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Além
politica social ""0"'''"'"
disso, obietivos aparentemente comuns, como erradicar a po-
d pobreia /
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breza e (redistribuir podem entrar em contradição, especialmente se
, ( não há uma orientação comum, indicando as escolhas estratégicas de polül-
ca social e de polrtica econômica.
São estes, precisamente, os temas estudados por Sérgio Henrique
Abranches, A partir da análise do que há de comum e contrário, nos objeti-
vos de erradicação da pobreza e justiça distributiva, estuda as interações
crrticas entre polftica social e política econômica, buscando pontos de .equilí-
"I
brio e coordenação que permitam pôr em prática um projeto consistente de ~,
desenvolvimento social.
As indagações' suscitadas por esses ensaios revelam a necessidade
de se compreender melhor a natureza e a lógica das polrticas sociais. Afinal,
são várias as determinações e distintas as motivações que levam o Estado POLÍTICA SOCIAL
a intervir no campo social. Muitos vêem napolftica social o meio de realiza-
ção dos direitos de cidadania. Para outros, 'porém, a polftica social responde E COMBATE À POBREZA
apenas a desequilrbrios de mercado, corrigindó-os, para permitir a reprodu-
ção do sistema social, sem contudo alterá-lo significativamente. Como e por A Teoria da Prática
que surgem as polrticas sociais do Estado? Que critérios orientam a sua
formulação? A que interesses elas servem?
As respostas para estas questões estão presentes nos ensaios de
Marcos Antônio Coimbra, que analisa criticamente os diferentes paradigmas rzio Henrique Abranches
para estudo das poüticas sociais e sugere novas linhas de análise que per-
mitam melhor. compreendê-Ias.
Rio de Janeiro, julho de 1987
SÉRGIO HENRIQUE ABRANCHES

Agradecimentos
Os ensaios aqui reunidos náo poderiam ter sido escritos sem o estímulo de
Ernesto Aldo Isuani, quando de sua passagem pela UNICEF no Brasil, e
sem a compreensão e o esumuo de Ruben Cervine, que tomou o seu lugar,
mantendo o compromisso com o estudo sério das questões conceituais, de
cuja elucidação dependem a qualidade e a eficácia das políticas sociais. A.
ambos fica registrado o agradecimento dos autores.
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J polltica social e combate à pobreza 11

POLíTICA SOCIAL, POBREZA E DESIGUALDADE: gente, impor pesadas privações àqueles destitufdos de recursos próprios de
A PRÁTICA DA TEORIA defesa. '
\l~ j0~ A polrtica social intervém no hiato derivado dos desequilíbrios na distori-
1.,.:;
.~ buíção em favor da acumulação e em detrimento da satisfação de necessi-
dades sociais básicas, assim como na promoção da igualdade. A ação so-
Se a política fosse apenas contrato, a polítíca social seria cláusula inarredá- cial do Estado diz respeito tanto à promoção da justiça social, quanto ao
vel do capítulo das obrigações coletivas, a cargo do Estado. Polltica, porém, combate à miséria, embora sejam objetivos distintos.. No primeiro caso, a
é conflito. Oposição e contradição de interesses. Conflito negociado, regula- busca da eqüidade se faz, comumente, sob a forma da garantia e promoção
do por instituições polrticas de natureza vária, condicionado por mediações ~f;J I dos direitos sociais da cidadania. No segundo, a intervenção do Estado se
que tornam possível reduzir os antagonismos e projetá-Ios em um movi- I localiza, sobretudo, no campo definido por escolhas polrticas quanto ao mo-
mento positivo. Polrtica é, também, poder, transformando-se, freqüentemen- do e ao grau de correção de desequilíbrios sociais, através de mudanças
te, em um jogo desequilibrado, que exponencia os meios dos mais podero- setoriais e reformas estrúturais baseadas em critérios de necessidade,
sos e reduz as chances dos mais fracos. Quem detém instrumentos efica- História e circunstância encontram-se na determinação da extensão
.- J zes de pressão tem maior probabilidade de obter mais da ação do Estado do das carências sociais e da urgência com que devem ser enfrentadas. O Rê-
que aqueles dependentes dessa própria ação para conseguir o mfnirno in- drão de acumulação impõe restrições à polftica social, desenhando capri-
dispensável à sua sobrevivência. chosamente o perfil da escassez e o limite das possibilidades de mudança.
A polrtica social é parte, precisamente, do processo estatal de aloca- Mas é a ordem polrtica que define as opções disponíveis de ação e as dire-
ção e distribuição de valores. Está, portanto, no centro do confronto entre ções plausrveís de intervenção estatal.
interesses de grupos e classes, cujo objeto é a reapropriação de recursos, Por que insistir nesse ponto? RQrque a acãQ gQ.ll.ernamental reflete es-
extraídos dos diversos segmentos sociais, em proporção distinta, através da colhas em um quadro de conflito. Não há; em situações desse tipo, governos
tributação. Ponto crítico para o qual convergem as forças vitais da sociedade rigorosamente"'imparciais. Há governos mais ou menos justos. Mais ou me-
de mercado, desenhando o complexo dilema político-econômico entre os nos sensíveis às necessidades dos despossuídos. Mais ou menos resis-
objetivos de acumulação e expansão, de um lado, e as necessidades bási- tentes às pressões de interesses poderosos contrários às mudanças.
cas de existência dos cidadãos, bem como de busca de eqüidade, de outro. Sempre há opção, pois são vários os pontos possfvels de equilíbrio
/' A polrtica social reflete, assim, a direção política das relações econô- ntre acumulação e privação social. Raramente existe apenas uma solução
micas. A combinação especffica, imposta pela correlação efetiva de forças, óclo-polltica para cada problema, assim como são várias as formas poss~
de incentivos à acumulação e ao crescimento, recursos para a provisão de vols de Implementação de uma determinada solução.
meios de subsistência aos mais carentes e ações redistributivas visando a As respostas emergem, assim, de um processo de escolhas sucessi-
alcançar um certo patamar de eqüidade. , , que envolve confrontos, atritos, coalizões, pressões e contrapressões.
Trata-se, então, de uma série de opções polrticas. Os impactos que multas as forças envolvidas: os segmentos sociais, os estamentos te c-
sofre de conjunturas cfclicas na economia e' do estágio de desenvolvimento noburccréucos do Estado, o Congresso, a presidência, os partidos, os sindi-
são mais visfveis e criam a impressão de que seus formuladores são prisio- 100, 06 movimentos sociais, 'os especialistas e, não raro, suas corpora-
neiros de determinações inarredáveis; de que só existe uma forma de resol- processo que define, em cada momento, como será a política
ver esse dilema e, portanto, que a atenção às demandas sociais básicas 1U1/11, quo prioridades elegerá, qual será sua relação com a polrtica econô-
deve ser postergada, sob pena de colapso econômico e desordem inflacio- '. 1111,,1 n Omplltude de seu alcance.
nária. Sofisma e Ilusão. O padrão de desenvolvimento comporta diferentes IIImelc) 00 trota de manter o mesmo padrão de gastos para progra-
soluções: não é mais que a síntese econômico-polrtica geral do balanço final 'li"" I~l1Ielltont06, a polRlca de alocação segue trilha mais previsível, seja do
entre meios de acumulação e utilidade social. 1'"111" ti•• vl••11I Inolltuolonal, seja do perfil e do grau dos conflitos envolvidos.
Nas situações em que não houver abundância plena de recursos e f fi 111111111!lu polfllo/1 "normal" ou "corrente". Esse tipo de polüica enquadra-
não se tenha atingido um patamar significativo de justiça distributiva, a reali- 111111 '"llI1JIIII' tlu nníuroza tipicamente distributiva: implica a concessão,
zação de objetivos de acumulação envolve sacrifícios no consumo indivi- 111 I "ltII 111, tlu IllalUl) I>onollolo a algum grupo. Os custos dessa conces-
dual, no consumo coletivo e pode, dependendo da correlação de poder vi- fi, 111111\11'. I~fmnllllllH'ItlIvltioo antorlormente ou são tão pouco aparentes
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12 polltica social e combate à pobreza polltica social e combate à pobreza 13

que nenhum grupo percebe lhe estar sendo imposto algum custo direto e es- nistração, a elaboração de diagnósticos, o levantamento de antecedentes,
pecíüco em razão cessa distribuição de beneffcios. Os principais conflitos, experiências comparáveis que deram certo e assim por diante. De outro la-
nesse caso, ou bem já tiveram solução apropriada no processo orçamentá- \~ 1/ do, torna-se necessário buscar apoio polftico, "vender" a inovação, ganhar
rio, ou bem anteriormente, na fase de formulação, proposição e imPlantação adeptos, demonstrar suas virtudes e vírtualídades e neutralizar os "contra-
daspollticas e dos programas correspondentes. (Cf. T. Lowi, 1964, C. Offe,"- empresários" da inovação; aqueles que trabalham, também sistematica-
1975 e Goldfinger, 1975.) Permanecem a insatisfação porventura não con- mente, contra ela. Os custos desse investimento são altos, principalmente
tornada naquele momento e os conflitos residuais, inarredáveis e inevitáveis. nas fases iniciais, quando a probabilidade de sucesso é baixa, a incerteza é
Sempre haverá quem defenda outros usos para qualquer recurso públi- alta e a base de apoio estreita. Eis por que a taxa de inovação nessas áreas
co. Sempre haverá resistência ideológica a qualquer tipo de intervenção es- é baixa e o grau de desistência ou insucesso é alto; .
tatal. Sempre haverá controvérsia em torno de polrticas públicas. Escolhas polâicas, mesmo quando solidamente apoiadas em avalia-
É na mudança, na inovação, que surgem os maiores e piores conflitos.
Sobretudo se a nolia política tiver caráter redistributivo, isto é, envolver a
transferência de beneffcíos ou recursos de um grupo para outro', de um pro-
ções técnicas, sempre envolvem julgamento de valor. O balanço entre ne-
cessidades e preferências é esquivo. Ainda que se eleja um conjunto claro
de carências a serem sanadas, se estabeleçam parâmetros de ajuste entre
V
grama para outro, de uma área para outra. Evidentemente, pode haver mu- as imposições da acumulação e os reclamos da sociedade; há ampla mar-
dança sem conflito, na medida em que venha a suprir necessidades con- gem de divergência sobre quanto dessas privações é obrigação do Estado
sensuais ou que não tenha impacto redistributivo, nem custos significativos, prover e em que condições.
explícitos e localizados. ' Essa é outra maneira de dizer que existem diferenças marcantes na
Na área social, entretanto, são raros os exemplos de pojticas com avaliação, pelos vários atores sociais, do que é justo ou razoável. EXistem);
essas caracterfsticas, O mais comum é que gerem controvérsia, suscitem os que consideram acumular um pecado capital; como há, também, aqueles .-
oposição ideológica ou substantiva e tenham algum impacto redistributivo. que pensam ser a pobreza outro nome para a vagabundagem. Entre esses 1\
Conformam, portanto, um determinado perfil de políticas no qual as inova- dois extremos cabe de tudo, de socialistas a keynesianos, até liberais-re-
ções geralmente emergem lentamente; requerem muita pesquisa de de- formistas. . , .
monstração, seja para comprovar a existência de necessidades a sererp Evidentemente, essa variação ~itos-e jurzos de valor não é in-
supridas, seja para justificar alternativas, com base em fatos e dados. As finita. Kj5õlrtica social envolve, nec~sariamente,jntet\leQç-'ie.sjndeper:lden-
opções possfveis dependem, para serem implementadas, de muita persua- tes do m~c_ado.2 Não pode, por isso mesmo, ser submetida a preferências
são tanto junto ao grupo declsório e seus superiores quanto externa a ele, na definidas pelo mecanismo de preços, nem avaliada, em sua eficácia, por
busca de parceiros e aliados. Qualquer alternativa admitirá objeção polrtica, orltérlos de mercado. Se o for, privatiza-se, deslocando-se o foco de seus
ideolóqica ou técnica e pode levar a audiências, debates, discussões e toda bJetlvos e comprometendo-se o qualificativo que a torna especfflca: o ser
série de manobras protelatórias.' É por essa razão que as inovações ten- voltada para o social. Disso estão conscientes os que se opõem à interven-
dem a emergir de processos decisóríos alentados e tortuosos, que incluem do E9tadoj~0lrtica social, como ação pública, corresponde a um sis- V
muita "conspiração interburocrática" e dependem, freqüentemente, de "em- 10m a de transferência unilateral de recursos e valores, sob variadas moda Ii-
preendedores": técnicos, intelectuais e funcionários, dispostos a investir Jl1dOll, não obedecendo, portanto, à lógica do mercado, que pressupõe tro- r I
tempo e recursos na pavimentação da longa e acidentada trilha que vai da IJ
roolprocas. A unilateralidade baseia-se no fato de o processo social de-
formulação inicial das soluções para determinado problema ou dos modos de IUlll11nnr Inúmeras .suuações de dependência, que devem ser corrigidas, le-
satisfazer certas necessidades, até a adoção dessas idéias como polfticas e 1Ilrllllfllonlo, através da ação estatal.
a Implantação dos programas que Ihes darão conseqüência prática. Muitos dessas situações implicam a incapacidade de "ganhar a vida,
É preciso, de um lado, "produzir" as propostas, o que envolve grande 1'11I IItmln nr6prla" e Independente da vontade individual - ao contrário do I
sforço de pesquisa, a mobilização de competências, dentro e fora da admi-

1 voja, para uma Interessante análise de inovações polrtrcas e para melhor esclareci-
monto do algumas das dimensões aqui discutidas, Polsby, 1984. Ver, também, Walker, IiUIIIiIlI() (IIrtmmlo eooronooa essa questão por Heclo, 1974 e Piven e Clo-
1070.
..
(
14 pol1tica social e combate à pobreza pol1tica social e combate à pobreza 15
I;
que previa a teoria liberal da justiça," Decorreni de fatores externos ao indiVí_~ A política social como obrigação permanente do Estado tem duas fa-
duo e associados à dinâmica coletiva de reprodução da vida social. Outras ces distintas. A primeira, voltada para aquelas vicissitudes que determinam a
circunstâncias estão ligadas ao ciclo vital do ser humano e são, portanto, in- redução da capacidade das pessoas de obter renda suficiente, de forma
controláveis individual ou coletivamente. Outras, enfim, são determinadas .'~'
, ....•
4 quase sempre definitiva e insanável: a velhice e a invalidez, por exemplo .
por acidentes, nos quais não se pode determinar responsabilidades exigí- A outra contempla circunstâncias transitórias, coletivas ou individuais. Cole-
veis. Todas essas instâncias justificam a intervenção unilateral do Estado,l tivas seriam aquelas decorrentes de problemas associados aos ciclos eco-
.como garantia concreta da observância de direitos sociais dos cidadãos, em) nômicos, como o desemprego temporário. Individuais, aquelas oriundas de
relação aos quais existe clara contrapartida de deveres sociais. incapacidade pessoal temporária, causada por doença ou acidente, entre
O perfil das situações de dependência deriva, em parte, da matriz ob- outras.
servada de carências. O grau de cobertura que será conferida aos que de-
( A política de combate à pobreza estruturalmente enraizada tem natu- \s- ')
pendem da coletividade será determinado pela ordem polrtica vigente. É o
compromisso polrtico, impresso na ação do Estado, que dirá se a polrtica so-
reza distinta.(!'em por objetivo elimjnar a destituição, num espaço de tempo J., .
definido, incorporanao os despossuídos aos circuitos regulares da vida _so-
cial será a~efiex.o...eJ-ª9itimação do status qu~trumento
cial e compeiisando, no entretempo, as principais carências que põem em
de mudança social. Existe, entretanto, um conjunto irredutível de garantias ir-
risco a sobrevivência e a sanidade dessas pessoas. As políticas "contra a
recusáveis, seja no que diz respeito ao combate às formas mais extremas
pobreza" são específicas, têm duração limitada - ainda que prolongada -
de pobreza, seja no que sé refere à manutenção de condições mínimas de
cornbinam ações sociais compensatórias, aspectos das políticas sociais
vida. São. conquistas inalienáveis do processo civilizatório e a ele estão
permanentes e elementos dapõlrtica macroeconômica e setorial, sobretudo
inextricavelmente associadas.
r A política social praticada na maioria dos países industrializados bus-
nos campos fiscal, industrial, agrícola e do emprego. São parte da interven-
ção social do Estado, em muitos casos se superpõem às políticas sociais,
.~ ca.: principalmente, compensar o mal-estar, os custos sociais, os efeitos
mas têm uma identidade, uma coerência e uma estratégia próprias.
. perversos, derivados de ações indispensáveis à acumulação, de outras polí-
ticas governamentais e do próprio progresso que, ao induzir mudanças, po- Nem medidas macroeconômicas em seus desdobramentos reais, nem
de colocar certos grupos em situação de dependência." políticas sociais de corte convencional conseguem atingir os núcleos mais
Atualmente, qualquer um desses países conta, no mínimo, com. pro- roslstentes de miséria. As pessoas em estado de absoluta carência estão
gramas que garantem universalmente compensações à perda de renda de- prlslonadas em uma cadeia de privações, oriundas da própria operação da
rivadade oito circunstâncias diferentes: velhice, invalidez, viuvez, doença, ordorn social e econômica, que reduz suas chances reais de acesso a re-
maternidade, acidentes de trabalho. desemprego e crescimento familiar. As ursos que tornem possível saírem de sua miserável condição. A política
compensações são um direito geral, embora destinem-se a assegurar con- 101convencional opera para além dessa fronteira. Nos seus limites atuam
dições mínimas de subsistência àqueles que, ao sofrerem tais contingên- IQlcas específicas de erradicação da pobreza. Embora conceitualmente
cias, na maioria inevitáveis, perdem capacidade de gerar renda suficiente IlJ(voca, seria possível a distinção entre a "pobreza estrutural" que consti-
para o seu sustento em um patamar mínimo de bem-estar. 1IIlrln o objetivo dessas últimas e a "pobreza cíclica" cuja correção seria o
É aí que se dá a interseção entre a política social, corno garantia uni- 1l)lItlvo da primeira. Outra maneira de distingui-Ias, em função de seus pro-
versal de padrões mínimos de vida, e a política de redução da pobreza, que p~lIlIotl, ainda com alguma liberalidade teórica, "associaria a política social
objetiva retirar da condição de miséria aqueles que sequer conseguiram al- Ilflfl1jlnnootória às manifestações ocasionais de privação e os programas de
cançar esse piso básico, destituídos que são dos meios mais elementares de 1)111111\10li miséria ao estoque acumulado de carências agudas. " )
sobrevivência. Importante notar, ainda, que a política soci~deve ter como meta al í. 11'\
"IIV/11111111/nçAÔ') É a instrumentalização de direitos assegurados pelo Estado l)
Itllllll 111111 cldodOo que venha a sofrer os efeitos negativos daquelas contin-j
obre a questão da j\istiça social no pensamento liberal, ver, entre outros, Miller, 1974 1111111" por 010 contempladas. As polrticas de eliminação da pobreza abso-
1976, 11I11i Uno lulotlvna. Discriminam POSitiva,m,ente, definindo com,o seus benefi- "
4 Vo/a O dotathamento das relações entre "problemas" e políticas no ensaio de Wander- I~;IIIII 111111I11I" nquotas pessoas que se encontrem na condição de miséria,
loy Gullhormo dos Santos publicado neste volume.
.. l'III,h'llJllllllltlllnldn om relação a uma faixa de renda mínima ou à manifesta-
(
16 polftica social e combate à pobreza polúica sociP..L.f(-f:pmbate à pobreza
17
I: 191' \'
I

ção conjunta, persistente e ag!!9a~de uma série de carências básicas.v. Não melhoram porque as oportunidades para fazê-Io são menos
Finalmente, deve-se mencionar que embora tanto a política social, ,fcessfveis a ele~_e.R.orque não.lhes-sQbJaJef!l~e espa20 para
qu~ntQ os programas -a;-erradicacão da pobreZa possam ter efeitos r®istri- . f~ular, ainda que gratuitamente •.os recur~~alcanç.ar
b\Jtivo~ não se confundem com políticas de redistribuição ou desconcentra- melhores condições de vida.IPar~"sobreviver, consomem mais horas traba-
s
.';;0; .•••
ção da renda. Estas conformam outro e diverso conjunto de ações públicas, I Ihandõõu em busca de qualquer trabalho, horas que são subtraídas à edu-
com outro instrumental de intervenção, objetivos e metas também diferentes. cação, à º-usca~de. melhores opções de. trabalho e renda, aos cuidados com
a saúde, ao exercício da criatividade, à ação política e ao lazer. Forçados a
tal sobrecarga, e de tantos modos desgastante, para a qual mobilizam toda a
amília ~ os adultos íntegros, os inválidos, os velhos e as crianças - são im-
I. POBREZA E DESTITUIÇÃO otentes diante das imposições da necessidade, que Ihes retiram toda liber-
~ ade: não deixam escolha.
-zf(( A.JTIis-ériaé filha do subdesenvolvimento, mas não é qualquer modo de de-
senvolvimento que a faz desaparecer. Na verdade, um estilo de crescimento
A mobilização das crianças, por exemplo, tem significação especial,
Dois representa um saque irremissfvel contra o futuro, determínando não
que mantenha as pautas de exclusão social, econômica e política pode tor- penas a interrupção de seu processo escolar e format'vo, como também
"eU nar-se seu padastroltf9brez~1' é destituição, marginalidade e desproteç
gestituiÇ~.S~io..Lêl.ELã:oJir.eJli.v.êllcla-fíSiCã;- margi~alização no usufruto
-ª.91" sua submissão a trabalhos de baixa qualidade, na maioria lesivos ao seu
desenvolvimento ffsico, cultural e psicológico.
.
) ~
\
aos beneflcios do progresso e no.acesso.àa.oportenidades de.empraqo e.
consumo; desproteção por falta de amparo público adequado. e inoperân.cia
As' famílias pobres dependem exclusivamente da assistência gover-
namental €i da bememe(ência privada; No caso, por exemplo, dos serviços
~
dos direitos básicos de cidadania, que jncluern qarantias à vida e ao bem- médicos, diante da escassez de recursos e tempo e das dificuldades de

»[ estar.
§er pobreslqniflça, em termos muito simples,-consumir todas as.ener-
gias disponfveis exclusivamente na luta contra a morte; não poder cuidar se-
não da mínima persistência física, material, Não é exagero: existem inúme-
ras relações empfricas indisputávels, que indicam tal situação.
acesso a que estão submetidas, acabam .podendo a eles recorrer apenas
em situações de doença manifesys famnias mais ricas, ao contrário, po-
dem desnnar parte de suas rendas à obtenção, no mercado, de serviços de
saúde de melhor qualidade, especialmente de natureza preventiva e, sobre-
tudo, no acompanhamento do. desenvolvimento ffsico e mental de suas
As pessoas muito pobres, que consomem a maior parte de suas ener- rloncas. A saúde acaba expressando a lógica global do despojamento: não
gias apenas para sobreviver por um triz, não podem atuar como cidadãos hrt possibilidade de prevenção, a não ser nos casos de saúde pública - e
íntegros. A necessidade tolhe a liberdade. Por isso são, também, politica- Ilnnno são eficientes - e é diffcil o acesso aos bens e serviços essenciais
mente mais fracas e mais dependentes. Sua existência, nessa condição, rnnnutsnção da vida. .
debilita toda a nação. Porque nas comunidades em que parcela de seus Ilá um núcleo irredutfvel de privação absoluta que caracteriza a po-
membros permanece sem direitos e sem liberdade, o direito e a liberdade de traduz, concretamente, por esse conjunto de aflições, no qual se
todos estão sob permanente ameaça. É por isso que a erradicação da po- dt'ftltHlIlm a inanição, a desnutrição, a morbidez e a conseqüente elevação
breza deve constituir objeto de um acordo nacional plural. Interessa a todos f/flIIIIHllllldnde. A dimensão ffsica, biológica mesmo, da pobreza é inescapá-
) a afirmação inequfvoca pelo menos dos direitos mfnimos que, não por acaso, VIII, IIllIdn quo a ela estejam associadas outras dimensões, sociais, políticas
são interdependentes: os direitos à liberdade e à vida. t/llIllllltl, tnmbóm relevantes (Sen, 1981). ~
/
O mito da "cultura da pobreza", segundo o qual os pobres não melho-
am suas condições de vida porque não querem, desfaz-se, sempre, na dura 111111
I 111li1(lJ n diz respeito à destituição de meios de subsistência satisfató- I
111111 oomo parârnetro estruturador, intrínseco à s.uaJúgiça de formação,
j~\
-t
rieza das evidências, empfricas e históricas. "IIVIII;"" /llmolulA. Esta'define-se pela carência extremada de quaisquer r
1111111111 pwn ollllnrnçl'lo das necessidades primária§Jlgfl.~as à s_QbLeviy_ência
1/'11111 /I tt nllllld/l(lo da pessoa e dos tamíliares a ela degendentes., Mesmo
1t~111rtllllll/lIHJl'\tld IIItllH IIborals, há o reconhecimento de que as necessidades
1/1·11'11~.llItI." "tio poclom so resumir apenas àquelas ligadas à pura sobre-
5 Para a questão da discriminação positiva, ver Titmuss. 1968 e 1970, Pinker, 1968,
1971 e 1979, Relssman, 1977. i~1\111 ·1- r/111tlU IllIVIIIIl IlIolulr, necessarlamente, a persistência ffsica em con-
(
18 polftica social e combate ti pobreza polftica social e combate ti pobreza 19

dições tais que as necessidades biológicas sejam satisfeitas em grau ade- mercantil ou não. É o caso, por exemplo, de pequenos proprietários, capa-
quado à prevenção de seqüelas derivadas da má alimentação, garanta-se a zes de produzir para o autoconsumo ou para intercâmbio, ainda que em pro-
salubridade do meio ambiente, abrigo adequado, ações de saúde preventiva porções diminutas. Finalmente, são também meios satisfatórios, a obtenção
e assistência médica. Mas devem contemplar também, além disso, a satis- de renda complementar ou bens e serviços através da ação do Estado.
fação de outras necessidades, cultural ou socialmente determinadas, que O grau de destituição depende, precisamente, da insuficiência relativa
definem um mfnimo de bem-estar e a garantia de meios que permitam alterar do conjunto total de meios sob controle da pessoa que lhe permitem obter os
as chances de vida futura, a começar pela educação elementar. bens e serviços necessários à vida e ao bem-estar, incluindo suas posses,
_A determinação do mínimo necessário à subsistência, subjacente à sua renda e seus direitos em relação à assistência pública. Os componentes
noção de necessidades básicas, ao cálculo de um salário mínimo ou à de- desse conjunto de meios mantêm entre si relações de dependência de natu-
marcação de linhas de pobreza, tem longa tradição na economia polfiica. De reza variada, que não podem ser aqui analisadas em toda sua complexida-
fato, desde í\dam_Srr\itA-s.~e.ceu.a_coovicçã~ de que qualquer medi~ de, mas cuja apreensão é indispensável ao adequado entendimento da
para esse"mIí1iino;"ôeve I( além-das-Aeeessidades puramente biológicas, questão da pobreza (Sen, op. cit.).
~
ii\cluindo-umaopar~la -==varirILeJ no tempo e no espaçp - de "neçess~ ~. ~(\la~º-on..omia de mercado, o elemento mais elementar de propriedade
sociais~em cuja composição interferem não só elemer1..tçsmateriais, mas (possej.xé a força d~ trabalho que, dependendo das condições vigentes de
também outros, de o[Çle.mcultural o..YJigadosao costume. I ) oferta de emprego na economia e dos níveis dos salários de base, pode ser
A definição de ,$mith.pode ser considerada como o marco teórico a um meio de obtenção de rendimentos suficientes para atender às necessi-
partir do qual evoluiu o tratamento da questão das necessidades sociais dos dades básicas da pessoa e de seus dependentes. Quanto maior a defasagem
trabalhadores na economia polltíca liberal. S~gundo ele, necessários são não entre o salário e a renda necessária para satisfazer tais necessidades, maior
apenas os produtos indispensáveis à manutenção da vida, mas todos aque- será a dependência dessa pessoa em relação aos outros meios. O.que sig-
les cuja carência represente uma situação indecente ou indigna, de acordo nifica, de fato, dizer que ela dependerá mais da efetiva realização de seus di- I 1"
com o costume do país, para pessoas dignas ainda que da mais baixa ex- reltos face ao Estado (previdência, assistência, complementações. de renda
tração-soctat'r te.), dado que suas outras posses serão, com toda probabilidade, também
Marx, em sua crítica à economia política, mantém versão semelhante Insuficientes para gerar rendimento adicional, monetário ou não, bastante pa-
das necessidades sociais dos trabalhadores. Tais necessidades intelectuais ro cobrir aquele hiato.
e sociais, além das puramente fisiológicas, seriam condicionadas pelo nível A destituição está,_assirr-i,iolimamente as~ estrutura de pro-
geral de clvíüzação.' Mesmo o costume mantém-se como parâmetro, seja na prlodade vigente,' aos padrões de produção e consumo e aos mecaoismo
definição dos bens "necessários" de consumo, em contraposição aos "su- ItI distribuição de benseserviçm3for.ª-.dQ.s_cir..c.uitos IJ..9rm~rcado,
pértluos"," seja na fixação do padrão médio de vida do trabalhador." lrnvõs das pOlfticasde cobertura sociaV
O acesso aos meios para satisfação dessas necessidades, nas so- Por exemplo, se existe algum tipo de seguro-desemprego, o cidadão
l ciedades de mercado, é conferido em primeiro lugar pela renda. Esta, para a rnpregado, ao se ver privado de salário e, portanto, de meios para ob-

v~'1 grande maioria da população, advém do trabalho assalariado, portanto do.


salário e depende, no mfnimo, da existência de oportunidades de emprego
com remuneração suficiente/Em alguns casos, mesmo para pessoas com
() cios bens e serviços necessários à sua subsistência e bem-estar,
I!N•• tI n receber um "salário-desemprego", até sua reabsorção pelo merca-
1111 dt' trnl,olho. Do mesmo modo, podem-se desenvolver programas de su-
rendimentos muito baixos, parte da renda é obtida pela posse de certos re- p11111111111110(\0 de renda para aqueles que tenham rendimentos inferiores ao
cursos que permitem suprir necessidades diretamente ou através da troca, 111111111111uonslderado necessário à subsistência. Há, ainda, mecanismos di-
11111,. rltllllClvlmento de necessidades, que não passam pela transferência di-
,,,1,, IItI Imle/fI monetária. É o caso da distribuição gratuita de alimentos, por
6 Smith 1976, vol. 2, pp. 869-870. Ver, também, sobre a questão do salário mínimo, Mill, IIlplll
1965, vai. 2, pp. 340-343; 346-348 e 356-366. • . In'HII mocanlsrnos caracterizam-se pelo fato de ue seUSbenefiCiá0
r Marx,1977, p.341. IIÜu I IIIlllIltllllllntnm sua renda(fõrãdõS E,ircuitos de mercado e atraves~
8 Marx,1976, p.479. 'J I,nl 111111, oormepondondo a uma parcial e temporária desmercantiliza- .
O Marx, 1981, PP",288-290 1.1I'" 1'"11" 1111 Itlrvlços o, mesmo, do salário. Isto é, os bens e serviços
-~'

- ~- "---- - . - - --- - .. - -'"

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20 pol1tica social e combate à pobreza pol1tica social e combate à pobreza 21
()
são distribuldos de forma não mercantil, perdem as caracterlsticas de mer- Erradicação da pobreza e redistribuição de renda são faces distintas,
\
cadoria e não estão submetidos às regras de mercado. O próprio salário-de- ainda que interdependentes, da política social. De fato, o primeiro objetivo
/'>' semprego não constitui um salário de mercado, pois não obedece às suas pode e deve constituir o estágio inicial de um programa de médio e longo
regras, nem é fixado de acordo com os parâmetros de fixação de salários, '~'~'" , prazo de redistribuição de renda e riqueza. Na base do processo de elimina-
observados na economia." ção - ou redução significativa - da destituição, estão os esforços para dimi-
A destituição surge como resultado da operação de mecanismos es- nuição da defasagem entre a renda necessária para satisfação das necessi-
truturais na economia que promovem a privação clclica ou continuada dos , dades básicas da pessoa e seus dependentes e a renda real disponlvel.
meios de trabalho e vida de parte da população. Em outras palavras, embora
o capitalismo, enquanto modo de progresso, produza riqueza crescente, o
faz em unia dinâmica marcada por desequillbrios e descompassos que de-
terminam surtos recorrentes de destituiç~Além disso, grandes heteroge- 11. POBREZA E DESIGUALDADE
neidades e assincronias no processo de desenvolvimento tendem a cristali-
zar focos persistentes de miséria:l.âe os surtos clclicos de pobreza podem A associação comum entre pobreza e desigualdade não é zotalrnente vazia
ser amenizados ou mesmo erradicados pela correção dos desequillbrios que de sentido. A própria caracterização da pobreza recorre sistematicamente à
os originam, os seus focos estruturais só podem ser eliminados através de comparação entre "pobres" e "não pobres", tanto em termos de seus rendi-
ação estatal,especificamente orientada para este fim e persistente no tem- mentos, ou de sua participação na renda nacional, quanto em termos de OUe
o. tros atributos e situações. A chamada "linha de [2obreza" é traçada com ba-
" :" P São necessários, portanto, instrumentos distintos de ataque à pobre- se em parâm§)tr.Qsde sati~ão de T}e_cessidéi~~sicas,~gentes em um
za, Deum lado, programas compensatórios e corretivos, que têm como alvo, determinado rTlOme!l!O,em9~ciedade, para os cidadãos que têmmelOs
as' manifestações clclicas, ocasionais e/ou previsíveis de privação. De outro suficientes de subsistência, expressos em um mlnimo de renda (Stewart e
la~o, programas de erradlcação da pobreza persistente, estruturalmente en- J Streeten, 1976~e Atkinson, 1975). ' ,
raizada em uma formação, socialI muito desigual, e que devem ter como alvo Mas a desigualdade é fenômeno distinto da destituição. Não são fe-
) nOmenos independentes, pois interagem, histórica e 'estruturalmente: Um re-
principal a renda e o emprego,
I \.,.'1 Não se erradlca a pobreza sem redistribuir custos sociais.Essas poll- • \ força o outro, em medida-variável, no tempo e no espaço. Mas obedecem
tícasl requerem esforço fiscal adicional, realocação de recursos públicos e 11160lcasdistintas, econômica e politicamente. ''
redirecionamento de incentivos e vantagens a segmentos do setor privado. Pode-se reduzir a desigualdade, transferindo-se renda dos setores
Suscitam, portanto, um dilema contratual, uma revisão do contrato social vi- mnln ricos para os grupos de renda média e até mesmo para aqueles que tan-
gente. Passam pela rnacropolâica, antes de se tornarem "políticas públicas". IUllolnm a linha de pobreza, sem com isso afetar-se, necessariamente, a
Mas os objetivos de .cornbate à pobreza e redistribuição da renda e da IllIJcl/llu do pobreza.
riqueza podem não ser inteiramente conflitantes entre si, especialmente se 1)0 mesmo modo, um declínio de renda ou emprego que mantenha o
as ações governamentais forem distribuídas no tempo e dependendo da de- II1IJJrllCl porlU dlstnbutívo pode elevar sobremaneira a destituição, agravar os
finição da população alvo dos programas de combate à miséria. Na verdade, IHIIIIIIIIIII\n do lome, desnutrição, doença e mortalidade, embora no mesmo
o nível de renda e o tamanho .da população .pobre, cuja renda se pretende I'tlllHllnt du doslçualdades. É preciso,contudo, levar em consideração que
elevar como parte da estratégia de erradicação da pc' -~.,." dependem de 111 tllnVIIQnO resultarta muito mais da deterioração da situação econômica
sua posição relativa ao resto da população. Relação que decorre, inclusive, 111 11111I11, 11110 (10 manutenção do padrão distributivo. Na fase ascendente do
do próprio traçado. da "linha de pobreza" (Stewart e Streeten, 1976). A com- 11 111, 11111111h 10 o mesmo padrão, poderia haver redução significativa da po-
patibilização entre os. dois objetivos requer, contudo, a adequada combina- lI/li li, I'rlhl 1l10110S entre aqueles incorporados ao mercado formal. Na ver-
ção poütica de instrumentos e medidas de ação pública. (1"011, 110 1111111011 (10 crescimento tendem a s-ªr JIlé'!is unilLersais, pois há uma
CI'i1l1ll1hlllUJIIII nntrn os mercados formal e informal, e os ganhos de renda a
II"p/lllm 1'11IImlfl fi oconomla, ainda que muito desigualmente. ' .
10 Para uma análise crítica dos procedimentos para sua determinação ver Piven e Clo-
Iln, 1~1111,,1f1111(J, umn claro tendência no mercado de trabalho, no senti- ,
ward, op. clt. 11111111111I01 cllforonolals de salário que separam os estratos inferior e
,
(
22 pol1tica social e combate à pobreza pol1tica social e combate à pobreza 23

superior da distribuição. Assim, não apenas os ganhos de renda são distri- \ cas, envolvem o poder fazer e a capacidade de imprimir às mudanças o cur-
bufdos de forma cada vez mais desigual, como, na ausência de instrumentos so coletivamente mais satisfatório.
corretivos, o crescimento pode favorecer um movimento secular de deterio- ,( Decisões políticas são a resultante líquida dá vontade de fazer, condi-
ração crescente da distribuição de renda." cionada pelo saber fazer (know how).
Do ponto de vista econômico, a erradicação da pobreza e o aumento Provavelmente, a grande maioria da população, que vive em situação
da igualdade na distribuição de renda implicam ações diferentes e podem, de pobreza, "votaria" por sua erradicação. Do-mesmo modo, é possfvel que
mesmo, em certas circunstâncias, induzir a demandas conflitantes ou pro- grande parte dos setores mais ricos também admitisse que esse objetivo
duzir efeitos contraditórios entre si (Haveman, 1975 e Lynn Jr., 1975). fosse inclufdo entre as prioridades da agenda governamental. A miséria ab-
Podem-se desenvolver mecanismos que 'reduzam o nfvel absoluto de soluta, a desnutrição, a deseducação, a doença ~ as más condições de ha-
destitu~e~~terar o perflldlstributivo da sociedade. Do mesmornõêlõ, é bitação e saneamento não interessam, em princfpio, a qualquer grupo. Ao
possível redistribuir renda,sem afetar substancialmente as condiçoes aevi- contrário, os setores líderes da economia, a grande empresa, vivem da
d.a dos mais pobres. Basta que a redistribuição se dê, por exemplo, dosmais afluência e não da pobreza. A' elevação da renda de pessoas fora de seus
ricos para os "quase-pobres". Não infreqüente que políticas de combate à
é mercados pode significar a' entrada de novos consumidores nesses circui-
pobreza tenham, elas mesmas, efeitos redistributivos negativos, na medida tos, expansão de demanda que justifica o aumento da oferta.
em que tratam do mesmo modo necessidades distintas. Ineficiêricias na ad- Todos desejam, também, melhorar sua posição relativa na sociedade,
ministração e implementação dessas polrticas podem, também, dar origem a isto é, em comparação com a situação que têm no presente e àquela vivida
.I novas desigualdades (Lynn Jr., 1975 e Gibson e outros, 1985). por grupos em posições superiores na escala social. Neste caso, entretanto,
\....----b Pobreza e' desigualdade são fenômenos ética e socialmente similares, trata-se de medidas de grande impacto redistributivo, que promovam, a um
mas econômica e politicamente diversos. Eticamente, ã destituição, absoluta tempo, maiores mobilidade e igualdade. Mas ganhos relativos são, por defi-
ou relativa, reflete dimensões correfatas do mesmo problema, de justiça so- nição, seletivos, não podem ser compartilhados por todos. Estão no centro
cial e integridade da cidadania. Socialmente, constitui a face histórica de um dos grandes conflitos polfticos e suscitam, quase automaticamente, vetos
mesmo movimento: a privação absoluta deságua na privação relativa e re- dos segmentos que se sentem ameaçados por medidas redistributivas. Há
compõe, em um novo patamar, o dilema das distâncias sociais extremadas; mpre um fator de soma zero nas polfticas realmente redistributivas, ainda
da frustração de expectativas individuais e grupais de ascensão social ou da quo apenas na percepção dos atores. É possfvel obter-se mais tolerância
insatisfação de grupos sociais, acentuada pela percepção de barreiras in- m a desigualdade, mesmo da parte daqueles em situação pior, do que
transponfveis à mobilidade social e pela consciência crescente da existência 10 para a redistribuição, sobretudo da parte daqueles em melhor situação.
de privilégios e discriminações de todo tipo. " oxpllcação para essa tolerância pode estar no "efeito túnel" de que fala
Politicamente, as escolhas e as ações voltadas para um e outro obje- l llrachman (1981), através do qual aqueles que percebem progresso na si,
tivos dependem da correlação predominante de interesses e poder. Pode-se 11l/1QftO dos que Ihes são próximos tendem a tolerar melhor a situação de de-
constituir uma coalizão favorável ao combate à pobreza absoluta, mas que IlIllOldode. O pior, porém, é o efeito inverso, através do qual aqueles que
bloqueie cursos de ação que alterem significativamente o perfil distributivo. 1IIIrI1Ilbom o avanço dos setores na base da pirâmide social sintam-se
As soluções técnicas são muitas e, em vários casos, esse aparente dilema 11IfJI1Qodose se mobilizem para bloquear progressos adicionais no piãno
pode ser dilufdo ou desfeito. Mas o que importa é que ai
opções são políti- fllrllf'lllullvo.
No verdade, a relação entre desigualdade de renda e pobreza tem
IN()luf(n!lcos especiais. Se houver uma -elevação marcada da renda, pode
111111111/" O nrvel relativo de pobreza, mesmo que não se altere o perfil de dis-
11 Robert Haveman, analisando os programas de combate à pobreza, nos Estados Uni-
dos, na década de 1965-75, conclui que, exatamente por causa da elevação das desi- 1r1l1l11",1\0 (10 ronda. Mas, sem alterações significativas no perfil di~ibutivo,
ualdades de renda, no balanço final, esta década de programas de complementação de IIAII '1/111I11I/1 do renda, mas de patrimônio, alcança-se um ponto de inflexibili-
rondas teva como efeito quase que exclusivamente compensar esta tendência, ou seja, fhlllfl qlJII lorno Impossfvel superar certos nrveis de pobreza nos setores in-
vltar que o perfil distributivo se alterasse para pior. Como diz Haveman, por causa dessa
1111111" 1111 IOtlcllmonto.
tondÔnola à ampüação do hiato de rendas entre os dois extremos da distribuição, um or-
Qomonto soclat crescente parece apenas 'evitar deterioração adicional da já altamente
Inual distribuição 'ta renda final. CI. Haveman, 1975.
24 politica social e combate à pobreza politica social e combate à pobreza 25

111. PADRÕES DE PRODUÇÃO E CONSUMO: ais e das diferentes regiões a esses bens, às vezes independentemente do
A "CESTA SOCIAL"
I ) ~der
-
ge compra potencíal." .
E a combinação dessas três faces de um mesmo processo que ca-
)
f
o grau de destituição ou privação está relacionado, como se viu, ao conjunto :';"'d
'" acteriza o padrão de consumo de "uma sociedade e demarca as fronteiras .
de meios de que a pessoa dispõe, para obter bens e serviços indispensá- a privação absoluta e relativa, da pobreza e da desigualdade.
veis à sua existência e de seus dependentes com um mínimo de bem-estar. Alterações significativas na composição da oferta de bens e serviços,
Evidentemente, pressupõe-se que esses meios assegurem a real obtenção. nos seus preços relativos e na sua disponibilidade nos diferentes mercados
de tais bens e serviços. Por isto mesmo, é preciso levar em consideração podem elevar o grau de destituição das camadas mais pobres, ainda que
as condições de acesso a eles. Acesso refere-se não apenas aos níveis de estas tenham obtido ganhos reais de renda. Se estes ficaram aquém das
renda em si mesmos, mas ao poder de compra relativo, no contexto de um mudanças observadas no padrão de consumo e se não houve melhoria de
determinado padrão de consumo; à existência de mecanismos alternativos acesso e disponibilidade, as caréncías podem pers.istir ou mesmo elevar-se.
àqueles do mercado para obtenção desses bens e serviços e à elevação di- Na dinâmica do desenvolvimento, quando a renda cresce e as desi-
reta e/ou indireta da renda. Diz respeito, ainda, à disponibilidade real dos gualdades aumentam ou permanecem em níveis muito altos, pode agravar-
bens e serviços para esses segmentos sociais, a qual depende não só de se a privação material dos mais pobres. Não se trata, aqui, de privação rela-
sua produção (oferta) e de seus preços, mas também de como são distribuí- tiva, .Js!ç.é,_em comparação ~s qanhos de.•.seqrnentos mai~ f~ºrecidos,
dos espacial e socialmente. Em outras palavras, o acesso a bens e serviços mãs de dificuldades reais dos pobres em obterem a "cesta social" ou, até
depende, em larga medida, dos padrões de produção, distribuição e consu- mesmo, corno..~cãSc(d;sdEis·pó'~suídos, a "cesta básica", essencial à :0-
mo vigentes na economia. Para fins de exposição, chamar-se-á de padrão -brevivência elJ,m.§~si[JJpJe~Js.so_~.assº,c@dQ, à evolução do
d.e"u..!J1lado,.
de consumo a articulação, no tempo e no espaço, destes três elementos 'poder de Compra dos salários de base e, de outro, àquelas mUd-anças no pa-
e de "cesta social" ao conjunto de bens e servi os con~l- afãu-de cônsumo já referidas. À medida que a sociedade se desenvolveÕti2'"
mente_n.e.c.e.ssar.ios..à.su.!2§istênciadigna a pessoa, nas linhas da clássic po de bens e s~iços altera-se em função deJátor~s lecnológicos emercâ-'
orientação mencionada anteriormente. ~0Ió9iCO:, edas políticas de preç_o_.da.§_irimresas·em~-
Assim, o padrão de consumo define-se, do lado da oferta, pela dispo- camente regulados.
No caso do Brasil, a penetração da grande empresa, em especial a es-
nibilidade corrente dos bens e serviços, em particular daqueles de consumo
( trangeira, nos circuitos produtivos de bens de consumo duráveis e não-du-
mais generalizado e, sobretudo, da "cesta social". Envolve, portanto, três
ráveis, seguramente produziu mudanças desse teor. Note-se que não há
dimensões correlatas associadas à disponibilidade: produção suficiente;
valoração quanto a essas mudanças, apenas indica-se que elas existem,
perfil adequado da oferta, isto é, a composição da oferta em termos dos tipos
alterando quantitativa e qualitativamente o perfil de oferta de bens. Esse pro-
de bens e serviços ofertados; a relação entre os preços e o nível de renda
cesso atinge setores importantes de produção de bens essenciais para o
à{l população, especialmente entre O preço da "cesta social" e a renda dos
conjunto da população, tais como alimentos industrializados, vestuário, pro-
segmentos na base da pirâmide distributiva.
dutos farmacêuticos e de higiene. Os novos produtos têm como referência a
Do lado da demanda, o padrão de consumo caracteriza-se pela capa- ronda média dos setores de maior poder de consumo e não a renda média
cidade de obtenção dos meios de aquisição desses bens e serviços, em on população, como ocorre nos países industriais avançados, com perfis
particular da. "cesta social", ou seja, da renda (ou seu equivalente - por e-
xemplo, o direito real à provisão direta) e pelo acesso aos mercados dos
bens e serviços (ou pela existência de mecanismos alternativos eficazes de
o lntrcquentes, em muitas partes do Terceiro Mundo, graves crises de abaste-
acesso).
É preciso, ainda, levar-se em conta o perfil de distribuição vigente,
tanto em termos regionais/territoriais, quanto em termos sociais. O abaste-
cimento é componente essencial, crrtico mesmo, na determinação das pau-
tas reais de consumo, sobretudo na medida em que fixa as bases reais de
disponibilidade de bens no mercado e de acesso dos diferentes grupos soei-
'.
26 polltica social e combate à pobreza polltica social e combate à pobreza 27

distributivos mais favoráveis. Isso significa que esses passam a ser merca- ção das opções de consumo, para os grupos cuja renda mantém relação
dos cativos dos segmentos mais ricos. Por isso são mais rentáveis e desfavorável com o novo perfil da oferta de bens e serviços.
atraentes. O resultado é a redução do acesso ao mercado das camadas de A mudança na composição e nos preços dos bens, que não se reflete
mais baixa renda, onerando mais fortemente seus orçamentos domésticos e integralmente nos índices de inflação, sobretudo nas séries longas que
aumentando seu grau de destituição, isto é, tornando ainda mais desfavorá- ..
•..~~,~.~'
acompanham os grandes ciclos de mudança, qualifica a elevação relativa da
vel a relação entre os recursos de que dispõem para transformar em meio de
renda, especialmente dos salários de base. Isso significa Cli!e o acesso de
troca no mercado e o valor de troca das mercadorias de que necessitam.
Esse problema toma-se mais agudo nas áreas mais urbanizadas e in- .
dustrializadas, por um lado, e nas áreas rurais de baixfssírna produtividade,
muito isoladas e pobres, por outro. Naquelas primeiras, os circuitos alternati-
vos de produção, mais artesanais e/ou populares, tornam-se diminutos e
11\,
J .boa partELJja pOQulação aos frutos do progresso pode p~orar, ao invés de
'!l.elhorar, dado o perfil de distribuiç.ão de renda e a relaç!o entre o r:>adrãode
produçãoLcoos.umo-e-éLrenda_média da ROl?ulação, e mais particularmente
entre aquele padrão e.a renda dos e_str.illQsJoJerior.esda Qirâm~istribUllva.
( O mesmo pode.ocorrer com a "cesta alimentar" agrícola.
muito localizados, não sendo capazes de generalizar o acesso ou constituir
- Esse efeito torna crucíal, para a questão distributiva, a questão dos ín-
um circuito mercantil especializado, capaz de atender às camadas de baixa
dices de inflação. Evidentemente, do ponto de vista da maioria da sociedade,
renda. Nas outras, embora a produção se faça pela via alternativa, é tão in-
composta por assalariados, a medida do custo de vida deve estar firme-
cipiente e tão pouco diversificada, que não chega a ser suficiente para aten-
mente associada ao padrão básico de consumo da sociedade. Em outras
der à população. Ar, o problema de acesso é ainda mais grave, pois estão fo-
palavras, o rndice socialmente significativo de inflação é aquele o mais sen-
ra dos circuitos dominantes de distribuição. Constituem áreas de alto risco,
sível possfvel às variações de preço do conjunto de bens que constitui o nú-
para as qüais falhas graves na distribuição de bens e serviços essenciais
cleo do perfil de consumo dos assalariados e no qual esteja representada,
podem ter conseqüências trágicas de amplas proporções.P
com o maior peso, na proporção de sua importância para a grande maioria da
Os tipos de bens e serviços mudam em sintonia com a renda agrega-
população- a "cesta social", que define o patamar socialmente aceitável de
da, de modo que as pessoas com a mesma renda, em termos dos bens do
subsistência.
padrão de produção/consumo passado, estarão em piores condições em
Essa, aliás, a razão pela qual o índice de inflação não pode e não deve
termos do que é atualmente disponfvel, com base em um novo padrão. Es-
constituir-se em indexador geral da economia, que requer ele. expresse
sas mudanças na composição da oferta, à medida que a renda média se
outras relações de preço muito menos significativas sob o ponto de vista do
eleva, tornam indisponlveis para os pobres os novos produtos, mais caros e
consumo socialmente necessário. A indexaçáo de outros ativos econômicos
sofisticados, e retiram de produção aqueles aos quais tinham acesso, no an-
deveria resultar de previsões contratuais de natureza distinta, reguladas pelo
ligo padrão. Do mesmo modo que com os ganhos de escala e produtividade,
governo. Por outro lado, na medida em que o lndice de inflação reflita mais
os preços de alguns produtos podem se reduzir, com as mudanças no pa-
acuradamente o padrão dominante de consumo, que tem como seu núcleo
drão de produção e consumo, produtos mais baratos podem ser substituidos
básico a cesta social, tornar-se-ia um parâmetro mais adequado e expressi-
por produtos mais caros, deixando em situação desfavorável vários grupos
vo para formulação de polrticas de renda.
sociais, ainda que sua renda tenha se elevado. Essa alteração nos preços,
para maior ou menor, e na disponibilidade deve ser levada em conta na defi-
nição dinâmica da cesta social. (;.
Em termos simples, comparando-se a "cesta de bens" antes e depois
IV. ALGUMAS CONCLUSÕES:
da mudança no padrão de produção e consumo, a mesma renda, em termos
reais, permitirá menor satisfação de necessidades, em um contexto de redu-

• .r.;
A POLÍTICA SOCIAL
NO PADRÃO BRASILEIRO y~Q ~_
/.< )
, .,' ~ No Brasil, atualmente, convivem duas formas de pobreza. Aquela de nature-
13 Como no caso da Eiiópia, referido na nota anterior, em Bengala, Bangladesh'e na re- ! ;,' ,o lza estrutural, mais arraigada e persistente, associada ao desdobramento
gião do Sahel, na África Ocidental, de acordo com Sen, op, cito Mas, também, em muitas r - histórico de nosso padrão de desenvolvimento, e a pobreza cfclica, que se
áreas do Nordeste brasileiro, ainda profundamente marcadas por deficiências seríssimas agravou com a crise de desemprego, a queda da renda, sua concentração
na distribuição de bens e serviços de primeira necessidade.
crescente e a aceleração inflacionária.
\
(i
/,

28 polftica social e combate à pobreza polhica social e combate à pobreza 29

Além disso, nossa sociedade é rnarcada por fortes tensões distributi- Em segundo lugar, medidas de curto e médio prazos, que redirecio-
vas, determinadas pelô perfil de aíocação de recursos e dis!db~çªo de ren- nem o processo econômico no sentido da ampliação das condições de
da. Este caracteriza-se pela ausência quase absoluta de critérios de justiça, acesso aos bens essenciais e oportunidades de inserção no mercado de
por sua regressividade e pela interferência, em todas as esferas distributivas trabalho, antes, mesmo da consolidação de mudanças mais estruturais.
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"'\""1"

e redistributivas, de sólida estrutura de privilégios, pol!tica e socialmente I'. Nesta dimensão, a ação estatal é fundamental, pois os mecanismos de mer-
cristalizados. cado serão insuficientes ~ e muitas vezes inoperantes - diante das limita-
Como se viu, apesar das interações e correlações entre pobreza e ções estruturais que ainda persistem.
desigualdade, estes dois fenômenos constituem objeto de polfticas distintas Essas políticas devem adotar, como um.de seus elementos centrais,
e diferenciadas. Corrjpater a miséria e reduzir a desigualdade são objetivos uma estratégia diferenciada de tratamento das variáveis econômicas que
diferentes, que r6querem estratégias de ação diversas e implicam decisões l afetam o acesso das populações despossuídas aos bens e serviços essen-
e processos políticos também diferenciados. A natureza dos conflitossubia- ciais. O objetivo dessa estratégia .é o desenvolvimento de formas de comer-
I
centes às polfticas de redução ou erradicação da pobreza não é a mesma "\ cialização e apreçamento dos bens que compõem a "cesta" minimamente
que a dos conflitos ligados à redistribuição. Isto é verdadeiro, embora haja adequada à satisfação das necessidades básicas das populações carentes,

1 uma importante faixa de interseção entre os dois. Parte importante da política


. "antipobreza" consiste em uma modalidade particular de polftica redistributi-
va. Mas esta polftica, no seu contexto glóbal, não se refere necessariamente
"
, diferentes daquelas praticadas nos mercados constituídos pelos grupos de
\ renda superior. Ou, alternativamente, atuar diretamente sobre o poder de
compra dos grupos de· baixa renda, de modo a que possam obter esses
, - e às vezes pode nem mesmo incluir - à redução significativa das desi- 1 bens naqueles mercados. O programa de "varejões subsidiados" corres-

I
gualdades. ponde a uma combinação dessas duas possibilidades. A distribuição gratuita
As políticas voltadas para a redução da destituição requerem ações em de alimentos, a assistência médica pública, são exemplos da primeira. O,
três linhas principais. Em primeiro lugar, medidas de reorientação, no médio programa americano de food stamps da segunda. São medidas de preven-
e longo prazo, do próprio padrão de desenvolvimento, de modo a corrigir
processos estruturais que -estão na raiz do "estoque permanente" de pobre-
za, o que se denominou pobreza estrutural. Estas correções têm por objetivo
l ção ou compensação que buscam garantir nfvel mínimo de consumo a es-
ses setores da população.
~ao'i:staao, portanto, íntertenr.atívarnente-eem,o objetivo d.e pro-
modificar o padrão de produção e consumo e alterar a estrutura de oportuni- ver extramercado formas de acesso e mobilidade que permitam mudar mais
dades da sociedade, de modo a assegurar recursos de acesso e mobilidade rapidamente as çoodlç~es :,ociaj§ _de YÍ!l-ª_ ~_Q.ºQ.Yiaç_ãõ_despÇ)s~uída,
'aos segmentos destitufdos. atuando, simultaneamente, pela via dossintomas e das terapias l2ertinentes,
A política social não pode ficar circunscrita apenas aos chamados tanto sobre a "pobreza estrutural" quanto sobre a "coojuntural". Evidente-
problemas sociais. Ela requer uma nova polftica econômica, capaz de induzir mente esta última ten~ser rªrud-ªmente reduzida, com a retomada do
mudanças que permitam, de um lado, elevar o patamar de renda das popula- crescimento, elevação da oferta de__ emprego e ganhos reais de renda. O
ções pobres e, de outro, redirecionar, em parte, o padrão de produção/con- problema é que, após um processo recessivo,-ª, retomada deverá .sempre
sumo, de modo a assegurar melhores condições de acesso da população ao tor vigor suficiente para reabsorver aqueles que foram expulsos ou destituí-
conjunto de' bens e serviços essenciais. Ou seja, uma política social con- dos e, ainda, incorporar os novos contingentes, que alcançam a idade de in-
sistente e que objetive resultados permanentes, requer políticas industriais, rossar no mercado de trabalho. Caso contrário, estes grupos terminam por
agrícolas e de abastecimento em sintonia com esses objetivos e, sobretudo, mar-se ao "estoque estrutural".
orientadas por esses objetivos. m terceiro lugar, ações de curto prazo, Q..u..e...vjsam_amitigar....os
efeitos
( . Por outro lado, essas mudanças econômicas dependem de ações em perversos da situaÇãOde pobreza, através de programas assistenciais
dimensões não econômicas, que a elas combinadas conferem eficácia e tI do correção pretrnínar, pr~l\iTsória. de~i~, de distorções mais graves
viabilidade a toda a estratégia. Assim, por exemplo, os incentivos à amplia- IlOlII conseqüências profundamente danosas para essas pessoas.
ção da geração de emprego na sociedade devem ser complementados por ropramas dessa natureza e dessa amplitude requerem, como se viu,
programas de. treinamento e qualificação de mão-de-obra, seletivamente II11ohirlU6 polrUcas cruciais em várias áreas. Não basta definir setorialmente
voltados para os segmentos aos quais se pretende dar melhores condições 1/11 plOornmos. É preciso definir o conjunto da ação governamental para esse
de acesso e rnobílidadç. IlljllllvCl, r>nrn tanto, certas decisões econômicas devem ser balizadas pela
( r
I,
I
30 po/ftica social e combate à pobreza po/ftica social e combate à pobreza
31

política social. Além disso, envolvem importantes mudanças nos padrões de MILL, J.S.
financiamento do setor público, nas prioridades orçamentárias e no processo (1965)
Principies of Political Economy, Books 1-11,vol. 11,Collected Works, Toronto,

1 de alocação de recursos. Requerem, claramente, modificações na estrutura University of Toronto Press.


MILLER, D.
fiscal do Estado, ponto em que, novamente, entram em interseção com as .... \. '.~, (1974) "The Ideological Backgrounds to the Conceptions of Social Justice". Political
políticas de redistribuição e redução das desigualdades. Studies, 21, pp. 387 -399.
Mas é preciso lembrar, também, que a polrtica social não pode condi- (1978) "Democracy and Social Justice", in British Journal of Political Science, 8: 1,
pp.75-100.
cionar a política econômica a ponto de comprometer seus objetivos próprios, OFFE, C.
com repercussões negativas sobre as taxas de inversão, margens de renta- (1975) "The Theory of the Capitalist State and lhe Problem of Policy Formation", in
bilidade, padrões de eficiência e produtividade, com o que o próprio cresci- Lindberg, L. e outros, op. cit., pp. 125-144.
PINKER, R.
mento seria prejudicado. O crescimen~ econômico é condição necessária

t p_arao êxito desses pro9.@mas sociais. Não é condição suficiente para..re- (1968) "The Contribution of the Social Scientistin Positive Discrimination Program-
mes", inSocialandEconomicAdministration, 2:4, pp. 227-411
solução dos problemas de pobreza e destituição, mas sem crescimento não (1971) Social Policy and Social Tneory, Londres, Heinemann.
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I

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A TRÁGICA CONDIÇÃO
DA POLÍTICA SOCIAL

Wanderley Guilherme dos Santos

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a trágica condição da po/ftica social 35
I,
I

analftico, define-se então política social como o conjunto de atividades ou


I. JUSTIÇA COMO ESCOLHA TRÁGICA programas governamentais destinados a remediar as falhas do teissez-telre.
É este salto analítico, com certeza, que produz o curioso resultado de
que os analistas enumerem praticamente a mesma seqüência de itens clas-
Os romanos sabiam como construir pontes. As sociedades industriais mo- sificados como "problemas sociais" - e, pois, concordem tacitamente com a
dernas sabem como construir pontes melhores do que aquelas construídas"'·"
definição ex-post e semitautológica de que política social é tudo aquilo que
pelos romanos, e ainda outras completamente inacessíveis à competência tem por objeto problemas sociais -, independentemente dos juízos valorati-
tecnológica da Roma Antiga. Os romanos não sabiam como administrar e
vos sobre a ordem social que subscrevem.
-resolver definitivamente o problema da miséria ou, de um modo geral, o pro- A raiz desse acordo implícito, ao fim e ao cabo, encontra-se na inca-
blema da justiça social. As sociedades industriais modernas também igno-
pacidade original comum de esclarecer conceitualmente o que é polrtica so-
ram como fazê-Io . cial. Tome-se, como exemplo liberal paradigmático, T. H. Marshall. Em capí-
. A diferença essencial entre as duas situações consiste em que o or-
tulo cujo título é, nada mais nada menos, "O que é polrtica social?", lê-se a
denamento valorativo de construções difl'lrentes pode ser resolvido por via
seguinte resposta: " 'Política social' é um termo largamente usado, mas que
computacional; o ordenamento dos valores implrcitos na administração da
não se presta a uma definição precisa. O sentido em que é usado em qual-
justiça não. Neste particular, as sociedades modernas são as mesmas so-
quer contexto particular é em vasta medida matéria de conveniência ou de
ciedades romanas, mas seu padrão de consumo inclui cosméticos tecnolo-
convenção (...) e nem uma, nem outra, explicará de que trata realmente a
gicamente sofisticados. Busca-se nesta reflexão entender os motivos desta
matéria." Outra não é a solução dada por investigador politicamente mais à
escandalosa estagnação tecnológica multissecular - matéria da primeira se-
esquerda, Ramesh Mishra; quando admite que "polftica social pode ser defi-
ção _ e, subseqüentemente, especular sobre o que se pode adotar experi-
nida em termos relativamente estreitos ou largos. Nada existe de intrinseca-
mentalmente como second best solution. mente certo ou errado em tais definições, na medida em que sejam apropria-
das à tarefa em vista"."
É pelo menos intrigante que o tema "polftica social" consiga suscitar refle-
Tal como ocorre em relação a outras matérias controversas, apenas
xões e análises suficientes para manter em circulação periódica' cerca de
marxistas e pararnarxistas mantêm-se intocados por qualquer tipo de dú-
meia dúzia de revistas especializadas, além de considerável fluxo editorial,
vida. Greffe, por exemplo, está convicto de que "a política social busca as-
de dezenas de volumes por ano, não obstante seja impossível descobrir
urar a reprodução das relações sociais, quer dizer, controlar e diversifi-
uma definição que cubra apropriadamente a jurisdição do concerte.' Mais do
r a produção de valores de uso de tal sorte que os pertencimentos de
que intrigante, é surpreendente que semelhante indigência analítica não pa-
lasses sejam bem-reproduzidos".4 Entendo eu, incréu, que Offe esta di-
reça provocar incômodo excessivo nos especialistas na matéria. Tudo se
ndo a mesmíssima coisa quando afirma que "política social é a forma es-
passa como se a mera referência ao fracasso da utopia laissez-fairiana em
1/11f11 do efetuar a duradoura transformação de trabalhadores não-assalaria-
produzir o paraíso terrestre bastasse como critério tanto para delimitar o do" om assatanados"," Considerando que praticamente a mesma definição
conjunto de problemas teóricos a solucionar, quanto para encontrar as res-
1I11110160lca é doutrinariamente aplicada a todo tipo de política - de regulação,
postas a esses mesmos problemas. 1ll1lnvosllmento, e até mesmo de lazer -, não estou seguro de que marxistas
O' suposto implícito é o de que os problemas sociais contemporâneos
,111111
consigam distinguir conceitualmente uma polftica social de uma polRi-
resultam quase que exclusivamente de falhas de funcionamento do mercado. tio oonção. Por seu telos, ambas garantem a reprodução das posições."
O corolário óbvio induz à conclusão de que, uma vez remediadas as conse-
qüências das falhas - mesmo quando se admite que a terapia deva ser
ininterrupta _, ficarão resolvidos os problemas sociais. Por um salto mortal

1 A expressão "política social" teve origem entre pensadores alemães de meados do sé-
culo passado, que criaram em 1873 uma associação especial para o seu estudo. A história
do conceito e uma resenha bastante limitada de suas variantes contemporâneas encon-
tram-se em Werner Gahnman e Gari f...l. Schmitt, "The Goncept 01 Social Policy", Journal
o f Social PoJicy, 8, nº 1, janeiro, 1979.
"

34
(I
polftica social e combate d pobreza a trágica condição da polftica social 37
36

De um modo geral, entretanto, o que se observa é o desconhecimento . sandecem. À sociedade, porém, não se aplicam, senão metaforicamente, a
do problema definicional, em sentido estrito, e o apelo à definição por enume- cequeíra, a loucura ou o desterro. Que seriam, de resto, inúteis, perante a
ração de polrticas específicas ligadas a problemas igualmente especilicos, inexorabilidade acabrunhante da logicidade trágica.
Durante séculos soube-se elementarmente que os recursos disponl-
quer quando se supõe que sejam derivados do fracasso laissez-fairiano, " •..~
... "

quer quando, mais radicalmente, se supõe que decorram estruturalmente da veis em qualquer sociedade eram insuficientes para satisfazer os desejos de
ordem capitalista, em qualquer de suas variantes. Em ambos os casos, as todos os seus membros. O problema da escassez permeava o pensamento
listas de áreas que são ou deviam ser objeto de poütlcas sociais diferem polüico e o pensamento econômico, mas não atingia com igual impacto a re-
flexão ética. Sabia-se alguma coisa, mas ainda pouco. Supunha-se, por isso,
apenas marginalmente.
Esclareço enfaticamente que minha objeção ao tratamento corriqueiro . que uma sociedade podia incorporar o parâmetro da escassez e ainda assim
do conceito de "polftica social" não se funda na hipótese de que tal definição ser justa. A incompletude seria natural, mas a justiça, humana.
seja de alcance fácil. Muito ao contrário, estou inclinado a admitir que é im- As sociedades modernas, ao contrário de Édipo, percorreram o trajeto
possfvel encontrar uma definição do conceito que atenda aos seguintes re- da cegueira à claridade; via tragédia. A descoberta de que a opção entre
quisitos: a) permita distinguir, em qualquer caso, uma polrtica social de qual- eqüidade (justiça) e eficiência (administração da escassez) constitui genurno
quer outra polrtica; b) permita ordenar lexicamente, de maneira incontrover- dilema foi apenas a antecâmara para a luminosidade maior do espaço inteiro
da sociedade: toda escolha social é uma escolha trágica no sentido radical
sa, duas polfticas sociais diversas quaisquer.
Em outras palavras, creio que a probabilidade de que se venha a des- de que, mesmo decisões altamente benéficas reverberam, em algum lugar,
cobrir, ou inventar, uma deflnlção de política social capaz de gerar classifi- metamorfoseadas em mal? Por exemplo, a decisão de produzir x aparei nos
cações exaustivas e mutuamente excludentes é desanimadora. Todavia, é de hemodiálise significa não apenas que parcela de necessitados não terão
psrturbadora a insensibilidade diante da existência mesma deste fato - a di- acesso a eles, mas também que carentes de outro tipo não poderão usufruir
ficuldade de (iiefinir polrtica social. Dir-se-ia que as investigações e reflexões de, digamos, tratamento com bombas de cobalto. Mais: se se decide produ-
sobre o valor desta ou daquela polrtica social e, mais, que os juízos prescriti- zir aparelhos de hemodiálise em número suficiente para atender à demanda,
vos sobre o que fazer face a determinada miséria soclal podem ser bem-su- maior será o número de cancerosos desassistidos. Quanto produzir e o quê
cedidos, uns, e bem fundados, os últimos, independentemente do conheci- converte-se, por se saber algo mais, em outra questão: como estabelecer
mento ou ignorância quanto às razões pelas quais o instrumental analftico justo intercâmbio entre o bem e o mal? A polrtica social escapa ao cálculo
econômico e ingressa na contabilidade ética, no cerne do conflito entre valo-
dlsponível é descartável segundo conveniência ou convenção.
. Admite-se aqui premissa distinta. Suponho que o fato de esboçar as res, no trágico comércio entre o bem e o mal.
raízes da dificuldade fundamental repercute sobre eventuais critérios que Considere-se então a seguinte proposição: chama-se de polftica social
8 toda polftica que ordene escolhas trágicas segundo um princ(pio de justiça
auxiliem a ordenar conveniências e a desautorizar convenções. A relevância
da matéria vale o risco dos inevitáveis equívocos. consistente e coerente. A vantagem desta definição reside na cristàlina re-
volação que faz do caráter metapolrtico da polrtica social. A polltica social
não é uma polrtica entre outras, dotada de um atributo que a diferencia das
domals, mas da mesma ordem lógica, Ela é, em realidade, uma polrtica de
11. A TItAGÉDIA SOCIAL: rdem superior, metapolrtica, que justifica o ordenamento de quaisquer ou-
EXCESSIVO SABER, tros polítlcas - o que equivale dizer que justifica o ordenamento de escolhas
EXCESSIVO DESCONHECER Irflolcas.

Édipo conhecia em' abundância o desenlace de seu destino e desconhecia


por completo a trama que o conduziria até ele. Por isso é trágico; outros en-
I () problema do dilema entre eqüidade e eficiência é apresentado com clareza e aguda
I'l!IotmQllo em Arthur M. Okun, Equality and Efficiency: The 8ig Tradeoff, Washington,
11111 Ilrooklngs Institution, 1975. A exploração sistemática das implicações econômicas e
portanto o conjunto de todas asmedidas destinadas a atenuar os antagonismos de elas- 11I11111r1 ons escolhas trágicas encontra-se em Guido Calabresí e Philip Bobbitt, Tragic
1It1Ir'fltI, Nova York, Norton. 1978
. se." CI. nota 1. .'
>,
38 polftica social e combate à pobreza a ;'ág'd condição da polftica social
39

A escolha de uma polífíca social, portanto, implica essencialmente a da pOPula\ão - negros, mulheres etc. (É claro que a distinção entre seg-
escolha de um prindpio de justiça, consistente e coerente, cuja superiorida- mento é bloco é com freqüência contextual, mas nem por isso menos rele-
de em relação a outros princípios possa ser demonstrada. Pela regra da vante.) Novamente, sabe-se que a aplicação uniforme e consistente do prin-
transitividade, as polrticas especfflcas ordenadas segundo este prindpio su- cfpio produz desigualdades entre segmentos ou blocos se dirigida a indiví-
perior serão socialmente preferrveis a qualquer outro ordenamento. O pro- duos, o mesmo ocorrendo em sendo alterado o sujeito ao qual se aplicaria o
blema da polftica social transforma-se no desafio de encontrar um prindpio princípio .11
de justiça, coerente e consistente, que seja superior a qualquer outro. Enfim, sabe-se em demasia que qualquer prindpio de justiça - quer
É aqui que a tragédia do saber excessivo começa a revelar-se. Ao se deduzido axiomaticamente, quer induzido -, quando aplicado consistente-
aceitar que uma polftica é tirânica se "rnpõe privações severas, quando mente, viola a si próprio ou a outro princípio igualmente aceito como indis-
existe política alternativa que não imporia severas privações a nínquém"," e pensável. Dou, a seguir, dois exemplos paradigmáticos que introduzirão o
se considerar que prindpios de justiça que admitam tais polfticas devem ser tema do desconhecimento excessivo.
eliminados, então devem ser afastados todos os prindpios de tipo procedu- A estratégia de discussão buscará demonstrar que não existem crité-
ral-contratualista - isto é, aqueles que definem procedimentos formais de rios que permitam produzir decisões automáticas que assegurem resolver
decisão 'sem considerar a substância da decisão -, todos os utilitaristas, simultaneamente dois problemas - por exemplo, a acumulação de capital e a
bem como os prínclpios fundados em direitos positivos absolutos. Tragica- eqüidade - e, conseqüentemente, que o critério de tomada de decisão não é
mente, sabe-se que a aplicação c!onsistente de qualquer desses princípios lógico-cientrtico nem derivado de comandos constitucionais. Para tanto, se
termina por justificar polrticas tirànicas.? demonstrará que, em termos absolutos, acumulação e eqüidade efetiva-
Abandonando a rigidez de princípios absolutos, suponha-se que se mente se excluem como valores, o que significa que, a nível micro, qualquer
procure, com modéstia, encontrar critérios que atendam às regras de igual- proposta de maximizar a eqüidade sem prejuízo da acumulação em realidade
dade de oportunidade, entendida esta, desdobradamente, como igualdade de propõe mudanças relativas no perfil de desigualdades existentes, sem abo-
chances de vida e de respeito ao. mérito, e de liberdade familiar, entendida li-Ias completamente. Entendida de forma não-absoluta, entretanto, a prefe-
como o direito dos pais de disporem do destino de seus filhos infantes. rência, quer pela acumulação, quer pela eqüidade, é insuficiente para pro-
Neste caso, sabe-se também que a aplicação consistente das regras con- porcíonar um critério de decisão que, automaticamente, garanta uma ou ou-
duz logicamente a um trilema, isto é, a adoção de quaisquer das duas regras tra das preferências. Exemplo posterior discutirá o problema não mais dentro
acima implica a violação da terceira." rJo cenário lógico-dedutivo, onde as decisões são tomadas de acordo com
Opte-se, finalmente, pela adesão indiscutível a um só prindpio. Seria rlt6rlos técnicos, mas no contexto igualmente extremo em que as decisões
este talvez o menor dos males, evitando-se o conflito entre valores e, possi- tomadas de acordo com a vontade geral. A conclusão final será a de
velmente, garantindo a realização consistente de pelo menos um. Por exem- quo a realização do valor justiça social não pode ser garantida por nenhum
plo, o princlpio da igualdade. A igualdade, porém, pode ser tomada tendo nrlll'lrlo automático e que, qualquer que seja a opção ideológica (chamemo-Ia
como sujeito o indivíduo, um segmento de pessoas que possuam um atributo ","lln) da qual se parta, quer a da rnaxirnização da acumulação, quer à da
comum (por exemplo, cegos), ou um bloco, ou seja, parcelas substanciais IIIIIXlllll/Oçêo da eqüidade, o que se obtém, em qualquer caso, é a modifica-
1/ W//lllvl1 do perfil de desigualdades existentes.

8 James S. Fishkin, Tiranny and Legitimacy: A Critique of Politica/ Theories, Baltimore,


The Johns Hopkins University Press, 1979, p. 18.
9 O livro de Fishkin citado na nota 8 demonstra esse ponto e, que eu saiba, seus argu-
mentos não foram refutados.
10 James S. Fishkin, Justice, Equa/ Opportunity andthe Fami/y, New Haven, Vale Uni-
versity Press, 1983. Fishkin revelaria as dificuldades lógicas de qualquer posição objeti-
vista em relação a problemas semelhantes em The Limits of Obligation, New Haven, Vale
University Press, 1982, e busca escapar do subjetivismo ético a que suas explorações
anteriores pareciam conduzir em Beyond Subjective Morality: Ethica/ Reasoning and Poli-
tlcal Philosophy. New Haven, Vale University Press, 1984. A discussão ponnenorizada de
todos os argumentos exceQe, entretanto, os limites deste texto.
/

polltica social e combate ibreza a trágica condição da polltica social


40

111. SOBRE A IMPOSSIBILIDADE DE JUSTIÇA12 cornpaffveis. Com isso ingressamos no universo da lógica das preferência
subordinado a regras racionalmente invioláveis. E, contudo, a lógica d,
A afirmação de que é impossível maximizar o valor justiça social, buscando, preferências é incapaz de proporcionar soluções ao problema, precisamer
ao mesmo tempo, maxirnizar o valor acumulação, parece ser de fácil enten- porque a interpretação emp(rica dos resulados 'Iógicos depende da semén
dimento e eventual refutação. Em realidade, entretanto, trata-se de urna pro- ca politice, a qual extravasa os limites da argumentação estritamente form-
posição efetivamente ambfgua, em sentido técnico, e, por isso mesmo, de Segue-se a oemonsíração."
modo algum compreensivel em seu significado real, isto é, quando tomada Tome-se a proposição controversa central de que a acumulação é f
como regra de decisão sobre polrticas substantivas especfficas. Se, por compatível com a eqüidade. (Deve-se, é claro, perceber que, para o arg
exemplo, se fixam os níveis de salário dos trabalhadores da indústria em tor- mente seguinte, a afirmação conversa, isto é, de que a acumulação é cor
no de certa magnitude, de acordo com o princípio de maximizar a acumula- pativel com a eqüidade, é equivalente; portanto a argumentação vale pa
ção, o que. se está fazendo é frasear o problema da renda de determinado ambas as proposições.) Não obstante sua aparente clareza conceitual, eSE
segmento social a partir da ótica da disjuntiva acumulação versus eqüidade. proposição permite pelo menos três intrepretações distintas, e não é fá_
Desde logo, esta não é a única perspectiva de análise do problema. distinguir, na retórica comum, qual a interpretação que está sendo subscrit
Ele poderia ser tratado, como acredito que de fato o seja, segundo o cálculo Em verdade, é possfvel interpretá-Ia pelo menos de três formas diferente
do dissenso tolerável, que é um cálculo político cujo resultado é relativa- cada uma das quais obrigando a compromissos teóricos e, para consistês
mente indeterminado e, portanto, cujas conclusões não podem ser derivadas cia de lógica e ação, a compromissos de comportamento bastante distintos
cientificamente, ou seja, logicamente. Ao formular o problema segundo a A primeira forma de entender a proposição consiste em interpretá-
disjuntiva acumulação versus eqüidade, procura-se, conseqüentemente, como a formulação de uma disjuntiva que obriga a preferências absoluta:
transferir o problema do âmbito politico, significativamente indeterminado e al- Em outras palavras, quando se afirma que o processo acumulativo é incorr
tamente valorativo, para o universo do discurso lógico, valorativamente neu- patrvel com a rnaxirnização da eqüidade (ou a afirmação conversa), é posa
tro e cujo andamento obedece a regras racionalmente irrecusáveis. Valores vel que se esteja dizendo que a preferência pela acumulação é uma prefe
à parte, o problema da renda de qualquer segmento social converte-se em rência absoluta, a saber, que o valor privilegiado - quer acumulação, qUE
uma disputa lógica entre duas proposições que competem pela posse de eqüidade - é absolutamente preferido a qualquer outro e, conseqüentemer
uma verdade científica: ou bem a maxirnização da justiça social é incompatí- /0, a realização de um exclui a realização de qualquer outro. Se assim fe
vel com a maximização do processo acumulativo, ou bem não o é. Fixada a interpretação da fórmula, então a conseqüência lógica inelutável é qu
preliminar de que tal perspectiva, além' de não ser a única possível, não qualquer decisor está comprometido com a idéia de que o universo social
;11
constitui efetivamente a regra máxima de decisões políticas - que postula- unldlmensional, ou deve ser reduzido à unidimensionalidade, pela simple
mos ser a do cálculo do dissenso -, cumpre demonstrar que a disjuntiva li Irrcfutável razão de que só é possível ter, no máximo, um e apenas ur
acumulação versus eqüidade é logicamente insolúvel, o que, indiretamente, vnlor absolutamente preferido. Senão, vejamos:
virá corroborar a premissa de que a regra de decisão política por excelência Toso: Ao preferir de maneira absoluta a acumulação à eqüidade, é irr
é a do cálculo do dissenso. 1IIIIltlivol preferir absolutamente qualquer coisa diferente (digamos, participa
Afirmar que a maximização da eqüidade é incompativel com a maximi- I.'nll jllllfllr.n) a qualquer outra coisa.
zação dó processo acumulativo ou, alternativamente, que não o é, implica I )tlmonstração: Se prefiro, absolutamente, acumulação (p) a eqúidade
formular o problema da decisão política em termos de preferências. Em ou- (li), III~II proflro, absolutamente, participação política (r) a conformidade (s), se
tras palavras, tal como fraseada, a questão pode ser assim traduzida; o que
se deve preferir prioritariamente, a acumulação ou a eqüidade? Conforme
a retórica de alguns, a preferência por um dos termos exclui a preferência
pelo outro, enquanto a retórica de outros oferece como argumento a proposi-
ção de que é possível preferir ambos, não se tratando de preferências in-

12 Esta seção reproduz, com algumas modificações, parte do capítulo 6, W. G. Santos,


Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira, Rio de Janeiro, Campus, 1979.

-,
42 polftica social e combate à pobreza a trágica condição da polúica social 43

gue-se que prefiro absolutamente acumulação (p) e participação política (r) a ser logicamente deduzido. Se, ao contrário, interpreta-se a proposição em
qualquer outra coisa. Isto implica, entretanto, que as duas seguintes propo- termos condicionais, porém sem permanente consulta aos interessados, é
sições devem ser por mim igualmente aceitas: devo preferir acumulação (p) possível, melhor dizendo, provável, que as decisões sejam contrárias ao
a qualquer outra alternativa e devo também preferir participação política (r)"p. ordenamento do público interessado,
qualquer outra alternativa. De acordo com tais implicações, isto significa que
Demonstração: Suponha-se que, do ponto de vista da força de traba-
devo preferir (p) e (r) em quaisquer condições. Ora, de acordo com a mar-
lho industrial, suas preferências se ordenem da seguinte forma: prefere es-
cha necessária da argumentação estritamente lógica, devo subscrever (a-
tabilidade a menores salários e menores salários a desemprego, Em termos
ceitar) as seguintes duas proposições: (p) acumulação e não -(r) participa-
simbólicos, a ordenação de preferências é: (p) a (r) e (r) a (q). Se a disjuntiva
ção política; e (r) participação política e não -(p) acumulação, Pelo postulado
for, neste caso, (p) ou (r), a prererêncía será por (p), desde que não se con-
da assirnetria, que me obriga a aceitar como inviolável o axioma se (p) (ou
sidere a possibilidade de (q). A introdução do condicional, entretanto, signifi-
(r)), então não -(p) (ou não -(r)), sou induzido ao problema de que, se aceito
ca que a regra de decisão não pode ser tão simples quanto a disjuntiva
(p) e (r), sou obrigado a rejeitar (p) e (r), o que é obviamente absurdo. Como
acumulação versus eqüidade sugere. Em cada caso, a preferência por uma
se queria demonstrar, portanto, entendendo-se de maneira absoluta a propo-
das alternativas dependerá de um terceiro termo e, conseqüentemente, o
sição de que rnaxirnizar a acumulação implica negar a possibilidade de ma-
automatismo da regra se esvazia.
ximizar a eqüidade (ou a afirmação conversa), fica-se obrigado a subscrever
um e apenas um valor. A introdução do condicional significa a introdução de um ordenamento
A conseqüência prática de tal conclusão é a de que, se se interpreta de preferências e é ar sobretudo que o discurso (retórica) dos deciso-
absolutamente a disjuntiva acumulação versus eqüidade, como fundamento res, assim como de seus crrticos, se fará em realidade. Admita-se que,
científico de decisões substantivas especfficas, fica-se obrigado a aplicar a desagregadamente, isto ,é, em relação a políticas especfficas, o pro-
mesma regra em qualquer outra circunstância, não cabendo portanto o apelo blema da eqüidade versus acumulação se traduza na seguinte discussão:
a outros valores - tais como ~'humanizar o desenvolvimento", "segurança" estabilidade no emprego, magnitude de salários e taxa de desemprego. A
etc. - como regra de decisão válida para outros contextos. É claro que tal terceira forma de entender a disjuntiva acumulação versus eqüidade, em
procedimento é eventualmente utilizado, quando é da conveniência dos que termos concretos, implica uma definição do tipo de preferência em relação
tomam decisões governamentais, mas isso apenas prova que o fundamento aos três termos: estabilidade, menores salários e desemprego.
das decisões políticas, de acordo com a regra acumulação versus eqüidade,
Visto que o problema foi traduzido em termos lógicos - o que significa
interpretada absolutamente, reduz-se a recurso de retórica para a legitimação
que seria possfvel solucioná-Io cientificamente -, resta o entendimento da
de decisões cujo determinante é a dinâmica do conflito e da luta pelo poder, HsJuntiva em termos incondicionais. O que isto quer dizer? \;
antes que pela' consistência lógica de uma concepção de mundo que, a ser
aceita, o reduziria à unidirnensionalidade. . Assuma-se que o ordenamento do público interessado seja o seguinte:
Outra forma de entender a proposição de que a acumulação se con- tabilidade; 2) menores salários; 3) desemprego. Tomando-se a retórica
trapõe à eqüidade consiste em interpretá-ta condicionalmente. Isto 'quer dizer dn nl{'Juns, a disjuntiva acumulação versus eqüidade, quando traduzida em
que, diante da disjuntiva, por exemplo, estabilidade no emprego e menores I'lolllllf1laS especfficos, obriga a definição de um ordenamento incondicional
salários, quase certamente preferir-se-á estabilidade a menores salários, du plOrOfÕnclas, e, a partir daí, seria possível definir uma regra de decisão
desde que tal preferência não implique maior taxa de desemprego, Para con- 11111 tllflndosse ao mesmo tempo à escala de preferências do público ínte-
tinuar usando a linguagem dos símbolos, (p) - estabilidade - é preferida a 11I1I-.lHlofi nos requisitos da racionalidade científica.
menores salários (r), com a condição de que tal preferência não aumente ou rdo com a prémissa de preferências incondicionais, a escolha
crie a possibilidade de que ocorra (q) - isto é, desemprego, Se, entretanto, a elo qualquer disjuntiva implica que todas as demais condições
disjuntiva se puser entre menores salários (r) ou desemprego (q), a prefe- ítorarão em função da escolha (a cláusula coeteris pari-
rência certamente seria por menores salários, Assim, a proposição acumu- conOmlca). Assim, a preferência do público seria (p) -
lação versus eqüidade, se traduzida em contextos substantivos específicos, monores salários - e (r) a (q) - desemprego -, aceita a
e entendida condicionalmente, não fornece qualquer critério automático de pnrlbus, isto é, que cada decisão não teria impacto so-
decisão, visto que requer o ordenamento de preferências, o qual não pode lo nlstoma. Assumido o ordenamento previamente defi-
"
polftica social e combate à pobreza a trâgica condição da polftica social 45
44

nido e interpretando-o como uma preferência não absoluta nem condicional, As sociedades requerem que cada um abdique do direito natural de
mas incondicional, as deduções lógicas, de acordo com certa argumenta- ser o único juiz de suas próprias ações, se é que a efetivação do conflito la-
e
ção, seriam as seguintes: (p) não -(q) e (p) e não -(r) e (r) e não -(q). En- tente no estado da natureza deve ser evitada. Viver no estado da natureza é
tendido o ordenamento de tal forma, incondicional, o sistema lógico que for- usufruir a liberdade de seguir eventuais inclinações sem outra consideração
neceria um critério automático de decisão seria o seguinte: além da de obter satisfação máxima para as necessidades presentes. A re-
gra universal de comportamento implícita aqui é a de que as pessoas deve-
1) (p) - estabilidade - é preferível a não -(q) - desemprego - ea não -(r)- riam agir de acordo com seu próprio julgamento sobre o que é melhor para
menores salários; e esta proposição é preferível às seguintes: elas no contexto de uma dada situação. Vamos chamá-Ia de "regra constitu-
2) não -(p) e (q) e (r); cional do estado da natureza (ou estado natural)".
3) não -(p) e (q) e não -(r); e Seguramente, a situação social resultante da aplicação sistemática de
4) não -(p) e não -(q) e (r). tal regra seria não o parafso da liberdade infinita, mas uma estrutura de servi-
Tudo estaria bem se, assumindo igualmente o caráter incondicional da dões e desigualdades decorrentes das diferenças normais entre os homens
em força, malícia e determinação. A regra de cada um fazer o que bem en- '
preferência; os tomadores de decisão governamentais não pudessem for-
mular o problema de outra forma - igualmente garantida pelas regras da lógi- tender conduziria, na realidade, a um mundo onde cada um faria apenas o
ca - e que se apresentaria da seguinte maneira: escolha entre estabilidade que pudesse, constrangido cada qual em seu lugar social pelo conflito gene-
(p) ou desemprego (q) versus menores salários (r). Se o público interessado ralizado e sem limites. Na medida em que os fundamentos do sistema social
- diferenças em força, malícia e determinação - são demasiadamente instá-
escolhesse menores salários perderia a oportunidade de ter iguais ou melho-
veis e vulneráveis (alguém anteriormente derrotado numa competição pode
res salários e, ao mesmo tempo, estabilidade no emprego. Se escolhesse a
sempre tentar um novo truque e ser bem-sucedido; a idade traz sempre fra-
primeira alternativa poderia obter estabilidade e maiores salários ou desem-
quezas e com ela a eventual subversão do arranjo social prevalecente), a
prego e, no mínimo, .salários iguais. Assim, a escolha da primeira alternativa
abre a perspectiva de obter o máximo que o público interessado deseja - regra destrói-se a si mesma como possfvel constituição para a sociedade
humana, já que nenhuma cooperação produtiva entre os homens ~ forçada
estabilidade e, no mínimo, iguais salários - mas também poderia obter maio-
res taxas de desemprego, a última escolha no ordenamento de preferências que fosse - resistiria mais do que uma geração, talvez menos.
do público interessado. A escolha neste caso é extremamente diHcil, pois a A existência da sociedade é incompatível coma disseminação ilimita-
da e universal do conflito e requer, em conseqüência, que cada um renuncie
primeira alternativa pode produzir como resultado uma decisão política que
O direito de impor regras em benefício próprio, de acordo com as circuns-
aparece em último lugar na escala de preferências.
ll\nclas. Ao contrário, pede-se mesmo que, ao aderir à obediência de regras
Portanto, interpretar a disjuntiva acumulação versus eqüidade em ter- Impessoais, cada um esteja disposto a apoiar dispositives que sejam oca-
mos de preferências incondicionais, ao mesmo tempo em que abre a possi- lonolmente contrários a seus interesses.
bilidade de construção de um sistema de derivações no qual a regra de de- A emergência das sociedades se justifica pelo objetivo de garantir uma
cisão seja favorável àqueles que sustentam a possibilidade de conciliação lllal/l distribuição de sacrifícios e benefícios entre os cidadãos, com base na
entre acumulação e eqüidade, por outro lado permite a formulação do pro- IIINlum estado de cooperação produtiva regular entre eles possa ser obtido.
blema de forma tal que a decisão política final, embora obediente às regras "tI"l ílUlo ofeito, um novo conjunto de normas deve ser estabelecido em
da lógica, contraria o ordenamento de preferências do público interessado. 111I.llh11QClo à norma "constitucional" do estado da natureza.
Fundamental, sobretudo, é a conclusão de que não há regra lógica capaz de 111()coda-se, primeiramente, à seguinte distinção entre dois conjuntos
decidir qual a forma cientificamente aceitável de apresentar o problema. tl1I1I1II1I1I111 do regras: a) regras substantivas, isto é, as decisões relativas à
É logicamente impossível, portanto, resolver o problema dei fluxo de 1"II'Hino rlo oacrlfrcios e benef(cios na sociedade; b) regras de procedi-
renda de determinado segmento social quando formulado sob a forma lógica 'fi' '1ft", 1"'0 1'1, no normas que estipulam os processos de decisão sobre a.

da disjuntiva acumulação versus eqüidade. Assumindo agora o extremo 1\ '111,"1111froqOOncla, o caso de diferentes regras substantivas requererem
anarquista no sentido de que o governo inexiste e todas as decisões são li"'" InUlfill procodurais. Assim, na dependência do arranjo básico da
tomadas pelo público interessado, ainda assim verificar-se-á que não é pos- "',""11111, nlUlllllrI1 rooros substantlvas terão que ser estabelecidas segun-
s(vel garantir a realização do valor justiça social, agora por outras razões. 1I~lhl rllI 1IIIII0lio absoluta, enquanto, para outras, convenciona-se que

"
a trágica condição da polúicasocial 47
politica social e combate à pobreza
46 .
das por ela. Este ponto leva ao problema da justiça procedural, que vamos
maio na simples é condição satisfatória para decisão e, finalmente, para
considerar agora.
outras ainda, pode ser o caso de que um único índivíduo, no desempenho de
Justiça é, em princípio, uma questão substantiva. Ela tem a ver com a
um papel de autoridade e em nome da sociedade, venha a ser o supremo le-
razão sacrlffclo/benetício alocada a cada incivlduo na sociedade. Se reco-
gislador relativamente a certa área de problemas. Esta maquinaria de deci-
nhecermos o fato de que o mundo humano é um mundo de escassez, então
são é altamente elaborada nas sociedades modernas, exatamente porque se
teremos de' admitir que não há bens suficientes para satisfazer as necessi-
percebe que, uma vez abandonada a regra constitucional do estado da natu-
dades e/ou desejos de todos no .nível demandado por cada um. A reprodu-
reza, a implementação de normas substantivas e, igualmente, o conteúdo
ção cotidiana da sociedade, de outro lado, requer que cada um concorra pa-
delas, dependerá largamente das normas procedurais. Neste ponto, uma sé- ra a sobrevivência da comunidade com sua quota de trabalho e esforço. Um
ria questão pode ser suscitada: quais procedimentos se deverá adotar para
estado de coisas justo seria, então, aquele em que a distribuição da razão
se estabelecer legitimamente as normas procedurais? sacrlffclo/beneffcio é justa. Desde que esta distribuição é matéria de normas
Aparentemente, a distinção entre normas substantivas e procedurais substantivas, pode-se afirmar que uma norma substantiva é justa na medida
está viciada por uma regressão ao infinito. Uma comunidade teria que esco- em que ela implique uma justa distribuição da razão sacrifíciolbeneffcio. Mas,
lher os procedimentos para estabelecer as normas substantivas; antes, po- como é possfvel julgar a justiça de uma norma substantiva?
rém, deveria estabelecer as regras para definição dos procedimentos, e as- Calcular utilidades - chamemos utilidade o resultado de qualquer ra-
sim repetidamente, ficando presa nesta espiral em torno do vazio e incapaz zão sacriffcio/beneffcio - suscita um problema 'de solução diffcil. Conside-
de iniciar o processo de cooperação social. Para evitar esta armadilha esco- rando o fato de que as quantidades envolvidas não são homogêneas - en-
lástica, precisamos introduzir uma segunda distinção e considerar a existên- quanto alguém obtém x, y, Z, outro obtém, a, b, c -, quem irá decidir que, .por
cia de dois tipos de normas procedurais: normas procedurais fundamentais e exemplo, n de x vale n/2 de a? Como pode alguém dizer que sua quota de
normas procedurais contingentes. As normas procedurais contingentes são sacrifício foi duas vezes maior de que a de algum outro?
normas adotadas pela sociedade face a questões substantivas ocasionais, e Uma saída possível seria o estabelecimento de um árbitro ao qual a
são estabelecidas de acordo com os comandos das normas procedurais ociedade concedesse autoridade para decidir quando uma norma substan-
fundamentais. As normas procedurais fundamentais, enfim, são o pacto Uva é justa. Contudo, a menos que o árbitro possuísse secretamente uma
constitucional da sociedade, isto é, são as normas que agregam uma multi- cala de transformação, ele não estaria em melhor posição para desincum-
dão de pessoas a partir de então dispostas a cooperar umas com as outras Illr,se da tarefa de distribuir propriamente sacriffcios e beneffcios. O que é
na construção de uma comunidade sob a vigência daquelas normas estabe- mnls de se esperar, ao contrário, é que cada um envolvido na questão de-
lecidas. Em outras palavras, as pessoas concordam em trocar seus direitos /11/\1100 participação no estabelecimento de normas substantivas, somente
constitucionais do estado natural pelas regras que constituirão a sociedade. IIllllrlnndo na justiça daquelas por ele aprovadas. Desde que o mesmo racio-
Estas normas estipulam como as questões substantivas devem ser resolvi- flllo AO aplica a todos igualmente envolvidos, pode-se concluir que, de
das _ em substituição ao comando natural "pegue o que puder" -e, tam- 1101(/n com esta alternativa de decisão, nenhuma norma substantiva é justa,
bém, como estabelecer normas procedurais contingentes. /1/111100 que todas as pessoas interessadas no problema a aprovem. Esta
, OIIHO,lima posição extrema -o extremo democrático - que se contrapõe
Claro, aqueles que acreditam que se darão melhor continuando a viver
"1",,lIlm niternativa - o extremo autoritário. Mas esta não é a principal
de acordo com a norma constitucional do estado da natureza não serão
1/111111'"0 110010 momento, porque tais posições radicais podem ser suaviza-
parte do "compacto", não se integrarão à sociedade. Isto significa' que o
I, 11111 plllOOIlBOprático de constituição de uma sociedade.
pacto constitucional só pode ser estabelecido por unanimidade. Do fato que
1111111111100 €I solução democrática extrema. É claro que seria um difícil
as normas procedurais fundamentais são precisamente aquelas normas que
1111'111/11111110 pnra qualquer sociedade se cada norma substantiva tivesse
se substituem à norma constitucional do estado' natural, segue-se que ape-
"1 IIPIIIVIIIIII unanimemente. Considere-se, então, o seguinte arranjo: no
nas aqueles que concordam com elas escolherão abandonar o estado natu-
" tllI n~ltll>olocer, por unanimidade, as normas procedurais funda-
ral para participar da sociedade. Visto por outro ângulo, fica também entendi-
tlflll. IIIUltlll"" provísõos são aprovadas declarando que, no que concer-
do que qualquer norma procedural a que falte o apoio unânime da comunida-
I "1111111111 til) «IlIOOIOOssubstantivas x, y e z, os procedimentos apro-
de não pode ser tomada cõmo fundamental e, conseqüentemente, nenhuma
JIIII 11\011\111 O lals. todos requerendo menos que a unanimidade.
norma procedural contingente ou normas substantivas podem ser legitima-
"
ri
I
a trágica condição da polftica social 49
poTltica social e combate à pobreza
48
os pais, e a norma substantiva unanimemente aprovada é a de que não deve
Ou considere-se este procedimento fundamental ainda mais flexível: no 'haver qualquer ínteqração na comunidade, mas, ao contrário, duas escolas:
evento de questões substantivas a, b e c, os procedimentos a serem segui- uma para negros, outra para brancos. É justa esta norma substantiva? De
dos para resolvê-Ias devem ser estabelecidos assim e assim. Neste caso, a um ponto de vista procedural, certamente. Mas a questão é: mesmo a mais
norma procedural fundamental define um procedimento para estebelecer um justa das normas procedurais que se possa obter - a norma da unanimidade
procedimento e esta segunda norma procedural seria um exemplo de uma _ será suficiente para garantir que a norma substantiva nela apoiada será
norma procedural contingente, à qual nos referimos antes. Se todas as pes- substantivamente justa? Ou devemos qualificar a validade da norma dizendo
soas envolvidas concordam com esta regra procedural fundamental, en- que ela s6 é operativa quando as pessoas envolvidas preenchem certos re-
tão todos terão que concordar com a norma procedural contingente resul- quisitos suplementares?
tante e, mais ainda, com a norma substantiva que venha a ser instituída com A segunda interrogação sugere que a análise minuciosa do exemplo
base na norma procedural contingente, ainda que aprovada sem unanimida- permite a conclusão de que a justiça procedural, para ser efetiva do ponto de
vista substantivo, requer alguma qualificação da natureza humana. Por
de.
O ponto que desejo deixar claro é que, mesmo quando se requer una- exemplo, pode ser visto que a justiça procedural requer não apenas que as
nimidade _ e acabo de mostrar que essa exigência pode ser consistente- pessoas sejam conscientes de sua escala real de preferências, mas tam-
mente relaxada -, o problema da justiça, que é um problema substantivo, em bém capazes de distinguir, entre cursos alternativos de ação, aquele que as
princípio, torna-se uma: qu'esUío apenas de procedimento. Uma norma subs- serve melhor - ou seja, requer pessoas racionais. Ademais, para que a jus-
tantiva é justa se é estabelecida de acordo com normas procedurais justas; tiça procedural produza justiça substantiva também é necessário que as
e uma norma procedural é justa se é "constitucional", isto é, se ela foi desde pessoas sejam capazes de antecipar completamente as conseqüências to-
logo declarada no pacto constitucional ou estabelecida de acordo com as tais de cada um dos cursos alternativos de ação. Os pais do exemplo consi-
provisões constitucionais. Em suma, justiça é justiça procedural. derado poderiam ser qualificados como pessoas racionais no sentido de
O argumento a favor da justiça procedural - como critério de decisão possuírem uma escala de preferências bem discriminada, além de serem
sobre a justiça de um dado estado de coisas - desenvolveu-se a partir das 14 capazes de oscofher o curso de ação adequado à produção do estado de
dificuldades que se antepõem à comparação intersubjetiva de utilidades. coisas que preferem. Contudo, não é sensato supor que saibam, com segu-
Em muitos casos é impossível distinguir uma quota de sacrifício mais leve de rnnça, que as múltiplas conseqüências da decisão que tomarem serão as
uma mais pesada, e a justiça procedural decide a questão. Mas também mais favoráveis a longo prazo. Eles certamente não possuem a informação
ocorre que o puro critério de justiça procedural pode conduzir a situações nocossáría para isso. E porque é possível antecipar algumas conseqüências
intuitivamente injustas, de um ponto de vista substantivo, mesmo quando a Ijll() ales próprios considerariam injustas é que nos sentimos autorizados a
norma procedural da unanimidade é observada. dl/or que a decisão que tomaram é intuitivamente injusta de. um ponto de
Tomemos o caso de uma comunidade até então racialmente discrimi- vinil! substantivo. ...
nadora a ponto de decidir a questão da integração escolar, isto é, a obriga- .Justiça procedural não pode ser sempre operativa, na ausência de in-
ção das escolas receberem crianças negras e brancas. As pessoas que IlIt/lll!(Jno completa e perfeita. Desde que informação perfeita, serndistorção,
vão decidir são os pais das crianças, negros e brancos, e o procedimento a 1IIIIIIIHHlIo ocorre - sendo a percepção humana permanentemente perturba-
ser seguido é a norma da unanimidade. Acontece, entretanto, que nesta par- ti" flClI omoções, experiências passadas e sabe-se lá o que mais - e que
ticular comunidade os preconceitos raciais são igualmente distribuídos entre Illrllllll"ÇnO completa, 'a antecipação de todas as possíveis conseqüências
1\11 11111/\ nção, está além da capacidade humana natural, segue-se que acei-
IIlI I I1\l1Ht1Onte,em qualquer caso, a legitimidade da justiça procedural é
14 É claro que este é um argumento clássico em defesa da concepção utilitarista da jus-
1lIllIl\llllllr.oo a um critério de justiça cujos requerimentos básicos de vali-
tiça e que não é substancialmente modificado pelas tentativas recentes de fundamentar
a solução do problema da justiça em revisões da concepção utilitarista (Cf. por exemplo, tI""1'I IItlllltronllstas - mais ainda, ínurnanos.
Nicolas Rescher, Distributive Justice, Indianapolis, Bobbs Merril, 1966). A contribuição da Nllllllntl procedurais, tanto quanto normas substantivas, são o resul-
discussão, se alguma, consiste em demonstrar que a conversão do'problema substantivo I"d" tlI\ IIl,ltlO cio soros humanos. Como tal, elas participam das característi-
da justiça não é resolvido por sua transformação em um problema constitucional, isto é,
lu 111I111" nutoroa, Isto é, são falíveis, passíveis de erro. Em conseqüên-
prbcedural, tal como proposto por John Rawls, A Theory of Justice, Oxford Universlty
Press, 1972 e, utilizando outro instrumental, por James Bucha.nan e Gordon Tullock, The 111\1\ ",clulIl nom coce existir nada semelhante a normas perfeitas, imutá-
Calculus of Consent, Ann Arbor, The University of Michigan Press, 1962.
"
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(: J
J
I,
50 polftica social e combate à pobreza a trágica condição da polftica social
51

veis, Na dúvida, trata-se de direito humano elementar voltar a discutir a base' tando, quand même -, os efeitos perversos emergentes n~o são irônicos,
de legitimidade em que se apólam." mas o lance derradeiro da tragédia social.
Assim, também o cenário plebiscitário não fornece critério automático O caráter trágico do drama social não decorre do desconhecimento da
para a produção de justiça. Ao converter o problema substantivo em um pro- existência de efeitos perversos, mas da incerteza radical sobre quando e
blema "procedural", o cenário plebiscitário compromete-se com requisitos onde se vão desenrolar. Pois uma coisa é construir uma tipologia de tais
que ultrapassam a capacidade humana natural. Como se queria demonstrar, efeitos, ou mesmo conseguir traçar, ex post, os labirintos percorridos por
portanto, não há critério lógico-cientffico ou derivado de pactos constitucio- uma causa até transmutar-se em seu contrário efeito. Outra, bem mais ár-
nais capaz de produzir critérios de decisão automática em matéria de con- dua, é antecipar tempo, lugar e forma de conseqüências não sabidas. Nem
trovérsia política. se trata de matéria a ser resolvida em algum momento do progresso do co-
nhecimento. A raiz insanávs! da imprevisibilidade dos efeitos está .no que
o exerdcio.anterior apontou para o outro extremo da tragédia social. chamo de o princípio da mão invisível do caos, o qual exprime precisamente
Ainda quando houvesse universal consenso entre os membros de uma co- a idéia de que a trama, a teia de relações sociais, faz com que estas se me-
munidade quanto aos prindpios que deveriam regular suas interações, não diatizem umas às outras, refratando trajetórias e transubstanciando proces-
estaria assegurada a não-violação desses mesmos princ'p'os. E a origem sos e identidades. É este prindpio que responde pelo permanente rebuliço
desta possibilidade encontra-se no que genericamente se denomina de con- do mundo social, que faz da ignorância ingrediente da condição humana ori-
seqüências não antecipadas de ações ou processos soclais. Trata-se do ginal e da vida em sociedade uma tragédia em sentido estrlto."
excessivo desconhecimento que se possui da trama, em seu duplo sentido, A inexistência de uma definição precisa de política social explica-se
da sociedade. por seu caráter de metapoli1ica, matriz de princípios ordenadores de esco-
Não é que se ignore tudo. Boudon, por exemplo, em brilhantes refle- lhas trágicas, emoufídas estas em praticamente todas as políücas específi-
xões, tentou estabelecer uma tipologia não exaustiva do que denominou de as. O caráter mutável e controverso desses prindpios faz com que polrticas
"efeitos emergentes" de sistemas interdependentes - aqueles que, em seu Ingulares ora apareçam como sociais, ora não, ou, para usar a terminologia
entendimento, constituem o objeto próprio da análise social." Sam Sieber, .orrente, sejam ou não consideradas como polfticas sociais dependendo de
por seu turno, investigou diversos caminhos pelos quais certos processos, nveniência e convenção.
J políticas sociais no caso, produzem um efeito emergente. espedfico - o Assim, a formulação de critérios para avaliar ou desenhar políticas so-
efeito regressivo, caracterizado peta deterioração e agravamento do proble- Inle não pode ser outra coisa que permanente experimento com o imprevi-
ma que pretendia resolver (efeito-reforço, na terminologia de Boudon). A tais (vol, lance de dados em que os seres humanos são ao mesmo tempo os
resultados denominou de "ironias da intervenção socíar'." Itll/lIMores, os dados e os fabricantes do acaso. Regras para participar de
Chamar a tais efeitos não antecipados de ironia é reto ricamente ade- lI/li )000 em que o objetivo é minimizar perdas e adiar a falência, todavia ine-
quado, mas dramaticamente incompleto. Se se tem presente o conhecimento VMVIII, Antes que derrotar um adversário sem face e onipotente - eis o que,
demasiado que já se possui sobre o inevitável fracasso de qualquer tentativa 11I\ Itl/1Iklnde, pode ser obtido com al9um engenho e arte.
de realizar ideais de justiça - e a absoluta impossibilidade de cegueira, lou-
cura ou desterro sociais, quer dizer, a compulsão sisífica de continuar ten-

IV. A PRÁTICA DA POLÍTICA SOCIAL


E SEUS PROBLEMAS
15 Com isto se quer dizer que, parafraseando N. M. Nathan, The Concept of Justice,
Londres, MacMillan, 1971, p. 29 ("The range of conceivable principies of justice is ter- 11,"lllh 11/111\ Ilo""oCl social abrangente suscita o enunciado claro do elenco de
rifyngly vast"), qualquer investigador está autorizado a afirmar que, igualmente, o esco- 1 ,1,/lIIIIM "lItI rlnvorn ser razoavelmente equacionados tendo em vista au-
po de imagináveis princípios de injustiça é terrivelmente vasto.
16 Raymond Boudon, The Logic of Social Action, l.ondres, Routledge and Kegan Paul,
1981 (1 i! edição francesa, Hachette, 1979), particularmente capítulos 3 e 4.
Ilhl., "11i'lfllI)«'Ion sobro o liberalismo", in Bolivar Lamounier, Francisco W,~f-
17 Sam Sieber, Fatal Remedies: The Ironies of Sociallntervention, Nova York, Plenun
VIIiIIlII'I Ihlll1lVld08, orgs., Direito, cidadania e participação, São Paulo, T.
Press, 1982. I
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52 pol1tica social e combate à pobreza a trágica condição da pol1tica social 53

mentar a probabilidade de eficácia das políticas específicas que vierem a ser perfeitamente legítimo - segundo a princfpio de direitos absolutos - distribuir
escolhidas. Esta seção expõe, tão sucintamente quanto possível, a natureza universalmente os recursos disponíveis para tais polítícas, compartilhando a '
.de oito dos principais problemas que qualquer política considerada como so- população das conveniências e inconveniências desta igualdade distributiva,
cial terá necessariamente de enfrentar. justamente pela ausência de critérios que permitam discriminar positiva ou
a primeiro problema diz respeito aos constrangimentos a qU!Lqualquer negativamente esta ou aquela área geográfica.
política social abrangente deve prestar obediência. Eles são basicamente Já no que concerne, em outro exemplo, à escolha trágica entre maio-
dois, um de natureza analítica, outro de natureza empírica. Analiticamente, é res salários e maior desemprego ou menores salários e menor desemprego,
necessário ter presenteo resultado fundamental da seção anterior: não é quando efetivamente se coloca tal problema, justificar-se-ia a aplicação do
possível utilizar um só critério de justiça ou princípio de ordenamento de es- ' critério utilitarista (em termos simples, aquele critério que maximizasse, no
colhas trágicas na decisão sobre políticas alternativas. Já foi teoricamente agregado, a utilidade média da população até x salários mínimos) ou do crité-
demonstrado que a aplicação uniforme de um mesmo e só princípio de es- rio maximin, isto é, aquele que procura maxirnizar a participação da camada
colha social termina por produzir decisões cujos efeitos são contrários aos mais inferior, da população no consumo de bens e serviços disponíveis.
que se desejava obter. Em termos mais especüícos,' nem o princípio utilita- Claramente, a aplicação de um ou de outro critério implicaria diferentes
rista em suas versões contemporâneas, nem princípios que privilegiam a tradeoffs entre salário e emprego e a preferência por um ou outro exigiria a
igualdade perante procedimentos, nem princípios fundados em teorias sobre consulta aos dados empíncos para avaliar o provável impacto de cada um
direitos absolutos, nem o princípio rawlsiano que busca maximizar a posição dos princípios. Em acréscimo, a decisão orientar-se-ia por um ou outro prin-
relativa das camadas mais baixas da população (esta é uma forma simplista cíplo, dependendo das prioridades do decisor desdobradas no tef!1po - por
de apresentar seu princípio maximin), nenhum deles, se aplicado uniforme- xernplo, ritmo desejado de queda na taxa de inflação, nível suportável de
mente a todas as áreas socialmente problemáticas, produz resultados con- desemprego e expectativa de taxas de crescimento econômico.
sístentes." Em síntese, o constrangimento de natureza teórica quer dizer muito
A implicação crucial desse constrangimento consiste na necessidade podestrernente que políticas "sociais" implicam variados perfis de tredeotts
de que a escolha entre políticas alternativas procure, preliminarmente, escla- untro valores ou objetivos, e que em cada caso deve ser inicialmente eluci-
recer qual o critério de decisão mais apropriado para o problema em foco e (Inela a natureza do tradeoff embutido na escolha feita e as razões que a jus-
considerando o objetivo que se deseja alcançar. Se este parâmetro apre- IIIIO/lm.
senta, por um lado, a desvantagem de não proporcionar ao tomador de deci- O constrangimento de ordem empírica se expressa, por analoqia com
sões um critério a ser automaticamente aplicado a todos os problemas soci- 1IIIIIrl7 insumo-produto da economia, na matriz social produto-problema.
ais, torna no entanto legítima e defensável a utilização de critérios diferentes 1111I 1~lo dizer que diversos problemas de natureza social são resultado de
de decisão, para diferentes problemas, sem que por isso as políticas sociais • nlnlnnA geradas em outras áreas e que, por conseguinte, não podem ser
escolhidas se tornem vulneráveis à objeção de incoerentes ou irresponsá- IlhH1lonnc1osexclusivamente pela adoção desta ou daquela política social,
veis. 11-111 IllflmllO por maior volume de recursos a ela alocados. Por exemplo, o
Eis um exemplo para iluminar o ponto. É possível analisar as polrticas lIilltllH riu recursos gastos sob a-rubrica "benefícios pagos por acidente no
de saneamento básico e de assistência médica à infância e decidir que de- 1'""
II . I IlMI/Hrobalho-casa" do orçamento previdenciário brasileiro cresceu
vem se pautar pelo princípio dos direitos absolutos - o
que significa, na prá- 11'11 111111l1on rl07 a 15 anos a uma taxa alarmante e muito além de qualquer
tica, que entre as alternativas de oferecer ambos os serviços de forma qua- '1011 ""10 111Ior'lvolem relação à taxa de crescimento da força de trabalho
litativamente superior, porém limitados a certas áreas geográficas do país, 1·1111/ltlltI CI r. Não existe política social em sentido estrito que possa
ou proporcioná-Ias a todo o país, embora de qualidade inferior, não há razão li" 11111111 dHIlllltlvnrnonte ou mesmo reduzir a magnitude deste problema, já
legítima e plausível para optar pela primeira alternativa. Ao contrário, seria 11.1111 lill 11111problema-produto das políticas de transporte e viária. Pa-
111 1 IIIUhllllll!O, quanto mais se tentar remediar problemas-produto via
IlIlul 11111 tltillllclO osrruo - por exemplo, aumentando o valor dos be-
19 A repetição enfática do ponto essencial da primeira parte do texto é importante, pa-
rece-me, para que não se perca de vista, ao discutir questões de natureza mais pragmá-
I 1111111 1"" ttllldolllo do trajeto -, mais lento será o processo de sen-
tica, a fragilidade epistemol6gica básica sobre a qual se fundamenta toda política "so- B uruu ti Imll orloorn do problema e conseqüente retificação de cur-
cial". illh!fIú~[llIlt. prioridades governamentais. .

"
({
L a tt~gica condição da pol1tica social 55
54 pol1tica social e combate à pobreza

Exemplo mais complexo é representado pelo dispêndio com assistên- Entre as' diversas definições propostas tome-se, como exemplo do
cia médica a infantes e menores em geral, problema-produto de causalidade primeiro tipo de engano, as considerações de Nicolas Rescher que estipu-
múltipla que inclui a política de saneamento - a qual, diga-se de passagem, lam como apropriado objeto de polrtica social, ao lado de diversas outras cir-
cunstâncias em que se encontram os indivíduos, o seu tónus mental. Inde-
sendo uma: polrtica social em sentido trivial, é todavia elaborada e executada
pendentemente de dificuldades de ordem técnica - como definir e medir tal
por órgãos \que se orientam por cálculos econômicos estreitos -, a política
de urbanização, a polftica de atendimento à gestante e a polrtica de nutrição conceito? -, sabe-se que existe elevado coeficiente de correlação entre a
competitividade econômica e social das economias de mercado, mais a ex-
infantil. As duas últimas são tipicamente sociais, porém não as duas primei-
cessiva aglomeração das grandes metrópoles, por um lado, e a incidência
ras, segundo entendimento corrente. E outra vez, paradoxal e cruelmente,
de stress e 'neuroses entre as populações urbanas, por outro. Qualquer que
uma bem-intencionada política que, via aumento de recursos alocados, pres-
seja a definição do conceito de "bom tõnus mental", esta certamente não in-
tasse satisfatório atendimento aos infantes. e menores contribuiria para a
cluirá stress e neuroses entre seus ingredientes - de onde se pode inferir
permanência das fontes geradoras do problema.
que uma política preocupada com o tõnus mental dos cidadãos deveria ten-
A implicação estratégica desse constrangimento não consiste, obvia-
tar impedir a recorrência de semelhantes distúrbios psicológicos. Todavia,
mente, na recomendação de que se interrompa a adoção de políticas sociais
como é claro, uma política social que buscasse estancar o problema em sua
nessas áreas - ou em outras, já que os exemplos podem ser multiplica-
fonte estaria obrigada a substituir a estrutura institucional das sociedades
dos. O que, sim, torna-se imperativo é a análise cuidadosa de cada proble-
ma a fim de verificar em que posição ele se encontra na matriz produto- capitalistas e regular drasticamente a mobilidade horizontal. Decididamente,
problema, o que evitaria o equívoco de se oferecer mais a mesma polJ1ica o estado do tónus mental dos cidadãos de qualquer país ultrapassa o âmbito
com base no suposto de que a solução do problema é função do volume de administrativo de polrticas sociais ..
recursos aplicados. Uma vez identificada a posição do problema na matriz Exemplo do segundo erro, o de não se considerar como problema so-
produto-problema, evita-se o dispêndio perdulário, pois que a demanda, em cial algo que sem dúvida o é, pelo menos em parte, encontra-se na referên-
certas áreas, é elástica em relação à oferta, reforçando a perspectiva errô- cia já feita ao impacto social das políticas viárias e de transportes urbanos.
nea de que a política adequada consiste em oferecer mais a mesma coisa. Tomando ainda a realidade brasileira como referencial empfrico, poder-se-ia
Ademais, obtém-se preciosa informação sobre os efeitos sociais não anteci- IIstar uma série de outras questões que aparecem como problema social,
pados de polrticas eventualmente bastante remotas da área sociai (os efeitos ora por serem resultado de ineficientes políticas anteriores tipicamente so-
emergentes de todo tipo de que se tratou na primeira parte). íais, ora por serem a conseqüência de polfticas que são percebidas como
As ümítações inevitáveis de qualquer política social, quando sistemati- oclalmente não-dependentes, isto é, cujos resultados em nada afetam, ou
camente reconhecidas, especificam os graus de liberdade do decisor e, ao ó muito remotamente, o estado social do país.
O programa de adestramento da mão-de-obra industrial adulta execu-
mesmo tempo, são úteis na busca de maior eficiência no uso dos recursos
I/ltlo pelo Ministério do Trabalho, por exemplo, resulta da inadequação das
. disponíveis. Além disso, provocam a gradativa construção da matriz produ-
to-problema,que pode auxiliar no acréscimo de racionalidade do sistema de- oportunidades de aprendizado técnico-profissional oferecidas pelo sistema
cisório em geral. urfllcaclonal. Claro está que a periódica reciclagem da força de trabalho
11fino formou-se em requisito indispensável nas modernas sociedades indus-
O segundo problema refere-se ao debate sobre o conteúdo da ex-
1IIIIII/ndas, dado o ritmo acelerado, em termos histórico-comparativos, de
pressão "política social". Em que consiste, efetivamente, uma política social?
IllInolOBcência tecnológica. A magnitude do problema, porém, assim como
Ou, melhor ainda, que tipo de problemas demandam polülcas consideradas
" l//tll/mo de tempo necessário para a adaptação ou readaptação da força de
como sociais? Não se trata de acadêmica questão definicional, que possa
111111111110, dependem do estoque de conhecimento acumulado durante está-
ser resolvida nominalisticaménte, ou seja, ao sabor da vontade do decisor.
IIIIM IHlucaclonais anteriores. É nesta medida que o programa citado apare-
Nem tudo que aquele que decide considera como passível de ser objeto de
1101110 conseqüência de pretéritas políticas sociais ineficientes.
urnapolítica social o é na realidade, da mesma forma que muita coisa por ele
I m Mando ao exemplo das' polrticas viária e de transportes urbanos
descurada o é de fato.2o
1110Doolnlmente dependentes, tome-se a política de extração mineral (Ca-
I~., por cxornpío) ou a política de exportações, na medida em que esta se
20 A inexistência de uma definição incontroversa, e a razão dela, foi objeto de discussão
lliflolfl do uma política cambial que a estimula. O impacto sobre fluxos rni-
na primeira parte. Aqui busca-se. retirar.as implicações praçmáticas do ponto.
/
/

56 polltica social e combate à pobrlza a trágica condição da polltica social


57

gratórios da primeira - aumentando pressões por serviços básicos e infla- O terceiro problema deriva da matriz produto-problema que convém,
cionando o setor terciário da economia local -e a modificação no sistema de . todavia, ressaltar. Trata-se da interação entre poiíticas, sociais ou mistas, e,
preços relativos provocada pela segunda alimentam a demanda por polrticas particularmente, do conflito entre elas. Tome-se o problema da educação
sociais especrficas sem que se tenham criado as fontes de recursos para fi- fundamental e admita-se, para efeito de argumentação, que a oferta de es-
nanciá-Ias. colas e professores(as) é próxima do ótimo. Isto não garante que a demanda
O problema semântico do que é política social traduz-se substantiva- tenderá a equilibrar-se à oferta porque, abaixo de certo patamar de renda, a
mente na fixação de critérios que permitam delimitar o escopo das respon- educação fundamental não é consumo, mas investimento. Tratando-se de
sabilidades dos decisores na área. Para tal fim, dois instrumentos de investi- investimento, o cálculo do cidadão tenderá a incorporar o custo de oportuni-
gação e análise são fundamentalmente necessários. O primeiro destina-se a dade .de enviar a criança à escola em confronto Com a diminuição do orça-
rnapear o quadro de carências existentes na sociedade e sua distribuição mento familiar para cuja composição a contribuição da criança ou adoles-
espacial e social, sem o qual nenhuma comparação internacional do esforço cente é essencial. O aumento da população infantil ambulante, prestando
interno faz sentido. serviços ou vendendo mercadorias, não decorre necessariamente, nem
principalmente, da ponttca educacional, mas da polrtica salarial.
Em outras palavras, diversos itens que constam da pauta de dispên-
Outro exemplo, este de interação contlitiva. O esquema de financia-
dios sociais do governo (e que acarretam o resultado agregado de colocar o
mento do sistema previdenciário brasileiro é contratualista e tem por base a
país em posição mais avançada do que países mais ricos, quando se toma
massa de salários. Esta política constitui estfmulo à substituição de mão-de-
esse dispêndio como percentagem do PIB) só existem justamente porque o
obra por capital, dinâmica contrária à meta governamental de geração de
país contraiu enorme dívida social interna. Se o. orçamento social sueco ou
mpregos. Ao número de novos empregos que anualmente devem ser cria-
dinamarquês não contempla a rubrica "beneffcios pagos por acidente no tra-
dos por conta do aumento vegetativo da PEA, acrescenta-se o número
jeto casa-trabalho-casa" não é porque estejam aqueles países em atraso em
(dosconhecido) daqueles que devem ser criados para absorver veteranos
relação ao Brasil, mas precisamente porque já não mais existe a carência
mornbros da PEA agora substituídos por capital. Nada garante, ademais, que
social que a justifique. Parece adequado, pois, denominar o quadro de ca-
uxlata perfeita capacidade de substituição no mercado de emprego e que as
rência de estrutura social da escassez, conceito que permite relativizar o pa-
Iltlbllldades requeridas pelas novas posições sejam idênticas às antigas. De
râmetro econômico escassez, pois varia de país a país, e delimitar de manei-
lido se segue adicional pressão sobre o Programa Integrado de Profissio-
ra menos livresca e mais policy oriented o escopo da política social.
IIIIII/OÇSOde Mão-de-Obra - PIPMO. Se a estrutura da oferta de emprego
O outro instrumento fundamental de análise e investigação já foi men-
11M ~ Mcll à requlaçao, o mesmo não ocorre com o financiamento da polftica
cionado. Trata-se da matriz produto-problema, constitufda não apenas como
IlIlwldonclária, o qual pode ser alterado sem impacto negativo aparente so-
resultado de polrticas prima iscie socialmente não-dependentes, mas tam-
11111ti modernização tecnológica do sistema industrial.
bém por inadequadas polrticas estritamente sociais do passado. É a matriz
AlonçSo para a possfvel interação de polrticas é portanto duplamente
produto-problema que opera sobre o mapa da estrutura social da escassez e
r.I"'lIllljlltl~vol, pois favorece a elaboração da matriz produto-problema e,
revela quais custos embutidos no atendimento às carências podem e/ou de-
111111111110/110, auxilia a detectar dinâmicas contraditórias entre polrticas em
vem ser internalizados por polrticas sociais específicas e quais devem ser
IfI ,11 1111 corno discutido anteriormente, é impossível evitar de maneira
internalizados por outras polrticas.
tIll,hahl 11 ocorrancía de efeitos emergentes como resultado de qualquer
É evidente que a formulação e a execução de políticas sociais especf- 111",,. 1I""lprO algum tradeoff não muito agradável surge em alguma area.
ficas não serão interrompidas até que se obtenha plausfvel avaliação da es- "'hl,
11 oOllludo, é que se disponha de instrumentos capazes de identifi-
trutura da escassez e da matriz produto-problema. Ao contrário, a delinea- fi MrJ//fltt lnnvltávets e avaliar tentativamente a magnitude de cada um
ção de ambas se efetua gradativamente à medida que pollticas alternativas IIIII loonrnos em dois outros problemas delicados - o de classí-
especfficas se apresentem para escolha. Em cada caso perguntar-se-á co- 111" 1IIIIIInmnçOo de políticas.
mo se posiciona o problema em foco na estrutura da escassez e na matriz '" IUlltltlltll I norronto é pródiga em denominações para as diversas
produto-problema. A resposta a ambas as questões irá, simultaneamente, 1'11 '"' IItll 111111111111,particularmente na área social. Assistencialismo,
forjando e aplicando os instrumentos, além de circunscrever prática e teorl- "'1UNl/voA, cooptacão, preernpção - eis algumas delas. A lite-
camente os limites daresponsabllidade dos decisores em cada área. IIlh'II !I1IIIIIArll ootabora para a riqueza vocabular, sugerindo as
58 pol1tica social e combate à pobreza a trágica condição da pol1tica social
59
mais variadas tipologias para classificar as políticas públicas, em especial a
o éusto de oportunidade da educação fundamental e aumentar a demanda
polrtica social. A preocupação com o esboço de uma tipologia preliminar não futura por escolas.
tem, neste texto, o objetivo filosófico de purificar a linguagem ordinária ou
persuadir os especialistas quanto a sua propriedade. O aspecto relevante do Claro está que seria irrealista tentar identificar e mensurar todas as
problema classificatório consiste em que, embora rudimentar, uma tipologia mediações ou possfvsls repercussões de uma dada polrtica. Entretanto,
razoável ajuda bastante no ordenamento dos tradeoffs referidos anterior- maior clareza sobre as implicações temporais de distintos ordenamentos de
mente. A pura identificação de escolhas trágicas inevitáveis é bastante im- escolhas trágicas ensejaria tomadas de decisão mais coerentes e, possi-
portante. Igualmente crucial, todavia, é a necessidade de formular construtos velmente, a antecipação de políticas tendo em vista o horizonte de tempo
analíticos que permitam visualizar, no tempo, o provável impacto que os dife- considerado. Em qualquer caso, maior racionalidade de todo o processo de-
rentes tradeoffs propiciarão. A tipologia proposta a seguir, espera-se, tornará cisório depende centralmente 'de eficaz rnensuraçao dos problemas, questão
o problema mais claro. abordada no tópico seguinte.

Considere-se que as polrticas sociais podem ser classificadas sob as Basicamente, as informações sobre o estado social de um país,
seguintes rubricas: preventivas, compensatórias e redistributivas, em senti- aquelas que permitem avaliar a estrutura da escassez, derivam de duas
do estrito. Por pojtica social preventiva entende-se qualquer polrtica que im- fontes distintas: indicadores numéricos e documentos legais. Os indicadores
peça ou rninlrnize a qeração de um problema social grave. Por exemplo: numéricos são de variados tipos e de confiança também vária: porcentagem
saúde pública, saneamento básico, educação, nutríção; habitação, emprego da população urbana e rural servida por rede pública de esgotos, idade mé:
e salário. A rubrica política compensatória compreende os programas sociais dia de vida, porcentagem da população em idade escolar efetivamente fre-
que rernediarn problemas gerados em larga medida por ineficientes polrticas qüentando escolas, relação entre leitos hospitalares e população, fluxos mo-
preventivas anteriores ou por potltlcas contemporâneas que são prima facie netários etc. Os cuidados a serem observados na análise desses indicado-
socialmente não-dependentes (polrticas viárias, de transportes etc.) - por res se alteram em função da informação que se deseja obter. Por exemplo,
exemplo, sistema pevidenciário e PIPMO. Políticas redistributivas, finalmen- valores médios ou per capita raramente propiciam adequada lnforrnação
te, são programas que implicam efetiva transferência de renda dos patama- fluando se trata de elaboração de polrticas. A diferença entre a expectativa
res superiores para os patamares inferiores da estratificação social - por mÓdia de vida no Centro-Sul eno Nordeste não estima as diferenças no inte-
exemplo, Funrural e PIS/PASEP.21 rior de uma e de outra. Objeções semelhantes multiplicam-se, mas são
Dispostas as políticas segundo a tipologia proposta, fica imediata- Irlvlals.
mente evidente, para exernplificar, que eventual tradeoff entre o saneamento
Um problema de mensuração requer, no entanto, menção especial: o
básico em dada região do país e a pavimentação de algumas estradas vici-
ma do nrvel de agregação da medida. -Desconsiderar o nrvel de agre-
nais da mesma região acarretará, caso a escolha recaia na pavimentação,
da medida pode levar a conclusões precisamente opostas ao que
problemas de médio prazo na assistência médica à infância.
I~ ocorrendo na realidade. Reflita-se sobre o seguinte exemplo. Um dos
Em outro exemplo, e considerando inalterada a estrutura de financia-
hlllicllltlores mais utilizados na análise de políticas consiste em fluxos mone-
mento do sistema previdenciário, torna-se também claro que substancial
1~11t1l' nob a seguinte forma: COmo tem evolutdo o dispêndio em saúde públi-
aumento no salário real produzirá, concomitantemente, melhoria nas chan-
IltI 111/110 porcentagem do PIB? Pode Ocorrer que a curva do dispêndio nesta
ces de vida dos assalariados - polâica preventiva' - e maiores recursos para
11111111111 uxlba crescente participação percentual no total do PIB ou, mais
o sistema previdenciário - política compensatória. Ou seja, uma só medida
1llljlllrtlllHlnmente, no total dos gastos empolíticas sociais': A inferência ime-
pode contribuir para reduzir a demanda futura por políticas compensatórias
1IIIItIli IIlvlnl sorla a de que estaria havendo maior cuidado com o problema
e, ao mesmo tempo,' gerar recursos para aprimorar a qualidade dessa
I~"" no poís, o que seria positivo. Se, todavia, desagregarmos o dis-
mesmas polrticas. Ademais, ainda esseaumento do salário real pode alterar
1/,1111(III/pondo que tal seja possrvel face às estatrsticas disponrveis) em
1:1111/1111 IIlotflclna preventiva e medicina curativa, não é impossível que
h 11111111111111til/no curvas assimetricamente opostas: a de gastos COmmedi-
21 Mínima atenção à tipologia revelará que ela não é mutuamente excludente, Não o' IIIIIIIwl fllOncondo mais do que proporcionalmente ao decréscimo da
nheço tipologia útil que o seja, À falta de pureza lógica, arrisco-me a propor a do loxttl,
na expectativa de que outras melhores a venham substituir.
11/\lItI,11111
°
t li I "!li flOrlrlo, somatóno de taxas de sinal contrário produz uma
til croscente .

.,""
(

60 pol1tica social e combate à pobreza a trágica condição da pol1tica social


61

Exemplos similares poderiam ser construidos para outras áreas de sivarnente política de salários o possfvel malogro do programa PIS/PA-
à

política - a educacional vem à mente de imediato - e também para distintas SEP, independente da maior ou menor eficácia de sua administração. Os ju-
regiões geográficas. O importante a reter é que, às vezes, por trás de indi- ros sobre o principal que deveriam ser somados ao último para propiciar di-
cadores numéricos tais como fluxos monetários, porcentagens, médias etc., videndosainda maiores e assim sucessivamente, até a aposentadoria do
estão em curso processos contrários aos que os indicadores registram na assalariado quando, outra vez, esta eventual poupança complementaria a
supertrcie. aposentadoria, os juros, repita-se, são regularmente retirados pelos benefi-
A outra fonte relevante de informações - documentos legais de todo ciários como complemento ao salário atual. A deterioração do valor real do
tipo - também não está isenta de quesfionamento. Desde logo impõe-se ve- principal fará com que, na eventualidade da aposentadoria, o que couber ao
rificar se a lei está ou não sendo efetivamente posta em prática. Se está assalariado não lhe servirá para praticamente nada.
sendo executada, cabe então indagar sobre os efeitos reais de sua aplica- Embora coubesse tratar esse aspecto COmo tópico dos problemas de
ção sem presumir, doqrnaticarnente, que os efeitos produzidos serão justa- aferição do real impacto de políticas sociais, ..considerei mais conveniente
mente os pretendidos pela lei e tão-somente estes. Em atenção a um dos abordá-lo como um problema de rnensuração pois, em matéria de lei, não há
postulados básicos da análise social - o de que toda intervenção na ordem como efetivamente "medir" a política nela codificada senão averiguando se
social é mediatizada pela dinâmica estrutural desta -, é de se esperar que foi ou não executada e se cumpriu ou não seus objetivos expltcitos. De todo
na maioria esmagadora das vezes qualquer política produza efeitos não an- modo, fica esclarecida a importância do problema da mensuração na agenda
tecipados, os quais não são necessariamente maléficos ou benéficos ex- de questões relativas ponnca social.
à

ante, mas dependem justamente da estrutura de mediações sociais prevale- Uma' outra ordem de problemas, a sexta, diz respeito à questão do fi-
cente. nanciamento das políticas sociais. Quem paga, o quê, para quem? - eis a
Um exemplo ilustra.á o ponto. O Fundo de Garantia por Tempo de questão crucial. Recordando o constrangimento analítico que afirma ser im-
Serviço é um programa que contempla três objetivos principais: financiar a possfvel a aplicação uniforme de um só critério de decisão a todos os pro-
aquisição de moradia, proporcionar ao assalariado a possibilidade de esta- blemas, deduz-se logicamente que a resposta à pergunta acima há de variar
belecer seu próprio negócio ou, na ausência de saque pelos dois motivos m função do tipo de política a ser executada. É também nesta conexão que
precedentes, complementar a aposentadoria do assalariado. Esperava-se lipologia sugerida, ou qualquer outra que seja razoável, revela sua impor-
que saques sobre o Fundo por motivo de dispensa sem justa causa fossem nela.
excepcionais e que só remotamente o volume de saques viesse a ameaçar a Se considerarmos as políticas de natureza preventiva - por exemplo,
viabilidade do programa. Na realidade, porém, os saques por motivo de dis- ,nde pública, saneamento ou nutrição -, parece eqüitativo que todos con-
pensa sem justa causa sempre foram elevados, em termos absolutos e em IIlIlIlnm para seu financiamento indireto, via sistema tributário,ainda quando
comparação com os saques para compra de habitação, mesmo antes de ter ti eonsumo da. maior parte desses bens seja gratuito. O caso das polrticas
início o período de recessão do início dos anos 80. Contemporaneamente, a "llIilr>onsatórias é mais complexo porque envolve um conjunto heterogêneo
magnitude dos saques atinge proporções bastante elevadas, exigindo mu- d/I plC)oramas - previdência e treinamento de mão-de-obra, por exemplo _,
danças na administração dos depósitos em cadernetas de poupança a fim IlIlflClo, om conseqüência,soluções distintas, a depender do problema es-
de assegurar as operações financeiras do BNH, de onde provém a remune- I""tlloo, Salta entretanto à vista que nao é eqüitativo distribuir os custos dos
ração do FGTS. Mesmo admitindo-se a recuperação da economia, está de- I,",,,,r'oltltl pagos por acidente ;'0 trajeto casa-trabalho-casa entre o empre-
monstrado que o FGTS tem funcionado mais como contraíacção de seguro- ,,,1111', n I 'atado e o próprio acidentado! Finalmente, as políticas explícita-
desemprego do que como financiamento aos assalariados de baixa renda, e 110111111 IIlIlInlrlbutivas implicam, por definição, transferência de renda, e pelo
ainda muito mais do que como promotor do estabelecimento de negócio pró- I1 '" 111 I1lt1oÓ absolutamente certo: não são os beneficiá rios delas que as
prio por parte dos trabalhadores. E é pelo menos duvidoso se virá a funcio- 111rllllllloInr. .
nar como complemento à aposentadoria, visto que os recursos individuais I" nhlomo do financiamento de políticas sociais não comporta solu-
não estão sendo acumulados. 1I11I'II/lIIHI,norn aquelas ditadas exclusivamente por bons sentimentos.
Outro exemplo. Se a polltlca de emprego, associada à de salário e à 1'\ 111' IIIOl1clonou, por trás do conjunto de políticas sociais existe,
inexísténcía de seguro-desemprego; é responsável pela mediação maléfica Ino "" ItIUilltlclonte, um ordenamento entre escolhas trágicas. Se, por
que faz com que o FGTS produza efeitos perversos, deve-se creditar exclu- jn!~-I. ,I IlItlhlHlo financiar políticas sociais preventivas em prejufzo do
"
62 politica social e combate à pobreza a trágica condição da potãica social
63
ritmo de crescimento econômico ou, pelo contrário, maximizar as oportuni- plernentaçao - e para os próprios serviços prevideneiários, como instância
dades de crescimento, no suposto de que os gastos futuros com polrticas do segundo tipo de obstáculo à implementaçtio: A moral, por assim dizer, a
compensatórias serão consideravelmente inferiores aos ganhos do cresci- tirar da história é que qualquer pOlftica social deve, sempre que possfvel,
mento obtido, estas são questões que dependem tanto do estoque de co- proporcionar incentivos seletivos àqueles que a irão executar. Tais incenti-
nhecimento que permita proceder, ainda que de modo aproximativo, a cál- vos não precisam ser necessariamente pecuniários, embora não seja de to-
culos tão delicados, como da agenda de prioridades da própria sociedade. do má a idéia de introduzir competitividade no desempenho dos executo-
A penúltima ordem de problemas é de decisiva importância. Nenhum res do programa mediante o estabelecimento de prêmios, por exemplo, des-
conjunto de políticas sociais, por mais justas, coerentes, tecnicamente de que os custos de monitoramento e fiscalização não sobrecarreguem fi-
bem-formuladas e socialmente avalizadas que sejam, terá sucesso se' hou- nanceiramente o programa de forma desproporcional (lembrar que a vincula-
ver pontos de estrangulamento na etapa de sua irnplernentação. A etapa de ção do salário a desempenho individualizado, nos primórdios da revolução
implementação pode ser responsável pelo fracasso de qualquer polrtica, não capitalista, impunha elevados custos de transação relativos a monitoramento
apenas da política social. E a rnplementação arrisca-se a claudicar em ra- e fiscalização).
zão de dois fatores distintos, mas potencialmente associáveis. ~
A última ordem de problemas refere-se à avaliação da eficácia de polí-
O primeiro fator consiste na eventual inexistência de recursos huma- ticas sociais especfficas. É extremamente ditrcil saber se o decréscimo na
nos para bem executar a polrtica em questão. É inútil, por exemplo, triplicar taxa de mortalidade infantil em determinada região ocorreu devido ao pro-
ou quadruplicar o número de postos de saúde se não se promove simulta- grama de saneamento ali levado a cabo ou se por conta da vacinação em
neamente a formação de enfermeiras, auxiliares técnicos (operadores de massa ali também executada, ou atribuir o quanto Se deve a cada uma de-
raios X, laboratoristas etc.) e pessoal administrativo. Esta foi a tendência ob- las. O mesmo raciocfnio vale para a relaçãq múltipla e complexa entre salá-
servada entre 1967 e 1975 quando, de uma disponibilidade de 1/2 enfermeira
I' . rio, renda familiar, custo de Oportunidade e oferta de educação gratuita. E é
por posto de saúde, regrediu para 1/4 de enfermeira por posto, no Brasil co- (/lHcil porque o teste crucial para elucidar a questão envolve Um enunciado
mo um todo. Concomitantemente, o número de guardas por posto cresceu. r:ontrafactual - o que teria ocorrido a y caso não houvesse x, sendo que
Seria conspiratório demais presumir que tal processo foi deliberado, mas há oxiste - e, por definição, enunciados contrafactuais são infalsificáveis.
com certeza uma "racionalidade" na lógica das circunstâncias que conduziu Nem por ser diffcil, entreta.nto, deve-se evitar a tentativa de aferir a efi-
a esse .resultado. Ii/k:ln de um programa. Se há pobreza de testes "Objetivos" confiáveis, as
O segundo fator capaz de abortar uma política em sua fase de imple- IIIvostigaçOes sobre preferências e atitudes tipo painel, isto é, antes e depois
rnentaçáo consiste na atitude do pessoal, administrativo ou técnico-especia- dI, IJXOcutada uma política específica, podem servir Como ponto de referên-
lizado, em relação à política, ao grupo alvo da poutíca, ou em relação a am- I II1 rll/oável para a correção de cursos de ação ou, eventualmente, sua
bos. A sabotagem burocrática e a displicência técnica na execução de de- II Ii 11/110
Ia interrupção.
terminadas polfticas são fenômenos recorrentes em todos os pafses em que
existem polrticas sociais significativas. IlJllllr/n de questões implícita na elaboração e execução de políticas so-
O nexo causal que explica a disposição favorável ou desfavorável dos 1'/11/_ ft MlJflcientemente ampla e variada para estimular, antes que desencora-
implementadores da polftica é múltiplo. Em alguns casos, trata-se de reação
/lU /ltI IlIlpocialistas, os decisores e os potenciais beneficiários. A experí-
do grupo social a que pertence a burocracia contra o grupo social beneficiá- nlllffltll,flo rosponsável, formulando programas novos; estimulando a criativi-
rio da política - por exemplo, os programas de inteqração racial ou de food
1111"", IIIHlllolçoando instrumentos de análise, redesenhando formatos orga-
stamps no sul dos Estados Unidos. Em outros, trata-se de incúria do pes- I !tlllllln, podo compensar a precariedade do conhecimento e as rotinas
soal técnico-especializado quando existe uma espécie de monopólio bilateral '"Itllllllllllllonlo.
em que são parceiros o governo, que promove o programa, e o pessoal in-
IlfI' I 11(,corno evitar a fatalidade de ordenar escolhas trágicas na au-
cumbido de implementá-lo. Tal parece ser a razão da decadência do sistema
III tltI 1"'ltlrvol princfpio de justiça e diante dos resultados imprevisfveis
de assistência médica inglesa.
"" 111'-/1"11'111110 invisível do caos. Face Édipo da vida social. Nem co-
No que se refere a exemplos nacionais contemporâneos, é suficient 1111It1lfll/l/lllll/vO de tentá-Io.Sfsifo.
atentar para as resistências contrapostas a diversas medidas do programa
de desburocratização - como instância do primeiro tipo de obstáculo à im

..

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