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BRASIL
INTERVENÇÃO FEDERAL NO RIO DE JANEIRO ›
Militares patrulham o aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, no último sábado, um dia após a intervenção federal no Estado. AFP
Os holofotes sempre se centram no Estado e na cidade do Rio de Janeiro quando o assunto nacional
é segurança pública — apesar de que em outras unidades da federação as taxas de homicídios sejam
FELIPE BETIM
inclusive maiores, segundo os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Durante ao menos
Jornalista | Periodista -
El País três décadas, às vezes com maior ou menor intensidade, o Rio vem sendo palco de fracassadas
operações policiais em favelas e periferias que, segundo especialistas da área, mais servem para
encher os noticiários de imagens espetaculares do que para alcançar resultados efetivos. Uma vez ou
outra também aparecem por aqui as Forças Armadas, seja nas ruas da nobre Zona Sul para dar uma
sensação de maior segurança, seja para dar apoio às operações policiais. Grandes planos para conter
a violência no Rio foram anunciados, sendo o último deles o das Unidades de Polícia Pacificadora
(UPPs). Todos incluíam o uso ostensivo da força e todos, seja a curto ou médio prazo, fracassaram.
acenderam e todos nós achávamos que tínhamos achado o caminho. Parece que
não", conclui ele, durante seu breve relato histórico.
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Cabe então aqui fazer um breve apanhado sobre como, durante esse período, os ESPANHA AMÉRICA BRASIL CATALUNHA
governos Federal e Estadual vem tentando lidar com o assunto — ao menos aos
Nem da Rocinha: “Não me arrependo de ter sido
olhos da opinião pública. traficante. O você faria no meu lugar?”
ponto como solução para o segundo. Tentou uma abordagem menos repressiva Marielle e Anderson: o que se sabe sobre o
nas favelas e subúrbios, focando nas causas da criminalidade, e apostou por assassinato da vereadora e de seu motorista
combater os esquadrões de extermínio da polícia. Mas sua política de segurança Marielle Franco, vereadora do PSOL, é assassinada
no centro do Rio após evento com ativistas negras
não gerou os resultados esperados. Nas eleições de 1986, o então candidato
Empresária celebra escravidão em aniversário “top”
Wellington Moreira Franco — hoje ministro-chefe da Secretaria-Geral da para a filha
Presidência e um dos idealizadores da atual intervenção federal — ganhou as
A campanha de “matar quem atrapalha” nas eleições
eleições estaduais prometendo que acabaria com a violência em seis meses. municipais do Rio
"Nós vamos enfrentar os grupos de crime organizado, custe o que custar e doa a Em respeito a Marielle Franco, as fábricas de ódio do
Facebook fecham por algumas horas
quem doer, que eu sou intransigente", disse na época. No final de seu governo,
em 1991, a taxa de homicídios no Estado havia aumentado para 60,3 mortes para
cada 100.000 habitantes, segundo dados da Secretária Estadual de Segurança.
Traficantes já usavam fuzil, armamento que passou a ser usado pela Polícia
Militar logo depois.
Os anos 90 e 2000
Os índices de violência não paravam de piorar e, em 1994, a taxa de homicídios
no Estado atingiu um pico de 64,8 mortes por 100.000 habitantes, segundo
dados da Secretaria Estadual de Segurança. Foi nessa época que o então
governador Nilo Batista, substituto de Leonel Brizola, que havia renunciado ao
seu segundo mandato para concorrer à presidência, assinou um convênio com o
Governo Itamar Franco na área de segurança pública. O acordo subordinava a
estrutura policial do Estado ao Comando Militar do Leste. O então general
Câmara Senna ficou responsável por comandar um órgão central que
coordenava e planejava as ações das polícias Militar e Civil, da Defesa Civil e da
Secretaria Estadual de Justiça, segundo noticiou na época o jornal O Globo.
Seis meses depois, após a posse do novo governador Marcello Alencar (PSDB),
em 1995, foi deflagrada a Operação Rio II. Mais uma vez, o Comando Militar do
Leste, chefiado na época pelo general Abdias Ramos, mobilizou 20.000 homens
para levar a cabo um pacote de medidas elaboradas com o fim de conter a onda
de sequestros e "ampliar as propostas para combater o crime organizado como
um todo", segundo explicou o então ministro da Justiça, Nelson Jobim. A ação
conjunta contou com Exército, Receita Federal, Polícias Federal, Civil, Militar e
Rodoviária Federal, além de Marinha e Aeronáutica.
Ainda que as taxas de homicídio tenham diminuído nessa época, variando entre
54 e 45 mortes para cada 100.000 habitantes, os problemas de segurança
pública não arrefeceram. Voltaram a piorar no início dos anos 2000 e
atravessaram os governos de Anthony e Rosinha Garotinho, além dos meses em
que Benedita da Silva esteve no lugar do primeiro, em 2002, ano de eleições
gerais. Favelas do Rio tinham chefes do tráfico que atuavam no varejo de drogas
e a lógica de então era a de enfrentamento a partir de operações da Polícia
Militar paliativas. Benedita chegou a dizer na época: "Hoje o que nós estamos
mais uma vez fazendo é criando ações emergenciais para combater uma
situação que está ainda localizada".
UPPs e milícias
Foi só quando o peemedebista Sérgio Cabral Filho assumiu o governo do Estado,
em janeiro de 2007, que uma solução estruturante e de longo prazo para a
segurança pública passou a estar em cima da mesa. As Unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs) foram inauguradas no final de 2008 com uma operação no
morro Dona Marta, no bairro de Botafogo. A estratégia, que logo foi replicada em
outras comunidades, consistia em expulsar o tráfico e instalar bases da Polícia
Militar com agentes de preferência novos, sem antigos vícios da corporação, e
treinados para manter uma relação de proximidade com os moradores do local.
A ideia, segundo dizia-se, era primeiro fazer uma ocupação policial da favela e,
paralelamente, levar serviços públicos e obras de saneamento. Os tiroteios
cessaram em comunidades, atividades econômicas floresceram e as taxas de
homicídio diminuíram em todo o Estado, chegando a 28,7 mortes para 100.000
habitantes em 2012. "Isso aconteceu porque a polícia parou de trocar tiro. Quem
é o administrador da morte? O Estado. A polícia entrava para impedir disputas
entre facções, mas ela depois passou de produzir o confronto e a ocupar o
território. Mas o efeito disso é provisório, porque há um rearranjo da economia
criminosa", explica a antropóloga Jaqueline Muniz, especialista de segurança
pública da UFF.
Não demorou para que o programa apresentasse suas falhas. A segunda parte,
que incluía obras de infraestrutura e serviços públicos de qualidade, nunca se
concretizou. A relação entre moradores e policiais se manteve tensa e logo
alguns abusos se fizeram evidentes. Em julho de 2013, o pedreiro Amarildo foi
detido, torturado e morto por policiais da UPP da favela da Rocinha. Seu caso foi
repercutido nacionalmente e internacionalmente. Além disso, as UPPs se
mostraram de fácil implementação em favelas pequenas como o Vidigal e Dona
Marta, mas de difícil aplicação em outras maiores como a própria Rocinha e o
Complexo do Alemão, ambas com cerca de 100.000 habitantes. Foi nesta última
comunidade que, em 2010, uma ambiciosa megaoperação envolvendo a Polícia
Militar e as Forças Armadas tentou expulsar o tráfico e instalar uma UPP. O plano
para o Alemão nunca foi cem por cento bem sucedido: tiroteios e abusos
continuaram sendo parte da rotina dos moradores, tendo se intensificado nos
últimos dois anos.
Foi também nessa época que as milícias entraram em cena. Elas consistem em
agentes do Estado, como policiais e bombeiros, que controlam determinado
território e serviços como o fornecimento de gás. Políticos importantes do Rio
chegaram a dizer no passado que elas eram uma espécie de proteção
comunitária, mas logo ficou claro o regime de terror que era implantado nesses
territórios e a relação umbilical com esses políticos. Cabia a milicianos, por
exemplo, autorizar ou não a distribuição de panfletos de campanha ou comícios
em determinados bairros. Muitos deles inclusive eram deputados estaduais ou
vereadores. As milícias foram alvo de uma CPI na Assembleia Legislativa do
Estado do Rio de Janeiro em 2008, comandada pelo deputado estadual Marcelo
Freixo, e muitos milicianos chegaram a ser presos e condenados. Mas o
problema nunca deixou de existir.
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