Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
Narrativas
das rebeliões
Linguagem política e
idéias radicais na
América Portuguesa
moderna
“ El lenguaje es por
a
Este texto faz parte da pesquisa
Rebeliões e Insurreições na Améri-
ca Portuguesa Moderna: 1640-
1789, financiada pelo CNPq atra-
vés de bolsa produtividade.
experiência da conquista e colonização
do Novo Mundo pelas monarquias
mos/ arostados para vos pagar/ por que os Corte para o bom governo da república, 9 “Representação da Câmara de
Vila Rica contra a Lei Novíssima
ricos não querem emprestar […] Estes quin- pergunta Vieira, em seu “Sermão da Pri- das Casas de Fundição. Vila
Rica, 24-4-1751”, in Códice
tos vossos/ nos arrastam pelo chão/ por eles meira Dominga do Advento”: “E da parte Costa Matoso, Belo Horizon-
todos vos estão/ devedores” (7). dos beneméritos que deixastes de fora, quais te, Fundação João Pinheiro/
Fapemig, Coleção Mineiriana,
Repisam a imagem sofrida da miséria serão [as conseqüências]? Ficarem os mes- 2000, vol. 1, p. 525.
os oficiais da câmara de Itu em São Paulo mos beneméritos sem o prêmio devido a 10 “Requerimento dos moradores
em 1681, reclamando da cobrança intermi- seus serviços, ficarem seus filhos e netos de Guarapiranga, 1746” (ci-
tado em: Maria Leônia Cha-
nável do dote para os casamentos reais, sem remédio e sem honra, depois de seus ves de Resende, Gentios
Brasílicos. Índios Coloniais em
lembrando que aquela comunidade “se pais e avós lha terem ganhado com sangue, Minas Gerais Setecentista, tese
compõe de homens pobres e os mais deles porque vós lha tirastes; ficar a república de doutorado, Campinas, De-
partamento de História, 2003,
ausentes por Minas, deixando suas mulhe- mal servida, os bons escandalizados, os p. 57). Para o mesmo enunci-
ado dentre os paulistas ver:
res com tanta pobreza e necessidade”, que príncipes murmurados, o governo odiado, John M. Monteiro, Negros da
por isso elas “se expõem já a vender os seus o mesmo conselho em que assistis ou Terra. Índios e Bandeirantes
nas Origens de São Paulo, São
próprios vestidos para o mesmo fim [isto é, presidis infamado, o merecimento sem es- Paulo, Companhia das Letras,
o pagamento do dote]” (8). Câmaras mi- perança, o prêmio sem justiça, o descon- 1994, esp. cap. 2.
neiras foram useiras desse recurso ao se tentamento com desculpa, Deus ofendido, 11 João L. de Azevedo (comp.),
Cartas do Padre Antônio
queixarem contra a forma de cobrança do o rei enganado, a Pátria destruída” (12). Vieira, 3 v., Coimbra, Impren-
sa da Universidade, 1925-28.
quinto, amiúde trazendo à “Vossa Majes- Os maus funcionários percorrem ine- Apud Emanuel Araújo, O Tea-
tade […] conhecimento da pobreza das lutavelmente as estratégias persuasivas di- tro dos Vícios. Transgressão e
Transigência na Sociedade
Minas”, de acordo com a afirmação que recionadas à Corte, onde Vossa Majestade Urbana Colonial, Rio de Janei-
ro, José Olympio, 1993, p.
consta em uma das súplicas a respeito do seria sensibilizada a enviar para a América
291.
restabelecimento das casas de fundição e bons ministros, “para que tudo não seja ti-
12 In Alcir Pécora (org.), op. cit.,
da derrama em 1751 (9). rania, interesses, e aumento da fazenda pró- p. 94.
A miséria que afligia os vassalos deve- pria, em grande prejuízo dos vassalos de 13 “Carta do provedor-mor da
fazenda do estado do Brasil
ria ainda persuadir as autoridades régias a Vossa Majestade”, conforme se apela do Lourenço de Brito Correia….
consentir ações em esferas delicadas da vida Rio de Janeiro (13). Dessa mesma cidade, Bahia, 27 de abril de 1661”
(publicado em: L. Norton, A
colonial. Seguindo os rastros do discurso em 1666, seus oficiais camarários afirmam Dinastia dos Sá no Brasil: a
dos paulistas que adentravam o sertão em que “pela glória de seu trono, felicidade e Fundação do Rio de Janeiro e
a Restauração de Angola, Lis-
busca de “remédio para a sua pobreza”, amparo dos vassalos, pede e clama seja boa, Agência Geral do Ultra-
mar, 1965, pp. 336-7).
moradores das Minas escrevem ao rei afir- servido dar eficazes providências na esco-
14 Vivaldo Coaracy, O Rio de
mando-se penalizados com os ataques dos lha de homens para o governo desta terra” Janeiro no Século Dezessete,
“bugres gentio brabo”, buscando, na ob- (14). A cobiça dos funcionários motivava Rio de Janeiro, J. Olympio,
1965, p. 27.
tenção de licença régia para preparar expe- que o povo padecesse com “abusos e inso-
15 “Consulta do Conselho da
dições para prear índios e buscar jazidas lências” dos ministros, conforme denuncia- Fazenda sobre os regimentos
em suas terras, remédio para a “miséria e va a câmara (15). que se deviam dar aos Prove-
dores e mais oficiais da Fazen-
consternação em que se vêem” (10). Nos pareceres do Conselho Ultramari- da do Rio de Janeiro… Lisboa,
24 de outubro de 1643”, Lis-
A elaboração da imagem de vexação no, a tópica também teria destaque para a boa, Arquivo Histórico Ultra-
em terras coloniais esteve associada tam- audiência régia: “os governadores que se marino (doravante AHU), Rio
de Janeiro (Castro e Almeida),
bém à presença de ministros ruins, que alu- lhe mandam [para o Brasil], ministros e doc. 311.
grande desconsolação para vassalos ausen- haver das finanças coloniais. 25 “Consulta do Conselho Ultra-
marino. Lisboa, 1 de fevereiro
tes da presença de Vossa Majestade, ino- António Manuel Hespanha, ao analisar de 1662”. Lisboa, AHU, cód.
centes ou culpados” (25). os discursos a respeito da Fazenda real em 16, f. 34v.
Outras vezes os textos se referem às Portugal, recorda que “as regras de ouro da 26 “Petição dos moradores do
sertão da América à rainha
dificuldades de encontrarem meios de re- gestão financeira” eram “as mesmas que Dona Maria I. s.l. [1776]”,
Lisboa, ANTT, Papéis do Bra-
correr ao julgamento real. Da petição que presidiam a toda a atividade de governo: as sil, Avulsos no 3, documento no
preparam à rainha protestando contra as da justiça, ou seja, de que qualquer intromis- 13, fls. 140-143, f. 142.
“desordens indizíveis”, advertem os serta- são do rei no património dos vassalos deve- 27 “Parecer do Conselho Ultrama-
rino. Lisboa 1-5-1716”, Lisboa,
nejos moradores do interior da Bahia, Per- ria ser excepcional e que só seria legítima AHU, Bahia (documentação
nambuco e Goiás sofrerem com a falta de precedendo justa causa, igualdade e justiça avulsa não-identificada), cx. 9,
doc. 5.
representatividade de seus interesses junto materiais e processo devido […]” (28). Cer-
28 António Manuel Hespanha, “A
ao rei. Na melhor tradição apelativa afir- to Manifesto do ano de 1700 em forma de Fazenda”, in História de Portu-
gal – O Antigo Regime, Lisboa,
mam que “choram os miseráveis vassalos profecias, assinado por um “Engenho de Rio Estampa, 1993, v. 4, p. 204;
de Vossa Majestade nesta longínqua con- de Janeiro”, assinala situação bem diversa no tocante aos dilemas do
exercício financeiro da monar-
quista, sem haver um ministro que o[s] re- vivenciada no Brasil. Ali, queixava-se: “Tri- quia portuguesa ver especial-
presente [n]o Real Conselho, e lhe acudir butos no sal, nos vinhos, aguardentes, azei- mente o segmento “constrangi-
mentos do cálculo financeiro
com pronto remédio” (26). tes, couros e tabacos, e dez por cento de tri- em Portugal”, pp. 205-13.
se passa no reino de Granada sob as pesa- zendas […] e os moradores eram os que a 58 Francisco António de Novaes
Campos, op. cit., pp. 162-3.
das tensões que marcavam a resistência à conservavam [a região]e acrescentavam
59 Frei Vicente do Salvador, His-
centralização promovida pelo conde-duque com seu trabalho, e haviam conquistado à tória do Brasil: 1500-1627
[1627], São Paulo/Belo Hori-
de Olivares quando, patrocinando a agres- custa do seu sangue” (59). Na mesma dire-
zonte, Edusp/Itatiaia, 1982,
são ao procurador da cidade de Granada, ção, no prelúdio à petição que encaminham p. 251.
protesta este: “os meus progenitores con-
quistaram cidades e terras para os nossos
reis, defenderam os seus reinos, derrama-
ram o seu sangue e sacrificaram as vidas ao
seu serviço” (56). Na cultura política mo-
derna, noção do sacrifício vinculado ao ser-
viço real e aos sucessos do reino foi acio-
nada nos momentos em que os expoentes
da nobreza sentiam-se ameaçados em seus
direitos, privilégios e autonomia.
O enunciado apareceria nas estratégias
retóricas ativadas quando da grave crise que
em Portugal levou à deposição do rei Dom
apelavam à liberalidade régia por honras e premência da organização de entradas para 75 “Carta dos oficiais da câmara
da cidade de Salvador. 15 de
privilégios, mercês de que se considera- atacar índios em Minas Gerais. Os oficiais junho de 1655”, Lisboa, AHU,
vam merecedores pela aceitação da contri- da Câmara de Mariana endereçam repre- Bahia, (documentação avulsa
não-identificada), cx. 1, doc.
buição para o dote destinado aos casamen- sentação ao soberano, em 1775, queixan- 131.
tos reais, vivendo estes em uma “terra in- do-se de “atrocidades do gentio que cerca 76 Lisboa, AHU, 8417, cx. 108,
doc. 75 (citado em: Maria
festada de bárbaro gentio [onde] nossos an- a mesma capitania pela parte do mar, des- Leônia Chaves de Resende,
tepassados expostos com as vidas e fazen- truindo vidas e fazendas que muitos mora- Gentios Brasílicos. Índios Co-
loniais em Minas Gerais
das a evidente perigo de perderem uma e dores deixam os sítios […]” (76). Setecentista, tese de doutora-
outra coisa pelos contínuos assaltos que Mas, na realidade, o recurso ao sacrifí- do, Campinas, Departamento
de História da Unicamp,
estavam experimentando daqueles bárba- cio patrimonial e existencial pelos vassalos 2003).
ros ultramarinos palavras de impacto a esse mento das formas convencionais de exer- 100 Idem, Rubro Veio…, op. cit.
respeito: “[…] que os amotinados cada vez cício político na república e alta traição. 101 “Carta do provedor-mor da
Fazenda do Estado do Bra-
mais se fazem insolentes e publicam [isto Ao lado dessas ameaças e suspeitas, a sil Lourenço de Brito
é, tornam público] que sendo-lhes necessá- freqüência com que os vassalos do Brasil Correa… Bahia, 23 de abril
de 1661”, Lisboa, AHU, Rio
rio para a sua conservação fazerem-se promoviam rebeliões gerou inquietação de Janeiro. Castro e Almei-
da, doc. 850 (publicado
mouros, o hão de fazer, e também se enten- dentre as autoridades reinóis. Inúmeros re- parcialmente em: Eduardo
de que por mar e por terra, querem avisar a gistros textuais sublinham a intensidade Castro e Almeida, op. cit.,
v. 39, p. 92, 1917).
Buenos Aires e ao Rio da Prata donde as- rebelde, chegando a se mencionar a moda
102 “Carta do governador Pedro
siste um mestre de campo de Flandres com de tumultuar que tomava conta dos súditos de Vasconcelos e Sousa ao
600 infantes de presídio, e também sabe- no Brasil. Em parte isso se justifica pela Rei” (citada por: Alberto
Lamego, “Os Motins do Ma-
mos que dando dali rebate às suas cidades marcante influência da ideologia política e neta na Bahia” in RIGHBa,
n. 55, 1929, p. 360).
que tem em o sertão foi socorrido com 4000 das contestações na crise do império espa-
103 Pedro Calmon, História do
homens em os navios holandeses, e de Se- nhol em 1640 que restauram na cultura Brasil, Rio de Janeiro, José
vilha, que sempre continuam aquele porto política moderna o direito à resistência e, Olympio, 1953, p. 997.
[…]” (101). conforme Rosário Villari já postulou, trans- 104 Manuel de Oliveira Lima,
Formação Histórica da Na-
Bem mais tarde, nas ruas de Salvador, formam em valor positivo a rebelião contra cionalidade Brasileira, 2a
no transcurso do motim do Maneta em pas- a tirania (106). ed., Rio de Janeiro,
Topbooks, 1997, p. 137;
quins novamente se ameaça “reconhecer Nos discursos de governadores atingi- J. F. Lisboa, op. cit, pp. 470-
1.
vassalagem a outro Senhor se não fosse dos por motins recorreu-se a outras suposi-
105 Ver Adriana Romeiro, Um
suspensa a execução dos novos tributos” ções de existência de projetos radicais den- Visionário na Corte de Dom
(102). Pedro Calmon, em sua História do tre os súditos. Comentaria o governador- João V – Revolta e
Milenarismo nas Minas Ge-
Brasil, considera que a ameaça de aceita- geral em carta a Salvador Correia que, em rais, Belo Horizonte, Edito-
ção de outro príncipe caso continuassem ra da UFMG, 2001, p.
abril de 1661, “[…] ser mui diferente o es-
245.
oprimidos é sugerida pela invasão de tado que o Rio de Janeiro se acha de que seus
106 Rosário Villari, “O rebelde”,
Duclerc no Rio de Janeiro ou pela viagem primeiros movimentos prometiam. A um op. cit.