Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
Como dizia Oswaldo Lamartine de Faria, “cada vivente possui o seu Sertão”. O meu
Sertão é a Serra de Santana localizada a mais de 700 metros acima do nível do mar esse território
frio foi e ainda hoje é para mim um lugar espacial que desperta muitas boas lembranças.
Para chagar lá, pegando o caminho que sai de Currais Novos você pega a rodovia RN
- 41 e segue viagem subindo cada vez mais até que os ouvidos se estralem pela pressão da
altura. A medida que se sobre podemos perceber as mudanças de paisagem na terra e nas plantas
que se sucedem ao nosso redor, mas a principal mudança é a substituição do vento quente
característico das cidades do Seridó por um vento frio vindo das chãs da Serra.
Por mais que a vida serrana seja em grande parte rural existem algumas cidades
importantes para as populações daquela região. Entre elas mais significativas em minha
experiência descreverei a seguir.
A primeira é devidamente São Vicente é dito por Camara Cascudo que aquela
localidade teria surgido com o nome de Saco da Luiza nome dado em função de uma índia cariri
que lá habitava e que teria se convertido ao cristianismo. Mas aquele que é tido como o fundador
do povoamento é Joaquim Adelino de Medeiros que de acordo com informações do IBGE
teria sido originário de Conceição de Azevedo, hoje Jardim do Seridó. A fundação ocorreu em
1890, numa faixa de terra doada por Joaquim Adelino, para a realização das feiras, aos sábados.
Essas feiras eram realizadas em baixo de uma Quixabeira.
Tenente, como se costuma chamar, tem sido o foco das transações comerciais das
populações dos arredores rurais por ser o centro urbano mais próximo. É lá que semanalmente
nos domingos se realiza a feira livre onde são adquiridos os viveres. Nestas ocasiões também
são aproveitadas para se vender as castanhas, pinhas, e outros tipos de produtos retirados da
natureza. Para as crianças a feira é um momento de muita euforia pelos brinquedos e doces
vendidos nas ruas, um desafio para seus pais e mães.
Por fim devo fazer algumas menções honrosas a Florânia e Lagoa Nova como cidades
que também fazem parte do mundo serrano. No sentido religioso Florânia desponta com o
santuário do monte nossa senhora das graças local de peregrinação de muitos fiéis. Já Lagoa
Nova tem sua importância devido a sua famosa festa ao padroeiro São Francisco.
Foi nessa região em uma pequena localidade chamada sitio Umarizeiro que eu nasci e
cresci. Um lugar predominantemente rural onde quase não se via carros ou motos em que o
principal meio de transporte era a bicicleta e o de trabalho a carroça de boi quase ninguém tinha
cavalo penso que por ser um animal que exige uma alimentação mais diferenciada do que a
simples babugem das capoeiras. Sempre fui muito curiosa sobre as origens das coisas e um dia
perguntei a minha avó quando foi que começou o povoamento daquele lugar bem no alto da
Serra. Ela me respondeu que foi pelas décadas de 50 com a família dos Capitão grandes
proprietários de terra. As famílias desse local são em geral de baixa renda com terras pequenas
onde se plantam e criam num regime de agricultura familiar são poucos os grandes
proprietários.
Outra memória importante que tenho é sobre as decidas a Grota, a mata fechada após
a época de chuva em que as trilhas se fechavam. Entrevamos geralmente eu e meu pai para
buscar marmeleiro para a construção de chiqueiros de galinhas e também para apanhar grossos
troncos de lenha de jurema e de imburana. Depois de reunir tudo em fechos vinha a terrível
subida em estreitas trilhas margeadas de paredões repletos de abelhas, cobras e maribondos.
A Serra de Santana foi por algum tempo uma grande produtora de caju. Os cajueiros
gigantes na época da minha infância e adolescência eram abundantes fornecendo grandes
sombras. O caju chegou provavelmente as chãs ainda nos primórdios quando os índios cariris
habitantes daquela região iam busca-los no litoral em sangrentas disputas com as tribos
litorâneas.
A colheita do caju se dava a partir de setembro e podia durar até novembro dependendo
da fartura. Neste período se acordava ainda mais cedo para deixar os animais alimentados e
depois partir para os cajus. Este era um trabalho familiar, assim normalmente o pai ia com uma
vara derrubando as frutas mais altas enquanto os filhos e a esposa iam recolhendo em pequenos
baldes. No final do dia vinha o momento de descastanhar em que novamente toda família se
sentava a sombra de uma grande arvore para realizar a tarefa. Só depois de todas as frutas
estarem descastanhadas e depositadas em caixas para serem transportadas as usinas de suco e
que poderíamos almoçar. Algo muito bonito é a época da floração do cajueiro, suas folhas
jovens são vermelhas sangue e suas flores muito abundantes são rosas e o contraste com os
pequenos maturis verdes.
O período chuvoso na Serra acontece entre os meses de Janeiro a Março. Todo fica
verde e as florezinhas do campo em tons rosa e amarelo são algo verdadeiramente belo. Era
bem comum que antes da chuva chegar se ouvisse o seu barulho e se observasse a brancura da
grota. Os trovões e relâmpagos soavam muito altos e apavoravam tanto as crianças quanto
aqueles que já presenciaram a força descomunal de um raio.
Por falar em crianças, durante as chuvas grandes grupos delas iam tomar banho de
chuva correr pelo mato a fora e fazer barquinhos de papel para colocar na pequena correnteza
que se formava nas estradas.
Em tempos de seca a caatinga perde suas folhas e só temos os galhos escuros e cinzas os
cajueiros coloram-se de o verde escuro com algumas folhas já secas. Me lembro de descer
novamente a grota para pegar as vagens doces da algaroba e o cardeiro derradeiras fontes de
alimentação para o gado.
Faz uns anos que tenho vivido distante da Serra em cidades como Caicó e Natal e de lá para cá
aquele ambiente tem se degradado muito. Os cajueiros gigantes que antes dominavam a
paisagem agora são poucos e espaçados devido em parte a derrubada para se vender lenha para
as cerâmicas a pelo ataque fulminante de pragas como a mosca branca e as lagartas. Além disso
a seca que tem afligido várias regiões do nordeste nos últimos anos também contribui em muito
para esse processo. Outras plantas como a jurema a o marmeleiro têm passado pelo mesmo
processo deixando a grota pelada.
A fauna também tem sofrido tanto com a seca persistente quanto com a caça predatória. O peba
(tatu), a raposa e o gato do mato têm sofrido grandes decréscimos de população sendo que
alguns já estão quase extintos. Entre os pássaros o problema da caça é ainda maior com animais
como a ribaçã tendo que enfrentar a ameaça em suas grandes posturas. Muitos também são
presos nas arapucas e vendidos como animal de estimação como o galo de campina, o azulão e
a pega.
Um elemento que tem modificado em muito a paisagem serrana são os parques eólicos com
suas hélices gigantescas vistas de longe. O Rio Grande do Norte desponta como um dos maiores
potencias no ramo eólico e a Serra de Santana tem sido muito visada por seus ventos fortes
devido a altitude.
São aspectos de um espaço que tem se modificado cada vez mais e se tornado mais vazio de
vida selvagem onde agora andam mais os carros e motos. Mudanças pelas quais muitos lugares
do país estão passando em nome do conforto que as tecnologias e novos meios de vida oferecem
como a internet por exemplo já presente em um grande número de casas.