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Denise Adell Ao analisar o interior residencial e o mobili- urbana básica criaram as bases para importan-
ário doméstico da moradia popular urbana, Ao- tes mudanças na moradia operária. Do ponto de
Recém-graduada sana Rita Folz apresenta em seu livro Mobiliário vista da estrutura e da planta da residência das
em Sociologia e na Habitação Popular uma abordagem que, par- classes populares, no entanto, as transforma-
Política/FESP-SP tindo de um estudo de caso, revela-se bastan- ções se resumiram, principalmente, à junção das
te abrangente .. A atenção dada à residência da áreas da sala a da cozinha e ao fenômeno da cres-
classe trabalhadora resulta em um estudo que le- cente compartimentação dos espaços da casa.
vanta importantes discussões sobre o problema No interior dos cortiços e vilas operárias brasi-
habitacional, uma carência estrutural básica da leiras, afirma Folz, a classe trabalhadora tentava
sociedade brasileira. Contribuindo para o desen- reproduzir o modelo de moradia da elite, mesmo
volvimento de temas ainda pouco explorados na com suas restritas condições econômicas. No
academia, a autora fornece informações e ques- entanto, ao contrário das residências burguesas,
tionamentos que vão muito além de seu campo que valorizavam a área social da sala, a mora-
de estudo específico - a arquitetura e o design dia popular se voltava para as ruas e jardins, que
industrial - e que certamente serão de interesse eram utilizados como espaços de sociabilização.
de muitas outras áreas de estudo. O capítulo inicial destaca ainda, a participa-
Partindo das origens das primeiras crises ha- ção do poder público a partir da década de 1930
bitacionais vividas pela população trabalhadora na produção em massa das moradias populares,
nas cidades européias no início do século XIX, a até então realizada pela iniciativa privada. Espe-
autora aborda o processo do crescimento urba- cial ênfase é dada para a criação do Banco Na-
no-industrial que resultou no afastamento dos cional da Habitação CBNHl, após o golpe militar
moradores dos cortiços e vilas operárias para as em 1964, iniciando assim uma nova fase para a
regiões periféricas das grandes cidades. O estu- habitação popular, que deixava de ser construída
do de Folz mostra como de forma muito seme- para locação e passava a ser vendida. Adotou-se
1 No governo Lula, lhante este processo ocorreu no Brasil no final do também, um padrão mais conservador com ên-
com a criação do Ministério
das Cidades, este processo século XIX e início do século XX, quando a questão fase no espaço privado. Em 19B6 o BNH foi ex-
começou a ser alterado no-
da habitação operária passou a fazer parte do tinto, o que desestruturou a política habitacional
vamente.
cenário nacional. no país. Desde então, o Estado, em nível federal,
2 Para arquitetos como
tem se isentado da responsabilidade de financiar
Le Corbusier, Pierre Jeanne- A evolução das técnicas de construção e a
ret, entre outros, a "habita- crescente implantação de uma infra-estrutura qualquer programa habitacional, que passou a de-
ção mí[lima" implicava na
estandardização, industriali-
pender de eventuais ações das administrações
zação e taylorização de todos municipais e estaduais. 1 Porém, as iniciativas es-
os elementos constitutivos
da moradia. Para tais auto- porádicas e desarticuladas dos municípios e es-
res, a "habitação mínima"
não se baseava apenas na
tados não foram minimamente suficientes para
sua pequena área, compo- sanar o problema da habitação.
sição e preço, mas sim num
novo modo de vida para as
A questão da "habitação mínima", a partir dos
classes populares. Cada habi- anos 30, também é abordada pela autora. 2 As
tante deveria ter seu próprio
quarto, mesmo que muito discussões sobre alternativas para um melhor
pequeno, a cozinha deveria
ser concebida para simpli-
aproveitamento do espaço, bem como do mobi-
ficar o trabalho doméstico. liário adequado para casas de dimensões redu-
A mobília, que não deveria
imitar o mobiliário burguês,
zidas, influenciaram as ações de engenheiros e
seria de manutenção simples arquitetos. Baseados em preceitos de higiene e
e proporcionaria condições
de vida higiênicas. moral, estes passaram a pensar na organização
3 Para uma interes-'
do espaço da casa como um recurso de interfe-
sante análise deste processo rência nos costumes e hábitos da população tra-
ver CORREIA, Teima de Bar-
ros. (2004), A construção do lhadora. 3
habitat moderno no Brasil O estudo do interior da habitação popular é
- 1870-1950. São Carlos:
RiMa. um dos aspectos inovadores da análise de Folz. A
partir de uma breve retrospectiva histórica, o lei-
tor é informado das principais correntes de esti-
los e de pensamento de projetos para o mobiliário
REVISTA TRÊS ( • • • ) PONTOS C E N T R O A C A O ÊM I C O O E C I Ê N C 1A S s O c 1A 1s
população. A organização dos móveis no espaço diferentes estilos de vida. Mesmo dentro de uma
ou sua qualidade de projeto poderia então, atenu- estrutura de dominação, os espaços interiores
ar a sensação de congestionamento na habitação domésticos e seus objetos são marcados, im-
C E N T R O A CA OÊ M I CO D E C I Ê N C I A S S O C I A I S REVISTA TRÊS ( eee) PDNTDS
pressas, pelo habitus singular de seus morado- de forma inovadora e acei.to pelo mercado con-
res. De fato, uma casa nunca será igual a outra, sumidor. Embora não dê uma resposta definitiva,
mesmo que pertencente a moradores com recur- Folz indica a necessidade de aprofundamento dos
sos escassos que não possam comprar móveis estudos sobre os valores estéticos da população,
sob encomenda. 5 em particular a de baixa renda. Seu livro é, desde
Por fim, talvez, uma das mais interessantes já, um importante passo nesse sentido.
reflexões da autora seja indagar até que ponto
Submetido para publicação em 03 de agosto de 2006.
um móvel pode ser transformado esteticamente Aprovado para publicação em 25 de outubro de 2006.
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