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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA

B IB L IO T E C A CENTRAL. DA UNICAM P

Direitos e justiças no Brasil: ensaios de história social / organizadores:


D628 Silvia Hunold Lara e Joseli Maria Nunes Mendonça. - Campinas, SP:
Editora da U n i c a m p , 2006.

1. Justiça. 2. História social. 3. Direito. 4. Escravidão - Legislação -


Brasil. 5- Direito do trabalho. I. Lara, Silvia Hunold, 1955. II. Men­
donça, Joseli Maria Nunes. III. Título.

CDD 340.11
901
340
346.81013
ISBN 85-268-0731-5 344.01

índices para catálogo sistemático:

1. Justiça 340.11
2. História social 901
3. Direito 340
4. Escravidão - Legislação - Brasil 346.81013
5. Direito do trabalho 344.01

Copyright © by Organizadores
Copyright © 2006 by Editora da U nicamp

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mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor.
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V<Sri<is
COLEÇÃO VÁRI AS HI STÓRI AS

A CoUíÇÂO VÁRIAS H istórias divulga pesquisas recentes sobre a diversidade


da formação cultural brasileira. Ancoradas em sólidas pesquisas empíricas
c focalizando práticas, tradições e identidades de diferentes grupos sociais,
as obras publicadas exploram os temas da cultura a partir da perspectiva
da história social. O elenco resulta de trabalhos individuais ou coletivos
ligados aos projetos desenvolvidos no Centro de Pesquisa em História
Social da Cultura do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da U nicamp
(www.unicamp.br/cecult).

VOLUMES PUBLICADOS
1 E lciene AZEVEDO. O rfeu d e ca ra p in h a. A tra jetó r ia d e L u iz G am a na
im p e r ia l c id a d e d e S ão P au lo.

2 - J osei . i M aria N unes M endonça . E n tre a m ã o c o s a n éis. A L e i d o s


S e x a g e n á rio s e o s c a m in h o s da a b o liç ã o n o B rasil.

3 — Fernando Antonio M encarelli . C en a a b e r ta . A a b s o lv iç ã o d e um


b ilo n tra c o te a tr o d e rev ista d e A rth u r A z ev e d o .

4 - W lamyra R ibeiro de Albuqu erqu e . A lgazarra nas ruas. C o m e m o r a ç õ e s


da In d e p e n d ê n c ia na B ahia (1889-1923).

5 - SUF.ANN CAULFIELD. Em d efes a da h o n ra . M oralid a d e, m o d e r n id a d e e


n ação n o R io d e Ja n e ir o (1918-1940).

6 - JAIME R odrigues . O in fa m e c o m é r c io . P ro p o s ta s e e x p e r iê n c ia s n o
fin a l d o tr á fic o d e a fr ic a n o s p a ra o B ra sil (1800-1850).

7 -- C arlos E ugênio L íbano S oares . A c a p o e ir a escrava e o u tra s tr a d iç õ e s


r e b e ld e s n o R io d e J a n e ir o (1808-1850).

8 - E duardo Spillf. r P ena. P ajen s da casa im p e r ia l. Ju r is e o n s u lto s , e s ­


cra v id ão e a L ei d c 1871.

9 - J oão P aulo C oelho dl S ouza R odrigues . A d a n ça das ca d eira s.


L itera tu ra e p o lít ic a na A ca d em ia B ra sileira d e L etra s (1896-1913).
ENTRE 0 JUSTO EO INJUSTO
O CASTIGO CORPORAL NA M ARINHA DE GUERRA
Álvaro Pereira do Nascimento........................................................ 267

EVARISTO DE MORAES: 0 JUÍZO E A HISTÓRIA


Joseii Maria Nunes Mendonça........................................................ 303

OS DIREITOS, A LEI E A ORDEM


GREVES E M OBILIZAÇÕES GERAIS NA PORTO ALEGRE DA PRIMEIRA REPÚBLICA
Alexandre Fortes........................................................................ 343

PROCLAMANDO LEIS, METENDO O PAU E LUTANDO POR DIREITOS


A Q UESTÃ O SOCIAL COMO CASO DE POLÍCIA, 1 9 2 0 -1 9 6 4
John D. French........................................................................... 3 79

DIREITOS POR LEI OU LEIS POR DIREITO?


POBREZA E AM BIG ÜID ADE LEGAL NO ESTADO NOVO
Brodwyn Fischer........................................................................ 4 1 7

TERRITÓRIOS DE CONFRONTO
UMA H IS TÓ R IA DA LU TA PELA TERRA NAS LIGAS CAMPONESAS
Maria do Socorro Rangel.............................................................. 43 7

A CONSTRUÇÃO DO ARBÍTRIO LEGALIZADO


OS LIM ITES DO QUE NOS ERA PER M ITIDO SABER
Beatriz Kushnir.......................................................................... 4 0 3

SOBRE OS AUTORES.................................................................... í 4 ,
APRESENTAÇÃO

As relações entre a História e o Direito não são novas, mas têm pas­
sado por profundas transformações nas últimas décadas. Há alguns
anos, sua formulação mais clássica, a da história do direito, deixou de
ser meramente uma disciplina formadora dos juristas, destinada a
justificar ou explicar os princípios e as normas jurídicas contempo- ,
râneas, para tornam-se um campo de estudos da história intelectual
e institucional.1Alimentando-se do renascimento da história polí­
tica a partir dos anos 1980, esses estudos se ligaram às pesquisas
interessadas nos mecanismos disciplinares existentes nas sociedades
e nas múltiplas formas de representação simbólica e de exercício
do poder. Assim, também há algum tempo o direito já aparece como
um produto social, e sabe-se que os valores, os textos e as normas
jurídicas estão diretamente relacionados com os ritmos do pro­
cesso social. Deixando de ser entendido como algo decorrente de
idéias e filosofias, ou que se configura como simples instrumento
de dominação, o direito passou a ser concebido como um campo
simbólico, como práticas discursivas ou como dispositivos de poder.2
Suas instituições, práticas e discursos passaram a ser estudados na
interação com processos sociais e a partir de uma perspectiva fran- \
camente relacionada a questões historiográficas mais amplas.
Ainda que os desdobramentos dessas mudanças sejam muito
interessantes, não é deles que trata esta coletânea. Ela está inte­
gralmente associada a um outro tipo de aproximação entre I listó ú
ria e Direito, que é relativamente nova e, de certo modo, caminha (
sem considerar as letras maiúsculas e o modo singular com que
ambas as palavras são normalmente empregadas. Os artigos reu­
nidos neste volume foram todos escritos por historiadores que
estudam diferentes aspectos da história social do Brasil e, de forma
mais ou menos central, em algum momento de suas trajetórias de
| S. H. L a r a , J. M. N. M endonça

pesquisa, debruçaram-se sobre questões ligadas ao direito, às leis,


doutrinas, instituições e profissionais da justiça. Essas trajetórias
estão ligadas a dois movimentos importantes da historiografia
brasileira que se desenvolvem desde a década de 1980. Eles se
conccntram espeeialmentc, mas não de modo exclusivo, sobre dois
períodos^da história social do trabalho e dos trabalhadores no
Brasil: o da escravidão, nos séculos XVIII e XIX, e o do trabalho
livre no século XX.
Nos anos 1980, muitos pesquisadores passaram a procurar
fontes judiciais como via de acesso ao cotidiano e ao universo de
homens e mulheres cujas vozes não haviam sido registradas nos
chamados “documentos oficiais” (do Executivo ou do Legislativo),
ou cm outras fontes, como os jornais. Procurando ir além das
análises abrangentes que enfatizavam as linhas gerais do processo
econômico, buscavam apreender a visão escrava da escravidão e
entender como as ações dos escravos haviam contribuído para
conformar as relações escravistas no Brasil. Nessas buscas, os pro­
cessos criminais (em especial os de morte e ferimentos) e cíveis
(como as ações de liberdade) tornaram-se fontes importantes,
capazes de permitir o acesso ao interior das fazendas e ao cotidia­
no das relações entre senhores e escravos.3 Diferentemente de
outros pesquisadores, interessados no estudo da criminalidade ou
dos mecanismos da justiça,4 eles utilizaram o.s processos de modo
muito diverso do gesto que havia dado origem àquelas fontes. A
produção de uma verdade jurídica ou o exercício de uma forma
de controle social os interessavam menos do que as ações dos es­
cravos e libertos registradas ali, à revelia dasjntenções daqueles
que haviam escrito as petições, os libelos acusatórios e as senten­
ças. Esses historiadores liam os processos em busca dos valores
radicalmente diferentes que estavam em confronto na arena jurí­
dica e orientavam ações diametralmente opostas naquele terreno
e fora dele.5
Sem eleger o direito ou o funcionamento da justiça como
objeto central de suas indagações, esses estudos mostravam que
tais elementos podiam marcar, definir e redefinir as próprias rela­
ções sociais. Consideradas capazes de revelar como homens c
A presentação |

mulheres concebiam as políticas de domínio senhorial que gover­


navam as relações escravistas e como escravos e libertos podiam
delas se utilizar em sentidos inversos, as fontes judiciais torna­
ram-se praticamente obrigatórias nos estudos sohre a escravidão
no Brasil.6 Por isso mesmo, aos poucos, as noções de justiça e os
rprincípios de direito que eram ali acionados também se foram tor­
nando objeto de estudos no âmbito da história social. Progressi­
vamente e cada vez com mais freqüência, os aspectos referentes à
definição e aplicação das leis, à composição e funcionamento das
instituições judiciárias, à atuação de profissionais da justiça (ad­
vogados, juizes), à definição de doutrinas, passaram a interessar
os historiadores sociais.7 Mais que uma investigação sobre as ori­
gens de concepções e doutrinas jurídicas, pretendiam compreender
o modo como diferentes direitos e noções de justiça se haviam
produzido e como haviam entrado em conflito ao longo da histó­
ria brasileira. Ao visitar o mundo dos advogados, ministros e juizes,
as salas e corredores dos tribunais e das escolas de direito buscavam
entender valores e interesses conflitantes que haviam travado com­
bates diversos e criado várias interpretações do legal, do justo e
do direito.
Praticamente no mesmo período, os estudiosos do movi­
mento operário, imbuídos de espírito semelhante ao que animava
os historiadores da escravidão, buscaram compreender as ações
dos trabalhadores livres e operários no inicio do século XX. Pro­
curando escapar de conceitos sociológicos fechados, examinaram
as experiências cotidianas dos trabalhadores para além das relações
de trabalho e dos movimentos organizados.8 Nesse caminho, re­
conheceram que as relações entre patrões e empregados ultrapas­
savam a simples repressão para mesclar-se a regulamentações que
estavam na base de uma legislação social. Assim, esses historiadores
passaram a investigar também os domínios da lei e da aplicação
dos direitos trabalhistas a partir dos anos 1920 e, sobretudo, 1930,
examinando as mediações legais, institucionais e jurídicas que
delimitavam os enfrentamentos entre trabalhadores, patrões e au­
toridades públicas.9A lei e a justiça (especialmente a Justiça do Traba­
lho) deixaram de ser vistas como simples instrumentos de dominação
i2 | S. H. L a r a , J. M. N. M índonça

de classe para se configurarem como recursos que poderíam ser


apropriados por diferentes sujeitos históricos que lhes atribuíam sig­
nificados sociais distintos. Podiam, de fato, configurar direitos pelos
quais valia a pena lutar.10 Dessas pesquisas resultaram novas con­
cepções sobre os aspectos jurídicos e institucionais da intervenção
estatal nas relações trabalhistas no período pós-1930 e sobre o pa­
pel dos trabalhadores nesse processo. Considerando a demanda dos
operários por direitos e o modo como as organizações muitas vezes
se apropriavam das regras estabelecidas para enfrentar a resistên­
cia patronal, esses estudos modificaram os paradigmas tradicionais
da análise do populismo e do corporativismo sindical."
Esse duplo movimento tem permitido à historiografia brasi­
leira ultrapassar a tradicional dicotomia que, durante muito tem­
po, postulou uma ruptura entre escravidão e trabalho livre.12 E,
também, abriu um novo campo de reflexões.
Sob influência de questões formuladas por E. P. Thompson em
seus estudos sobre as relações sociais e a formação da classe operária
inglesa no final do século XVIII,13 os direitos — formulados a par­
tir de tradições e costumes ou reivindicados nas leis ou em suas
brechas — começaram a ser investigados como parte importante
da história social. Os significados das lutas pela liberdade empre­
endidas por escravos e libertos ao longo dos séculos XVIII e XIX
começam a ser comparados às lutas por direitos empreendidas pe­
los operários na primeira metade do século XX. Combinando
muitas vezes enfrentamentos diretos com ações judiciais, em ambos
os casos, as demandas dos trabalhadores chegaram a ser contem­
pladas na elaboração das leis que, uma vez promulgadas, transfor­
maram-se em poderosos instrumentos de luta em arenas que nem
sempre se restringiram às salas austeras dos tribunais.14
Assim, a historiografia mais recente tem indicado uma pre­
sença dos trabalhadores no campo legal e jurídico que, antes, nem
poderia ser vislumbrada. Longe de vítimas indefesas ou tuteladas,
escravos e trabalhadores livres aparecem como sujeitos importantes
na conformação de espaços públicos de negociações sociais, capa­
zes de impor aos senhores e patrões — e ao Estado — um conjunto
de direitos e deveres, muitas vezes formulado na própria retórica
A p r e s e n t a ç ã o | 13

de seus adversários. E, ao contrário da visão tradicional que orien-


tava as análises dessas questões, não se trata de obscurecer as re­
lações de dominação e a desigualdade das partes envolvidas nesses
conflitos, mas de mostrar como, em cada conjuntura específica,
essas lógicas políticas e jurídicas foram formuladas e acionadas
por indivíduos situados em campos sociais radicalmente opostos.
Por isso mesmo, o direito, o justo, o legal e o legítimo não mais
podem ser concebidos como remansos ordenados por uma tradi­
ção intelectual específica (às vezes múltipla, mas sempre concebida
a partir de cima).Também não podem mais ser considerados como
simples instrumentos a serviço da dominação. Ao contrário, for­
mam campos conflituosos, constitutivos das próprias relações so­
ciais: campos minados pela luta política, cujos sentidos e signi­
ficados dependem das ações dos próprios sujeitos históricos que os
conformam. Por isso, se é a partir da justiça que podemos observar
o conflito entre diferentes concepções de direitos, é também a partir
dela que podemos reconduzir o tema ao campo da história social.
Daí a importância de revisitar o processo de elaboração das leis, daí
a relevância de buscar novos personagens na arena legislativa e ju­
dicial, de pesquisar o sentido da aplicabilidade das leis e seu signifi­
cado para diferentes grupos sociais, de buscar o modo com que as
leis são interpretadas pelos diversos sujeitos em confronto, os argu­
mentos escandidos em prol de uma ou outra parte, as bases legais
ou consuetudinárias das decisões processuais etc.
Ao mesmo tempo, é preciso levar em conta que, assim como
os recursos legais conformaram as lutas pela liberdade sob a escra­
vidão, as reivindicações pela proteção dos direitos dos trabalha­
dores também tiveram papel significativo na formação cultural e
política dos dominados, em diferentes conjunturas históricas. A
constituição de um espaço público para a regulamentação das rela­
ções de trabalho — que passou pela presença crescente do Estado
no interior das relações entre senhores e escravos e, depois, pela
construção de parâmetros publicamente definidos para as relações
entre patrões e empregados — nem sempre caminhou contra e à
revelia dos desejos dos trabalhadores. De modos diversos, a cons­
trução da liberdade e da cidadania no Brasil esteve diretamente
| S. H. L a r a , ]. M. N. Mendonça

j associada a uma ordenação jurídica que nem sempre foi unívoca,


f mas fez diferença. Invertendo aforismos frequentes na historio­
grafia, hoje podemos dizer que, também no Brasil, as leis não íoram
lfjiaj3enas inócuas ou feitas “para inglês ver”. Tampouco a justiça se
constituiu em um monstro de_mqvimentos,lentose totalmente
I defasados da chamada “realidade social”.

Os artigos reunidos nesta coletânea constituem exemplos signifi­


cativos desse novo modo de tratar a história social do direito e da
justiça. O conjunto oferece não apenas um panorama dos estudos
até agora desenvolvidos como permite realizar um balanço dos te­
mas e dilemas que povoam essa área de reflexões. Diante das várias
possibilidades de ordenar os ensaios, escolhemos o caminho mais
íácil e seguimos o critério cronológico. Assim, a primeira aproxi­
mação revela um amplo leque temático que vai das experiências
do aldeamento indígena na Amazônia setecentista a questões tão
contemporâneas quanto a legislação sobre a censura sob a dita­
dura militar dos anos 1960-1970.
Entretanto, várias outras possibilidades de ordenamento dos
textos poderíam ser definidas a partir de suas abordagens e ques­
tões. Alguns dos artigos poderíam ser agrupados por tratarem de
assuntos correlatos e, nessa medida, estabeleceríam a possibilidade
de uma análise diacrônica de temas específicos. E o caso das ques­
tões relacionadas às disputas de terras, abordadas por Silvia Lara,
Márcia Motta e Socorro Rangel, respectivamente na região de Cam­
pos na segunda metade do século XVIII, no litoral do Rio de Janeiro
da segunda metade do século XIX e na Paraíba das Ligas Campone­
sas dos anos 1950-1960. Examinando períodos bastante distintos,
as três autoras enfocam desdobramentos de conflitos que, envol­
vendo lutas pela terra, adquiriam significados particulares em cada
contexto. Nos três casos, porém, pode-se observar como os enfren-
tamentos diretos, baseados na força, se mesclam às ações nos tribu­
nais — mesmo que com sentidos muito diferentes.
Mas, ao mesmo tempo, esses ensaios podem levar-nos a temá­
ticas diversas. No século XVIII, como aponta Silvia Lara, as dispu­
A presentação | ij

tas judiciais permitem verificar como os poderes locais se articula­


vam à longa cadeia hierárquica que reforçava os laços da dominação
metropolitana. Nesse sentido, seu estudo se aproxima do de Pa­
trícia Sampaio, que examina o papel das lideranças indígenas nas
aldeias administradas conforme as regras estabelecidas pelo dire­
tório pombalino e o modo como as reivindicações indígenas se inse­
riram na rede burocrática do Império português. Assim, nesses dois
artigos, são os laços jurídicos e legais que importam na análise, co­
nectada aos desdobramentos mais recentes da historiografia sobre
os mecanismos de poder no Império colonial português.
O artigo de Márcia Motta, ao lidar com os dilemas da ausên­
cia de uma legislação capaz de assegurar a propriedade territorial
no Brasil, certamente toca em temas importantes da história so­
cial e política do Império, mas também discute a importância das
ações judiciais como recurso para conseguir algum grau de legiti­
midade para o domínio territorial. Nesse sentido, seu artigo consti­
tui um contraponto interessante ao de Kcila Grinberg, que discute
a tradição legal acionada por advogados e juizes nas ações de liber­
dade que chegaram à Corte de Apelação no Rio de Janeiro ao lon­
go do século XIX, Mesmo que também para a escravidão não te­
nha havido um corpo de leis consolidado, nesse caso os tribunais
funcionaram como importantes canais dc criação de uma tradição
legal que assentou suas bases em algumas leis mais antigas, nem
sempre diretamente relacionadas ao cativeiro dos africanos.
A análise sobre o recurso aos tribunais empreendida por
Socorro Rangel mostra como noções diversas e díspares sobre o
direito à terra conviveram e se debateram nos conflitos que opuse­
ram grandes proprietários e lavradores organizados nas Ligas Cam­
ponesas nos anos 50-60 do século XX. Diferentemente dos casos
anteriores, porém, o recurso aos tribunais não aparece aqui como
espaço de resolução dos conflitos, de legitimação de direitos ou
de criação de bases legais para decisões jurídicas. Usados como
um recurso suplementar a partir do crescimento das tensões entre
camponeses e usineiros, os tribunais tornam-se mais um territó­
rio onde ocorrem os confrontos, com as disputas deixando a área
civil para se transformar em processos criminais.
6 | S. H. L a r a , J. M. N. Mendonça

Dois outros grandes temas da história brasileira poderiam


servir de eixo para aglutinar outros ensaios. A escravidão e as rela­
ções escravistas são tratadas explicitamente nos artigos de Keila
Grinberg, já mencionado, de Beatriz Mamigonian, sobre a expe­
riência dos africanos livres em meados do século XIX, de Eduar­
do Pena, sobre a legislação referente ao tráfico interno, e de El-
ciene Azevedo, sobre a presença de advogados e escravos no movi­
mento abolicionista em São Paulo, nos anos 1870-1880. A história
das experiências operárias constitui, por sua vez, tema central dos
artigos escritos por Alexandre Fortes, que tratam das greves e
das mobilizações gerais em Porto Alegre, na Primeira República;
por John French, sobre as relações entre a violência repressiva e
as chamadas leis sociais do período Vargas; e aqueles escritos por
Brodwyn Fischer, que examinam os pedidos dirigidos a Getúlio
Vargas pelos trabalhadores pobres, em busca dos benefícios estipu­
lados pelas leis trabalhistas, sociais e urbanas. Também nesse caso, o
recorte temático seria insuficiente, pois sem dúvida esses ensaios
poderiam estar associados a outros, seguindo critérios diversos.
Ao enfocar o modo como as leis são aplicadas, por exemplo,
alguns deles evidenciam os significados que foram atribuídos aos
textos e determinações legais por diferentes grupos sociais, o modo
com que foram interpretados por diversos sujeitos em confronto,
os argumentos escandidos em prol de uma ou outra parte. Esses
aspectos são particular mente evidentes nos ensaios de Beatriz
Mamigonian, que analisa as diferentes interpretações da lei de 1831
e como ela se tornou a base de muitas ações de liberdade, e de
Elciene Azevedo, que agrega à análise desse tema a ação de advo­
gados abolicionistas e escravos que recorriam aos tribunais da Jus­
tiça paulista.
Mas, ao mesmo tempo, esse último artigo possui uma interes­
sante discussão historiográfica, que redimensiona a oposição en­
tre “legalistas” e “radicais” presente em muitas análises do movi­
mento abolicionista de São Paulo. A perspectiva historiográfica
também está presente no artigo de Joseli Mendonça, que aborda a
militância de um famoso advogado e jurista da Primeira República,
Evaristo de Moraes. Ao examinar os artigos e ensaios produzidos
A p r es e n t a ç ã o | 17

por ele, sobretudo o livro que escreveu em 1924 sobre a história


da abolição, essa autora mostra como os parâmetros legais defi­
nidos para regular as relações de escravidão podiam ser associa­
dos à instituição de medidas legais destinadas a “proteger” os ope­
rários. O artigo de Brodwyn Fischer, de certa forma, dialoga com
a perspectiva militante analisada por Joseli Mendonça, pois mos­
tra os limites desse projeto. Abordando os aspectos excludentes
de leis que pretendiam reconhecer direitos trabalhistas para todos
os brasileiros, a autora evidencia quanto elas eram excludentes,
contribuindo para perpetuar as desigualdades sociais no Brasil.
A relação entre a lei e suas interpretações está presente tam­
bém, mas de outro modo, no artigo de Álvaro Nascimento, que
observa a constituição dos limites legais para a punição dos mari­
nheiros entre o final do século XIX e as primeiras décadas do sé­
culo XX. Opondo costumes e códigos escritos, acionados por ofi­
ciais e marinheiros de modos diversos, mas algumas vezes conver­
gentes, esse autor mostra como certos costumes podiam permanecer
para além das proibições legais e como a consolidação das mudan­
ças dos códigos dependia de transformações mais amplas nas pró­
prias relações sociais. A vontade legisladora que levou a diversas
elaborações jurídicas faz parte das reflexões de Beatriz Kushnir,
cujo artigo aponta que, mesmo em um período marcado pelo ar­
bítrio e pela suspensão de direitos, o regime militar recorreu à lei
como elemento legitimador dos atos de censura.
Todas essas análises evidenciam que, em determinados mo­
mentos e sob determinadas circunstâncias — como no contexto
do abolicionismo ou das greves de meados do século XX — , os
recursos ao Judiciário e aos princípios do direito foram reconhe­
cidos como estratégias privilegiadas na luta política. Mas indicam
também que o recurso aos artefatos legais não encobria as relações
conflituosas entre o exercício da violência e o domínio da lei. Esse
tema, abordado diretamente por John French, permite a esse autor
realizar uma desconstrução do famoso aforismo que opõe a ação
policial à legislação social getulista. Sem dúvida, estamos aqui no
terreno da construção de memórias legitimadoras de governos e
políticas de dominação. Essa questão, por sua vez, poderia ligar
| S. H. L a r a , ]. M. N. M en don ça

esse texto a outros, que lidam com a produção de narrativas que


produzem percursos históricos capazes de legitimar a propriedade
num certo contexto, como as analisadas por Márcia Motta e Socor­
ro Rangel, ou que ganham foros de interpretação historiográfica,
como no caso dos artigos de Elciene Azevedo e Joscli Mendonça.
Entre muitos ensaios, a aproximação poderia dar-se pela se­
melhança no mesmo movimento analítico que busca identificar os
direitos dos trabalhadores, livres ou escravos, e o modo como eles
eram acionados em diferentes situações. Nesse caso, é possível
reunir vários artigos: os de Keila Grinberg, Beatriz Mamigonian,
Eduardo Pena, Elciene Azevedo, Álvaro Nascimento, Alexandre
Fortes e Socorro Rangel, por exemplo.
Certamente o leitor poderá estabelecer entre os artigos que
compõem esta coletânea outras tantas relações e agrupamentos, além
dos que apontamos aqui. Dois elos, entretanto, talvez sejam os que
melhor estabeleçam o lastro de afinidade entre todos eles. Primeira-
/ mente, o reconhecimento de que todos os elementos do direito e
j, , j j f |f-0i da justiça não são unívocos nem singulares. Direitos diversos,.muitas
5 pd i;í’i Jvezes conflitantes entre si; leis que podem ser acionadas com
. (A Jü^/mtençõ es diferentes daquelas que estiveram na base de seu pro-
Jí£
/w-
> ■ ’A° . 1 i cesso de elaboração;
j 7
recursos aos tribunais
~
com
-
múltiplos sentidos
r -------------------- -------------------------------
1 1 //Í
a í

jli/i , em conjunturas distintas — tudo isso compõe um enorme leque


de possibilidades e temas que devem ser investigados à luz da
A P R E .S l i N T A Ç Ã O >9

Esta coletânea foi elaborada ao longo de três anos. Os ensaios foram


especialmente redigidos para ela e as primeiras versões, discuti­
das cm um seminário realizado em maio de 2003, como parte de
um projeto financiado pelo PRONEX. Nessa ocasião, além dos au­
tores, contamos com a colaboração de Sidney Chalhoub, Cláudio
Batalha e Michael Hall. Foram dois dias de intensos debates, nos
quais descobrimos muitas afinidades entre nossas pesquisas, inte­
resses e análises, bem além dos temas que serviram para agrupar
os textos nas mesas-redondas então organizadas. Aos comentários
e sugestões dessa primeira etapa, juntaram-se outros, mais espe­
cíficos, que foram incorporados durante um cuidadoso trabalho
de revisão dos textos, que se prolongou por mais de um ano. Esse
foi, sem dúvida, um período de experiências intelectuais gratifi-
cantes e produtivas. O resultado que apresentamos aqui é, pois,
verdadeiramente, um produto coletivo. Ele ainda foi acompanha­
do de perto pelos colegas da área de história social da UNICAMP e,
sobretudo, do C lX U LT , em especial pela Flávia Peral, que cuidou
da última revisão dos originais. A todos os que participaram desse
processo nosso muito obrigado.

Campinas, ju n h o de 2 0 0 5
As organizadoras

NOTAS
1 Para um panorama dessas modificações, ver Antonio Manuel I lespanha, Pa­
noram a h istó rico da cultura jurídica eu rop éia, 24 ed. Lisboa: D ih;;i ,, 1998.
2 Ver, cspecialmentc, Picrre Bourdieu, “A força do direito. Elementos para
uma sociologia do campo jurídico”, in O p o d e r sim bólico. Lisboa: D ih-L,
Bertrand do Brasil, 1989 [1989J, pp. 209-54, e Michcl Loucault, A verdade
e as form a s jurídicas. Rio de Janeiro: Nau Editora, 1999 [1974],
3 Ver, entre outros, Silvia Hunold Lara, C am pos da violência: escravos e s e ­
nhores na capitania d o R io dc Jan eiro. 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1988; Sidney Chalhoub, Visões da lib erd a d e: uma história das últi­
m as décadas da escravidão na C orte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990;
Maria Helena P. T. Machado, O plan o e o p â n ico: os m ov im en tos sociais na
década da abolição. Rio de janeiro: Editora da Ul l<]; São Paulo: F dusp, 1994;
2o | S. H. L a r a , J. M. N. M endonça

Flávio dos Santos Gomes, H istórias d e qu ilom b olas: m o ca m b o s e com u ni


dades d e senzalas no R io d e Ja n eiro , sécu lo XIX. Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 1995; Maria Cristina Cortez Wissenbach, Sonhos africanos, vi
vên cias ladinas: escravos e fo r r o s em São Paulo, 1850-1880. São Paulo:
H ucitec , História Social USP, 1998; Hebe Mattos, Das c o r e s d o silên cio :
o s sign ificados da lib erd a d e n o S u deste escravista — B rasil sécu lo XIX. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1998; Robert Slenes, Na senzala, uma flo r :
esperan ças c re c o r d a ç õ es na fo r m a çã o da fam ília escrava — Brasil Sudeste,
sécu lo XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
4 Como, por exemplo, Maria Silvia de Carvalho Franco, H om en s livres na
o rd em escravocrata. São Paulo: Ática, 1974; Patricia Ann Aufderheide, Or-
der and violence: social deviance and social control in Brasil, 1780-1840.
Tese de doutorado. Universidade de Minnesota, 1976; Mariza Corrêa,
' M o r te em fam ília: r e p r e s e n ta ç õ e s ju ríd icas d e p a p éis sexu ais. Rio de Ja­
neiro: Graal, 1983; Boris Fausto, C rim e e co tid ia n o : a crim in alid ad e em
São Paulo, 1880-1824. São Paulo: Brasiliense, 1984; Maria Helena P. T.
Machado, C rim e e es c ra v id ã o : tra ba lh o, luta e resistên cia nas lavouras
paulistas —- 1830-1888. São Paulo: Brasiliense, 1987; Ivone Maggie, M edo
d o fe itiç o : re la çõ es en tre m agia e p o d e r n o Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 1992.
5 Para uma discussão mais detalhada quanto às potencialidades das fontes pro­
cessuais para os estudos sobre a escravidão no Brasil, ver Robert Slenes,
“Escravos, cartórios c desburocratização: o que Rui Barbosa n ão queimou
será destruído agora?”, Revista Brasileira d e H istória, n“ 10, mar.-ago., 1985,
, pp. 66-196; e também Silvia Hunold Lara, “Processos crimes: o universo
das relações pessoais”, Anais d o M useu Paulista, 33, 1984, pp. 154-61.
6 Esse movimento não foi exclusividade dos estudiosos da escravidão africana,
mas se espraiou como um recurso analítico importante para outros pesqui­
sadores interessados no estudo da experiência histórica dc grupos sociais
que não deixaram registros textuais diretos. Ver, por exemplo, Laura de
Mello e Souza, O d iabo e a Terra d e Santa Cruz: feitiçaria c relig iosid ad e
p o p u la r n o Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986; Sidncy
Chalhoub, Trabalho, lar e b o teq u im : o cotid ian o d o s trabalhadores n o R io
d e Ja n eiro da belle époque. São Paulo: Brasiliense, 1986; Martha de Abreu
Esteves, M eninas p erd id a s: os p o p u la res e o cotid ian o d o a m o r n o R io de
Ja n eiro da belle époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989; John M. Mon­
teiro, N eg ro s da terra: índios e ban deiran tes nas o rig en s d e São Paulo. São
Paulo: Companhia das Letras, 1994; Márcia Maria Menendes Motta, Nas
fro n teira s d o p o d e r : co n flito d c terra e d ireito à terra no Brasil d o sécu lo
XIX. Rio de Janeiro: Vicio de Leitura, Arquivo Público do Estado do Rio de
Janeiro, 1998; Sueann Caulficld, Em d efes a da h o n ra : m oralid ad e, m o ­
d ern id a d e e nação no R io d e Ja n eiro (1918-1940). Campinas: Editora da
U nicami*, C ecult , 2000; Fernando Teixeira da Silva, O p erá rio s sem pa-
Apresentação

troes: os trabalh ad ores da cid ad e d e Santos no en tregu erras. Campinas:


Editora da U nicamp, 2003.
7 Ver, entre outros, Keíla Grinbcrg, L iberata — A le i da a m b ig u id ad e: as
a ções d e lib erd ad e da C o rte d e A pelação d o R io d e Ja n eiro n o sé cu lo XIX.
Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, e O fia d o r dos brasileiros: cidada­
nia, escravidão e d ireito civil no tem p o d e A n tôn io P ereira R ebou ças. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002; Elciene Azevedo, O rfeu d e Cara-
pin ha: a trajetória d e Luiz Gama na im p erial cid ad e d e São Paulo. Campi­
nas: Editora da U nicamp, C ecult, 1999; Joseli Maria Nunes Mendonça, En-1
tre a m ão e os anéis: a L ei dos Sexagenários e os cam inhos da abolição no 4
Brasil. Campinas: Editora da U nicamp, C ecult, 1999; Eduardo Spiller Pena,.
Pajcns da casa im perial: jurisconsullos, escravidão e a lei de 1871. Campinas: j,
Editora da U nicamp, C ecult, 2001.
8 Ver, entre outros, Francisco Foot Hardman, N em pátria, n em p a trão : vida
op erária e cultura anarquista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1983; Maria
Auxiliadora G. Decca, A vida fora das fábricas. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987; Elisabeth Souza-Lobo, A classe op erá ria tem d ois se x o s : trabalho,
d om in ação e resistên cia. São Paulo: Brasiliense, 1992; Maria Lúcia Caira
Gitahy, Ventos d o m ar: trabalhadores d o p o r to , m ov im en to o p erá rio e cu l­
tura urbana em Santos, 1889-1914. São Paulo: Editora Unesp , Prefeitura
Municipal de Santos, 1993; Maria Cecília Velasco e Cruz, Virando o jogo:
estivadores e carregadores no Rio de Janeiro da Primeira República. Tese
de doutorado, USP. São Paulo, 1998. Para um balanço historiográfico dessa
produção, ver Michael Hall e Paulo Sérgio Pinheiro, “Alargando a história
da classe operária”, R em a te d e M ales, 5, 1985, pp. 96-120; Maria Cclia
Paoli, Eder Sader e Vera da Silva Tellcs, “Pensando a classe operária: os
trabalhadores sujeitos ao imaginário acadêmico”, Revista Brasileira d e H is­
tória, 6, set., 1983, pp. 129-49; e Cláudio H. M. Batalha, “A historiografia da
classe operária no Brasil: trajetória c tendências”, in Marcos Cezar dc Freitas
(org.), H istoriografia brasileira cm perspectiva. São Paulo: Contexto, 2000,
pp. 145-58.
9 Ver, por exemplo, Kazumi Munakata, A legislação trabalhista no Brasil. São
Paulo: Brasiliense, 1981; Angela Maria de Castro Gomes, Burguesia e tra­
ba lh o: p o lítica e legislação social n o Brasil (1917-1937). Rio de Janeiro:
Campus, 1979; A invenção d o trabalhism o. São Paulo: Vértice, Iupf.r j , 1988;
Cidadania e d ireito s d o trabalho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002; Maria
Célia Paoli, Labor, law and State in Brazil: 1930-1950. Tese de doutorado,
Birkbeck College, University of London. Londres, 1987; Barbara Weinstein,
(R e )fo r m a ç ã o da classe trabalhadora n o B rasil (1920-1964). São Paulo:
Cortez, C daph—Ifan, Universidade São Francisco, 2000; Michael Hall, “La­
bor and thc law in Brazil”, in Marcei Van Der Linden e Richard Price (orgs.),
The risc and d ev clo p m en t o f co llectiv c lab ou r law. Bern, Nova Iorque: Peter
Lang, 2000, pp. 79-95, e “Corporativismo c fascismo nas origens das leis
22 | S. H. L a r a , J. M. N. M hndonça

trabalhistas brasileiras”, in Ângela M. C. Araújo (org.), D o corporativism o


ao n c o lib er a lism o : E stado e trabalh ad ores no Brasil c na Inglaterra. São
Paulo: Boitempo, 2002, pp. 13-28; Ângela Araújo, A con stru ção d o c o n ­
sen tim e n to : c o rp o ra tiv ism o e tra b a lh ad o res n o B rasil d o s an os 30. São
Paulo: Edições Sociais, 1998; John Frcnch, A fogados cm leis: a CLT c a
cultura p o lítica dos trabalhadores brasileiros. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2001.
10 Significativamente, esse foi o título de uma coletânea que reúne ensaios pro­
duzidos dessa perspectiva: Alexandre Fortes e outros (orgs.), Na luta p o r
direitos: estudos recen tes cm história social d o trabalho. Campinas: Editora
da U nicamp, 1999.
1 1 Fernando Teixeira da Silva c Hclio Costa, “Trabalhadores urbanos e po-
pulismo: um balanço dos estudos recentes”, in Jorge Ferreira (org.), O
p o p u lis m o c sua h istó ria: d e b a te c crítica. Rio de Janeiro: Civilização Bra­
sileira, 2001, pp. 205-71; John Frcnch, “The origin of corporatist State
intervention in Brazilian industrial relations, 1930-1934: a critique of the
literature”, Luso-Brazilian R cv iew , 28/2, inverno, 1991, pp. 13-26, e A fo ­
g a d o s em leis, op. cit.
12 A esse respeito, ver Silvia Hunold Lara, “Escravidão, cidadania e história
do trabalho no Brasil”, P ro jeto H istória, 16, 1998, pp. 25-38; e Ângela de
Castro Gomes, “Questão social c historiografia no Brasil do pós 1980: notas
para um debate”, Estudos H istóricos, 34, jul.-dcz., 2004, pp. 157-86.
1 3 Edward P. Thompson, Senhores e. caçadores. A origem da lei negra. Rio de
janeiro: Paz e Terra, 1987 |1975J; c C ostu m es em com u m : estu dos s o b r e a
cultura p o p u la r tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998 [1991],
14 Como afirma Ângela dc Castro Gomes, em “Questão social c historiografia
no Brasil do pós-1980: notas para um debate”, op. cit., p. 176: “se os escra­
vos souberam agir nas brechas que a lei de 1871 lhes abriu, também os
trabalhadores urbanos [...] procuraram usar os direitos que as novas leis
estabeleciam, até porque podiam defendê-los através de uma instituição
igualmente nova: a Justiça do Trabalho”.
V I V E R EM A L D E A M E N T O S
ENCONTROS E CONFRONTOS NAS POVOAÇÕES
IA AMAZÔNIA PORTUGUESA, SÉCULO X V III*

Patrícia Melo Sampaio

Foi uma jornada extenuante. Como sempre, a expedição de coleta


dos produtos da floresta havia-se estendido muito além do progra­
mado. Ainda assim, Machy estava satisfeito seguindo rumo a sua m o­
rada, naquela manhã de 1818. Logo seu ânimo mudaria e o desespero
tomaria conta do líder dos índios marauás.
Ao aproximar-se do lugar, recebeu a notícia de que toda sua família
havia sido capturada pelas tropas de Francisco Ricardo Zany, o trucu­
lento comandante das armas da capitania de São José do Rio Negro,
em uma das expedições dc apresamento de índios realizadas na
região. Além de aprisionar 19 pessoas, as tropas ainda saquearam
seu sítio, levando animais, farinhas e ferram entas.1

A despeito do que se possa pensar, não se tratava de uma expe­


dição punitiva. Machy não tinha a reputação de ser uma liderança
aleivosa e rebelde. Ao contrário. O líder principal dos Marauá
estabelecera-se com sua gente na foz do rio Jutaí, próximo à povoa-
ção de Fonte Boa, havia certo tempo. Seus esforços sistemáticos
para convencer a extensa parentela a fixar-se na povoação repre­
sentavam contribuição importante para o crescimento das dimi-

* Este texto contém resultados parciais do projeto Políticas Indígenas c


Indigcnistas: índios Aldeados e Políticas Oficiais no Grâo-Pará, Séculos XVIII
c XIX, financiado pelo CNPq/MCT. Agradeço aos colegas do seminário
realizado em maio de 2001, na U nicamp, a acolhida generosa, a leitura inte­
ressada e as sugestões preciosas. De modo singular, sou grata às minuciosas
observações de Silvia Hunold Lara.

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