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UniFMU
Curso de Direito
Rafael Da Ros
R.A: 441.425/8
Turma 315 C
Fone: 5184-1430
email: rosrafael@uol.com.br
São Paulo
2004
RAFAEL DA ROS
1
CONFLITOS ENTRE TRATADOS
INTERNACIONAIS E LEIS INTERNAS: A
POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
São Paulo
2004
2
Banca Examinadora
__________________________________________________
__________________________________________________
__________________________________________________
3
Aos meus Pais, pelo apoio e
compreensão em
todos os momentos, e à Carol, pelo estímulo na
INTRODUÇÃO
4
Este trabalho pretende estabelecer uma análise descritiva acerca da conduta do
internas.
Cumpre analisar como o Brasil tem solucionado esse conflito e, a partir do estudo da
legislação, doutrina e da jurisprudência, contribuir com um pensamento crítico sobre a teoria monista
de Kelsen, que tem influenciado a doutrina em grande escala.
Faremos, primeiramente, uma abordagem sobre as diversas teorias e correntes doutrinárias,
como é o caso do monismo e dualismo, para uma maior compreensão da posição adotada pelo
judiciário brasileiro.
Passaremos então para um estudo descritivo da legislação em vigor, visando destacar as normas
que regem o nosso sistema constitucional no que tange a incorporação dos tratados internacionais pelo
ordenamento interno.
Será analisado, dessa forma, o iter procedimental, adotado pelo Brasil, referente a incorporação
As questões que buscaremos solucionar neste estudo concentram-se nas seguintes dúvidas: se o
Brasil adotou a teoria da incorporação imediata das normas de Direito internacional no seu
ordenamento interno; se o Judiciário pode ou não aplicar o tratado antes que ele seja devidamente
Isto porque, como veremos da análise do RE 80.004 editado pelo Supremo Tribunal Federal, o
De maneira que, a situação de normas incompatíveis entre si, se resolve pela regra lex posterior
5
No decorrer do trabalho, faremos algumas críticas a respeito da teoria monista radical de
Kelsen, pois não acreditamos que ela possa ser recepcionada pelo nosso ordenamento, tendo em vista a
estrutura do nosso sistema constitucional. Muito embora a doutrina majoritária seja a favor do
monismo de Kelsen, demostraremos que esta não vem sendo mais a opção adotada pelo Supremo
Tribunal Federal.
Defenderemos a aplicação da teoria dualista moderada, eis que esta se enquadra nos moldes da
Carta Política de 1988, conforme restará demonstrada pela análise da ADIN 1.480-3 e da Carta
SINOPSE
6
O tema abordado na presente monografia visa esclarecer a opção do judiciário Brasileiro no
É certo que a teoria monista de Kelsen, que afirma a primazia do Direito Internacional sobre o
Direito interno, tem influenciado a doutrina, bem como grande parte da jurisprudência Brasileira.
Antigamente, a Jurisprudência majoritária baseava suas decisões na corrente monista radical.
No entanto, ultimamente, a Corte Suprema, no RE 80.004, equiparou o tratado à lei federal. Dessa
forma, em caso de conflito de normas, aplicar-se à o critério lex posterior derogat priori. Fazendo-se
um estudo da legislação em vigor, destacando as normas que regem o nosso sistema constitucional no
que tange a incorporação dos tratados internacionais pelo ordenamento interno, verifica-se que nosso
ordenamento, de fato, não comporta a adoção da teoria monista. O que se vê, pelo contrário, é uma
estrutura complexa para a incorporação dos tratados internacionais pelo ordenamento interno. Isto
decorre da sua dúplice aprovação: do Congresso Nacional e do Presidente da República. Como se não
bastasse, o tratado ainda esta sujeito ao controle de constitucionalidade, antes de se tornar norma
É por esta razão que concordamos com a posição atual do Supremo Tribunal Federal, que
SUMÁRIO
7
Introdução
1. Tratado Internacional...................................................................................................1
4. As teorias conciliadoras.............................................................................................21
9. Conclusão..................................................................................................................45
Bibliografia
CONFLITOS ENTRE TRATADOS INTERNACIONAIS E LEIS INTERNAS:
1. TRATADO INTERNACIONAL
8
O tratado é considerado por alguns autores como a fonte mais importante do Direito
Internacional Público. De fato, ele tem sido, desde a antigüidade, o elo relacional de interdependência
entre as nações.
autores de Direito Internacional, diz respeito à paz de Hatusil III, Rei dos Hititas, e Ramsés II, faraó
egípcio da XIX. dinastia. Esse tratado pôs fim às guerras nas terras sírias, entre 1280 e 1272 a.C., e
dispôs sobre a paz entre os dois reinos, aliança entre inimigos comuns, comércio, migrações e
extradição. De acordo com os relatos históricos, parece que este tratado foi cumprido, eis que houve
um período de paz e efetiva cooperação entre esses dois povos. Este tratado, bem como inúmeros
documentos diplomáticos da antiguidade oriental foram encontrados nas ruínas de Tellel Amarna,
jurídicos2".
O art. 2. ° da Convenção de Viena sobre o direito dos tratados de 1969 deu a seguinte redação
ao conceito de tratado:
1
ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2000, p.20.
2
REZEK, José Francisco. Direito Interncional Público: curso elementar. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 14
9
“Tratado significa um acordo internacional concluído entre
específica”.
Lendo o artigo, poderíamos deduzir que somente os Estados possuem exclusividade para
celebrar tratados. Este direito já tinha sido expresso no artigo primeiro da Convenção sobre Tratados
algum direito3".
3
BEVILÀQUA, Clóvis. Direito Público Internacional. Rio de Janeiro, 1939, 2 vol, p. 13.
4
Ibid., p. 13.
10
As 'qualificações diversas' referidas por Beviláqua são na verdade as várias formas que os
• Tratados na terminologia diplomática são os acordos de maior importância por seu objetivo
no espaço e no tempo.
• Convenções: são acordos que versam sobre objetos mais específicos, de caráter não político.
Estas são somente algumas das qualificações dadas aos tratados, uma vez que o escopo deste
trabalho não consiste em conceituar todas as variantes terminológicas do mesmo - Acordo, ajuste,
arranjo, ata, ato, carta, código, compromisso, constituição, contrato, convenção, convênio,
Cumpre por fim ressaltar que, apesar da Convenção sobre Tratados não especificar acerca da
uma vez que, estas também são dotadas de personalidade jurídica internacional5.
celebrar tratados e reconhece que a Convenção sobre Tratados deu uma conotação demasiadamente
vaga sobre o termo. Diz o autor que a Convenção de Viena se utiliza de uma forma "genérica"6.
5
REZEK, op. Cit., p. 18.
11
Tanto Rezek quanto Celso de Albuquerque Mello ressaltam o aparecimento das organizações
internacionais como atores das relações internacionais, com plena capacidade de concluir tratados,
Divergências a parte, fato é que o tratado internacional, seja ele celebrado pelo Estado ou pelas
organizações internacionais, será sempre um elemento sine qua non para o desenvolvimento do Direito
Internacional.
Conceituar Direito Internacional não é uma tarefa fácil: "A definição de um ramo da ciência
jurídica pode variar de acordo com o critério que se tome como ponto de partida7".
Talvez, mais do que o critério adotado como ponto de partida, a diferença esteja ligada as
Selecionaremos, portanto, um pequeno número de definições elaboradas pela doutrina, já que uma
exposição vasta fugiria ao nosso objetivo. A partir de uma corrente mais positiva, ensina Norberto
Bobbio que:
"O Direito nacional ou interno é aquele cuja principal fonte é a lei editada pelo
6
MELLO, Celso D. Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público, p. 160.
7
MELLO, op. Cit., p. 48.
12
"O direito internacional público ou direito das gentes é o conjunto de princípios
Accioly)
"O conjunto de normas que regula as relações externas dos atores que compõem
a sociedade internacional10".
"Um complexo de normas que regulam a conduta recíproca dos Estados – que
Kelsen, apenas modificando parcialmente seu contexto teleológico, eis que, a nosso ver, o Direito
Internacional não é um complexo normativo que "regula", e sim, um conjunto de normas editadas
pelos atores de Direito Internacional que "deve regular" a conduta recíproca dos Estados, o que na
costumes, as relações entre os Estados, visando quebrar fronteiras, criar blocos econômicos e trazer
8
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: UnB, 2000.
9
ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p.1.
10
MELLO, op. Cit., p. 48.
11
KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. Coimbra, 1979., p. 427.
13
harmonia para o ordenamento jurídico internacional, os Estados Unidos da América, a maior potência
mundial, não assinou a Convenção de Viena sobre o direito dos tratados e ainda assim, sente-se no
direito de autoditar normas de Direito Internacional e atuar como ator independente no cenário da
cenário mundial será consideravelmente agravada, porque desta vez, o presidente americano não
deverá prestar contas a ninguém, senão à sua própria consciência. De ator independente e autoritário,
os Estados Unidos da América passará a exercer a Direção do teatro mundial, transformando os demais
Foi dada certa ênfase a esta questão porque, não poderíamos escrever o conceito de Direito
Internacional com base simplesmente "na melhor doutrina”, se esta não exprime a realidade fática e
É importante dizer que o Direito internacional intervém algumas vezes no Direito Interno,
embora sofra também a influência deste e receba algumas de suas normas, que são transferidas para o
Direito Internacional. No que se refere a essa intervenção, analisaremos qual ordenamento deverá
14
3. AS DIFERENTES POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS
Somente no final do século XIX o tema das relações entre o Direito internacional e o Direito
interno começou a ser estudado de forma sistemática. No entanto, a preocupação com o problema já
existia desde que a jurisprudência Inglesa se manifestou no sentido que "Internacional law is part of
Este tema pode ser tratado tanto a partir de uma visão prática como de um ponto de vista
teórico. Neste capítulo, analisaremos as soluções do ponto de vista teórico das teses existentes na
A tese dualista foi criada pelo alemão Carl Heirich Triepel, em 1899, na obra "Volkerrecht und
Landesrecht". Foi ele quem desenvolveu a matéria de forma sistemática. Para este doutrinador, o
Segundo Triepel, os sistemas jurídicos internacional e interno são esferas separadas, tratando-
se, dessa forma, de uma ordem dual, daí porque se chamar "dualismo".
15
Celso de A.Mello destaca três diferenças apontadas por Triepel, geradas em face da oposição
desses dois ordenamentos. A primeira concerne às relações sociais, já que na ordem internacional o
Estado é o único sujeito de direito, enquanto na ordem interna surge o indivíduo também como sujeito
de direito.
A Segunda diferença diz respeito às fontes nas duas ordens jurídicas, já que o Direito
internacional tem como fonte a vontade coletiva dos Estados, que se manifesta expressamente nos
tratados e tacitamente no costume internacional, enquanto o Direito interno tem como fonte a vontade
de um Estado.
A terceira diferença citada por Celso de A.Mello é relativa a estrutura das duas ordens
A concepção proposta por Triepel levou à denominada "teoria da incorporação", isto é, para
que uma norma de direito internacional fosse aplicada internamente em um determinado Estado seria
jurídico. De acordo com essa teoria, não haveria possibilidade de haver conflitos entre ambos
ordenamentos.
A teoria dualista de Triepel teve grande influência na Itália através de Dionisio Anzilotti em
1905, com a obra intitulada "Il diritto Internazionale nei giudizi interni". Anzilotti, apesar de difundir a
O autor italiano, por exemplo, admitiu que o Direito internacional poderia ser aplicado em
alguns casos de Direito interno, sem que ocorresse a transformação da norma em direito interno,
advinda do que convencionaram os Estados. Essa norma internacional só poderá ser alterada pela
16
vontade daqueles Estados que a convencionaram, já que são obrigatórias, de acordo com o princípio da
Pelo contrario, as normas internas são passíveis de modificação pela vontade única que as
constitui, vale dizer, a vontade do legislador. Essa distinção entre os dois ordenamentos consiste no
fato de que cada norma terá sua 'validade' no âmbito do seu respectivo ordenamento.
É preciso ressaltar que, de acordo com a teoria dualista de Anzilotti, não é admitida a
possibilidade de conflito entre a lei interna e o tratado internacional, já que são distintas. Dessa forma,
Nessa visão dualista, não há possibilidade de haver conflito entre a lei interna e o tratado
internacional, a não ser que a norma internacional se convertesse em norma de direito interno, caso em
que o conflito seria resolvido pelo princípio "lex posterior derrogat priori". Portanto, Anzilotti
encontrou a justificativa do dualismo no fato de uma norma posterior derrogar uma norma que
autor:
nacional, não pode, como direito positivo, emanar diretamente do tratado. Este
podem influir sobre o valor obrigatório das normas internas e vice-versa. É certo
que em torno dos efeitos dos tratados, duas teorias se formaram: uma a afirmar
17
vigor, e tenha sido publicado, é fonte formal de direito nacional, obrigando
obriga o governo na ordem internacional, mas ainda não converte o que foi
ordem externa, e não o povo na ordem interna. Não é admissível que um só ato,
ao mesmo tempo, possa ser tratado de ato legislativo ordinário; nem se concebe
pelo povo e pelos tribunais, devem ser postas em vigor por uma ordem de
essa ordem de execução, ato praticado com base no direito nacional, nunca
tratado normativo com base no direito das gentes. O tratado normativo é fonte de
12
CASTRO, Amílcar de. Direito internacional privado. Rio de Janeiro: forense, 1956, n. 55, v.1 p. 126.
18
È importante analisar que o dualismo surgiu num momento em que somente os Estados
soberanos eram considerados sujeitos de direito internacional, onde mantinham relações através de
tratados bilaterais.
Por serem duas ordens jurídicas distintas e caminharem 'paralelamente', o Direito internacional
e o Direito interno, a teoria dualista também é chamada de "paralelismo". Para os dualistas, uma norma
que pertence ao direito internacional não pode valer como ela é no direito interno de um Estado, só
haverá validade se ela for transformada em norma interna. Vale dizer, as regras de direito internacional
não revogam as normas de direito interno se estas forem contrárias e estabelecerem conflitos.
Primeiramente, os dualistas determinam que enquanto o direito interno regula as relações entre os
indivíduos, ou entre esses e o Estado, o Direito internacional público regula as relações entre os seus
sujeitos, em uma relação "interestatal'. Os dualistas não consideram os indivíduos 'sujeitos' na esfera
Em segundo lugar, acreditam que as normas internas só são válidas dentro do seus próprios
Estados, ao contrario das normas de direito internacional, que possuem validade além da esfera
Estadual.
De fato, as normas de Direito Internacional possuem eficácia mais ampla, pois englobam toda a
sociedade internacional, ao contrario das normas internas, que têm sua eficácia limitada na esfera de
seu Estado. Nesse contexto, os dualistas afirmam que o Direito Internacional não se relaciona
Este fundamento, no entanto, não impede que o direito interno aplique uma norma que também
seja norma de Direito Internacional, pois se pode presumir que o Estado deseje se comportar de acordo
De acordo com os que sustentam esta tese, à qual nos filiamos, o Direito interno não tem, por
exemplo, valor normativo para um juiz internacional. Assim, se um Estado não cumprir uma norma
19
internacional, alegando que a mesma fere uma determinada regra de seu direito nacional (embora seja
gerando uma obrigação para este Estado), este ato será legítimo na ordem interna e, ao mesmo tempo,
ilegítimo na ordem externa. Nesta hipótese, entendem os dualistas que não ficaria configurado um
conflito de normas, e sim, posições diferentes de um mesmo fato em ordem jurídicas diversas.
Os dualistas acreditam que as regras de Direito Internacional somente geram obrigações para os
indivíduos de um determinado Estado, após o momento em que são incorporadas pelo ordenamento
interno daquele Estado, ou seja, depois de serem 'convertidas', por assim dizer, em normas de direito
interno, como é o caso do Brasil. No entanto, na prática, com o desenvolvimento das relações
internacionais, a doutrina vem se consolidando no sentido de que os indivíduos possuem sim direitos e
"O direito internacional regulamenta a conduta mútua de Estados; mas isso não
indivíduos13".
Em síntese, para a teoria dualista, as normas de direito internacional não são imperativas, vale
dizer, não são consideradas normas de Ius Cogens de um Estado, a não ser que sejam por ele
recepcionadas através de um ato do poder legislativo que as converte em normas de direito interno.
Para essa teoria, portanto, torna-se impossível a hipótese de conflito entre tratado internacional e leis
internas.
20
Opondo-se veementemente a esta corrente doutrinária, encontram-se os adeptos da teoria
monista, que admitem a unicidade do ordenamento jurídico, vale dizer, sua 'completude', na visão de
A teoria monista surge como um confronto ao dualismo defendido por Triepel. A teoria
monista não aceita a existência de duas ordens jurídicas distintas e autônomas. Os monistas sustentam
Para os adeptos dessa teoria, tanto o direito internacional como o direito interno constituem um
único sistema jurídico, sendo que uns defendem a primazia do ordenamento interno, e outros defendem
De acordo com Celso de Albuquerque Mello, o monismo com primazia do Direito Interno tem
suas raízes na teoria de Hegel, que considera o Estado como tendo uma soberania absoluta e
incontestável14.
acham subordinadas umas as outras. É a partir dessa teoria que Kelsen formulou em sua Teoria Pura
Pode-se resumir a lógica da pirâmide dizendo que uma norma tem a sua origem e se valida pela
norma que lhe é hierarquicamente superior, onde a norma que esta no topo da pirâmide é denominada
13
KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. São Paulo: 1995,p.334.
14
MELLO, op.cit., p. 84.
21
Assim, o fundamento da doutrina de Kelsen baseia-se no fato de que todo direito é um sistema
único, e todas as normas se validam a partir da norma fundamental, que é uma norma originária
hipotética.
A doutrina monista contradiz todas as premissas defendidas pelos dualistas. Cabe aos monistas
negar que os sujeitos dos dois ordenamentos jurídicos, Estado – indivíduos, sejam distintos. Afirmam,
ainda, que tanto o direito internacional como o direito interno devem ser considerados como expressão
A teoria monista é considerada atualmente pela grande maioria dos internacionalistas como a
doutrina predominante, sendo adotada por algumas Constituições, o que não é o caso da nossa Carta
Política de 1988.
Dentro da doutrina monista, apesar de existirem algumas variações, a maior parte dela advém
São eles, o monismo com a primazia do direito internacional e o monismo com a primazia do
direito interno.
monismo pode possuir três posicionamentos diferentes: O primeiro determina que ambos
22
O monismo com primado no direito interno surgiu com a filosofia Hegeliana do Estado, onde
este possuía uma soberania absoluta, não admitindo a possibilidade de ficar submisso a qualquer outro
sistema jurídico.
Para os seguidores dessa corrente, o Direito internacional público seria uma espécie de Direito
estadual público externo, sendo parte do direito do Estado, ou ainda, como diz Celso de Albuquerque
Mello,
"O direito internacional é um direito interno que os Estados aplicam na sua vida
internacional15".
Eles acreditam que a ordem jurídica internacional recebe a sua validade da ordem jurídica
interno, onde o Direito internacional acaba sendo, como disse Celso de A .Mello, um direito interno
Dessa forma, o Direito internacional tem origem nas leis internas dos Estados a que se vincula,
subordinando-se a elas. Sendo a lei interna definida conforme a vontade de cada Estado, as normas
Luís Ivani de Amorim Araújo censura essa doutrinação, sustentando que na ocorrência de
mudanças radicais nas leis internas do Estado, este não se desvencilha no âmbito externo dos tratados
15
MELLO, op. cit., p.105.
23
em que é parte16 . No entanto, os monistas do direito interno não conseguem enxergar a possibilidade
de considerar o Direito internacional como uma ordem jurídica superior, acima dos Estados e de suas
normas.
A teoria monista com primado no Direito internacional foi desenvolvida pela escola de Viena
através de vários autores, mas como sabemos, seu principal defensor foi Hans Kelsen.
ordem jurídica nacional e internacional. Todavia, nessa teoria, a ordem jurídica interna esta
competência das normas internas, prevalecendo sobre estas, cabendo tão somente ao legislador
Os doutrinadores que apoiam este tipo de monismo se baseiam em alguns princípios, entre eles:
os tratados firmados entre os Estados passam a fazer parte do ordenamento interno, ou seja, da sua lei
interna. Essa regra é considerada proveniente da lei Inglesa "International Law is a part of the law of
the land".
Por essa regra, se um tratado possuir uma cláusula contrária à legislação interna anterior, esta
considera-se revogada.
Se um tratado for ratificado, ele não pode ser revogado posteriormente por uma lei interna e
ainda, havendo conflito entre normas de direito internacional e de direito interno, aquelas deverão
prevalecer.
Ainda assim, o monismo, com primado no Direito internacional, dividiu-se em duas correntes.
16
AMORIM, Luís Ivani de Araújo. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro, 1995., p.45.
24
Para o monismo moderado, se houver conflito entre normas internas e normas de Direito
internacional, esta divergência não implicará na invalidação daquelas, podendo apenas gerar sua
Para essa corrente, não há uma relação de validade, o que traz ao legislador uma maior
liberdade de atuação.
Pelo contrário, para o monismo radical, as normas de Direito interno somente serão válidas se
Se uma norma interna entrar em conflito com uma norma internacional, ela será considerada
Segundo os defensores do monismo radical, existe uma ordem jurídica que delimita a
Constitucional, deverá respeitar a norma de Direito internacional para ter validade. Esta doutrina não
admite sequer a possibilidade de existirem conflitos entre os dois ordenamentos jurídicos, pois o
direito interno, sendo inferior, jamais poderá ir contra uma norma superior, isto é, o Direito
internacional. Não concordamos com essa doutrina, por ser prejudicial à soberania dos Estados e pela
facilidade de se criar uma hegemonia, não econômica – que já existe -, mas sim jurídica, pelos Países
mais ricos.
O monismo moderado, por sua vez, faz parte da segunda fase adotada por Kelsen, influenciado
por Alfred Verdross. Nesta fase, Kelsen, além de ser um fugitivo político revoltado com a nova ordem
política estabelecida por Hitler, ele se deixou influenciar pela concepção anglo norte-americana: "The
Nesta fase ele passou inclusive a aceitar a possibilidade de existirem conflitos entre as duas
ordens jurídicas, substituindo dessa forma, as idéias radicais anteriormente defendidas, em que ele
25
mesmo nem sequer admitia a possibilidade de conflito entre os dois ordenamentos, já que a norma
Dessa forma, adotando-se uma posição mais amena, essa tese já não restringe as normas
internacionais e internas a uma questão de validade. Se surgirem conflitos, estes não acarretarão em
"o conflito entre o Direito interno e o Direito internacional não quebra a unidade
Podemos citar em favor do monismo com primado no direito internacional a formação de uma
Esta nova fonte de direito se dirige também aos indivíduos e não somente aos Estados, sem que
17
MELLO, Celso. D. Albuquerque. Op. Cit., p. 106.
26
No caso do Brasil, a posição predominante em relação ao conflito entre os dois ordenamentos
jurídicos apoiou-se na Supremacia da Constituição, onde esta sempre prevalecerá, se conflitar com
tratados internacionais.
primazia do Direito internacional sobre o Direito interno, determinando que um tratado não será
revogado por uma norma interna, ainda que esta seja posterior a ele. Felizmente, com a evolução da
interna.
4. AS TEORIAS CONCILIADORAS
harmonizar estas duas doutrinas, com o fim de solucionar os conflitos existentes dentro da esfera
jurídica internacional.
dualistas, afirmaram que os dois ordenamentos estão coordenados pelo direito natural.
27
Celso de Albuquerque Mello cita como principais doutrinadores espanhóis pertencentes a este
grupo: "Antonio de Luna e seus seguidores, como Adolfo Miaja de Muela, Mariano Aguilar Navarro,
Antonio Truyol y Serra18". Entre eles, Antonio Truyol y Serra concorda que deve existir uma certa
Estado, se uma norma interna violar o Direito internacional, ainda que seja uma norma obrigatória para
aquele Estado.
Direito internacional, eis que admitem a responsabilidade do Estado frente à comunidade internacional
por violação de uma norma internacional. Vale dizer, atribuem ao Direito internacional 'força cogente'
Esta teoria, no entanto, não conseguiu se afirmar na doutrina, nem na prática internacional.
conflito entre Direito internacional e Direito interno. No Brasil, o dualismo foi defendido por
doutrinadores como Amílcar de Castro e o monismo, com maior aceitação, por Haroldo Valladão,
Do ponto de vista dualista, não poderia haver conflitos entre normas internacionais e normas
18
MELLO, Celso de A . Op. Cit., p.107.
28
No dualismo, as normas de Direito internacional disciplinam as relações entre Estados e entre
estes e os demais órgãos da comunidade internacional. Por outro lado, o Direito interno cuida das
Já para os monistas, estes afirmam que todo o Direito constitui uma unidade, um único sistema,
A posição monista, tanto a radical quanto a moderada, é a que tem prevalecido no cenário
internacional para a solução de conflitos entre o Direito Internacional e o direito interno, o que não
ocorre atualmente em nosso País na visão dos Tribunais superiores, conforme veremos adiante.
Nossa Constituição não dispõe acerca da norma a ser aplicada em caso de conflito de normas -
transformação sofrida pela sociedade internacional. Celso de A .Mello afirma este parecer:
Dentro do nosso sistema jurídico, podemos dizer que as normas encontram-se hierarquizadas
numa espécie de pirâmide normativa em um plano vertical, onde a validade de cada norma é absorvida
19
MELLO, Celso (2). Op. Cit., p.260.
29
Ao discorrer sobre a estrutura escalonada das normas, Kelsen sustenta que há uma estrutura
hierárquica de diferentes graus no processo de criação das normas, chegando à Constituição de cada
Não podemos negar a superioridade da Constituição frente às outras leis, até porque a
Constituição é necessária a todas elas, considerando seu grau superior na escala hierárquica.
Portanto, está provado que as normas jurídicas se apresentam em níveis distintos, onde a
Constituição, incontestavelmente, é a norma suprema, localizada na posição mais alta dentro do nosso
ordenamento jurídico.
vale ressaltar que o sistema jurídico deve ser harmonioso e dotado de compatibilidade entre as
categorias de normas para que exista um certo equilíbrio. Daí porque utilizarmos o critério hierárquico,
vez que este busca também evitar as antinomias, solucionando o conflito de normas. Desta forma, as
inconstitucionalidade. De fato, será inconstitucional todo ato normativo que entrar em conflito com a
Magna Carta.
Com relação ao nosso tema, não faremos um estudo das normas infraconstitucionais e sim dos
Tratados internacionais que devem produzir efeito dentro do território nacional. Enquanto aquelas
normas são elaboradas pelo órgão legislativo interno, estas são concluídas através de acordos entre
Estados visando ampliar relações, sejam elas de natureza política, econômica ou comercial.
As questões que buscamos solucionar neste estudo concentram-se nas seguintes dúvidas: se o
Brasil adotou a teoria da incorporação imediata das normas de Direito internacional no seu
ordenamento interno; se o Judiciário pode ou não aplicar o tratado antes que ele seja devidamente
30
No que concerne à hierarquia constitucional dos tratados, parece que a Constituição Brasileira
de 1988 pretendeu equiparar o tratado à lei federal, estando também sujeito ao controle de
No entanto, a Constituição não fez menção ao procedimento de votação dos tratados, revisão e
emenda, embora tenha sido atribuída ao Congresso Nacional a competência para resolver
definitivamente sobre os tratados, que esta prevista no Art. 49, inciso I, da Constituição Federal:
31
Muitos doutrinadores entendem que o tratado não se confunde com a lei, apesar do texto
constitucional compara-lo à lei federal, eis que estes possuem formas diversas de elaboração. Enquanto
a lei emana apenas da vontade interna, o tratado depende da vontade de pelo menos dois Estados.
firmados pelo Poder Executivo, tendo competência privativa o Presidente da República para celebrá-
los.
Em um segundo momento, deverão ser também aprovados pelo Poder Legislativo. Após essa
aprovação serão ratificados e promulgados pelo Executivo por meio de decreto que é publicado no
Diário Oficial da União. Dessa forma, parece-nos que a Constituição pretendeu incorporar os tratados
Nacional, por decreto legislativo e posterior edição de decreto presidencial, promulgando o tratado e
dando-lhe executoriedade.
processo de tramitação das leis. O que diferencia um do outro consta no fato de que o ato dispensa
A aprovação do tratado é feita através de decreto legislativo, que, por sua vez, contém a
aprovação do tratado mediante o decreto legislativo não atribui a ele executoriedade dentro do
São três as fases para a incorporação de um tratado internacional pelo ordenamento jurídico
interno: A primeira esta contida no artigo 84 da Constituição que determina apenas a competência
32
VI- b) celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo
do congresso nacional".
compromissos gravosos ao patrimônio nacional, de acordo com o art. 49, I, da Constituição Federal:
Ainda nesta fase, é preciso haver a deliberação do Congresso Nacional, que será feita através da
tratado internacional depois de ratificado pelo Congresso Nacional. É neste ato é que o tratado adquire
A aproximação dos Estados ante o efeito 'globalização', bem como a intensificação das relações
como o mercosul, visando quebrar barreiras comerciais e pretendendo unificar sua legislação. No
entanto, é dessa integração das relações entre os Estados que surgem os vários conflitos existentes na
prática internacional.
33
Podemos observar que, os conflitos entre os ordenamentos jurídicos interno e internacional, no
caso entre tratado internacional e leis internas, surgem propriamente pela ausência de normas
constitucionais para garantir uma 'harmonia jurídica' aos Estados, o que tem causado uma divisão entre
"Os conflitos entre o direito interno e o internacional têm atraído a atenção dos
versus lei nacional ou tratado/ convenção internacional versus lei nacional20 ".
Com o crescimento das relações internacionais dos Estados, esses conflitos têm sido agravados,
Os conflitos entre tratados internacionais e leis internas são geralmente solucionados buscando
duas opções que são: ou a fonte internacional tem primazia sobre a interna, ou a fonte interna tem
A procura pela solução dos conflitos passa necessariamente por uma análise da constituição do
Estado, onde se procura identificar qualquer dispositivo que oriente qual será a norma a ser aplicada,
no entanto, nem todas as Constituições apresentam dispositivos claros e precisos sobre a relação entre
Ante essa divergência nas Constituições dos Estados, o conflito entre o tratado internacional e a
Constituição deve ser analisado de acordo com as soluções encontradas pelos próprios Estados.
20
DOLINGER, Jacob. As soluções da Suprema Corte Brasileira para os conflitos entre Direito interno e o Direito
internacional, Revista forense, Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 107.
34
Devem ser mencionadas duas questões a respeito da melhor solução a ser aplicada no caso de
ordenamento jurídico.
internacionais. Somente dispôs acerca da elaboração dos tratados, onde se pode deduzir a regra da
incorporação.
No entanto, para autores que seguem a doutrina dualista, não existe confronto entre normas
internacionais e normas internas uma vez que os sistemas são paralelos e pertencem a ordenamentos
diferentes. Nessa lógica, um tratado internacional só terá efeito no ordenamento interno se for
Do lado totalmente oposto, a corrente monista sustenta a unidade do sistema jurídico. Dessa
forma, é admitida a possibilidade de haver conflito entre a norma interna e a internacional. Da mesma
forma que as normas internas estão sujeitas ao controle de constitucionalidade, tanto do ponto de vista
formal como material, assim também estão os tratados, devendo passar pelo mesmo controle, ou seja,
vigor, como, por exemplo, quando o Presidente ratifica o tratado sem antes submetê-lo ao Congresso
Nacional.
Nesse contexto, a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 estabeleceu um
parâmetro visando solucionar essa questão, afirmando a validade do tratado sob determinadas
35
"Art. 46. Disposições de direito interno sobre competência para concluir tratados.
1. - Um estado não poderá invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por
um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu direito interno sobre
competência para concluir tratados, a não ser que essa violação seja manifesta e
2. - Uma violação será manifesta caso seja objetivamente evidente, para qualquer
Estado.
desse representante em observar esta restrição não poderá ser invocado como anulado o
consentimento expresso, a não ser que essa restrição tenha sido notificada aos outros
direito interno, como a aprovação pelo Congresso nacional, mas o conteúdo de alguma norma do
tratado viola a Constituição do Estado. Esse tipo de inconstitucionalidade tem gerado problemas para
as relações internacionais.
36
Hildebrando Accioly afirma que a lei constitucional não pode isentar o Estado de
Accioly baseia sua opinião na Corte Permanente de Arbitragem de Haia, onde se deliberou que
as disposições constitucionais de um Estado não poderiam ser opostas aos direitos internacionais dos
"Um Estado não pode invocar contra outro Estado sua própria Constituição para
ou de tratados vigentes21".
O professor Haroldo Valladão também sustenta que a disposição interna, ainda que de natureza
constitucional, não pode ser considerada caso contrarie preceito em vigor de Direito internacional,
Não obstante, ambos os autores referem-se a tratados que se encontram em vigor no momento
Constituição, sendo incompatível com ela, aí nesse caso o tratado não deverá prevalecer, porque não
De acordo com o art. 84, VIII, da Constituição Federal de 1988, compete privativamente ao
Caso algum tratado internacional fosse celebrado por outra pessoa, que não o Presidente da
21
ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de Direito internacional público. Vol. 1, p. 287.
22
VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado., p. 94.
37
constitucionais da sua competência e procedimentais para sua celebração, aprovação do congresso,
Sempre que ocorrer qualquer destas hipóteses, será possível invocar o artigo 46, I da
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que afirma a validade do tratado, salvo, em casos de
competência para a conclusão dos tratados, não pode ser alegada por esse Estado
como tendo viciado o seu consentimento, a não ser que essa violação tenha sido
fundamental".
Este caso nos mostra a hipótese da inconstitucionalidade extrínseca, a única admitida pelos
internacional sobre a própria Constituição. È o caso de Hildebrando Accioly, que se mostra taxativo ao
afirmar que a própria lei constitucional não isenta o Estado das suas responsabilidades devido à
violação das suas obrigações internacionais. Todavia, a primazia do tratado sobre a Constituição só
deverá ocorrer quando este já estiver em vigor no momento da promulgação de uma nova
não prevalece a norma internacional que vier a ser aprovada e ratificada após a
vigência do texto constitucional que a ela se opõe, pois nesse caso decorreria
38
dum ato internacional inválido, não vigorante, pois não podia ter sido aprovado
internacionais23".
como se resolveria então o conflito entre a Constituição e um tratado que lhe seja posterior?
Inicialmente, algumas precauções devem ser tomadas pelos Estados pactuantes: ao celebrar um tratado
internacional, o mais indicado é que o Estado verifique antes, se existe uma incompatibilidade entre o
mesmo e a Constituição vigente. Se houver conflito, não será conveniente para o Estado celebrar o
Ainda que não seja constatada uma incompatibilidade após a assinatura do tratado, ele ainda
deverá ser apreciado pelo Congresso Nacional, que determinará sua aprovação. Se ficar constatado o
conflito pelo Congresso, ele não o aprovará, eis que no caso de conflito entre as duas normas
prevalecerá a Constituição. Mesmo que o Congresso aprove o tratado, não verificando nenhum
Se ficar comprovada a inconstitucionalidade do tratado, ele não será aplicado no ordenamento jurídico
acarreta algumas barreiras para o ordenamento internacional, no que se refere à vigência dos tratados.
Concordamos que um tratado posterior a Constituição Federal deva ser previamente denunciado se
A responsabilidade aqui fica nas mãos dos parlamentares, que deverão verificar sua
compatibilidade. Mas, se nossos parlamentares não forem competentes o bastante para verificar este
23
VALLADÃO, Haroldo. Op. Cit., p. 94.
39
conflito, ainda haverá uma nova oportunidade para o Presidente da República não aprovar o tratado. È
claro que, se existe o momento certo para verificar a incompatibilidade, o mesmo não pode passar
despercebido. Mas, se o Congresso não denunciou o tratado, e este passou a produzir efeitos, neste
ponto, concordamos com a opinião de Accioly em dizer que o Estado já se encontra obrigado na esfera
internacional.
Vimos que nossa Constituição Federal de 1988 apresenta lacunas no que se refere às normas a
serem aplicadas em casos de conflitos entre tratados e leis internas. Diante dessa omissão, a
jurisprudência majoritária baseia-se na doutrina e nos acórdãos que consagram a posição monista. No
entanto, essa posição monista não é harmônica. Por isso, devemos observar como a jurisprudência
A doutrina Brasileira é predominantemente monista, com uma escassa minoria dualista. Vale
mencionar alguns autores, já que apresentam uma determinada opção, seja esta monista ou dualista,
Jacob Dolinger, ilustre professor de Direito internacional privado, defende uma espécie de
40
Amílcar de Castro, de outro lado, defende um dualismo que o coloca em posição de destaque,
visto tratar-se de uma posição isolada, eis que a maioria dos doutrinadores seguem a corrente monista.
Este autor afirma que tratado não é lei, e sim, ato internacional, que obriga apenas o governo nas suas
"É certo que em torno dos efeitos do tratado, duas teorias se formaram: uma a
afirmar que o tratado por si mesmo, desde o instante em que entre regularmente
doutrina é a verdadeira.25".
Hildebrando Accioly defende um monismo radical. Ele argumenta que todo tratado é direito
especial, enquanto a lei pode ser considerada direito comum. O autor baseia-se no princípio no qual in
toto jure genus per speciem derogatur26 para justificar sua tese na qual a lei, considerada como norma
24
DOLINGER, Jacob. Op. Cit., p. 107.
25
Id. Ib., p. 80.
26
"em todo o direito, o geral é revogado pelo especial".
27
DOLINGER, op. Cit., p.81.
41
" Na prática, o resultado da dita incorporação é o seguinte: do fato de que o
Adepto de um monismo mais moderado, pode-se dizer que José Francisco Rezek expressa a
atual tendência brasileira nas questões de conflito entre normas. Para Rezek, os tratados se eqüivalem
às leis, podendo ser revogados por uma lei posterior que lhe seja contrária.
28
Id. Ib., p.81.
29
RODAS, G. A constituinte e os tratados internacionais. RT. São Paulo, out., 1987. Vol. 624, p. 49.
42
8. JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA:
Infelizmente nossa Carta Política de 1988 é omissa quanto a questão dos conflitos entre
normas internacionais e leis internas, eis que não prevê regras expressas para o tratamento destes
eventuais conflitos, incluindo-se aí, também, os conflitos entre tratados e normas constitucionais. Esta
ausência de normas expressas permite que o Judiciário interprete essas disposições a seu critério.
A jurisprudência Brasileira tem modificado seu entendimento no decorrer dos anos, pois como
assentada, por maioria, a tese de que, ante a realidade do conflito entre o tratado
republicano deve ter sua prevalência garantida pela Justiça – sem embargo das
hierárquico do tratado internacional sobre as leis do Congresso, era inevitável que a Justiça devesse
garantir a autoridade da mais recente das normas, porque paritária sua estatura no ordenamento
jurídico.
Esse posicionamento do Supremo Tribunal Federal, em 1977, veio modificar seu anterior
brasileiro.
30
REZEK, José Francisco. Direito internacional Público. P., 99.
43
Philadelpho Azevedo, já publicara, em 1945, quando ainda Ministro do Supremo Tribunal
Federal, admite o Ministro Rezek, comentário em que demonstrava a convicção unânime da Suprema
Corte, àquela época, quanto à prevalência dos tratados internacionais sobre o direito interno
infraconstitucional.
A nova posição do STF, entretanto, enraizou-se de tal maneira que o Ministro Francisco Rezek,
poderes políticos, a que o Judiciário não teria como dar remédio (Extradição n.º
Percebemos nestas opiniões divergentes - os dois extremos das correntes monista e dualista- .
Após o julgamento do RE 80.004, que é considerado pela doutrina como um divisor de águas
moderado, ou segundo nossa opinião - um dualismo moderado -, firmando suas decisões no sentido de
que o tratado se equipara à lei federal, prevalecendo o que for mais recente, pelo critério "lex posteriori
Esta decisão foi alvo de ferrenhas críticas pelos doutrinadores, sendo que, dentre elas, a crítica
mais ácida sobre o RE 80.004 foi a formulada pelo Professor Celso de Albuquerque Mello ao afirmar
que :
31
DOLINGER, Jacob. A nova Constituição e o direito internacional. Rio: Freitas Bastos Editora, 1987, p. 13.
44
"A tendência mais recente no brasil é a de um verdadeiro retrocesso nesta
matéria. (...) Na verdade o STF errou e não tem coragem de corrigir quando
afirmou que as convenções de direito uniforme são aplicadas nas relações entre
decisão é das mais funestas, vez que o STF não viu a conseqüência do seu
acórdão que poderá influenciar os juizes nos mais diferentes locais do Brasil. Por
outro lado, faltou a ele sensibilidade para o momento atual em que o Brasil
contratantes por meio de lei interna pode deixar de aplicá-lo. Se o STF considera
Na verdade, o que Celso de A . Mello afirma, é que uma opção pelo monismo moderado pode
prejudicar as relações externas do Brasil com os demais países da comunidade internacional. De fato,
se um País não cumprir uma obrigação assumida internacionalmente, estará descumprindo o princípio
do pacta sunt servanda, e consequentemente terá que responder pela prática de tal ato.
O mencionado autor preocupa-se com a relevância jurídica do tratado, uma vez que este vem
ocupando um espaço cada vez maior na nas relações internacionais dos Estados, servindo de agente de
Celso de Albuquerque Mello reforça seu posicionamento citando dados estatísticos que
32
MELLO, op. Cit., p. 90.
45
" a) entre 1.500 a .C. e 1960 foram celebrados cerca de 8.000 tratados de
Não obstante o grande volume de tratados celebrados nos últimos anos, devemos lembrar que
estes não podem prevalecer sobre nossa Constituição. Data máxima venia à opinião do Professor Celso
Albuquerque Mello, não concordamos que o Monismo radical seja a solução mais viável para os
internacional sobre o Direito interno. Contudo, nossa Carta Magna de 1988 não comporta essa
hipótese. Se assim o fosse, o conceito de soberania Estatal sofreria drásticas transgressões, ou até
Felizmente, após a quebra da hegemonia monista radical que pairava os tribunais superiores,
Brasileiro não se enquadra nos moldes da corrente monista radical. Conforme a ADIN 1.480-3
prévia incorporação desses atos de direito internacional público ao plano da ordem normativa interna.
O Ministro do STF e relator dos julgados, Celso Mello, afirma que não obstante a controvérsia
doutrinária em torno do monismo e do dualismo tenha sido qualificada por Charles Rousseau34, no
33
MELLO, Celso (2), p. 261.
46
plano do direito internacional público , como mera "discussion d'école", torna-se necessário reconhecer
que o mecanismo de recepção , tal como disciplinado pela Carta Política brasileira , constitui a mais
eloqüente atestação de que a norma internacional não dispõe , por autoridade própria , de
exeqüibilidade e de operatividade imediatas no âmbito interno , pois , para tornar-se eficaz e aplicável
normativa que se acha delineado , em seus aspectos básicos , na própria Constituição da República.
Por isso acreditamos que nossa Carta Política, por seu conteúdo jurídico, se enquadra nos moldes da
autônomo , a existência de ordens normativas distintas e independentes e com limites bem definidos
34
ROUSSEAU, Charles. "Droit International Public Approfondi" , p. 3/16 , 1958 , Dalloz , Paris.
35
RODAS, João Grandino. Tratados Internacionais" , p. 17 , item n. 8 , 1991 , RT
47
Este sistema impõe um ato 'formal' de recepção, para efeito de absorção das normas constantes
È preciso, neste ponto , fazer uma observação necessária: a visão dualista , precisamente por
enfatizar que a ordem internacional e o ordenamento interno qualificam-se como ordens normativas
distintas e independentes , entende necessário que o conteúdo normativo do tratado, para revestir-se de
aplicabilidade no plano interno, deve ser transformado , mediante formalidade estabelecida no sistema
concepção monista.
Não obstante tais considerações , é preciso destacar que o tema concernente à definição do
momento a partir do qual as normas internacionais tornam-se vinculantes no plano interno excede , em
nosso sistema jurídico , à mera discussão acadêmica em torno dos princípios que regem o monismo e o
dualismo , pois cabe à Constituição da República, e a esta somente, disciplinar a questão pertinente à
Sob tal enfoque , o sistema constitucional brasileiro, que não exige a edição de lei para efeito
de incorporação de tratado ao direito interno (visão dualista extremada) – contenta-se , para efeito de
executoriedade interna dos tratados internacionais , com a adoção de iter procedimental que
ratificação - que se qualifica como típico ato de direito internacional público, não basta , por si só ,
para promover a automática incorporação do tratado ao sistema de direito positivo interno (visão
monista radical). Para esse específico efeito , faz-se necessário o consentimento das vontades
48
embora necessárias - não são suficientes para , isoladamente , gerarem a integração do texto
Desse modo, e para além da controvérsia doutrinária que diferencia monistas e dualistas, é
preciso reconhecer que , em nosso sistema normativo , é na Constituição da República que se deve
buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao ordenamento
interno brasileiro.
O exame da Carta Política promulgada em 1988 permite constatar que a execução dos tratados
internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem , no sistema adotado pelo Brasil
Congresso Nacional , que resolve , definitivamente , mediante decreto legislativo , sobre tratados ,
acordos ou atos internacionais (CF , art. 49 , I) e a do Presidente da República , que , além de poder
celebrar esses atos de direito internacional (CF , art. 84 , VIII) , também dispõe - enquanto Chefe de
Em decorrência desse ato subjetivamente complexo, podemos afirmar que nossa Carta Política
de 1988 não permite que adotemos a teoria monista radical, eis que, a partir dessa teoria, os tratados
9. CONCLUSÃO
36
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público , p. 64 , item n. 34 , 8. ed. , 2000
49
Esta monografia teve como escopo demonstrar qual a opção do Supremo Tribunal Federal para
jurisprudência brasileira nessa questão para que se pudesse, finalmente, elaborar uma abordagem
O resultado é que o Direito brasileiro, na voz do Supremo Tribunal Federal favorece, de acordo
com nossa opinião, um“dualismo”moderado nas questões de conflito entre tratado e lei interna. Como
demonstrou o tão comentado RE 80.004, seguido pelos mais recentes julgados ADIN 1.480-3
da regra "lex posterior derogat lex priori" para solucionar os conflitos entre tratados internacionais e
leis internas.
Esta posição da jurisprudência foi analisada no capítulo anterior, quando se refletiu sobre a
Como foi observado, o tratado internacional tem sido considerado a fonte mais importante de
Direito internacional público, sendo, portanto, um elemento fundamental para as relações externas dos
Estados.
Todavia, não concordamos em dar-lhe tratamento superior a nossa Constituição Federal. É este
o entendimento atual do STF no RE 80.004 ao equiparar o tratado internacional à lei federal, mas não
Nossa Carta Política de 1988 não prevê, em nenhum de seus artigos, a superioridade do tratado
em detrimento da Lei Maior. Tal afirmação, como mencionamos, degradaria em muito o conceito de
50
O simples exame da Constituição de 1988 nos permite constatar que a execução dos tratados
Nacional , que resolve , definitivamente , mediante decreto legislativo , sobre tratados , acordos ou atos
internacionais (CF , art. 49 , I) e a do Presidente da República , que , além de poder celebrar esses atos
de direito internacional (CF , art. 84 , VIII) , também dispõe da competência para promulgá-los
mediante decreto.
Em decorrência desse ato subjetivamente complexo, vale dizer, fruto das vontades autônomas e
independentes do Congresso Nacional e do Presidente da República, podemos dizer que nossa Carta
Política de 1988 não previu expressamente, mas implicitamente, estruturou seu ordenamento jurídico
Mas, como afirmou o atual Ministro do STF, Celso Mello, inspirando-se em Charles Rousseau,
esta controvérsia doutrinária em torno do monismo e do dualismo não passa de uma mera "discussão
acadêmica". Antes de indagarmos qual a corrente doutrinária adotada pelo Brasil, devemos olhar para
o norte, que é nossa Constituição, porque – ela somente – é capaz de disciplinar sobre a incorporação e
51
52