha produzido vários livros. Estávamos maduros e ela estava
disposta a lançar e dirigir nossa própria estrutura. Foi assim que, em 1994,
fundamos a Amazonas Images, no canal Saint-Martin, em Paris. Contratamos
alguns funcionários e passamos a subcontratar alguns trabalhos em
laboratórios externos. (op. cit. p. 62).
Trabalhadores (1993), Terra (1997), Êxodos (2000), O berço da desigualdade (2005), África
(2007) e Gênesis (2013).
Fonte: <http://unitmagazine.com/blog/?p=7255>
terríveis situações que presenciou. Explica o fotógrafo: “Até então, nunca imaginara que o
homem pudesse ser uma espécie tão cruel consigo mesma; não conseguia aceitar aquilo. Estava
deprimido, afundava no pessimismo” (SALGADO; FRANCQ, 2014, p. 95). Além de
presenciar crueldades dos homens para com os seus semelhantes, Sebastião também observou
as atrocidades realizadas contra a natureza.
Depois de ver muitas paisagens destruídas, o fotógrafo começou a planejar um trabalho
de denúncia da destruição da natureza. O projeto não foi realizado porque na mesma época
Lélia teve a audaciosa ideia de reflorestar a terra que haviam ganhado de seus sogros, no Brasil.
Segundo Salgado e Francq (2014, p. 96):
O casal não tinha conhecimento sobre reflorestamento, não sabia nem quanto custaria
colocar em prática esse plano. Por isso, o primeiro passo foi busca a ajuda de um especialista,
Renato de Jesus, um engenheiro famoso por recuperar ecossistemas. “Renato estudou a situação
de nossa terra. Depois de seis meses, apresentou-nos um projeto: o plantio de 2,5 milhões de
árvores! Além disso, deveríamos atentar para a diversidade. Um mínimo de duzentas espécies”
(op. cit. loc. cit.). O próximo passo foi buscar financiamento.
Ao contatar o Banco Mundial, eles foram apresentados a uma rede ecológica brasileira.
Assim, encontraram outro grande colaborador, Célio Murilo Valle. Com a ajuda de Célio, o
casal conseguiu transformar as terras da família Salgado em uma reserva particular do
patrimônio natural, o primeiro parque nacional do Brasil. Com esse título as terras se tornaram
protegidas, e nunca mais poderão ser utilizadas como terreno agrícola. Quanto ao
financiamento, Lélia e Salgado usaram recursos próprios, mas também tiveram muitos
colaboradores. Sobre os seus parceiros, eles explicam que:
O resultado de toda essa ajuda, somado ao enorme esforço do casal, foi o replantio de
dois milhões de árvores. Eles planejam em 2050 alcançar a meta de replantar 50 milhões de
árvores por todo o vale. Inicialmente, Salgado não teve o apoio de seu pai: “O meu pai não
acreditou muito em nosso projeto. Pensava que nossa utopia de cidadãos urbanos nos arruinaria.
Mas quando morreu já tivera tempo de ver que as árvores haviam recuperado seus direitos.”
(op. cit.).
Salgado pai não foi o único a desacreditar no sucesso dessa ideia, a própria Lélia,
idealizadora do projeto, teve seus momentos de ceticismo. Ela relata: “Lembro que no início da
plantação, às vezes, à noite, eu sonhava que tudo tinha morrido. Porque a terra era tão medonha,
tudo era tão degradado, que eu me perguntava: ‘Será que vai dar certo?’” (Informação verbal)8
Na primeira plantação, só 40% sobreviveu, na segunda, 60%, e assim foram evoluindo. Além
do reflorestamento, principal benefício à sociedade, o Instituto Terra também tem o seu próprio
viveiro, com capacidade para abrigar um milhão de plantas de mais de cem espécies, que
fornece mudas para outros programas ecológicos, e também tem um centro de formação. Sobre
o centro de formação do Instituto Terra, Salgado e Francq (2014, p. 99), explicam:
Além desses benefícios à toda a sociedade, o Instituto Terra também trouxe benefícios
diretos a Sebastião e Lélia. O projeto foi a cura para o pessimismo e a tristeza do fotógrafo. O
reflorestamento não trouxe de volta apenas as árvores, animais e fontes de água, trouxe também
a paixão de Salgado pela fotografia.
8
Depoimento retirado do Documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
62
A terra se tornou quase mais bonita do que quando eu era menino. Diante
desse espetáculo, uma espécie de encantamento voltou a me invadir. Não
demorou muito para que Lélia e eu percebêssemos que devíamos contar uma
história fotográfica que mostrasse toda a beleza do mundo. O início de tudo,
pois ao recriar essa floresta estávamos recriando um clico de vida. Fomos nos
informar junto à maior ONG de preservação ambiental, a Conservation
International, que, de Washington, visa à proteção de tudo o que é virgem no
mundo. Graças a ela, descobrimos que aproximadamente 46% do planeta
permanecem preservados. Os seres humanos destruíram uma boa metade do
planeta – é colossal -, mas a outra metade, ou quase, continua intacta, e isso
me pareceu fantástico. (op. cit. p. 99).
Fonte: <http://www.institutoterra.org/>
63
Fonte: <http://www.nonada.com.br/>
Foi assim que surgiu o projeto Gênesis, um conjunto de 32 reportagens em busca das
regiões intocadas do planeta. Inspirados pelo sucesso do Instituto Terra, o casal queria um
projeto ligado ao meio ambiente. Incialmente, os dois pensaram em denúncias relacionadas ao
desmatamento de florestas, ou à poluição dos mares, mas queriam achar um diferencial. Com
as informações da ONG Conservation International, tiveram o insight de fazer uma
homenagem ao planeta. “Para nossa surpresa descobrimos que quase a metade do planeta
continua sendo ainda como no dia do gênesis” (informação verbal)9.
Salgado relata que ele e Lélia planejaram nos mínimos detalhes os oito anos que o
fotógrafo passaria viajando pelo mundo. “Depois de passar anos mostrando mulheres, homens
e crianças em seu cotidiano, eu fotografaria vulcões, dunas, geleiras, florestas, rios, cânions,
baleias, renas, leões, pelicanos, o mundo da selva, do deserto [...]” (SALGADO; FRANCQ,
2014, p. 102). Como de costume, algumas pessoas não aprovaram essa ideia. A mudança de
área de atuação foi vista por alguns amigos como um grande risco. “Vários amigos me disseram
para não me meter nisso. ‘É muito arriscado. Você é conhecido como fotógrafo social. Vai
entrar no campo dos fotógrafos de paisagens’ Falei: ‘Posso aprender a fotografar isso também.’”
9
Depoimento retirado do Documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
64
(loc. cit.) Para trabalhar com outras espécies, Salgado precisou aprender a se conectar com a
natureza, demonstrando amor e respeito pela fauna e flora.
Para esse projeto que dediquei à natureza intocada, ao longo dos oito anos em
que viajei pelo mundo, precisei aprender a trabalhar com outras espécies.
Desde o primeiro dia da primeira reportagem, graças à tartaruga gigante,
compreendi que para fotografar um animal é preciso amá-lo, sentir prazer em
comtemplar sua beleza, seus contornos. É preciso respeitá-lo, preservar seu
espaço e seu conforto ao se aproximar, observá-lo e fotografá-lo. Partindo
desse princípio, pude trabalhar com os outros animais da mesma forma como
trabalho com os homens. (op. cit. p. 10).
Muito antes do projeto Gênesis, em 1979, Sebastião, Lélia e os filhos puderam voltar ao
Brasil amparados pela Leia da Anistia. Em depoimento para o documentário O Sal da Terra,
Salgado relembra, “Era 31 de dezembro e eu voltava ao Brasil. Era fantástico poder voltar à
terra natal, após 10 anos e meio fora. Foi assustador. Lélia não reconheceu a Vitória que havia
deixado. Tudo estava mudado. [...] Neste momento eu quis ver o Brasil mais profundamente”
10
Frase retirada do documentário o Sal da Terra, 2014.
65
(informação verbal)11. O fotógrafo pegou emprestado o carro da irmã e viajou por seis meses
pelo Nordeste do Brasil, foi a primeira de uma série de reportagens pelo país.
Como foi relatado pelo fotógrafo, quando ele começou a fotografar o Nordeste do Brasil,
ainda não existia o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), mas já havia os
sem-terra, famílias que viviam à margem de grandes propriedades. De acordo com Salgado e
Francq (2014), o MST nasceu em 1984, e englobava 4,8 milhões de famílias camponesas. Ele
acompanhou as reivindicações do movimento por cerca de quinze anos. Ainda segundo o
fotógrafo:
De acordo com o site oficial do MST, atualmente, o movimento é composto por cerca
de 350 mil famílias e está organizando em 24 estados do país. O site possui uma linha do tempo
onde conta a história do movimento dividida em partes. A última parte representa a atualidade
e explica:
11
Depoimento retirado do Documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
66
As imagens feitas por Sebastião ao longo dos anos em que acompanhou o MST estavam
divididas em reportagens, mas faziam parte da mesma história. Ele só começou a pensar em
agrupá-las para formar um projeto maior quando foi convidado pela Companhia das Letras para
publicar um livro que comemoraria o aniversário de uma década da editora. Em uma entrevista
para o Programa do Jô12, em 1997, Salgado (informação verbal), elucida: “Eu tive a ideia de
fazer um livro sobre a terra no Brasil. Não estava seguro de que eu teria as fotos, porque
trabalhei muitos anos, mas teria que voltar à Paris, e ver com a diretora artística, Lélia Wanick.”
Foi assim que surgiu a ideia do ensaio Terra, um conjunto de fotografias produzidas no
Brasil, nas décadas de 1980 e 1990, que retratam temas relacionados à reforma agrária, ao
trabalho no campo e ao êxodo rural. A partir deste ensaio foi publicado o livro Terra, em 1997,
contendo 109 imagens em preto e branco, de onde serão retiradas as fotos que irão compor o
corpus de análise deste trabalho. A obra foi lançada em oito países (Brasil, Portugal, Espanha,
França, Itália, Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha), e ganhou o Prêmio Jabuti de Literatura,
em 1998, na categoria reportagem.
Figura 21 – Capa do livro Terra de Sebastião Salgado.
Fonte:< http://www.verdestrigos.org/>
12
Programa de entrevistas exibido pela rede Globo.
67
Lélia colocou as imagens do livro em uma ordem cronológica e separou em cinco partes:
Gente da Terra; Trabalhadores da Terra; A Força da Vida; Migrações para as Cidades; Luta
pela Terra. Além das deslumbrantes fotografias de Salgado, a publicação também contém
textos-legendas, onde o autor apresenta dados históricos, sociais e econômicos que ampliam o
entendimento do leitor e exaltam a sua denúncia social. Segundo Salgado e Francq (2014, p.
58):
Como explicou o fotógrafo, além das fotografias de Salgado, o livro ainda conta com a
colaboração de duas grandes personalidades: o escritor português José Saramago, que escreveu
o prefácio, e o cantor / compositor Chico Buarque, apresentando quatro letras de canções e um
disco com essas músicas, que foi vendido junto com livro. É importante ressaltar que o
Movimento dos Sem-Terra (MST), ganhou os direitos de todos os produtos: livros, CDs, kits e
pôsteres. Durante a já citada entrevista para o Programa do Jô, em 1997, Salgado, Chico e
Saramago falaram sobre parceria no livro, e deram sua opinião sobre a temática que foi
retratada. Salgado (informação verbal)13, afirmou:
Como explicou o brasileiro, migrar para as cidades grandes não é uma solução. Por isso,
mesmo vivendo em péssimas condições nos acampamentos em beira de estrada, que Sebastião
13
Depoimento retirado de entrevista ao programa do Jô, exibido pela rede Globo em 1997.
68
afirma serem piores que os campos de refugiados na África, os sem-terra que continuam no
campo não perdem a esperança de ter a sua terra e preservar a dignidade da sua família. Salgado
ainda acrescenta (informação verbal)14:
Depois de muita convivência com MST, Salgado tem convicção do quão promissor e
justo é o movimento. Na mesma entrevista, Saramago fala sobre o convite para participar do
livro (informação verbal)15:
Em seguida, Chico Buarque conta que foi convidado de uma forma semelhante e sugeriu
que fosse gravado um disquinho para acompanhar o livro. Além de dar detalhes sobre o convite,
José Saramago também declara sua indignação quanto aos problemas sociais no Brasil, e conta
o que lhe inspirou a escrever o prefácio. Diz o escritor (informação verbal)16:
É porque as pessoas não querem saber, não querem ver, não querem entender.
Eu vou fazer uma declaração um pouco forte, que vai chocar alguns ouvintes
puritanos deste país, e de outros que se estivesse aqui. Que é o seguinte: não
é a pornografia que é obscena, é a fome que é obscena. E enquanto nós não
compreendermos isto, que não há o direito, não há uma razão para que um
único ser humano morra de fome. Então, todo o discurso sobre a moralidade
pública é um discurso hipócrita. Não se pode em um mundo que tem condições
para alimentar toda a gente, porque há condições para alimentar toda a gente.
Como é que não endentemos que este mundo está realmente mal. Como é que
não entendemos que um país como este, que é um continente, seja possível
14
Depoimento retirado de entrevista ao programa do Jô, exibido pela rede Globo em 1997.
15
Depoimento retirado de entrevista ao programa do Jô, exibido pela rede Globo em 1997.
16
Depoimento retirado de entrevista ao programa do Jô, exibido pela rede Globo em 1997.
69
que 5 milhões de famílias, não são 5 milhões de pessoas, são cinco milhões de
famílias, o que significa 25 milhões de pessoas, precisem de terra para viver e
não a tem. Está tudo errado! O pior de tudo não é quando não sabemos as
coisas, o pior de tudo é quando sabemos e não agimos. Isso é que é pior!
Porque o Sebastião Salgado fez esse livro, que é um documento esmagador, o
chico fez as suas canções que são extraordinárias, eu acrescentei umas
palavras, que valem o que valem, ponto.
Este texto que está como introdução do livro do Salgado provavelmente teria
sido outro, se não houvesse aí uma fotografia que tem um padre em cima de
uma cadeira, falando para um círculo de fieis ajoelhados. Então essa imagem
de um poder mais alto, no caso um poder divino, inspirou essa ideia de um
Deus supostamente criador, e defensor da vida, que depois de nos ter criado,
feito aqui, nos vira as costas e é rigorosamente indiferente. Não é Deus que lá
está, mas é que Deus continua a ocupar o nosso imaginário.
Figura 22 – Imagem que inspirou José Saramago a fazer o prefácio do livro Terra.
Mesmo não sendo necessário acrescentar palavras para que as fotos de Salgado
impressionem e cumpram o seu papel de crítica social, o texto de Saramago e as músicas de
Chico foram extremamente enriquecedoras para a obra. Como sempre, Lélia e Sebastião
conseguiram elaborar um trabalho incrível. Como disse Sousa (2004, p. 191), as fotos de
Salgado nos deixam entra a serenidade e o desassossego, questionando a realidade. E pensando
70
na única palavra necessária, segundo Saramago, “por que?” De acordo com o fotógrafo,
Salgado e Francq (2014, p. 58), seguir os sem-terra foi a sua maneira de participar do
movimento. Ele não é apenas um fotógrafo engajado, é também um brasileiro que entende a
gravidade dos problemas sociais do seu país, se sensibiliza e luta por melhorias.
ANÁLISE ICONOGRÁFICA
Imagem publicada no livro Terra, de autoria do fotógrafo
Sebastião Salgado, no ano de 1997, pela editora Companhia das Letras.
Está localizada logo após o prefácio, nas páginas 14 e 15, sendo a
ID segunda fotografia do livro e a primeira do capítulo, “Gente da Terra”.
Quanto à sua procedência, o livro foi comprado no sebo “Convite à
Leitura Web”, através do site “Estante Virtual”. A imagem está intacta,
e o livro contém apenas um leve desgaste na capa.
Imagem cristalizada no estado de Roraima, extremo norte do
Brasil, no ano de 1986. Retrata uma índia deitada em uma rede, com uma
71
INTERPRETAÇÃO ICONOLÓGICA
Não é à toa que as três únicas fotos de índios estão no começo do livro, a intenção de
Lélia Wanick, que organizou a cronologia das imagens, foi a de retratar as primeiras pessoas
que povoaram as terras no Brasil – os indígenas. De acordo com a legenda escrita por Salgado
(1997, p. 138), esta imagem foi tirada na aldeia Yanomâni, na fronteira entre o Brasil e a
Venezuela, onde até a metade dos anos 1980, os índios tinham uma vida normal, semelhante
à vida dos seus antepassados. Eram semissedentários, permaneciam no mesmo lugar até
quando lhes fosse conveniente. “Quando o peixe e a caça se tornavam escassos e a fertilidade
do solo diminuía, os quase nômades partiam em busca de novas searas, para cumprir sua sina
de liberdade junto à natureza, naquelas terras sem cercas nem fronteiras”. (SALGADO, 1997,
p. 138).
Mesmo retratando uma cena cotidiana, que transmite serenidade e aparenta uma mãe
descansando com seu filho(a), tendo conhecimento da carreira de fotodocumentarista de
crítica social do autor, e observando a foto dentro do contexto que forma o livro, concluímos
que a imagem significa muito mais do que o que está explícito. Trata-se da morte e do
aprisionamento dos primeiros moradores dessa terra. De acordo com o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), estima-se que no século XVI dois milhões de índios
povoavam o Brasil. O despovoamento foi tamanho que em 1998 a população indígena caiu
para 302.888 mil, incluindo todos os que moram em terras indígenas. Isso mesmo, os antigos
donos das terras não têm mais a liberdade de antes, suas moradias estão restritas às reservas
indígenas criadas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que delimita esse território
com a intenção de “preservar o habitat e garantir a sobrevivência físico-cultural dos grupos
indígenas”. Segundo o IBGE, essas terras reservadas para os índios, atualmente, ocupam
aproximadamente 11,6% do território brasileiro.
Nosso país tem um território tão extenso que mesmo ocupando apenas 11,6% deste
espaço, as terras indígenas do Brasil ainda são maiores que alguns países. De acordo com o
IBGE: “O Brasil tem uma extensão territorial de cerca de 851 milhões de ha, ou, mais
especificamente, 8.547.403,5 km². As terras indígenas do Brasil ocupam uma área de 991.498
km² de extensão, maior do que o território da França e da Inglaterra juntos”. Além das
limitações espaciais, os índios ainda têm que lidar com os invasores. A maioria das terras
consideradas indígenas são atingidas por alguma forma de invasão. Ainda segundo o IBGE,
“Essas invasões estão relacionadas à atividade agropecuária, à exploração mineral, à extração
madeireira e à construção de rodovias e hidrelétricas”. Por comprometerem a qualidade de
73
vida nas tribos e a preservação ambiental da região, essas invasões podem afastar ou
exterminar os índios. Foi o que aconteceu com os Yanomâni. Salgado (1997, p. 138) relata
que a invasão foi fruto de um projeto de colonização de terras virgens. Em tempos de ditadura
militar e economia centralizada, grandes áreas de florestas virgens do Norte e Nordeste foram
devastadas, isolando e sedentarizando populações indígenas.
74
75
ANÁLISE ICONOGRÁFICA
Fotografia publicada no livro Terra, de autoria do fotógrafo
Sebastião Salgado, no ano de 1997, pela editora Companhia das Letras.
Faz parte do primeiro capítulo, “Gente da Terra”, e está localizada na
ID
página 37. Quanto à sua procedência, o livro foi comprado no sebo
“Convite à Leitura Web”, através do site “Estante Virtual”. A imagem
está intacta, e o livro contém apenas um leve desgaste na capa.
Esta imagem foi criada em 1983, no estado do Ceará. Produzida
em um plano fechado, a fotografia retrata um senhor apenas do peitoral
para cima. Os elementos mais impactantes são as suas mãos postas na
ICON cabeça e a sua expressão apreensiva. Somados, os gestos fazem com que
(REPRODUÇÃO os aspectos expressivos alcancem toda a imagem, demonstrando
IMPRESSA) preocupação e total indiferença com o fato de estar sendo fotografado, e
deixando no receptor a curiosidade em saber o que estaria afligindo este
senhor. As rugas profundas e o olhar distante, porém, alertam e reforçam
esse sentimento de temor.
76
INTERPRETAÇÃO ICONOLÓGICA
Esta fotografia foi tirada na época em que Sebastião chegou ao Brasil, amparado pela
Lei da Anistia. Depois de morarem mais de dez anos fora do país, Salgado e Lélia se
surpreenderam com as mudanças. A cidade de Vitória estava muito diferente, os pais de
Sebastião envelheceram e as terras onde ele cresceu estavam devastadas. Foi quando o
fotógrafo sentiu a necessidade de conhecer melhor o seu país, e começou pelo Nordeste. Ele
sonhava conhecer a região, então tomou o carro da irmã emprestado e viajou por seis meses.
No documentário O Sal da Terra (2014), Salgado (informação verbal)17, lembra que
nessa viagem se deparou com muita pobreza, sofrimento e terras extremamente áridas. O
brasileiro ressalta que, apesar das condições em que vivem, e da fragilidade causada pela
falta de alimentos, as pessoas demonstravam muita força moral e física. Sebastião conseguiu
transmitir muito bem as suas impressões, a expressividade deste homem demonstra um misto
de força e fragilidade, que tira o receptor da sua zona de conforto, como diria Sousa (2004),
deixando-o entre a serenidade e o desassossego.
Após a leitura da legenda da imagem, escrita pelo próprio fotógrafo, tomamos
conhecimento de que a angústia demonstrada por este senhor não diz respeito apenas à seca
17
Depoimento retirado do documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
77
e à pobreza que assolam a região, mas também fala muito sobre a exploração dos
trabalhadores rurais. Esta imagem representa os trabalhadores do sertão nordestino que
vivem como servos de proprietários rurais, que em muitos casos, eles nem conhecem
pessoalmente. “Nem sempre detentores de um contrato de trabalho, que, quando existe,
também não os poupa da exploração, os lavradores são vitimados por uma contabilidade
sempre favorável aos donos da terra” (SALGADO, 1997, p. 138). Com uma remuneração
miserável, essas pessoas vivem em uma péssima situação, que em tempos de seca é ainda
pior.
Esta imagem é uma crítica social que não se esgota na representação da seca, pobreza
e exploração do trabalho rural, ela também trata de uma consequência desse quadro, a
migração para as cidades. O que parece uma solução para os que decidem partir, na verdade
é a continuidade de um problema, que, na maioria dos casos, vai gerar a desestruturação da
família, o desenraizamento dos sertanejos, e a criminalização dos antigos trabalhadores rurais
e seus filhos, dentre outros. Segundo Salgado (1997, p. 138), “Os proprietários das terras,
latifúndios em geral, ainda vivem parasitariamente em virtude da lógica trágica das capitanias
hereditárias, estabelecida pelos portugueses nos primórdios da colonização”. Ou seja, está
fixada na mentalidade das classes privilegiadas do Nordeste a associação da terra ao poder.
E foi nessa região, no Nordeste dos senhores de terras e dos trabalhadores explorados, que
nasceu o movimento dos sem-terra no Brasil.
78
79
ANÁLISE ICONOGRÁFICA
Imagem de autoria do fotógrafo Sebastião Salgado, publicada no
livro Terra, no ano de 1997, pela editora Companhia das Letras. Está
localizada no capítulo “Trabalhadores da Terra”, ocupando as páginas 48
ID
e 49. Quanto à sua procedência, o livro foi comprado no sebo “Convite
à Leitura Web”, através do site “Estante Virtual”. A imagem está intacta,
e o livro contém apenas um leve desgaste na capa.
A fotografia foi realizada na mina de ouro de Serra Pelada, no
estado do Pará, em 1986. A imagem congela um momento de conflito
entre um policial militar e um garimpeiro, e desperta no receptor a
ICON inquietação de querer saber o que causou aquele atrito. O trabalhador
(REPRODUÇÃO segura com uma mão a arma do policial, a outra mão está posta em cima
IMPRESSA) do peito, as pernas estão abertas e flexionadas, tentando manter-se
equilibrado no terreno extremamente íngreme. Ele é jovem, negro,
estatura mediana, tem os músculos muito definidos, e veste apenas um
short curto, uma camisa rasgada presa a um dos ombros e um tênis. Seu
80
corpo está quase que totalmente virado para o lado do fotógrafo, mas o
rosto está virado em direção ao oponente.
A expressão do rosto do garimpeiro reforça toda a tensão da
imagem, os olhos apertados demonstram raiva e o movimento da boca é
congelado no instante em que ele falava. A maior parte da pressão
transmitida na fotografia vem do seu corpo, dos músculos tensionados,
da expressão de defesa por ter uma arma apontada para si e ainda ter que
se equilibrar no terreno. O policial também tem uma expressão de raiva,
mantém seu corpo totalmente virado para o oponente, com a arma
apontada na altura da barriga, aparentando que já foi abaixada devido à
força imposta pela mão do trabalhador.
O seu posicionamento é mais leve, com as pernas menos abertas,
uma esticada e a outra flexionada. É jovem, branco, de estatura média e
veste a farda. Como a imagem foi feita em um plano médio, dezenas de
outros trabalhadores aparecem como coadjuvantes na imagem, cercando
o conflito e passando a sensação de que o policial, mesmo armado, seria
encurralado. São distintas as reações dessas pessoas: um aparenta cair,
outro observa com os braços cruzados e expressão de descontentamento,
alguns parecem fugir, outros se posicionam como se fossem entrar na
briga, um rapaz chega pelas costas do policial, mas a maioria apenas
observa.
A foto foi feita com uma angulação de baixo para cima, em
contra-plongée (contra mergulho), a composição foi muito oportuna e
chega a lembrar o, já citado, instante decisivo de Cartier-Bresson. É
realmente uma imagem fruto da oportunidade de poder presenciar a cena,
estar no lugar e hora certos. A iluminação é suave, tem poucos contrastes
e realces, mostrando menos variações de tons de cinza que as imagens
anteriormente analisadas. O céu está cinzento em uma parte, uma nuvem
carregada de chuva talvez seja a explicação para a luz suave, e por
consequência, para esta suavidade de tons.
INTERPRETAÇÃO ICONOLÓGICA
81
Infectados pela febre do ouro, sonhando com uma vida de posses, ou tentando fugir
da difícil vida no campo, milhares de homens foram arriscar a sorte nas minas de ouro de
Serra Pelada. A maioria era originária do Norte e Nordeste do país. De acordo com a legenda
de Salgado (1997, p. 139): “Ninguém, pois, foi levado à força, mas uma vez lá, todos se
tornaram escravos da possibilidade de fazer fortuna e da necessidade de suportar condições
inumanas de vida”. A ambição tomava conta de todos, e ninguém conseguia desistir do
sonho. Enfrentavam uma rotina de decidas extremamente íngremes, que só conseguiam ser
realizadas correndo, se tentassem parar, caiam. E subidas por escadas enormes, também
muito perigosas e cansativas. Uma aventura que era repetida dezenas de vezes por dia. Por
isso podemos notar que todos os garimpeiros da imagem são magros e têm a musculatura
definida.
Logo no começo do documentário O Sal da Terra (2004), Salgado (informação
verbal)18 relembra os dias que passou na mina de Serra Pelada: “Quando cheguei a borda
desse imenso buraco, todos os pelos do meu corpo se eriçaram. Nunca havia visto nada
parecido. Em fração de segundo, vi passar diante de mim a história da humanidade”. Salgado
lembrou das grandes construções ao longo da história, e ficou impressionando com aquela
multidão de pessoas que mais parecia um formigueiro. Ele relata: “Não havia nenhum ruído
de máquina ali dentro. O que se ouvia, apenas, era o murmúrio de 50 mil pessoas dentro de
um enorme buraco. [...] Quase conseguia escutar o murmúrio do ouro nessas almas”
(informação verbal)19.
Apesar da grande quantidade de pessoas e da competição pelo ouro, a mina
funcionava de uma forma extremamente organizada. Enquanto apresenta esta imagem que
estamos analisando, Sebastião (informação verbal)20 relata que tem a impressão de que os
trabalhadores são escravos, mas que a única escravidão presente lá, era a sede de enriquecer.
Ele explica que na mina trabalhavam pessoas de todos os tipos e graus de escolaridade,
“Todos arriscando a sorte. Porque quando se descobria um filão de ouro, todos que
participavam daquele retalho da mina tinham direito a escolher um saco. E naquele saco
18
Depoimento retirado do documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
19
Depoimento retirado do documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
20
Depoimento retirado do documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
82
estava a escravidão de fato. O saco podia conter nada, ou conter um quilo de ouro”
(informação verbal)21. O fotógrafo acredita que não era possível curar-se da febre do ouro,
quem entrava naquela mina era tomado pela ambição.
O conflito cristalizado nesta imagem retrata um dos momentos de ápice de um atrito
que existia permanentemente na mina. De acordo com Salgado (1997), a relação entre a
polícia militar, que fiscalizava Serra Pelada, e os garimpeiros, era tumultuada porque os
soldados recebiam menos que os trabalhadores, mas não aceitavam serem vistos como
inferiores. Os soldados sempre estavam em menor número diante daquela multidão de
trabalhadores, mas se aproveitavam do porte de armas nos momentos de conflito, atirando
contra os garimpeiros, e recebendo em troca uma chuva de pedras.
21
Depoimento retirado do documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
83
84
3.3.4 A Seca
ANÁLISE ICONOGRÁFICA
Fotografia publicada no livro Terra, de autoria do fotógrafo
Sebastião Salgado, no ano de 1997, pela editora Companhia das Letras.
Está inserida no capítulo “Trabalhadores da Terra”, ocupando a página
ID
58. Quanto à sua procedência, o livro foi comprado no sebo “Convite à
Leitura Web”, através do site “Estante Virtual”. A imagem está intacta,
e o livro contém apenas um leve desgaste na capa.
Esta fotografia foi cristalizada no estado do Ceará, em 1983. Feita
ICON em um plano aberto, a imagem dá ênfase ao ambiente e deixa as figuras
(REPRODUÇÃO humanas em segundo plano, ocupando uma parte mínima da imagem.
IMPRESSA) Enquadrada verticalmente, a imagem segue a regra dos três terços, onde
85
dois terços são ocupados pelo chão rachado e uma cerca feita de galhos,
e um terço retrata um outro tipo de terreno, uma subida, de cor diferente,
com uma fileira de pessoas no topo e o céu ao fundo. O chão rachado,
que está em primeiro plano, é uma das representações mais famosas da
seca no Nordeste do Brasil, e nos dá uma pista de para onde estariam
indo aquelas pessoas.
São cerca de trinta pessoas, caminhando em fila, e ocupando
quase toda a extensão horizontal da imagem. À primeira vista,
associamos a caminhada ao chão rachado, e o que vem à cabeça é uma
fuga, aquelas pessoas estariam migrando para alguma cidade próxima.
Mas se observamos com mais atenção, iremos notar, através das roupas,
que essas pessoas parecem ser todos homens, e não famílias, e eles não
carregam nenhuma bagagem, apenas ferramentas. O que nos faz mudar
de ideia, começamos a pensar que eles estariam indo ou voltando de
algum trabalho.
Esta foto tem uma composição surpreendente e encantadora,
quando batemos o olho não conseguimos assimilar todas as informações
explícitas na imagem, é preciso passear com o olhar para ir entendendo
e somando os ícones. Provavelmente, as últimas figuras a serem
observadas são as pessoas no topo da fotografia. Mesmo estando em
segundo plano, as figuras humanas não deixando de compor a
significação da imagem, como é uma característica do trabalho
humanista de Salgado.
Ainda sobre a composição, percebemos que a imagem é cortada
por três linhas diagonais, que podem direcionar o olhar do receptor
durante o passeio pela fotografia, fazendo um zigue-zague. A primeira
linha é formada pela cerca, que corta a imagem ao meio, cruzando o
primeiro plano. A segunda linha é o pé da ladeira, e a terceira é topo, por
onde as pessoas caminham. Salgado usou uma angulação de baixo para
cima. A luz é suave e uniforme em toda a imagem. As áreas de mais
contraste estão nas brechas do chão, entre os galhos da cerca, e na
diferença entre a silhueta das pessoas e o céu.
86
INTERPRETAÇÃO ICONOLÓGICA
Na legenda, Salgado (1997, p. 139), responde o questionamento que fizemos ao
observar a imagem. Para onde essas pessoas estão indo? Segundo o fotógrafo, esses homens
trabalhavam na construção de um açude, que objetivava reter as águas das chuvas. Eram
pobres e o pagamento por este trabalho era apenas o básico para a alimentação. Mais um
retrato da exploração de trabalhadores rurais, agora usados na construção civil. O sertão do
Ceará passou por um forte período de seca nos anos de 1982 e 1983.
De acordo com Antunes (2014), entre os anos de 1879 e 1983, o Nordeste do Brasil
passou por uma das maiores secas do século XX. O então presidente, João Figueiredo, até
afirmou em um discurso que a única alternativa seria rezar para que chovesse. “A estiagem
deixou um rastro de miséria e fome: lavouras perdidas, animais mortos, saques à feiras e
armazéns por uma população faminta e desesperada”. A catástrofe climática agravou os
problemas sociais da região, trazendo muita pobreza e fome, e causando a morte de 3,5
milhões de pessoas.
Segundo Cardoso (2008): “A partir de 1984 começou a amenizar os efeitos da terrível
estiagem, chovendo vagarosamente, para no ano seguinte repetir-se o mesmo drama ocorrido
em épocas pretéritas, quando do final das secas”. Ainda de acordo com o autor, no ano
seguinte, 1985, o inverno foi tão rigoroso, que as cidades que antes penavam com a seca,
passaram a temer as inundações que vinham com o aumento do nível dos rios. Uma ironia
terrível para os sertanejos que já haviam sofrido tanto com a seca.
87
88
ANÁLISE ICONOGRÁFICA
Imagem publicada no livro Terra, de autoria do fotógrafo
Sebastião Salgado, no ano de 1997, pela editora Companhia das Letras.
É a primeira fotografia do capítulo “A Força da Vida”, e ocupa a página
ID
60. Quanto à sua procedência, o livro foi comprado no sebo “Convite à
Leitura Web”, através do site “Estante Virtual”. A imagem está intacta,
e o livro contém apenas um leve desgaste na capa.
Esta imagem foi produzida em 1983, no estado do Piauí. A
fotografia mostra um estabelecimento comercial, como um mercado
onde se vendia quase tudo. Nele estão presentes quatro pessoas, um
ICON
senhor escorado no balcão de verduras, atrás dele tem apenas o ombro e
(REPRODUÇÃO
um braço de uma pessoa, e mais duas meninas ao lado da porta. O que
IMPRESSA)
torna essa imagem surpreendente é o fato de, dentre os diversos produtos
expostos no mercado, estarem caixões. Na prateleira ao lado dos sapatos
e acima das frutas, estão três caixões pendurados na vertical. Essa
89
mistura dos caixões aos produtos parece exótica para a maioria das
pessoas, mas para aquela população seria algo natural.
O senhor usa um chapéu e uma camisa estampada de botões, que
parece estar presa por apenas um botão, mostrando o colo e a barriga.
Ele é careca, pardo, e aparenta ter uns sessenta anos. Está de perfil em
relação ao fotógrafo e com a cabeça baixa. As meninas aparentam ter
entre dez e treze anos, uma é negra e a outra é parda, e também são
indiferentes ao fato de estarem sendo fotografadas. Estão chupando
picolé em frente à porta e cada uma olha para uma direção, mas nenhuma
para a câmera. Elas usam vestidos, um estampando e o outro liso com
listras.
O mercado é bem simples e rústico. Os caixões parecem ter sido
feitos de um material também muito simples e leve, tendo como
acabamento apenas alguns enfeites metálicos nas bordas e uma cruz no
meio da tampa. A imagem foi feita em um plano médio, enquadrando
desde o topo dos caixões até os joelhos das meninas, na outra
extremidade da foto. Salgado fotografou o lugar usando apenas a luz
natural que entre pela porta, agregando beleza e suavidade a imagem, e
reforçando a naturalidade da cena.
A luz chega de frente ao rosto do senhor, iluminando por
completo e deixando poucas sombras. As meninas são iluminadas
lateralmente e com mais intensidade. A menor, por estar mais próxima à
entrada, recebe uma alta exposição, e está com a cabeça virada olhando
em direção à luz. Esta superexposição e a luz batendo em seu vestido
trouxe um ar angelical à menina. A imagem foi criada em um ângulo
normal, e possui bastantes contrastes e realces.
INTERPRETAÇÃO ICONOLÓGICA
Assim como a foto analisada anteriormente, esta também foi produzida em 1983 e
também trata da pobreza, da seca, e do, até então, alto índice de mortalidade no Nordeste
brasileiro. Em sua legenda, Salgado (1997, p. 139) explica que para aquelas pessoas que já
sofriam com a alimentação restrita e as diferentes doenças, as épocas de estiagem podem ser
fatais, aumentando cruelmente a mortalidade em geral, e principalmente a infantil. Esse
90
22
Depoimento retirado do documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
91
92
ANÁLISE ICONOGRÁFICA
Imagem de autoria do fotógrafo Sebastião Salgado, publicada no
livro Terra, em 1997, pela editora Companhia das Letras. Faz parte do
tópico “A Força da Vida”, está localizada na página 69. Quanto à sua
ID
procedência, o livro foi comprado no sebo “Convite à Leitura Web”,
através do site “Estante Virtual”. A imagem está intacta, e o livro contém
apenas um leve desgaste na capa.
Esta fotografia foi capturada no estado do Ceará, em 1983. Ela
mostra o rosto de um bebê morto, envolvido por flores, dentro de um
pequeno caixão branco. Ao lado está a mão de um adulto, com a palma
virada para cima, e um retalho engalhado em dois dedos. Provavelmente
ICON
o retalho serviria como alça para sustentar o caixão. O bebê tem um gorro
(REPRODUÇÃO
na cabeça, por cima do gorro uma coroa de cartolina com o formato de
IMPRESSA)
uma cruz no meio, e farelos brilhosos colados na superfície do papel.
Além de ser lamentável ver a imagem de uma criança sem vida,
a fotografia se torna mais chocante porque ela está de olhos abertos,
despertando uma inquietação no receptor que, à primeira vista, pode
93
achar que o bebê está vivo, mas depois de olhar a foto por inteiro percebe
que se trata de um enterro. É quando surgem os questionamentos: Por
que ninguém fechou os olhos dele? Por que não o deixaram descansar?
A imagem foi realizada em um plano fechado, o que a torna ainda
mais impactante. Olhando atentamente, é possível notar até o
ressecamento dos olhos. O ângulo foi de cima para baixo, mostrando
apenas a superfície do caixão. O enquadramento não deixa o rosto
centralizando, dando espaço para que a mão também esteja em evidência.
A luz é bem marcada no rosto e nas flores, dando um forte realce no
branco da pele e das pétalas. Há um forte contraste entre as áreas de
sombra e luz.
Por ter sido feita em um plano bem fechado, a foto passa a
impressão de que Salgado teve que se aproximar bastante do bebê para
produzir esta imagem, o que não é necessário quando se tem uma lente
teleobjetiva. Mas mesmo sabendo que essa foto pode ter sido feita a uma
certa distância, ela nos faz refletir sobre a postura invasiva do fotógrafo
nesse momento, e sobre o respeito ao sofrimento daquelas pessoas. A
imagem cumpre bem a sua função de denunciar e sensibilizar o receptor,
mas até que ponto a busca por uma boa imagem pode se sobrepor a dor
do outro?
INTERPRETAÇÃO ICONOLÓGICA
A escolha desta foto para ser analisada está diretamente relacionada à história da
minha família. Minha avó materna, dona Felícia, mora no município de Borborema, no brejo
paraibano. Ela teve onze filhos, mas só cinco sobreviveram, seis morreram ainda bebês. A
cidade era muito pequena, sem assistência médica, energia e saneamento básico. Mesmo
levando as crianças doentes a pé para se consultar em outras cidades próximas, muitas vezes
não tinha como salvá-las.
Assim como outras imagens que já analisamos, esta foi tirada na primeira viagem de
Salgado pela região Nordeste, logo quando voltou ao Brasil. Em declaração para o
documentário O Sal da Terra (2014), Salgado (informação verbal)23, lembra que a
23
Depoimento retirado do documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
94
mortalidade infantil era muito alta e afirma que os olhos do bebê estavam abertos porque ele
morreu antes de ser batizado. “O povo acredita que quando elas não são batizadas não têm
direito ao paraíso. Ficarão na região intermediária, chamada limbo.” As pessoas acreditavam
que se o bebê morresse de olhos fechados, é porque teria sido batizado pelo divino, caso
contrário, os olhos eram deixados abertos para que a alma pudesse encontrar o caminho do
céu.
Na legenda da foto, Salgado (1997, p. 140), explica que, segundo a crença, “com os
olhos fechados, os anjinhos errariam cegamente pelo limbo, sem nunca encontrar a morada
do senhor”. Um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), publicado
em 1999, analisou a evolução histórica da mortalidade infantil no Brasil. De acordo com o
estudo, em 1980 o Brasil tinha uma taxa de mortalidade infantil de (82,8%o), enquanto a
Região Nordeste superava a porcentagem nacional, com (117,6%o). Nos anos seguintes a
região apresentou uma crescente queda da taxa, atingindo (93,6%o) no ano de 1985, e
chegando a (74,3%o) em 1990. Posteriormente a este estudo, o IBGE divulgou que o censo
demográfico de 2000 apontou uma taxa de mortalidade infantil de (29,6%o) em todo o Brasil
e (44,2%o) no Nordeste. O último censo demográfico, em 2010, afirma que a atual taxa de
mortalidade infantil no país é de (15,6%o) e na região Nordeste é de (18,5%o).
Com isso, notamos que da década de 1980, quando esta fotografia foi criada, até o
último censo em 2010, o Brasil teve uma queda de (67,2%o) na taxa de mortalidade infantil.
Já a região Nordeste teve um declínio de (99,1%o), um admirável avanço. Ainda de acordo
com o IBGE, essa grande diminuição da mortalidade infantil no Brasil é consequência do
aumento salarial e da criação de programa sociais que diminuíram a desigualdade social e
regional, reduzindo consequentemente a mortalidade infantil.
95
96
ANÁLISE ICONOGRÁFICA
Imagem de autoria do fotógrafo Sebastião Salgado, publicada no
livro Terra, em 1997, pela editora Companhia das Letras. É a última
fotografia do tópico “Migrações Para as Cidades”, ocupando as páginas
ID
94 e 95. Quanto à sua procedência, o livro foi comprado no sebo
“Convite à Leitura Web”, através do site “Estante Virtual”. A imagem
está intacta, e o livro contém apenas um leve desgaste na capa.
Esta imagem foi cristalizada em 1996, no Estado de São Paulo.
A fotografia retrata um pátio lotado de crianças. São cerca de trinta bebês
e três crianças maiores. A maioria está no chão coberto por lençóis,
ICON alguns estão em cestinhas quadradas, e apenas um está em uma cadeira
(REPRODUÇÃO alta de alimentação, ficando bem em evidência na foto. A maioria veste
IMPRESSA) roupas brancas ou claras.
Os bebês estão sozinhos, não há a presença de nenhum adulto na
foto. Alguns deitados, outros engatinhando, passando por cima uns dos
outros, estão em todas as posições, é como se estivem abandonados
97
INTERPRETAÇÃO ICONOLÓGICA
Essa imagem foi criada quando Salgado veio ao Brasil com o propósito de fotografar
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), para compor o livro Êxodos.
Como dito anteriormente, esse ensaio tratou um tema muito pautado atualmente, o
movimento de populações, o grande número de refugiados, imigrantes, e o consequente
crescimento populacional de algumas cidades. Mas o que liga o MST ao projeto Êxodos? Em
98
entrevista para o programa do Jô, um ano depois de fazer esta fotografia, em 1997, Salgado
(informação verbal)24 explica que para ele o movimento dos sem-terra é a última válvula de
retenção de populações no campo.
Com a exploração dos trabalhadores rurais, o alto índice de mortalidade e a seca,
milhares de famílias migram para as capitais mais próximas, e depois para as metrópoles,
como São Paulo. De acordo com o fotógrafo (informação verbal)25, enquanto realizava o
projeto Êxodos, ele esteve com o MST e depois foi para São Paulo, tratar da cidade como
alvo de muitos imigrantes. A partir desta experiência ele pode perceber que o sem-teto de
São Paulo, a criança de rua da cidade, é justamente o sem-terra que migrou e desistiu de viver
no campo. “É o sem-terra que não tentou ficar na terra, que não lutou pela terra. Que chegou
à cidade e a cidade não assimilou. Então, eu vi que eram parte da mesma história.”
Foi assim que surgiu o livro Terra, que conta a história da luta pela terra no Brasil,
retratando tanto os que ainda lutam, como os que já desistiram. Mesmo tendo convivido com
os sem-terra que vivem em péssimas condições nos assentamentos de beira de estranha,
Salgado (informação verbal)26 acredita que fazer parte desse movimento de retenção é melhor
do que migrar para as cidades. “A esperança é conseguir um pedaço de terra para defender a
dignidade da família. Porque eles têm consciência de que chegando na cidade a primeira
coisa que desaparece é a célula base, a família. Então eles preferem ficar.”
É dessa desintegração familiar que esta imagem trata. De acordo com a legenda do
fotógrafo, Salgado (1997, p. 141), a foto foi tirada na Fundação Estadual do Bem-Estar do
Menor (FEBEM), em São Paulo. A fundação abrigava 428 crianças em um departamento
especializado em atender menores carentes com idade tenra. “Aí vivem 428 crianças, 35%
das quais foram abandonadas ainda bem pequenas nas ruas, não se sabendo, portanto, quem
são seus pais.” Um quadro que confirma a teoria de que o êxodo leva à desintegração familiar
e, consequentemente, a muitos outros problemas sociais, como o abandono de crianças e o
aumento da criminalidade.
Estando cientes do contexto em que foi criada esta imagem, conseguimos entender
porque as crianças foram fotografas sozinhas, sem nenhum adulto. Salgado queria transmitir
a mensagem do abandono, e a causa estava logo atrás, em segundo plano, na paisagem urbana
24
Depoimento retirado de entrevista ao programa do Jô, exibido pela rede Globo em 1997.
25
Depoimento retirado de entrevista ao programa do Jô, exibido pela rede Globo em 1997.
26
Depoimento retirado de entrevista ao programa do Jô, exibido pela rede Globo em 1997.
99
de uma cidade que, mesmo em constante crescimento, não consegue integrar todos que
precisam.
100
101
ANÁLISE ICONOGRÁFICA
Imagem publicada no livro Terra, em 1997, de autoria do
fotógrafo Sebastião Salgado, pela editora Companhia das Letras. É a
última fotografia do livro, finalizando o tópico “A Luta Pela Terra”, e
ID ocupando as páginas 136 e 137. Quanto à sua procedência, o livro foi
comprado no sebo “Convite à Leitura Web”, através do site “Estante
Virtual”. A imagem está intacta, e o livro contém apenas um leve
desgaste na capa.
A imagem foi produzida em 1996, no Estado do Paraná. Esta
fotografia cristalizou um momento simbólico e carregado de
ICON
significados. É o congelamento do instante seguinte à abertura da
(REPRODUÇÃO
porteira de um latifúndio, quando um homem atravessa a entrada da
IMPRESSA)
fazenda, liderando uma marcha de milhares de sem-terra. Ele olha para
o chão e ergue uma foice, uma expressão de força e intimidação, que é
um dos símbolos mais populares da luta dos trabalhadores rurais.
102
INTERPRETAÇÃO ICONOLÓGICA
Ao longo do livro Terra nós somos apresentados às diferentes vertentes que compõe
a história da luta pela terra no Brasil. Não foi à toa que a organizadora do livro, Lélia Wanick,
colocou esta imagem como a última. Depois que percorremos a obra e nos apropriarmos do
contexto social das imagens, percebemos que foi uma atitude otimista finalizar o livro assim,
com uma imagem que retrata o rompimento dos limites de uma propriedade, celebrando uma
vitória dos sem-terra. Segundo Martins (2008, p. 157): “ Essa foto é a única, das que conheço,
que são as publicadas ou expostas, que proclama o triunfo da vítima. [...] Essa foto é uma
proclamação política”.
É a afirmação de que pode existir um final feliz para essas famílias tão injustiçadas
socialmente. De acordo com Martins (2008, p. 153), esses manifestantes “não estão abrindo
a porteira apenas para entrar: estão abrindo a porteira também para sair. [...] E sair para dentro
da sociedade de que se sentem excluídos. Querem nela entrar, ao mesmo tempo”. O que
alguns receptores podem ver como apenas uma invasão, uma entrada, também pode ser
interpretado como uma saída rumo à uma vida mais digna.
Em sua legenda, Salgado (1997, p. 143) afirma que essa marcha era formada por mais
de doze mil pessoas. “O exército de camponeses avançava em silêncio quase completo.
Escutava-se apenas o arfar regular de peitos acostumados a grandes esforços e o ruído surdo
dos pés que tocavam o asfalto.” A propriedade invadida era a fazenda Giacometi, um
latifúndio com 83 mil hectares. Salgado (1997, p. 143), explica que esses latifúndios são
explorados apenas com o objetivo de garantir a manutenção da fortuna de seus donos.
“Corretamente utilizados, os 83 mil hectares da Fazenda Giacometi poderiam proporcionar
uma vida digna aos 12 mil seres que marchavam naquele momento em sua direção.”
Temendo eventuais confrontos com funcionários fazenda, os manifestantes colocam
as mulheres e crianças posicionadas no fim da marcha. Sobre o encontro dos sem-terra com
a entrada no latifúndio, Salgado relembra, “[...] o rio de camponeses que correu pelo asfalto
noite adentro, ao desembocar defronte da porteira da fazenda, para e se espalha como águas
de uma barragem” (1997, p. 143). Sem sofrer resistência por parte do proprietário da fazenda,
os manifestantes entram gritando e levantando as bandeiras e foices. “[...] o grito reprimido
do povo sem-terra ecoa uníssono na claridade do novo dia: ‘REFORMA AGRÁRIA, UMA
104
LUTA DE TODOS!’” (SALGADO, 1997, p. 143). A luta dos índios que perderam suas
terras, a luta dos trabalhadores rurais explorados, a luta dos que sofrem com a seca, a luta dos
que conviveram com os altos índices de mortalidade, a luta dos que sofrem com a violência
das grandes cidades, a luta do Movimento do Trabalhadores Rurais Sem-Terra, a luta de
todos!
105
106
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste trabalho, revelamos que uma fotografia pode guardar em seus elementos
imagéticos formais uma carga significativa de história que vai muito além do que ela apresenta
explícito em sua superfície. Com a intensão de introduzir os conceitos que seriam fundamentais
para o entendimento deste trabalho e, principalmente, para a compreensão da metodologia
utilizada, começamos nosso diálogo tratando dos fundamentos teóricos da fotografia.
Apoiando-nos na trilogia teórica de Boris Kossoy (2007; 2009; 2012), apresentamos os
elementos constitutivos da fotografia (assunto, fotógrafo e tecnologia), e as coordenadas de
situação (espaço e tempo).
Para alcançar o nosso objetivo de analisar o ensaio fotográfico Terra de autoria de
Sebastião Salgado, destacando em oito fotos pré-selecionadas as características de
fotodocumentação, ética, memória, e denúncia social presentes na obra, foi essencial
assimilarmos dois conceitos de Kossoy (2012), são eles: a compreensão da atuação do fotógrafo
como um filtro cultural, onde as suas motivações são determinantes para a construção da
imagem, e a criação de uma nova realidade a partir da fotografia. A análise foi enriquecida
quando levamos em consideração a bagagem cultural de Sebastião Salgado, fundamental para
nortear e dar coerência à interpretação, e também quando abordamos as duas realidades da
fotografia, relacionando a cena cristalizada à denúncia social que a envolve.
Seguindo com os aportes teóricos de Kossoy (2012), atribuímos o surgimento da vida
do documento fotográfico, à criação da segunda realidade fotográfica. Tratamos da eficiência
da fotografia como forma de documentação, do preconceito em adotá-la como fonte histórica e
do recente avanço com relação ao reconhecimento da imagem como documento. Através da
interpretação iconológica, confirmamos a importância da fotografia, em especial a de Salgado,
como fonte histórica. Sebastião tem consciência da sua responsabilidade ao mostrar o seu ponto
de vista sobre a realidade, e por isso tem a preocupação de sempre estar a par do contexto
histórico e cultural dos lugares onde vai trabalhar. Por isso suas fotografias são bem
contextualizadas e guardam muita informação sobre o tema abordado.
A interpretação iconológica foi o ponto mais difícil da análise, porque para desvendar a
mensagem por trás da cena, o conteúdo da primeira realidade, é preciso que o receptor também
tenha um vasto conhecimento sobre o contexto histórico retratado. Como foi dito anteriormente,
uma imagem só vale mil palavras se o receptor tiver um repertório que lhe permita pensar mil
palavras. Então, a dificuldade veio da necessidade de pesquisar sobre a história implícita em
cada fotografia. Após discorremos sobre o documento fotográfico, recorremos a Jorge Pedro
107
Estilo onde melhor se encaixa o nosso objeto de estudo. Para tratar deste tema, além de Sousa
(2004), também utilizei os conhecimentos de Paulo César Boni (2008).
Assim, pude confrontar as definições dos autores sobre o fotodocumentarismo de crítica
social, percebendo que enquanto Sousa ressalta o comprometimento dos fotodocumentaristas
sociais com a vivência dos seres humanos, Boni trata o gênero como um veículo de crítica
social. Tendo assim, intenções que vão além da documentação do real. Para o autor, a fotografia
de documentação social, além de documentar, tem o poder de intervir e modificar a realidade.
Essa é uma das maiores características do trabalho de Salgado, a intenção de intervir
socialmente. Ele sem dúvidas é um fotógrafo/cidadão de compromisso social, que tanto na vida
pessoal, como na profissional, sempre está buscando trazer melhorias para a sociedade.
O mais impactante ao analisar o trabalho do brasileiro foi sentir a carga de denúncia
presente nas imagens. Conectar aquelas fotos em um ensaio, juntando todas aquelas mensagens
em uma só história, nos deu a dimensão do problema. Saber que as injustiças sociais retratadas
estavam ligadas de alguma forma, nos abriu os olhos para a complexidade daquela crítica social.
Como disse Saramago (informação verbal)27, referindo-se ao livro Terra, esta obra “é um
documento esmagador”. Finalizando o segundo capítulo, debatemos sobre uma linha onde o
brasileiro Sebastião Salgado é um dos expoentes de mais destaque – a fotografia humanista.
Antes de realizarmos as análises, foi necessário pesquisar sobre a vida de Sebastião
Salgado, para que conseguíssemos compreender as suas motivações, visões e ideologias. Em
seguida, discutimos sobre o nosso objeto de estudo, tratando do ensaio Terra como um todo,
para, só depois, analisarmos as imagens individualmente. Mesmo com a dificuldade de realizar
a análise iconológica, acredito que a metodologia de Kossoy (2012) cumpriu perfeitamente com
o meu objetivo de destacar as características de fotodocumentação, ética, memória, e denúncia
social presentes na obra. Analisando as duas realidades das imagens podemos ver com nitidez
a relação entre a cena retratada e a mensagem que Salgado tenta transmitir.
Realizar a análise das fotografias ampliou a minha compreensão do que é um
fotodocumentário de crítica social, e me mostrou que, além de ter muita sensibilidade e talento,
Salgado também é um militante. Ele deixa bem claro o seu posicionamento político ao criar
suas narrativas utilizando o suporte fotográfico. Nas imagem do livro Terra fica nítido o seu
posicionamento a favor do MST e da reforma agrária, e contra a exploração do trabalhador rural
e o êxodo para as cidades.
27
Depoimento retirado de entrevista ao Programa do Jô, em 1997.
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REFERÊNCIAS
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HEERDT, Mauri Luiz. Metodologia científica e da pesquisa. Palhoça: Unisul Virtual, 2007.
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INSTITUTO TERRA. O sonho de plantar uma floresta deu origem ao Instituto Terra.
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KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. Cotia, SP: Ateliê Editoral,
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SCHWARCZ, Lilia Moritz (Orgs.). 8 X fotografia: ensaios. São Paulo: Companhia das
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Disponível em: <http://www.mst.org.br/nossa-historia/> Acesso em: 15 jul. 2015.
O Sal daTerra: Uma viagem com Sebastião Salgado. Direção de Wim Wenders e Juliano
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112
SALGADO, Sebastião e FRANCQ, Isabelle. Da minha Terra à Terra. São Paulo: Paralela,
2014.
SOUSA, Jorge Pedro. Uma história crítica do fotojornalismo ocidental. Chapecó: Editora
Grifos, 2000.
STUMPF, Ida Regina C. Pesquisa bibliográfica. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio
(org.).Métodos e técnicas de pesquisa em Comunicação.São Paulo: Atlas, 2005.
113
ANEXOS