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Tratamento

Medicamentoso
das Epilepsias

10095332 DEP-LIVRO TRATAMENTO EPILEPSIA MAR/14

Tratamento Medicamentoso das Epilepsias


Editoras
Elza Márcia Targas Yacubian
Guilca Contreras-Caicedo
Loreto Ríos-Pohl

Apoio:
Tratamento
Medicamentoso
das Epilepsias

Editoras
Elza Márcia Targas Yacubian
Guilca Contreras-Caicedo
Loreto Ríos-Pohl
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Copyright © 2014 – Elza Márcia Targas Yacubian/Guilca Contreras-Caicedo/Loreto Ríos-Pohl

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou sistema, sem prévio
consentimento da Editora, ficando os infratores sujeitos às penas previstas em lei.
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Tratamento medicamentoso das epilepsias / editores


Elza Márcia Targas Yacubian/Guilca Contreras-Caicedo/Loreto Ríos-Pohl – São Paulo :
Leitura Médica Ltda., 2014.
Vários colaboradores.
Bibliografia
ISBN 978-85-61125-0
1. Epilepsia – Tratamento 2. Epilépticos
3. Medicamentos – Administração I. Yacubian, Elza Márcia Targas.
II. Contreras-Caicedo, Guilca. III. Ríos-Pohl, Loreto.

Índice para catálogo sistemático:


1. Epilepsias : Tratamento medicamentoso : Medicina

Impresso no Brasil
2014
Editoras
Elza Márcia Targas Yacubian
Professora Adjunta Livre Docente do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista
de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Guilca Contreras-Caicedo
Neuropediatra, Professora de Neurologia do Centro Medico la Trinidad, Caracas, Venezuela.

Loreto Ríos-Pohl
Professora Adjunta da Universidad de Chile. Chefe do Laboratório de Eletroencefalografia do Centro
Avanzado Clínica Las Condes. Liga Chilena contra la Epilepsia, Santiago, Chile.
Colaboradores

Alicia Bogacz
Neurologista e Neurofisiologista. Integrante da Seção de Epilepsia do Instituto de Neurologia,
Montevidéu, Uruguai.

Américo Ceiki Sakamoto


Professor Titular de Neurologia do Departamento de Neurologia, Neurocirurgia e Psicologia da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

André Palmini
Professor do Departamento de Medicina Interna da Divisão de Neurologia da Faculdade de Medicina
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Chefe do Serviço de Neurologia e diretor
científico do Programa Cirurgia da Epilepsia do Hospital São Lucas, Rio Grande do Sul, Brasil.

Carlos Alberto Mantovani Guerreiro


Professor Titular de Neurologia do Departamento de Neurologia Familiar da Faculdade de Ciências
Médicas, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.

Carmen Lisa Jorge


Assistente Doutora da Clínica Neurológica do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Elza Márcia Targas Yacubian


Professora Adjunta Livre Docente do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista
de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Érika Viana
Neurologista, ex Residente da Divisão de Neurologia do Departamento de Medicina Interna
da Faculdade de Medicina e do Programa de Cirurgia da Epilepsia e Grupo de Estudos em
Neuropsiquiatria do Serviço de Neurologia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica,
Rio Grande do Sul, Brasil.

Fernando Cendes
Professor Titular do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade
Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.

Guilca Contreras-Caicedo
Neuropediatra, Professora de Neurologia do Centro Medico la Trinidad, Caracas, Venezuela.
Iscia Lopes Cendes
Professora Titular do Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.

Jaderson Costa da Costa


Professor Titular de Neurologia da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul. Chefe do Serviço de Neurologia do Hospital São Lucas, Rio Grande do Sul, Brasil.

José Luiz Dias Gherpelli


Livre-docente em Neurologia. Assistente do Serviço de Neurologia Infantil da Clínica Neurológica do
Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo,
São Paulo, Brasil.

Letícia Pereira de Brito Sampaio


Assistente Doutora de Neuropediatria da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Loreto Ríos-Pohl
Professora Adjunta da Universidad de Chile. Chefe do Laboratório de Eletroencefalografia do Centro
Avanzado Clínica Las Condes. Liga Chilena contra la Epilepsia, Santiago, Chile.

Luciano de Paola
Chefe do Serviço de Eletroencefalografia e Epilepsia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal
do Paraná. Epicentro – Centro de Atendimento Integral de Epilepsia do Hospital Nossa Senhora das
Graças, Paraná, Brasil.

Luis Carlos Mayor


Diretor da Clínica de Epilepsia do Departamento de Neurologia do Hospital Universitario Fundación
Santa Fe de Bogotá, Bogotá, Colômbia.

Luís Otávio Sales Ferreira Caboclo


Assistente Doutor da Unidade de Pesquisa e Tratamento das Epilepsias, Departamento de Neurologia
e Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo. Coordenador do Departamento de
Neurofisiologia Clínica do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, Brasil.

Luiz Eugênio Araujo de Moraes Mello


Professor Titular de Neurofisiologia, Departamento de Fisiologia da Escola Paulista de Medicina da
Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Maria Elisa Calcagnotto


Professora Adjunta do Departamento de Bioquímica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Rio Grande do Sul, Brasil.
Maria Luiza G. de Manreza
Assistente Doutora da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Marilisa Mantovani Guerreiro


Professora Titular de Neurologia Infantil do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências
Médicas, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.

Patricia Braga
Mestre em Ciências Médicas, Professora Adjunta de Neurologia, Instituto de Neurologia, Facultad de
Medicina, Universidad de la Republica, Montevidéu, Uruguai.

Patricia Saidón
Sección de Epilepsia da División de Neurología do Hospital R. Mejía, Centro de Neurociencias
Clínicas y Aplicadas do Instituto de Biología Celular y Neurociencias da Facultad de Medicina da
Universidad de Buenos Aires – Consejo Nacional de Investigación Científico y Tecnológico (Conicet),
Buenos Aires, Argentina.

Silvia Kochen
Sección de Epilepsia da División de Neurología do Hospital R. Mejía, Centro de Neurociencias
Clínicas y Aplicadas do Instituto de Biología Celular y Neurociencias da Facultad de Medicina da
Universidad de Buenos Aires – Consejo Nacional de Investigación Científico y Tecnológico (Conicet),
Buenos Aires, Argentina.

Valentín Sainz Costa


Professor de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Central da Venezuela, Caracas,
Venezuela.

Vera Cristina Terra


Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Epicentro - Centro de Atendimento Integral
de Epilepsia - Hospital Nossa Senhora das Graças, Paraná, Brasil.
Índice
Parte 1 - Bases para a terapêutica com fármacos antiepilépticos
Classificando as crises epilépticas para a programação terapêutica........................................... 19
Classificação das Crises Epilépticas (1981) ..................................................................................................................................... 20
Classificação das Síndromes Epilépticas (1989).............................................................................................................................. 23
Classificação das crises epilépticas e epilepsias (2001)................................................................................................................... 25
Classificação das crises epilépticas e epilepsias (2010)................................................................................................................... 27
Relatório da Comissão de Classificação da ILAE sobre classificação e terminologia das epilepsias (2013)...................................... 32

Farmacocinética dos fármacos antiepilépticos.......................................................................... 35


Farmacologia, farmacocinética e farmacodinâmica....................................................................................................................... 35
Farmacocinética: absorção, distribuição e eliminação.................................................................................................................... 35
Conceito de biodisponibilidade - Área sob a curva......................................................................................................................... 35
Distribuição - Conceito de volume de distribuição......................................................................................................................... 38
Importância de conhecer o volume de distribuição dos agentes antiepilépticos............................................................................ 38
Ligação a proteínas plasmáticas.................................................................................................................................................... 39
Eliminação - Depuração renal........................................................................................................................................................ 39
Implicações do conceito de
meia-vida de eliminação............................................................................................................................................................... 39
Biotransformação.......................................................................................................................................................................... 40
Arenos óxidos e “síndrome da hipersensibilidade a anticonvulsivantes” e malformações fetais..................................................... 41
Indução enzimática....................................................................................................................................................................... 43
Inibição enzimática........................................................................................................................................................................ 44
Farmacocinéticas linear e não linear.............................................................................................................................................. 44
Tolerância ..................................................................................................................................................................................... 44
Toxicidade...................................................................................................................................................................................... 45
Metabolismo dos fármacos antiepilépticos ao longo da vida......................................................................................................... 45
Níveis séricos - Conceito de faixa terapêutica................................................................................................................................. 46
Momento para a coleta das amostras............................................................................................................................................ 48

Evolução da terapêutica medicamentosa das epilepsias............................................................ 51

Parte 2 - O período empírico. Os fármacos antiepilépticos tradicionais


Fenobarbital. Um fármaco efetivo mais de um século após sua descoberta................................. 59
Mecanismo de ação....................................................................................................................................................................... 59
Dados farmacocinéticos................................................................................................................................................................. 60
Interações medicamentosas.......................................................................................................................................................... 60
Eficácia.......................................................................................................................................................................................... 60
Tolerabilidade................................................................................................................................................................................ 61
Teratogenicidade........................................................................................................................................................................... 62
Retirada de fenobarbital................................................................................................................................................................ 63
Única ingesta................................................................................................................................................................................. 63
Indicações de fenobarbital............................................................................................................................................................. 63
Custo.............................................................................................................................................................................................. 63

Fenitoína. Explorando a estrutura molecular


dos barbitúricos...................................................................................................................... 65
Estrutura química.......................................................................................................................................................................... 65
Mecanismos de ação...................................................................................................................................................................... 66
Uso clínico...................................................................................................................................................................................... 66
Farmacocinética............................................................................................................................................................................. 68
Interações medicamentosas.......................................................................................................................................................... 68
Efeitos adversos............................................................................................................................................................................. 70
Efeitos relacionados à dose............................................................................................................................................................ 70
Efeitos relacionados à administração............................................................................................................................................. 70
Reações idiossincrásicas................................................................................................................................................................. 70
Efeitos tardios ou efeitos
adversos crônicos........................................................................................................................................................................... 70
Reações hematológicas e deficiência de folato.............................................................................................................................. 71
Distúrbios endocrinológicos........................................................................................................................................................... 71
Distúrbios imunológicos................................................................................................................................................................ 71
Atrofia cerebelar............................................................................................................................................................................ 71
Efeitos sobre a atividade elétrica cerebral...................................................................................................................................... 72
Uso em mulheres........................................................................................................................................................................... 72
Fosfenitoína................................................................................................................................................................................... 72

Carbamazepina. O desenvolvimento a partir dos psicotrópicos.................................................. 75


Estrutura química.......................................................................................................................................................................... 75
Mecanismo de ação....................................................................................................................................................................... 75
Absorção e via de administração.................................................................................................................................................... 76
Distribuição em vários tecidos....................................................................................................................................................... 76
Metabólito ativo............................................................................................................................................................................ 76
Metabolismo e excreção................................................................................................................................................................ 76
Eliminação (meia-vida).................................................................................................................................................................. 77
Depuração plasmática................................................................................................................................................................... 77
Interação de fármacos................................................................................................................................................................... 77
Espectro de atividade e indicações primárias................................................................................................................................. 78
Dose e frequência.......................................................................................................................................................................... 78
Preparação usual........................................................................................................................................................................... 79
Outras formulações........................................................................................................................................................................ 79
Monitoração de níveis séricos e concentrações terapêuticas.......................................................................................................... 79
Reações adversas importantes....................................................................................................................................................... 79

Valproato. O amplo espectro de um solvente............................................................................ 81


Estrutura química.......................................................................................................................................................................... 81
Mecanismos de ação...................................................................................................................................................................... 81
Uso clínico...................................................................................................................................................................................... 83
Formas de administração............................................................................................................................................................... 84
Distribuição................................................................................................................................................................................... 86
Metabolismo................................................................................................................................................................................. 86
Dosagem de níveis séricos............................................................................................................................................................. 87
Interações medicamentosas.......................................................................................................................................................... 88
Efeitos adversos............................................................................................................................................................................. 90
Efeitos relacionados à dose............................................................................................................................................................ 90
Reações idiossincrásicas................................................................................................................................................................. 93

Benzodiazepínicos. A importância no tratamento agudo de crises epilépticas............................. 97


Estrutura química.......................................................................................................................................................................... 97
Mecanismos de ação...................................................................................................................................................................... 97
Efeitos em modelos animais.......................................................................................................................................................... 99
Efeitos em seres humanos.............................................................................................................................................................. 99
Fármacocinética e formas de administração.................................................................................................................................. 99
Dosificação de níveis plasmáticos................................................................................................................................................ 100
Interações farmacológicas........................................................................................................................................................... 100
Tolerabilidade.............................................................................................................................................................................. 102
Tolerância.................................................................................................................................................................................... 103
Uso clínico.................................................................................................................................................................................... 103
Situações especiais...................................................................................................................................................................... 105

Parte 3 - Explorando os princípios farmacocinéticos e farmacodinâmicos


O desenvolvimento de novas estruturas moleculares...............................................................111
Pontos de atuação....................................................................................................................................................................... 113
Neurotrofinas, adenosina e NPY - Anticonvulsivantes endógenos?.............................................................................................. 113
Via de sinalização celular - Novos alvos intracelulares?................................................................................................................ 115
Ácido gama-aminobutírico e glutamato - Objetos de ação dos anticonvulsivantes exógenos ..................................................... 115
Bloqueio de canais de sódio e cálcio explica tudo?....................................................................................................................... 117

Os fármacos antiepilépticos desenvolvidos a partir de modificações moleculares


de compostos com reconhecida eficácia
Oxcarbazepina. Grandes diferenças após pequena alteração molecular.....................................121
Mecanismos de ação.................................................................................................................................................................... 122
Farmacocinética........................................................................................................................................................................... 122
Monoterapia................................................................................................................................................................................ 123
Politerapia................................................................................................................................................................................... 124
Tolerabilidade.............................................................................................................................................................................. 124
Outros potenciais efeitos adversos............................................................................................................................................... 125
Uso clínico.................................................................................................................................................................................... 125
Parte 4 - Os fármacos antiepilépticos com novas estruturas moleculares
Lamotrigina. A ação extendida de um bloqueador de canais.....................................................131
Estrutura química........................................................................................................................................................................ 131
Mecanismos de ação.................................................................................................................................................................... 131
Farmacocinética........................................................................................................................................................................... 132
Interação medicamentosa........................................................................................................................................................... 133
Uso clínico.................................................................................................................................................................................... 134
Exacerbação de crises................................................................................................................................................................... 138
Formas de administração............................................................................................................................................................. 139
Dosagem de níveis séricos........................................................................................................................................................... 139

Vigabatrina. Potencialização gabaérgica mediante inibição enzimática irreversível..................143


Estrutura química........................................................................................................................................................................ 143
Mecanismos de ação.................................................................................................................................................................... 143
Uso clínico.................................................................................................................................................................................... 144
Níveis séricos............................................................................................................................................................................... 146
Farmacocinética........................................................................................................................................................................... 147
Interações medicamentosas........................................................................................................................................................ 147
Efeitos adversos........................................................................................................................................................................... 147

Topiramato. Os múltiplos mecanismos de ação de um derivado sulfamato.................................151


Farmacologia............................................................................................................................................................................... 151
Mecanismos de ação.................................................................................................................................................................... 151
Farmacocinética........................................................................................................................................................................... 152
Interação medicamentosa........................................................................................................................................................... 152
Eficácia clínica.............................................................................................................................................................................. 153
Epilepsia de início recente............................................................................................................................................................ 157
Estado de mal epiléptico.............................................................................................................................................................. 159
Segurança e tolerabilidade.......................................................................................................................................................... 160
Conduta ante os efeitos adversos................................................................................................................................................. 163
Outras indicações......................................................................................................................................................................... 163
Apresentações e doses................................................................................................................................................................. 163
Prevenção da epilepsia em populações de risco........................................................................................................................... 164

Gabapentina. Uma molécula não metabolizada.......................................................................171


Estrutura química........................................................................................................................................................................ 171
Mecanismo de ação..................................................................................................................................................................... 171
Ação em modelos animais........................................................................................................................................................... 172
Uso clínico.................................................................................................................................................................................... 173
Farmacocinética........................................................................................................................................................................... 173
Formas de administração............................................................................................................................................................. 174
Efeitos adversos........................................................................................................................................................................... 175
Carcinogênese e mutagênese...................................................................................................................................................... 175
Teratogenicidade......................................................................................................................................................................... 176
Reprodução................................................................................................................................................................................. 176
Pregabalina. Sucedendo a gabapentina com maior eficácia em crises parciais...........................179
Mecanismos de ação.................................................................................................................................................................... 179
Ação em modelos animais........................................................................................................................................................... 180
Farmacocinética........................................................................................................................................................................... 180
Eficácia........................................................................................................................................................................................ 181
Metodologia................................................................................................................................................................................ 181
Resultados................................................................................................................................................................................... 182
Efeitos adversos........................................................................................................................................................................... 184
Vantagens.................................................................................................................................................................................... 185
Indicações.................................................................................................................................................................................... 185
Posologia..................................................................................................................................................................................... 185
Precauções................................................................................................................................................................................... 185

Lacosamida. Um bloqueador de canal de sódio com perfil farmacocinético próximo ao ideal ......189
Estrutura química........................................................................................................................................................................ 189
Mecanismos de ação.................................................................................................................................................................... 189
Indicações.................................................................................................................................................................................... 190
Apresentações............................................................................................................................................................................. 190
Doses........................................................................................................................................................................................... 190
Ampolas...................................................................................................................................................................................... 191
Doses em pacientes com insuficiência renal................................................................................................................................. 191
Doses em pacientes com insuficiência hepática........................................................................................................................... 191
Farmacocinética........................................................................................................................................................................... 191
Interações medicamentosas........................................................................................................................................................ 191
Efeitos secundários...................................................................................................................................................................... 191
Precauções................................................................................................................................................................................... 192

Levetiracetam. Perfil farmacocinético próximo ao ideal em um fármaco de amplo espectro.......193


Farmacologia............................................................................................................................................................................... 193
Farmacocinética........................................................................................................................................................................... 194
Interações farmacodinâmicas...................................................................................................................................................... 195
Indicações.................................................................................................................................................................................... 195
Doses e administração................................................................................................................................................................. 195
Efeitos adversos........................................................................................................................................................................... 196
Fatores positivos a considerar...................................................................................................................................................... 197
Usos promissores (não autorizados) em situações especiais e síndromes específicas................................................................... 198

Parte 5 - A eficácia em algumas situações


Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas..............................................................207
Dietas cetogênicas....................................................................................................................................................................... 207
Hormônio adrenocorticotrópico (ACTH)....................................................................................................................................... 214
Imunoglobulinas......................................................................................................................................................................... 216
Piridoxina (vitamina B6).............................................................................................................................................................. 218
Sultiame...................................................................................................................................................................................... 221
Acetazolamida............................................................................................................................................................................. 223
Brometos..................................................................................................................................................................................... 226
Piracetam.................................................................................................................................................................................... 229
Parte 6 - A programação terapêutica
Quando iniciar o tratamento com fármacos antiepilépticos?.....................................................235
Tratamento da primeira crise não provocada: diferenças regionais.............................................................................................. 235
Aspectos que influenciam a decisão de iniciar o tratamento........................................................................................................ 236
Não existem evidências de que crises “atraiam” crises!................................................................................................................. 237
Recorrência após a primeira crise em crianças............................................................................................................................. 237
Recorrência em crianças............................................................................................................................................................... 238
Fármacos antiepilépticos modificam a recorrência em crianças?.................................................................................................. 238
Risco de recorrência após a primeira crise.................................................................................................................................... 238
Risco associado a fármacos antiepilépticos.................................................................................................................................. 239
Critérios para iniciar o tratamento com fármacos antiepilépticos................................................................................................. 239

Estratégias medicamentosas nas epilepsias parciais: papel dos diagnósticos


sindrômico e subsindrômico...................................................................................................241
Epidemiologia do controle das crises epilépticas nas epilepsias parciais...................................................................................... 243
Desencadeantes de crises: conhecidos e desconhecidos, evitáveis e inevitáveis........................................................................... 244
Princípios básicos de farmacocinética para o uso adequado de fármacos antiepilépticos e planejamento da dosagem............... 246
Níveis séricos: quando solicitar e como interpretar?..................................................................................................................... 247
Conduta prática das epilepsias parciais........................................................................................................................................ 248
Quando mesmo assim as crises persistem refratárias ao tratamento medicamentoso................................................................. 250

Quando interromper o tratamento.........................................................................................253


Questões pungentes e respostas disponíveis................................................................................................................................ 253

O tratamento em condições especiais......................................................................................267


Uso de fármacos antiepilépticos na gestação e lactação.............................................................................................................. 267
Anticoncepcionais e fármacos antiepilépticos.............................................................................................................................. 270
Uso de fármacos antiepilépticos na insuficiência renal................................................................................................................ 270
Uso de fármacos antiepilépticos na insuficiência hepática........................................................................................................... 271
Uso de fármacos antiepilépticos em indivíduos idosos ................................................................................................................ 271

Epilepsias refratárias.............................................................................................................275
O que é epilepsia refratária?........................................................................................................................................................ 275
Quantos pacientes têm epilepsia refratária?................................................................................................................................ 276
Quais são as epilepsias refratárias?.............................................................................................................................................. 277
O que é pseudorefratariedade?.................................................................................................................................................... 278
Qual é a história natural das epilepsias refratárias?...................................................................................................................... 279
Mecanismos envolvidos na refratariedade................................................................................................................................... 280
Alteração dos sítios de ação dos fármacos antiepilépticos............................................................................................................ 280
Proteínas transportadoras de múltiplos fármacos antiepilépticos................................................................................................ 281
Outras hipóteses.......................................................................................................................................................................... 283
Introdução

O
impacto do desenvolvimento tecnológico na caracterização das
crises e síndromes epilépticas como a utilização da vídeo-ele-
troencefalografia e de diversas técnicas de neuroimagem estru-
tural e funcional está sendo acompanhado por esforços consideráveis no
campo da pesquisa básica visando a compreensão dos processos envolvi-
dos na epileptogênese e de novas moléculas de fármacos que intervenham
nestes mecanismos fisiopatogênicos.

Nas últimas décadas surgiram muitos fármacos antiepilépticos (FAEs) no-


vos e vários outros encontram-se em diferentes fases de desenvolvimento
em todo o mundo, dificultando o acompanhamento deste desenvolvimen-
to por profissionais que tratam pacientes com epilepsia.

Este livro é o produto do esforço de um grupo de pesquisadores latino


americanos visando a atualização, de forma simples, direta e prática no
tratamento medicamentoso das epilepsias. São enfatizados os principais
aspectos de cada fármaco como mecanismos de ação, aspectos farmaco-
cinéticos, uso clínico, interações medicamentosas e efeitos adversos.

Os dados aqui contidos auxiliam na execução do primeiro dos preceitos


básicos no tratamento das epilepsias, ou seja, o de que o tratamento far-
macológico deve ter como objetivo o controle completo das crises que
poderá ser alcançado em cerca de 70% dos casos. Os pacientes que após
um ano de tratamento medicamentoso continuam apresentando crises
deverão ser referidos a um centro de epilepsia e, se crises incapacitantes
persistem após dois anos de tratamento farmacológico adequado, deverão
ser avaliados quanto a possibilidade de tratamento cirúrgico. Utiliza-se o
intervalo de dois anos, que pode ser menor em crianças e em pacientes
com encefalopatias epilépticas, pois a experiência acumulada sugere que
após este tempo, é improvável que ocorra melhora após outras tentativas
de alterações medicamentosas e os resultados cirúrgicos dependem, em
parte, da duração da condição epiléptica e das consequências cognitivas e
psicossociais de crises persistentes. Nos pacientes que, a despeito da utili-
zação de todas as alternativas terapêuticas, continuam a apresentar crises,
é preciso enfatizar que não há necessidade do controle de todas as crises
parciais simples e crises generalizadas não convulsivas que não interfiram
substancialmente nas atividades da vida diária quando estes esquemas me-
dicamentosos ocasionam desconforto e incapacidade. Em pacientes com
retardo mental e múltiplos tipos de crises que exigem supervisão cons-
tante, um evento crítico pode ser preferível a níveis de FAEs que compro-
metam ainda mais a função cognitiva ou que pioram a qualidade de vida.
Quando todas as tentativas farmacológicas não influenciaram a frequência
ou a gravidade das crises, ou os efeitos tóxicos são intoleráveis, mesmo
com níveis de fármacos abaixo daqueles necessários para influenciar de
forma significante o padrão das crises, pode ser benéfica a redução lenta e
até mesmo a interrupção da medicação. Em alguns pacientes esta conduta
pode melhorar a frequência das crises. Em outros, a retirada de FAEs não
tornará pior a condição epiléptica, mas o paciente será liberado da inges-
tão dos comprimidos e de efeitos adversos.

Oito anos após a segunda edição, respeitando o desenvolvimento histó-


rico dos diferentes medicamentos, abordamos os fármacos de primeira,
segunda e terceira gerações nos diferentes capítulos, terminando com a
discussão da programação terapêutica e dos resultados das pesquisas com
as proposições sobre os mecanismos envolvidos na refratariedade a FAEs.

Elza Márcia Targas Yacubian


Guilca Contreras-Caicedo
Loreto Ríos-Pohl
São Paulo, março de 2014.
Parte 1

Bases para a terapêutica com drogas antiepilépticas


1. Classificando as crises epilépticas para a programação terapêutica
Vera Cristina Terra Bustamante
Américo Ceiki Sakamoto
2. Farmacocinética dos fármacos antiepilépticas
Elza Márcia Targas Yacubian
3. Evolução da terapêutica medicamentosa das epilepsias
Elza Márcia Targas Yacubian
Classificando as crises
1 epilépticas para a
programação terapêutica
Vera Cristina Terra
Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Epicentro- Centro de Atendimento
Integral de Epilepsia- Hospital Nossa Senhora das Graças, Paraná, Brasil.
Américo Ceiki Sakamoto
Professor Titular de Neurologia do Departamento de Neurologia, Neurocirurgia e Psicologia da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Atualmente, estima-se que há mais de 50 mi- porcentagem de pacientes não podia ser enqua-
lhões de pessoas com epilepsia no mundo, a maio- drada na Classificação de 1989, especialmente
ria vivendo em países em desenvolvimento, onde quando se tratava de crianças no primeiro ano de
a qualidade de vida é pior e a incidência de in- vida (até 27% dos casos não puderam ser classifi-
fecções do sistema nervoso central (SNC), maior1. cados)8 ou adultos com crises noturnas (34% dos
Na população mundial, a prevalência de epi- casos não classificados, sendo geralmente incluí-
lepsia encontra-se entre 1,5 e 30 casos para cada dos nas categorias não especificadas)9,10. Alguns
mil habitantes2. Segundo um estudo realizado em autores relataram dificuldades em incluir pacien-
São José do Rio Preto (SP), a prevalência de epi- tes aparentemente com epilepsias criptogênicas,
lepsia acumulada e ativa é de 18,6 casos por mil mas que não apresentavam todos os critérios
habitantes, diminuindo para 8,2 por mil habitan- para o diagnóstico de uma das síndromes descri-
tes nos casos de epilepsia ativa, situação em que tas na classificação11,12. Com o avanço das pesqui-
ocorre pelo menos uma crise no período dos úl- sas na área de epileptologia, novos diagnósticos
timos dois anos3. Desde o século 19, essa elevada sindrômicos vêm sendo descritos e divergências
incidência fez surgir a necessidade de classificar entre eles passaram a ocorrer. Vários autores
os diferentes tipos clínicos de fenômenos epilép- propuseram uma mudança na classificação das
ticos4. Diversas tentativas foram feitas, até que em crises e síndromes epilépticas. No entanto, havia
1969 foi desenvolvida uma classificação pela Liga dúvidas de como essa nova classificação deveria
Internacional contra a Epilepsia (ILAE), revisada ser conduzida, principalmente quando se consi-
em 1981, resultando na Classificação das Crises derava que a maioria dos pacientes com epilepsia
Epilépticas5. Nesta, a determinação do tipo de é acompanhada por neurologistas gerais e não
crise epiléptica baseava-se na associação de acha- epileptologistas, o que dificultaria a inclusão dos
dos eletroclínicos. Em 1985 foi publicada a pro- pacientes em síndromes muito específicas. Outra
posta de Classificação das Síndromes Epilépticas, dificuldade a ser considerada na nova classifica-
a qual foi revista em 19896,7. Embora essa classi- ção seria quais exames complementares deve-
ficação tenha sido amplamente utilizada, alguns riam ser utilizados, desde que, mesmo com o uso
estudos epidemiológicos realizados para deter- crescente de exames de neuroimagem e estudos
minar a frequência dos diferentes tipos de sín- genéticos, estes ainda se encontram pouco dispo-
dromes epilépticas mostraram que uma grande níveis para uso populacional13. Uma das propos-

19
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

tas que surgiram na última década foi a de que as 2. Epilepsia: ocorrência de pelo menos uma
crises epilépticas fossem descritas considerando- crise epiléptica associada a uma disfunção
se apenas sua apresentação clínica, não devendo cerebral duradoura que leve ao aumento da
ser analisados, em uma fase inicial, exames com- probabilidade de crises futuras e alterações
plementares, como o eletroencefalograma (EEG) neurobiológicas, cognitivas e sociais16.
ou os exames de imagem14,15. Estes seriam avalia- 3. Síndrome Epiléptica: sinais e sintomas que
dos apenas quando da classificação sindrômica. podem ser clínicos (como história, idade de
Tal conduta evitaria o estabelecimento de uma início, tipos de crises e modo de manifesta-
relação direta entre um determinado tipo de cri- ção destas, natureza progressiva ou não, os
se e uma síndrome epiléptica. Essa proposta de achados neurológicos e neuropsicológicos),
classificação não foi bem aceita e a ILAE sugeriu os achados de exames complementares,
a formação de um comitê em busca de uma me- como EEG e de estudos de neuroimagem,
lhor definição das crises e síndromes epilépticas. mecanismos fisiopatológicos e bases genéti-
Assim, novas propostas surgiram em 2001, revi- cas definem uma síndrome epiléptica 6, 7, 15.
sadas em 2010 e 201316-25.
Epilepsia não é uma entidade singular, haven-
do uma certa variação na definição dos termos Classificação das Crises
crises epilépticas e epilepsia. Uma definição pre- Epilépticas (1981)
cisa de ambos os termos é importante para uma A Classificação das Crises Epilépticas de 19815
adequada comunicação entre profissionais de considera dois grupos principais de crises epilép-
saúde, legisladores, educadores e para a segurança ticas: focais ou parciais e generalizadas.
no trabalho. Assim, atualmente as seguintes defi-
nições são utilizadas:
1. Crise epiléptica: termo que vem do grego e Crises epilépticas focais ou parciais
significa ser possuído, como se uma entidade São aquelas em que os achados semiológicos
externa invadisse o indivíduo, surpreenden- e eletroencefalográficos iniciais sugerem ativa-
do-o. Pode ser usado para qualquer evento ção de um grupo de neurônios em uma parte
súbito e severo. Assim, uma crise epiléptica é de um hemisfério cerebral. Subdividem-se em
um evento transitório, autolimitado, com iní- crises parciais simples (sem perda da consciên-
cio e fim determinados (exceto na situação de cia), parciais complexas (com perda parcial ou
estado de mal epiléptico), com sinais e sinto- total da consciência) e crises parciais simples
mas claros, mas com ampla variabilidade de ou complexas, evoluindo para crises secunda-
expressão decorrente do local de início das riamente generalizadas. Assim, para que a crise
crises no sistema nervoso central. A sintoma- possa ser classificada como parcial, a consciên-
tologia clínica pode ser objetiva ou subjetiva cia durante sua manifestação deve ser passível
(esta anteriormente definida como psíquica). de avaliação. Esse dado dificulta a classificação
Os sintomas cognitivos podem ser relaciona- das crises de pacientes com retardo mental
dos a percepção, atenção, emoção, memória, moderado ou grave, assim como de crianças e
execução, praxia ou fala16. Uma crise epilép- neonatos, nos quais o nível de consciência não
tica consiste em dois ou mais fenômenos que pode ser adequadamente avaliado17. As crises
ocorrem de forma sequencial ou simultânea, parciais simples e complexas são subdivididas
resultante de hipersincronização da atividade de acordo com sua forma de apresentação, ba-
neuronal, usualmente autolimitada17. seando-se no sintoma clínico inicial (Tabela 1).

20
Classificando as crises epilépticas para a programação terapêutica

Tabela 1. Classificação das crises epilépticas parciais segundo a Liga Internacional contra a Epilepsia5

Tipo clínico de crise Padrão eletroencefalográfico

Crises parciais simples Descargas epileptiformes interictais focais


Com sinais motores contralaterais. EEG ictal iniciando com descargas
Com sintomas somatossensoriais ou sensoriais contralaterais na área cortical correspondente ao
especiais sintoma clínico.
Com sintomas autonômicos
Com sintomas psíquicos
Com ilusões
Com alucinações estruturadas

Crises parciais complexas Descargas epileptiformes interictais focais unilaterais


Início parcial simples, seguido de perda da ou bilaterais, geralmente assíncronas. EEG ictal com
consciência descargas unilaterais ou bilaterais, difusas ou focais nas
Com perda da consciência desde o início regiões temporais ou frontal e temporal.

Crises parciais evoluindo para crises Descargas epileptiformes interictais focais unilaterais
secundariamente generalizadas ou bilaterais, geralmente assíncronas. EEG ictal com
Crises parciais simples evoluindo para crises descargas unilaterais ou bilaterais, difusas ou focais que
tônico-clônicas generalizadas se tornam generalizadas de forma rápida.
Crises parciais complexas evoluindo para crises
tônico-clônicas generalizadas
Crises parciais simples evoluindo para parciais
complexas, evoluindo para crises tônico-clônicas
generalizadas

Os achados eletroencefalográficos interictais os padrões eletroencefalográficos são bilaterais. As-


e ictais são utilizados para comprovar o envol- sim como as crises parciais, as crises generalizadas
vimento focal do cérebro, sendo restritos a um também podem ser subdivididas, sendo classifica-
hemisfério e a uma região. Embora essa classifi- das em convulsivas e não convulsivas (Tabela 2).
cação admita o envolvimento interictal bilateral, As crises não convulsivas são aquelas em que
este deve ser predominantemente assíncrono. Já o não há fenômeno motor muito evidente, predo-
EEG ictal pode evoluir para um envolvimento di- minando a alteração da consciência, como ocorre
fuso, embora o início deva ser focal e contralateral nas crises de ausência e de ausência atípica. Estas
aos dados semiológicos. poderiam ser associadas ou não a automatismos.
As crises generalizadas convulsivas são aquelas
Crises epilépticas generalizadas em o sintoma motor é predominante, podendo
As crises epilépticas generalizadas são aquelas ou não haver alteração da consciência.
em que desde o início os achados clínicos e eletro- O padrão eletroencefalográfico ictal encontra-
encefalográficos sugerem o envolvimento de ambos do é bilateral, relativamente simétrico, sugerindo
os hemisférios cerebrais, ou seja, os sinais motores e o envolvimento relativamente difuso do encéfalo.

21
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Tabela 2. Classificação das crises epilépticas generalizadas segundo a Liga Internacional contra a Epilepsia5

Tipo clínico de crise Padrão eletroencefalográfico

Crises de ausência Atividade de base normal. Interictal: complexos de


Apenas com perda da consciência espícula-onda generalizados 2 a 4 Hz.
Com discretos componentes clônicos EEG ictal com complexos de espícula-onda
Com componentes atônicos generalizados, 2 a 4 Hz, regulares e simétricos.
Com componentes tônicos
Com automatismos
Com componentes autonômicos
Combinação dos anteriores

Crises de ausência atípica Atividade de base geralmente anormal e EEG


Mudanças de tônus mais pronunciadas; início e interictal com complexos de onda aguda-onda lenta
final menos abruptos irregulares, mais lentos ou mais rápidos, bilaterais,
mas assimétricos. EEG ictal mais heterogêneo,
podendo incluir complexos de onda aguda-onda lenta
irregulares, atividade rápida ou outras atividades
paroxísticas, bilaterais, mas usualmente assimétricas.

Crises mioclônicas EEG interictal e ictal com complexos de polispícula-


onda, espícula-onda ou onda aguda-onda lenta.

Crises clônicas EEG interictal com descargas do tipo espícula-


onda ou polispícula-onda. EEG ictal com atividade
rápida ou rítmica (10 Hz ou mais) e ondas lentas.
Ocasionalmente com complexos de espícula-onda.

Crises tônicas EEG interictal com descargas mais ou menos


rítmicas de onda aguda-onda lenta, algumas vezes
assimétricas. EEG ictal com atividade rápida (9 a 10
Hz ou mais) e rítmica, de baixa voltagem, que diminui
em frequência e aumenta em amplitude.

Crises tônico-clônicas EEG interictal com descargas de polispícula-onda ou


espícula-onda. EEG ictal com atividade rápida (9 a 10
Hz ou mais) e rítmica de baixa voltagem, que diminui
em frequência e aumenta em amplitude, interrompida
por ondas lentas na fase clônica.

Crises atônicas EEG interictal com polispícula e ondas lentas. EEG


ictal com polispícula e ondas ou atividade rápida de
baixa amplitude.

Combinação das anteriores Múltiplos padrões.

22
Classificando as crises epilépticas para a programação terapêutica

Crises epilépticas indeterminadas Adendos


Embora a classificação descrita englobe a maio- A Classificação das Crises Epilépticas de 1981
ria das crises epilépticas, alguns fatores dificultam propõe ainda alguns adendos para utilização em si-
a inclusão de muitos pacientes em qualquer uma tuações específicas, como em pacientes com crises
de suas categorias, havendo, assim, a necessidade raras, crises relacionadas a eventos precipitantes
de criar um grupo de crises indeterminadas5. (como álcool e privação de sono) e crises reflexas5.
Nesse grupo são incluídas todas as crises que Estado de mal epiléptico é definido como aquele
não podem ser classificadas de forma adequada em que as crises persistem por um tempo suficiente
em decorrência de dados inadequados ou incom- ou de forma repetitiva o suficiente, impossibilitan-
pletos. Vários fatores poderiam contribuir para do a recuperação da consciência. Tal estado divi-
dificultar a classificação das crises, como a não de-se em focal e generalizado. Já a epilepsia parcial
disponibilidade de EEG quando do diagnóstico contínua refere-se a um estado de mal epiléptico
da epilepsia ou em casos em que não há descrição motor com envolvimento bastante localizado5.
detalhada pelo paciente ou pelos que testemunha-
ram suas crises epilépticas. Por outro lado, EEG
normal poderia impossibilitar a determinação
Classificação das Síndromes
correta do tipo de crise em questão, não permi- Epilépticas (1989)
tindo diferenciar um quadro focal de um gene- O objetivo da classificação das síndromes epilép-
ralizado. Um exemplo dessa dificuldade seria o ticas foi de alguma forma suplementar a classifica-
relato de crises em que o paciente permanecesse ção de crises e agrupar pacientes que apresentassem
parado, com perda da consciência, por um perí- os mesmos sinais, sintomas, etiologias, fatores pre-
odo curto de tempo. Essa descrição poderia cor- cipitantes, gravidade, ritmo circadiano e prognósti-
responder a uma crise parcial complexa ou uma co6,7. Foi prevista a migração de pacientes entre as
crise de ausência, ou seja, a uma epilepsia focal síndromes, dependendo de sua evolução e de novos
ou generalizada, cujas implicações clínicas e tera- dados que surgissem durante sua investigação.
pêuticas seriam totalmente diferentes. A ausência Da mesma forma que as crises epilépticas, as
de elementos específicos no EEG impossibilitaria síndromes foram divididas em focais, generaliza-
a classificação correta do caso. das ou indeterminadas e, quanto à etiologia, em
Outro fator limitante da utilização dessa idiopáticas, criptogênicas e sintomáticas (Tabela
classificação seria o envolvimento de ambos os 3). As síndromes epilépticas focais são aquelas em
hemisférios cerebrais de forma muito rápida, di- que a semiologia ictal ou os achados de investiga-
ficultando a definição de um início focal. A utili- ção indicam uma origem localizada. Nas síndro-
zação cada vez mais ampla da monitorização vi- mes generalizadas, os sinais e sintomas sugerem
deoeletroencefalográfica vem demonstrando que início difuso, enquanto nas síndromes indetermi-
crises do lobo frontal como crises tônicas rápidas nadas não há dados para essa definição.
bilaterais, muitas vezes simétricas, com alterações Constam dessa classificação dois apêndices
eletrográficas também bilaterais e relativamente para situações especiais: as epilepsias generaliza-
simétricas, podem desaparecer completamente das sintomáticas de etiologias específicas (malfor-
após ressecção cortical, comprovando seu início mações do SNC, como na síndrome de Aicardi e
focal. Outros exemplos são as crises do lobo fron- as doenças metabólicas) e as crises precipitadas
tal que simulam crises de ausência, mas que tam- por situações especiais (como leitura, pensamento,
bém podem ser abolidas por ressecções focais. memória, estimulos táteis e sonoros, entre outros).

23
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Tabela 3. Classificação das síndromes epilépticas segundo a Liga Internacional contra a Epilepsia7
Grupo de síndromes Síndromes epilépticas
Focais ou parciais
Idiopáticas, idade-relacionadas Epilepsia benigna da infância com paroxismos rolândicos
Epilepsia da infância com paroxismos occipitais
Epilepsia primária da leitura
Outras

Sintomáticas Lobo frontal


Lobo temporal
Lobo parietal
Lobo occipital
Síndrome de Kojewnikow
Epilepsias reflexas
Criptogênicas
Generalizadas
Idiopáticas, idade-relacionadas Convulsão neonatal familiar benigna
Convulsão neonatal benigna
Epilepsia mioclônica benigna da infância
Epilepsia ausência da infância (picnolepsia)
Epilepsia ausência juvenil
Epilepsia mioclônica juvenil
Epilepsia com crises de grande mal do despertar
Outras
Epilepsias provocadas por métodos específicos

Idiopáticas e/ou sintomáticas Síndrome de West


Síndrome de Lennox-Gastaut
Epilepsia mioclônico-astática
Epilepsia com crises de ausências mioclônicas

Sintomáticas Etiologia específica


Etiologia inespecífica
Encefalopatia mioclônica precoce
Encefalopatia epiléptica da infância com surto- supressão
Encefalopatia mioclônica precoce
Indeterminadas (se focais ou generalizadas)
Com crises focais e generalizadas Crises neonatais
Epilepsia mioclônica severa da infância (síndrome de
Dravet)
Epilepsia com ponta-onda contínua durante o sono
Afasia epiléptica adquirida (síndrome de Landau-Kleffner)
Outras
Sem características focais ou generalizadas
bem definidas
Síndromes especiais
Crises relacionadas às circunstâncias Convulsão febril
Outras (estresse, álcool, privação de sono etc.).
Crises ou estado de mal epiléptico isolado,
aparentemente não provocado
Epilepsias caracterizadas por crises com modos
específicos de precipitação
Epilepsia parcial contínua progressiva crônica da
infância

24
Classificando as crises epilépticas para a programação terapêutica

Embora novas propostas venham sendo feitas características tônicas associadas) e incluídos
na última década, as classificações ainda vigen- os termos espasmos, mioclonia palpebral e
tes são as descritas na tabela 3, tanto no que se mioclonia negativa (episódios curtos de ato-
refere às crises epilépticas5 quanto às síndromes nia muscular).
epilépticas6,7. 2. Para as crises focais foram substituídos os ter-
mos crises parciais complexas por crises focais
motoras com automatismos, separados em tí-
Classificação das crises epilépticas e picos (mais comuns nas epilepsias do lobo tem-
epilepsias (proposta de 2001) poral) e hipercinéticos (mais comuns nas epi-
Em 2001, foi lançada uma proposta para lepsias do lobo frontal). Foram, ainda, incluídas
classificar as crises e síndromes epilépticas, cujo as crises com mioclonias negativas focais, crises
esquema diagnóstico se baseou em cinco eixos motoras inibitórias e crises gelásticas.
organizados de forma a definir o diagnóstico 3. Foram também acrescentados diretamente na
descritivo de cada paciente. Os eixos foram or- classificação, e não como um adendo, o estado
ganizados com complexidade progressivamente de mal epiléptico focal ou generalizado, além
crescente, podendo ser preenchidos apenas os da especificação dos estímulos precipitantes
eixos conhecidos19. para as crises reflexas.
No eixo 1, constava a descrição da semiologia O eixo 3 baseava-se em uma lista de síndro-
ictal baseada no glossário de termos descritivos, mes epilépticas descritas, embora fosse aceitável
obedecendo-se à sequência dos comportamen- que alguns pacientes pudessem não ser incluídos
tos observados durante a crise, com graus variá- em nenhuma das síndromes reconhecidas.
veis de complexidade19. Esse glossário descritivo No eixo 4, tentava-se especificar a etiologia da
de termos da semiologia ictal foi proposto na epilepsia, sempre que possível, considerando-se
tentativa de uniformizar a terminologia que os as doenças normalmente associadas com crises
profissionais de saúde utilizam quando da des- ou síndromes epilépticas.
crição dos sinais e sintomas clínicos relatados Por último, o eixo 5 tinha o objetivo de definir
nas consultas por pacientes e familiares. Nesse o impacto da epilepsia na vida do paciente.
glossário, optou-se pela consolidação do termo Dessa forma, as crises passaram a ser categori-
focal, não sendo mais utilizada a denominação zadas por uma lista dos diferentes tipos de crises,
crise parcial anteriormente usada na classifica- sendo, portanto, uma classificação baseada nas
ção de crises de 1981. características clínicas dos eventos. Estes foram
O eixo 2 englobava os tipos de crises epilépti- divididos em três grandes subgrupos: crises iso-
cas. A eles podiam ainda ser fornecidos a locali- ladas ou autolimitadas, crises repetidas ou estado
zação da região suspeita como epileptogênica ou de mal epiléptico e crises reflexas (relacionadas a
descrito o evento precipitante nos casos de epilep- um fator precipitante) (Tabela 4)19.
sias reflexas ou em pacientes com estado de mal As crises focais seriam aquelas em que a se-
epiléptico. As definições dos tipos de crises epi- miologia ictal inicial indicava ou era consistente
lépticas foram mantidas como as anteriormente com a ativação de apenas uma parte de um hemis-
utilizadas na Classificação de 1981, sendo obser- fério cerebral, enquanto nas crises generalizadas
vadas algumas mudanças na estrutura geral: a semiologia ictal sugeria ou era consistente com
1. Para as crises generalizadas foram distingui- o envolvimento de pelo menos parte dos dois he-
dos dois grupos de crises clônicas (com e sem misférios cerebrais.

25
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Tabela 4. Proposta de classificação das crises epilépticas (2001)19


Crises autolimitadas
1. Crises generalizadas
Tônico-clônicas: incluindo as variações com início clônico ou mioclônico
Clônicas:
Com características tônicas
Sem características tônicas
Crises de ausência típica
Crises de ausência atípica
Crises de ausência mioclônica
Crises tônicas
Espasmos
Crises mioclônicas
Mioclonia palpebral
Com ausência
Sem ausência
Crises mioclônico-atônicas
Mioclonia negativa
Crises atônicas
Crises reflexas em síndromes epilépticas generalizadas
2. Crises focais
Crises focais sensitivas
Com sintomas sensoriais elementares (ex.: crises do lobo parietal e occipital)
Com sintomas sensoriais experienciais (ex.: crises da junção temporo-parieto-occipital)
Crises focais motoras
Com sinais motores clônicos elementares
Com crises motoras tônicas assimétricas (ex.: crises de área motora suplementar)
Com automatismos típicos (ex.: crises do lobo temporal mesial)
Com automatismos hipercinéticos
Com mioclonia negativa focal
Crises motoras inibitórias
3. Crises gelásticas
4. Crises hemiclônicas
Crises secundariamente generalizadas
5. Crises reflexas em síndromes epilépticas focais
6. Crises epilépticas contínuas
Estado de mal epiléptico generalizado
Tônico-clônico
Clônico
Tônico
Ausência
Mioclônico
Estado de mal epiléptico focal
Epilepsia parcial contínua de Kojewnikow
Aura contínua
Límbico (estado de mal psicomotor)
Hemiconvulsivo com hemiparesia
7. Estímulos precipitantes para crises reflexas
Estímulos visuais
Luz intermitente: especificar a cor quando possível
Padrões
Outros estímulos visuais
Pensamentos
Músicas
Alimentação
Praxia
Somotossensitivo
Proprioceptivo
Leitura
Água quente
Susto (startle)

26
Classificando as crises epilépticas para a programação terapêutica

Os termos que descreviam a semiologia ictal ralizadas com crises febris plus e a epilepsia focal
foram divididos em: familial com focos variáveis. A epilepsia mioclô-
• Motores: envolvem a musculatura de alguma nica severa da infância passou a ser denominada
forma, podendo ser positivos (aumento da de síndrome de Dravet, as epilepsias focais sin-
contração normal) ou negativos (redução da tomáticas foram divididas em límbicas e neocor-
função normal). Alguns exemplos incluem ticais, tendo sido criado o termo epilepsia gene-
contração tônica, postura distônica, marcha ralizada idiopática com fenótipos variados, que
jacksoniana, astático ou atônico, automatis- englobaria as epilepsias generalizadas idiopáticas
mo, gelástico. Esses termos podem ser modifi- iniciadas na adolescência: epilepsia ausência da
cados por outros (como automatismos manu- infância, epilepsia mioclônica juvenil e epilepsia
ais ou oroalimentares). com crises tônico-clônicas generalizadas. Outra
• Não motores: auras, sintomas sensoriais ou alteração importante foi a divisão das epilepsias
cognitivos (envolvimento da percepção, aten- occipitais da infância em início precoce (tipo Pa-
ção, emoção, memória ou funções executivas). nayiotopoulos) e tardio (tipo Gastaut). Já a epi-
• Eventos autonômicos: cardiovasculares, gas- lepsia primária da leitura, antes classificada entre
trintestinais, vasomotores ou da função ter- as epilepsias focais idiopáticas, passou a figurar
moregulatória. entre as epilepsias reflexas (Tabela 5).
• Modificadores somototópicos: lateralizató- Embora essa classificação tenha significado
rios, partes do corpo, axiais, relacionados a um avanço nas discussões sobre a melhor forma
um membro. de estabelecer a nomenclatura e a organização das
• Modificadores ou descritivos da crise: inci- crises e síndromes epilépticas, novas mudanças
dência, regularidade, agrupamento (cluster), surgiram20 e, em 2010, uma nova proposta foi pu-
fatores precipitantes, dependência de um de- blicada pela comissão da ILAE21.
terminado estado, catamenial.
• Duração: autolimitada ou estado de mal Classificação das crises epilépticas e
epiléptico.
• Gravidade: intensidade da crise. epilepsias (2010)
• Pródromo: sintoma clínico que revela o início Em 2010, a Comissão responsável pela clas-
de uma doença. sificação e terminologia das crises e síndromes
• Fenômenos pós-ictais: lateralizatórios, não la- epilépticas da ILAE publicou uma nova revisão
teralizatórios, comprometimento da cognição, de conceitos, terminologia e abordagem das epi-
amnésia anterógrada ou retrógrada, psicose. lepsias21. Segundo a Comissão, a classificação de-
verá ser constantemente revisada para refletir, de
Considerando-se as síndromes epilépticas,
forma clara, todos os avanços obtidos na pesquisa
essa proposta de 2001 trouxe algumas modifi-
básica e clínica em epilepsia, permitindo, assim,
cações. Assim, as síndromes criptogênicas pas-
saram a ser denominadas de síndromes pro- sua incorporação na prática clínica21.
vavelmente sintomáticas. Foram incluídas na Nessa revisão, o conceito de crises generali-
classificação síndromes como a de Ohtahara e zadas foi modificado para crises iniciadas em al-
a hemiconvulsão-hemiplegia-epilepsia (HHE), gum lugar, mas com rápida propagação para redes
além de síndromes que se encontram ainda em neurais distribuídas bilateralmente, com possível
definição, como o estado de mal mioclônico em envolvimento de estruturas corticais e subcorti-
encefalopatias não progressivas, a epilepsia focal cais, mas sem necessariamente exigir um envol-
migratória da infância precoce, epilepsias gene- vimento de toda a superfície cortical. Passou-se

27
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Tabela 5. Proposta de classificação das síndromes epilépticas e condições relacionadas19


Epilepsia neonatal benigna familiar
Encefalopatia mioclônica precoce
Epilepsia neonatal familiar benigna
Epilepsia neonatal benigna (não familiar)
Epilepsia mioclônica benigna do lactente
Síndrome de Ohtahara
Epilepsia parcial migratória da infância precoce*
Síndrome de West
Síndrome de Dravet
Síndrome de hemiconvulsão-hemiplegia-epilepsia (HHE)
Estado de mal mioclônico em encefalopatias não progressivas*
Epilepsia benigna da infância com pontas centrotemporais
Epilepsia benigna da infância occipital de início precoce (tipo Panayiotopoulos)
Epilepsia occipital da infância de início tardio (tipo Gastaut)
Epilepsia com ausência mioclônica
Epilepsia com crises mioclono-astáticas
Síndrome de Lennox-Gastaut
Síndrome de Landau-Kleffner (SLK)
Epilepsia com ponta-onda contínua durante o sono de ondas lentas (outras que não SLK)
Epilepsia ausência infantil
Epilepsia mioclônica progressiva
Epilepsia generalizada idiopática com fenótipos variados
Epilepsia ausência juvenil
Epilepsia mioclônica juvenil
Epilepsia apenas com crises tônico-clônicas generalizadas
Epilepsias reflexas
Epilepsia idiopática occipital fotossensível
Outras epilepsias com sensibilidade a estímulos visuais
Epilepsia primária da leitura
Crises de sobressalto
Epilepsia autossômica dominante do lobo frontal
Epilepsia temporal familial
Epilepsias generalizadas com crises febris plus*
Epilepsia focal familial com focos variáveis*
Epilepsias focais sintomáticas (ou provavelmente sintomáticas)
Epilepsias límbicas
Epilepsia do lobo temporal com esclerose hipocampal
Epilepsia do lobo temporal mesial definida por etiologia específica
Outros tipos definidos pela localização e etiologia
Epilepsias neocorticais
Síndrome de Rasmussen
Outros tipos definidos por localização e etiologia
Condições com crises epilépticas que não requerem o diagnóstico de epilepsia
Crises neonatais benignas
Crises febris
Crises reflexas
Crises na abstinência de álcool
Crises induzidas por medicações ou outros químicos
Crises pós-traumáticas imediatas ou precoces
Crises únicas ou em agrupamentos (clusters) isolados
Crises com repetição rara (oligoepilepsia)
*
Síndromes em desenvolvimento.

28
Classificando as crises epilépticas para a programação terapêutica

ainda a ser admitido que as crises generalizadas 2. A subclassificação das crises de ausência foi
apresentem assimetrias. simplificada. As crises de ausência mioclônica
Já as crises focais foram definidas como crises e de ausência com mioclonias palpebrais pas-
que inicialmente envolvem apenas um hemisfé- sam a constar da classificação.
rio cerebral de forma mais localizada ou difusa 3. O termo espasmos epilépticos foi incluído, mas
nesse hemisfério, podendo se iniciar em estrutu- diante da dificuldade em definir se os espasmos
ras subcorticais. Cada tipo de crise teria um iní- epilépticos são focais, generalizados ou ambos,
cio ictal consistente, com padrão de propagação uma nova categoria foi criada (desconhecido).
preferencial, podendo ou não envolver o hemis- 4. As crises focais foram todas agrupadas sob um
fério contralateral. O mesmo paciente poderia único nome, sendo de livre escolha a descrição
apresentar crises originadas em locais diferentes sobre características específicas de cada crise,
ou que envolvessem redes neurais diferenciais, como descrever se houve ou não comprome-
mas cada tipo de crise teria um local consistente timento da consciência ou fenômeno motor e
de início ictal. sua evolução.
Nesse contexto, as seguintes modificações fo- 5. O termo mioclônico-astático foi substituído
ram feitas, considerando-se a classificação de cri- por mioclônico-atônico.
ses de 1981: Com essas modificações, as crises descritas
1. As crises neonatais não constituem mais uma passaram a ser as relatadas na tabela 6 e as crises
entidade em separado. focais estão mais bem detalhadas na tabela 7.

Tabela 6. Tipos de crises descritas na classificação de 201021

Crises generalizadas
Tônico-clônicas (em qualquer combinação)
Ausências
Típicas
Atípicas
Ausências com características especiais
Ausências mioclônicas
Mioclonias palpebrais
Mioclônicas
Mioclônicas atônicas
Mioclônicas tônicas
Clônicas
Tônicas
Atônicas

Crises focais

Desconhecido
Espasmos epilépticos
A Crises que não podem ser claramente diagnosticadas em uma das categorias anteriores devem ser
consideradas não classificadas até que informações permitam seu diagnóstico preciso. No entanto, esta não é
considerada uma categoria de classificação.

29
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Tabela 7. Descritores de crises focais de acordo com o grau de comprometimento durante as crises21
Sem comprometimento da consciência
Com componentes motores ou autonômicos observáveis
Esta corresponde aproximadamente ao conceito de ‘’crise parcial simples’’
“Focal motora” e “autonômica” são termos que podem ser utilizados de acordo com as manifestações
clínicas
Subjetiva envolvendo fenômenos sensoriais ou psíquicos apenas. Este corresponde ao conceito de aura,
termo aceito no glossário de 2001
Com comprometimento da consciência
Esta corresponde aproximadamente ao conceito de “crise parcial complexa”
‘’Discognitivo’’ é um termo que tem sido proposto para este conceito17
Evoluindo para crise convulsiva bilateral
Envolvendo componentes tônicos, clônicos ou tônico-clônicos. Esta expressão substitui o termo ‘’crise
secundariamente generalizada’’
A. Para mais descritores que foram claramente definidos e recomendados para uso, consulte Blume et al.17
B. O termo ‘’convulsivo” foi considerado termo leigo no glossário. No entanto, nota-se que é usado em toda a
medicina em várias formas e traduzido em muitas línguas. Seu uso é, portanto, aprovado.

Considerando-se as etiologias das síndromes mas, infecções, entre outras) ou de causas genéticas,
epilépticas, os termos idiopático, criptogênico e em que um fator se interpõe entre a causa genética
sintomático foram substituídos por causa genéti- e a epilepsia (exs.: lesões da esclerose tuberosa e de
ca, causa desconhecida ou causa estrutural/meta- muitas malformações do desenvolvimento cortical).
bólica (Figura 1) com as seguintes definições: – Causas desconhecidas: a causa da epilepsia é
ainda desconhecida, podendo ser um defeito ge-
Classificação das Síndromes Epilépticas (ILAE nético ou uma desordem ainda não reconhecida.
2010)
Ainda em relação às síndromes epilépticas,
manteve-se a estrutura básica da proposta de
Idiopática Genética
200119, em que as síndromes epilépticas foram
categorizadas de acordo com a faixa etária, abo-
Criptogênica/ Estrutural/
Provavelmente Metabólica lindo-se a ordenação da classificação de 1989, em
sintomática que as síndromes epilépticas eram agrupadas de
Genética acordo com a etiologia (Tabela 8). Assim, nessa
Sintomática
proposta, o conceito de focal ou generalizada não
se aplicou às síndromes eletroclínicas. O termo
Figura 1. Modificação da classificação das síndromes síndrome passou a ser reservado a um grupo de
epilépticas de acordo com a proposta revisada pela ILAE entidades clínicas reconhecidas por um conjunto
em 201021.
de características eletroclínicas bem determina-
– Causas genéticas: a epilepsia é resultado di- das (síndromes eletroclínicas). Passou-se ainda a
reto de um defeito genético conhecido ou presu- ser definido o termo constelação, que congrega-
mido, no qual as crises são o principal sintoma, ria aquelas associações entre sinais e sintomas re-
podendo haver modificações da expressão da do- lacionados a uma lesão cerebral específica. Como
ença por fatores ambientais. principal expoente desse subgrupo, foi incluída
– Causas estruturais/metabólicas: pacientes com a epilepsia temporal mesial associada à esclerose
lesões estruturais adquiridas (por isquemias, trau- do hipocampo.

30
Classificando as crises epilépticas para a programação terapêutica

Tabela 8. Síndromes eletroclínicas e outras epilepsias21


Síndromes eletroclínicas organizadas por faixa etária de inícioa
Período neonatal
Epilepsia familial neonatal benigna
Encefalopatia mioclônica precoce
Síndrome de Ohtahara
Lactente
Epilepsia do lactente com crises focais migratórias
Síndrome de West
Epilepsia mioclônica do lactente
Epilepsia benigna do lactente
Epilepsia familial benigna do lactente
Síndrome de Dravet
Encefalopatia mioclônica em distúrbios não progressivos
Infância
Crises febris plus (pode começar no lactente)
Síndrome de Panayiotopoulos
Epilepsia mioclônica com crises atônicas (anteriormente astáticas)
Epilepsia benigna com descargas centrotemporais
Epilepsia do lobo frontal noturna autossômica dominante
Epilepsia occipital da infância de início tardio (tipo Gastaut)
Epilepsia com ausências mioclônicas
Síndrome de Lennox-Gastaut
Encefalopatia epiléptica com ponta-onda contínua durante o sono lentob
Síndrome de Landau-Kleffner
Epilepsia ausência da infância
Adolescência - Adulto
Epilepsia ausência juvenil
Epilepsia mioclônica juvenil
Epilepsia somente com crises generalizadas tônico-clônicas
Epilepsias mioclônicas progressivas
Epilepsia autossômica dominante com características auditivas
Outras epilepsias familiares do lobo temporal
Correlação menos específica com a idade
Epilepsia focal familiar com focos variáveis (da infância à idade adulta)
Epilepsias reflexas
Constelações distintas (entidades clínico-radiológicas)
Epilepsia do lobo temporal mesial com esclerose do hipocampo
Síndrome de Rasmussen
Crises gelásticas do hamartoma hipotalâmico
Hemiconvulsão-hemiplegia-epilepsia (HHE)
Epilepsias que não se encaixam em nenhuma dessas categorias diagnósticas podem ser distinguidas,
inicialmente, com base na presença ou ausência de uma condição estrutural ou metabólica conhecida (causa
presumida) e, em seguida, com base no principal modo de início da crise (generalizada versus focal)
Epilepsias atribuídas e organizadas por causas estrutural-metabólicas
Malformações do desenvolvimento cortical (hemimegalencefalia, heterotopias etc.)
Síndromes neurocutâneas (complexo esclerose tuberosa, Sturge-Weber etc.)
Tumor
Infecção
Trauma
Angioma
Insultos perinatais
Acidente vascular cerebral
Etc.
Epilepsias de causa desconhecida
Condições com crises epilépticas que não são tradicionalmente diagnosticadas como uma forma de epilepsia por si só
Crises neonatais benignas
Crises febris
a
O arranjo de síndromes eletroclínicas não reflete a etiologia.
b
Conhecido também como estado de mal epiléptico elétrico durante o sono lento.

31
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Relatório da Comissão de cordante com os achados eletroclínicos,


sugerindo uma relação direta entre lesão e
Classificação da ILAE sobre epilepsia. A causa da lesão pode ser genética
classificação e terminologia das ou adquirida. Como exemplo, as polimicro-
girias podem estar relacionadas à mutação
epilepsias (2013) do gene GPR56 ou ser secundárias a um
Diversas críticas surgiram na literatura ante insulto isquêmico ou infeccioso intraútero.
essa nova proposta de classificação, havendo, ain-
c) Metabólica: defeito metabólico com sinto-
da, discussões sobre a retirada do termo idiopá-
mas sistêmicos que levam também ao de-
tico da classificação, considerado não menos im-
senvolvimento de epilepsia. Geralmente,
preciso que o termo genético. Ainda se discutiu
há uma causa genética de base, podendo-
como separar o grupo das epilepsias generalizadas
se aplicar o nome metabólico-genético.
idiopáticas das demais epilepsias de causa gené-
d) Imunológica: epilepsias em que há evi-
tica22,23. Assim, revisões da nova proposta foram
dência de um processo autoimune oca-
lançadas24. Ainda em 2013, foi lançado um novo
sionando inflamação do SNC. Como
relatório da Comissão da ILAE sobre classificação
exemplos, pode-se citar a encefalite antir-
e terminologia das epilepsias25. Nesse documen-
receptor NMDA e anti-LGI126.
to, alguns termos foram revisados ou mais bem
definidos. Os principais pontos levantados foram: e) Infecciosa: refere-se a um paciente com
epilepsia desencadeada por um processo
1. A nomenclatura de crises focais foi modifi-
infeccioso, como neurocisticercose, toxo-
cada em 2010, de forma a ser clara e trans-
plasmose, HIV. Não seriam consideradas
parente. Desse modo, o termo crises parciais
as crises desencadeadas por infecção agu-
complexas foi substituído por “crises focais
da como meningite ou encefalite.
com alteração da consciência, atenção ou res-
ponsividade”. Uma alternativa abreviada a esse f) Desconhecida: não obstante a evolução do
termo foi o uso de crises discognitivas, que conhecimento, em um grande número de
poderá ser usado de acordo com a preferência pacientes, a causa da epilepsia não pode
dos clínicos. ser determinada.

2. Na proposta de 2010, as síndromes epilépti- Ainda o termo constelação foi substituído por
cas foram divididas em genéticas, estruturais/ entidades clínico-radiológicas.
metabólicas e desconhecidas. Agora uma nova A despeito das novas sugestões à proposta da
subdivisão é proposta: a) genética; b) estrutu- ILAE de 2010, a evolução do conhecimento cien-
ral; c) metabólica; d) imunológica; e) infeccio- tífico levará a futuras modificações da classifica-
sa; f) desconhecida. ção das crises e síndromes epilépticas, devendo-se
a) Genética: a epilepsia é resultado direto de buscar a identificação do(s) tipo(s) de crise, sín-
um defeito genético conhecido ou presu- drome epiléptica e etiologia da epilepsia para cada
mido, sendo o principal sintoma desse de- paciente, permitindo, assim, que o melhor trata-
feito. As epilepsias antes conhecidas como mento seja oferecido a cada um deles.
epilepsias generalizadas idiopáticas agora
seriam denominadas de epilepsias genera- Considerações finais
lizadas genéticas. Algumas das mudanças incluídas na nova
b) Estrutural: epilepsias em que uma lesão classificação podem levar algum tempo para se-
estrutural é visível na neuroimagem e con- rem incorporadas ao uso diário. A substituição

32
Classificando as crises epilépticas para a programação terapêutica

de termos já consagrados na prática clínica, como posta de classificação poderá trazer dificuldades
crises parciais complexas por crises focais com al- iniciais de interpretação e adequação de diver-
teração da consciência, atenção ou responsivida- sos pacientes. O impacto dessas dificuldades no
de, é a principal delas. No entanto, o agrupamento tratamento adequado dos pacientes levará vários
dos subtipos de crises parciais em crises focais e a anos para ser sentido. No entanto, embora para o
inclusão na classificação de termos semiológicos diagnóstico correto do tipo de crise e de síndro-
muito utilizados, como espasmos e mioclonias me epiléptica ainda sejam necessários dados de
negativas, vêm otimizar seu uso. exames complementares, como EEG e exames de
A existência de uma classificação das crises neuroimagem, o glossário de termos está dispo-
epilépticas é um elemento fundamental para o nível para uso logo na primeira consulta do pa-
diagnóstico clínico e padronização da linguagem ciente, podendo servir de base para os níveis de
utilizada nos diversos centros de tratamento de atendimento primário.
epilepsia. Portanto, essa classificação deve ser uti- Considerando-se a inclusão específica dos ter-
lizada em todos os pacientes, independentemen- mos genética e metabólica, observa-se que o grau
te da idade e do grau de desenvolvimento cog- de sofisticação diagnóstica tenderá a ser cada vez
nitivo, sendo de fácil aplicabilidade em todos os maior, com a necessidade de realização de exames
níveis de tratamento do paciente com epilepsia, específicos que provavelmente ainda não estarão
ou seja, desde o sistema básico de saúde, em que disponíveis na maioria dos locais em que o aten-
o diagnóstico é inicialmente feito, até em servi- dimento de pacientes com epilepsia é realizado.
ços especializados, como os centros de cirurgia Esse poderá ser um fator essencial na restrição
de epilepsia. ou dificuldade de utilização da nova classificação,
No Brasil, considerando-se os níveis de aten- se aprovada como foi proposta. No entanto, os
dimento de epilepsia (Figura 2) e que grande par- epileptologistas deverão tentar difundir o uso da
te dos pacientes é atendida por médicos gerais do nova classificação, a qual, com o passar do tempo,
nível básico e não neurologistas, com escassos poderá mostrar sua utilidade na prática clínica e
recursos para investigação clínica, essa nova pro- na pesquisa médica.

Níveis de Atendimento de Epilepsia

Centros de Epilepsia
Epileptologistas
(Estaduais e/ou Regionais) 30
Experiência em Epilepsia
Recursos Diagnósticos

Ambulatórios de Epilepsia
Consultórios Neurologia 20
(Municipais e/ou Regionais)

Centro de Saúde
Clínicos e Pediatras 10
(Municipais)

Figura 2. Níveis de atendimento das epilepsias no Brasil. Na maioria dos serviços municipais, o atendimento é feito por
clínicos gerais ou pediatras, que contam com poucos recursos diagnósticos. À medida que o atendimento vai sendo
referenciado para ambulatórios neurológicos ou centros de epilepsia, melhores condições diagnósticas estarão disponíveis.

33
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

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34
Farmacocinética dos
2 fármacos antiepilépticos
Elza Márcia Targas Yacubian
Professora Adjunta Livre Docente do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola
Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Farmacologia, farmacocinética e bolismo e à excreção (eliminação). Meia-vida é


o tempo necessário para reduzir o nível sérico à
farmacodinâmica metade, após o término da absorção e da distri-
Farmacologia é o ramo da ciência que estuda buição. Essas diferentes etapas farmacocinéticas
as relações entre um composto químico e seu uso constam na figura 1.
com finalidade terapêutica. Esse composto exer-
cerá sua ação biológica nos vários órgãos, etapa
referida como farmacodinâmica, ou seja, os efei-
Conceito de biodisponibilidade -
tos do fármaco no corpo. Para exercer qualquer Área sob a curva
efeito farmacodinâmico, esse fármaco deverá Biodisponibilidade é a fração da dose admi-
estar presente nos diversos compartimentos cor- nistrada que alcança a corrente sanguínea. Por de-
póreos em certa concentração, e a quantidade e finição, a biodisponibilidade após administração
a qualidade de seus efeitos serão dependentes endovenosa é de 100% ou 1,0. A biodisponibilida-
dela. O campo da farmacologia que estuda as al- de de determinado medicamento é variável, de-
terações no organismo decorrentes de absorção, pendendo da vida de administração e da formu-
distribuição e eliminação dos fármacos é referido lação. Um conceito importante a esse respeito é
como farmacocinética, ou seja, o que o corpo faz o de bioequivalência. Esse termo indica que duas
com o fármaco1. preparações apresentam a mesma biodisponibi-
lidade. O cálculo da biodisponibilidade pode ser
efetuado pela avaliação da área sob a curva (ASC),
Farmacocinética: absorção, ou seja, da superfície sob a curva de concentração
distribuição e eliminação do fármaco em função do tempo. Portanto, a ASC
Após a administração de uma dose única por é um indicador da absorção total do fármaco2. A
via oral, o nível sérico do fármaco antiepiléptico figura 2 mostra o perfil de um fármaco e sua ASC.
(FAE) aumenta rapidamente após a absorção, até As doses existentes em determinado medi-
alcançar o valor de pico sérico máximo, após o camento de diversos fabricantes, e mesmo dife-
qual seu nível diminui em duas fases: uma rápida, rentes lotes de preparados do mesmo fabricante,
decorrente da distribuição nos vários comparti- algumas vezes variam em sua biodisponibilidade.
mentos corporais, e uma lenta, devida ao meta- Tais diferenças são observadas principalmente

35
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Figura 1. O nível sérico de um fármaco, após administração de uma dose oral única, aumenta rapidamente,
após a absorção, até o nível de pico, depois do qual diminui em duas fases: uma rápida, decorrente da
distribuição nos vários compartimentos corporais, e uma lenta, devida à metabolização e à excreção
(eliminação). O tempo de pico é o período no qual é obtido o nível máximo do fármaco e a meia-vida é o tempo
necessário para que o nível desse fármaco seja reduzido à metade após o término da absorção e da distribuição.

Parâmetros farmacocinéticos obtidos na curva de


concentração plasmática em função do tempo

C máx

• Concentração máxima (Cmáx) atingida pelo fármaco


• Tempo máximo Tmáx, que corresponde ao tempo
necessário para o fármaco atingir Cmáx
Nível plasmático

• Área sob a curva (ASC)

ASC

T máx Tempo
Figura 2. Curva típica da concentração plasmática para um fármaco administrado em dose oral única em função do tempo.
Observe a Cmáx no eixo das ordenadas e o Tmáx no das abscissas. A Cmáx é a concentração máxima atingida pelo fármaco
(nível de pico) e o Tmáx corresponde ao tempo que o fármaco atinge a Cmáx. Enquanto a ASC é um indicador da quantidade
total do fármaco absorvida, a Cmáx e o Tmáx são indicadores da velocidade de absorção do fármaco.

36
Farmacocinética dos fármacos antiepilépticos

entre formulações orais de diferentes doses de 20% acarreta um risco elevado de recorrência de
medicamentos lentamente absorvidos e fraca- crises, enquanto para um paciente cujos níveis fo-
mente solúveis. Resultam de divergências na for- ram ajustados logo abaixo de seu limiar tóxico in-
ma dos cristais, nos tamanhos das partículas ou dividual, um aumento de 25% acarreta risco ele-
em outras características físicas da substância que vado de ocorrência de sinais e sintomas tóxicos.
são rigidamente controladas na formulação e ma-
nufatura do preparado. Esses dados apresentam Implicação prática
implicações práticas importantes. As autoridades
Em um paciente individual, mesmo quando
regulatórias aceitam variação para a bioequiva- ocorrem alterações que não excedam a faixa aceita
lência entre duas formulações, por exemplo, um de bioequivalência, há riscos de recorrência
fármaco genérico e um produto original, que o de crises ou toxicidade. São necessárias muita
cautela e precaução, como, por exemplo, aferir os
intervalo de confiança de 90% da Cmáx e da ASC
níveis plasmáticos, quando da troca de diferentes
estejam situados entre 80% e 125% em compara- formulações de FAEs.
ção ao fármaco original2. Para um paciente cuja
dose de FAE é ajustada para um nível logo aci- A figura 3 mostra perfis e ASC de diferentes
ma de seu limite terapêutico, uma diminuição de vias de administração de fármacos.

Figura 3. Perfis de concentração após a administração da mesma dose por vias intravenosa (A) e oral (B, C) de
duas formulações farmacêuticas diferentes. A ASC depois da ingestão das formulações B e C corresponde a
aproximadamente 80% daquela obtida com a injeção intravenosa, indicando que a biodisponibilidade das duas
formulações orais é de cerca de 80%. A despeito dos mesmos valores da ASC, suas formulações orais diferem quanto
à taxa de absorção e apenas a formulação B permite que sejam alcançadas concentrações plasmáticas superiores ao
limiar necessário para exercer efeito antiepiléptico3.

37
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Distribuição - Conceito de volume Importância de conhecer o volume


de distribuição de distribuição dos agentes
Independentemente da via de administra- antiepilépticos
ção, o fármaco, uma vez absorvido pela corrente
Embora represente um conceito teórico, o co-
sanguínea, distribui-se pelo corpo até alcançar
nhecimento do Vd tem importância clínica, pois
um equilíbrio. O parâmetro que define a exten-
permite calcular a dose necessária para alcançar
são da distribuição de uma substância no corpo
um nível sérico desejável (d = Vd x DC), ou, ainda,
é denominado volume de distribuição (Vd)4. O
do nível sanguíneo após a administração de deter-
Vd não apresenta correlação anatômica e é cal-
minada dose (DC = D/Vd). Na tabela 1 constam
culado com base no preceito de que em todo
os Vds dos principais FAEs.
esse volume a concentração do fármaco é a mes-
Tabela 1. Volume de distribuição dos principais fár-
ma do plasma (o que é um conceito adequado
macos antiepilépticos.
durante a administração crônica de FAEs). Um
Carbamazepina 0,8-2
método prático para calcular o Vd é dividir uma
Clonazepam 3,0
dose do medicamento administrado por via en- Etosuximida 0,65
dovenosa (D ev) pela alteração na concentração Lamotrigina 1,0
Fenobarbital 0,55
plasmática (DC) por ele provocada, ou seja, a Fenitoína 0,75
quantidade total do fármaco no corpo (Q) pela Primidona 0,75
concentração (C). Topiramato 0,65
Valproato 0,16
Vigabatrina 0,8
Gabapentina 0,65 a 1,4
Vd = D ev/DC ou Vd = Q/C Lacosamida 0,6
Levetiracetam 0,5 a 0,7
Pregabalina 0,5
Quanto maior o volume de distribuição,
maiores a distribuição nos tecidos e o risco de Se, por exemplo, um paciente apresenta ní-
acumulação. Assim, se o Vd é de 0,05 l/kg (5% vel sérico de PHT de 10 mg/l e deseja-se alcançar
do volume corporal), o fármaco é confinado ao o nível de 20 mg/l, a dose de PHT necessária para
compartimento vascular; se é 0,15 l/kg, o fárma- obter esse nível sérico será: D = Vd x DC, ou seja,
co é confinado ao compartimento extravascular, 0,75 x (20 - 10) = 7,5 mg/kg. Como se pode prever
e se é 0,5 l/kg, é distribuído em todo o volume de a concentração de fármacos no sangue quando, por
água corporal5. Um volume de distribuição abso- exemplo, se trata de pacientes em estado de mal epi-
luto de 35 l em um adulto de 70 kg corresponde léptico com PHT e PB ou supondo que um pacien-
a um volume de distribuição relativo de 0,5 l/kg. te não receba um desses medicamentos e se deseje
A quantidade de água no corpo de um adulto é administrá-lo visando à obtenção de níveis séricos
de aproximadamente 60% do peso corporal, ou satisfatórios? Ou caso se pretenda alcançar níveis
seja, 0,6 l/kg. Assim sendo, se um fármaco tem terapêuticos superiores, necessários para o trata-
um Vd que excede 0,6 l/kg, é porque ele se liga mento dessa condição, de 20 mg/l para PHT ou 40
a determinados tecidos, um fato observado com mg/l para PB? Aplicando a fórmula: D = Vd x DC,
vários medicamentos, como os benzodiazepíni- para PHT, D = 0,75 x 20 = 15 mg/kg, e para PB, D
cos (BZDs), que se ligam às gorduras. O Vd da = 0,55 x 40 = 22 mg/kg. Usualmente, no tratamento
fenitoína (PHT) é de 0,75 l/kg e o do fenobarbi- de estado de mal epiléptico, administram-se 18 mg/
tal (PB), 0,55 l/kg. kg de cada um desses fármacos. Com essa dose, que

38
Farmacocinética dos fármacos antiepilépticos

nível será alcançado no plasma? Para PHT, DC = D/ tos fracos, a reabsorção passiva dessas substâncias
Vd, ou seja, 18/0,75 = 24 mg/l, enquanto para PB, depende do pH. Até 25% do PB é eliminado por
18/0,55 = 32,7 mg/l. Como o Vd do PB é menor que excreção renal pH-dependente, sendo o restante
o da PHT, serão alcançadas concentrações terapêu- inativado pelas enzimas microssomais hepáticas.
ticas de ambos os fármacos por meio da adminis- Esse fármaco, um ácido fraco, tem sua excreção
tração da mesma dose em mg/kg. diminuída quando a urina tubular torna-se mais
ácida e aumentada quando se alcaliniza a urina
Ligação a proteínas plasmáticas pela administração de bicarbonato de sódio. Essa
Após a absorção, os FAEs ligam-se, em porcen- interação é útil em caso de superdosagem de PB.
tagens variáveis, às proteínas plasmáticas. Apenas a
fração livre, não ligada às proteínas, será capaz de
atravessar a barreira hematoencefálica para exercer
Implicações do conceito de
ação antiepiléptica. As moléculas ligadas às proteínas meia-vida de eliminação
permanecem como reservatórios, sendo liberadas à Meia-vida de eliminação é o tempo necessário
medida que as moléculas livres são metabolizadas, para que a concentração plasmática do medica-
atingindo um equilíbrio. Moléculas que se ligam mento seja reduzida à metade5. A meia-vida bioló-
em porcentagem elevada às proteínas plasmáticas gica de um fármaco é o parâmetro farmacocinético
podem competir com outros fármacos que também mais importante para determinar o intervalo das
se ligam fortemente às proteínas, sendo esse um dos administrações diárias. Considerando que o con-
mecanismos de interação de fármacos muito co- trole das crises exigirá terapia por anos, agentes que
mum. Por exemplo, 90% da PHT e 90% do valproato apresentem meias-vidas prolongadas apresentam
(VPA) circulam ligados às proteínas. Portanto, essa vantagens evidentes sobre os de meias-vidas cur-
combinação cursa com grande probabilidade de in- tas, por exigir menor número de administrações,
teração nessa etapa farmacocinética. O aumento da facilitando a adesão à terapêutica. Várias doses
fração livre poderá determinar sinais de intoxicação. diárias são necessárias para FAEs que apresentam
Um fármaco que se liga em pequena porcentagem às meias-vidas curtas e/ou toxicidade gastrintestinal.
proteínas plasmáticas apresenta, portanto, vantagem Para medicamentos desse tipo, a administração
farmacocinética sobre outro que se liga em porcen- frequente reduzirá os picos e os vales dos níveis
tagem significativa a estas. Como a porcentagem do plasmáticos. Em oposição a esse fato, para compos-
fármaco livre no soro é inversamente proporcional à tos com meias-vidas prolongadas, a administração
concentração de albumina, pacientes com hipoalbu- frequente ou infrequente não determinará altera-
minemia apresentam maior porcentagem de fração ções significativas nas flutuações séricas.
livre no plasma e, consequentemente, maior proba- A figura 4 mostra como níveis séricos estáveis
bilidade de intoxicação. serão alcançados em um período de cinco meias-
vidas do fármaco. Embora FAEs de meia-vida
Eliminação - Depuração renal curta exijam doses mais frequentes, alcançam o
A eliminação de substâncias e metabólitos na equilíbrio plasmático mais rapidamente quando
urina envolve três processos: filtração glomerular, se introduzem ou alteram as dosagens. Por exem-
secreção tubular ativa e reabsorção tubular passi- plo, VPA, com meia-vida curta de 6 a 18 horas,
va. Nos túbulos proximais e distais, as formas não atingirá o equilíbrio em dois a quatro dias, en-
ionizadas de ácidos e bases fracas são reabsorvi- quanto PB, em decorrência de sua meia-vida lon-
das passivamente. Como as células tubulares são ga, de 72 a 98 horas, necessitará de duas a três se-
menos permeáveis às formas ionizadas de eletróli- manas para alcançar concentração sérica estável.

39
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Figura 4. Flutuações nos níveis séricos de um fármaco antiepiléptico até alcançar níveis estáveis, o que
ocorre a partir do tempo equivalente a cinco meias-vidas.

Biotransformação endoplasmático, chamado sistema microssomal,


responsável pela maioria das reações de metabo-
Os FAEs atuam no sistema nervoso central e,
lização, e outro não microssomal, no citoplasma e
em geral, são altamente solúveis em lipídes, pois
nas organelas celulares. Esse processo denomina-
precisam atravessar a barreira hematoencefálica
se biotransformação6.
para exercer sua ação. FAEs devem ser encarados
Diferentes etapas da biotransformação – Re-
como xenobióticos, ou seja, substâncias estranhas
ao organismo. A eliminação de xenobióticos é fei- ações de fase I: oxidação e sua importância na
ta por depuração renal sob a forma inalterada ou formação de arenos óxidos; redução; hidrólise
por metabolismo hepático seguido da depuração – Reação de fase II: conjugação
renal de seus metabólitos. Pelo fato de se tratar de Os sistemas envolvidos na biotransformação
substâncias altamente lipossolúveis, a maioria dos de várias substâncias localizam-se, principalmen-
FAEs não pode ser eliminada pelos rins sob forma te, no retículo endoplasmático liso dos hepatóci-
inalterada, pois se difundem de volta ao plasma tos, embora estejam também presentes em outros
em sua passagem pelos túbulos renais. Torna-se órgãos, como rins, pulmões, epitélio gastrintes-
necessária, então, a conversão, pelo fígado, em tinal e pele. Fragmentos dessa rede são isolados
metabólitos solúveis em água para possibilitar a por centrifugação dos homogenatos hepáticos na
excreção urinária, ou seja, essas moléculas, carac- fração denominada microssomas. A lipossolubili-
teristicamente apolares, precisam ser transforma- dade dos FAEs é uma das exigências para poder
das em compostos polares, pois só assim poderão penetrar nos microssomas hepáticos, nos quais
ser excretadas pelos túbulos renais. O órgão que a maioria deles é metabolizada. Vários FAEs são
fará a transformação de uma substância apolar metabolizados no sistema microssomal hepático
em uma polar é o fígado. O sistema enzimáti- (citocromo P450, assim chamado por apresentar
co hepático compreende dois subsistemas: um absorção máxima de luz na faixa de 450 nm), que
constituído por enzimas localizadas no retículo possui grande número de enzimas. O termo cito-

40
Farmacocinética dos fármacos antiepilépticos

cromo P450 refere-se a uma família de proteínas enzima epóxido-hidrolase, cujos níveis são de-
heme, semelhantes à hemoglobina, presente em terminados geneticamente8. De um lado, níveis
todos os tipos celulares, com exceção das hemácias baixos dessa enzima poderão ocasionar acú-
e das células musculares, que promovem oxidação mulo de arenos, os quais se ligam a macromo-
de moléculas. Nesse sistema, todas as substâncias léculas, desencadeando respostas imunológicas
(endógenas, como esteroides e ácidos graxos, ou e reações de hipersensibilidade verificadas nos
exógenas, como medicamentos e aditivos alimen- órgãos que possuem o sistema P450, como fí-
tares) serão metabolizadas por enzimas específi- gado, rins e pele. Anunciada por febre, em geral
cas. Há quatro tipos principais de vias metabóli- duas a três semanas após a introdução do fárma-
cas: oxidação, redução, hidrólise e conjugação. As co, e seguida, em um a dois dias, por rash cutâ-
três primeiras, que precedem a conjugação, são neo e linfadenopatia, a reação de hipersensibi-
conhecidas coletivamente como reações de fase I e lidade a FAEs pode cursar com o envolvimento
consistem na introdução de uma molécula do fár- de órgãos internos, como hepatite, nefrite e
maco de grupos - OH, - COOH e - NH2 visando anormalidades hematológicas, como eosinofilia
à formação de metabólitos mais polares. A última e linfocitose atípica. Por outro lado, há indícios
etapa, ou seja, a conjugação, compreende a união de níveis baixos de epóxido-hidrolase no líqui-
da molécula do fármaco com substratos endóge- do amniótico de mães que tiveram filhos com a
nos, como o ácido glicurônico, o ácido acético ou síndrome fetal da PHT. Epóxidos não metabo-
o sulfato inorgânico (reações de fase II) visando lizados se ligariam a ácidos nucleicos embrio-
à formação de conjugados solúveis em água e nários ou fetais, podendo ser responsabilizados
facilmente excretados pela bile ou rins. Contu- pelas malformações verificadas com alguns
do, vários metabólitos desempenham atividade FAEs. No entanto, outros fatores, além da difi-
farmacológica e podem promover efeitos seme- culdade de detoxificação de compostos aromá-
lhantes ou diferentes daqueles observados com a ticos pela epóxido- hidrolase, como reativação
molécula-mãe e ser responsáveis por importantes do vírus do herpes tipo 6 e predisposição étnica
efeitos que se seguem à administração do medica- com alguns subtipos de antígenos leucocitários
mento1,3,7. No metabolismo de compostos aromá- humanos, podem estar envolvidos nas reações
ticos, como PHT, PB e CBZ, ocorre a formação de de hipersensibilidade a medicamentos.
metabólitos intermediários chamados arenos óxi-
dos, substâncias capazes de se ligar covalentemen-
te a proteínas e ácidos nucleicos. Essa interação é Implicação prática
responsável por reações de hipersensibilidade, he-
Em 12 de dezembro de 2007, a Food and Drug
patotoxicidade e, muito raramente, carcinogênese Administration alertou para a possibilidade de
determinadas por compostos aromáticos. reações cutâneas graves e até mesmo fatais, como
a síndrome de Stevens-Johnson e a necrólise
epidérmica tóxica, que podem ser causadas
Arenos óxidos e “síndrome pela CBZ, as quais são significativamente mais
da hipersensibilidade comuns em pacientes com o subtipo HLA-B*1502
do antígeno leucocitário humano. Esse alelo
a anticonvulsivantes” e ocorre quase exclusivamente em chineses Han e
asiáticos e seria um marcador para essas reações
malformações fetais de hipersensibilidade graves. Diante desse risco,
Como mostra a figura 5, o processo de de- essa população deveria ser submetida à avaliação
genética para tal subtipo antes de ingerir CBZ9.
sintoxicação dos arenos óxidos é realizado pela

41
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Figura 5. Estrutura química da fenitoína, fenobarbital e carbamazepina, mostrando a via de formação dos arenos óxidos e
a desintoxicação sob a influência da enzima epóxido-hidrolase8.

Importância dos fatores genéticos no meta- e hormônios, como cortisol e estradiol. A PHT é
bolismo dos fármacos antiepilépticos metabolizada pelo CYP2C9 e, parcialmente, pelo
O sistema microssomal P450 apresenta uma CYP2C19. A maioria dos antidepressivos e an-
série de enzimas denominadas oxidases de fun- tipsicóticos é metabolizada pelo CYP2D6. Várias
ção mista, referidas como CYP (de CY, citocromo, formas do citocromo P450 surgiram de eventos
e P, a primeira letra de P450), seguidas do alga- que ocorreram nos últimos 5 a 50 milhões de
rismo arábico da família específica, de uma letra anos, influenciados por fatores ambientais e há-
maiúscula que especifica sua subfamília e de um bitos alimentares. Diferentes indivíduos podem
segundo algarismo arábico designando a forma apresentar taxas diversas de metabolismo de um
individual de P450 (por exemplo, CYP2C9). Tais medicamento particular em decorrência das ca-
enzimas variam de indivíduo para indivíduo e são racterísticas genéticas de seus citocromos. Esses
sujeitas a importantes diferenças entre os sexos e polimorfismos genéticos, presentes em pequena
as etnias. Dentre esses sistemas enzimáticos, en- porcentagem da população, tornam alguns indi-
contra-se, por exemplo, o CYP3A4, em que são víduos incapazes de metabolizar um fármaco de
metabolizadas fármacos como CBZ e etossuximi- forma adequada, o que eleva seus níveis no san-
da (ESM), BZDs, bloqueadores de canais de cálcio gue e a toxicidade dose-dependente se a forma

42
Farmacocinética dos fármacos antiepilépticos

não metabolizada do medicamento é farmacolo- hormônios) poderão apresentar considerável in-


gicamente ativa. Cerca de 2% a 5% dos caucasia- dução metabólica e diminuição de seus níveis plas-
nos e até 20% dos asiáticos apresentam metaboli- máticos. O processo de indução enzimática requer
zação inadequada pelo CYP2C19, enquanto 5% a a síntese de enzimas e se processará ao longo do
10% dos caucasianos e 1% dos asiáticos são maus tempo, se estabelecendo de forma gradual e dose-
metabolizadores pelo CYP2D6. dependente. Também quando da retirada do indu-
Implicação prática tor, o processo de perda da indução será gradativo.
Indivíduos com metabolização inadequada pelo
Implicação prática
CYP2C9 podem apresentar intoxicação mesmo
com doses habituais de PHT Pacientes tratados com PB e outros FAEs indutores
como PHT e CBZ poderão apresentar raquitismo
e osteoporose em decorrência da queda de seus
Indução enzimática níveis corpóreos de vitamina D. Da mesma forma,
esses FAEs poderão induzir o metabolismo de
FAEs, como outros xenobióticos, podem apre- hormônios presentes em contraceptivos hormonais,
sentar indução metabólica do sistema P450, fenô- determinando sua ineficácia em prevenir a
meno que visa a facilitar sua excreção. Esta é uma ovulação, resultando em gestações indesejadas.
resposta adaptativa do retículo endoplasmático liso Alguns FAEs, como a CBZ, induzem o pró-
que possibilita ao fígado desintoxicar não só o FAE, prio metabolismo, de tal forma que, por volta
mas também hormônios, substâncias carcinogêni- da terceira ou quarta semana de administração,
cas e inseticidas. Essa proliferação é estabelecida há redução em seus níveis plasmáticos, podendo
pelo retículo endoplasmático rugoso que, pela sín- ocorrer crises. Esse é o fenômeno de autoindução
tese de RNA, determina a codificação e o acúmulo metabólica que determina a cinética dependente
da enzima apropriada. Na figura 6, verifica-se a ex- do tempo verificada com a CBZ.
traordinária proliferação do retículo endoplasmá-
tico liso do hepatócito de um rato três dias após a Implicação prática
administração de PB. A consequência prática dessa Para controlar as crises, ao término do primeiro
indução é que tanto substâncias exógenas (como mês de tratamento, poderá ser necessário elevar a
outros medicamentos administrados concomi- dosagem da CBZ em decorrência do fenômeno de
autoindução metabólica.
tantemente) como endógenas (como vitaminas e

RER
M

REL
RER

Figura 6. Hipertrofia do retículo


endoplasmático liso (REL) de rato três
dias após administração de fenobarbital.
N: núcleo; M: mitocôndria; RER: retículo
endoplasmático rugoso. ME ~x20.000.

43
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Inibição enzimática aumenta proporcionalmente ao incremento da


dose. Esta constitui a cinética de ordem zero, na
O sistema hepático de oxidases de função mis-
qual acréscimos mínimos da dose poderão pro-
ta apresenta baixa especificidade por substratos e
mover elevação da meia-vida e níveis séricos mui-
metaboliza vários fármacos. Alguns deles ligam-
to superiores aos esperados. A figura 7 mostra os
se fortemente às enzimas desse sistema, inibin-
gráficos dos níveis séricos do fármaco em função
do-as, enquanto outros podem saturá-las quando
da dose conforme as cinéticas de primeira ordem
se administram dois ou mais medicamentos que
e de ordem zero.
utilizam a mesma via metabólica. FAEs podem
promover auto ou heteroinibição da biotransfor- Implicação prática
mação. O processo de inibição começa tão logo o
A PHT é um FAE que apresenta cinética de ordem
fármaco inibidor alcança concentrações suficien- zero. Dependendo de características individuais,
tes e, em geral, já está bem estabelecido 24 horas a partir de uma certa dose, poderão ocorrer
após sua introdução. aumentos exponenciais em seus níveis séricos,
resultando em intoxicação.

Farmacocinéticas linear e não linear


Na maioria das circunstâncias, os FAEs são Tolerância
metabolizados de acordo com a cinética enzimá- Com a administração repetida dos FAEs, ve-
tica de primeira ordem, ou seja, a velocidade do rificam-se dois tipos de tolerância: aos efeitos ad-
metabolismo é proporcional à concentração plas- versos e à eficácia e/ou potência de um fármaco.
mática do fármaco4. Consequentemente, existe Ambos podem decorrer do desenvolvimento de
uma relação linear entre a dose e a concentração tolerância metabólica ou funcional10. A tolerância
sérica do medicamento. Há algumas situações metabólica caracteriza-se pelo aumento na taxa de
em que a enzima responsável pela metabolização inativação metabólica, ocorrendo principalmen-
desses fármacos torna-se saturada após certa con- te no sistema microssomal hepático, ou seja, seu
centração, de tal forma que o metabolismo não resultado final é a redução “periférica” da biodis-

Figura 7. Na cinética de primeira ordem, o nível sérico do fármaco aumenta proporcionalmente com a dose. Na cinética
de ordem zero, em decorrência da saturação enzimática envolvida na metabolização do medicamento, seus níveis séricos
elevam-se exponencialmente com o aumento da dose. Após certo ponto, acréscimos muito pequenos na dose resultarão
em grandes alterações no nível sérico.

44
Farmacocinética dos fármacos antiepilépticos

ponibilidade, com diminuição das concentrações Toxicidade


plasmáticas do fármaco, o que ocasiona uma que-
Os efeitos tóxicos dos fármacos no tratamento
da aparente na eficácia e/ou potência desta. A tole-
da epilepsia podem ocorrer como resultado de um
rância funcional decorre da diminuição ou da per-
efeito conhecido (e desejável) desses agentes, afe-
da da resposta ao nível dos receptores, implicando
tando outras partes do corpo, particularmente as
diminuição verdadeira da potência e/ou eficácia
do sistema nervoso. Esses efeitos são previsíveis e
do fármaco. Entre outros motivos, pode ser conse-
intimamente relacionados aos níveis plasmáticos.
quência dos seguintes mecanismos: down-regula-
Efeitos idiossincrásicos são efeitos não usuais, de
tion de receptores (ou seja, a exposição prolonga-
qualquer intensidade, que podem ou não se rela-
da a um fármaco pode reduzir o número de locais
cionar à dose e ocorrem apenas em uma pequena
de ligação na membrana neuronal sem alterar a
porcentagem dos indivíduos. Como exemplos, há
afinidade por eles); diminuição da capacidade de
hiperplasia gengival associada à PHT, hepatotoxici-
ligação ou de competição pelos locais de ligação
dade com VPA, confusão e psicose com VGB e sín-
nos receptores pelos metabólitos do fármaco. Um
drome de Stevens-Johnson com lamotrigina (LTG).
exemplo de tolerância funcional foi documentado
Algumas vezes, esses efeitos se associam à dose ou à
por Butler et al.11, ao verificarem que um grupo
titulação rápida do fármaco no início da terapêuti-
de indivíduos que experimentaram sedação logo
ca, como rash cutâneo observado com CBZ e LTG.
após a administração de PB teve redução consi-
derável desse sintoma duas semanas mais tarde, a Implicação prática
despeito de níveis sanguíneos cinco vezes maiores
Acréscimos pequenos e lentamente progressivos
do fármaco administrado. De um lado, a tolerân- nas dosagens de PB, PHT, CBZ e LTG, quando
cia à CBZ é explicada, em parte, pela autoindução da introdução desses FAEs, podem evitar o
do sistema microssomal hepático, que ocasiona surgimento de rash cutâneo.
depuração mais rápida com diminuição das con-
centrações séricas em poucas semanas após a in-
trodução desse fármaco (tolerância metabólica), Metabolismo dos fármacos
por outro lado, com esse medicamento, verifica-se antiepilépticos ao longo da vida
que os efeitos adversos são signicativamente me-
nos importantes após algumas semanas da terapia Absorção
do que os verificados com níveis sanguíneos simi- Em neonatos, a absorção dos medicamentos
lares logo após sua introdução (tolerância funcio- pelo trato gastrintestinal é lenta e imprevisível,
nal). Infelizmente, o desenvolvimento de tolerân- particularmente para compostos relativamente
cia funcional aos efeitos antiepilépticos em dias, insolúveis, com PHT e CBZ. Esse fato pode de-
meses ou até anos é bem estabelecido com BZDs, correr da falta de produção de ácido pelo estôma-
VPA, acetazolamida e vigabatrina (VGB). Estudos go. O pH gástrico é neutro nos primeiros 10 a 50
animais sugerem desenvolvimento de tolerância dias de vida, caindo para valores semelhantes aos
com PHT e barbitúricos. observados em adultos ao redor de dois anos de
idade. O esvaziamento gástrico é lento e errático
Implicação prática durante os seis a oito primeiros meses de vida. O
A forma ideal de administrar um FAE é por meio de desenvolvimento dos processos absortivos ama-
acréscimos pequenos da dosagem para permitir o durece rapidamente, de tal forma que a biodispo-
desenvolvimento de tolerância aos efeitos adversos, nibilidade oral dos FAEs em lactentes e crianças
facilitando a adesão do paciente à terapêutica.
frequentemente é maior que a de adultos.

45
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Ligação proteica Níveis séricos - Conceito de faixa


Neonatos, especialmente prematuros, apre- terapêutica
sentem acentuada redução na ligação proteica
A concentração sérica de um FAE é a quan-
devido à persistência da albumina fetal (que apre-
tidade do fármaco (por peso) dissolvida em uma
senta menor capacidade de ligação), menor quan-
unidade de volume do soro. O liquor é um ultrafil-
tidade de proteínas plasmáticas e competição pela
trado plasmático com baixa concentração de pro-
ligação em decorrência dos níveis elevados de bi-
teínas (e, portanto, com pouca ligação de fárma-
lirrubinas e ácidos graxos livres.
cos a proteínas). As concentrações liquóricas de
PHT, PB, primidona, CBZ e ESM são usualmente
Biotransformação e eliminação idênticas às concentrações livres desses fármacos
Em neonatos, o sistema enzimático hepático no soro. Concentrações semelhantes aplicam-se à
é imaturo, particularmente em prematuros, pro- saliva e às lágrimas, onde poderiam ser aferidas
movendo eliminação lenta dos FAEs. Esse siste- concentrações do fármaco livre semelhantes às do
ma apresenta amadurecimento rápido logo após soro. A maioria dos laboratórios, por dificuldades
o nascimento. Lactentes, comparados a adultos, técnicas, dosa apenas a quantidade total do fár-
são considerados metabolizadores rápidos, apre- maco, ou seja, a concentração total das moléculas
sentando velocidade de metabolização de duas a ligadas e das livres12.
seis vezes maior que a de adultos. Com o cres- Em 2008, uma Subcomissão da International
cimento, o metabolismo dos fármcos diminui e League Against Epilepsy (ILAE) elaborou um
sua velocidade se reduz de tal forma que aos seis guia para monitoração dos níveis terapêuticos
anos de idade é igual a duas vezes à do adulto, (MNT)13. Nele, enfatizou-se que as faixas de re-
equiparando-se à última ao redor da adolescên- ferência, usadas pelos laboratórios e na prática
cia. Quanto à depuração renal, que é mais lenta clínica, não são sinônimos de faixas terapêuticas.
nos primeiros meses de vida em decorrência da A faixa de referência de um FAE é uma padroni-
imaturidade, equipara-se à de adultos entre seis e zação estatística da concentração do FAE extraída
dez meses de idade. de estudos populacionais e indica os níveis plas-
máticos nos quais a maioria dos pacientes alcança
o controle das crises epilépticas. O nível inferior
Implicação prática
dessa faixa de referência é o limite abaixo do qual
Em crianças, é difícil individualizar a dose de FAEs. é improvável que ocorra resposta terapêutica, en-
Em comparação com adultos, são necessárias quanto o limite superior é aquele acima do qual
doses mais elevadas em relação ao peso. Com provavelmente ocorrerá toxicidade. As concen-
exceção do período neonatal, o encurtamento das
meias-vidas de eliminação exige administrações trações plasmáticas situadas entre esses dois limi-
mais frequentes para manter os níveis plasmáticos tes não devem ser referidas como normais, pois
estáveis e, finalmente, a monitoração dos níveis a concentração normal de um fármaco em um
plasmáticos é mais importante nessa faixa etária.
organismo é zero12.

Já a depuração de fármacos em idosos é menor


Definição
que em adultos de meia-idade, sendo recomendá-
vel que o tratamento seja iniciado em doses mais Faixa de referência: é a faixa de concentração do
baixas até que possam ser verificados a resposta fármaco na qual a maioria dos pacientes alcança o
efeito terapêutico desejado sem efeitos adversos.
clínica e os níveis estáveis.

46
Farmacocinética dos fármacos antiepilépticos

A faixa de referência pode ser útil para guiar a A MNT de FAEs é útil na prática clínica por
terapêutica em determinadas situações da prática permitir melhor controle das crises visando a
clínica, mas a manutenção das doses de FAEs efe- minimizar efeitos adversos, desde que seja usada
tivas deve se basear em critérios clínicos, uma vez de forma seletiva e apropriada para resolver um
que a variabilidade entre os pacientes é conside- problema farmacocinético ou farmacodinâmico
rável. Vários indivíduos podem alcançar benefí- específico de um determinado paciente.
cios terapêuticos com concentrações plasmáticas Entre os FAEs tradicionais, PHT, PB e CBZ
de FAEs fora dos limites da faixa de referência. são os que mais provavelmente necessitarão de
Alguns não apresentam reações adversas mesmo MNT. VPA se relaciona a numerosas peculia-
quando os limites tóxicos são ultrapassados, en- ridades e grande variabilidade. A utilidade da
quanto outros podem apresentar sintomas de to- MNT para os FAEs mais novos tem sido ques-
xicidade até mesmo com níveis inferiores de suas tionada pelo fato de que há ampla variação das
concentrações plasmáticas ao longo do dia [deno- concentrações plasmáticas deles associada à efi-
minadas níveis de vale em contraposição aos mo- cácia clínica e à considerável superposição entre
mentos de concentração máxima (Cmáx) do fárma- concentração-efeito e concentração-toxicidade.
co ao longo do dia _ níveis de pico]. Assim sendo, Esse conceito tem sido motivo de revisões, par-
as concentrações nos limites da faixa de referência ticularmente em mulheres, em decorrência do
não são necessariamente terapêuticas, efetivas ou fato de que alguns dos novos FAEs, especial-
ótimas e recomenda-se que esses adjetivos não se- mente LTG, sofrem influência significante de
jam utilizados ao se reportar aos resultados das contraceptivos hormonais e da gestação. Por
dosagens plasmáticas de um fármaco. A termino- outro lado, FAEs indutores enzimáticos afetam
logia mais correta na interpretação dos números significativamente os níveis plasmáticos de LTG
aferidos nelas deve ser: “O resultado situa-se den- e topiramato, por exemplo.
tro/acima/abaixo da faixa de referência”. Foi por Trabalhos recentes da literatura enfatizam as
tais razões que houve necessidade de introduzir possíveis faixas de referência para cada um dos
outro conceito na MNT: o de faixa terapêutica. novos FAEs.
Definição No entanto, as evidências para a utilidade da
MNT como um guia para melhorar a terapêutica
Faixa terapêutica: é definida como a faixa de
concentração do fármaco associada à melhor clínica são escassas e têm sido motivo de signifi-
resposta terapêutica para um determinado cativas discussões.
paciente, sendo, portanto, definida apenas em Na prática clínica, a MNT é recomendada:
termos individuais.
• para estabelecer as concentrações efetivas ba-
sais (faixa terapêutica) em pacientes que te-
Guia para a prática clínica nham alcançado estabilidade clínica visando
O nível é considerado terapêutico quando o a comparações futuras para avaliar possíveis
paciente tem as crises epilépticas controladas e não causas de uma alteração na resposta terapêu-
apresenta efeitos adversos, independentemente
tica. Por exemplo, quando há recorrência
dos valores numéricos de sua MNT. A dose de
um FAE deve ser considerada adequada se a das crises, na gravidez ou em pacientes em
crises permanecem controladas sem que ocorram politerapia com FAEs ou outras medicações
efeitos adversos ou que estes, embora presentes, concomitantes;
sejam discretos. A dose deve ser considerada
elevada se há reações adversas intoleráveis, • para avaliar as causas potenciais de falta ou
independentemente do controle das crises. perda de eficácia;

47
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

• para verificar as causas potenciais de toxicidade; Guia para a prática clínica


• para avaliar a adesão à terapêutica, particular-
A repetição da MNT regular em pacientes que
mente em pacientes com crises não controla- tiveram as crises controladas e não apresentam
das ou recorrência inesperada de crises; efeitos adversos apenas para ter certeza de que
• para guiar o ajustamento da dosagem em situ- tudo está bem deve ser totalmente desencorajada.
Os níveis de vale dos FAEs são importantes para
ações associadas à variabilidade farmacociné- aferir a eficácia, enquanto os níveis de pico, para
tica, como em crianças, idosos, pacientes com avaliar a toxicidade. No tratamento com CBZ ou
outras doenças ou que tenham sofrido a troca oxcarbazepina, a ocorrência de diplopia indica
excesso do medicamento, independentemente dos
de formulações do fármaco utilizado. Enfim,
níveis aferidos na MNT.
em situações em que se antecipa uma alteração
farmacocinética importante, como na gravidez
ou quando a interação é esperada quando da Momento para a coleta das
introdução ou retirada de outro fármaco;
amostras
• para ajustar as doses de FAEs que apresentam
O momento da coleta das amostras e uma
farmacocinética dependente da dose, particu-
história meticulosa da distribuição das doses são
larmente para PHT, molécula que apresenta
imperativos para utilizar MNT na prática clínica.
cinética de ordem zero e falta de previsibilida-
de da relação dose-nível sérico. A coleta deve ser realizada após o fármaco ter
atingido seus níveis estáveis, os quais são alcança-
A MNT é complicada quando o paciente faz
dos quatro a cinco meias-vidas após o início do
uso de politerapia, pois é improvável que a faixa
tratamento ou a alteração na dosagem (Figura 8).
de referência seja a mesma de quando o FAE é
Os valores das meias-vidas e outros parâmetros
ingerido isoladamente, em monoterapia ou em
farmacocinéticos dos FAEs podem ser encontra-
combinação com outros FAEs (politerapia). Por
dos no artigo da ILAE13.
exemplo, a toxicidade da CBZ ou VPA apare-
A falta de adesão de um paciente em um perí-
ce em concentrações plasmáticas mais elevadas
odo de três a quatro meias-vidas antes da coleta de
quando esses FAEs são utilizados em mono-
sangue pode afetar significativamente a concen-
terapia do que quando são administrados em
tração plasmática e causar interpretação errônea
combinação.
dos resultados. A concentração plasmática pode
Para o National Institute of Clinical Excellen-
ser subestimada quando a amostra de sangue é
ce (NICE)14, um órgão independente que provê
colhida antes que a concentração plasmática está-
guias de recomendações na área da saúde no
vel do fármaco seja alcançada. Ao contrário, pode
Reino Unido, as indicações para a MNT em epi-
ser superestimada quando a amostra sanguínea é
lepsia incluem:
colhida antes que a autoindução se processe para
• detecção de falta de adesão ao medicamento FAEs que apresentam esse problema farmaco-
prescrito; cinético, como é o caso da CBZ.
• suspeita de toxicidade; Para FAEs de meias-vidas longas (como ESM,
• ajustamento da dose de PHT; PB, PHT), o momento da coleta não é importan-
• avaliação de interações farmacocinéticas; te, pois as flutuações plasmáticas desses fármacos
• condições clínicas específicas, como status são pouco importantes ao longo das 24 horas do
epilepticus, gestação e insuficiência hepática dia e as amostras podem ser colhidas a qualquer
ou renal. momento.

48
Farmacocinética dos fármacos antiepilépticos

Estado estável e meias-vidas

Nível máximo

Efeitos tóxicos

Faixa terapêutica
Níveis séricos da DAE

Sem proteção
Nível mínimo

1 2 3 4 5 6 7
Tempo em meias-vidas

Figura 8. Níveis de pico (nível máximo) e de vale (nível mínimo) após a estabilização dos níveis sanguíneos, que ocorre
após quatro a cinco meias-vidas. A aferição de níveis plasmáticos deve ser realizada após o estabelecimento de níveis
estáveis, os quais são variáveis, dependendo da meia-vida de cada fármaco4.

Para FAEs de meias-vidas curtas (como CBZ, Fármaco antiepiléptico ideal


lamotrigina, topiramato, VPA, gabapentina, leve- Os dados farmacocinéticos anteriormente ci-
tiracetam e pregabalina), é importante padronizar tados permitem delinear o perfil ideal do fármaco
o tempo de coleta da amostra em relação à dose. utilizado para o controle das crises epilépticas:
Para esses FAEs, recomenda-se que as amostras - Agente seguro.
sanguíneas sejam obtidas antes da primeira dose, - Biodisponibilidade satisfatória.
quando a concentração sanguínea se encontra em
- Absorção enteral lenta ou existência de for-
seu limite inferior (nível de vale), sendo impor-
mulação de liberação prolongada.
tante para avaliar ineficácia. Por outro lado, po-
- Meia-vida longa para facilitar a adesão à tera-
dem ainda ser colhidas no tempo em que o fárma-
pêutica.
co atinge a concentração máxima (nível de pico),
- Cinética linear.
sendo útil para avaliar a toxicidade.
- Pequena ligação a proteínas plasmáticas.
- Ausência de indução e de inibição enzimáticas.
Guia para a prática clínica
- Ausência de metabólitos ativos e/ou tóxicos.
Não há nenhuma indicação para realizar MNT
- Excreção renal como fármaco inalterado.
antes de quatro a cinco meias-vidas terem
transcorrido desde o início do tratamento ou
de uma alteração na dosagem. A MNT é útil
para avaliar a ineficácia quando a concentração Referências bibliográficas
plasmática é obtida em seu nível de vale (antes 1. Bourgeois BFD. Pharmacokinetics of anticonvul-
da dose seguinte). A MNT é útil para avaliar a
sants. In: Lüders HO (ed.). Epileptology: com-
toxicidade quando a concentração plasmática é
prehensive review and practical exercises. Cam-
obtida em seu nível de pico.
bridge, 1998. p. 199-230.

49
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

2. Storpirtis S. Princípios de biodisponibilidade, 9. FDA alert. Information for Healthcare Profes-


bioequivalência, equivalência farmacêutica e te- sionals: dangerous or even fatal skin reactions
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50
Evolução da terapêutica
3 medicamentosa das
epilepsias
Elza Márcia Targas Yacubian
Professora Adjunta Livre Docente do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da
Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Historicamente, os fármacos antiepilépticos e inclui o brometo de potássio, o fenobarbital


(FAEs) podem ser classificados em três gera- e várias moléculas derivadas da estrutura dos
ções (Figura 1). A primeira geração compreen- barbitúricos, como a fenitoína, a primidona, a
de aqueles comercializados entre 1857 e 1958 trimetadiona e a etossuximida. A segunda ge-

40
Perampanel
Eslicarbazepina
Lacosamida
Rufinamida
35 Estiripentol
Pregabalina
Levetiracetam
Terceira geração Tiagabina
Topiramato
30 Gabapentina
Número de fármacos antiepilépticos

Felbamato
Oxcarbazepina
Lamotrigina
Zonisamida
25 Vigabatrina
Clobazam Progabida
Clonazepam
Valproato
20 Carbamazepina
Diazepam Segunda geração
Sultiame
Clordiazepóxido
Etossuximida
15 Etotoina
Metosuximida
Primidona
Fensuximida
Fenacemida
10 Primeira geração Corticosteroides/ACTH
Parametadiona
Mefenitoína
Trimetadiona
Acetazolamida
5 Fenitoina
Fenobarbital Mefobarbital
Borax
Brometo

0
1850 1870 1890 1910 1930 1950 1970 1990 2010

Ano da introdução

Figura 1. Introdução de fármacos antiepilépticos no mercado de 1853 a 2012 (modificado a partir da referência 1).

51
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

ração inclui fármacos como a carbamazepina, o Parecia lógico prescrever sais de brometo de po-
valproato e os benzodiazepínicos, introduzidos tássio e, mais tarde, uma solução contendo uma
entre 1960 e 1975, quimicamente diferentes dos mistura de sais de brometo de sódio, potássio e
barbitúricos. Apenas após 1980, passaram a ser antimônio em razão de suas propriedades se-
comercializados compostos da terceira gera- dativas e antiafrodisíacas. Brometo constituiu
ção, constituída por fármacos descobertos pelo o único fármaco eficaz para o tratamento das
“desenvolvimento racional”, como a progabida, epilepsias até 1912, quando Alfred Hauptmann,
a gabapentina, a vigabatrina e a tiagabina, bem explorando as propriedades sedativas do feno-
como por outras ainda descobertas de forma aci- barbital, observou diminuição na frequência das
dental, como a lamotrigina e o topiramato. Neste crises epilépticas em pacientes que faziam uso de
momento, testemunha-se o desenvolvimento de brometo3 (Figura 3). No final da década de 1910,
FAEs de quarta geração1. fenobarbital havia se tornado o tratamento de
Em 1857, dois milênios após inúmeras tenta- escolha para as epilepsias e, assim, permaneceu
tivas terapêuticas infrutíferas para tratar as cri- até o final da década de 1930, quando Merritt
ses epilépticas, Sir Charles Locock, um obstetra e Putnam, ao descreverem o modelo do eletro-
inglês, introduziu o brometo de potássio como choque em gatos, iniciaram uma pesquisa ativa
medicação eficaz para controlar epilepsia histéri- na busca de fármacos mais eficazes e mais bem
ca em 14 de 15 mulheres com crises catameniais2 tolerados, descobrindo a eficácia da fenitoína,
(Figura 2). Uma crendice popular àquele tempo molécula desprovida de efeitos sedativos que ha-
era a de que epilepsia era uma manifestação de via sido sintetizada em 1908 e permaneceu aban-
histeria e uma consequência da masturbação. donada até o final da década de 1930, em uma
época em que se acreditava que todo FAE deveria
necessariamente possuir propriedades sedativas4
(Figura 4). Putnam e Merritt, com o sucesso de
seu modelo, fizeram mais do que simplesmente
descobrir a fenitoína. Eles mostraram que um
procedimento laboratorial poderia ser utilizado
como um modelo para epilepsia e testagem de
moléculas e um fármaco efetivo no controle das
crises epilépticas não necessitava apresentar efei-
tos sedativos. O sucesso desse empreendimento,
inaugurando a investigação neurofisiológica das
epilepsias e estabelecendo o elo entre a indústria
farmacêutica e a pesquisa experimental, abriu ca-
minho para o desenvolvimento de outros FAEs
(Figura 5).
A dieta cetogênica, embora já conhecida pe-
los médicos no tempo de Hipócrates e referida na
Bíblia como efetiva para o controle das crises (por
meio de jejum e orações), floresceu na década de
1920 como uma opção terapêutica que, ainda em
nossos dias, tem sido explorada como alternativa
Figura 2. Charles Locock (1799-1875). ao tratamento com FAEs5.

52
Evolução da terapêutica medicamentosa das epilepsias

Figura 3. Publicação de 1912 do uso do luminal em epilepsia por Dr. Alfred Hauptmann (1881-1948).

Figura 4. Circuito empregado por Putnam e Merritt que permitia que uma corrente interrompida de amperagem
predeterminada fosse aplicada na cabeça do animal e a determinação do limiar para convulsões.

53
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Figura 5. Tracy Putnam (1894-1975) e H. Houston Merritt (1902-1978), cujos estudos marcaram o final do empirismo na
descoberta de fármacos antiepilépticos.

Na década que seguiu a descoberta da fenitoí- A trimetadiona, originalmente estudada como


na, Goodman et al. iniciaram vários estudos sobre um analgésico, foi sintetizada em 1944, testada e
a fisiologia das crises em animais e seres humanos introduzida por Richards e Everett nos laborató-
e conseguiram uma bateria de testes para inves- rios Abbott7 e clinicamente avaliada por Lennox
tigar compostos quanto à sua atividade antiepi- em 19458 (Figura 6), revelando um efeito seletivo
léptica, particularmente os testes do eletrochoque sobre as crises induzidas por PTZ, indicativo de
máximo (ECM) e o do pentilenotetrazol (PTZ)6. sua ação específica nos mecanismos geradores das
No teste do ECM, um choque de corrente alterna crises de ausência7. Para tratar esse tipo específico
de 60 Hz e 50 mA (em camundongos) ou 150 mA de crises, foram subsequentemente desenvolvidos
(em ratos) é administrado por eletrodos cornea- os compostos cíclicos metossuximida e fensu-
nos por 0,2 segundo. O objetivo é verificar a efi- ximida, sucedidos, em 1960, pelo último desses
cácia de determinado agente em abolir a extensão compostos, a etossuximida, fármaco menos tóxi-
tônica do membro posterior. Clinicamente, fár- co e considerado, até o presente momento, uma
macos que apresentam essa propriedade são efi- opção de primeira linha para o controle das crises
cazes em prevenir crises parciais e tônico-clônicas de ausência9 (Figura 7).
generalizadas. No modelo do PTZ, uma dose con- No início da década de 1950, a busca de análo-
vulsivante de PTZ (85 mg/kg em camundongos; gos do medicamento psicotrópico clorpromazina
70 mg/kg em ratos) é injetada por via subcutânea. culminou com a descoberta da carbamazepina,
Os animais são observados por 30 minutos para em Basileia, introduzida inicialmente no mercado
verificação do espasmo clônico que persista por suíço em 196310. Nessa década foi ainda descober-
pelo menos 5 segundos. Ausência do componen- ta a ação antipiléptica potente dos benzodiazepí-
te clônico indica que a substância testada elevou nicos, sendo a daqueles com estrutura 1-4, como
o limiar crítico. Clinicamente, compostos que o diazepam, mais importante por via endoveno-
apresentam essa propriedade impedem crises de sa, enquanto a dos benzodiazepínicos 1-5, como
ausências. Embora vários outros modelos animais o clobazam, seria mais marcante por via oral11.
tenham sido testados, nenhum mostrou ser mais Essas moléculas seriam fundamentais para o con-
eficaz para predizer a utilização clínica de FAEs trole agudo das crises epilépticas subintrantes e
do que esses dois modelos clássicos. do estado de mal epiléptico.

54
Evolução da terapêutica medicamentosa das epilepsias

Figura 6. Artigo original de William G. Lennox sobre as epilepsias de pequeno mal e seu tratamento com tridiona.

Figura 7. Artigo original de Livingston descrevendo o uso do Celontin® na epilepsia.

Sintetizado por Burton no final do século mento dos possíveis mecanismos fisiopatogênicos
passado e utilizado como solvente de substân- envolvidos nas crises epilépticas, ou seja, inicial-
cias químicas orgânicas, o ácido valproico teve mente a potencialização GABAérgica e, mais re-
sua ação antiepiléptica descoberta nos laborató- centemente, a redução dos mecanismos de hipe-
rios de Meunier, na França, no início da década rexcitabilidade mediados por neurotransmissores
de 196012. Em 1963, durante a preparação de uma excitatórios em uma série de diferentes tipos de
série de compostos heterocíclicos que, em decor- receptores. No entanto, em razão do conhecimen-
rência de sua baixa solubilidade, precisavam ser to ainda insuficiente dos mecanismos envolvidos
dissolvidos em vários solventes, entre os quais o nas epilepsias, constata-se que o desenvolvimento
ácido valproico, verificou-se que várias moléculas de novos FAEs se caracteriza ainda pela casuali-
apresentavam propriedades anticonvulsivantes e dade e empirismo.
que essa ação era dependente de solvente. Rapida- Entre as moléculas novas, enquanto a vigaba-
mente, o ácido valproico revelou-se um fármaco trina, um análogo estrutural do GABA, foi dese-
muito eficaz para o controle das crises das epilep- nhada especificamente como um inibidor irrever-
sias generalizadas idiopáticas e, algumas décadas sível da GABA-transaminase, enzima responsável
mais tarde, também das epilepsias parciais, sendo pela degradação do GABA, alguns agentes, como
reconhecido por seu amplo espectro de ação13. a gabapentina, originalmente sintetizada como
As últimas décadas estão sendo marcadas pela um composto GABA-mimético, atuam por me-
busca de novas moléculas baseada no conheci- canismos ainda não completamente elucidados.

55
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Outros, como a lamotrigina, foram originalmente Referências bibliográficas


sintetizados como uma substância antifolato com
1. Löscher W, Schmidt D. Modern antiepileptic drug
base no preceito errôneo de que a eficácia antiepi- development has failed to deliver: ways out of the
léptica de alguns FAEs poderia ser dependente da current dilemma. Epilepsia. 2011;52(4):657-78.
inibição do ácido fólico e parece atuar em canais 2. Locock C. Discussion of a paper by E. H. Sievking:
de sódio dependentes da variação de voltagem. meeting of the Royal Medical and Chirurgical So-
ciety of London. Lancet. 1857;1: 527.
Topiramato, uma molécula originalmente estu-
3. Hauptmann A. Luminal bei epilepsie. Munch Med
dada no metabolismo de carboidratos e inicial-
Wochenschr. 1912;59:1907-9.
mente testada em modelos animais de epilepsia
4. Putnam TJ, Merritt HH. Experimental determi-
pela presença do radical sulfamato, presente em nation of the anticonvulsant properties of some
inibidores da anidrase carbônica com proprieda- phenyl derivates. Science. 1937;85:525-6.
des antiepilépticas, parece apresentar múltiplos 5. Geyelin HR. Fasting as a method for treating epi-
mecanismos de ação. lepsy. Med Record. 1921;99:1037.
Na década de 1990 em estudos dos mecanis- 6. Swinyard EA, Goodman LS. Introduction. In:
Woodbury DM, Penry JK, Schmidt RP (eds.).
mos de ação de moléculas derivadas da biotina,
Antiepileptic drugs. 1. ed. New York: Raven
a combinação com alanina e depois com a seri- Press, 1972.
na deu origem ao composto harkoserida. Estas 7. Richards RK, Everett GM. Analgesic and anticon-
modificações foram processadas pelo americano vulsant properties of 3,5,5-trimethyloxazolinine-
Harold Kohn da Universidade de Houston ao ob- -2,4-dione (Tridione). Fed Proc. 1944;3:39.
servar a semelhança estrutural da molécula com 8. Lennox WG. The petit mal epilepsies: their treat-
ment with Tridione. JAMA. 1945;129:1069-74.
fármacos que atuam no sistema nervoso central.
9. Livingston S, Pauli L. Celontin in the treatment of
Assim foi desenvolvida a lacosamida.
epilepsy. Paediatrics. 1957;19:614-7.
A busca de agentes com propriedades farma- 10. Theobald W, Kunz HÁ. Zur Pharmakologie das
cocinéticas mais adequadas que as dos compos- Antiepilepticums 5, carbomyl-5H-dibenzo(bf)
tos originais, cujas propriedades antiepilépticas já azepin. Arzneimittelforshung. 1963;13:122.
eram previamente reconhecidas, culminou com o 11. Gastaut H. Propriétés antiépiléptiques exceptio-
desenvolvimento das moléculas de fosfenitoína (a nelles et méconnues d’un anxiolytique de com-
merce: le clobazam. Concours Med. 1978;100:
partir da fenitoína), oxcarbazepina (da carbama-
3697-701.
zepina), levetiracetam (do piracetam) e pregabali- 12. Meunier H, Carraz G, Meunier V, et al. Propriétès
na (da gabapentina). pharmacodynamique de l’ácide N-propylacetique.
O último dos FAEs com novos mecanismos Therapie. 1963;18:435-8.
de ação comercializado foi o perampanel (modu- 13. Mattson RH, Cramer JA, Collins JF et al. A com-
lador da neurotransmissão mediada por AMPA). parison of valproate with carbamazepine for the
treatment of complex partial seizures and secon-
Aguarda-se a aprovação do medicamento briva-
darily generalized tonic-clonic seizures in adults.
racetam, o sucessor do levetiracetam (que se liga N Engl J Med. 1992;327:765-71.
à proteína SV2A com afinidade vinte vezes maior 14. Brodie MJ. Antiepileptic drug therapy the story so
e ainda a canais de sódio)14. far. Seizure 2010;19(10):650-5.

56
Parte 2

O período empírico. Os fármacos antiepilépticos tradicionais


4. Fenobarbital. Um fármaco efetivo mais de um século após sua descoberta
Marilisa Mantovani Guerreiro
Carlos Alberto Mantovani Guerreiro
5. Fenitoína. Explorando a estrutura molecular dos barbitúricos
Carmen Lisa Jorge
6. Carbamazepina. O desenvolvimento a partir dos psicotrópicos
Jaderson Costa da Costa
7. Valproato. O amplo espectro de um solvente
Elza Márcia Targas Yacubian
8. Benzodiazepínicos. A importância no tratamento agudo das crises epilépticas
Patricia Braga
Alicia Bogacz
Fenobarbital
4 Um fármaco efetivo mais de um século
após sua descoberta
Marilisa Mantovani Guerreiro
Professora Titular de Neurologia Infantil do Departamento de Neurologia da Faculdade de
Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.
Carlos Alberto Mantovani Guerreiro
Professor Titular de Neurologia do Departamento de Neurologia Familiar da Faculdade de
Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.

O fenobarbital (PB), um medicamento sedati- dos ao risco de morte). Seus mais de cem anos
vo e hipnótico, foi introduzido em 1912, portanto de uso clínico lhe conferem um grau inigualável
há mais de um século (Figura 1). de conhecimento e segurança sobre sua eficácia e
Esse barbitúrico se revelou mais eficaz e me- tolerabilidade. Atualmente, não é o medicamento
nos tóxico que os brometos, o único fármaco eleito para a maioria das crises epilépticas, exce-
antiepiléptico (FAE) então disponível, e rapida- to em recém-nascidos1. Ainda hoje, entretanto,
mente se tornou a medicação de escolha no trata- aceita-se o PB como uma alternativa no arma-
mento das epilepsias. Diversos análogos do ácido mentário dos FAEs. Em termos comparativos, o
barbitúrico foram sintetizados no início do sécu- PB disputa o mesmo nicho que a carbamazepina
lo. Dentre esses, o mefobarbital se mostrou eficaz (CBZ), a fenitoína (PHT), a primidona (PRM) e
como antiepiléptico e passou a ser comercializado o valproato (VPA). É incluído pela Organização
nos Estados Unidos em 1935. Mundial de Saúde (OMS) como medicamento es-
O PB é provavelmente um dos FAEs mais sencial2. Em plena era dos novos FAEs, há ainda
receitados em todo o mundo. Sua popularidade um lugar para o PB no tratamento medicamento-
está associada a basicamente três fatores: baixo so de muitas formas de manifestações epilépticas,
custo, longa experiência clínica e boa segurança sendo o tratamento farmacológico para epilepsia
(especificamente em relação aos efeitos associa- que apresenta o melhor custo-benefício3. Por esse
motivo, tem sido amplamente utilizado em saú-
de pública, como em zonas rurais da China, onde
tem mostrado benefícios sem maiores impactos
H5 C6 C2 H5 O negativos na cognição4,5.
C C
O C NH Mecanismo de ação
Quimicamente, o PB é o ácido 5-etil-5-fenil-
HN C barbitúrico.
Parece aumentar a inibição do ácido gama-a-
O minobutírico (GABA). Além disso, em modelos
Figura 1. Estrutura química do fenobarbital. animais, protege contra crises induzidas por ele-

59
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

trochoque e, ao contrário de PHT, CBZ e PRM, Em geral, os níveis de CBZ e VPA são reduzi-
contra crises induzidas por convulsivantes quí- dos pela adição de PB. No caso da CBZ, a relação
micos, como pentilenotetrazol. Também eleva o epóxido/CBZ pode ser incrementada com PB.
limiar e diminui as pós-descargas eletroencefalo- O efeito do PB no metabolismo da PHT pode
gráficas desencadeadas por estimulação elétrica. causar tanto indução como inibição competitiva,
Assim, aumenta as correntes pós-sinápticas de levando a certo equilíbrio. Raramente, a modifi-
receptores mediados pelo cloreto por prolongar cação da dose de PHT é necessária.
a abertura dos canais de cloreto. Em nível pré-si- Usualmente, PB diminui o nível sérico da la-
náptico, o PB pode causar redução dos potenciais motrigina (LTG) e do topiramato (TPM), não in-
de ação dependentes de cálcio. terferindo na vigabatrina (VGB). Quando adicio-
nados ao PB, esses mesmos FAEs não interferem
Dados farmacocinéticos em seu nível sérico.
Clinicamente, a interação mais importante é a
A forma sódica tem boa solubilidade em água
inibição da eliminação do PB provocada pelo VPA,
e uma biodisponibilidade em apresentações orais
necessitando, frequentemente, do reajuste da dose.
de mais de 90%. Também é boa a biodisponibili-
O PB pode induzir o metabolismo de muitos
dade por via intramuscular ou endovenosa.
medicamentos, como teofilina, dicumarínicos,
Quando comparado com PHT e VPA, PB não
anticoncepcionais orais e antipsicóticos atípicos7.
mostra grande ligação às proteínas séricas (45%).
Daí a necessidade de uma dosagem mínima de 50
Portanto, a fração livre é de 55%.
µg de estrogênicos.
A eliminação é renal na forma não metabo-
FAEs novos, como lacosamida (LCM), tam-
lizada (20% a 25% nos adultos). De 20% a 30%
bém são muito afetados pelo uso concomitante
da dose é transformada em p-hidroxifenobarbi-
de PB com redução significativa do nível sérico8.
tal (um metabólito inativo) e 50% é conjugada a
As principais interações medicamentosas do PB
ácido glicurônico. A eliminação segue cinética de
estão relacionadas na tabela 1.
primeira ordem ou linear.
A meia-vida é dependente da idade. Em re-
cém-nascidos, geralmente ocorre acima de 100
Eficácia
horas. Durante o período neonatal, a eliminação É o fármaco de primeira escolha para crises no
de PB é acelerada, com média de 63 horas durante período neonatal.
o primeiro ano e 69 horas entre um e cinco anos. No grande estudo de Mattson et al.9 sobre os
Em adultos, varia entre 80 e 100 horas. Não há hospitais de veteranos de guerra, em que foram
evidência de autoindução de seu metabolismo6. comparados PHT, CBZ, PB e PRM, em 622 adul-
Os níveis plasmáticos terapêuticos efetivos va- tos com crises parciais e tônico-clônicas secunda-
riam de 15 a 40 µg/ml. O fármaco é administrado riamente generalizadas, os FAEs foram igualmen-
uma vez ao dia (em geral, à noite), em doses de 50 a te eficazes no controle das crises tônico-clônicas.
200 mg para adultos e 3 a 5 mg/kg/dia para crianças. O PB e a PRM tiveram menor porcentagem de
controle nas crises parciais que a CBZ e a PHT.
Apesar da eficácia semelhante, a incidência de
Interações medicamentosas efeitos adversos foi maior com o PB e a PRM. De
O PB é um indutor do metabolismo hepáti- maneira geral, o PB tem boa eficácia nas crises tô-
co, o que pode acelerar o metabolismo de outros nico-clônicas generalizadas e eficácia razoável nas
medicamentos. crises focais e nas mioclônicas.

60
Fenobarbital

Tabela 1. Principais interações medicamentosas do fenobarbital

Ação aumentada por Ação diminuída por Aumenta a ação de Diminui a ação de
Fármacos antiepilépticos
Fenitoína Fenitoína Fenitoína Fenitoína
Valproato Valproato
Carbamazepina
Clonazepam
Outros fármacos
Amitriptilina Dicumarínicos Alprenolol
Anti-histamínicos Ácido fólico Cloranfenicol
Corticoides Fenilbutazona Clorpromazina
Imipramina Piridoxina Dexametasona
Inibidores da monoaminoxidase Digitoxina
Analgésicos Isoniazida
Propoxifeno Metoprolol
Tranquilizantes Contraceptivos orais
Propranolol
Antidepressivos tricíclicos

O PB é um dos principais agentes para tratar rio de seus efeitos adversos. Os principais efeitos
o estado de mal epiléptico refratário a benzodia- adversos do PB estão listados na tabela 2.
zepínico e PHT. Dentre os efeitos neurotóxicos, há sedação, al-
O PB está entre os FAEs mais eficazes no tra- terações de comportamento (particularmente na
tamento profilático das crises febris, quando se infância, com reação paradoxal e hiperatividade),
decide que este é necessário. distúrbios de afetividade (particularmente de-
Nas epilepsias recém-diagnosticadas, a efi- pressão) e alteração da libido e potência sexual12.
cácia é semelhante entre o PB e os demais FAEs Diga-se de passagem que esses efeitos adversos
convencionais10. são comuns a vários FAEs.
Segundo a versão atualizada da revisão base- No entanto, merece referência especial um
ada em evidência da ILAE para epilepsias recém- aspecto relacionado ao uso do PB em crianças
diagnosticadas, o uso em crianças tem evidência que se refere aos distúrbios comportamentais.
classe III, semelhante a CBZ, LTG, PHT, TPM, Dentre as alterações de comportamento induzi-
VPA, VGB, clobazam e zonisamida11. das pelo PB em crianças, talvez a mais notável
seja a hiperatividade.
Tanto ou mais importante que a indução de
Tolerabilidade distúrbios comportamentais é o fenômeno cor-
Em função do longo tempo de disponibilidade relato de déficit de aprendizagem. Nesse senti-
e da grande massa de pacientes expostos o PB des- do, os dados disponíveis são unânimes em su-
de 1912, é de se supor um conhecimento satisfató- gerir que o uso de PB em crianças com ou sem

61
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Tabela 2. Principais efeitos adversos do fenobarbital


Relacionados à dose Ataxia, fadiga, sedação, depressão, dificuldade de atenção e memória
Não relacionados à dose Rash, distúrbio do tecido conjuntivo (contratura de Dupuytren – Figura 2),
deficiência de folatos
Idiossincrásicos Agranulocitose, dermatite alérgica, síndrome de Stevens-Johnson, anemia aplástica,
insuficiência hepática, trombocitopenia

Figura 2. Contratura de Dupuytren em criança de 10 anos, após uso crônico de fenobarbital.

epilepsia (como profilático após crises febris) se com PB diminui os níveis de T4 livre durante o
associa a quocientes de inteligência (QI) mais primeiro e o sexto mês de terapia e eleva os níveis
baixos que em crianças não medicadas ou me- de hormônio tireoestimulante aos seis e 12 meses16.
dicadas com outros FAEs13. De fato, enquanto
crianças sem epilepsia ou crianças com epi-
lepsia e medicadas com VPA apresentam um Teratogenicidade
significativo ganho de QI durante o ensino de O risco de malformações na população em ge-
1o grau, crianças medicadas com PB ficam es- ral é de 2% a 3%. O risco de malformações com os
tacionadas ou até mesmo apresentam diminui- FAEs tradicionais é de 4% a 6%. Tal fato não pa-
ção do QI. Uma revisão recente sobre os efeitos rece ser diferente com o PB. Segundo Hernández-
cognitivos do PB em crianças constatou dificul- Diaz et al.17, 5,5% (11 de 199) dos filhos de mães
dade de atenção e memória14. que utilizaram PB tiveral malformações maiores,
No aspecto bioquímico, há referência de alte- risco 2,9 maior que com LTG. Entretanto, há mais
rações do metabolismo da vitamina D, levando a evidências de defeitos do tubo neural (espinha
osteomalacia, raquitismo ou hiperparatireodismo bífida), fenda palatina e malformações cardíacas.
secundário com o uso crônico de PB, particular- PB ingerido na gestação pode ocasionar defei-
mente em países do norte da Europa. tos de coagulação no recém-nascido, preveníveis
Tratamento com PB se associou à redução dos pela administração de vitamina K. Raramente
níveis séricos de folatos e vitamina B12 e fator de tem se descrito síndrome de abstinência em re-
risco para hiper-homocisteinemia15. Tratamento cém-nascidos de mães em uso de PB.

62
Fenobarbital

Retirada de fenobarbital A tolerabilidade aos FAEs é individual e variá-


vel, devendo ser respeitada como norma geral do
A menos que por reação idiossincrásica, a re-
tratamento medicamentoso das epilepsias.
tirada de PB deve ser lenta e gradual, para evitar a
Há um claro preconceito social e médico para
recorrência de crises ou estado de mal epiléptico.
com o PB. Tal fármaco tem se mantido por quase
O protocolo-padrão é diminuir 20 a 25 mg a cada
um século como a medicação antiepiléptica mais
duas ou três semanas.
utilizada no mundo e faz parte de todos os pro-
gramas de epilepsia da OMS.
Única ingesta
Sabe-se hoje que um dos fatores de má adesão
ao tratamento medicamentoso das epilepsias de- Referências bibliográficas
pende do número de tomadas ao dia de um FAE. 1. Porter RJ. Antiepileptic drugs: efficacy and inadequa-
Quanto maior o número, menor a adesão ao tra- cy. In: Meldrum BS, Porter RJ (eds.). New anticonvul-
sant drugs. Londres: John Libbey, 1986. p. 3-15.
tamento. Portanto, nesse aspecto, em função de
2. Yasiry Z, Shorvon SD. How phenobarbital revo-
sua longa meia-vida, PB é o FAE ideal.
lutionized epilepsy therapy: the story of pheno-
barbital therapy in epilepsy in the last 100 years.
Epilepsia. 2012;suppl. 8:S26-S39.
Indicações de fenobarbital 3. Brodie MJ, Kwan P. Current position of phenobar-
Basicamente incluem crises neonatais, crises bital in epilepsy and its future. Epilepsia. 2012;su-
febris, crises focais com generalização secundária ppl 8:S40-S46.
(particularmente crises convulsivas) e estado de 4. Kwan P, Wang W, Wu J, et al. Long-term outco-
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mal epiléptico.
ral China: a prospective cohort study. Epilepsia.
2013;54:537-42.
Custo 5. Ding D, Zhang Q, Zhou D, et al. Cognitive and
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É desnecessário discorrer sobre a importância with epilepsy in rural China: a prospective study. J
do custo de um tratamento prolongado, às vezes Neurol Neurosurg Psychiatry. 2012;83:1139-44.
por toda a vida do paciente, em países com o per- 6. Prichard J, Mattson R. Barbiturates: an update. In:
fil socioeconômico da América Latina. Pedley T, Meldrum B (eds.). Recent advances in
epilepsy. Edinburgh: Churchill Livingstone, 1986.
p. 261-77.
Considerações finais 7. Kennedy WK, Jann MW, Kutscher EC. Clinically
É essencial reafirmar o grande espectro de significant drug interactions with atypical antipsy-
chotics. CNS Drugs. 2013;27:1021-48.
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8. Contim M, Albani F, Riva R, et al. Ther Drug Mo-
xo custo.
nit. 2013;35849-852.
Em termos de toxicidade, trata-se de um me- 9. Mattson R, Cramer J, Collins J, et al. Comparison of
dicamento relativamente seguro, principalmente carbamazepine, phenobarbital, phenytoin and pri-
em adultos, em doses baixas ou adequadas. midone in partial and secondarily generalized tonic/
Sua eficácia é semelhante à dos demais FAEs, clonic seizures. N Engl J Med. 1985;313:145-51.
10. Yilmaz U, Yilmaz TS, Dizdarer G, et al. Efficacy
particularmente em crises tônico-clônicas gene-
and tolerability of the first antiepileptic drug in
ralizadas.
children with newly diagnosed idopathic epilepsy.
Muitos dos efeitos adveros atribuídos ao PB Seizure. 2013; S1059-1311(13)00324-5 (Epub ahe-
são comuns a todos os FAEs. ad of print).

63
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

11. Glauser T, Ben-Menachem E, Bourgeois B, et al. 14. Ljff DM, Aldenkamp AP. Cognitive side-effects of
ILAE Subcommission on AED Guidelines. Up- antiepileptic drugs in children. Hand Clin Neurol.
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12. Reynolds E, Trimble M. Adverse neuropsy- 16. Yilmaz U, Yilmaz TS, Akinci G, et al. The effect
chiatric effects of anticonvulsant drugs. Drugs. of antiepileptic drugs on thyroid function in chil-
1985;29:570-81. dren. Sezure. 2014;23:29-35.
13. Farwell J, Lee Y, Hirtz D, et al. Phenobarbital for 17. Hernández-Diaz S, Smith CR, Shen A, et al. Com-
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seizure recurrence. N Engl J Med. 1990:322:364-9. nancy. Neurology. 2012;78:1692-9.

64
Fenitoína
5 Explorando a estrutura molecular
dos barbitúricos
Carmen Lisa Jorge
Assistente Doutora da Clínica Neurológica do Instituto Central do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

A fenitoína (PHT) foi introduzida na práti- provida de efeito hipnótico e apresentava efeito
ca clínica em 1938 e, desde essa época, tem sido antiepiléptico importante (Figura 1).
um dos fármacos antiepilépticos (FAEs) mais
utilizados no tratamento das crises epilépticas. A
molécula de PHT foi sintetizada a partir da estru-
tura do ácido barbitúrico quando, em 1923, Dox
e Thomas, dois químicos orgânicos que estavam
trabalhando no laboratório Parke Davis, pre-
paravam derivados fenil, procurando substituir
grupos moleculares para obter compostos da sé-
rie dos barbitúricos com efeitos hipnóticos mais
potentes. Esses químicos mencionaram que as
hidantoínas tinham um anel estrutural similar ao
dos barbitúricos, mas, curiosamente, um desses
Figura 1. Estrutura química da difenil-hidantoína.
compostos, a difenil-hidantoína, com dois anéis
fenil, era desprovida de efeitos hipnóticos1.
Já em 1938, Merritt e Putnam publicaram um
ensaio clínico com 200 pacientes com crises epi-
Estrutura química lépticas frequentes que receberam difenil-hidan-
Putnam e Merritt2 não acreditavam, como se toína como primeiro FAE. Em 142 casos tratados
presumia previamente, que apenas medicamentos por dois a 11meses, PHT controlou as crises de
hipnóticos teriam ação antiepiléptica. Putnam re- “grande mal” em 58% e reduziu sua frequência
lacionava essa última propriedade à presença do em mais 27%. Quanto às crises de “pequeno mal”,
anel fenil na molécula e, por esse motivo, passou 35% foram controladas e 49%, acentuamente re-
a estudar derivados barbitúricos com a adição de duzidas, e em relação às “crises de equivalentes
radicais fenil. Após a aplicação de vários desses psíquicos”, 67% foram controladas e 33%, redu-
derivados em um modelo experimental de gatos zidas. Não ocorreram mortes. Observou-se der-
submetidos a eletrochoque, Putnam e Merritt2 matite tóxica em dez pacientes (5%), púrpura não
mencionaram que a difenil-hidantoína era des- trombocitopênica em um e efeitos tóxicos me-

65
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

nores e geralmente transitórios, como tremores, Uso clínico


ataxia e tonturas, em 15%2. Esta é a extraordiná-
ria história de dois grandes cientistas que criaram Indicações
um método simples para testar efeitos anticon- PHT é efetiva no controle de crises focais e
vulsivantes de fármacos, mostraram que a eficácia TCGs. É contraindicada em crises de ausência e cri-
de FAEs em animais poderia ser reproduzida em ses mioclônicas e também nas epilepsias mioclôni-
seres humanos, provaram que os efeitos hipnóti- cas progressivas, na síndrome de Lennox-Gastaut
cos e antiepilépticos poderiam ser independentes, e em outras encefalopatias epilépticas da criança,
demonstraram que um FAE pode ser mais efetivo embora possa ser efetiva em crises tônicas4.
em alguns tipos de crises que em outras e desen- Apesar de seu pH alcalino, pode ser utilizada
volveram uma teoria experimental e aplicaram-na por via intravenosa, sendo, ainda hoje, um dos
em um ensaio clínico humano com grande núme- FAEs mais utilizados em situações de emergência,
ro de pacientes. Essas etapas do desenvolvimento como em crises repetidas ou no estado de mal epi-
da PHT resumem os resultados de uma das mais léptico. Na maioria dos protocolos de tratamento,
fascinantes descobertas da história da medicina. a PHT é utilizada após a administração de diaze-
pam. Sua vantagem em relação ao último medica-
mento é o tempo de ação mais prolongado. Além
Mecanismos de ação disso, pode ser utilizada na fase de manutenção.
A capacidade de a PHT interferir no trans- Ainda, a despeito de sua ação anticonvulsivante,
porte de sódio através da membrana neuronal é PHT tem efeito depressor mínimo no SNC. En-
o mais importante mecanismo de ação que certa- tretanto, mais recentemente, outros medicamen-
mente representa a base dos efeitos clínicos no te- tos para uso intravenoso têm sido utilizados com
cido neuronal. PHT atua na condutância de íons, eficácia semelhante e menor risco cardiovascular
em vários sistemas enzimáticos, na potenciação no tratamento do estado de mal epiléptico, como
pós-tetânica, na liberação de neurotransmisso- a fosfenitoína, o valproato de sódio, o levetirace-
res e em vários sistemas de segundo mensageiro, tam e a lacosamida5,6. Esses FAEs de nova geração
como nucleotídeos cíclicos e cálcio. Esses acha- apresentam cinética mais favorável e melhor tole-
dos sugerem que tal fármaco tem muitos sítios de rabilidade, o que tem promovido a redução da uti-
ação no sistema nervoso central (SNC)3. lização de PHT tanto em situações de emergência
PHT bloqueia o desenvolvimento da máxima como em uso crônico. Um estudo recente realiza-
atividade epileptiforme, reduzindo a propagação do com médicos epileptologistas e neurologistas
das descargas. Essas observações experimentais mostrou que somente 10% dos pesquisados uti-
são pertinentes a seu efeito clínico em crises tô- lizariam PHT como FAE de primeira ou segunda
nico-clônicas generalizadas (TCGs) e na epilepsia escolha em epilepsias focais e 45% relataram não
focal. Acredita-se que seu maior efeito antiepi- considerar o uso desse fármaco7.
léptico advenha de sua capacidade de bloquear
o recrutamento de células neuronais vizinhas à
zona epileptogênica, evitando a propagação das Formas de administração
descargas. Caracteristicamente, esse fármaco blo- PHT é um ácido orgânico fraco pouco solúvel
queia a fase tônica de crises TCGs induzidas por em água. Pode ser administrada por via oral e sua
eletrochoque, efeito até então obtido em animais e grande vantagem em relação à maioria dos outros
também documentado em seres humanos subme- FAEs é a possibilidade da administração por via
tidos à eletroconvulsoterapia3. intravenosa. No entanto, a solução para uso paren-

66
Fenitoína

teral contém PHT associada a um veículo aquoso tecido circunjacente. Por esses motivos, muitos
contendo 40% de propilenoglicol, 10% de etanol, evitam aplicar injeção intravenosa de PHT em
ajustada ao pH de 12 com a adição de hidróxido neonatos, lactentes e idosos. A infusão intrave-
de sódio. Essa solução causa pouca depressão res- nosa pode ainda promover a chamada “síndrome
piratória e cerebral, embora hipotensão arterial, da mão violácea”, complicação que ocorre em até
devida ao solvente propilenoglicol, utilizado para 1,5% dos pacientes que recebem PHT por essa via
aumentar sua solubilidade, seja comum. A admi- e que evolui em estágios: nas primeiras horas, há
nistração intravenosa pode ainda causar arritmias dor, descoloração azulada e edema no local da in-
cardíacas. Por tais motivos, deve-se aplicar a inje- jeção que se propaga, nas 12 horas seguintes, para
ção de PHT com monitoração eletrocardiográfica a extremidade distal do membro, podendo cursar
e da pressão arterial, devendo-se reduzir sua dose com necrose tecidual. Entre os fatores de risco,
intravenosa em idosos. Quando adicionada em figuram doses elevadas de fenitoína, administra-
frascos com grandes volumes de fluido de pH me- ções múltiplas e faixas etárias mais elevadas8.
nores que o fisiológico (como glicose a 5%), pode Idealmente, PHT deve ser infundida por meio
ocorrer precipitação. É seguro usar PHT em uma de bomba de infusão e com filtros inseridos no
solução de cloreto de sódio a 0,9% na diluição de 5 equipo para remover grumos de precipitação. So-
a 20 mg/ml (Figura 2). Haverá também sério risco luções irritantes como a de PHT podem causar
de precipitação se outros fármacos forem acres- flebite química, assim como sua diluição inapro-
centados à solução de infusão. A infusão inicial de priada, infusão excessivamente rápida, presença
PHT deve ser realizada em 20 a 30 minutos em de pequenas partículas na solução e uso de outros
adultos, sendo o início de ação lento. medicamentos que também causam flebite, como
PHT não deve ser administrada por infusão antibióticos, especialmente betalactâmicos. De-
retal ou injeção intramuscular, e se extravasada ve-se lavar o cateter com 10 ml de solução salina
para os tecidos perivasculares, pode ocasionar a 0,9% após ministrar o fármaco para mantê-lo
necrose tecidual importante. A administração in- patente e evitar irritação venosa pela alcalinidade
travenosa sem diluição promove dor em queima- elevada da solução. Deve-se removê-lo imediata-
ção no local da infusão e pode promover reações mente quando há problemas na infusão ou sinto-
cutâneas locais importantes pela infiltração do mas ou sinais de flebite (Figura 3).

Figura 3. A infusão de fenitoína requer a presença do


Figura 2. a: Fenitoína; b: fenitoína diluída em soro fisiológico enfermeiro à beira do leito, bomba de infusão, filtro de
a 0,9%; c: fenitoína diluída em soro glicosado a 5%. linha e registro simultâneo de ecocardiograma.

67
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

A maioria dos protocolos de tratamento do es- metabólitos são 5-(4-hidroxifenil)-5-fenil-hidan-


tado de mal epiléptico recomenda utilizar inicial- toína (p-HPPH) e di-hidrodiol. A metaboliza-
mente diazepam, seguido pela administração de ção ocorre através do sistema enzimático P-450.
PHT 20 mg/kg em bolus. Mais 10 mg/kg adicionais O fármaco é potente indutor enzimático. Após a
poderão ser administrados se necessário. A veloci- administração oral, a meia-vida de eliminação da
dade de infusão deve ser respeitada, não ultrapas- dose que resulta em níveis terapêuticos é de 22
sando 50 mg/min ou 1 ml/min. No tratamento crô- horas em média (7 a 42 horas). A meia-vida de
nico das epilepsias, PHT é utilizada por via oral e eliminação é mais curta com o uso por via intra-
geralmente a dose inicial, em adultos, é de 200 a 300 venosa (10 a 15 horas)9.
mg por dia, divididos em duas ou três ingestas e de
5 a 7 mg/kg/dia em crianças. A dose inicial pode ser Dosagem de níveis séricos
ajustada conforme a resposta clínica e o nível sérico.
PHT tem farmacocinética não linear. Para
compostos com farmacocinética não linear, as
Farmacocinética concentrações plasmáticas aumentam e dimi-
Absorção nuem mais rapidamente que o incremento ou o
PHT é administrada como sal sódico, o qual é decréscimo da dose (Figura 4).
rapidamente absorvido no intestino. No entanto, a Dessa forma, se há aumento ou diminuição
taxa de absorção se relaciona ao pH do meio, à solu- da dose de PHT, a concentração plasmática não
bilidade e à concentração. A formulação empregada poderá ser estimada por meio de um cálculo ma-
e o tamanho das partículas também podem levar à temático simples e linear, mesmo se conhecendo
diminuição ou ao aumento da absorção. Pequena a dosagem prévia. O resultado será sempre uma
absorção ocorre no estômago pelo pH ácido, sendo concentração mais elevada ou mais baixa que o
o fármaco mais solúvel no duodeno, onde o pH é 7 esperado, de maneira que o uso de dosagens se-
a 7,5. A absorção é variável e a absorção, incomple- riadas de níveis séricos é muito útil na titulação
ta. Após a administração oral de uma única dose, da dose. O tempo para atingir um novo nível sé-
o pico de concentração é atingido em quatro a oito rico estável após aumento ou diminuição da dose
horas. Em recém-nascidos e crianças de até três pode ser de até 28 dias. O nível sérico terapêutico
meses, PHT tem absorção incompleta por via oral. é de 10 a 20 µg/ml.
Por via intravenosa, apresenta eficácia clínica apro- Atenção especial deve ser dada a pacientes
ximadamente dez minutos após a injeção. com níveis baixos de albumina. Como a PHT é
intensamente ligada às proteínas, esses pacientes
Distribuição terão fração livre de PHT mais elevada, o que
PHT liga-se rapidamente às proteínas plas- acarreta risco de intoxicação. Entre os métodos
máticas em 90%, mantendo-se na forma ioniza- que podem predizer a concentração total de PHT
da, o que permite a movimentação das moléculas ante níveis baixos de albumina, o método mais
através das membranas celulares pelo processo de bem documentado é o de Sheiner-Tozer:
difusão, e atinge o máximo do volume de distri- Cn (concentração total de PHT) = Co (PHT
buição 15 minutos após a absorção. em mg/l)/0,2 x albumina em g/dl +0,1

Eliminação Interações medicamentosas


Noventa e cinco por cento da dose sofre me- PHT apresenta numerosas interações com
tabolização hepática pelo CYP2C9. Os principais outros fármacos, sendo a maioria delas farmaco-

68
Fenitoína

Nível sérico de fenitoína (µmol/L)

Dose de fenitoína (mg/dia)

Figura 4. Relação entre a concentração sérica de fenitoína e dose diária em cinco pacientes. Cada curva representa a média
de três a oito medidas da concentração sérica. Pela farmacocinética de ordem zero, observe que pequenos incrementos da
dose podem promover grandes elevações nos níveis séricos com diferentes perfis9.

cinética, envolvendo a indução ou inibição da bio- ção medicamentosa. PB e PHT são fortes indutores
transformação ou alteração da ligação às proteínas do metabolismo hepático e, em associação, podem
plasmática. O resultado é o aumento ou declínio do apresentar níveis séricos baixos.
nível plasmático de PHT ou de outros fármacos10.

Com outros fármacos


Com outros fármacos antiepilépticos Omeprazol, cimetidina, dissulfiram, isoniazida
Por inibição do metabolismo de PHT, felbama- e quimioterápicos inibem o metabolismo de PHT
to e carbamazepina (CBZ) podem provocar eleva- e, consequentemente, elevam seu nível plasmático.
ção dos níveis plasmáticos. Doses de lamotrigina Diversos medicamentos têm seus níveis redu-
(LTG), valproato (VPA), CBZ e benzodiazepínicos zidos quando associados à PHT, como anticoa-
devem ser aumentadas, pois PHT, por mecanismo gulantes orais (varfarina), ciclosporina, fármacos
de indução enzimática, aumenta o metabolismo antirretrovirais, ácido fólico, dexametasona, lo-
desses fármacos. O uso de LTG é muito limitado sartana, sinvastatina e contraceptivos orais, pois
quando associado à PHT, dificilmente se conse- PHT, por mecanismo de indução enzimática, au-
guindo chegar ao nível terapêutico com essa asso- menta o metabolismo desses medicamentos.
ciação. VPA pode ainda deslocar PHT de seus sítios Antiácidos em doses elevadas podem afetar as
de ligação com proteínas plasmáticas, aumentando, frações total e livre de PHT por alterar a absorção
assim, a fração livre e podendo provocar intoxica- e a ligação com as proteínas plasmáticas.

69
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Efeitos adversos movimentos atetoides e coreiformes e, raramen-


te, mioclonias podem ocorrer em níveis ainda
Na prática diária, os efeitos adversos da
mais tóxicos.
maioria dos FAEs podem ser divididos em dois
Alterações cardíacas (bradicardia e bloqueio
grupos: efeitos dose-relacionados, que são rela-
na condução atrioventricular) ocorrem quando a
tivamente benignos e frequentes, e efeitos idios-
velocidade de infusão de 50 mg/min é ultrapassa-
sincrásicos, que são relativamente raros, graves e
da. Fatores como idade avançada, falência cardía-
não dose-relacionados.
ca e intoxicação por digital podem ser importan-
Aproximadamente 95% dos efeitos tóxicos
tes para provocar anormalidades cardíacas11.
pertencem ao primeiro grupo e consistem, prin-
cipalmente, em alterações cognitivas ou compor-
tamentais, da coordenação e equilíbrio, distúrbios Efeitos relacionados à
gastrintestinais e alterações na pele. Os efeitos tó-
administração
xicos potencialmente graves representam menos
A administração intravenosa deve ser feita
de 5% das reações adversas.
sempre em veia calibrosa sob monitoração car-
diovascular pelo risco de hipotensão e arritmia. É
Efeitos relacionados à dose comum ocorrer flebite em veias menos calibrosas,
Em geral, os efeitos agudos de PHT são obser- podendo haver extravasamento do fármaco com
vados com níveis acima do terapêutico e frequente- consequente lesão arterial ou de nervos periféricos.
mente se caracterizam por disfunção dos sistemas
ocular e cerebrovestibular. Nistagmo e ataxia apa-
Reações idiossincrásicas
recem geralmente com nível sérico em torno de 30
Reação de hipersensibilidade ocorre entre
µg/ml e disartria, letargia e alterações mentais, em
duas e 12 semanas do uso do fármaco, sendo a
níveis de 30 a 40 µg/ml. Estupor ocorre com níveis
manifestação mais frequente rash cutâneo. Ou-
séricos de 40 a 60 µg/ml. Tais efeitos se relacionam
tros sintomas incluem febre, comprometimento
à dose e desaparecem com a redução desta.
da função hepática, linfadenopatia, nódulos es-
Tratamento mais prolongado com doses ele-
plênicos, eosinofilia, discrasia sanguínea e falên-
vadas de PHT pode levar a encefalopatia irrever-
cia renal.
sível, caracterizada por déficit da função mental e
Outras manifestações mais raras de hiper-
humor. Existem descrições de alterações da per-
sensibilidade podem surgir, como síndrome de
sonalidade, principalmente com doses elevadas,
Stevens-Johnson e bronquiolite. O tratamento
sintomas depressivos e psicose, sendo depressão
consiste em suspender a medicação e administrar
o principal efeito psiquiátrico relacionado à PHT.
corticosteroides, evitando outras exposições11.
Efeitos cognitivos têm chamado muita aten-
ção, como déficits de memória, atenção e concen-
tração, principalmente com doses excessivas e em Efeitos tardios ou efeitos
pacientes mais velhos.
Uma ação tóxica pouco frequente é o efeito
adversos crônicos
paradoxal. Trata-se do aumento da frequência Efeitos no tecido conjuntivo
de crises durante intoxicação, podendo ocorrer Hipertrofia gengival pode ocorrer em pacien-
no início desta ou com a utilização crônica do tes em uso crônico de PHT. Trata-se de um efeito
fármaco. Sinais extrapiramidais como distonia, adverso frequente, que acomete até 40% dos pa-

70
Fenitoína

cientes que utilizam esse medicamento, mas pode a reposição de ácido fólico. Alterações da coa-
ser minimizado ou prevenido por higiene oral gulação por depleção dos fatores de coagulação
adequada e uso de 0,5mg de ácido fólico12. Hiper- dependentes da vitamina K no período neona-
plasia gengival pode estar relacionada à predispo- tal têm sido associadas à utilização materna de
sição individual possivelmente devido à presença PHT. Em geral, o sangramento ocorre nas pri-
de uma subpopulação de fibroblastos sensíveis à meiras 24 horas, recomendando-se vitamina K à
PHT. Alguns autores constataram relação entre a mãe no último mês da gestação e à criança logo
dose de PHT e a hipertrofia gengival. após o nascimento. Alterações hematológicas
Também relacionado à síntese de colágeno como anemia aplásica, granulocitopenia e trom-
e à proliferação de fibroblastos, o uso crônico bocitopenia ocorrem raramente. Pode haver au-
de PHT promove alterações das características mento de nódulos linfáticos e, mais raramente,
faciais, com apresentação de aspecto grosseiro, são descritos linfomas.
aumento do volume labial, hirsutismo, hiperpig-
mentação e acne11. Na figura 5, constam efeitos no
tecido conjuntivo decorrentes da administração
Distúrbios endocrinológicos
crônica de PHT. Quanto à função tireoidiana, PHT pode di-
minuir o nível de iodo ligado às proteínas, prova-
velmente devido ao deslocamento de tiroxina dos
sítios de ligação proteica. Quanto à função pan-
creática, pode haver déficit discreto na secreção
de insulina, especialmente em pacientes pré-dia-
béticos e diabéticos. PHT pode também influen-
ciar o eixo pituitário-adrenal-gonadal, podendo
elevar os níveis de hormônio adrenocorticotró-
fico e cortisol e o metabolismo de testosterona e
estradiol, o que pode ocasionar perda da eficácia
anticoncepcional com anticoncepcionais orais de
Figura 5. Hipertrofia gengival, acne e hirsutismo, baixo nível de estrogênios. Também pode influen-
características do efeito crônico da fenitoína.
ciar a liberação de hormônio antidiurético, levan-
do à sua redução e, ainda, estimular a secreção de
Efeitos neurológicos hormônio luteinizante, hormônio foliculoestimu-
lante e prolactina.
Embora anormalidades eletrofisiológicas nos
nervos periféricos sejam comuns em pacientes
que estejam utilizando PHT, na maioria das ve- Distúrbios imunológicos
zes não ocasionam comprometimento clínico Alterações das imunidades humoral e celular
significante. têm sido descritas, como diminuição do nível de
imunoglobulina A (IgA), presença de anticorpos
Reações hematológicas e antinucleares e linfocitotoxinas de classe da IgM.
deficiência de folato
Deficiência de folato é uma ocorrência co- Atrofia cerebelar
mum em pacientes tratados com PHT, levando Pode-se verificar síndrome cerebelar persisten-
à anemia megaloblástica, que é reversível com te após uso crônico de PHT, sendo possivelmente

71
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

associada a níveis tóxicos13,14. Na figura 6, pode-se Fosfenitoína


observar atrofia cerebelar em uma paciente que
A fosfenitoína é um pró fármaco da PHT. Tra-
manteve níveis tóxicos de PHT por aproximada-
ta-se de um éster fosfato que possui a vantagem
mente seis meses e evoluiu com síndrome cerebe-
de ser altamente solúvel em água, o que facilita
lar predominantemente axial irreversível mesmo
a injeção intravenosa, podendo ainda ser usada
após a suspensão do medicamento.
por via intramuscular. A fosfenitoína é rápida e
completamente convertida em PHT por via intra-
venosa. O efeito máximo ocorre quando se atin-
ge a concentração plasmática máxima de PHT. A
meia-vida de conversão de fosfenitoína a PHT é
de aproximadamente 8 a15 minutos. Após a ad-
ministração intravenosa, sua meia-vida plasmáti-
ca é de 10 a 15 horas. Apresenta melhor tolerabi-
lidade durante a infusão, não ocorrência de dor e
Figura 6. Atrofia cerebelar após uso crônico de fenitoína
em paciente de 52 anos. tromboflebite e a velocidade de infusão pode ser
três vezes mais rápida que a da fenitoína6.

Efeitos sobre a atividade elétrica


Considerações finais
cerebral PHT é um FAE muito efetivo no controle de
Em geral, PHT não tem efeito sobre o eletro-
crises focais e secundariamente generalizadas,
encefalograma em doses terapêuticas, indepen-
sendo contraindicada em epilepsias generaliza-
dentemente da via de administração. Em con-
das. Suas características farmacocinéticas (indíce
centrações plasmáticas acima de 20 µg/ml, pode
terapêutico estreito, ou seja, doses efetivas próxi-
promover alentecimento do ritmo alfa, embora
mas às tóxicas) e a cinética de ordem zero dificul-
isso não seja um efeito consistente até se ter evi-
tam sua utilização. Por outro lado, seu perfil de
dência clínica de toxicidade ao fármaco.
efeitos adversos pode dificultar a administração
Sinais e sintomas mais evidentes de neurotoxi- crônica, especialmente a crianças e mulheres por
cidade são acompanhados por aumento progres- razões estéticas e potencial teratogênico.
sivo de atividade nas faixas teta e delta, atividade
delta rítmica intermitente com toxicidade grave
(níveis plasmáticos acima de 45 µg/ml) e ativida- Referências bibliográficas
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72
Fenitoína

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73
Carbamazepina
6 O desenvolvimento a partir
dos psicotrópicos
Jaderson Costa da Costa
Professor Titular de Neurologia da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Chefe do Serviço de Neurologia do Hospital São Lucas,
Rio Grande do Sul, Brasil.

A carbamazepina (CBZ) foi sintetizada em co- Mecanismo de ação


nexão com o antidepressivo imipramina e os estu-
Foram propostos múltiplos mecanismos de
dos clínicos iniciais como fármaco antiepiléptico
ação para a CBZ. Pode-se dividi-los em dois me-
(FAE) iniciaram-se no final da década de 1950. Nos
canismos básicos: ação na condutância dos canais
últimos 30 anos, a CBZ estabeleceu-se no mercado
de sódio neuronais, reduzindo os potenciais de
mundial como um dos mais importantes FAEs1.
ação de alta frequência, e ações na transmissão
sináptica e receptores para neurotransmissores,
Estrutura química incluindo purinas, monoaminas, acetilcolina e N-
A CBZ é um iminostilbeno, estruturalmente metil-D-aspartato (NMDA)1,3. Resumidamente,
congênere do antidepressivo tricíclico imipramina. as evidências que sugerem diversos mecanismos
O nome químico da CBZ é 5-carbamoil-5H-di- de ação para a CBZ incluem:
benz[b,f]azepina ou 5H-dibenz[b,f]azepina-5-car- • A observação de que a CBZ reduz as descar-
boxamida2 (Figura 1). Consequentemente, sua gas de alta frequência repetitivas. Esse efeito
estrutura química é semelhante à de certos medi- da CBZ na despolarização repetitiva tem três
camentos psicotrópicos, como imipramina, clor- propriedades importantes: o efeito é volta-
promazina e maprotilina1. A CBZ é virtualmente gem-dependente, uso-dependente e tempo-
insolúvel em água, mas facilmente solúvel em álco- dependente3.
ol e benzeno, clorofórmio, diclorometano e outros • Os dados experimentais sugerem que pelo
solventes orgânicos. Sua lipossolubilidade é impor- menos em parte a ação antiepiléptica da CBZ
tante para o transporte da CBZ em várias membra- pode estar relacionada à redução das correntes
nas e barreiras do corpo até seu local de ação. iônicas nos receptores NMDA, embora essa
ação não esteja completamente provada3.
• A CBZ é um antagonista dos receptores para
adenosina A14.
• O limiar para indução de crises por eletrocho-
que é reduzido após a administração de agen-
tes que depletam as monoaminas cerebrais5 e
Figura 1. Estrutura química da carbamazepina. elevado após a administração de precursores

75
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

da monoamina ou inibidores do catabolismo Distribuição em vários tecidos


das monoaminas6.
Após ser absorvida, a CBZ entra na circulação
• Verificaram-se aumento na concentração de
e difunde-se para os fluidos e tecidos do corpo até
acetilcolina estriatal e redução nos níveis de co-
que o equilíbrio seja alcançado. A concentração
lina no cérebro de ratos após a injeção de CBZ7.
salivar parece exceder a concentração plasmática,
• Os dados experimentais não sugerem que podendo ser contaminada pela presença do me-
CBZ possa modificar a função dos receptores dicamento na cavidade oral nas primeiras duas a
GABAA. Entretanto, demonstrou-se que CBZ três horas após a ingestão, caso este não seja ade-
pode interagir com os sítios periféricos para quadamente eliminado/enxaguado.
benzodiazepínicos.
A concentração na lágrima parece estar mais
• É provável que a ação antiepiléptica da CBZ próxima daquela do líquido cefalorraquidiano. A
relacione-se a sua capacidade de bloquear a concentração no leite humano é de 25% a 80%1,12.
liberação de neurotransmissores mediante
o bloqueio dos potenciais de ação e pós-
sinapticamente pelo bloqueio das descargas Metabólito ativo
repetitivas de alta frequência e, possivelmente, Na biotransformação da CBZ, a via metabóli-
das correntes nos receptores NMDA.
ca do epóxido (carbamazepina-10,11-epóxido ou
epóxido-CBZ) é quantitativamente a mais impor-
tante. O epóxido tem sido implicado na neuro-
Absorção e via de administração toxicidade da CBZ. No entanto, em um trabalho
A CBZ só pode ser administrada por via gas- com pacientes com epilepsia tratados com CBZ,
trointestinal, pelas vias oral e retal. A absorção esta foi substituída por epóxido-CBZ nas mesmas
gastrointestinal da CBZ é lenta, errática e impre- doses diárias, resultando no mesmo controle das
visível e provavelmente decorra de sua dissolução crises e ausência de neurotoxicidade, apesar das
muito lenta nos fluidos gastrointestinais ou de sua altas concentrações de epóxido-CBZ2,13. A CBZ-
ação anticolinérgica8. A relação entre dose oral -10,11-epóxido é um metabólito do fármaco an-
e nível plasmático é altamente variável em razão tiepiléptico CBZ, que é farmacologicamente ativo
das alterações no metabolismo, mas há uma boa e quimicamente estável14.
correlação entre níveis plasmáticos e eficácia1,9.
Os alimentos têm efeito variável na absorção da • O epóxido-CBZ é o único metabólito ativo
importante. Os demais, quer por sua baixa
CBZ e não demonstram efeito clínico significa- concentração, quer pela baixa potência, ou ambos,
tivo, embora alguns trabalhos sugiram que sua não contribuem para a atividade antiepiléptica2.
absorção possa ser incrementada pela ingestão
concomitante de alimentos10.
Após a administração da mistura de CBZ Metabolismo e excreção
e sorbitol em água, a absorção retal pareceu ser A CBZ é metabolizada no fígado pelo sistema
mais lenta que a oral, mas a biodisponibilidade microsomal P450, por oxidação, hidroxilação e
foi semelhante11. Na gravidez, durante os dois pri- conjugação com ácido glicurônico ou, em menor
meiros trimestres, a absorção da CBZ não pareceu quantidade, por ligantes contendo enxofre2, deter-
modificar-se1. Embora as proteínas plasmáticas minando a formação de numerosos compostos ati-
materna sabidamente diminuam gradativamente vos, dentre os quais o mais importante é o epóxido.
até o final da gestação, a CBZ livre não se reduz Tal fármaco é formado pela oxidação da ligação10,11,
no final da gestação. sendo o principal processo de eliminação da CBZ

76
Carbamazepina

do organismo humano. As duas isoenzimas envol- (maior em meninas que meninos). A depuração é
vidas nesse processo são denominadas de CYP2C8 variável (em torno de 0,133 l/kg/h).
e CYP3A4, pertencentes às subfamílias 2 e 3, res-
pectivamente, do sistema P450. A CYP3A4 parece Crianças
ser a mais importante das duas2. A CBZ é um FAE Existem leves diferenças na absorção, ligação
com cinética linear, meia-vida de 5 a 26 horas e de- a proteínas plasmáticas e distribuição da CBZ e
veria atingir o estado estável muito rapidamente, epóxido-CBZ entre crianças e adultos, havendo
antes de uma semana. No entanto, pelo fenôme- melhor correlação em crianças do que em adultos
no da autoindução, esse período se prolonga por entre a dose oral e a concentração plasmática de
quase um mês15. A autoindução estimula o pró- CBZ e epóxido-CBZ1.
prio metabolismo e, consequentemente, aumenta
sua depuração, reduz sua meia-vida plasmática Interação de fármacos
e determina uma progressiva diminuição nos ní-
A CBZ é completamente metabolizada por
veis séricos nos primeiros 30 dias após o início da
mecanismos hepáticos, portanto alterações na
terapêutica, havendo necessidade de elevar a dose
atividade enzimática hepática afetam diretamen-
diária para manter a concentração plasmática em
te sua depuração e determinam alterações na sua
níveis aceitáveis1. A eliminação da CBZ ocorre fun-
meia-vida e níveis plasmáticos. A CBZ tem efei-
damentalmente pelo metabolismo, sendo os meta-
tos autoindutivos, heteroindutivos e inibitórios.
bólitos eliminados pela urina e bile (fezes).
Tais particularidades fazem a CBZ interagir com
outros FAEs ou medicamentos. Nas tabelas 1 a 4
Eliminação (meia-vida) estão listadas as principais interações.
Sua meia-vida é de 5 a 26 horas, embora bas-
tante variável. Considera-se para fins práticos Tabela 1. Efeitos da carbamazepina nos níveis plas-
uma meia-vida de 11 a 14 horas, o que determi- máticos de outros fármacos antiepilépticos1
na a necessidade de três a quatro administrações Aumenta Diminui Variável Sem efeito
Flunarizina Clobazam Fenitoína Gabapentina
diárias para evitar flutuações em sua atividade
Fenobarbital
biológica, que intimamente se relacionam aos ní- Clonazepam Fenobarbital
(da primidona)
veis plasmáticos do fármaco. Nas formulações de Etossuximida Piracetam
liberação lenta, essas flutuações são minimizadas Felbamato Vigabatrina
Lamotrigina
com a administração em duas tomadas diárias. Topiramato
Valproato
Ligação a proteínas plasmáticas: a CBZ é inten-
samente ligada a proteínas (75%). Tabela 2. Efeitos de outros fármacos antiepilépti-
Biodisponibilidade oral: 75% a 85%. cos nos níveis plasmáticos de carbamazepina1
Tempo para atingir a concentração máxima (pico): Aumenta Diminui Sem efeito
quatro a oito horas. Denzimol Felbamato Clobazam
Felbamato* Fenobarbital Clonazepam
Depuração plasmática Lamotrigina*
Progabida
Fensuximida
Fenitoína
Etossuximida
Flunarizina
A depuração plasmática é idade-dependente Estiripentol Primidona Flunarizina
(maior nas fases iniciais da vida), dependente da Valnoctamida* Piracetam
Valproato*,** Topiramato
massa corporal (mais baixa nas massas corporais
Valpromida* Vigabatrina
maiores), dosagem-dependente (mais acentua- * Elevação do epóxido. ** Outros estudos não verificaram efeito
da com doses mais elevadas) e sexo-dependente nem leve aumento na fração livre de carbamazepina.

77
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Tabela 3. Efeitos da carbamazepina nos níveis Espectro de atividade e indicações


plasmáticos de outros fármacos1
Aumenta Diminui
primárias
Furosemida Antipirina Em 1987, mais de 2.700 citações sobre a CBZ
Fluvoxamina Clozapina foram registradas na literatura médica16. Trata-se de
Lítio Corticosteroides um FAE de primeira linha para tratar crises parciais
Ciclosporina e generalizadas (excluindo as ausências e mioclo-
Desipramina nias)1, principalmente as secundariamente genera-
Digital lizadas9,17. Quanto às epilepsias, é eficaz nas epilep-
Doxiciclina sias localizadas idiopáticas, nas sintomáticas e nas
Flufenazina indeterminadas e em algumas formas de epilepsias
Haloperidol idiopáticas generalizadas, sendo controversa sua
Itraconazol
eficácia nas epilepsias generalizadas sintomáticas18.
Nicardipina
Nifedipina Carbamazepina: eficácia
Nortriptilina • Crises parciais em adultos e crianças
Contraceptivos orais • Crises generalizadas (exceto as ausências e
Oxiacetan mioclonias), principalmente as secundariamente
Propranolol generalizadas
Teofilina • Epilepsias localizadas sintomáticas, idiopáticas e
indeterminadas
Varfarina
• Epilepsias generalizadas idiopáticas (algumas formas)
• Epilepsias generalizadas sintomáticas?
Tabela 4. Efeitos de outros fármacos nos níveis
plasmáticos da carbamazepina1
Aumenta Diminui Sem efeito Dose e frequência
Alopurinol Cisaprida Azitromicina A dose inicial recomendada para evitar efei-
Cimetidina Nifedipina tos adversos, notadamente sonolência e tontura,
Claritromicina Nortriptilina é de 100 e 200 mg à noite, ao deitar. A dose de
Danazol Paroxetina manutenção em adultos situa-se entre 400 e 1.800
Desipramina Fenelzina mg/dia (a dose máxima é de 2.400 mg/dia)9. Nas
Diltiazem Ranitidina formulações de liberação lenta, as doses podem
Eritromicina Tioridazina ser maiores. Por metabolizarem CBZ mais rapi-
Fluoxetina Tranilcipromina damente que os adultos, as crianças podem ne-
Fluvoxamina cessitar de doses maiores. Nelas, utilizam-se doses
Genfibrozila entre 10 e 30 mg/kg/dia. A dose diária média para
Haloperidol controlar as crises foi avaliada em 11,61 ± 4,1 mg/
Isoniazida kg em adultos e 16,9 ± 7,6 mg/kg em crianças19.
Josamicina Considerando-se a meia-vida, a administra-
Nicotinamida ção recomendada é duas a três vezes por dia. Nas
Propoxifeno formulações de liberação lenta, indica-se duas ve-
Salicilato
zes por dia. Nas doses mais elevadas ou em crian-
Terfenadina
ças que utilizam a formulação em suspensão que
Triacetiloleandromicina
determina maiores picos plasmáticos, pode-se
Verapamil
utilizar doses menores com maior fracionamento
Viloxazina
(eventualmente até quatro vezes por dia).

78
Carbamazepina

Preparação usual te, os pacientes que recebem suspensão podem


necessitar de doses mais baixas, administradas
Comprimidos de 200 e 400 mg e suspensão de
mais frequentemente para evitar toxicidade.
100 mg/5 ml. A forma de liberação lenta [(liberação
• comprimidos úmidos: a biodisponibilidade pode
controlada (CR)] também é apresentada em com-
ser reduzida até 50% nas formulações de CBZ ar-
primidos de 200 e 400 mg, que não devem ser mas-
mazenadas em condições de calor e umidade22.
tigados nem triturados (veja outras formulações).
Reações adversas importantes
Outras formulações
Os principais efeitos adversos da CBZ incluem
Para evitar os problemas de flutuações nos níveis
sonolência, fadiga, tonturas, visão turva, rash cutâ-
séricos com consequente influência em sua atividade
neo e, menos frequentemente, diplopia, ataxia,
biológica, foram desenvolvidas formulações de libe-
leucopenia transitória, elevação de enzimas hepá-
ração lenta ou controlada (CR). Na Alemanha, onde
ticas, retenção de água e hiponatremia. Raramente
essa formulação tornou-se disponível na década de
podem ocorrer distúrbios renais e respiratórios,
1980, essa formulação é a preferida no tratamento
bloqueio cardíaco, porfiria, linfadenopatia, trom-
das epilepsias20. Nela, a relação entre os níveis plas-
bocitopenia, anemia aplástica, dermatomiosite,
máticos máximo e mínimo durante um dia situam-se
síndrome mucocutânea e neuropatia periférica.
na faixa de 1,2 a 1,420,21. Além disso, essa preparação
Efeitos endocrinológicos: a hiponatremia e a
facilita a vida do paciente, evitando esquecimentos e
retenção de água podem se relacionar a liberação
constrangimentos de ter que ingerir a medicação du-
ou potencialização do hormônio antidiurético.
rante as atividades escolares ou de trabalho.
Como os sintomas de hiponatremia (tonturas, ce-
Monitoração de níveis séricos e faleia, sonolência e náusea) podem mimetizar os
efeitos da CBZ, sugere-se monitorar o sódio plas-
concentrações terapêuticas mático nos pacientes que recebem esse fármaco.
A determinação do nível sérico de CBZ pode A CBZ determina pequena redução nos níveis de
ser útil em algumas circunstâncias, como ao ve- T4, embora, em geral, os pacientes permaneçam
rificar a adesão ao tratamento, crises refratárias, assintomáticos. Também a CBZ aumenta os níveis
suspeita de interação medicamentosa ou de toxi- de cortisol livre sem determinar os sintomas23.
cidade, principalmente nos casos de politerapia,   Em 2007, a Food and Drug Administration
em pacientes deficientes físicos ou mentais com (FDA) americana alertou a ocorrência de reações
dificuldade de expressar uma provável toxicidade, cutâneas perigosas e até mesmo fatais (síndrome
nas fases de variabilidade intraindividual, como de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica)
aumento de idade, fase maturacional, intercor- como efeitos que podem ser causados por CBZ em
rência clínica etc.15. A concentração terapêutica pacientes com um alelo do antígeno leucocitário
situa-se entre 4 e 12 mg/l (mg/ml)3. As concentra- humano (HLA) particular, o HLA-B*1502.  Esse
ções plasmáticas podem ser influenciadas por: alelo ocorre quase exclusivamente em pacientes
• frequência de administração: duas a quatro ve- com ancestrais de amplas áreas asiáticas. Testes ge-
zes é melhor que uma vez. As formulações de li- néticos para o HLA-B*1502 foram disponibilizados
beração controlada, administradas uma a duas e esses pacientes devem realizar o teste para o alelo
vezes, diminuem as flutuações plasmáticas. HLA-B*1502 antes de iniciar a terapia com CBZ. Se
• formulações: atinge-se o pico de concentração o teste é positivo, CBZ não deve ser administrada,
plasmática mais rapidamente com a suspensão a menos que o benefício esperado seja superior aos
do que com comprimidos. Consequentemen- riscos de reações cutâneas graves. Pacientes que já

79
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

fazem uso de CBZ por alguns meses sem apresen- 10. Levey RH, Pitlick WH, Troupin AS, et al. Pharmacoki-
tar reação cutânea estão sujeitos a reduzido risco de netics of carbamazepine in normal man. Clin Pharmacol
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80
Valproato
7 O amplo espectro de um solvente

Elza Márcia Targas Yacubian


Professora Adjunta Livre Docente do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola
Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Estrutura química Mecanismos de ação


Sintetizado por Burton em 1882, o ácido Ação em modelos animais
valproico é um ácido graxo ramificado estru-
VPA é eficaz tanto no modelo do eletro-
turalmente muito simples, que foi usado como
choque máximo (ECM), modelo em roedores
solvente até o início da década de 1960, quan-
que prediz eficácia no controle de crises par-
do acidentalmente foram descobertas suas pro-
ciais e tônico-clônicas generalizadas (TCGs),
priedades antiepilépticas. O fato de se tratar de
como no do pentilenotetrazol (PTZ), que pre-
um ácido graxo explica algumas de suas carac-
diz a eficácia em crises de ausência, embora
terísticas metabólicas, como a betaoxidação
demonstre maior eficácia nesse último. VPA é
mitocondrial e a rápida penetração na barreira
eficaz em modelos de roedores geneticamente
hematoencefálica, como outros ácidos graxos
propensos a descargas generalizadas e em mo-
endógenos (Figura 1).
delos animais de estado de mal epiléptico1. Ex-
trapolando os dados obtidos em animais para
a epilepsia humana, VPA é, portanto, um fár-
maco antiepiléptico (FAE) eficaz tanto em mo-
delos de crises generalizadas convulsivas como
Figura 1. Ácido valproico ou ácido 2-propilpentanoico, não convulsivas.
ácido 2-propilvalérico e ácido N-dipropilacético.
Em animais com lesões corticais induzi-
das por alumina e cobalto, modelos de crises
Dado que a maioria das suas formulações são parciais simples, nos quais crises focais são
sais (por exemplo, valproato de sódio, valproa- frequentemente acompanhadas por surtos de
to de magnésio e divalproato de sódio), o ácido complexos de espícula-onda que representam
valproico é frequentemente chamado valproato generalização secundária, VPA suprime a ati-
(VPA). Ainda, independentemente da formu- vidade generalizada e não altera a atividade fo-
lação administrada, a forma de circulação desse cal, inibindo, assim, a propagação das descargas
fármaco no sangue é o íon valproato. Por tais mo- epileptogênicas. Os sistemas envolvidos na ge-
tivos, VPA será a denominação utilizada no de- neralização das crises parecem particularmente
correr deste capítulo. sensíveis à ação do VPA1.

81
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Elevação dos níveis de ácido gama- que catalisa a conversão do semialdeído succínico
(produto da deaminação do GABA) para ácido
aminobutírico no sistema nervoso
succínico. Por outro lado, VPA aumenta os níveis
As propriedades antiepilépticas do VPA são da enzima ácido glutâmico decarboxilase, respon-
provavelmete decorrentes de mecanismos de sável pela síntese do GABA. Em animais, observou-
ação múltiplos. se que o efeito antiepiléptico desse fármaco ocorre
Muitos experimentos foram realizados para antes da elevação dos níveis de GABA. Uma séria
testar a primeira hipótese sugerida para seu me- limitação desses estudos em animais é que as doses
canismo de ação, ou seja, a da elevação dos níveis de VPA necessárias para promover aumento dos
de ácido gama-aminobutírico (GABA) no sistema níveis cerebrais de GABA são muito mais elevadas
nervoso central (SNC). VPA inibe crises induzi- que as toleradas por seres humanos1 (Figura 2).
das por bicuculina e picrotoxina, ambos potentes Em seres humanos, desde o período pré-clíni-
antagonistas GABAérgicos. Os níveis cerebrais de co, foram identificados dois tipos de respostas an-
GABA aumentam com a administração de VPA tiepilépticas ao VPA: uma imediata, precoce (ou
em animais e seres humanos. Esse incremento tem seja, imediatamente após a administração de uma
sido explicado por dois mecanismos diferentes, ou dose efetiva), e uma tardia (após administração
seja, o fármaco poderia elevar os níveis de GABA prolongada). Clinicamente, a redução de crises
do SNC, impedindo a degradação do GABA ou pode ocorrer algum tempo após a administração
aumentando sua produção. VPA inibiria a GA- de VPA e seu efeito pode perdurar por vários dias
BA-transaminase (GABA-T), enzima responsável após a retirada do fármaco. Entre os mecanismos
pela degradação do GABA, ou mediante inibição possivelmente implicados em seus efeitos antiepi-
da desidrogenase semialdeídica succínica, da qual, lépticos precoces e tardios, está seu local de ação,
in vitro, é um inibidor mais potente no cérebro de extracelular, ao nível da membrana, naqueles, e
roedor. Esse efeito não foi confirmado in vivo. A intracelular, dependente de transporte ativo atra-
desidrogenase semialdeídica succínica é a enzima vés da membrana, nestes.

Figura 2. Ciclo GABA-Krebs. GABA é formado por decarboxilação do ácido glutâmico sob a influência da decarboxilase do
ácido glutâmico (GAD). GABA sofre trasaminação com o ácido alfacetoglutárico por meio da trasaminase do ácido gama-
aminobutírico (GABA-T) para produzir semialdeído succínico e ácido glutâmico.

82
Valproato

Ação nos canais da membrana celular crises de ausência. Em pacientes com ausências,
reduz a frequência de crises e os surtos de com-
VPA limita surtos de potenciais de ação, me-
plexos de espícula-onda no EEG. Em ausências
diante bloqueio do uso dependente do influxo de
atípicas, sua eficácia é menor do que nas ausências
sódio, como fenitoína (PHT) e carbamazepina
típicas. VPA e etossuximida (ESM) são igualmen-
(CBZ), e ainda ativa a condução de potássio de-
te eficazes em crises de ausência e ambos são mais
pendente do cálcio.
eficazes do que LTG3. A combinação de VPA com
ESM pode ser eficaz em crises de ausência refratá-
Um fármaco antiepiléptico de rias à terapêutica com uma delas em monoterapia.
amplo espectro
O amplo espectro de ação antiepiléptica de Crises tônico-clônicas generalizadas
VPA, a proteção conferida a animais nos testes do
Em adultos e crianças, VPA é eficaz em crises
ECM e PTZ e a eficácia clínica em crises TCGs e
TCGs primárias.
corticorreticulares, nas quais também promove
normalização do eletroencefalograma (EEG), indi-
cam que VPA deve atuar em várias vias do SNC por
Mioclonias
mecanismos ainda não esclarecidos. Alteração nos VPA é o fármaco de primeira escolha em cri-
canais T de cálcio ao nível talâmico, implicados na ses mioclônicas, as quais respondem prontamente
oscilação talamocortical geradora dos complexos a esse medicamento, especialmente quando asso-
de espícula-onda a 3/s das crises de ausência, pode ciadas a crises de ausências e/ou crises TCGs em
ser mais um de seus mecanismos de ação. Há ainda pacientes com epilepsia generalizada idiopática.
evidências de que poderia influenciar os sistemas Oitenta e seis por cento dos pacientes com epilep-
de neurotransmissores excitatórios (subtipo N-me- sia mioclônica juvenil tiveram controle completo
til-D-aspartato de receptores de glutamato), mono- de suas crises com monoterapia com VPA, que
aminas, catecolaminas e nucleotídeos cíclicos. também proporciona bons resultados em pacien-
tes com epilepsia mioclônica benigna da infância,
mioclonias pós-anóxia e, associado a clonazepam,
Uso clínico em crises mioclônicas e TCGs das epilepsias mio-
Indicações clônicas progressivas.
VPA é um FAE de primeira linha para tratar
todos os tipos de crises das epilepsias generalizadas Epilepsias fotossensíveis
primárias ou idiopáticas (crises de ausências, TCGs
Fotossensibilidade é uma das maiores indicações
e crises mioclônicas) e pode ser efetivo em crises
para terapêutica com VPA, especialmente quando
parciais, com ou sem generalização secundária. No
associada a crises TCGs, ausências ou mioclonias.
tratamento das crises de epilepsias generalizadas e
de crises não classificadas, em pacientes seguidos ao
longo de seis anos, VPA, na dose média de 944 mg/ Epilepsias generalizadas secundárias
dia (de 200 a 1.500 mg/dia), mostrou melhor efeti- Em decorrência do caráter encefalopático des-
vidade que lamotrigina (LTG) e topiramato (TPM)2. ses tipos de epilepsias, cujos mecanismos fisiopato-
gênicos são ainda pouco conhecidos, VPA é menos
Ausências típicas e atípicas eficaz nessas formas do que nas epilepsias generali-
VPA foi autorizado em 1978 nos Estados Uni- zadas idiopáticas. Na síndrome de Lennox-Gastaut,
dos com indicação primária para o tratamento de alguns tipos de crises, como ausências, mioclonias

83
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

e crises mioclono-astáticas, podem responder à te- Profilaxia de crises febris


rapia com VPA, enquanto, na síndrome de West,
VPA é um agente efetivo na prevenção de
cerca de metade dos pacientes terá controle satisfa-
crises febris, embora atualmente a terapia inter-
tório dos espasmos. Alguns estudos demonstraram
mitente com benzodiazepínicos seja preferível à
que os resultados nesse grupo de pacientes foram
terapia contínua.
semelhantes aos obtidos com o uso de hormônio
adrenocorticotrófico, porém pacientes com VPA
apresentaram menor número de efeitos adversos. Crises no período neonatal
VPA é ainda fármaco de primeira linha para trata- Administração oral ou infusão retal de
mento das crises da síndrome de Dravet. VPA, na dose de 20 a 25 mg/kg/dia, seguida de
5 a 10 mg/kg a cada 12 horas, como dose de
Crises parciais manutenção, pode ser útil em crises neonatais,
Estudos comparativos de VPA com CBZ e PHT embora, nessa faixa etária, seu uso possa pro-
não mostraram diferenças estatisticamente signifi- mover hiperamonemia.
cantes quanto ao controle de crises parciais. O es-
tudo de Mattson et al.4 comparou, de forma duplo- Formas de administração
cega, a ação de CBZ ou VPA no controle de crises
parciais e secundariamente generalizadas e os efei- Uso oral
tos adversos. Não se constatou diferença estatisti- Inicialmente, VPA foi comercializado sob a
camente significativa em crises secundariamente forma ácida. Uma das grandes limitações dessa
generalizadas nos dois parâmetros avaliados. Em formulação é representada pela irritação da mu-
pacientes com crises parciais complexas, a avalia- cosa digestiva, o que obrigou sua apresentação
ção de ambos favoreceu a CBZ ao final de 12 meses, sob a forma de sal (de sódio ou de magnésio) e
mas não em 24 meses. Tais resultados sugeriram sob a forma de amido. VPA, sob as formas de
que VPA deve ser considerado um dos fármacos de ácido valproico e valproato de sódio, foi comer-
escolha para tratar crises secundariamente genera- cializado nas décadas de 1970 e 1980. Sua bio-
lizadas e uma alternativa terapêutica para as crises disponibilidade é de 90%, mas sua meia-vida é
parciais complexas. O estudo de Richens et al.5, que curta (9 a 21 horas), o que obriga administrá-lo
avaliou a terapêutica com VPA em 140 pacientes em duas a quatro ingestas. Por suas propriedades
e CBZ em 141 pacientes com crises parciais com higroscópicas, VPA apresenta solubilidade muito
ou sem generalização secundária, concluiu que os elevada, o que determina a ocorrência de picos
pacientes com crises parciais demoraram um pou- sanguíneos após a absorção, aos quais se atribui
co mais para alcançar o controle destas com VPA a ocorrência de efeitos adversos, como náuseas,
e isso ocorreu com doses superiores às necessárias vômitos e tremor. O caráter dessa absorção é im-
para controlar as crises TCGs. Em um estudo se- previsível, podendo ocorrer várias horas após a
melhante envolvendo 260 crianças, não se veri- ingestão, com consequentes flutuações significa-
ficaram diferenças significativas entre esses dois tivas nos níveis séricos.
fármacos6. Willmore et al.7 referiram eficácia de O desenvolvimento da molécula de divalproa-
VPA no tratamento de crises parciais complexas. to de sódio, complexo não higroscópico compos-
Deve-se ressaltar que esses estudos sugeriram que to de quantidades iguais de valproato de sódio e
são necessárias maiores concentrações plasmáticas ácido valproico, possibilitou a administração em
de VPA para controlar crises parciais do que as uti- menor número de ingestas e minimizou flutua-
lizadas para o controle de crises generalizadas. ções séricas. Sua fórmula é (Figura 3):

84
Valproato

hidrofílicos de hidroxipropil-metilcelulose, os
quais, à medida que são hidratados no tubo diges-
tivo, permiem a difusão do fármaco, possibilitan-
do sua absorção ao longo do epitélio gastrintesti-
nal, minimizando os efeitos adversos dependentes
de pico de dose anteriormente descritos. Sua bio-
disponilidade oral é 8% a 20% menor que a das
formulações de liberação imediata, o que poderá
exigir ajustes de dose.

Figura 3. Divalproato de sódio.


A dose inicial de VPA preconizada para adul-
tos é de 200 mg à noite, com incrementos de 200
ou 500 mg a cada duas semanas, até a dose usual
Divalproato é apresentado em duas formulações:
entre 600 e 1.500 mg. Doses diárias de até 3.000
liberação lenta (DR) e liberação estendida (ER).
mg para adultos podem ser necessárias. A dose
A formulação de liberação lenta (DR) é apre- para crianças é de 10 a 60 mg/kg/dia (em geral, a
sentada sob a forma de drágeas e microgrânulos dose de manutenção é 40 mg/kg/dia).
de liberação entérica (sprinkle). As cápsulas des-
sa última apresentação podem ser abertas e seu
conteúdo, colocado em pequenas quantidades de Administração em dose única
alimento frio, como em uma colher de sobremesa, A despeito do desenvolvimento das formula-
a fim de facilitar a ingestão por crianças, que de- ções de divalproato, há evidências de estudos em
verão degluti-lo sem mastigá-lo. Em decorrência animais e humanos de que o efeito antiepiléptico
de se tratar de um composto não higroscópico, di- de VPA pode ocorrer mais lentamente e perdurar
valproato DR apresenta absorção mais gradual e por um período mais longo que o esperado para
homogênea no trato gastrintestinal, minimizando atingir o pico plasmático após uma dose única. Os
a intolerabilidade gastrintestinal, como náuseas e efeitos intracelulares anteriormente expostos têm
vômitos, verificada com ácido valproico e valpro- sido implicados nessa ação tardia do medicamen-
ato de sódio, atribuída à absorção rápida dessas to. Uma única administração de ácido valproico/
formulações. Além disso, essa apresentação per- valproato de sódio em 24 horas pode controlar as
mite a manutenção estável das concentrações crises em algumas síndromes epilépticas extre-
plasmáticas com duas ingestas diárias. mamente sensíveis à ação de VPA administrado
Em decorrência da variabilidade e do cará- em doses baixas, como epilepsia mioclônica juve-
ter imprevisível da absorção do VPA, tanto inter nil e algumas epilepsias fotossensíveis, nas quais
como intraindividual, uma formulação não hi- alguns autores têm demonstrado que o controle
groscópica permitirá níveis séricos mais estáveis, de crises foi semelhante com a administração em
impedindo que o paciente que recebe VPA alterne dose única ou fracionada.
períodos nos quais apresenta sinais de intoxicação
com outros em que apresenta níveis subterapêuti- Uso retal
cos ao longo de um mesmo dia, fato comumente Xarope de VPA (250 mg/5 ml) diluído em água
verificado com as formulações de ácido valproico (1:1), administrado como enema, na dose de 10 a 20
e valproato de sódio. mg/kg, seguido de dose de manutenção de 10 a 15
Na formulação ER, as moléculas de divalpro- mg/kg a cada oito horas, foi usado com sucesso no
ato foram dispersas em uma matriz de polímeros tratamento de estado de mal epiléptico na infância8.

85
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Uso intravenoso fortemente ligado a proteínas plasmáticas (cerca


de 90%). A fração livre, ou seja, aquela que atra-
Apresentada em solução de 5 ml com 500 mg
vessa a barreira hematoencefálica e é responsável
(100 mg/ml), a preparação de VPA de sódio para
pela ação antiepiléptica, é de aproximadamente
uso intravenoso é fisicamente compatível e qui-
10%. A ligação do VPA às proteínas plasmáticas
micamente estável durante pelo menos 24 horas
depende da concentração do fármaco. A fração
em solução de glicose a 5%, solução fisiológica e
livre do VPA aumenta por saturação da sua li-
Ringer lactato. A administração dessa prepara-
gação às proteínas plasmáticas, quando a con-
ção pronta para uso, com pH fisiológico e isen-
centração desse agente se eleva, o que explica a
ta de solventes orgânicos ou conservantes, não
relação curvilínea entre a dose e o nível sérico
ocasiona repercussões hemodinâmicas ou respi-
de VPA. Por exemplo, em um determinado indi-
ratórias importantes, o que a torna uma opção
víduo, a concentração de VPA de 40 mg/ml pro-
muito atrativa para tratar as seguintes condições:
porciona 4% de moléculas livres, a de 65 mg/ml,
estado de mal epiléptico em adultos e crianças,
7%, enquanto com a concentração de 125 mg/ml,
restituição rápida dos níveis sanguíneos de pa-
30% do fármaco permanece livre, podendo de-
cientes que recebem VPA, evitando que utilizem
terminar efeitos adversos, como tremores e inco-
outros FAEs na vigência de doenças ou interven-
ordenação. A fração livre do VPA é mais elevada
ções cirúrgicas que impossibilitem sua adminis-
em recém-nascidos e em idosos. Há, assim, uma
tração por via oral, e, finalmente, como opção
relação não linear entre dose e nível sérico do
racional para tratar crises subintrantes que não
fármaco livre, o que compromete a interpretação
respondem habitualmente a PHT nem barbitúri-
de concentrações de VPA sérico total em moni-
cos, como espasmos infantis, crises mioclônicas
toração de níveis séricos. Flutuações séricas são
e atônicas e crises de pacientes com epilepsias
dependentes da formulação, frequência e tempo
generalizadas idiopáticas9.
de administração do fármaco. Variações diurnas
Inicialmente, a dose preconizada e aprovada
na ligação a proteínas plasmáticas são também
para administração intravenosa de VPA foi de 10
decorrentes das flutuações nos níveis de ácidos
a 15 mg/kg, infundida em uma hora, forma consi-
graxos livres, que deslocam VPA das proteínas,
derada inadequada no tratamento de emergência
aumentando a concentração plasmática de VPA
de crises subintrantes e estado de mal epiléptico.
livre. Diabetes mellitus, doença que cursa com au-
Embora ainda não exista consenso, doses de VPA,
mento de ácidos graxos livres, causa significativo
IV, até 15 mg/kg, infundidas em 5 a 10 minutos,
incremento na concentração de VPA livre. Dimi-
na velocidade de até 3 mg/kg/min, são seguras em
nuição da ligação de VPA ocorre em condições
adultos. Há evidências de que esse FAE é muito
que determinam hipoalbuminemia, condições
efetivo no tratamento de estado de mal epiléptico
fisiológicas, como gestação e envelhecimento, e
e crises subintrantes, embora ainda sejam neces-
patológicas, como doenças hepáticas e renais.
sários estudos controlados para melhor definir
sua utilização como agente de primeira linha no
tratamento dessas condições. Metabolismo
VPA tem três vias metabólicas principais: sua
Distribuição maior via na biotransformação é glicuronidação, na
A absorção gastrintestinal de VPA de todas as qual é conjugada com ácido D-glicurônico, produto
suas formulações orais é quase completa (cerca excretado na urina; VPA é hidroxilado no sistema
de 95%). Uma vez no sangue, o composto circula microssomal P450 através de CYP2A6, CYP2C9,

86
Valproato

CYP2C19 e CYP2B6; VPA sofre betaoxidação nas Dosagem de níveis séricos


mitocôndrias de hepatócitos e w-, w1-, e w2- hidro-
Há pouca correlação entre a concentração sé-
xilação dependente das enzimas do sistema P450.
rica de VPA e seu efeito farmacológico. A faixa
Valproilcarnitina é um metabólito do VPA encon-
terapêutica proposta, sem bases definidas, é de 50
trado na urina de crianças tratadas cronicamente
a 100 µg/ml.
com VPA. Normalmente, esse produto contribui
Há duas razões principais para explicar as
para excreter uma porcentagem mínima do VPA,
dificuldades para interpretar os níveis séricos de
mas pode ser significante para pacientes com defi-
VPA. Em primeiro lugar, há acentuadas variações
ciência de carnitina. Pequena porcentagem é conju-
plasmáticas no decorrer do dia, em razão de sua
gada com glicina e coenzima A (Figura 4).
curta meia-vida e diferenças na absorção e meta-
Agentes que modulam a atividade do sistema
bolização. Em segundo lugar, não há relação clara
microssomal P450 e/ou dos sistemas enzimáti-
entre suas concentrações plasmáticas, seus efeitos
cos mitocondriais alteram a farmacocinética e
e toxicidade. Níveis séricos de VPA podem auxi-
biotransformação do VPA. A administração de
liar a detectar pacientes que não apresentam ade-
fenobarbital (PB) a ratos (um indutor seletivo do
são à terapêutica e a racionalizar a terapêutica em
sistema microssomal) ou clofibrato (um indutor politerapia. Para cada paciente, é essencial padro-
seletivo da betaoxidação mitocondrial e peroxisso- nizar as dosagens sempre no mesmo período, em
mal) promove maior excreção dos metabólitos do relação à ingestão do fármaco e às refeições para
VPA. O metabolismo do VPA não é autoinduzível. reduzir erros de interpretação. Alguns pacientes
A excreção de VPA é renal (aproximadamente necessitam e podem tolerar concentrações séricas
97% sob a forma de seus metabólitos). de até 150 µg/ml.

Figura 4. O metabolismo de
valproato nas mitocôndrias
é dependente de carnitina
(ácido 3-hidróxi-4-N-
trimetilaminobutírico), substância
obtida na dieta (carne e laticínios)
e síntese endógena (lisina e
metionina). A betaoxidação
mitocondrial origina metabólitos
como 3-hidróxi-valproato, 3-oxo-
valproato e 2-ene-valproato10.

87
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Interações medicamentosas se associao à CBZ, sugerindo elevação dos níveis


plasmáticos desse último fármaco. Tais sintomas
Alterações induzidas por valproato na desaparecem com a redução ou suspensão da
farmacocinética de outros fármacos CBZ e têm sido atribuídos à inibição, pelo VPA,
antiepilépticos do metabolismo da CBZ-epóxido ou à competi-
ção pela ligação às proteínas plasmáticas. CBZ é
Fenobarbital moderadamente ligada às proteínas (75%) e um
Desde a introdução do VPA, tem-se obser- aumento da fração livre, semelhante ao fenômeno
vado que esse agente, quando administrado a observado com PHT, poderia explicar esse fato.
pacientes em uso de PB, promove sedação, que Caso ocorram sintomas de intoxicação quando
diminui com o decréscimo da dose de PB. Com a se acrescenta VPA a CBZ, deve-se monitorar os
administração de VPA, os níveis séricos de PB são níveis de CBZ-epóxido e a fração livre de CBZ.
aumentados e sua meia-vida apresenta acréscimo
de 15% a 70%. Tal fato se deve ao fato de VPA Benzodiazepínicos
inibir a biotransformação de PB para metabólitos VPA é frequentemente associado a benzodia-
oxidados. No entanto, essa interação não ocorre zepínicos (diazepam, nitrazepam, clonazepam e
em todos os pacientes. Há algumas evidências clobazam), pois esses dois tipos de fármacos são
sugerindo que aqueles que recebem doses mais indicados para os mesmos tipos de crises. VPA
elevadas de PB estão mais propensos a apresentar não altera níveis séricos de benzodiazepínicos.
elevação dos níveis séricos desse fármaco. Jeavons e Clark11 referiram uma interação impor-
tante e preocupante, ou seja, o desencadeamento
Fenitoína do estado de mal de ausência em 5 de 12 pacientes
VPA causa queda na concentração plasmática que estavam recebendo VPA e clonazepam. Essa
total de PHT, por provável competição pela ligação interação tem razões desconhecidas e parece ex-
às proteínas plasmáticas. Esses dois fármacos circu- cepcional, pois não tem sido relatada frequente-
lam altamente ligados às proteínas (cerca de 90%). mente desde sua descrição.
Esse deslocamento pode elevar a fração livre de PHT
e causar intoxicação. Este fenômeno denomina-se
Lamotrigina
neurotoxicidade paradoxal, ou seja, o nível cerebral
de PHT (dependente do medicamento livre) au- VPA bloqueia a glicuronidação de LTG, au-
menta, enquanto seu nível plasmático total diminui. mentando sua concentração sérica. A meia-vida
de LTG, de 15 a 50 horas em monoterapia, eleva-se
Etossuximida para 30 a 90 horas em pacientes que recebem VPA.
Descreveu-se aumento na concentração de LTG
Embora esta seja uma associação frequente,
de até 164%. Por incrementar a formação de me-
há poucos estudos sobre essa interação, provavel-
tabólitos reativos, como os arenos, rash cutâneo e
mente de natureza farmacodinâmica. Por outro
outras reações de hipersensibilidade, que podem
lado, VPA aumenta os níveis de ESM, possivel-
ser graves, são mais comuns em pacientes que re-
mente por inibir sua oxidação.
cebem a combinação desses dois fármacos. A as-
sociação de LTG a VPA deve ser administrada em
Carbamazepina doses muito baixas e de forma muito lentamente
Sintomas como sedação, náuseas, diplopia e progressiva. Essa associação revelou-se útil no tra-
estados confusionais podem ocorrer quando VPA tamento de crises refratárias. Pacientes que não

88
Valproato

obtiveram controle de crises com doses máximas Alterações induzidas por outros
toleradas de VPA ou LTG em monoterapia podem
fármacos antiepilépticos na
alcançar o controle delas quando esses dois fárma-
cos são combinados. Essa interação farmacodinâ-
farmacocinética do valproato
mica acarreta o risco de potencialização recíproca Vários FAEs tradicionais, como PB, PHT,
de eventos adversos, particularmente tremor, exi- CBZ e primidona, são indutores do sistema
gindo a redução das doses desses agentes12. microssomal hepático e, quando administra-
dos a pacientes que recebem VPA, promovem
Topiramato diminuição de seu nível sérico por indução de
seu metabolismo. VPA pode ter a meia-vida
TPM pode elevar o risco de efeitos adversos
reduzida à metade quando associado a esses
associados a VPA, incluindo aumento dos níveis
FAEs, sendo frequentes flutuações em seus ní-
de amônia séricos e encefalopatia por hipera-
veis séricos.
monemia, atribuída ao incremento dos níveis do
metabólito tóxico 4-ene-VPA, elevação das tran- Por outro lado, fármacos indutores enzimá-
saminases, apatia e hipotermia. ticos podem alterar o metabolismo do VPA, au-
mentando os metabólitos 4-ene-VPA e 2-4-ene-
VPA, responsáveis pela maior incidência de
Lítio hepatotoxicidade e teratogenicidade (principal-
Neste caso, por possível interação farmacodi- mente 4-ene-VPA) em pacientes que estejam re-
nâmica, pode haver neurotoxicidade do lítio. cebendo politerapia (Figura 5).

Sistema
CO2H microssomal
P450
3-OH-VPA
OH CO H
2

3-OXO-VPA
O CO H
2

2-ene -VPA
(anticonvulsivante)

Sistema
microssomal
P450

CO2H

4-ene - VPA
Mitocôndria CO2H (tóxico)

2-4-ene - VPA
(tóxico)
Figura 5. Politerapia com fármacos indutores do sistema microssomal P450 podem desviar parte substancial do
metabolismo de valproato de seu metabolismo mitocondrial para o sistema microssomal P450 por eles induzido, levando
ao acúmulo de 4-ene-valproato e 2-4-ene valproato, metabólitos tóxicos10.

89
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Interações do valproato com efeitos com a introdução de VPA em doses bai-


xas e elevação gradativa até níveis de manutenção.
outros fármacos
Deve-se lembrar ainda que por suas propriedades
A interação mais conhecida é com ácido ace-
higroscópicas, a absorção de ácido valproico/val-
tilsalicílico (AAS), substância que, como o VPA,
proato de sódio é rápida, em uma a duas horas
é altamente ligada a proteínas plasmáticas (90%).
em jejum e em quatro a cinco horas se ingeridos
AAS pode competir com VPA pelas proteínas e
com alimentos. Náuseas e vômitos ocorrem mais
elevar níveis de VPA livre. AAS também altera o
comumente em uma a duas horas após a dose,
metabolismo de VPA por competir com ele pela
quando o nível de pico sérico é alcançado, o que
oxidação mitocondrial. Essa interação pode pro-
sugere ser esse efeito decorrente de ação do centro
mover incremento da produção de 4-ene-VPA
emético no tronco encefálico. A administração do
com consequente hepatotoxicidade.
fármaco durante ou após as refeições minimiza
Por competir pela ligação a proteínas, isonia- esse efeito adverso.
zida pode elevar os níveis de VPA. Haloperidol,
A formulação em drágeas revestidas de li-
clorpromazina e fluoxetina aumentam os níveis
beração entérica administrada após as refeições
de VPA. Álcool tem efeito neurotóxico sinérgico
pode minimizar tal efeito. Divisão da dose em vá-
com VPA.
rias ingestas pode ser outra medida adequada. Por
Outros FAEs tradicionais, como PB, PHT e não ser um composto higroscópico e, consequen-
CBZ, por induzirem o sistema microssomal, di- temente, apresentar absorção lenta, divalproato
minuem consideravelmente os níveis séricos de cursa com menor incidência desse efeito, o qual,
ciclosporina. VPA não altera as concentrações algumas vezes, é o principal limitante da adminis-
desse agente, sendo considerado uma alternativa a tração de VPA.
pacientes que necessitam de imunossupressão. Di-
Até 40% dos pacientes tratados com VPA po-
ferentemente dos fármacos indutores do sistema
dem apresentar elevação das enzimas hepáticas,
microssomal P450, VPA não acentua o metabolis-
especialmente das transaminases, sem manifesta-
mo de hormônios, como contraceptivos orais.
ções clínicas. Até um certo limite, esse fenôme-
no relaciona-se à dosagem, é transitório e parece
Efeitos adversos decorrer de indução hepática e não representar
hepatotoxicidade.
Há dois tipos de reações: os efeitos adversos
relacionados à dosagem e as reações idiossincrá-
sicas, ou seja, reações individuais mediadas pela Ganho de peso
formação de metabólitos ou respostas anormais Observado em 8% a 57% dos pacientes, ganho
de determinados órgãos decorrentes de prováveis excessivo de peso pode requerer a suspensão da
características genéticas. terapêutica. Parece decorrer da estimulação do
apetite e, nesse caso, a redução na ingesta calóri-
Efeitos relacionados à dose ca pode reverter esse efeito ou, ainda, ser depen-
dente do aumento na disponibilidade de ácidos
Gastrintestinais graxos de cadeia longa devido à competição com
Em geral, anorexia, náuseas e vômitos são VPA pela ligação às proteínas séricas. Sugeriu-se
observados no início da terapia. Ocorrem em que ganho de peso poderia decorrer de alterações
até 42% dos pacientes, sendo transitórios. Vários metabólicas em razão da diminuição da betaoxi-
investigadores sugerem que se pode evitar esses dação dos ácidos graxos e do aumento da insulina

90
Valproato

ou da leptina. Ganho excessivo de peso pode ser Sistema nervoso


um dos substratos da síndrome metabólica/re-
Tremor fino das mãos, semelhante ao tremor
produtiva verificada principalmente em algumas
essencial, ocorre em cerca de 10% dos pacientes
mulheres. Pode ainda ocorrer edema periférico,
que recebem VPA. Trata-se de um efeito relacio-
por razões desconhecidas, contribuindo para o
nado à dosagem e raramente é suficientemente
ganho de peso.
importante para exigir suspensão do fármaco. A
redução na dosagem e a redistribuição das inges-
Pele e anexos tas da medicação minimizam esses efeitos. Suge-
Rash cutâneo é observado excepcionalmente. A riu-se tratamento com propranolol.
redução na dosagem pode ser suficiente para con- Quando comparado a outros FAEs, VPA tem
trolar esse efeito. Porém, se o paciente apresentar efeitos adversos mínimos relacionados a sedação
outros sinais de hipersensibilidade sistêmica, será (fundamental em 2% dos pacientes), ataxia e efei-
necessário suspender a terapêutica. Os fios dos ca- tos cognitivos. Sedação é um efeito incomum e
belos podem tornar-se mais finos e apresentar que- VPA tem menor efeito adverso sobre as funções
da em 2,6% a 12% ou até em 50% dos pacientes. Ao cognitivas do que PB, PHT e primidona.
ressurgirem, poderão apresentar coloração e textura Denominada encefalopatia por VPA, encefalo-
alteradas, assumindo aspecto encaracolado. Há se- patia aguda raramente é observada. Caracteriza-se
melhanças com o aspecto dos cabelos na doença de por sedação acentuada, estupor ou coma instalados
kinky hair. Pouco se sabe sobre sua fisiopatogenia, nas primeiras semanas (mais raramente nos primei-
se é um efeito relacionado à dosagem ou à duração ros meses) após a administração inicial do fármaco.
da terapêutica. Pode ser minimizado com a redu- O EEG mostra atividade lenta de voltagem elevada e
ção na dosagem. Tais alterações parecem decorrer o quadro é rapidamente revertido com a suspensão
da ação quelante do VPA com metais e poderiam do VPA. Em alguns desses casos, as concentrações
ser prevenidas com o uso de complexos polivitamí- séricas de VPA e os níveis de amônia se encontram
nicos contendo zinco na dose de 30 mg diários para nos limites normais. No entanto, hiperamonemia
adultos. Outras hipóteses aventadas incluem hipo- e deficiência de carnitina com lesões nas organelas
tireoidismo subclínico, conhecida causa de alope- celulares, especialmente das mitocôndrias, têm sido
cia, e ainda deficiência de biotinidase, visto que a implicadas como possíveis mecanismos fisiopato-
suplementação de biotina, na dose diária de 10 mg, gênicos. Verifica-se hiperamonemia subclínica em
promoveu melhora em sintomas de rash cutâneo, até 50% dos pacientes que recebem VPA, especial-
prurido e queda de cabelos atribuídos ao uso crôni- mente em politerapia. A monitoração crônica dos
co de VPA em uma série de pacientes (Figura 6)13. níveis de amônia não é necessária. VPA não deve

Figura 6. Alterações nos cabelos iniciadas dois meses após introdução de valproato até 30 mg/kg/dia (NS = 72,4 mg/ml)14.

91
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

ser administrado a pacientes com suspeita de do- Alterações endócrinas


ença mitocondrial nem àqueles que apresentam
Irregularidade menstrual, amenorreia, ová-
piora das crises com VPA, devendo-se suspeitar de
rios policísticos e hiperandrogenismo podem
um erro inato do metabolismo, principalmente de
ser verificados em mulheres epilépticas. Na sé-
alterações no ciclo da ureia. Não se deve prescrever
rie de Isojärvi et al.16, 80% das mulheres com
VPA a pacientes com doenças hepáticas. Algumas
epilepsia tratadas com VPA antes dos 20 anos
vezes, a deficiência de ornitina transcarbamilase é de idade tinham ovários policísticos ou hipe-
revelada pela administração de VPA, que promove randrogenismo. Embora alterações na concen-
encefalopatia com hiperamonemia, muitas vezes tração de GABA em nível hipotalâmico possam
grave e até mesmo fatal. explicar esse fato, outros mecanismos, como
Pseudoatrofia cerebral, alteração raramente ob- inibição da aromatase, enzima responsável pela
servada, consiste no alargamento dos ventrículos, conversão de testosterona para estradiol em ní-
cisternas e sulcos cerebrais decorrente do uso de vel ovariano, também podem ser implicados.
VPA. Trata-se de um quadro reversível, semelhante O mesmo grupo de autores, em publicações
ao observado durante o tratamento dos espasmos in- ulteriores17,18, sugeriu que VPA induz uma sín-
fantis com hormônio adrenocorticotrófico, embora drome metabólica caracterizada por obesidade
em alguns pacientes a anormalidade à tomografia centrípeta, hiperinsulinemia, anormalidades li-
não tenha regredido após a interrupção do fármaco. pídicas, ovários policísticos e hiperandrogenis-
Pode ser associada a deterioração cognitiva, quadro mo e referiu que a terapia com VPA promoveu
parkinsoniano ou outros sinais extrapiramidais, pira- ganho progressivo de peso em 50% de um grupo
midais ou cerebelares, sinais sugestivos de encefalo- de mulheres que receberam esse fármaco, que se
patia crônica15. Os supostos mecanismos dessas alte- associou a hiperinsulinemia e níveis baixos de
rações, associadas a níveis elevados de VPA, incluem proteína ligadora de insulina 1, que poderiam
modificação no eixo hipófise-suprarrenal, alterações levar a hiperandrogenismo e ovários policísti-
metabólicas ou da permeabilidade da barreira hema- cos. Em 12 mulheres, um ano após a substitui-
toencefálica, além de hiperamonemia (Figura 7). ção de VPA por LTG, ocorreu reversibilidade

A B
Figura 7. Atrofia cortical verificada em paciente com epilepsia mioclônica juvenil em uso de valproato.
Tomografia normal em 1989 (A), quando da introdução de VPA, e em 1993 (B), em vigência de deterioração cognitiva.

92
Valproato

de 20 para 11 ovários policísticos. Esses estudos Hepatotoxicidade


suscitaram grande interesse e promoveram mui-
Dreifuss et al.23 publicaram uma revisão sobre
ta discussão. Sabe-se que mulheres com epilep-
os casos de óbitos por hepatotoxidade causada
sia apresentam maior incidência de alterações
por VPA nos Estados Unidos. A incidência geral
reprodutivas e metabólicas. Para alguns19, en-
foi de 1:10.000, e crianças muito jovens, abaixo de
quanto FAEs indutores do sistema microssomal
dois anos de idade, foram as mais vulneráveis à
P-450 protegiriam contra os efeitos do hiperan-
disfunção hepática fatal, especialmente quando se
drogenismo por aumentar os níveis da globuli-
administrou VPA em regime de politerapia (inci-
na carreadora de hormônios sexuais, VPA, um
dência de 1:500). O risco diminuiu com a idade
inibidor enzimático, teria efeito oposto. Estudos
(em crianças com mais de dois anos de idade, que
ulteriores sugeriram risco aumentado para dis-
estavam recebendo VPA em regime de politera-
túrbios hormonais em mulheres com epilepsia
pia, a incidência foi de 1:12.000). Quando VPA foi
generalizada idiopática e uso de VPA20, havendo
administrado em monoterapia, em todas as faixas
indicações para monitoração cuidadosa das mu-
etárias, a incidência de insuficiência hepática fatal
lheres que apresentam ganho de peso e/ou sinais
foi de 1:37.000.
de disfunção hormonal.
Essa reação ocorre usualmente nos primeiros
três meses da terapêutica, embora possa aconte-
Reações idiossincrásicas cer mais tardiamente. Nesse tempo, deve-se mo-
Efeitos hematológicos nitorar enzimas hepáticas e a função de síntese
Os efeitos mais comumente observados são hepática, como níveis de fibrinogênio e tempo de
plaquetopenia e inibição da agregação plaquetá- protrombina.
ria. Plaquetopenia se relaciona à dose e pode cau- As crianças que tiveram reação hepática fatal
sar hematomas, epistaxes e sangramento durante apresentavam retardo do desenvolvimento neu-
cirurgias. Contagem de plaquetas entre 100 mil ropsicomotor, anormalidades congênitas e epilep-
e 200 mil é comum e deve ser monitorada sem sia refratária a FAEs. Alguns desses casos podem
intervenção. Pode-se observar neutropenia, redu- representar exemplos de poliodistrofia de Alpers
ção do fator de von Willebrand, depleção de fibri- (disfunção neuronal progressiva da infância com
nogênio e até supressão da medula óssea. doença hepática), em que as manifestações de en-
Os efeitos hematológicos possuem pequena volvimento hepático foram precipitadas por VPA.
importância clínica, exceto em pacientes que se- Três dos pacientes da série de Dreifuss tinham
rão submetidos à cirurgia. Aplicáveis a todos os irmãos que também apresentaram insuficiência
procedimentos cirúrgicos, esses cuidados devem hepática fatal e nunca receberam VPA.
ser especialmente lembrados a candidatos à cirur- O mecanismo responsável por essa reação
gia de epilepsia, em todos os procedimentos nos parece envolver o metabólito 4-ene-VPA, a qual,
quais não há visualização direta, como colocação sob aspecto histológico, é diferente de outras in-
de eletrodos esfenoidais, nasofaríngeos ou intra- filtrações granulomatosas por hipersensibilidade
cranianos. Tem-se aconselhado interromper a te- a medicamentos. O quadro histológico hepático
rapêutica com VPA duas semanas antes da cirur- caracteriza-se por esteatose microvesicular com
gia, embora alguns autores, ao analisarem séries necrose semelhante à observada na síndrome de
de pacientes submetidos à cirurgia de epilepsia, Reye e na doença dos vômitos da Jamaica. Essa
tenham referido que não é necessário suspender última é causada pelo acúmulo de ácido metile-
VPA antes de procedimentos cirúrgicos21,22. nociclopropil. O metabólito 4-ene-VPA induz

93
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

esteatose microvesicular em animais e sua for- amilase e lipase pancreáticas. Essa reação grave
mação é influenciada pelo sistema microssomal pode surgir em qualquer época do tratamento,
P-450. Esse fato pode explicar por que a hepato- embora mais frequentemente nos três primeiros
toxicidade de VPA ocorre mais frequentemente meses da terapêutica. Parece ocorrer especial-
em pacientes em politerapia com FAEs. Fármacos mente em pacientes com menos de 20 anos e pode
indutores do sistema P-450 desviarão o metabo- ser consequente a uma doença intercorrente ou a
lismo de VPA para esse sistema com acúmulo de procedimentos cirúrgicos, não sendo relacionada
metabólitos tóxicos. à dose nem a concentrações séricas24.
Testes de função hepática não são úteis na an-
tecipação dessa reação, pois significativa porcen- Teratogenicidade
tagem de pacientes que recebem VPA apresentará
A FDA considera VPA como categoria de risco
elevação transitória dos níveis de transaminases
D (evidência positiva de riscos para fetos huma-
séricas quando da introdução da terapêutica. No
nos; benefícios potenciais podem ainda justificar
entanto, níveis crescentes dessas enzimas no iní-
seu uso durante a gestação). VPA pode causar
cio do tratamento devem alertar para a possibili-
malformações congênitas maiores, como defeitos
dade de suspensão do fármaco.
de fechamento do tubo neural (1% a 2%), mal-
Verificou-se significativa diminuição na des- formações cardíacas e defeitos craniofaciais. A
crição de casos de hepatotoxicidade após a ca- síndrome de VPA fetal inclui alterações faciais
racterização do quadro e a adoção de algumas menores e alterações esqueléticas. Também se ve-
regras, como: não administrar VPA em politera- rificou comprometimento cognitivo de crianças. A
pia a crianças com menos de três anos de idade, gestação deve ser planejada e envolve as seguintes
pacientes com história de doença hepática e/ou recomendações: suplementação com ácido fólico
história familiar de crianças com doença hepáti- 5 mg pelo menos três meses antes da concepção;
ca; VPA deve ser administrado em doses baixas, não utilização de VPA em politerapia; redução da
devendo-se evitar o uso concomitante de AAS; dose de VPA a 700 mg/dia ou menos, pois até esse
sintomas de vômitos, cefaleia, edema, icterícia e valor o risco de malformações congênitas é similar
crises epilépticas, especialmente após doença fe- ao de outros FAEs25. Embora discutida, a divisão
bril, devem ser encarados como potencialmente da dose diária em três ou mais ingestas, visando
graves; é importante acentuar que nem toda he- minimizar picos séricos e desvios de rota ao P450
patotoxidade é fatal e a suspensão imediata do com formação de metabólitos tóxicos, é recomen-
fármaco e tratamento de suporte podem tornar dada por muitos. A depuração de VPA eleva-se na
o quadro hepático reversível. A administração de gestação, algumas vezes exigindo ajuste de dose.
carnitina, por via intravenosa, tem sido conside- Na amamentação, os níveis de VPA no leite atin-
rada nessa situação. gem valores de 4% a 10% dos níveis plasmáticos
maternos e 4% a 12% no lactente.
Pancreatite
Durante a administração de VPA, pode ocor- Alterações metabólicas
rer elevação transitória e assintomática dos níveis VPA induz hiperamonemia arterial, presumi-
de amilase sérica. Há relatos de casos raros de pan- velmente por uma ação no nível renal. A maioria
creatite hemorrágica aguda (incidência 1:40.000). dos pacientes é assintomática e não apresenta si-
Em pacientes que referem dor abdominal em uso nais de disfunção hepática. VPA pode causar hi-
de VPA, é necessário dosar os níveis séricos de perglicinemia e hiperglicinúria. Foram ainda re-

94
Valproato

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Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

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96
Benzodiazepínicos
8 A importância no tratamento agudo
de crises epilépticas
Patricia Braga
Mestre em Ciências Médicas, Professora Adjunta de Neurologia, Instituto de Neurologia,
Facultad de Medicina, Universidad de la Republica, Montevidéu, Uruguai.
Alicia Bogacz
Neurologista e Neurofisiologista. Integrante da Seção de Epilepsia do Instituto de Neurologia,
Montevidéu, Uruguai.

Desenvolvidos em 1933, os benzodiazepínicos ca pelo fato de serem altamente lipossolúveis e pe-


(BZDs) não foram clínicamente utilizados até a netrarem rapidamente no sistema nervoso central
década de 1960, quando o clordiazepóxido, com (SNC). Além disso, possuem a propriedade de se
o nome comercial Librium®, introduzido em 1957 ligar a receptores específicos, o que facilita a com-
por Sternbach, foi utilizado como agente ansio- preensão de sua farmacodinâmica e, consequente-
lítico. Clordiazepóxido foi o primeiro BZD am- mente, de sua utilidade clínica.
plamente prescrito e utilizado. Diazepam (DZP)
foi introduzido em 1961 e nitrazepam (NZP), em
1963, também por seu efeito ansiolítico e indutor
Mecanismos de ação
de sono. No SNC, existem sítios receptores com afini-
Os BZDs foram utilizados pela primeira vez dade elevada por BZDs, localizados nos recepto-
no tratamento das epilepsias em 1965, quando res do neurotransmissor inibitório mais comum,
Henry Gastaut administrou DZP por via intrave- o ácido gama-aminobutírico (GABA), que, libe-
nosa (IV) para controlar o estado de mal epilép- rado pelos neurônios GABAérgicos, se liga a dois
tico1. A partir disso, os BZDs revolucionaram o receptores: GABAA e GABAB. Os sítios de ligação
tratamento de emergência dos eventos epilépticos a BZD se encontram nos receptores GABAA. O
e, ainda hoje, com o avanço e o desenvolvimento receptor GABAA (Figura 2) é uma proteína ma-
de novos compostos, representam um grupo de cromolecular pentamérica transmembrana loca-
fármacos antiepilépticos (FAEs) potente e impor- lizada nas proximidades das sinapses, onde forma
tante, sendo ampla e frequentemente prescritos. um canal seletivo para o íon cloro. Nele, há sítios
aos quais se ligam o GABA, os BZDs, os barbitú-
ricos, os esteroides, os anestésicos e também subs-
Estrutura química tâncias pró-convulsivantes, comos β-carbolinas e
Os primeiros BZDs utilizados com efeito antie- picrotoxina, entre outras.
piléptico pertenciam ao grupo dos 1,4-benzodia- O receptor GABAA é formado por cinco su-
zepínicos. Em 1979 foi descoberto que o clobazam bunidades que se combinam de forma variável,
(CLB), um 1,5-benzodiazepínico, também possuía a partir de um arsenal de opções (subunidades
propriedades antiepilépticas (Figura 1). Os BZDs α 1-6, β 1-3, γ 1-3, δ, θ, ρ 1-3), codificadas por
apresentam uma grande vantagem farmacocinéti- genes diferentes, repartidos nos loci 4p12, 5q34,

97
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

15q11 e 2q12. Os diferentes subtipos de recepto- subunidade α1, sua ativação pelos BZDs promove
res assim constituídos apresentam propriedades ações sedativa e antiepiléptica, enquanto a ativa-
fisiológicas diferentes, variantes nos sítios alosté- ção da subunidade α2 determina efeitos predomi-
ricos e distintas afinidades de ligação. O sítio para nantemente ansiolítico e relaxante muscular. Os
BZD encontra-se na ligação das unidades α-γ e receptores formados pelas subunidades α4 ou α6,
suas propriedades fisiológicas variam segundo o ou, ainda, aqueles que não incluem uma subuni-
tipo de subunidade envolvida. Quando se trata da dade γ são insensíveis aos BZDs.

Clobazam Midazolam Clonazepam

Diazepam Nitrazepam Lorazepam

Figura 1. Estrutura química dos benzodiazepínicos com ação antiepiléptica.

Sítio de ligação de barbitúricos

Sítio de ligação GABA


Sítio de ligação de benzodiazepínicos

Cloro

Figura 2. Esquema representando a composição mais frequente do receptor transmembrana


GABA A no nível do sistema nervoso central e os locais de ligação relacionados à epilepsia.

98
Benzodiazepínicos

O subtipo mais frequente de receptor GABAA tende a ações ansiolítica, hipnótica e relaxante
no SNC humano é o formado por duas subunida- muscular. Para cada uma dessas indicações, re-
des α1, duas subunidades β2 e uma subunidade comenda-se um tipo diferente de BZD, segundo
γ2. É importante considerar que a distribuição suas características farmacocinéticas e seus efei-
dos diferentes subtipos de receptores no SNC tos colaterais (termo que inclui efeitos desejáveis
é heterogênea, já que nem todos os neurônios e não desejáveis e efeitos adversos) particulares2.
apresentam todos os tipos de subunidades. As- Esses últimos são mediados por diferenças na afi-
sim, há um predomínio de receptores com subu- nidade a diversos subtipos de receptor GABAA.
nidades α1 no giro dentado e tálamo, enquanto Apesar de sua potente ação antiepiléptica, os
no hipocampo predominam as subunidades α2, BZDs não são utilizados prioritariamente no tra-
α3 e α5. A subunidade α6 se expressa nas células tamento profilático de crises recorrentes, em razão
granulares do cerebelo. Finalmente, embora os do desenvolvimento de tolerância, ou seja, perda
barbitúricos e os BZDs tenham ação GABAérgi- de eficácia ao longo do tempo, e da presença de
ca, apresentam mecanismos de ação diferentes: efeitos adversos dependentes da dose. Assim, por
enquanto os barbitúricos prolongam o tempo seu perfil de ação, os BZDs são fármacos ideais
médio de abertura do canal, os BZDs aumentam quando utilizados de forma aguda em situações
sua frequência de abertura. especiais, como no controle de crises repetidas
Os BZDs exercem também outras ações di- a intervalos curtos (agrupamentos de crises), em
ferentes das mediadas pelo receptor GABAA. crises prolongadas e no estado de mal epiléptico.
Como a fenitoína e a carbamazepina, os BZDs Entre os BZDs com ação antiepiléptica, o DZP e o
bloqueiam as descargas mantidas de frequência clonazepam (CNZ), há mais de duas décadas, são
elevada. O mecanismo desse tipo de ação é in- considerados de primeira linha para tratar situa-
certo, sendo observado apenas em concentrações ções de emergência. Mais recentemente, ao arse-
terapêuticas elevadas. nal terapêutico dessas circunstâncias, se agrega-
ram o lorazepam (LZP) e o midazolam (MDL)3-5.
No entanto, outros BZDs como nitrazepam
Efeitos em modelos animais (NZP) e clobazam (CLB) são utilizados como
Os BZDs são eficazes como FAEs em modelos fármacos adjuvantes no tratamento crônico das
experimentais, diminuindo a duração das descar- epilepsias.
gas epileptiformes e restringindo sua propagação.
São potencialmente eficazes em prevenir crises Fármacocinética e formas de
induzidas por pentilenetetrazol, picrotoxina e
bicuculina. Os BZDs também mostram eficácia administração
contra crises induzidas por kindling e no modelo De modo geral, os diferentes BZDs compar-
de epilepsia induzido por alumínio, assim como tilham o mesmo mecanismo de ação e perfil de
em alguns modelos animais de epilepsia genética, efeitos colaterais. No entanto, são claramente di-
incluindo a epilepsia fotossensível de babuínos e ferenciados por suas propriedades físicas e farma-
as crises audiogênicas de ratos. cocinéticas.
A absorção oral é rápida, de aproximadamente
80% da dose para a maioria dos BZDs, embora
Efeitos em seres humanos exista grande variabilidade interindividual, es-
A atividade terapêutica dos BZDs não se res- pecialmente para NZP. Por serem altamente li-
tringe a seu potencial antiepiléptico, mas se es- pofílicos, os BZDs se distribuem rapidamente,

99
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

atravessando a barreira hematoencefálica. Sua solúvel. A infusão contínua não é muito utilizada,
metabolização é rápida, por meio do sistema de uma vez que rapidamente promove o desenvol-
enzimas microssomais do fígado, sendo esta de- vimento de tolerância, perdendo o fármaco seu
pendente do fluxo sanguíneo hepático. A meia- efeito antiepiléptico em poucas horas.
vida de eliminação pode estar significativamente CLB é relativamente insolúvel e, portanto, não
aumentada em pacientes idosos. Ressaltando um é disponibilizado para uso IV ou IM.
caso particular, LZP é distribuído lentamente por Formulações passíveis de serem utilizadas
sua baixa lipossolubilidade e, mesmo sofrendo por via IM foram mais recentemente comercia-
metabolização similar em nível hepático, não lizadas. MDL é um imidazobenzodiazepínico bá-
apresenta nenhum metabólito ativo. sico e solúvel em água no pH fisiológico. Antes
As especificações farmacocinéticas e posoló- da injeção, o anel benzodiazepínico se encontra
gicas dos principais BZDs de uso clínico no tra- aberto, mas após a administração em pH fisioló-
tamento da epilepsia estão resumidas na tabela 1. gico, o anel se fecha e o MDL se torna lipossolú-
Vários BZDs podem ser utilizados por via vel. Essa troca de solubilidade permite absorver o
IV, intramuscular (IM), retal ou sublingual. As fármaco por via IM e, a despeito da injeção por
soluções para uso IV são as formulações eleitas essa via, sua penetração através da barreira he-
para tratar o estado de mal epiléptico, enquanto matoencefálica é rápida. DZP por via IM autoin-
as administradas por vias IM, retal ou sublingual jetável parece também efetivo no tratamento de
podem ser também utilizadas em situações de crises repetidas6.
emergência para interromper a evolução de crises
repetidas para estado de mal epiléptico, segundo
a situação e o tipo de fármaco disponível. Em al-
Dosificação de níveis plasmáticos
Na prática clínica, não se utilizam aferições
guns casos, a administração oral também pode
séricas de nenhum dos BZDs, seja em situação
ser utilizada para abortar agrupamentos de crises.
de emergencia, seja no tratamento crônico. O
Os BZDs antiepilépticos disponíveis para uso IV
conhecimento das concentrações séricas de DZP
são DZP, LZP, MDL e CNZ, embora nem todos
se baseia em um número pequeno de casos em
estejam disponíveis em todos os países nesse tipo
crianças, do que se depreendeu que a concentra-
de formulação.
ção plasmática de 500 a 700 ng/ml é necessária
Estão sendo estudadas novas formas de ad-
para controlar as crises. Em um estudo com CLB,
ministração, como a bucal (absorção através da
não se verificou relação entre níveis plasmáticos e
mucosa jugal) e IM autoinjetável, assim como
efeito clínico.
sua aplicabilidade e eficácia em situações de
emergência, para permitir o manejo pré-hospi-
talar por equipe paramédica ou por cuidadores Interações farmacológicas
e familiares6,7. Os BZDs não influenciam a farmacocinética
DZP deve ser utilizado preferentemente sem de outros fármacos, mas, de modo geral, todos
diluição, já que precipita em soluções concentra- eles são conhecidos como agentes capazes de po-
das e reage com o plástico das seringas e o equipo tencializar a ação de outros agentes depressores
de infusão, o que promove a precipitação do pro- do SNC, como etanol e barbitúricos, ou também
duto. A administração de LZP pode ser realizada de produzir irregularidade respiratória ou de-
sem importar a velocidade de infusão, pois trata- pressão do SNC quando associados a anfetami-
se de um fármaco apenas moderadamente lipos- nas ou metilfenidato8.

100
Benzodiazepínicos

Absorção Distribuição Eliminação Administração em epilepsia


Fármaco Tempo Meia-vida Meia-vida Agudo (A)/ Doses Crianças Velocidade
Via
(min) (min) (h) crônico (C) adulto (mg/kg) de infusão

10 a 20 2 a 5 mg/
A: bolus em carga 0,2 a 0,3
mg min
IV 6 24
Infusão de SF/SG 50 mg/500
4 a 8 mg/h
a 5% cc
IM 95 -
DZP 15 - 20
0,2 a 0,8
VO 52 A: bolus em carga 0,2 a 0,3
mg/kg
10 a 30
Retal (IV) 17 A* 0,5 a 0,75
mg
Supositório 82 A**

0,01 a
IV 1 29 A: bolus em carga 1 mg 30 s
0,09
CNZ 30
60 a
VO C: dose média/dia 1,5 a 8 mg 0,05 a 0,2
240

60 a 10 a 40
CLB VO 25 C: dose média/dia 0,5 a 1
240 mg

A: bolus em carga 5 a 15 mg 0,15 a 0,3 ≤ 4 mg/min


IV 2 1,5 a 3,5 Infusão de SF/SG
0,05 a 0,4 mg/kg/h
a 5%
IM 25 A***
MDZ VO, 15
30 -
sublingual
Retal 30 A***
0,1 mg/kg em cada
Intranasal 20 A
narina

0,5 a 1
NZP VO 60 14 a 31 17 C: dose média/dia
mg/kg

0,07 mg/
LZP IV 10 15 120-180 A: bolus em carga 0,01 Sem limite
kg
* Em situações de emergência, é possível utilizar a formulação intravenosa aplicada por via retal através de uma sonda, que deve ser
lavada, em seguida, com soro fisiológico.
** Aplica-se no tratamento agudo, fora do contexto do estado de mal epiléptico, para tratar ou prevenir crises ante um desencadeante
(ver crises febris).
*** Fora do contexto do estado de mal epiléptico, pode-se administrar uma dose de ataque de midazolam por via IM ou retal.

101
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Tolerabilidade sendo, por sua distribuição lenta, mais frequente-


mente verificadas quando se administra LZP. Há,
Efeitos adversos dependentes da dose ainda, maior risco de agitação, confusão, alucina-
Os principais efeitos adversos dos BZDs se ções e tremor.
associam à magnitude da dose e/ou da veloci- No período de introdução de CNZ, pode-se
dade de administração, sendo, portanto, mais observar como efeito paradoxal o aumento do
importantes nas situações de emergência, sendo número de crises epilépticas, particularmente em
verificados quando da administração IV rápida pacientes com a síndrome de Lennox-Gastaut.
de doses elevadas. Dessa forma, a administração Na administração crônica, os diferentes BZDs
IV de DZP, MDL e CNZ acarreta risco de hipo- compartilham a maioria dos efeitos adversos, que
tensão arterial e depressão respiratória, o qual é incluem sonolência, sedação, hipotonia e debili-
mais acentuado quando são associados a fenobar- dade musculares, ataxia, borramento visual, di-
bital no tratamento de pacientes em estado de mal plopia, além de transtornos cognitivo-comporta-
epiléptico secundário a uma lesão e em pacientes mentais, como déficit atencional, hiperatividade,
idosos. No entanto, tais complicações são raras, irritabilidade e agressividade (Tabela 2).

Tabela 2. Efeitos adversos maiores e menores dependentes da dose dos diferentes benzodiazepínicos
usados em epilepsia, em relação a fatores de risco conhecidos para sua ocorrência

Fatores de risco Efeitos maiores Efeitos menores


Diazepam Associação com Hipotensão arterial, Fadiga, sonolência, ataxia, distúrbio
fenobarbital, estado de mal depressão respiratória, de comportamento, borramento
epiléptico, lesão cerebral sedação visual, diplopia, hipotonia
grave, aguda, velocidade de
infusão rápida
Lorazepam Depressão respiratória e Sedação é comum, mas coma ou
hipotensão são raras sedação prolongada são raros.
Agitação, confusão mental,
alucinações, tremor, ataxia
Midazolam Estado de mal epiléptico Apneia Sonolência, ataxia
prolongado ou complicado
por lesão cerebral
Clonazepam Lesão cerebral aguda, Hipotensão arterial; Sonolência, ataxia e alterações do
fenobarbital, pacientes depressão respiratória comportamento (hipercinesia,
idosos agitação, agressividade), hipotonia,
disartria, zumbido, hipersecreções
salivar e brônquica
Síndrome de Lennox- Efeito paradoxal
Gastaut
Clobazam Sonolência, tontura, ataxia,
incoordenação, fadiga, alterações
comportamentais (irritabilidade,
agressividade, hiperatividade),
debilidade muscular, déficit de
atenção
Nitrazepam Sonolência, ataxia, depressão de
funções cognitivas, hipotonia,
aumento de salivação, agressividade,
hiperatividade

102
Benzodiazepínicos

Efeitos adversos associados à via de subsequentes na dose e o terço restante deixa de


responder, independentemente da dose9.
administração
O desenvolvimento de tolerância pode ser o
A infusão IV de BZDs pode causar trombo-
resultado de uma adaptação ao efeito dos BZDs
se venosa local, flebite e dor no local da injeção.
no SNC, à redução na concentração plasmática ou
MDL por via intranasal pode produzir reações lo-
a ambos. Estudos mostraram que ocorre redução
cais, como irritação da mucosa, ardência e lacri-
no fluxo de íons cloro-mediados por GABA, o que
mejamento, as quais podem ser evitadas ou mini-
parece asociar-se à diminuição no número de re-
mizadas mediante a instilação prévia de lidocaína
ceptores de BZD.
tópica a 4%.

Efeitos idiossincrásicos Uso clínico


Não há evidências relacionadas a efeitos tóxi- Estado de mal epiléptico
cos em nível hematológico, hepático ou renal. As
O início precoce do tratamento IV com BZD
reações de hipersensibilidade aos BZDs são muito
(DZP ou LZP), já na etapa pré- hospitalar, rela-
raras9. Vários estudos mostraram que CLB é bem
ciona-se a melhor prognóstico dessa condição14.
tolerado, inclusive em crianças10, e determina re-
Desde sua introdução para tratamento clínico,
ações idiossincrásicas de significado clínico in-
DZP foi reconhecido como fármaco eleito para
frequentemente11. Por outro lado, não se associa
tratar o estado de mal epiléptico, sendo também
à reatividade cruzada12. No entanto, há um relato
eficaz quando empregado no tratamento agudo
recente da FDA advertindo do risco de desenvol-
de crises agrupadas ou prolongadas.
vimento de reações cutâneas maiores por CLB,
o qual é estimado em 6/10.000 pacientes e ma- Alguns estudos mostraram que LZP é mais
nifesta-se fundamentalmente nas primeiras oito eficaz e apresenta menos complicações respirató-
semanas após a introdução do fármaco13. Efeitos rias que DZP e, com base nessas características,
idiossincrásicos menores incluem aumento de recomendam seu uso preferencial5,14. Contudo,
hormônio do crescimento e dos níveis de testos- sua vida útil sem refrigeração é curta15, o que
terona por DZP, o qual pode também exercer in- pode dificultar o acesso a esse medicamento em
fluência variável no apetite e peso. Há relato de situações de emergência, particularmente quando
aumento de peso associado ao uso de CLB. usado na fase pré-hospitalar.
MDL é utilizado no tratamento do estado
de mal epiléptico, sendo essa a maior indicação
Tolerância desse fármaco. Nessa condição, MDL apresenta
Vários trabalhos sugerem que DZP pode vantagens sobre outros BZDs, por sua facilidade
perder parte de sua ação antiepiléptica em um de administração, sendo recomendado atualmen-
período de quatro a seis meses, fato observado te como uma opção no tratamento pré-hospita-
em aproximadamente 40% dos casos. O desen- lar por via IM ou bucal5,15. Pode ser utilizado em
volvimento de tolerância é também o principal agrupamentos de crises, em crises prolongadas
problema em relação ao uso crônico de CLB. Um e na fase prodrômica do estado de mal epilépti-
terço dos pacientes desenvolve tolerância a CNZ, co, bem como quando este já está estabelecido16.
usualmente entre um e seis meses após o início Considerando sua farmacocinética, MDL é o
do tratamento. Entre aqueles que desenvolvem BZD mais indicado para infusão contínua no es-
tolerância, dois terços respondem a aumentos tado de mal epiléptico. No tratamento dessa con-

103
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

dição, pode representar uma alternativa na fase crises de ausência típicas e atípicas, crises mio-
que antecede o coma barbitúrico para pacientes clônicas e, eventualmente, em crises tônicas
com estado de mal epiléptico refratário. e na síndrome de Lennox-Gastaut18-20. CNZ
CNZ é utilizado no tratamento agudo de cri- pode ser eficaz em síndromes mioclônicas es-
ses epilépticas, sendo também um fármaco eficaz pecíficas como nas epilepsias mioclônicas pro-
no estado de mal epiléptico, especialmente no es- gressivas, principalmente em combinação com
tado de mal mioclônico, tônico e de ausências. valproato ou fenobarbital. É também eficaz nas
De forma prática e dada a mortalidade elevada epilepsias reflexas2.
do estado de mal epiléptico, sugere-se que DZP e Como nas demais classes de BZD, um efeito
MDL possam ser administrados pela comunidade transitório inicial positivo ocorre em pacientes
por via retal, por ocasião de uma crise epiléptica com crises frequentes que iniciam o tratamento
generalizada única, como primeira medida pre- com CLB, porém este é mantido a longo prazo em
ventiva tentando impedir a instalação do estado um pequeno grupo desses indivíduos. Resultados
de mal epiléptico convulsivo, especialmente na- satisfatórios podem ser obtidos em pacientes com
queles pacientes particularmente predispostos ou crises focais, com epilepsia generalizada primária,
com antecedentes pessoais dessa patologia. síndrome de Lennox-Gastaut, epilepsias mio-
Por outro lado, quando as crises são genera- clônicas, epilepsias reflexas e no estado de mal
lizadas e se repetem a curtos intervalos de tem- elétrico do sono lento. Como a melhora é geral-
mente temporária, em razão do desenvolvimento
po, ou são muito prolongadas, a administração
de tolerância observada nessa classe de fármacos,
de MDL bucal é recomendada como tratamento
CLB pode ser utilizado de forma intermitente por
de primeira linha em qualquer idade17. Alterna-
curtos períodos, quando é especialmente impor-
tivamente, deve-se administrar DZP retal, espe-
tante prevenir crises, como durante uma viagem
cialmente em crianças5, e em adultos, fundamen-
ou ocasião especial.
talmente, MDL por via IM. Por outro lado, se há
acesso venoso e a infraestrutura oferece capacida- NZP é utilizado no tratamento crônico da
epilepsia como alternativa de segunda ou ter-
de de ressuscitação, poderia ser aplicado no trata-
ceira linha em grande variedade de crises, como
mento do estado de mal epiléptico convulsivo já
ausências atípicas, crises mioclônicas, síndrome
instalado. Neste, recomenda-se administrar LZP
de Lennox-Gastaut21, espasmos infantis22 e crises
por via IV em qualquer idade, e se não estiver
mioclono-astáticas da síndrome de Doose. É ain-
disponível, DZP por via IV. Caso o acesso venoso
da eficaz em epilepsias generalizadas primárias
seja impossível, recomenda-se MDL bucal ou IM.
e apresenta eficácia moderada na epilepsia focal
No tratamento do estado de mal não convulsi-
refratária a outros FAEs. Da mesma forma, pode
vo, o uso de BZD por via IV é recomendado, com
ser utilizado na profilaxia de crises febris e nas
controle eletroencefalográfico, mantendo-se ou
epilepsias reflexas.
reinstalando o tratamento habitual, se já o rece-
Segundo o Guia de tratamento baseado em
bia, por via oral17.
evidências, publicado pela ILAE (2013) para in-
dicações terapêuticas em diferentes tipos de cri-
Uso crônico ses e síndromes epilépticos, entre os BZDs, CNZ
O uso crônico de CNZ na epilepsia tem sido é incluído como alternativa potencialmente efi-
exaustivamente investigado e, embora rara- caz em monoterapia, para crises focais de início
mente utilizado com FAE único, é muito usado recente, enquanto CLB é listado para tratamento
como adjuvante no tratamento de crises focais, em crianças23. De acordo com os parâmetros atu-

104
Benzodiazepínicos

ais, não há evidências para uso de BZDs como ao tratamento profilático com fenobarbital ou
fármacos de primeira linha em crises generaliza- valproato, já que apresenta menos efeitos adver-
das, fato esse que pode ser relacionado à história sos25. MDL intranasal ou bucal e CNZ são outras
do desenvolvimento dos FAEs. Os parâmetros opções atualmente utilizadas26.
atuais requerem a demonstração de evidências
em ensaios clínicos com desenhos específicos, e Anticoncepção, gravidez e lactação
fármacos como os BZDs, por terem sido intro- Os BZDs não interagem com contracepti-
duzidos há décadas, não despertam significativo vos hormonais por não serem indutores de en-
interesse para essa modalidade de estudos. Há zimas hepáticas, não promovendo redução em
um lugar para CLB como terapia adjuvante ao sua eficácia20,27.
fármaco de primeira linha inicialmente selecio- Durante a gestação, não se aconselha trocar a
nado17. Essa consideração inclui explicitamente medicação, especialmente durante as primeiras
algumas síndromes especiais, como a síndrome semanas da gravidez28. No entanto, se é uma ges-
de Dravet, a epilepsia benigna com pontas cen- tação planejada, os BZDs (CNZ, CLB) podem re-
trotemporais, a síndrome de Panayiotopoulos e presentar uma opção, já que não acarretam risco
a epilepsia occipital de início tardio na infância de malformações fetais maiores. No entanto, há
(tipo Gastaut). Para pacientes com epilepsias ge- alguns relatos de malformações menores, como
neralizadas idiopáticas, CLB e CNZ são conside- fenda palatina29. É ainda importante considerar
rados alternativas de terceira linha, uma vez que que os BZDs atravessam a barreira placentária,
os fármacos eleitos são administrados em mono- sendo detectados nos recém-nascidos de mães
terapia e em associação, falhando por ineficácia que ingeriram BZD durante a gestação30. Em es-
ou pouca tolerabilidade17. Segundo a experiência tudos em mulheres expostas a doses elevadas de
das autoras, o controle satisfatório de crises tô- BZD, especialmente no terceiro trimestre, veri-
nico-clônicas generalizadas e mioclônicas não é ficou-se que os recém-natos podiam apresentar
infrequente em pacientes com epilepsia mioclô- síntomas associados a BZDs, como sedação, hipo-
nica juvenil tratados em monoterapia com CNZ, tonía, sucção débil e apneias31.
quando fármacos de primeira linha como valpro-
Por outro lado, BZDs podem ser utilizados
ato ou topiramato não são tolerados e/ou não há
pela mãe durante a lactação, uma vez que a secre-
acesso à levetiracetam.
ção destes no leite materno é muito pequena, não
A interrupcão da terapêutica com qualquer sendo necessário suspender a amamentação31,32.
BZD, após consumo crônico, deve ser sempre
lenta e gradual, realizada ao longo de seis meses
(dependendo da dose previamente utilizada), Vírus de imunodeficiência adquirida
para evitar crises de retirada e/ou sintomas de Aos pacientes com o vírus da imunodeficiên-
abstinência17. cia adquirida, não se recomenda utilizar fárma-
cos indutores enzimáticos, pois podem promover
perda da eficácia da terapia antiviral. Embora não
Situações especiais
existam trabalhos que avaliem as prováveis in-
Crises febris terações entre BZDs e fármacos antiretrovirais,
O tratamento profilático de crises febris sim- nem exista recomendação específica a esse respei-
ples ou complexas é alvo de discussão24. No caso to, os dados disponíveis garantem o uso de BZDs
de indicá-lo, a solução retal de DZP de forma nesses casos, sem necessidade aparente de ajuste
intermitente é o fármaco eleito, sendo preferível de doses33,34.

105
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

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107
Parte 3

Explorando os princípios farmacocinéticos e farmacodinâmicos


9. O desenvolvimento de novas estruturas moleculares
Maria Elisa Calcagnotto
Luiz Eugênio Araújo de Moraes Mello

Os fármacos antiepilépticos desenvolvidas a partir de modificações


moleculares de compostos com reconhecida eficácia
10. Oxcarbazepina
Marilisa Mantovani Guerreiro
Carlos Alberto Mantovani Guerreiro
O desenvolvimento de novas
9 estruturas moleculares
Maria Elisa Calcagnotto
Professora Adjunta do Departamento de Bioquímica da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Rio Grande do Sul, Brasil.
Luiz Eugênio Araujo de Moraes Mello
Professor Titular de Neurofisiologia, Departamento de Fisiologia da Escola Paulista de Medicina da
Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Excetuada a condição de estado de mal epi- ca, sem que necessariamente haja a concomitan-
léptico, as crises epilépticas são fenômenos tran- te expressão clínica de uma crise, pressupõe que,
sitórios, autolimitados, com duração de dezenas naquele instante, a hipersincronização está sendo
de segundos. Assim sendo, uma vez desencade- impedida de alguma forma. Que mecanismos
ada, a crise epiléptica tem, em geral, um término impedem a transição interictal/ictal? São estes os
“espontâneo”. Quais os mecanismos responsáveis mesmos envolvidos com o término das crises?
pelo fim de uma crise epiléptica? Quais neuro- Finalmente, uma terceira e última questão
transmissores, moduladores, receptores e popu- diz respeito à gênese da própria condição epi-
lações neuronais estão envolvidos? De que forma léptica. Os fármacos disponíveis para tratar epi-
esses sistemas podem ser ativados de maneira lepsias recebem, aqui e no exterior, o errôneo
controlada, visando a suprimir as crises? nome de fármacos antiepilépticos (FAEs). De
Outra questão igualmente relevante diz res- fato, todos os medicamentos considerados antie-
peito à periodicidade das crises. Mesmo em indi- pilépticos são apenas anticríticos, isto é, capazes
víduos nos quais as crises se repetem várias vezes de suprimir as crises epilépticas, mas não a epi-
ao dia, o total de tempo em crise, ou seja, o perío- lepsia. Um termo mais aceitável seria “fármacos
do ictal, é muito menor que o total de tempo fora anticonvulsivantes”, mas este excluiria aquelas
das ou entre as crises, o período interictal. Assim, medicações usadas em crises não convulsivas
o tecido hiperexcitável, excetuada a condição de (por exemplo, crises de ausência, crises focais).
estado de mal epiléptico, é incapaz de gerar uma De qualquer forma, independentemente do me-
crise de maneira ininterrupta. A hipótese mais lhor termo para designar as medicações dispo-
provável sugere que a atividade neuronal hipe- níveis para tratar as epilepsias, o fato é que não
rexcitável anormal seja continuamente suprimida verdadeiramente FAEs. Por questão semântica,
em sua expressão clínica. Quando essa supressão neste texto será usado o termo FAEs. Novamente
é insuficiente, ocorrem as crises. Essa alternati- se colocam as questões de quais os fatores e me-
va torna-se mais óbvia quando se considera que canismos implicados entre a ocorrência de um
em vários pacientes com epilepsia é possível de- evento lesivo ao sistema nervoso central (SNC) e
monstrar eletroencefalograficamente a presença o surgimento de uma condição epiléptica algum
permanente de uma área irritativa com atividade tempo mais tarde. Parece evidente que ocorrem
paroxística. A presença dessa atividade paroxísti- alterações estruturais e/ou funcionais no sistema

111
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

nervoso que o transformam em gerador de cri- Essas duas estratégias também se caracteri-
ses. Quais são as alterações relevantes? Há meios zam como mecanismo-independente e mecanis-
de suprimi-las? O sistema nervoso já alterado mo-dependente, respectivamente. No primeiro
(epiléptico) pode ser revertido a uma situação caso, a investigação de um novo fármaco como
fisiológica? anticonvulsivante em um modelo experimental
A pesquisa de novas estruturas moleculares de epilepsia pode ter sua eficácia detectada, muito
para o tratamento das epilepsias depende de qual embora seu mecanismo de ação possa ainda ser
das questões anteriores se pretende abordar. Os desconhecido ou múltiplo3. Na situação do teste
aspectos levantados são evidentemente correlatos, de novos compostos em um sítio específico, esses
mas não necessariamente envolvem as mesmas compostos só avançam para a etapa seguinte de
substâncias químicas e/ou conjuntos de estrutu- testes caso demonstrem eficácia no teste especí-
ras cerebrais. Dessa forma, sua abordagem deve e fico. Um exemplo seria o teste de um composto
vem sendo feita de maneira separada. Por último, quanto à sua capacidade em bloquear um subtipo
nunca é demais lembrar que se trata das epilepsias específico de canal de sódio dependente de volta-
(no plural) devido aos diversos substratos neuro- gem. Caso esse composto não demonstrasse esse
biológicos e múltiplas etiologias. Assim, para cada potencial (bloquear o subtipo de canal de sódio),
tipo ou conjunto de manifestações epilépticas, há a etapa seguinte (teste em modelos animais de
um conjunto específico de medicações mais efeti- epilepsia) não seria executada.
vas e adequadas. Com esse enfoque, muito utilizado pela indús-
Estudos recentes a respeito das bases molecu- tria farmacêutica atualmente, teria sido difícil de-
lares e dos aspectos neurobiológicos das epilep- tectar a fenitoína (capítulo 5). Tanto a lamotrigina
sias questionam se o processo de epileptogênese (capítulo 11) como a zonisamida e o riluzol foram
pode ser prevenido ou pelo menos modificado. inicialmente descobertos por meio de testes em
Ou ainda se os efeitos prejudiciais das crises epi- modelos experimentais de epilepsia em animais
lépticas sobre o SNC podem ser aliviados. Dados de laboratório, para só mais tarde terem seu me-
experimentais indicam que a atenuação da gravi- canismo de ação ligado ao bloqueio dos canais de
dade dos insultos iniciais associados às crises em sódio dependentes de voltagem. De fato, a expe-
razão do uso de FAEs melhora o prognóstico por riência acumulada até o momento deixa bem cla-
reduzir a epileptogênese. Os alvos terapêuticos ro que a potência de uma molécula em bloquear
devem estar disponíveis para prevenir as crises canais de sódio dependentes de voltagem não tem
recorrentes ou retardar seu início, ou, ainda, mo- relação direta com a atividade anticonvulsivante.
dificar a frequência, duração e severidade das cri- Assim, talvez a maneira com que a fenitoína inte-
ses epilépticas1. Embora não exista um FAE ideal rage com os canais de sódio dependentes de volta-
que atue e modifique as cascatas moleculares en- gem parece ser mais importante que a intensidade
volvidas na epileptogênese, há novos alvos tera- (potência) dessa interação. De maneira resumida:
pêuticos sendo descobertos2. O desenvolvimento como ao invés de quanto.
de novos fármacos com potencial antiepiléptico Outro aspecto que parece extremamente rele-
vem seguindo duas vertentes principais: o uso de vante é a questão de mecanismos únicos em con-
modelos experimentais de epilepsia em animais traposição a mecanismos múltiplos de ação3. Em
de laboratório e a síntese de novos compostos ca- teoria, um fármaco com um único mecanismo
pazes de interagir com sítios moleculares ou ce- de ação teria máxima atividade terapêutica e um
lulares com potencial de influenciar a geração de mínimo de efeitos colaterais adversos. Na prática,
crises. quase todos os fármacos disponíveis para o trata-

112
O desenvolvimento de novas estruturas moleculares

mento das epilepsias têm uma ação em múltiplos Pontos de atuação


sistemas. Algumas dessas ações são inteiramente
O conjunto das funções do sistema nervoso
inesperadas, e dada a multiplicidade de possíveis
resulta de um balanço entre inibição e excitação.
sítios de interação, talvez jamais sejam reconhe-
Quando fisiológicas, as alterações nesse equilí-
cidas na sua totalidade. Um ótimo exemplo dessa
brio dinâmico podem resultar em mudanças na
situação é a demonstração de uma ação da oxcar-
pressão arterial, secreção hormonal ou emissão
bazepina (capítulo 10) sobre um subtipo específi-
de comportamentos. Desequilíbrios patológicos
co de receptor nicotínico presente em uma forma
permanentes ou transitórios entre inibição e ex-
familiar de epilepsia. O aspecto da toxicidade tem
citação podem resultar em crises epilépticas. Ao
relação direta com o da eficácia. A baixa afinidade
contrário de patologias de sistemas específicos
de um fármaco por um dado sistema pode resul-
como a doença de Parkinson, na qual há lesão da
tar em baixa eficácia dependente daquele sistema,
via nigroestriatal, as epilepsias podem resultar de
mas também em baixa ou nenhuma toxicidade.
distúrbios em sistemas anatômica e farmacologi-
Por outro lado, o somatório da eficácia em vários
camente diversos. No entanto, considerando que
sistemas pode ser suficiente para um grande efeito
a base da neurotransmissão excitatória é gluta-
anticonvulsivante, ao passo que os efeitos tóxicos
matérgica (70% das sinapses do SNC) e a base da
que ocorrem em baixa intensidade em sistemas
neurotransmissão inibitória é GABAérgica (15%
variados e independentes podem não se somar
das sinapses do SNC), torna-se óbvia a definição
nem representar um problema de fato. FAEs efi-
dos sistemas para intervenção terapêutica. Na
cientes parecem depender de mecanismos de
verdade, esse enfoque exclui ainda dois outros al-
ação múltiplos e não únicos3,4.
vos prioritários do armamentário disponível e em
Muito embora os argumentos anteriormente
estudo: os canais de sódio dependentes de volta-
mencionados estejam em sua maioria indicando
gem e os canais de cálcio do tipo T dependentes
um melhor resultado dos estudos de novos fár-
de voltagem. Esses canais iônicos são determi-
macos baseados em modelos experimentais em
nantes na geração de potenciais de ação em geral
animais de laboratório, o enfoque pautado em
ou de populações neuronais específicas, como no
mecanismos de ação específicos pode ser adap-
tálamo. Finalmente, as mais recentes caracteriza-
tado e usado em conjunto com aquele. Assim,
ções de neuromoduladores da neurotransmissão
em vez de as novas estratégicas serem usadas de
central trouxeram outros atores para o cenário:
maneira excludente em relação às antigas técnicas
neurotrofinas, neuropeptídeos, inibidores da neu-
de investigação de novos medicamentos contra as
rotransmissão e de vias de sinalização6,7.
crises epilépticas, a prática produziu seu uso com-
plementar. A seu favor, novas técnicas com baixos
custo e potencial de permitir a avaliação mais ba- Neurotrofinas, adenosina e NPY -
rata e rápida de milhares de compostos têm sido
desenvolvidas. Em essência, esses testes consti-
Anticonvulsivantes endógenos?
tuem uma análise do efeito de novos compostos Sabe-se que os níveis proteicos de neurotrofi-
em organismos simples, como em Drosophila, C. nas aumentam após uma crise epiléptica, refletin-
elegans, zebrafish e, ainda, em Xenopus (embriões do talvez uma proteção endógena contra o dano
de sapo). Esses modelos tornam-se importantes neuronal induzido pela neurotoxicidade, preve-
para screening de medicamentos não só para o nindo, portanto, a epileptogênese8. O uso exóge-
tratamento das epilepsias, mas também para di- no e contínuo (não agudo) de fator neurotrófico
versas outras terapias5. derivado da gila (GDNF), fator neurotrófico de-

113
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

rivado do cérebro (BDNF) e neurotrofina 3 (NT- Agonistas seletivos de subtipos específicos desse
3) mostrou retardar o desenvolvimento de crises receptor estão sendo testados como antiarrítmi-
em modelo de kindling em roedores. Parece que cos, anticonvulsivantes, neuro e cardioprotetores
essas neurotrofinas previnem a cascata de even- via receptor A1, como hipotensores e antipsicóti-
tos neurobiológicos que podem contribuir para a cos via receptores A2, e, finalmente, como anti-in-
recorrência de crises espontâneas. Uma série de flamatórios via receptor A3. Como um poderoso
estudos usando vetores virais para injeção local anticonvulsivante endógeno, o efeito inibitório
de fator de crescimento de fibroblasto 2 (FGF-2) da adenosina é principalmente mediado via os
e BDNF em hipocampo de modelos animais de receptores A1, os quais inibem profundamente a
epilepsia, como pilocarpina em roedores, reduziu transmissão glutamatérgica. Estudos experimen-
a incidência de crises epilépticas espontâneas9. Tal tais mostram que a administração intra-hipocam-
fato pode ser atribuído à redução do dano celular pal de adenosina reduz a frequência das crises
e do brotamento de fibras musgosas, ao aumen- espontâneas em animais epilépticos e a ativação
to da neurogênese e à supressão da inflamação10. seletiva de receptores A1 em camundongos com
Além disso, terapia gênica com neurotrofinas tem epilepsia refratária pode bloquear as crises epi-
mostrado um efeito antiepiléptico importante so- lépticas11. Além disso, os níveis extracelulares de
bre as crises agudas, como supressão de crises ge- adenosina durante as crises em epilepsia do lobo
neralizadas induzidas por ácido caínico e kindling temporal (ELT) em humanos parecem ser iguais
em ratos com superexpressão de GDNF no hipo- aos níveis que suprimem as crises nos modelos
campo. Entretanto, múltiplos mecanismos podem animais in vivo12. No momento, não há nenhum
estar evolvidos e mais estudos serão necessários desses compostos em fase clínica de testes como
para elucidar as bases moleculares desses efeitos6. anticonvulsivante. Os aspectos que dificultam o
Por sua vez, há alguns anos, a adenosina vem avanço nesse sentido são principalmente as ações
sendo implicada em diversos efeitos anticonvul- dos antagonistas sobre o sistema cardiovascular,
sivantes. As primeiras observações conduzindo termorregulação e sedação. Por outro lado, estra-
para o potencial anticonvulsivante das purinas re- tégias de terapia gênica com adenosina estão em
sultou da constatação do efeito convulsivante da desenvolvimento, como estudos de silenciamento
cafeína e da teofilina, antagonistas purinérgicos da adenosina kinase (responsável pela degradação
que, em altas doses, podem até produzir estado da adenosina) mostrando abolir completamente
de mal epiléptico e óbito no ser humano. Mais as crises espontâneas em camundongos epilépti-
tarde se demonstrou o efeito anticonvulsivante de cos. Essa ideia surgiu da observação do aumento
substâncias que aumentam a síntese, impedem a da expressão de adenosina kinase tanto em mo-
degradação ou mimetizam a ação da adenosina delos experimentais como em humanos com ELT
sobre seus receptores. Um dos resultados mais com astrogliose e disfunção astrocitária13. Estra-
instigantes no sentido de sugerir uma ação como tégias de inibidores de recaptação, inibidores de
anticonvulsivante endógeno deriva tanto de mo- degradação e facilitadores de liberação de adeno-
delos experimentais quanto de pacientes com epi- sina parecem ter uma melhor perspectiva como
lepsia, nos quais há elevação dos níveis cerebrais anticonvulsivantes.
de adenosina logo após uma crise epiléptica. Há evidências também em favor de uma ação
Tanto a bioquímica como a anatomia e fisio- do NPY como anticonvulsivante endógeno. Sua
logia dos sistemas purinérgicos encefálicos têm capacidade em controlar a hiperexcitabilidade
avançado rapidamente. Existem quatro subtipos neuronal, sem afetar a atividade neuronal basal, é
conhecidos do receptor: A1, A2A, A2B e A3. uma de suas características mais marcantes. Além

114
O desenvolvimento de novas estruturas moleculares

de seu efeito supressor da atividade epiléptica in- da mTOR reduzem as crises em modelos experi-
duzida experimentalmente, NPY é, a exemplo da mentais e em pacientes com epilepsia associada à
adenosina, endogenamente liberado em diversos esclerose tuberosa, síndrome de West relacionada
modelos experimentais de epilepsia. à hipóxia neonatal, ELT por trauma e ausência19.
Várias das funções fisiológicas mediadas pelo Pesquisas futuras são necessárias para estabelecer
sistema do NPY já foram, pelo menos em parte, a efetividade dos inibidores da mTOR como estra-
caracterizadas: regulação da ingestão alimentar tégia terapêutica para epilepsia.
e de parâmetros cardiovasculares e ação sobre
memória e aprendizagem, ritmo circadiano e
ansiedade. Estudos experimentais em roedores Ácido gama-aminobutírico e
sugerem que NPY e seus receptores podem en- glutamato - Objetos de ação dos
contrar-se alterados em formas patológicas de
obesidade, depressão e também em epilepsia,
anticonvulsivantes exógenos
como em camundongos nocaute para o gene A síntese de novos compostos capazes de in-
NPY, que apresentam crises espontâneas e au- teragir com sítios moleculares ou celulares espe-
mento de susceptibilidade à indução de crises, e cíficos pressupõe que o início, a propagação ou
animais trangênicos com superexpressão de NPY, a supressão das crises dependa de mecanismos
que exibem baixa suscetibilidade às crises14. Ob- específicos. De fato, o desenvolvimento de novas
servou-se incremento da expressão dos níveis de terapias farmacológicas para o tratamento das
NPY nos interneurônios, nas células granulares epilepsias tem sido impulsionado por uma me-
do giro denteado e nas fibras musgosas tanto em lhor compreensão dos mecanismos básicos dessa
pacientes como em modelos animais com ELT re- doença. Esse enfoque tem sido dirigido principal-
fratária15. Vários estudos têm indicado que NPY mente ao desenvolvimento de medicamentos que
pode ser um importante inibidor endógeno de aumentem a inibição mediada pelo ácido gama-
crises epilépticas por controlar a hiperexcitabili- -aminobutírico (GABA) ou diminuam a atividade
dade via decréscimo de liberação de glutamato16. excitatória do sistema glutamatérgico. O desen-
Muitos trabalhos experimentais têm sido feitos volvimento da vigabatrina (capítulo 12), da ga-
utilizando terapia gênica com NPY em modelos bapentina (capítulo 14) e da tiagabina representa
animais, com resultados promissores mostrando o sucesso da estratégia enfocando o sistema GA-
ação antiepiléptica através dos receptores Y217, BAérgico. A grande ebulição da última década no
que, no hipocampo, coíbem a liberação pré-sináp- âmbito dos aminoácidos excitatórios ainda não
tica de glutamato via inibição dos canais de Ca2+ gerou diretamente nenhum composto antiepi-
dependentes de voltagem18. Estudos com terapia léptico de relevância clínica por meio de estudos
gênica com esses compostos têm avançado muito baseados em mecanismos de ação. Ainda assim, o
e podem ser uma nova estratégia terapêutica. felbamato, que foi originalmente descoberto com
base em estudos com modelos animais de epilep-
sia, tem seu mecanismo de ação dependente, pelo
Via de sinalização celular - Novos menos em parte, de um bloqueio da neurotrans-
alvos intracelulares? missão glutamatérgica excitatória.
Vias de sinalização celular como a da prote- Um fator relevante e que começa agora a ser
ína-alvo da rapamicina em mamíferos (mTOR) estudado mais detalhadamente diz respeito à
têm emergido como um possível alvo terapêuti- possibilidade de o “cérebro epiléptico” apresentar
co. Estudos preliminares sugerem que inibidores sensibilidades específicas aos fármacos. A melhor

115
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

caracterização das subunidades que compõem os agudas, assim como o desenvolvimento de epi-
receptores GABAérgicos e glutamatérgicos nos lepsia afeta a resposta aos FAEs. Manipulação do
tecidos cerebrais epiléptico e não epiléptico tem padrão de expressão das subunidades do receptor
indicado alterações que não se restringem a um ou novos mecanismos alvos de ação em recep-
funcionamento alterado, mas também incluem tores alterados podem ser uma nova ferramenta
uma composição física alterada. Um dos princi- terapêutica para epilepsia20. Uma estratégia para
pais receptores para o GABA, por exemplo, o re- aumentar a inibição que vem sendo estudada
ceptor GABAA, é composto de seis diferentes su- como alvo terapêutico é o transplante de células
bunidades: α, β, γ, δ, θ e ρ. O receptor GABAA fetais ou embrionárias precursoras GABAérgicas.
padrão seria constituído por duas subunidades Em modelos animais, o transplante dessas células
a, duas subunidades b e uma subunidade g. No que se diferenciam em neurônios GABAérgicos
entanto, in vitro, combinações estequiometrica- funcionais e possuem a capacidade de aumentar
mente diferentes dessas subunidades também se a transmissão sináptica inibitória sobre as células
revelaram funcionais. Além disso, a existência de piramidais endógenas21-23 tem mostrado dimi-
diferentes formas de cada subunidade (por exem- nuição da suscetibilidade às crises epilépticas22 e
plo, a1, a2, a3, a4, a5, a6 e a7) permite que diminuição de crises espontâneas21. De qualquer
diferentes áreas cerebrais em diversos momentos forma, muitos aspectos devem ser resolvidos e
do desenvolvimento tenham diferentes combina- bem entendidos antes de a terapia celular ser apli-
ções de receptores. Estudos recentes em modelos cada na prática clínica.
experimentais de epilepsia e em material obtido Na tentativa de diminuir a excitabilidade glu-
por ressecção cirúrgica de pacientes com epilep- tamatérgica, deu-se ênfase ao desenvolvimento
sia refratária ao tratamento têm demonstrado de antagonistas do receptor glutamatérgico com
que os receptores existentes nesses neurônios são afinidade preferencial pelo N-metil-D-aspartato
diferentes daqueles encontrados em material con- (NMDA), como o felbamato, que é antagonista
trole. A decorrência natural desse achado é que da subunidade GluN1R1, além de ser bloqueador
pode haver diferenças farmacológicas significati- de canais de Na+ dependentes de voltagem e tam-
vas entre um receptor 2a1, b1, b2, g4, que é ca- bém inibir a neurotransmissão glutamatérgica via
racterístico de um dado neurônio em um animal receptores de AMPA/cainato24 e ter algum efeito
não epiléptico, e um receptor a1, a2, b1, b2, g4, sobre os receptores GABAA. Entretanto, seu uso
presente em um mesmo tipo neuronal, mas de um na prática clínica é limitado devido à aplasia de
animal epiléptico. medula e a problemas hepáticos. O topiramato é
Muitos FAEs que atuam sobre o receptor outro FAE que, entre outros mecanismos de ação,
GABAA agem em sítios distintos determinados age também bloqueando os receptores de AMPA/
pela composição de subunidades do receptor. cainato. Entretanto, seus múltiplos mecanismos
Por exemplo, para benzodiazepínicos, barbitúri- (atuação nos canais dependentes de voltagem de
cos e loreclezol, esta é a principal ou única ação Ca++, Na+, K+, receptores GABAA e AMPA/caina-
antiepiléptica. Já para topitamato, felbamato, to) fizeram-no ser utilizado para tratar outras pa-
retigabina, losigamona e estiripentol, a modula- tologias que não epilepsia, como dor neuropática,
ção do receptor GABAA é apenas um dos mui- enxaqueca, distúrbio bipolar, estresse pós-trau-
tos mecanismos de ação antiepiléptica. Outros mático e obesidade. Em recente publicação, outro
FAEs regulam a síntese, transporte e recaptação composto com ação antiepiléptica e antagonista
de GABA. Além disso, alterações de subunidades não competitivo dos receptores AMPA foi des-
do receptor GABAA ocorrem durante as crises crito (perampanel) e aprovado para tratar crises

116
O desenvolvimento de novas estruturas moleculares

focais com ou sem generalização. Entretanto, esse bloquear canais de sódio não está diretamente rela-
composto pode provocar sedação, ataxia, depres- cionada à sua eficácia como antiepiléptico. Tanto o
são e agressividade25. Há estudos em curso com fenobarbital (capítulo 4) como a fenitoína (capítulo
antagonistas não competitivos dos receptores glu- 5), a carbamazepina (capítulo 6), o valproato (ca-
tamatérgicos, porém até o momento não existe pítulo 7), a lamotrigina (capítulo 11), o topiramato
FAE que atue via receptores metabotrópicos de (capítulo 13), a zonisamida, o felbamato, a remace-
glutamato (mGluR)26. mida, a lacosamida e a rufinamida são capazes de
Paralelamente à busca de inibidores de re- suprimir as correntes de sódio de uma forma de-
ceptores de glutamato, a pesquisa de compostos pendente de voltagem e de uso. Isso significa que
capazes de inibir a liberação de glutamato pode quanto mais um neurônio é despolarizado e mais
se revelar frutífera. De fato, é possível que tanto potenciais de ação ele dispara, maior é a efetividade
a fenitoína (capítulo 5) como a lamotrigina (ca- do fármaco em suprimir essa descarga repetitiva.
pítulo 11) tenham suas ações antiepilépticas em Em teoria, esse mecanismo deveria produzir al-
parte explicadas por esse mecanismo. Comparada guns dos melhores anticonvulsivantes possíveis. Na
à pesquisa de FAEs feita no sistema GABAérgico, prática, quando se comparam as moléculas de fe-
a pesquisa no sistema glutamatérgico está apenas nobarbital, fenitoína, carbamazepina e lamotrigina,
começando. Assim, praticamente todos os enfo- a diferença que se vê entre as estruturas químicas
ques já aplicados àquele sistema _ manipulação da reflete a dificuldade em enfocar racionalmente esse
síntese, da liberação, da interação com o receptor, mecanismo. Ainda dificultando a geração e manu-
da recaptação e da degradação _ são passíveis de tenção do potencial de ação, alguns FAEs, como a
consideração nesse sistema. No entanto, nunca retigabina, o fazem abrindo os canais de potássio,
é demais lembrar que 70% das sinapses no SNC causando hiperolarizaçao da membrana neuronal27.
são glutamatérgicas. Assim, parece difícil acredi- A alternativa ao bloqueio dos potenciais de
tar que o potencial de toxicidade já existente nos ação excessivos é impedir sua sincronização,
fármacos que alteram o sistema GABAérgico não quando esta resulta anômala. No caso das cri-
se repita no sistema glutamatérgico. Por outro lado ses do tipo ausência, o uso de etossuximida e
e como visto anteriormente, o enfoque sobre sis- dimetadiona é efetivo por bloquear correntes
temas alterados (diferente composição de subu- de cálcio do tipo T. Nesse caso, a sincronização
nidades dos receptores), característicos do tecido gerada nos circuitos talamocorticais depende de
epiléptico e (talvez) inexistentes no tecido cerebral potenciais inibitórios que se manifestam de ma-
normal, pode aqui também representar uma op- neira simultânea em vários neurônios talâmicos.
ção viável na descoberta de novos medicamentos. Ao término dessa inibição, uma corrente de cál-
cio do tipo T dependente de voltagem é ativada
com a deflagração de um ou mais potenciais de
Bloqueio de canais de sódio e cálcio
ação28. Como a inibição se manifesta de maneira
explica tudo? simultânea em vários neurônios, assim também
Nenhum outro dos possíveis sítios de ação de a deflagração desses potenciais de ação “rebote”
anticonvulsivantes deixa mais clara a peculiaridade ocorre em alta sincronicidade. Ao bloquear os ca-
do que se busca em um FAE em termos de ativida- nais iônicos associados a esse fenômeno, os FAEs
de em um sítio específico. Muitos FAEs têm como interferem diretamente na gênese das crises. No
principal alvo de ação os canais dependentes de vol- entanto, diversos outros agentes agem de manei-
tagem neuronais. Conforme foi abordado no iní- ra igualmente eficaz sobre as crises de ausência
cio deste capítulo, a potência de um composto em através do receptor GABAA e em modelos expe-

117
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

rimentais através do receptor GABAB29. A etossu- Considerações finais


ximida tem a capacidade de inibir parcialmente
De fato, não há FAEs capazes de prevenir ou
os canais de cálcio do tipo T em concentrações
curar a epilepsia. A busca de um composto com
terapêuticas e, portanto, reduzir a hiperexcitabi-
essas propriedades está em processo de constante
lidade dos neurônios tálamo relacionada a crises
de ausência. Sabe-se também que seu metabólito estudo. Com novos modelos animais experimen-
metilfenilsuximida, mas não seu análogo inativo, tais, o screening de FAEs pode ser beneficiado,
produz inibição de correntes de cálcio tipo T em permitindo avaliar novos compostos em larga
neurônios talâmicos. Corroborando esses resulta- escala. A lição básica derivada das pesquisas re-
dos, demonstrou-se que ambos os compostos são alizadas até o momento é que os medicamentos
capazes de inibir os canais de cálcio tipo T huma- anticonvulsivantes mais efetivos parecem, por
no (que são dependentes de voltagem) expressos um lado, ter baixa afinidade e/ou baixa potência
em células HEK293, enquanto compostos afins de ação e, por outro lado, mecanismos de ação
sem ação anticonvulsivante são ineficazes30. múltiplos. Embora não exista um FAE ideal que
Além do bloqueio da geração de potencais de interfira nas rotas moleculares que contribuem
ação e da sincronizaçao, os FAEs podem atuar blo- para a epileptogênese, novos alvos terapêuticos
queando canais iônicos dependentes de voltagem estão sendo descobertos com o estudo de neu-
com consequente diminuição da liberação de neu- rotrofinas, dos sistemas purinérgico (adenosina)
rotransmissores. Exemplifica esse caso a pregabali- e peptidérgico (NPY), de inibidores de caspases,
na, que atua ligando-se à subunidade a 2d dos canais de agentes anti-inflamatórios, além de terapias
de cálcio tipo P/Q, modulando o tráfego desses ca- gênica e celular e fármacos dirigidos a vias de si-
nais e reduzindo o influxo de cálcio pré-sináptico31. nalização e liberação de neurotransmissores.

A
Tecido epiléptico em período interictal Tecido epiléptico em período ictal

C B
3 2

Tecido nervoso normal


Figura 1. As três condições básicas do sistema nervoso, em termos esquemáticos e do ponto de vista das epilepsias,
encontram-se aqui representadas. Os fármacos antiepilépticos atualmente disponíveis atuam impedindo a passagem A. Os
medicamentos efetivos sobre o estado de mal epiléptico atuam na passagem 1 e, em algumas situações, também na passagem
2. A passagem 3 ou o bloqueio da passagem C após um evento lesivo representaria a ação genuinamente antiepiléptica.

118
O desenvolvimento de novas estruturas moleculares

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119
Oxcarbazepina
10 Grandes diferenças após pequena
alteração molecular
Marilisa Mantovani Guerreiro
Professora Titular de Neurologia Infantil do Departamento de Neurologia da Faculdade de
Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.
Carlos Alberto Mantovani Guerreiro
Professor Titular de Neurologia do Departamento de Neurologia Familiar da Faculdade de
Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.

Oxcarbazepina (OXC) (10,11-di-hidro-10-o- rapidamente metabolizado no derivado mono-hi-


xo-carbamazepina) é um cetoanálogo da car- dróxido (DMH) que, na verdade, é o elemento
bamazepina (CBZ), sendo quimicamente seme- ativo. Por ser uma substância lipofílica, DMH é
lhante a esta, porém com um caminho metabólico amplamente distribuído pelo corpo e facilmente
diferente (Figura 1). A OXC é um pró-fármaco ultrapassa a barreira hematoliquórica.

Oxcarbazepina Carbamazepina

Figura 1. Metabolismo da oxcarbazepina e carbamazepina.

121
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Mecanismos de ação DMH têm pouca ou nenhuma capacidade de atu-


ar nas enzimas do sistema do citocromo P-450
CBZ e OXC (e seus metabólitos ativos, epóxi-
(CYP1A2, CYP2A6, CYP2C9, CYP2D6, CYP2E1,
do-CBZ e DMH) compartilham muitos mecanis-
CYP4A9 e CYP4A11), com exceção de CYP2C19.
mos de ação de fámacos antiepilépticos (FAEs).
Assim, interações podem ocorrer quando doses
A atividade farmacológica da OXC é prima-
elevadas de OXC são coadministradas com FAEs
riamente exercida pelo metabólito DMH.
metabolizados por CYP2C19, como fenobarbital
Em laboratório, a OXC mostrou-se eficaz con- (PB) e PHT. Além disso, OXC e DMH induzem
tra as crises induzidas por eletrochoque, mas foi um subgrupo da família do citocromo P-450 3A
relativamente fraca contra aquelas induzidas por (CYP3A4 e CYP3A5), responsável pela metaboli-
estricnina e picrotoxina. A OXC agiu semelhante- zação do antagonista de cálcio di-hidroxipiridina
mente à CBZ contra as crises induzidas por pen- e de contraceptivos orais.
tilenotetrazol. Mais de 96% do DMH é excretado pelos rins,
Seu mecanismo de ação é provavelmente se- havendo, portanto, pouca utilização do sistema
melhante ao da CBZ e fenitoína (PHT). Não se microssomal hepático P-450. Isso faz que a OXC
demonstrou atuação nos sistemas de neurotrans- não produza indução de outros medicamentos,
missores ou em receptores. As propriedades an- como anticoagulantes, imunossupressores, antibi-
tiepilépticas da OXC e do DMH provavelmente óticos, gastroprotetores, analgésicos, antidepres-
se baseiam no bloqueio dos canais de sódio de- sivos e vasodilatadores. Substâncias endógenas
pendentes de voltagem, assim resultando em es- como hormônios sexuais e tireoidianos que têm
tabilização de membranas neurais hiperexcitadas, seus níveis afetados por FAEs indutores não são
inibição de descargas neuronais repetitivas e di- afetadas pela utilização de OXC.
minuição da propagação de impulsos sinápticos. Por outro lado, DMH induz a metabolização
Além disso, aumento da condutância de potás- de estrógenos e progestágenos, componentes dos
sio e modulação de canais de cálcio ativados por anticoncepcionais orais, o que implica utilizar
voltagem elevada podem contribuir para o efeito pílulas anticoncepcionais com maior teor de es-
antiepiléptico1 (Tabela I). Há diferenças sutis nos trógenos (mínimo de 50 µg), como em mulheres
mecanismos de ação da CBZ e da OXC. Por exem- que utilizam FAEs convencionais. Como DMH é
plo, DMH bloqueia canais de cálcio tipo N, en- excretado pelos rins, não há formação de epóxido,
quanto CBZ, canais tipo L2. o qual é responsável por alguns dos efeitos adver-
sos da CBZ.
Tabela 1. Mecanismos de ação da oxcarbazepina3
A farmacocinética é favorável (Tabela 2). A ab-
• Bloqueia os canais de Na dependentes de
+ sorção de OXC é rápida e quase completa (95%),
voltagem não mudando muito com a alimentação. DMH
• Inibe as correntes de Ca++ ativadas por voltagem apresenta cinética linear, o que facilita o manuseio
clínico. A ligação proteica está por volta de 40%,
• Antagoniza a atividade induzida por canais de K+
ao contrário da CBZ, que apresenta ligação protei-
ca na ordem de 70% a 90%. Como já comentado,
apresenta baixo perfil de interação medicamento-
Farmacocinética sa. A meia-vida de eliminação plasmática oscila
Estudos in vitro e in vivo demonstraram que em torno de oito a dez horas e parece manter-se
OXC apresenta baixo potencial para interagir com estável durante o uso continuado do medicamen-
fármacos. Os resultados mostraram que OXC e to. No tratamento crônico, há evidências de que

122
Oxcarbazepina

DMH pode apresentar meia-vida de até 20 horas focais e generalizadas tônico-clônicas. A eficácia é
com flutuações plasmáticas discretas, o que per- semelhante à da CBZ, mas apresenta melhor per-
mite a recomendação de duas doses ao dia. fil de tolerabilidade4.
Vários ensaios multicêntricos foram realizados
Tabela 2. Farmacocinética da oxcarbazepina3
para demonstrar a eficácia da OXC em monote-
• Absorção Uma a duas horas rapia. O primeiro estudo controlado com placebo
• Ligação proteica 40% foi realizado em 102 pacientes (11 a 62 anos) com
• Meia-vida do composto ativo De 10 a 12 horas crises refratárias, que tinham sido avaliados para ci-
• Indução enzimática Fraca rurgia de epilepsia. Os pacientes estavam sem FAEs
• Eliminação Cinética de e tinham de duas a dez crises parciais 48 horas an-
primeira ordem tes da randomização. Inicialmente, a dose foi titu-
lada a 1.500 mg/dia (dia 1) e 2.400 mg/dia depois.
A eficácia foi estatisticamente significante em favor
Eficácia da OXC em relação ao placebo. A primeira medida
A eficácia da OXC foi comprovada por inúmeros para avaliar a eficácia foi o tempo para sair do estu-
estudos tanto em politerapia quanto em monoterapia, do. A segunda medida de eficácia foi a porcentagem
além de ensaios clínicos pré-cirúrgicos (Tabela 3). de pacientes em cada subgrupo. Assim, 13 pacientes
Tabela 3. Ensaios clínicos multicêntricos3 (25%) do grupo da OXC ficaram livres de crises em
comparação a um (2%) do grupo placebo.
Monoterapia Conclusão
Um segundo ensaio controlado com placebo
OXC x placebo OXC mais eficaz que placebo foi realizado em 67 pacientes não tratados (8 a 69
(dois estudos)
anos), com epilepsia recém-diagnosticada e crises
OXC x CBZ OXC = CBZ focais. A medida da eficácia foi o tempo decorri-
OXC 2.400 mg/d x 2.400 mg mais eficazes que do até a primeira crise e também a frequência de
OXC 300 mg/d 300 mg crises focais nos 28 dias do estudo. Ambos foram
OXC x PHT OXC mais bem tolerada significativos a favor da OXC.
(adultos) que PHT Outro ensaio em monoterapia foi conduzido
OXC x PHT OXC mais bem tolerada em 143 pacientes com crises refratárias (12 a 65
(crianças e que PHT anos) que recebiam monoterapia com CBZ em
adolescentes)
doses estáveis de 800 a 1.600 mg/dia. Depois que
OXC x CBZ OXC mais bem tolerada os pacientes foram convertidos a 2.400 mg/dia de
que CBZ
OXC e mantidos por 56 dias, foram randomiza-
OXC x VPA OXC = VPA dos a 300 mg ou 2.400 mg/dia de OXC. A medida
• Politerapia da eficácia (tempo para atingir um dos critérios de
(dois estudos) saída) foi significativa a favor do grupo de pacien-
FAE + OXC x FAE OXC mais eficaz que placebo tes com a dose de OXC 2.400 mg/dia. Outro estu-
+ placebo do de substituição foi conduzido em 87 pacientes
VPA: valproato de sódio. com crises refratárias (11 a 66 anos) que ingeriam
um ou dois FAEs, randomizados para uma das
duas doses de OXC e convertidos para esses es-
Monoterapia quemas terapêuticos em seis semanas, de modo
A maioria dos estudos mostrou que OXC é duplo-cego. A medida de eficácia (porcentagem
eficaz em monoterapia para pacientes com crises de pacientes que obedeceu aos critérios de saída)

123
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

foi significantemente menor para o grupo de pa- De modo geral, portanto, a OXC apresenta efi-
cientes com OXC 2.400 mg/dia (14/34; 41,2%) do cácia semelhante à da CBZ, porém tende a ser mais
que com OXC 300 mg/dia (42/45; 93,3%). A se- bem tolerada. Sua utilidade é maior no tratamento
gunda variável de eficácia (tempo para sair) tam- de crises focais e secundariamente generalizadas.
bém foi a favor do grupo de OXC 2.400 mg/dia.
Além desses quatro, outros ensaios controla-
dos e duplo-cegos compararam OXC com FAEs Tolerabilidade
tradicionais: VPA5 e PHT em adultos6, crianças Os principais eventos adversos associados à
e adolescentes7 com epilepsias recém-diagnosti- OXC se relacionam a efeitos no sistema nervoso
cadas, além de CBZ em adultos recém-diagnos- central (SNC), sintomas gastrointestinais e rea-
ticados ou não tratados. OXC mostrou eficácia ções idiossincrásicas4-6. Os efeitos adversos mais
semelhante à desses agentes de primeira linha comuns são sonolência, cefaleia, tontura, diplo-
com melhor tolerabilidade e maior permanência pia, fadiga, náusea, vômitos, ataxia, alteração vi-
no estudo do que PHT. sual, dor abdominal, tremor, dispepsia, alteração
da marcha e rash cutâneo (Figura 2).
Politerapia Em monoterapia, a OXC foi comparada à CBZ e
A eficácia da OXC em terapia adjuntiva para os resultados confirmaram que não há diferença es-
crises focais foi estabelecida em dois ensaios mul- tatisticamente significante entre ambas em termos
ticêntricos, randomizados, duplo-cegos e contro- de eficácia, havendo, em alguns trabalhos, diferença
lados com placebo: um com 692 pacientes (15 a a favor da OXC quanto à melhor tolerabilidade.
66 anos) e outro com 264 pacientes (3 a 17 anos). Comparações com PHT permitiram chegar
Os sujeitos faziam uso de dois ou três FAEs, além a conclusões semelhantes, isto é, não houve dife-
de OXC ou placebo. Em ambos os ensaios, os pa- rença em eficácia quando os dois medicamentos
cientes estavam com doses estáveis e otimizadas foram comparados, porém a OXC mostrou-se su-
de seus FAEs por oito semanas na fase basal e ti- perior à PHT, causando menor número de efeitos
nham pelo menos oito crises parciais (mínimo de adversos. Tais efeitos foram observados tanto em
uma a quatro por mês), incluindo crises simples, adultos quanto em crianças e adolescentes6,7. Um
complexas e focais que evoluíram para crises se- estudo comparativo com VPA não evidenciou di-
cundariamente generalizadas. Os pacientes rece- ferença significativa em eficácia ou tolerabilidade5.
beram OXC inicialmente na dose de 8 a 10 mg/kg Efeitos sistêmicos são raros, a não ser hiponatre-
(600 mg/dia em adultos), tendo sido aumentada mia (sódio sérico menor que 135 mEq/l, sendo cli-
no período de duas semanas até chegar à desejada nicamente importante quando se encontra inferior
ou ocorrer intolerabilidade. Os sujeitos entraram, a 125 mEq/l). Sabe-se que a hiponatremia é idade e
então, no período de manutenção por 16 a 28 se- dose-dependente, ocorrendo mais em idosos e em
manas. No ensaio com adultos, os pacientes rece- pacientes com doses elevadas, e raramente levan-
beram doses fixas de 600, 1.200 e 2.400 mg/dia. do à suspensão do tratamento8. A titulação rápida
No ensaio pediátrico, as crianças receberam dose também parece favorecer a hiponatremia. Sintomas
de manutenção de 30 a 46 mg/kg/dia. A porcen- agudos de hiponatremia incluem cefaleia, náusea,
tagem de mudança na frequência de crises focais vômitos, tremores, delírio, crises e postura em des-
em 28 dias, na fase duplo-cega, foi comparada cerebração, enquanto sintomas crônicos incluem
com a fase basal, mostrando-se a favor da OXC anorexia, cãimbras, distúrbios comportamentais e
em ambos os estudos. de marcha, estupor, náusea e vômitos3.

124
Oxcarbazepina

Figura 2. Oxcarbazepina: efeitos adversos. Politerapia: colunas escuras; monoterapia: colunas claras.

Não se verificou esse efeito adverso em es- cardiograma (ECG)3. O efeito teratogênico da
tudos com crianças e adolescentes. Hiponatre- OXC é desconhecido. Malformações maiores em
mia não tem sido atribuído à síndrome da se- filhos de mães com epilepsia foram associadas ao
creção inadequada de hormônio antidiurético. uso de OXC10.
Possíveis mecanismos incluem um efeito direto OXC não parece afetar a cognição em volun-
da OXC nos túbulos coletores renais e aumento tários saudáveis nem em adultos com epilepsia
de sua responsividade ao hormônio antidiuré- recém-diagnosticada.
tico circulante. Tanto a OXC quanto a CBZ podem agravar as
Reação cutânea de hipersensibilidade pode crises epilépticas em crianças11.
ocorrer também em menor número de casos
quando se compara OXC com CBZ. Ao redor
de 75% dos pacientes que apresentam reações Uso clínico
de hipersensibilidade à CBZ não as manifesta-
OXC é indicada para uso em monoterapia ou
rão com OXC9.
em associação no tratamento das epilepsias fo-
cais e generalizadas tônico-clônicas em adultos
Outros potenciais efeitos adversos e crianças de 4 a 16 anos e como tratamento em
Apesar dos ensaios clínicos não referirem, os associação em crianças de 2 a 16 anos de idade.
autores têm observado pacientes com ganho de OXC é disponível em tabletes de 300 mg e 600 mg
peso, que o revertem com a suspensão da medi- para administração oral. OXC também se encon-
cação. OXC em monoterapia ou em combinação tra em suspensão oral de 300 mg/5 ml (60 mg/
não tem efeito na pressão arterial nem no eletro- ml)3, podendo ser ingerida com ou sem alimen-

125
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

tos. Em 2013, uma forma de liberação lenta foi (ILAE) para tratamento inicial das epilepsias fo-
lançada nos Estados Unidos. cais recém diagnosticadas, em crianças, a OXC
Em adultos, monoterapia com OXC pode ser foi considerado o fármaco mais eficaz ou efetivo
iniciada com dose de 300 a 600 mg/dia. Aumen- quando comparado com as demais13.
tos a intervalos semanais são aconselháveis, desde As vantagens e desvantagens da OXC estão lis-
que o início seja gradual, pois minimiza os efeitos tadas na tabela 4.
adversos. Em casos de crises frequentes, o inter-
valo pode ser encurtado a cada dois dias. A dose Tabela 4. Oxcarbazepina
recomendada em monoterapia é de 600 a 1.200
Vantagens Desvantagens
mg/dia, dividida em duas tomadas. A dosagem
de OXC varia de 600 a 3.000 mg/dia. Pode-se ini- • Muito eficaz Hiponatremia
ciar tratamento em associação com 600 mg/dia,
administrado em duas tomadas. A dosagem reco- • Toxicidade limitada Custo
mendada em associação é de 1.200 mg ou mais se • Escalonamento rápido
necessário. Em ensaios controlados, a maioria dos da dose
pacientes não tolerou dose de 2.400 mg/dia3.
• Pode ser tolerada por
Em crianças, o tratamento deveria ser inicia- pacientes que tiveram
do na dose de 8 a 10 mg/kg, geralmente não ex- hipersensibilidade à CBZ
cedendo 600 mg/dia, sendo a dose diária dividida
em duas tomadas. A dosagem-alvo de manuten- • Sem indução
enzimática*, inclusive
ção deve ser entre 30 e 50 mg/kg/dia, dependen- autoindução.
do do peso do paciente (900 mg/dia para 20 a 29
* Exceto contraceptivo oral.
kg; 1.200 mg/dia para 29,1 a 39 kg; 1.800 mg/dia
para mais de 39 kg). Para pacientes com menos
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para pacientes idosos12.
-blind controlled clinical trial: oxcarbazepine ver-
De acordo com a revisão baseada em evi- sus sodium valproate in adults with newly diagno-
dência da Liga Internacional contra a Epilepsia sed epilepsy. Epilepsy Res. 1997;26(3):451-60.

126
Oxcarbazepina

6. Bill P, Vigonius U, Pohlmann H, et al. A double- 10. Pennell PB. Using current evidence in selecting
-blind controlled clinical trial of oxcarbazepine antiepileptic drugs for use during pregnancy. Epi-
versus phenytoin in adults with previously untrea- lepsy Curr. 2005;5(2):45-51.
ted epilepsy. Epilepsy Res. 1997;27:195-204. 11. Vendrame M, Khurana DS, Cruz M, et al. Aggra-
7. Guerreiro M, Vigonius U, Pohlmann H, et al. A vation of seizures and/or EEG features in children
double-blind controlled clinical trial of oxcarba- treated with oxcarbazepine monotherapy. Epilep-
sia. 2007;48(11):2116-20.
zepine versus phenytoin in children and adoles-
12. Krämer G. Oxcarbazepine: adverse effects. In:
cents with epilepsy. Epilepsy Res. 1997;27:205-13.
Levy RH, Mattson RH, Meldrum BS, et al. (eds.).
8. Fisher R. Newer antiepileptic drugs. In: Wyllie E (ed.).
Antiepileptic drugs. 5. ed. Filadélfia: Lippincott
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ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1997. p. 920-30.
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antiepilépticas. In: Costa JC, Palmini A, Yacubian drug efficacy and effectiveness as initial monothe-
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das epilepsias. São Paulo: Lemos, 1998. p. 747-61. sia 2013. 54(3):551-63.

127
Parte 4

Os fármacos antiepilépticos com novas estruturas moleculares


11. Lamotrigina. A ação extendida de um bloqueador de canais
Maria Luiza Giraldes de Manreza
12. Vigabatrina. Potencialização gabaérgica mediante inibição enzimática irreversível
Patricia Saidón
Silvia Kochen
José Luiz Dias Gherpelli
13. Topiramato. Os múltiplos mecanismos de ação de um derivado sulfamato
Maria Luiza G. de Manreza
14. Gabapentina. Uma molécula não metabolizada
Luiz Henrique Martins Castro
Guilca Contreras-Caicedos
15. Pregabalina. Sucedendo a gabapentina com maior eficácia em crises parciais
Valentín Sainz Costa
16. Lacosamida. Um bloqueador de canal de sódio com perfil farmacocinético próximo ao ideal
Luis Carlos Mayor
17. Levetiracetam. O perfil farmacocinético próximo ao ideal em um fármaco de amplo espectro
Loreto Ríos-Pohl
Lamotrigina
11 A ação extendida de um bloqueador
de canais
Maria Luiza G. de Manreza
Assistente Doutora da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Por muito tempo se acreditou que o uso crônico Mecanismos de ação


da fenitoína (PHT), fenobarbital (PB) e primidona
Estudos em animais mostram que LTG pre-
(PRM) determinava alterações no metabolismo
vine crises epilépticas desencadeadas pelo eletro-
do folato, podendo causar anemia megaloblásti-
choque máximo e as induzidas por pentilenotetra-
ca. Reynolds et al.1 levantaram a hipótese de que a
zol, com potência semelhante à da carbamazepina
ação antiepiléptica desses fármacos antiepilépticos
(CBZ) e da PHT, sugerindo eficácia em crises tanto
(FAEs) se devia às suas propriedades antifolato, primária quanto secundariamente generalizadas; é
fato corroborado na época com a descoberta, em eficaz nas descargas eletrográficas induzidas eletri-
estudos animais, de que o folato era uma substân- camente, mostrando ação tanto em crises parciais
cia convulsivante. A lamotrigina (LTG) foi sinteti- simples como em complexas; no modelo kindling,
zada em 1970, durante uma pesquisa das proprie- que é um modelo de crises parciais complexas, di-
dades anticonvulsivantes dos inibidores do folato, minui significativamente o número de descargas;
tendo sido testada clinicamente nos Estados Uni- em modelos experimentais de crises de ausência,
dos em 1985 e aprovada em 19942,3. tem resposta variável, mostrando-se eficaz em al-
guns e ineficaz em outros2,3.
Estrutura química Desses estudos, observa-se que LTG tem am-
A LTG, (3,5-diamino-6-(2,3-diclorofenil)-1,2,4- plo espectro, levando a supor que possui vários
triazina) (Figura 1) é um derivado da triazina, qui- mecanismos de ação. Sabe-se que bloqueia canais
micamente não relacionado com os FAEs existentes3. de sódio dependentes de voltagem, estabilizando
a membrana pré-sináptica, bloqueando as descar-
gas repetitivas e prevenindo a liberação de ami-
noácidos excitatórios, em particular do aspartato
e glutamato2. Acredita-se que essa ação desempe-
nhada nos canais de sódio seja um pouco dife-
rente daquela observada com PHT e CBZ. Assim,
no modelo induzido por veratrina, a PHT inibe
igualmente a liberação de glutamato e de ácido
gama-aminobutírico (GABA), enquanto LTG é
duas vezes mais efetiva em bloquear a liberação
Figura 1. Estrutura molecular da lamotrigina. de glutamato.

131
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Tem-se mencionado que a LTG requer des- A molécula não é metabolizada no sistema
polarização prolongada para inibir as correntes microssomal P450 hepático, mas sim por glicu-
de sódio. Em resposta à despolarização da mem- ronidação, sendo apenas uma pequena fração
brana, os canais de sódio são inativados em duas metabolizada por oxidação e metilação2,3. Assim,
fases: uma rápida e uma lenta. A LTG facilita se- LTG não determina indução ou inibição enzimá-
letivamente a inativação rápida dos canais de só- tica, apresentando apenas pequena autoindução,
dio. Nakataniet al.4 acreditam que LTG inibe mais sem significado clínico, no início do tratamento.
especificamente a região Nav1.4 Na+ e modifica a LTG não tem metabólitos ativos. Seu principal
cinética do estado inativo. metabólito é o 2-N- glucuronídeo, um conjugado
Além desses mecanismos, outros têm sido inativo, que é excretado pelos rins. Apenas uma
aventados. Assim, é possível que LTG tenha algu- pequena fração de LTG (aproximadamente 5%) é
ma ação sobre os receptores NMDA. Para explicar eliminada inalterada pela urina.
sua ação nas crises de ausência, tem-se sugerido a Dependendo da gravidade, patologias hepáti-
ação da LTG nos canais de cálcio ou por analogia cas podem influenciar a farmacocinética da LTG,
aos efeitos GABAérgicos dos benzodiazepínicos, determinam redução da dose de 50% a 70%. Por
nos quais desempenharia ação seletiva regional no outro lado, doença renal crônica não determina
bloqueio dos canais de sódio, de modo a agir tam- alterações significativas na depuração de LTG.
bém nos neurônios do sistema tálamo-cortical. A meia-vida da LTG é de 24 a 41 horas, sendo
24 horas em monoterapia, 15 horas quando asso-
Farmacocinética ciada a fármacos indutores do metabolismo he-
LTG é bem absorvida por via oral com bio- pático e 60 horas quando associada a inibidores.
disponibilidade de aproximadamente 98% em vo- Em crianças, LTG apresenta meia-vida discre-
luntários sadios. A presença de alimentos no estô- tamente menor. Além disso, estudos recentes su-
mago não altera significantemente sua absorção2,3. gerem que crianças menores (18 meses a 5 anos)
Alcança pico de concentração em tempo re- a eliminam mais rapidamente do que as maiores
lativamente pequeno, em uma a três horas após (5 a 10 anos). Já a velocidade de absorção após
a ingestão, não sendo esse período afetado pela ingestão oral parece semelhante à do adulto. Do
dose. Entre 50 e 400 mg, observa-se reação linear ponto de vista prático, esses dados mostram que
entre dose e concentração. LTG apresenta um se- as crianças necessitam receber maior número de
gundo pico plasmático de absorção, tanto por via tomadas ao dia.
oral como por via intravenosa, em razão, prova- Em mulheres grávidas, é mencionado aumen-
velmente, da absorção intestinal. to da depuração de LTG, em cerca de 50%, que
LTG de liberação prolongada tem um reves- reverte imediatamente após o parto6. Portanto, o
timento que leva à dissolução entérica e um pe- nível de LTG deve ser monitorado antes e depois
queno poro que determina a liberação gradual da gravidez.
do fármaco em 12 a 15 horas, chamado sistema Ainda em mulheres, observa-se que a depu-
DiffCore. Estudos de farmacocinética em pessoas ração de LTG varia com a idade, dependendo do
com epilepsia demonstram que o uso de uma dose nível hormonal. Estudos sugerem que pode haver
de LTG de liberação prolongada é bioequivalente uma queda transitória da depuração de LTG na pe-
a duas ingestas de LTG de liberação imediata5. rimenopausa ou na pós-menopausa precoce possi-
No plasma, LTG apresenta ligação proteica de velmente relacionada à queda nos níveis de estrogê-
50% e volume de distribuição de 0,9 a 1,3 l/kg. nio7. Por outro lado, em mulheres com mais de 55

132
Lamotrigina

anos, na pós-menopausa, há aumento da depura- dose. Efeito semelhante é observado em relação à


ção de LTG, apesar dos níveis baixos de estrogênio oxcarbazepina2,3.
e progesterona. Acredita-se que esse fato pode ser Por outro lado, outros FAEs influenciam bas-
explicado, pelo menos em parte, pelo aumento do tante o metabolismo da LTG. Fármacos indutores
uso de terapia de reposição hormonal, mas segura- enzimáticos reduzem sua meia-vida em cerca de
mente outros mecanismos ainda desconhecidos de- 50%. Esse efeito deve ser lembrado tanto na intro-
vem estar envolvidos. De qualquer modo, de acordo dução como na retirada de fármacos indutores em
com essas observações, mulheres que ingerem LTG politerapia com LTG. Estudos de farmacocinética
podem precisar ajustar a dose para evitar efeitos mostram aumento no nível sérico da LTG quando
adversos no período perimenopausa, bem como o da retirada do indutor associado. Anderson et al.11
agravamento das crises na pós-menopausa8. notaram que esse incremento foi mais significati-
Em idosos, a depuração de LTG é mais bai- vo quando o agente indutor foi retirado totalmen-
xa em até 37%, observando-se aumento do pico te e não durante a fase de diminuição da dose.
de concentração e da meia-vida. Tal fato significa Por sua vez, FAEs inibidores enzimáticos au-
que nessa faixa etária podem ser empregadas do- mentam a meia-vida de LTG. VPA prolonga a
ses mais baixas de LTG para obter concentração meia-vida de LTG provavelmente por inibir a
equivalente à de um adulto mais jovem2,3. glicuronidação hepática, que é sua maior via de
Estudos sugerem que LTG atravessa fácil e rapi- eliminação. Estudos mostram que a máxima ini-
damente a placenta9 e também que está presente no bição na depuração de LTG por VPA é da ordem
leite materno em níveis clinicamente significantes10. de 65% e essa inibição começa com doses baixas
de VPA (125 a 250mg/dia), com efeito inibidor
máximo ocorrendo com dose de VPA de 500mg/
Interação medicamentosa dia12. Na prática, em razão dessas interações, ob-
Em razão de suas características farmaco- servam-se efeitos adversos em politerapia. O sur-
cinéticas, como baixa ligação proteica e ausência gimento de acentuado tremor em pacientes em
de metabolização no sistema enzimático P450, uso de VPA que passam a receber LTG tem sido
não induzindo nem inibindo o metabolismo en- atribuído à interação farmacodinâmica entre es-
zimático hepático, a LTG tem pouca interação ses dois medicamentos. Essa interação é difícil de
medicamentosa. ser entendida, já que teoricamente a LTG reduz os
níveis de VPA. Os estudos clínicos de pacientes
que apresentaram tremor quando utilizaram LTG
Com outros fármacos antiepilépticos e VPA são contraditórios: alguns referem que es-
A LTG não altera significantemente os níveis tavam em uso de altas doses da LTG e o tremor
de outros FAEs. Tem sido referida apenas dis- desapareceu com a diminuição dessa dose, en-
creta diminuição (25%) dos níveis de valproato quanto outros referem melhora com a redução
(VPA), duas semanas após a introdução de LTG. da dose de VPA. De modo semelhante, Burneo et
Aventa-se ainda a possibilidade de que LTG pos- al.13 observaram sinais de neurotoxicidade sob a
sa aumentar os níveis do epóxido da CBZ, já que forma de estado de mal de ausência em três adul-
sabidamente não eleva os níveis de CBZ, e sinto- tos em tratamento com LTG quando se associou
mas de toxicidade, como cefaleia, náusea, tontu- VPA, inicialmente por via intravenosa e depois
ra, diplopia e ataxia, são frequentemente referidos por via oral. Os autores puderam demonstrar que
quando da administraçãode LTG a pacientes em nessa ocasião o nível de LTG estava substancial-
uso de CBZ, desaparecendo com a redução da mente elevado quando comparado ao inicial.

133
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Com outros fármacos modelo de eletrochoque máximo, a acetona, molé-


cula cetônica com propriedades anticonvulsivan-
LTG praticamente não interfere em outros fár-
tes que se encontra aumentada durante a adminis-
macos. Assim, não diminui os níveis de hormô-
tração da dieta cetogênica, potencializa os efeitos
nios como os de contraceptivos orais ou de outros
benéficos de VPA, CBZ, LTG e PB19.
compostos lipossolúveis como o varfarina2,3. LTG
foi recomendada pelo Instituto Nacional de Saúde
e Excelência Clínica do Reino Unido como FAE Uso clínico
ideal para as meninas em idade fértil, por não Pesquisas clínicas realizadas por diferentes
reduzir a eficácia dos contraceptivos orais, cau- autores entre 1986 e 1991 mostraram que LTG
sar distúrbios menstruais nem ganho de peso14. reduzia as descargas interictais em pacientes com
Como consequência, observou-se um aumento epilepsia refratária, limitava a fotossensibilidade
proporcional da prescrição de LTG a adolescentes em pacientes fotossensíveis e diminuía a frequên-
do sexo feminino15. cia de complexos de espícula-onda em pacientes
Mas se LTG não modifica as medicações a ela com crises de ausência. A partir disso, surgiram
associadas, estas aumentam a depuração de LTG vários trabalhos de LTG como fármaco adjuvante,
em até 80%, tanto fármacos indutores como ini- nos vários tipos de crises, em epilepsias de difí-
bidores enzimáticos16. Por um mecanismo desco- cil controle. McKee e Brodie3 reviram dez dessas
nhecido, acetaminofeno parece acelerar o meta- publicações, e em nove, LTG apresentou-se eficaz,
bolismo de LTG. Anticoncepcionais hormonais reduzindo a frequência das crises em 17% a 59%
também alteram a concentração de LTG. Em re- dos pacientes em comparação ao grupo placebo.
visão da literatura, Gaffield et al.17observaram que O único estudo em que a LTG não foi estatistica-
a concentração de LTG diminuiu de 30% a 80% mente eficaz foi realizado em pacientes institucio-
na associação com anticoncepcionais hormonais nalizados com epilepsia muito grave.
combinados, determinando, em algumas pacien- Compreende-se, assim, o crescimento do uso
tes, a recorrência de crises antes controladas, bem de LTG. Comparando as prescrições de FAEs pela
como efeitos adversos quando o anticoncepcional primeira vez em 2000 e 2001 com as de 2009 e
foi suspenso. Por outro lado, Reimers et al.18, ao 2010, observam-se diminuição significativa na
compararem as concentrações de LTG em mulhe- proporção de CBZ e PHT e aumento significativo
res em uso de contraceptivos não hormonais com na proporção de LTG e levetiracetam prescritos.
aquelas que estavam ingerindo contraceptivos Pickrell et al.20 acreditam que o incremento do
com etinilestradiol e contraceptivos com proges- uso de LTG reflete sua melhor tolerabilidade com
togênio, concluíram que é o componente etiniles- eficácia semelhante quando comparado com CBZ
tradiol dos contraceptivos orais que interage com em pacientes com crises focais. 
LTG. Nesse estudo, os contraceptivos contendo
LTG foi aprovada como terapia de adição a
apenas progestogênio não alteraram as concen-
pessoas com mais de dois anos de idade para cri-
trações de LTG. De qualquer modo, em pacientes
ses focais, tônico-clônicas primariamente gene-
em uso de LTG e anticoncepcionais hormonais,
ralizadas e crises generalizadas da síndrome de
deve-se avaliar o nível sérico de LTG.
Lennox-Gastaut e para conversão em monoterapia
para maiores de 16 anos de idade com crises focais
Com outras terapias refratárias a CBZ, PHT, PRM ou VPA. Na práti-
As interações de FAEs com tratamentos dietéti- ca, LTG é utilizada em outros tipos de crises, bem
cos permanecem relativamente inexploradas. Em como monoterapia em epilepsia de início recente.

134
Lamotrigina

Tipos de crises aos eventos adversos de VPA em mulheres31. Na


revisão realizada por Glauser et al.26 quanto à efi-
LTG possui amplo espectro de ação, atuando
cáciados FAEs em epilepsia de início recente em
em crises focais e generalizadas2,3,21.
adultos caracterizada por crises generalizadas, os
Sua ação em crises focais foi verificada em
autores observaram que os trabalhos analisados
estudos de adição, envolvendo um total de 457
permitiram classificar LTG como nível D, ou seja,
pacientes com epilepsia focal de difícil controle,
“potencialmente eficaz ou eficaz em monoterapia”.
observando-se redução na frequência das crises
de 50% ou mais, em mais de um quarto deles,
especialmente em doses mais elevadas22,23. Esses Na infância
estudos mostram ainda que a eficácia de LTG é Em crianças, embora o número de publica-
semelhante à de CBZ, PHT e VPA22-24. Em um ções seja menor, acredita-se que LTG apresenta
estudo prospectivo de epilepsia focal recém-diag- eficácia semelhante à observada em adultos.
nosticada, o SANAD (Standard and New Antiepi- Trabalhos mostram que cerca de 30% das
leptic Drugs), LTG em monoterapia mostrou-se crianças com crises focais e 24% a 53% das com cri-
tão efetiva como CBZ e mais bem tolerada que ses generalizadas apresentam redução de frequên-
TPM25. Em revisão da literatura para identificar a cia das crises de 50% ou mais32. Também tem sido
eficácia a longo prazo de FAEs como monoterapia referida sua ação em crises de ausência, atônicas e
inicial para pacientes com epilepsia recentemente em espasmos epilépticos32. Em revisão da literatura
diagnosticada ou tratada, Glauser et al.26 consta- sobre eficácia/efetividade dos FAEs no tratamento
taram que em relação a crises focais no adulto, os de crises de início focal em crianças, Arya e Glau-
trabalhos analisados permitiram classificar LTG ser33 verificaram que LTG em monoterapia tem, na
como nível C, ou seja, “possivelmente eficaz ou melhor das hipóteses, evidência classe III, enquan-
eficaz em monoterapia”. to, como terapia adjuvante, tem evidência classe I.
Vários autores referem a eficácia da LTG nas Quanto ao tratamento inicial de crises TCGs na in-
crises generalizadas, em especial nas crises tôni- fância, Glauser et al.26 não encontraram referências
co-clônicas generalizadas (TCGs), mas também capazes de determinar o grau de evidência da LTG
nas crises de ausência típica e atípica e nas atô- nesse tipo de crise nessa faixa etária.
nicas2,3,21. Nas crises mioclônicas, embora existam Quanto às síndromes epilépticas, observa-se
referências quanto à eficácia de LTG em mioclo- que LTG é mais comumente utilizada como se-
nias associadas à epilepsia mioclônico-atônica, à gunda opção ou como medicamento de adição
epilepsia mioclônica juvenil e à ausência mioclô- em formas refratárias.
nica, observa-se que, ocasionalmente, LTG pode Na epilepsia ausência da infância, Glauser et
não controlar ou até mesmo piorar crises mioclô- al.34, em um estudo multicêntrico americano, ob-
nicas27-30. No estudo SANAD, para tratar crises ge- servaram que em crianças com epilepsia ausência
neralizadas ou não classificadas recém-diagnosti- de início recente LTG foi menos eficaz que VPA e
cadas, VPA foi melhor que LTG, especialmente etossuximida (ESM).
nas formas generalizadas idiopáticas quanto à Na síndrome de West, há 50% de redução na
remissão em 12 meses, embora não tenha havido frequência das crises em 30% das crianças. Cian-
diferença significativa em relação ao tempo para chetti et al.35 observaram em três crianças com
ocorrer a primeira crise25. Alguns autores consi- síndrome de West sintomática eficácia rápida
deram que LTG é a medicação de escolha para com doses baixas de LTG (0,15 e 0,50 mg/kg/dia),
meninas com epilepsia mioclônica juvenil devido concluindo que esse fármaco deve ser considera-

135
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

do uma segunda ou terceira opção na terapêutica vigabatrina (VGB) e entre LTG e VPA, em pacien-
dessa síndrome, iniciando-se o tratamento com tes com epilepsia focal refratária e com crises de
doses baixas da medicação. ausência, respectivamente.
Na síndrome de Lennox-Gastaut, LTG é bem A literatura tem referido os efeitos benéficos
tolerada, determinando melhora na qualidade de da associação LTG-VPA em epilepsia refratária,
vida e diminuição na frequência das crises, espe- em especial na infância. Consta que baixas do-
cialmente nas crises tônicas, atônicas e TCGs36. ses de LTG administradas a pacientes em uso de
Na epilepsia mioclônica-atônica (síndrome de VPA são efetivas no tratamento de crises de au-
Doose), LTG seria útil em alguns subgrupos de sência típica. Thome-Souza e Valente42 avaliaram
início mais tardio, mas poderia piorar os de iní- 51 pacientes, de 4 a 16 anos de idade (31,4% com
cio precoce37. Mais recentemente, tem-se sugeri- epilepsia generalizada e 69,6% com epilepsia fo-
do que LTG pode ser um alternativa como terapia cal), e observaram que a associação foi eficaz em
adjuvante a crianças com síndrome de Doose38. 39 pacientes (76,5%) no primeiro ano de segui-
Na epilepsia mioclônica severa da infância mento e em 36 (70,6%) no segundo ano, com re-
(síndrome de Dravet), LTG está contraindicada dução nas crises de queda em 22 (88,5%). Os efei-
por determinar piora não apenas das crises mio- tos adversos incluíram rash, tendo levado quatro
clônicas, mas também das crises convulsivas29,30. pacientes a interromper o tratamento (7,8%). As
Na síndrome de Landau-Kleffner, Buchanan39 autoras observaram ainda que a introdução mais
referiu melhora das crises de ausência em até 70%, lenta de LTG minimiza os efeitos adversos, me-
em um menino de quatro anos de idade, em que lhorando a qualidade de vida e adesão ao trata-
utilizou LTG 3,5 mg/kg/dia em monoterapia. mento, e a eficácia terapêutica se mantém com
doses mais baixas de LTG, mesmo após o primei-
ro ano de tratamento.
Em idosos Em modelos experimentais, a associação de
Estudos demonstram que LTG é uma medi- LTG e oxcarbazepina ou CBZ determinou pior
cação eficaz e bem tolerada por pessoas com epi- controle das crises do que seria previsto, sugerin-
lepsia com 65 anos de idade ou mais40. Na revisão do que esses dois agentes podem não ser clinica-
realizada por Glauser et al.26 quanto à eficácia dos mente sinérgicos43. No entanto, na prática clínica,
FAEs em epilepsia com crises focais de início re- muitos referem sucesso com essa combinação.
cente em idosos, LTG apresentou nível A. No en-
tanto, segundo Jankovic e Dostic41, LTG não deve
Outras indicações
ser prescrita a pacientes idosos com anormalida-
des de condução cardíaca ou história de arritmia Outras indicações de LTG, que não a antie-
ventricular. Ainda em idosos, deve-se lembrar piléptica, têm sido pesquisadas. Estudos experi-
que a depuração de LTG pode ser elevada por mentais em ratos demonstraram a possibilidade
outras medicações, com consequente redução de de utilizar LTG em isquemia cerebral focal de-
seus níveis séricos. vido a sua capacidade de inibir aminoácidos ex-
citatórios, que atualmente são considerados um
fator importante no mecanismo de lesão celular
Politerapia nessa patologia.
A LTG é bastante utilizada como fármaco ad- LTG tem sido avaliada ainda para tratar trans-
juvante. Desse uso adveio a observação da possi- torno bipolar, abuso de cocaína, neuralgia do trigê-
bilidade de um sinergismo de ação entre LTG e meo, síndrome de SUNCT (short-lasting unilateral

136
Lamotrigina

neuralgiform headache attacks with conjunctival cientes com distúrbio bipolar, a incidência é de
injection and tearing) e analgesia pós-operatória44. 0,08% em monoterapia e de 0,13% em politerapia.
O risco de ocorrer rash com maior gravida-
Efeitos adversos de parece estar relacionado à dose inicial de LTG
muito elevada ou quando é titulada rapidamente.
Em geral, LTG é bem tolerada. As reações
A associação de VPA com LTG parece também ser
adversas mais comuns dizem respeito ao sistema
um fator de risco tanto a crianças como a adultos.
nervoso central: cefaleia, náusea e vômito, diplo-
pia, tontura e ataxia são leves, não sendo neces- A intensidade do rash é variável: pode ser leve,
sário suspensão do tratamento2,3,45. Muitos desses não necessitando interromper o tratamento; algu-
efeitos são mais frequentes em pacientes que utili- mas vezes é mais grave, acompanhado de sinais
zam a associação de LTG e CBZ. sistêmicos, como febre, mal-estar, artralgia, mial-
gia, linfoadenopatia e eosinofilia; e, finalmente,
Tremor é referido na associação com VPA42.
Sedação pode ocorrer, mas é menos frequente. em alguns pacientes, pode ocorrer síndrome de
Alterações de comportamento, como agressivida- Stevens-Johnson ou necrólise epidérmica tóxica,
de, irritabilidade, agitação, confusão, alucinação e por vezes grave, levando a óbito.
mesmo psicose, são descritas, principalmente, em A síndrome de Stevens-Johnson foi inicial-
indivíduos com distúrbios psíquicos pregressos mente referida em 1/200 ou mesmo 1/50 crian-
ou, ainda, em crianças com deficiência mental. ças, contraindicando, segundo alguns, o uso
Mudanças positivas de comportamento, como de LTG a pacientes com menos de 12 anos de
melhora da atenção, da atividade e sensação de idade. Essa incidência elevada foi referida em
bem-estar, são mais frequentemente referidas. crianças nórdicas2,3.
O rash cutâneo é o fator mais comum de des- Síndrome de DRESS [drug reaction (or rash)
continuação do fármaco. O mecanismo fisiopato- with eosinophilia and systemic symptoms], erup-
lógico é desconhecido, mas acredita-se que tenha ção cutânea medicamentosa com eosinofilia e
base genética46. Aventa-se ainda a hipótese de que sintomas sistêmicos tem sido referida esporadica-
LTG produza metabólitos ativos na pele, capazes mente com o uso de LTG. Trata-se de uma reação
de ativar o sistema imune, e a hipersensibilidade de hipersensibilidade a fármacos rara e potencial-
estaria associada à quantidade de LTG ou meta- mente fatal, caracterizada por erupção cutânea,
bólitos ativos no tecido cutâneo47. Em um modelo febre, linfadenopatia e envolvimento visceral50,51.
em roedores, pelo menos 10% da LTG foi encon- Nessa síndrome, o diagnóstico precoce é impor-
trada na pele de ratos quatro horas após uma única tante para o prognóstico.
dose intravenosa48. Na associação de LTG e VPA, Schilienger et al.52 reviram no período de 1958
acredita-se que a glicuronidação de LTG seja ini- a 1988 os casos de reação cutânea à LTG, publica-
bida, ocorrendo aumento da oxidação. No entan- dos ou não. Eles encontraram 79 referências, mas
to, até agora, não se verificou nenhum metabólito apenas 43 de síndrome de Stevens-Johnson e 14
reativo da LTG associado à erupção cutânea49. de necrólise epidérmica tóxica puderam ser ana-
A frequência e gravidade do rash variam de lisadas e comparadas, não tendo sido verificadas
acordo com a faixa etária e os fatores da doença. diferenças significativas. No grupo da síndrome
Em crianças (2 a 16 anos) em politerapia, a in- de Stevens-Johnson, a dose média de LTG era de
cidência de formas graves com hospitalização e a 50mg e havia associação com VPA em 74% dos
necessidade de interromper a medicação são de casos. No grupo de necrólise epidérmica tóxica,
0,8%, enquanto em adultos são de 0,3%. Em pa- esses números eram, respectivamente, de 87,5mg

137
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

e 64%. A idade média de início foi de 17 anos em cardíaca. Nas doses mais baixas, observaram-se
ambos os grupos. Os autores referiram ainda que, sonolência, tontura, nistagmo e ataxia. Nas doses
entre os 13 casos publicados, ocorreram dois óbi- mais elevadas, ocorreu coma, de duração variá-
tos em pacientes com necrólise epidérmica tóxi- vel, de acordo com a dose. Dois pacientes apre-
ca, sendo em um associada ao envolvimento de sentaram leve hipotermia57.
múltiplos órgãos. Além deste, envolvimento de
múltiplos órgãos ocorreu em mais um paciente e
apenas do fígado, em outro. Exacerbação de crises
Na literatura, existem relatos de falência de A piora da sintomatologia epiléptica quando
múltiplos órgãos e óbito em pacientes em uso de do uso de FAE pode decorrer de:
LTG, mas que não puderam ser atribuídos dire- _
reação adversa, que pode ser dose-relaciona-
tamente a esse fármaco, pois havia outros fatores, da ou idiossincrásica;
como septicemia e estado de mal epiléptico53. _
mecanismo farmacodinâmico, que diz respei-
A readministração de LTG é viável após to à escolha errada do FAE ou à reação paradoxal.
erupção cutânea benigna ou mesmo com algu- Embora não seja comum a exacerbação das
ma gravidade. Nesses casos, deve-se aguardar crises epilépticas em intoxicação por LTG, Guer-
quatro semanas a partir da primeira erupção e a rini et al.58 relataram a ocorrência de estado de
reintrodução deve ser mais lenta que a inicial54. mal mioclônico em uma criança com síndrome
Quando a erupção cutânea é mais grave, não há de Lennox-Gastaut quando a dose de LTG foi au-
dados confiáveis disponíveis sobre a segurança mentada de 15 para 20mg/kg/dia, que regrediu
à reexposição. após a interrupção da medicação.
Efeitos adversos menos comuns com LTG in- Quanto à escolha do FAE, tem-se demonstra-
cluem anormalidades dos movimentos oculares, do que LTG piora crises mioclônicas em pacien-
alterações comportamentais, movimentos anor- tes com epilepsia mioclônica severa da infância30.
mais, como coreia e tiques, de modo semelhante à Assim, o uso desse fármaco parece inadequado a
síndrome de Tourette55. essa síndrome.
Dados sobre as repercussões fetais de LTG De modo paradoxal, a literatura refere alguns
durante a gravidez não está bem determinado. pacientes com piora das crises epilépticas devido
LTG cruza a barreira placentária, levando a uma ao uso de LTG. Catania et al.59 descreveram o caso
concentração fetal semelhante à materna56. LTG é de uma menina de cinco anos de idade com epi-
apenas um fraco inibidor do folato, não tendo sido lepsia rolândica que apresentou deterioração cog-
descritas malformações associadas a seu uso56. nitiva e piora das crises focais após o uso de LTG.
LTG é bem tolerada na infância, especialmen- Trinka et al.60 observaram três pacientes adultos
te em relação aos distúrbios cognitivos obser- que desenvolveram estado de mal não convulsivo
vados em menos de 1% das crianças. Os efeitos com mioclonias após a substituição de VPA por
adversos mais comumente referidos, do mesmo LTG. Biraben et al.27 referiram piora das crises
modo que em adultos, são tontura, sonolência, mioclônicas em pacientes com epilepsia mioclô-
náusea, vômito e cefaleia32,45. nica juvenil que receberam LTG.
Os efeitos da superdosagem de LTG pude- Gelisse et al.61 descreveram o caso de um pa-
ram ser avaliados em pacientes que ingeriram de ciente de cinco anos com epilepsia benigna com
1.350 a 4.000 mg do fármaco. Todos sobrevive- pontas centrotemporais com mioclonias nega-
ram sem sequelas e nenhum apresentou alteração tivas proximais como o único tipo de crise que

138
Lamotrigina

sofreu agravamento importante das crises quan- IB_Com VPA _Dose inicial: 25mg em dias
do LTG (25 mg/dia) se associou a VPA (400 mg/ alternados
dia). LTG foi retirada, havendo imediata melhora _
Dose de manutenção: 100 a 200mg/dia
do quadro clínico.  
Crianças
Formas de administração IIA_Sem VPA _Dose inicial: 2mg/kg/dia
Estudos multicêntricos internacionais descre-
_
Dose de manutenção: 5mg/kg/dia
veram o uso de LTG a partir da suspensão grada-
_
Dose máxima: 15mg/kg/dia
tiva de FAEs associados. Assim, em pacientes que IIB_Com VPA _Dose inicial: 0,5mg/kg/dia
se beneficiaram com LTG, o fármaco foi mantido _
Dose de manutenção:1mg/kg/dia
em 83% deles e, como monoterapia, em 52%3. _
Dose máxima: 5mg/kg/dia
Gil-Nagel62 reviu a literatura sobre o uso de A introdução de LTG deve ser lenta a fim de
novos FAEs em epilepsias de início recente, ve- evitar efeitos adversos, em especial rash cutâneo.
rificando que LTG, no controle de crises parciais Uma regra prática consiste em iniciar o trata-
e tônico-clônicas primária ou secundariamente mento com uma dose baixa, variável de acordo
generalizadas, apresenta eficácia semelhante à com a idade e o medicamento associado, sendo
de CBZ e PHT, sendo sua tolerabilidade melhor dobrada a cada 15 dias. Atualmente, com a des-
em relação à CBZ e semelhante à da PHT, exce- crição da ocorrência da síndrome de Stevens-
to pela ocorrência de rash cutâneo, que foi mais Johnson, alguns recomendam uma introdução
frequente com LTG, provavelmente por titulação ainda mais lenta.
rápida. Quando comparada a VPA, LTG tam- LTG pode ser utilizada em duas ingestas di-
bém determinou maior tempo de manutenção árias. Alguns pacientes, especialmente crianças,
da terapia. Finalmente, LTG foi utilizada como com velocidade rápida de eliminação, necessitam
monoterapia em crianças e adolescentes com receber o fármaco em regime de três tomadas ao
epilepsia ausência, tendo demonstrando eficácia dia. Por outro lado, pacientes em uso concomi-
(62%) significativamente maior que a do placebo tante de VPA podem receber LTG apenas uma vez
(21%). Gil-Nagel62concluiu que LTG em mono- ao dia.
terapia é eficaz, bem tolerada, com poucos efei-
tos sobre a cognição, apresentando como limita-
ção a necessidade de titulação lenta, para evitar Dosagem de níveis séricos
rash cutâneo. A dosagem de LTG pode ser feita tanto no
Como se pode verificar no esquema a seguir, sangue como no líquido cefalorraquidiano. O ní-
a dose de LTG varia se prescrita em mono ou em vel terapêutico exato de LTG ainda não está bem
politerapia, porque sua meia-vida diminui quan- definido. As observações iniciais, quando do lan-
do em associação com indutores enzimáticos e çamento do fármaco, referiam que ele estaria en-
aumenta quando com inibidores, como VPA e, tre 1 e 4 mg/l, mas observou-se com o tempo que
provavelmente, felbamato. muitos pacientes necessitam de doses maiores e
toleram-nas. Estudos mais atuais têm observado
que aparentemente não há relação significante en-
Adultos tre concentração sérica de LTG e seu efeito antie-
IA_Sem VPA _Dose inicial: 25mg/dia piléptico, bem como com a ocorrência de efeitos
_
Dose de manutenção: 200 a 400mg/dia adversos.

139
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

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142
Vigabatrina
12 Potencialização gabaérgica mediante
inibição enzimática irreversível
Patricia Saidón
Sección de Epilepsia da División de Neurología do Hospital R. Mejía, Centro de Neurociencias Clínicas y Aplicadas do
Instituto de Biología Celular y Neurociencias da Facultad de Medicina da Universidad de Buenos Aires – Consejo Nacional
de Investigación Científico y Tecnológico (Conicet), Buenos Aires, Argentina
Silvia Kochen
Sección de Epilepsia da División de Neurología do Hospital R. Mejía, Centro de Neurociencias Clínicas y Aplicadas do
Instituto de Biología Celular y Neurociencias da Facultad de Medicina da Universidad de Buenos Aires – Consejo Nacional
de Investigación Científico y Tecnológico (Conicet), Buenos Aires, Argentina
José Luiz Dias Gherpelli
Livre-docente em Neurologia. Assistente do Serviço de Neurologia Infantil da Clínica Neurológica do Instituto Central do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Estrutura química presente nos neurônios e na glia e determina a de-


aminação oxidativa do GABA em semialdeído suc-
A vigabatrina (VGB) é um composto estru-
cínico. Foram identificadas várias substâncias que
turalmente análogo ao ácido gaba-aminobutíri-
inibem essa enzima, entretanto também inibem a
co (GABA), o neurotransmissor inibitório mais
síntese de GABA. A VGB apresenta ação seletiva em
importante do sistema nervoso central (SNC) de
relação à GABA-transaminase, inibindo-a. A estru-
mamíferos. Sua síntese data de 1974 e foi o pri-
tura química da VGB e do GABA é muito similar e
meiro fármaco antiepiléptico (FAE) sintetizado
tal semelhança permite a interação específica entre
com um mecanismo de ação especificamente de-
a VGB e a GABA-transaminase (Figura 1). A VGB
terminado desde o início de seu desenvolvimento.
é uma substância essencialmente inerte até que a
A enzima ácido gaba-aminobutírico alfa-oxo-
enzima GABA-transaminase promova sua transfor-
glutarato transaminase (GABA-transaminase) está
mação, liberando um grupamento químico reagente
da molécula, o qual estabelece uma ligação irrever-
sível e inativação da enzima. Como consequência, a
atividade da GABA-transaminase somente pode ser
restabelecida por meio da síntese de novo da enzima.

Mecanismos de ação
De forma irreversível, a VGB se liga à enzima
GABA-transaminase, responsável pela degrada-
ção do GABA, promovendo um aumento da con-
centração cerebral desse neurotransmissor. Esse
Figura 1. Estrutura química do GABA e da vigabatrina. aumento da concentração de GABA determina

143
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

uma maior atividade inibitória no SNC, o que, na de crises parciais, com ou sem generalização. A
prática, significa um efeito antiepiléptico. VGB não mostra a mesma eficácia no controle de
Experimentalmente, quando administrada em crises tônico-clônicas generalizadas. Após cinco
dose única, a VGB ocasiona inibição da atividade a sete anos de tratamento, estudos prospectivos
da GABA-transaminase, que é dose-dependente. O revelaram que 50% a 65% dos pacientes ainda
aumento da concentração do GABA ocorre três a se beneficiavam com o uso do fármaco2. Poucos
quatro horas após a administração e mantém-se por estudos trataram da eficácia da VGB como FAE
mais de 24 horas. Com a administração contínua, o de primeira escolha no tratamento da epilepsia
mesmo efeito é observado com doses menores. parcial em adultos. Sua eficácia foi inferior à da
carbamazepina (CBZ) quando utilizada em pa-
cientes com epilepsia parcial recém-diagnostica-
Uso clínico da, apesar de ter sido mais bem tolerada3.
Existem limitações de natureza ética e cien- _
Crianças: na infância, verificam-se as principais
tífica na avaliação de novos FAEs. Estudos ideais síndromes epilépticas refratárias ao tratamento me-
são aqueles realizados em pacientes com epilepsia dicamentoso. Os seguintes tipos de epilepsia apre-
recém-diagnosticada, em que a eficácia desses fár- sentaram resposta favorável à VGB na faixa etária pe-
macos é comparada com placebo ou outros FAEs
diátrica, em ordem decrescente de eficácia: espasmos
de eficácia comprovada. Contudo, na fase inicial de
epilépticos, especialmente os que têm como etiologia
investigação, a maioria dos estudos, tanto em adul-
esclerose tuberosa, epilepsias parciais criptogênicas
tos quanto em crianças, é realizada em pacientes
e sintomáticas, outras epilepsias generalizadas sin-
com epilepsia de difícil controle. Neles, a VGB foi
tomáticas e síndrome de Lennox-Gastaut4. As do-
utilizada como fármaco adicional à terapia vigente
ses variam entre 40 e 100 mg/kg/dia. Crianças com
em diferentes tipos de epilepsia conforme a faixa
epilepsias mioclônicas não progressivas apresentam
etária. Em adultos, foi usada em pacientes com
tendência à piora na frequência de crises mioclônicas
crises epilépticas do tipo parcial complexa, com
com a introdução de VGB, portanto o fármaco deve
ou sem generalização secundária1, enquanto em
ser utilizado com cuidado nesses casos5-8.
crianças, predominantemente em crises do tipo
misto (parciais sintomáticas, ausências atípicas, es- Pacientes com a síndrome de Lennox-Gas-
pasmos infantis, tônicas e atônicas generalizadas), taut apresentaram redução superior a 50% da
características das síndromes epilépticas refratárias frequência de crises em 45% dos casos, entre-
da infância (como a síndrome de Lennox-Gastaut), tanto pode ocorrer aumento na frequência de
e no tratamento de espasmos infantis na síndrome crises mioclônicas.
de West. As anormalidades visuais, relacionadas ao Há estudos que mostraram que a eficácia da
uso crônico do fármaco, limitaram muito sua utili- monoterapia com VGB é comparável à da CBZ em
zação de forma prolongada (vide efeitos adversos). crianças com crises parciais recém-diagnosticadas.
Adultos: a VGB é um medicamento eficaz no
_ _
Síndrome de West: atualmente, a VGB é o
tratamento de crises parciais, em doses que variam fármaco de primeira escolha nesses pacientes,
de 2 a 6 g/dia. A eficácia parece aumentar com o principalmente se a etiologia é a esclerose tubero-
incremento da dosagem, entretanto não existem sa5. A eficácia terapêutica situa-se entre 50% e 70%
muitos estudos controlados sobre o efeito desse dos casos, e naqueles secundários à esclerose tube-
FAE com doses acima de 4 g/dia. Entre 35% e 45% rosa, atinge níveis de quase 100% dos casos. VGB
dos pacientes com epilepsia de difícil controle tem se mostrado eficaz ainda na síndrome de West
apresentam redução superior a 50% na frequência associada a outras lesões estruturais do sistema

144
Vigabatrina

Fp1–F7

F7 – T3

T3 – T5

T5 – 01
Fp1 – F3

F3 – C3
C3 – P3

P3 – 01

Fp2 – F8

F8 – T4

T4 – T6

T6 – 02

Fp2 – F4

F4 – C4

C4 – P4

P4 – 02

Fz – Cz

Cz – Pz

1 seg

Figura 2. EEG de paciente de 10 meses de idade, com encefalopatia multicística da infância. Espasmos infantis há 3 dias.
Padrão hipsarrítmico.

Fp1–F7

F7 – T3

T3 – T5

T5 – 01

Fp1 – F3
F3 – C3
C3 – P3

P3 – 01

Fp2 – F8

F8 – T4

T4 – T6
T6 – 02

Fp2 – F4

F4 – C4

C4 – P4

P4 – 02

Fz – Cz

Cz – Pz

1 seg

Figura 3. EEG do mesmo paciente 12 dias após a introdução de vigabatrina na dose de 80 mg/kg/dia. Melhora do traçado.
Notam-se descargas epileptiformes em áreas posteriores do hemisfério cerebral esquerdo.

145
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Fp1–F7

F7 – T3

T3 – T5

T5 – 01

Fp1 – F3

F3 – C3

C3 – P3

P3 – 01

Fp2 – F8

F8 – T4

T4 – T6

T6 – 02

Fp2 – F4

F4 – C4

C4 – P4

P4 – 02

Fz – Cz

Cz – Pz

1 seg

Figura 4. EEG aos 11 meses de idade, obtido 30 dias após introdução de vigabatrina. Os elementos próprios do sono leve (fusos
de sono) estão presentes de forma assíncrona em regiões centrais. Traçado dentro dos limites da normalidade para a idade.

nervoso9. As doses preconizadas no tratamento ou cérebro e seu efeito biológico perdura por um
dos espasmos infantis são maiores que as habitu- período muito mais longo que o daquele em que a
ais, variando de 100 a 150 mg/kg/dia10. As figuras VGB é detectada no sangue. Consequentemente, a
2 a 4 mostram registros eletroencefalográficos de monitoração dos níveis plasmáticos da VGB é inú-
uma criança cujos espasmos foram diagnosticados til para calcular a dosagem, pois sua concentração
três dias após o início do quadro e remitiram três não se relaciona à eficácia clínica ou à ocorrência
dias após a introdução de VGB 80 mg/kg/dia. de efeitos adversos. Os níveis de VGB apresentam
grande variabilidade individual. Nas doses habitu-
almente empregadas em adultos, os níveis médios
Níveis séricos encontrados após administração crônica são de
A concentração plasmática de VGB apresenta 42 mg/ml (± 25 mg/ml). A maioria dos pacientes
relação linear com a dose do fármaco ingerida, a apresenta níveis entre 20 e 60 mg/ml. A medida das
qual alcança o cérebro facilmente. Ante seu me- concentrações plasmáticas pode ser usada para ve-
canismo de ação, ou seja, inibição irreversível da rificar a adesão à terapêutica e em pacientes idosos
GABA transaminase, não há correlação entre o ou com insuficiência renal, nos quais podem ser
efeito farmacológico e sua distribuição no sangue verificados níveis séricos muito elevados11.

146
Vigabatrina

Farmacocinética foi reconhecido em 1997, caracterizando-se por


anormalidades no campo visual e no eletrorre-
Absorção: é rápida, com picos séricos obtidos
tinograma, compatíveis com lesão de cones, de-
após duas horas da administração de doses entre 0,5
corrente de disfunção das células GABAérgicas
e 3 g. Alimentos não modificam a taxa de absorção.
da retina13,14. Como a avaliação da perda visual é
Distribuição: a VGB não se liga a proteínas
difícil em crianças, a frequência e a extensão com
plasmáticas e é bastante hidrossolúvel, portanto
que isso ocorre nessa faixa etária são limitada-
apresenta distribuição ampla nos vários tecidos
mente caracterizadas13,14.
do organismo. Entre 50% e 75% do fármaco se
encontra no espaço extravascular quando se atin- Tabela 1. Frequência dos efeitos adversos obser-
gem níveis estáveis. VGB não causa indução enzi- vados em pacientes em uso da vigabatrina
mática em nível hepático, pois não interage com
Efeito colateral %
as enzimas dependentes do citocromo P-450. Em
crianças, a biodisponibilidade do medicamento é Sonolência 10-28
um pouco menor quando comparada com a de Tonturas 10-23
adultos, tornando necessárias doses comparativa-
Fadiga 7-23
mente maiores.
Eliminação: a principal via de excreção é renal, Tremores 6-14
com vida média entre cinco e oito horas. A elimi- Anormalidades visuais (sintomáticas) 7-13
nação não é influenciada pela dose ou pelo tempo
Parestesias 7-10
de tratamento. O fármaco é eliminado de forma
pura, não sendo metabolizado no organismo12. Depressão 7-10

Ataxia 3-10

Interações medicamentosas Agitação 1,5-9

VGB não interage de forma significativa com Amnésia 4-7


outras FAEs nem outros compostos. Provavelmen-
Diarreia 3-6
te tal fato se deva ao fato de não ser metabolizada
no organismo e ser excretada na forma pura. Entre- Ganho de peso 2-6

tanto, há relatos de diminuição dos níveis séricos Confusão mental 3-5


de fenitoína (cerca de 20%) e elevação dos níveis de
CBZ em pacientes aos quais se adicionou VGB11.
No início não reconhecido15, o fármaco pro-
duz constrição concêntrica bilateral do campo
Efeitos adversos visual em porcentagem elevada de pacientes adul-
Os efeitos adversos mais frequentemente tos, que varia em gravidade de discreta a grave,
observados são sonolência, tonturas e fadiga. A incluindo a visão em túnel dentro de 10º da fixa-
tabela 1 mostra os efeitos adversos mais comuns ção visual16,17.
e sua frequência. A incidência desses efeitos au- O início da perda visual com VGB é impre-
menta na razão direta da dose, levando à retirada visível, podendo ocorrer em semanas após o iní-
do fármaco em 5% a 10% dos pacientes. cio da terapêutica ou até mais rapidamente, ou
VGB causa perda visual permanente em lac- em qualquer tempo durante o tratamento, mes-
tentes, crianças e adultos. Esse efeito adverso mo após meses ou anos. No entanto, um estudo

147
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

mostrou que o risco de perda visual aumenta com transaminase glutâmica pirúvica (TGP), o que po-
doses maiores e exposição cumulativa. Por esses derá impedir a detecção de lesão hepática, uma vez
motivos, recomenda-se que o fármaco seja uti- que os níveis desses marcadores, especialmente da
lizado na dose mais baixa e pelo menor período TGP, que o um marcador mais importante da lesão
possíveis. Deve-se descontinuar o tratamento em hepática, não mais refletem sua condição habitual.
pacientes pediátricos que não mostrarem benefí- O fármaco pode aumentar a quantidade de
cios clínicos após duas a semanas do início do tra- aminoácidos urinários, o que pode causar resul-
tamento ou tão logo o insucesso terapêutico seja tados falso-positivos para algumas doenças me-
óbvio, ou em três meses após o início18, e em adul- tabólicas genéticas raras (por exemplo, acidúria
tos com crises parciais complexas refratárias, tra- alfa-aminoadípica).
tados com VGB como tratamento adjuntivo, tão Os efeitos adversos mais comumente observa-
logo se constate insucesso terapêutico. A resposta dos relatados em dois estudos clínicos em adultos
do paciente à VGB e a necessidade de continuar com crises parciais complexas refratárias tratados
administrando esse fármaco devem ser periodica- com VGB como terapia adjuntiva com a dose re-
mente reavaliadas, pois, em alguns casos, a perda comendada de 3 g/dia (≥ 10% e pelo menos 5%
visual pode não ser reconhecida até que seja mui- maior que placebo, respectivamente) foram ton-
to significativa. Avaliação visual é imprescindível tura (24% versus 17%), fadiga (23% versus 16%),
antes de iniciar a terapia (ou não mais que quatro sonolência (22% versus 13%), tremor (15% versus
semanas após seu início), pelo menos durante três 8%), borramento visual (13% versus 5%) e artral-
meses durante a administração do fármaco e cer- gia (10% versus 3%).
ca de três a seis meses após sua descontinuação. A
Os eventos adversos mais comuns, verificados
perda visual pode continuar, a despeito da inter-
em mais de 5% de lactentes que receberam VGB
rupção do tratamento. Não obstante esses fatos,
para tratar espasmos infantis e que ocorreram em
VGB foi aprovada pela Food and Drug Adminis-
frequência superior à observada com placebo, res-
tration em 2009 com restrições quanto a seu uso e
pectivamente, em um estudo randomizado, contro-
disponibilidade apenas em um programa especial
lado com placebo de espasmos infantis com uma
de distribuição restrita12.
fase de tratamento de cinco dias duplo-cega (n = 40),
Alterações de sinal em exames de ressonância
foram sonolência (45% versus 30%), bronquite (30%
magnética do encéfalo são observadas em alguns
versus 15%) e otite média aguda (10% versus 5%).
lactentes tratados com VGB por apresentarem
espasmos infantis. Em geral, tais alterações se re-
solvem com a descontinuação do tratamento ou, Conclusões
ainda, em alguns lactentes, desaparecem a despei- VGB é o FAE de primeira escolha para trata-
to da continuação da terapêutica. mento dos espasmos epilépticos, particularmente
FAEs, incluindo VGB, podem aumentar o aqueles que têm como etiologia esclerose tubero-
risco de ideação ou comportamento suicida. Pa- sa. No tratamento deste grupo de pacientes VGB
cientes adultos devem ser cuidadosamente ob- tem sido utilizada com sucesso como tratamento
servados em relação ao surgimento ou piora de preventivo, no momento em que surgem altera-
depressão, pensamentos ou comportamentos sui- ções eletroencefalográficas, visando a prevenção
cidas e/ou qualquer alteração não usual no humor do aparecimento dos espasmos epilépticos20. VGB
ou comportamento19. pode ser utilizada no tratamento de pacientes
Ainda, a VGB pode reduzir a atividade plasmá- adultos com epilepsias focais refratárias com ava-
tica da transaminase glutâmica oxalacética (TGO) e liações oftalmológicas periódicas.

148
Vigabatrina

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149
Topiramato
13 Os múltiplos mecanismos de ação de
um derivado sulfamato
Maria Luiza G. de Manreza
Assistente Doutora da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Nas últimas décadas, após um longo intervalo, via subcutânea, eleva o limiar para crises indu-
foram comercializados vários fármacos antiepi- zidas por esse agente administrado em camun-
lépticos (FAEs) novos. O topiramato (TPM), um dongos por via endovenosa7. TPM também inibe
desses compostos, foi licenciado no Reino Unido, crises tônicas e crises semelhantes às crises de au-
em 1995, e no Brasil, em 1997. sência em ratos com epilepsia espontânea8. Esse
perfil farmacológico sugeriu a eficácia potencial
de TPM e as bases para ensaios com esse agente
Farmacologia em seres humanos para vários tipos de crises, in-
TPM é um derivado sulfamato-substituído do cluindo crises focais, tônico-clônicas generaliza-
monossacarídeo D-frutose natural que constitui, das (TCGs) e ausência.
sob o aspecto estrutural de sua molécula, um FAE
diferente de todos os demais1 (Figura 1).
Em modelos animais, TPM inibe acentuada- Mecanismos de ação
mente as crises induzidas por eletrochoque má- Os efeitos antiepilépticos do TPM podem ser
ximo em camundongos e ratos, bloqueia crises atribuídos a vários mecanismos de ação, os quais
audiogênicas em ratos e apresenta atividade anti- incluem a modulação dos canais de sódio depen-
convulsivante potente contra crises induzidas por dentes de voltagem, a potencialização de corren-
abrasamento da amígdala em animais de várias tes GABAA mediada por ação em local diferente
espécies2-6. Embora TPM não bloqueie crises in- do sítio de ação de benzodiazepínicos no receptor
duzidas por pentilenotetrazol administrado por GABAA e bloqueio do receptor de glutamato do
subtipo AMPA/cainato9-13. TPM também inibe
O CH2OSO2NH2 certas isoenzimas da anidrase carbônica, mas essa
atividade é menos acentuada que a da acetazola-
O O
mida e não parece contribuir significativamente
H3C CH3 para sua atividade antiepiléptica5,14.
O O
H3C Sob certas circunstâncias, estudos em ani-
CH3
mais mostram que TPM pode ser neuroprotetor,
Figura 1. Topiramato 2,3:4,5-bis-O-(1-metiletilideno)-a-D-
podendo desempenhar um papel importante na
frutopiranose sulfamato1. proteção e regeneração do sistema nervoso após

151
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

lesão cerebral15,16. Em seres humanos, um estudo vida é de 15 horas sem indutores enzimáticos e
preliminar usando microdiálise demonstrou que, de 7,5 horas com indutores enzimáticos. Em 18
após atravessar a barreira hematoencefálica, TPM crianças com epilepsia que receberam até 9 mg/
é capaz de diminuir os níveis elevados de gluta- kg/dia de TPM por três semanas, com idade mé-
mato após lesão cerebral traumática17. dia de 9,9 anos e peso corporal médio de 39,5 kg,
verificou-se cinética linear e o aumento nos níveis
plasmáticos estáveis de TPM foi proporcional à
Farmacocinética dose administrada23.
Adultos Em crianças com menos de quatro anos, a de-
Em seres humanos, após a administração de puração é semelhante à das crianças maiores ou
doses únicas de TPM de 100 a 1.200 mg, verifi- levemente aumentada24. Em lactentes (1 a 24 me-
cou-se que TPM é rapidamente absorvido, apre- ses), com doses de 3 a 25 mg/kg/dia, TPM apre-
sentando biodisponibilidade elevada (80% ou sentou uma farmacocinética linear e depuração
mais) e concentração de pico plasmática (Tmáx) de independente da dose. O uso de FAEs indutores
uma a quatro horas, com meia-vida de 20 a 30 ho- enzimáticos concomitantes dobrou a depuração
ras18. Na presença de indutores enzimáticos, sua de TPM25.
meia-vida é de 12 a 15 horas19.
Em um estudo de doses múltiplas, com admi- Idosos
nistrações de 50 a 200 mg/dia de TPM, constatou-
Um estudo de dose única em 16 voluntários
se que a concentração plasmática máxima (Cmáx)
com 65 a 85 anos de idade mostrou que a depura-
e os valores da área sob a curva da concentração
ção de TPM diminui cerca de 20% quando com-
plasmática em função do tempo (ASC) apresenta-
parada à de 16 voluntários adultos mais jovens26.
ram-se discretamente diminuídos quando o fár-
maco era administrado com alimentos, mas não
se observou alteração na absorção total, indicando Interação medicamentosa
que TPM pode ser administrado independente-
Adultos
mente do horário das refeições. A ligação a proteí-
Em estudos de interação medicamentosa em
nas plasmáticas é mínima (13% a 17%), não sendo
pacientes adultos, TPM não alterou significante-
um fator importante na dosagem nem na intera-
mente as concentrações plasmáticas de carbama-
ção medicamentosa19. TPM é pouco metaboliza-
zepina (CBZ), fenitoína (PTH), valproato (VPA)
do (20%), exceto quando associado a fármacos
e lamotrigina (LTG)27-29. Os pequenos acréscimos
indutores enzimáticos (50%). A metabolização
na ASC da PHT e a diminuição da ASC do VPA
hepática parece envolver hidroxilação, hidrólise
durante a administração conjunta de TPM não fo-
e glicuronidação e nenhum de seus metabólitos
ram considerados clinicamente significativos30-32.
apresenta níveis significativos (mais de 5%). Sua
eliminação é primariamente renal20. As depura- Por outro lado, na presença de FAEs induto-
ções plasmática e renal do TPM são reduzidas em res enzimáticos, as concentrações plasmáticas
pacientes com comprometimento renal21,22. de TPM apresentaram redução de 40% ou mais
comparadas às verificadas com a administração
de TPM em monoterapia, o que sugere a neces-
Crianças sidade de ajustar a dose30,32. Já FAEs inibidores
Em crianças de 4 a 17 anos, a depuração é cer- enzimáticos, como VPA, elevam as concentrações
ca de 50% mais elevada que em adultos e a meia- plasmáticas de TPM em até 17%, diferença esta

152
Topiramato

que, na maioria dos pacientes, não deve exigir o primárias em pacientes com mais de dez anos de
ajuste da dose31. idade com intolerabilidade ou refratariedade a
A depuração de digoxina foi reduzida por outros medicamentos de primeira linha, terapia
TPM em até 13%22,33, mas geralmente não é pre- adjuvante para crises focais, primariamente gene-
ciso ajustar a dose. Por outro lado, as alterações ralizadas ou crises associadas com a síndrome de
na farmacocinética da metformina sugerem a ne- Lennox-Gastaut em pacientes com mais de dois
cessidade de controle em diabéticos quando TPM anos de idade.
é associado ou mesmo retirado do esquema tera-
pêutico. Quanto à interação com contraceptivos Adultos
orais, TPM não tem efeito significativo sobre pro-
gestágeno e, em doses inferiores a 200 mg, sobre
Crises focais
etinilestradiol. Na dose de 200 mg/dia de TPM, A eficácia de TPM em adultos, com crises fo-
observou-se aumento na depuração de etinilestra- cais, foi estabelecida de forma clara em seis en-
diol somente de 11%, mas em doses mais elevadas saios multicêntricos duplo-cegos, controlados
(de 400 e 800 mg/dia), houve redução, respectiva- com placebo, realizados nos Estados Unidos e na
mente, de 21% e 30% nos níveis séricos desse hor- Europa, nos quais tal fármaco foi avaliado como
mônio34. Esse efeito indutor dose-dependente foi tratamento adjuvante em doses de 200 a 1.000 mg/
considerado modesto se comparado ao exercido dia35-39. Todas as análises de eficácia foram realiza-
por FAEs tradicionais, indutores do sistema P450, das com base na intenção de tratar. Nesses ensaios
refletindo o efeito indutor modesto de TPM sobre foram admitidos 743 pacientes, 527 dos quais re-
o sistema microssomal hepático. Quando a dose ceberam TPM e 216, placebo. Ao analisar todas as
for de até 200 mg/dia. conclui-se que a interação dosagens, a porcentagem mediana de redução de
de TPM com anticoncepcionais é insignificante e crises da frequência inicial foi de 44% nos pacien-
não deve ser motivo de preocupação. tes tratados com TPM versus 1% daqueles com
placebo (p ≤ 0,001). Observou-se ainda que 5%
Crianças dos pacientes tratados com TPM e nenhum dos
tratados com placebo permaneceram sem crises
Em crianças com epilepsia que receberam
durante o ensaio. Para os pacientes que apresen-
TPM concomitantemente com um ou dois
taram crises com generalização secundária no
FAEs, verificou-se que a depuração de TPM
período basal, constatou-se redução mediana na
associado a FAEs indutores enzimáticos foi su-
porcentagem destas de 58% nos pacientes com
perior a 50% em relação à verificada em uma
TPM e aumento de 3% naqueles com placebo (p
população comparável de adultos, indicando
≤ 0,001). Outras análises estatísticas globais mos-
que as concentrações plasmáticas de TPM de-
traram que a eficácia de TPM não foi afetada pelo
veriam, na presença de FAEs indutores enzimá-
sexo do paciente, idade ou frequência de crises no
ticos, apresentar-se cerca de 33% mais baixas
período basal.
em crianças do que em adultos em doses com-
Rosenfeld et al.40 reviram a evolução a lon-
paráveis de TPM em mg/kg.
go prazo de 214 adultos com epilepsia focal, que
passaram para monoterapia na fase de extensão
Eficácia clínica de cinco ensaios clínicos. Após dois anos e meio,
No Brasil, de acordo com a Portaria no 1.319, observaram que um terço dos pacientes persistiu
de 25 de novembro de 2013, TPM foi indicado em monoterapia, dos quais 62% estavam livres de
como monoterapia para crises focais ou TCGs crises por pelo menos três meses.

153
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Em epilepsia focal refratária, estudos mos- Epilepsia mioclônica juvenil


tram que TPM é eficaz (48% com redução de 50%
Vários estudos avaliaram o uso de TPM
ou mais na frequência das crises, sendo 9% sem
em pacientes com epilepsia mioclônica juvenil
crises) e, ainda, que a dose média não é necessa-
(EMJ). Rosenfeld et al.46 utilizaram TPM em 17
riamente elevada, variando de 100 a 300 mg/dia
pacientes com EMJ previamente tratados com
nos diferentes estudos41,42.
VPA, observando que 15 (88%) melhoraram e 8
(47%) ficaram totalmente livres de crises. Biton
Crises generalizadas primárias e Bourgeois47 fizeram uma análise retrospectiva
A eficácia de TPM em crises TCGs primárias de 22 pacientes com EMJ que haviam participa-
foi verificada inicialmente como terapia de adição do de dois estudos prospectivos e duplo-cegos de
em ensaio duplo-cego e controlado com placebo adição de TPM versus placebo no tratamento de
em pacientes que apresentavam três crises TCGs epilepsias generalizadas idiopáticas e verificaram
primárias ou mais, durante um período basal de redução das crises TCGs. Levisohn e Holland48
oito semanas, enquanto recebiam um ou dois FAEs observaram que TPM foi ligeiramente mais efi-
tradicionais. Observou-se que a frequência das cri- caz que VPA em um estudo aberto e randomi-
ses foi reduzida de forma significante nos pacientes zado que comparou 28 pacientes adolescentes e
tratados com TPM comparados aos que receberam adultos, 19 em uso de TPM (dose média de 250
placebo tanto nos com crises TCGs primárias (57% mg/dia) e 9, de VPA (dose média de 750 mg/dia).
versus 9%; p = 0,019) como em relação a todas as Sousa et al.49 confirmaram a eficácia do TPM em
crises (42% versus 1%; p = 0,003). Constatou-se di- crises TCGs e mioclonias em um estudo aberto de
ferença semelhante, favorecendo TPM, para redu- 15 pacientes com EMJ não controlada com VPA.
zir 50% das crises ou mais. Durante o estudo, 13% De modo geral, observa-se que TPM controla as
dos pacientes com crises TCGs primárias tratados crises TCGs, reduz as crises mioclônicas e man-
com TPM permaneceram sem crises, comparados tém as ausências. Em alguns pacientes, observa-se
a 5% dos que receberam placebo43. que TPM pode produzir efeitos adversos neurop-
Evidências clínicas da eficácia de TPM em siquiátricos (alteração da atenção, memória de
crises generalizadas primárias como monoterapia curto prazo, velocidade de processamento e flu-
foram obtidas inicialmente em extensões abertas ência verbal), levando ao fracasso do tratamento.
de ensaios duplo-cegos. Em um estudo, 11 de 12 No entanto, quando bem tolerado, TPM é uma
pacientes com TCGs primárias, quatro de cinco alternativa adequada a VPA, particularmente em
pacientes com crises de ausência, dois pacientes pacientes que estão com sobrepeso ou têm enxa-
com crises tônicas e um de dois pacientes com queca associada.
crises mioclônicas referiram redução de 50% ou
mais na frequência de crises, enquanto sete de
Crianças
12 pacientes com crises TCGs primárias e três de
cinco pacientes com crises de ausência permane- Crises de início focal
ceram sem crises durante os últimos dois meses A eficácia de TPM como terapia de adição na
em tratamento aberto44. Em outro ensaio de ex- infância foi demonstrada em um estudo multi-
tensão aberto, quatro pacientes, dentre oito, rela- cêntrico duplo-cego controlado com placebo em
taram redução igual ou superior a 50% nas crises crianças (idade média: nove anos) com crises re-
TCGs primárias e três, dentre seis, redução acen- fratárias de início focal. A dose-alvo de TPM foi
tuada das crises de ausência45. de 6 mg/kg/dia. As reduções medianas de crises

154
Topiramato

foram de 33% nas que receberam TPM versus 73% dos pacientes e as crises mioclônicas diminu-
11% daquelas com placebo (p = 0,003), mostran- íram em um menor número deles.
do que TPM foi significantemente mais eficaz Ao estudarem crianças com menos de 12 anos
que placebo no controle de crises de início focal de idade, Mikaeloff et al.53 observaram que TPM,
em crianças50. como terapia de adição, foi eficaz, diminuindo em
Durante o período de extensão aberto de um 50% ou mais a frequência das crises em 50% das
estudo duplo-cego, 83 crianças receberam TPM 128 crianças com epilepsias focais e em 44% da-
em dose média mais elevada (9 mg/kg/dia) e fo- quelas 79 com formas generalizadas. A gravidade
ram seguidas por períodos de 96 a 923 dias (mé- das crises piorou em 13% dos pacientes com cri-
dia de 440 dias). Comparativamente à frequência ses focais e em 17% das generalizadas. Em relação
de crises de início focal do período basal, obser- às epilepsias generalizadas, houve maior eficácia
vou-se redução igual ou superior a 50% em 57% nas formas sintomáticas, bem como na epilepsia
dos pacientes e igual ou superior a 75% em 42% mioclônica grave da infância e epilepsia mioclô-
dos pacientes. Por ocasião da última visita, 14% nico-atônica e discreta naquelas com as síndro-
dos pacientes estavam sem crises por seis meses mes de West e Lennox-Gastaut.
ou mais51.
A introdução de TPM em monoterapia em
Epilepsia ausência da infância
substituição a um fármaco eficaz, porém não
tolerado, foi avaliada por Glauser et al.51. Esses TPM não parece eficaz na síndrome de epi-
autores, em cinco crianças com epilepsia focal lepsia ausência da infância. Cross54 utilizou-o
controlada com apenas um FAE, mas promoven- em cinco crianças com essa síndrome, três delas
do efeitos adversos intoleráveis, substituíram essa já medicadas com VPA sem sucesso, verificando
medicação por TPM, tendo titulado a dose de 1 a que duas ficaram sem crises, duas permaneceram
6 mg/kg/dia. Dessas crianças, duas ainda não es- inalteradas e uma melhorou. Piña-Garza et al.55
tavam em monoterapia por ocasião da publicação, utilizaram TPM em 12 crianças de quatro a nove
uma não tolerou TPM, apresentando distúrbios anos de idade com epilepsia ausência da infância
cognitivos e do comportamento, e duas aceitaram na dose de 15 ou 25 mg/dia. Eles observaram que
bem a monoterapia, mantendo-se sem crises. Os quatro pacientes tornaram-se clinicamente livres
autores concluíram que em crianças com crises de crises, mas sem redução significativa no nú-
focais complexas pode-se, quando necessário, mero de crises eletrográficas e seis pacientes in-
proceder à substituição do FAE inicial por TPM terromperam o tratamento por falta de eficácia,
em monoterapia. nenhum devido a eventos adversos. Portanto, em-
bora bem tolerado, esse estudo piloto demonstrou
a ineficácia de TPM em monoterapia para tratar
Crises generalizadas
epilepsia ausência da infância.
Em crianças e adultos, estudos mostram que
TPM é efetivo em todos os tipos de crises ge-
neralizadas, incluindo crises tônicas, atônicas, Síndrome de Lennox-Gastaut
mioclônicas e de ausência atípica. Em revisão da A eficácia de TPM na síndrome de Lennox-
literatura, para crises TCGs, Whelless e Wang52 Gastaut, especialmente em relação às crises de
observaram que a redução média foi de 56,7%, queda, foi demonstrada em vários estudos.
tendo 13,6% dos pacientes ficado sem crises. Já na Glauser et al.56 avaliaram 98 pacientes com
EMJ, as crises TCGs diminuíram mais de 50% em síndrome de Lennox-Gastaut (idade média: 11

155
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

anos) em um estudo de adição, multicêntrico, du- cientes (média de idade: 7 a 48 meses) com espas-
plo-cego e controlado com placebo. A dose média mos infantis refratários receberam TPM na dose
de TPM na fase duplo-cega foi de 4,8 mg/kg/dia. média de 15 mg/kg/dia, observando-se redução
A porcentagem mediana de redução da frequên- de 69% da frequência basal com diminuição de
cia basal das crises de queda foi de 14,5% para o 50% ou mais nos espasmos, em 9 dos 11 pacien-
grupo com TPM, comparada a um aumento de tes58. Sete das crianças puderam passaram para
5% no grupo placebo (p = 0,04). A avaliação da monoterapia com TPM59.
gravidade das crises pelos pais ou responsáveis Em uma revisão da literatura, Lee et al.60 ob-
também favoreceu de forma significativa o TPM servaram que TPM foi a segunda medicação an-
(p = 0,04). Na fase de extensão aberta, ao recebe- tiepiléptica mais utilizada no tratamento de crises
rem dose média de 11 mg/kg/dia, mais da metade de espasmo. A frequência de crianças livres de
(58%) de 97 pacientes apresentou redução igual espasmo variou de 20% a 30% quando se utilizou
ou superior a 50% das crises de queda, enquan- TPM como terapia de primeira linha e de 18% a
to 37% apresentaram redução igual ou superior a 45% quando utilizado como terapia de adição61.
75% nesse tipo de crise. A frequência global das Em relação ao esquema terapêutico, Kumada
crises foi reduzida de 50% ou mais em 43% e de et al.62 administraram doses de TPM de 1 mg/kg/
75% ou mais em 23% dos pacientes. Por ocasião dia, titulando 2 mg/kg/dia a cada três a quatro dias
da visita final, 15% dos pacientes estavam sem cri- até um máximo de 19 a 20 mg/kg/dia, a crianças
ses de queda e 2% tinham permanecido livres de de 5 a 22 meses com espasmos. Eles concluíram
todas as crises por seis meses ou mais. que doses elevadas de TPM e titulação rápida são
Em nosso meio, Guerreiro et al.57 avaliaram 19 efetivas e bem toleradas em crianças com síndro-
pacientes em estudo aberto de adição (4 a 14 anos) me de West sintomática.
por 36 meses. Sete pacientes completaram o estu-
do e a frequência de crises foi reduzida em 75% ou
mais em quatro deles, tendo duas crianças ficado
Epilepsia mioclônica severa da infância
livres de crises por mais de 24 meses.  A maioria (síndrome de Dravet)
dos efeitos adversos, geralmente transitórios, rela- TPM tem se mostrado eficaz na epilepsia mio-
cionou-se ao sistema nervoso central (SNC), sen- clônica severa da infância, diminuindo a frequên-
do os mais comuns sonolência e anorexia. Após 36 cia de crises, em especial das TCGs. No estudo de
meses, quanto à qualidade de vida, os pais referi- Coppola et al.63, em 18 crianças, o controle das
ram melhora em relação ao estado de alerta (2/7), crises mioclônicas ocorreu em menor número
interação com o ambiente (5/7), capacidade de re- de pacientes, mas com importante diminuição na
alizar atividades diárias (5/7) e desempenho verbal frequência dessas crises, tendo uma apresentado
(6/7). A conclusão dos autores foi que TPM pode controle completo.
ser útil como terapia adjuvante no tratamento da Nieto-Barrera et al.64 avaliaram o uso de TPM
síndrome de Lennox-Gastaut, observando-se, em como terapia de adição também em 18 crianças
longo prazo, manutenção da segurança confirma- na dose de 1 a 8 mg/kg/dia com dois esquemas de
da por melhora da qualidade de vida e da eficácia titulação, semanal ou quinzenal. Observaram que
em mais de 40% dos pacientes. três pacientes (16,6%) ficaram livres de crises e dez
(55,6%) tiveram redução superior a 50% na  fre-
Espasmos infantis (síndrome de West) quência delas, dentre os quais seis deles (22,2%)
Observações sugerem que TPM é efetivo nas obtiveram redução superior a 75%. Os efeitos ad-
crises de espasmo. Em um estudo piloto, 11 pa- versos foram observados em nove pacientes, oito

156
Topiramato

daqueles em que a titulação foi semanal e um com OXC. Os autores lembram que geralmente não se
titulação quinzenal.  Os autores concluíram que recomenda TPM como tratamento de primeira
TPM é eficaz como terapia de adição para a sín- linha para a epilepsia em pacientes idosos, mas,
drome de Dravet e os efeitos indesejáveis são leves quando considerado para o indivíduo mais ve-
e transitórios, geralmente relacionados à titulação lho cognitivamente intacto, recomenda-se iniciar
rápida da dose. com dose de 25 mg, aumentando não mais que 25
Na síndrome de Dravet, Chiron65 acredita que mg por semana.
se deveria administrar VPA após crise febril com- Estudos têm demonstrado que se trata de um
plicada, nas recorrências estaria indicada a adição fármaco eficaz e bem tolerado nessa faixa etária.
de clobazam (CLB) e estiripentol e TPM e dieta Em um estudo de adição, duplo-cego e controlado
cetogênica são alternativas para os casos farma- por placebo, Zhang et al.67 investigaram a eficácia
corresistentes. e tolerabilidade de TPM em 86 idosos  chineses
com epilepsia  focal refratária. TPM foi titulado
até a dose de 200 mg/dia, determinando redução
Idosos igual ou superior a 50% em 47,8% dos pacientes
Estima-se que 25% de todos os novos casos versus 7,5% no grupo placebo. Os eventos adver-
de epilepsia ocorram em pessoas com mais de 60 sos mais comuns com TPM foram tontura, so-
anos de idade e que as características clínicas des- nolência, fadiga, dor de cabeça e dificuldade de
sa epilepsia são muitas vezes diferentes daquelas memória, a maioria deles transitórios e de inten-
observadas em pacientes mais jovens. Verifica-se sidade leve ou moderada.  
que pacientes idosos frequentemente têm crises
focais com ou sem perda da consciência. A escolha
do FAE em idosos é difícil, pois vários são os fato- Epilepsia de início recente
res a considerar, como doenças associadas, vários A eficácia e tolerabilidade de TPM como mo-
medicamentos em uso e características farmaco- noterapia em epilepsia de início recente foram
cinéticas próprias dessa faixa etária. Ao avaliarem bem estabelecidas em dois importantes modelos
esses fatos em relação ao uso de TPM em idosos, de estudos multicêntricos internacionais. O pri-
Sommer e Fenn66 ressaltaram que a polifarmácia meiro incluiu adultos e crianças (maiores de três
muitas vezes prescrita a adultos mais velhos pode anos de idade), com crises focais com ou sem
alterar a concentração sérica de TPM. Assim ami- generalização, há, no máximo, três anos, sem tra-
triptilina, propranolol, lítio e sumatriptano po- tamento ou com, no máximo, um FAE (reduzido
dem elevar o nível de TPM, enquanto VPA pode nas primeiras três semanas). Esses pacientes fo-
diminuir de 10% a 15% o nível de TPM. Esses ram divididos em dois grupos de acordo com a
fatos têm levantado a questão da necessidade de dose de TPM: 50 ou 500 mg/dia (25 ou 200 mg/
avaliar as concentrações séricas para garantir não dia, se o peso fosse inferior a 50 kg)68,69. Nesse
só a adesão à medicação nessa população, mas modelo, foram avaliados 253 pacientes, tendo-se
também para monitorar as flutuações séricas. O verificado em relação à eficácia que a diferença
nível sérico eficaz de TPM é de 5 a 20 mg/l, mas entre os dois grupos foi significativa, tendo fica-
níveis mais baixos foram advogados para melho- do livres de crises 39% dos pacientes do grupo de
rar os efeitos cognitivos. Por outro lado, Sommer dose mais baixa (25 e 50 mg) e 53% daqueles do
e Fenn lembram que TPM tem muitas vantagens grupo de dose mais elevada68.
em relação a outros FAEs, incluindo não apresen- Segundo os autores, essa eficácia (39% a 53%)
tar nenhum risco de hiponatremia, como CBZ e foi semelhante à referida na literatura para outros

157
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

FAEs (35% a 56%), como LTG, PHT, VPA e CBZ. eficácia de TPM, em duas doses diferentes, com
Quanto à tolerabilidade, constatou-se baixa inci- CBZ (600 mg) e VPA (1.250 mg)72. Nesse interes-
dência de efeitos adversos em relação ao SNC, inci- sante modelo de estudo, o médico pesquisador
dência essa bem menor que a descrita nos estudos poderia, de acordo com o tipo de crise, definir o
de adição, tendo a maioria deles ocorrido apenas na melhor tratamento para seu paciente, escolhen-
fase de titulação70,71. Assim, pareceu para os autores do se ele iria para o “braço” de CBZ ou VPA. A
que a maioria dos efeitos adversos do TPM, como conclusão foi que TPM em monoterapia, princi-
ataxia, nervosismo, distúrbio de visão, alentecimen- palmente na dose de 100 mg, apresenta eficácia
to psicomotor, distúrbios da fala etc., poderia refle- e tolerabilidade semelhantes às de CBZ e VPA,
tir a interação farmacodinâmica com outros FAEs. sendo os resultados melhores em crianças (Figu-
Esse mesmo modelo de estudo foi utilizado ras 2 e 3). A análise em relação aos efeitos adver-
por vários outros autores que chegaram a conclu- sos mostrou que aqueles relacionados ao SNC são
sões semelhantes. Ritter et al.69 concluíram pelo comuns aos três farmacos, mas que parestesias,
não desenvolvimento de tolerância em seus pa- diminuição de peso e anorexia são mais comuns
cientes que foram seguidos por um a dois anos. com TPM, náusea e rash, com CBZ, enquanto
O segundo estudo, duplo-cego, comparou em tremor, alopecia, ganho de peso e náuseas foram
613 pacientes com epilepsia de início recente a mais comuns com VPA.

Todos pacientes (N=613) Crianças (< 16 anos - N=119)

70 63
59
60 53
49
50 44 44 44

40
30
30
20

10
0
TPM 100mg TPM 200mg Carbamazepina Valproato

Figura 2. Frequência (em porcentagem) de pacientes livres de crises durante os últimos seis meses de tratamento72.

35 Todos pacientes Crianças (< 16 anos - N=119) 32

30 28 25

25 23

19
20
15
15 11

10
4
5
0
TPM 100mg TPM 200mg Carbamazepina Valproato
Figura 3. Frequência (em porcentagem) de pacientes que descontinuaram os fármacos devido a efeitos adversos72.

158
Topiramato

O uso de TPM em monoterapia em crises fo- Reino Unido, um estudo prospectivo multicên-
cais de início recente foi avaliado em um estudo trico, o SANAD, comparou em 716 pessoas com
duplo-cego com 470 pacientes. O estudo incluiu mais de quatro anos de idade com epilepsia gene-
uma grande coorte de crianças e adolescentes de 6 ralizada primária ou indeterminada a eficácia e a
a 15 anos de idade (N = 151,32%). Os pacientes fo- tolerabilidade de TPM e LTG com VPA e obser-
ram distribuídos aleatoriamente pelos grupos de vou que, embora TPM tenha sido menos eficaz
tratamento, em que TPM foi titulado para atingir que VPA no período da ocorrência da primeira
as doses de manutenção de 400 mg/dia (n = 77) ou crise, na remissão aos 12 meses não houve dife-
50 mg/dia (n = 74). Os pacientes foram acompa- rença significativa entre ambos, seja no total de
nhados por pelo menos seis meses. Em seis meses, pessoas, seja no subgrupo daquelas com epilepsia
a probabilidade de que  as crianças/adolescentes generalizada idiopática.
que permaneceram no estudo estivessem livres de TPM em monoterapia apresenta boas eficácia
crises foi de 78% no grupo de dose-alvo de 50 mg e tolerabilidade, Observou-se ainda que a tolera-
e 90% com a dose mais elevada. Em 12 meses, a bilidade em monoterapia é melhor do que em po-
probabilidade de estar livres de crises foi de 62% literapia, o desenvolvimento de tolerância é pouco
e 85%, respectivamente. A incidência de eventos comum e a dose média diária não é necessaria-
adversos limitativos do tratamento foi de 4% no mente elevada, sendo para a epilepsia de início
grupo da dose-alvo de 50 mg e de 14% no gru- recente ao redor de 100 mg/dia.
po de 400 mg de dose-alvo. Os eventos adversos
mais comuns, excluindo doenças típicas da infân-
cia, foram dor de cabeça, diminuição do apetite, Estado de mal epiléptico
perda de peso, sonolência, tonturas, dificuldade Embora não exista uma formulação intrave-
de concentração/atenção e parestesia. Essa análi- nosa comercialmente disponível, TPM pode ser
se demonstrou que TPM é eficaz e bem tolerado administrado por via entérica, que pode torná-lo
como monoterapia por crianças e adolescentes73. adequado ao tratamento de estado de mal epilép-
Em revisão sistemática sobre as evidências de tico (EME).
eficácia/efetividade disponíveis na literatura para Towne et al.75 descreveram o uso de TPM em
vários FAEs como monoterapia e terapia de adi- suspensão, na dose de 300 a 1.600 mg/dia, admi-
ção para crises de início focal em crianças, Arya nistrado por sonda nasogástrica a seis pacientes
e Glauser74 verificaram que oxcarbazepina (OXC) com EME refratário, sendo em um deles após
é a única com evidência classe I como monote- coma barbitúrico prolongado. Em todos eles, as
rapia inicial para crises focais em crianças, TPM, crises regrediram em seis horas a dez dias, sendo
CBZ, CLB, LTG, PTH, VPA, VGB e zonisamida o único efeito adverso observado letargia.
(ZNZ) têm, na melhor das hipóteses, evidência Ferlisi e Shorvon76 recomendaram que no
de eficácia /efetividade classe III para monotera- EME refratário e super-refratário sempre se deve
pia de crises parciais em crianças. Já como terapia associar um FAE, pois quando se suspende um
adjuvante para o tratamento de crises focais em anestésico, por exemplo, é importante ter um FAE
crianças, TPM, gabapentina (GBP), LTG, leveti- para manutenção. No entanto, observaram que as
racetam (LEV) e OXC têm provas de eficácia/efe- publicações sobre a utilização de FAEs nessa situ-
tividade classe I74. ação se restringem a 60 casos (em dez relatórios),
Mais recentemente, a eficácia de TPM em tendo sido dez (em dois relatórios) tratados com
monoterapia foi comprovada também em epilep- TPM. Nestes, com dose de 2 a 25 mg/kg/dia em
sia generalizada primária de início recente. No crianças e até 1.600 mg/dia em adultos, TPM con-

159
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

trolou o estado em 62% deles. Constatou-se ainda rapia e 80% dos pacientes ou mais puderam per-
que um paciente faleceu e ocorreram complica- manecer nos ensaios.
ções, como acidose metabólica com TPM.
Por sua vez, Hottinger et al.77 reviram os Parestesia
prontuários dos pacientes com EME refratário
Parestesia é uma queixa comum de pacientes
tratados no Hospital Universitário de Basileia,
em uso de TPM que ocorre em até 48% deles79.
Suíça, entre agosto de 2004 e dezembro de 2011.
Apesar de frequente, esse efeito não é considerado
Destes, 35 (31%), com idade média de 60,5 anos,
relevante por muitos80.
foram tratados com 400 mg/dia a 800 mg ou mais
Embora possa ocorrer em pacientes com do-
de TPM. Em geral, EME foi controlado em 71%
ses mais baixas, a parestesia é mais comum em
dos pacientes em até 72 horas após a primeira ad-
doses mais elevadas, mostrando que o efeito é do-
ministração de TPM, sendo em 9% deles em até
se-dependente81.
24 horas. A mortalidade foi de 31%, mas depen-
deu principalmente da etiologia do EME.  Não
houve eventos adversos graves ou fatais atribuí-
Distúrbios cognitivos
veis a TPM. Os efeitos adversos incluíram ligeira Os distúrbios cognitivos relacionados a TPM
acidose hiperclorêmica e hiperamonemia (todos caracterizam-se principalmente por dificuldades
associados à comedicação com ácido valproico). em funções verbais. Witt el al.82 observaram que
Para os autores, o tratamento de EME refratário a maioria dos pacientes em uso de TPM demons-
com TPM administrado por via enteral é viável e tra diminuição da fluência verbal, mas quando se
bem tolerado. consideram os efeitos cumulativos negativos de
epilepsia e medicações concomitantes, observa-se
que TPM se associa a um desempenho 21% a 28%
Segurança e tolerabilidade pior em comparação com outros fármacos.
Os eventos adversos relatados por mais de Esses efeitos cognitivos de TPM parecem de-
10% dos pacientes que receberam doses mais bai- pender da dose. Arroyo et al.81 observaram efei-
xas (200 a 400 mg/dia) ou mais elevadas (600 a tos cognitivos em 15% de seus pacientes em uso
1.000 mg/dia) de TPM ou placebo em seis ensaios de doses baixas de TPM e em 24% daqueles com
importantes para verificar a faixa de dose em adul- doses elevadas. Porém, como observaram Kim et
tos com crises parciais são mostrados na tabela 1. al.83, para alguns pacientes, os efeito cognitivos
Os eventos mais comumente referidos foram os podem ser intoleráveis mesmo com doses baixas.
relacionados ao SNC e incluíram tonturas, sono- Os efeitos de TPM em redes de linguagem
lência, alentecimento psicomotor, nervosismo, têm sido analisados por meio de ressonância
parestesias, ataxia e dificuldade de concentração magnética funcional (RMf). Yasuda et al.84 es-
ou memória. tudaram os dados de RMf em 24 controles e 35
Nesses ensaios de terapia de adição, os even- pacientes com epilepsia do lobo frontal tratados
tos adversos manifestaram-se mais frequente- com TPM em politerapia usando como paradig-
mente durante o período de titulação e aproxi- ma fluência verbal (FV) simples. Análises das
madamente três quartos de todas as interrupções secções transversais da RMf-FV naqueles em
do tratamento por eventos adversos ocorreram uso de TPM mostraram redução na desativação
durante os primeiros dois meses de terapia78. Vá- da rede de modo padrão relacionado com a ta-
rios dos eventos adversos relacionados ao SNC refa. Tanto a administração crônica como aquela
desapareceram a despeito da continuação da te- de dose única de TPM se associaram a prejuízo

160
Topiramato

da fluência verbal e rompimento de desativações observou que  TPM provoca hiperuricemia leve
relacionadas com a tarefa. O estudo longitudinal em adultos do sexo masculino91.
confirmou esses achados. Segundo os autores,
tais achados sugerem um mecanismo pelo qual
TPM prejudica o processamento cognitivo du- Nefrolitíase
rante a função da linguagem e destaca a sensibi- Nefrolitíase é referida em aproximadamente
lidade de a RMf detectar os efeitos de FAEs em 1,5% dos 1.200 pacientes que receberam TPM.
redes cognitivas do cérebro. Todos os casos ocorreram em homens, não exi-
TPM foi relacionado ainda por ter impacto ne- giram cirurgia e três quartos dos cálculos foram
gativo sobre a memória de trabalho, velocidade de eliminados espontaneamente.
processamento, velocidade psicomotora e FV83,85-87. Na infância, a incidência de nefrolitíase assin-
Em pacientes com comprometimento intelec- tomática é cerca de 5%92,93. Corbin Bush et al.92
tual, é importante ressaltar que os distúrbios cog- referiram que os fatores de risco se relacionavam
nitivos de TPM são mais bem tolerados88. à própria urina como hipocitratúria (93%) e hi-
percalciúria (51%), que independem da dose de
TPM e da duração do tratamento. Outro fator de
Distúrbios psiquiátricos risco seria pH da urina alto (68%), correlacionado
O uso de TPM determina distúrbios psiquiá- com a dose de TPM.
tricos, como transtornos afetivos, comportamen- Um estudo de coorte em crianças em trata-
to agressivo, distúrbios psicóticos e do comporta- mento com dieta cetogênica mostrou que a pre-
mento, entre outros, especialmente em pacientes valência de nefrolitíase não se correlacionou com
com história familiar ou pessoal de doença psi- o uso de inibidores da anidrase carbônica. Assim,
quiátrica. Os distúrbios psiquiátricos, ao contrá- embora dieta cetogênica e TPM possam determi-
rio dos cognitivos, parecem estar relacionados à nar nefrolitíase, nada impede que sejam usados
velocidade mais rápida de titulação da medica- em conjunto.
ção89. Pasini et al.90 acreditam que os sintomas psi-
cóticos poderiam ser causados pela inibição das
áreas frontais e pré-frontais induzidas por TPM. 
Redução de peso
Redução de peso é observada comumente du-
rante a terapia com TPM e não parece ter relação
Distúrbio metabólico com o sexo do paciente nem estritamente com a
A literatura indica que o uso de TPM se asso- dose diária, embora tenha sido referida diminui-
cia ao desenvolvimento de acidose, hipocalemia, ção de 1,1 kg em pacientes que receberam 200 mg/
hiperuricemia e hipocitratúria. Cinco estudos de dia de TPM a 5,9 kg em pacientes que receberam
caso-controle e seis estudos longitudinais avalia- 800 mg/dia ou mais. As reduções médias de peso
ram o efeito de  TPM no equilíbrio ácido-base e mais importantes foram observadas em pacientes
de potássio. No tratamento com TPM, observou- com índice de massa corpórea mais elevado antes
se tendência significativa no sentido de ligeira a do tratamento, havendo tendência à estabilização
moderada acidose metabólica hiperclorêmica após 12 a 18 meses de terapia com TPM.
(com bicarbonato ≤ 21 mmol/l em cerca de cada Estudos em animais sugerem como mecanis-
três casos) e hipocalemia leve (com potássio ≤ 3,5 mos para a perda de peso determinada por TPM
mmol/l em 10% dos casos), efeitos esses seme- redução da eficiência energética, sensibilização à
lhantes em crianças e adultos.  Um único estudo insulina e possível participação do hipotálamo e

161
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

de neuropeptídeos. Por outro lado, nos estudos tos e crianças em uso de TPM, é a ocorrência
em humanos, são referidos como mecanismos de distúrbio visual caracterizado principalmen-
possíveis redução de ingestão calórica, envolvi- te por miopia aguda secundária a glaucoma de
mento hormonal (especialmente adiponectina) e ângulo fechado99-102. Esse distúrbio, constatado
alterações no metabolismo lipídico e da glicose94. geralmente no primeiro mês de tratamento, tem
Essa possibilidade de determinar perda de início agudo caracterizado por dor ocular e/ou
peso tornou TPM uma boa escolha a pessoas borramento de visão. A avaliação oftalmológica
com epilepsia obesas. No entanto, esse efeito pode mostra severa miopia, hiperemia conjuntival,
contraindicar o uso de TPM em crianças nutri- superficialização da câmera anterior e aumen-
cionalmente vulneráveis ​​ou mesmo em pacientes to da pressão intraocular bilateralmente, como
adultos com epilepsia associada a outras doenças ocorre na síndrome de glaucoma induzida por
neuropsiquiátricas, os quais não podem volunta- medicamentos. O tratamento consiste na rápida
riamente aumentar a ingestão calórica.  descontinuação de TPM e de medicações espe-
cíficas capazes de diminuir a pressão intraocular
para evitar sequelas graves como perda da vi-
Hipertermia
são102. Nos pacientes descritos, a pressão intrao-
Hipertermia devida à oligo-hidrose é referida
cular regrediu prontamente e, embora a miopia
com o uso de TPM especialmente em crianças.
tenha persistido por dias, a acuidade visual gra-
Podem estar associados sintomas como rubor
dualmente retornou ao normal.
facial, letargia, sensação de coceira, irritabilidade
Uma revisão da literatura de 1996 a 2011 re-
com hipertermia, sensação de calor e intolerância
velou 65 artigos sobre distúrbios oftalmológicos
a este95. Embora na maioria das vezes reversível,
com 84 pacientes103. Dentre eles, 66 apresentaram
existem relatos de sequelas ou mesmo casos fa-
a síndrome de efusão ciliocoroidal (17 casos de
tais96. Galicia et al.97 descreveram um adulto tra-
miopia e 49 casos de glaucoma de ângulo fecha-
tado com TPM que apresentou hipertermia grave
do). Outros efeitos secundários mais raros de
e permaneceu com ataxia e disfunção cognitiva
TPM na visão também foram incluídos, como
como sequelas. Rosich Del Cacho et al.98 referi-
efusão de coroide, reações inflamatórias ocula-
ram uma criança de 11 anos de idade em uso de
res, defeitos do campo visual, efeitos prováveis ​​na
TPM que apresentou grave hipertermia, necessi-
retina, córnea, esclera e complicações neuroftal-
tando de internação em unidade de tratamento
mológicas. Diante dessas possibilidades, Abtahi
intensivo após exercício físico. Os autores ressal-
et al.103 recomendaram que pacientes em uso de
tam a importância da prevenção, alertando a fa-
TPM com queixa de visão embaçada devem ser
mília sobre medidas profiláticas.
submetidos à avaliação oftalmológica, sendo re-
O mecanismo desse sintoma é desconhecido,
comendados medida da pressão intraocular, exa-
mas pode estar relacionado a seu efeito sobre a
mes detalhados de fundo de olho, exames de re-
anidrase carbônica, visto que isoenzimas II e IV
fração e avaliações de campo visual.
da anidrase carbônica estão presentes nas glându-
las sudoríparas e acredita-se que estejam envolvi-
das na produção de suor e na termorregulação97. Gravidez
O uso de TPM durante a gravidez se associa a
Distúrbio visual risco de má formação fetal, especialmente fendas
Um efeito raro e reversível, comum aos ini- faciais, e a recém-nascidos pequenos para a idade
bidores da anidrase carbônica, referido em adul- gestacional.

162
Topiramato

Ao analisarem na literatura a teratogenicidade de FAE concomitante. A titulação de TPM poderá


dos novos FAEs, Holmes et al.104 verificaram em ser reassumida quando os efeitos adversos tive-
gestações expostas a TPM incidência de malfor- rem sido resolvidos112.
mações de 4,2% a 4,9%, com aumento de fissuras Deve-se lembrar que a retirada de FAEs indu-
orais com e sem outras anomalias. Eles consta- tores enzimáticos como CBZ e PHT pode até do-
taram ainda que a exposição pré-natal a TPM se brar o nível sanguíneo de TPM e o reajustamen-
relacionou a aumento da frequência de tamanho to para doses mais baixas de TPM é essencial se
pequeno para a idade gestacional.  ocorrerem efeitos adversos27.
Em Boston, no Centro Epidemiológico de Para diminuir a possibilidade de nefrolitíase,
Estudo em Defeitos, Margulis et al.105 avaliaram, recomenda-se aumentar a ingesta diária de líqui-
entre 1997 e 2009, o uso de TPM no primeiro dos e evitar o uso concomitante de fármacos ini-
trimestre de gravidez comparativamente a grupo bidores da anidrase carbônica.
controle e observaram que o uso desse fármaco
se associou à maior ocorrência de lábio leporino
com ou sem fenda palatina em recém-nascidos.
Outras indicações
Em razão de seu amplo espectro de ação, tem-
No Banco de Gestações da Noruega, ao ava-
se indicado TPM para tratar também várias ou-
liarem 2.600 crianças expostas a FAEs durante a
tras doenças, como cefaleia crônica113, distúrbios
gravidez, Veiby et al.106 verificaram que  aquelas
psiquiátricos, obesidade114, dependência ao álco-
expostas a  TPM  tiveram um risco considerável
ol115, crianças com síndrome de Tourette116, etc.
de microcefalia (11,4% versus 2,4%; OR 4,8; IC
2,5-9,3) e pequeno peso ao nascer para a idade
gestacional (24,4% versus 8,9%; OR 3,1; IC 95%
Apresentações e doses
1,9-5,3). Uma das conclusões desse estudo foi que
As apresentações de TPM compreendem
TPM se associou a risco substancial de restrição
comprimidos revestidos de 25, 50 e 100 mg e cáp-
de crescimento fetal e, possivelmente, a aumento
sulas de 15 e 25 mg. Tais cápsulas, compostas de
da taxa de malformação. 
microgrânulos revestidos, podem ser abertas e
seu conteúdo, dissolvido em alimentos, especial-
Conduta ante os efeitos adversos mente pastosos, o que facilita a administração a
Algumas estratégias podem ser utilizadas para crianças ou pacientes com dificuldade de degluti-
minimizar a ocorrência de eventos adversos rela- ção. Recomenda-se não dissolver os grânulos em
cionados ao SNC e verificados durante a terapia alimentos quentes nem os utilizar em sondas para
com TPM, dependendo de sua gravidade. Estu- alimentação, pois podem aderir à parede da son-
dos têm demonstrado que quando se ingere TPM da, bem como extravasar por suas bordas.
em doses baixas, sendo titulado lentamente, é Recentemente foi lançado TPM de liberação
mais bem tolerado, quer como monoterapia, quer prolongada (ER), que permite o uso da medicação
como politerapia tanto em adultos jovens como em uma única tomada ao dia com as mesmas in-
em idosos81,107-111. Se os efeitos adversos ocorrem dicações do TPM de liberação imediata117.
durante o período de titulação, a prática usual é As recomendações desenvolvidas para o esta-
retardar os aumentos na dosagem por uma a duas belecimento das doses com propósito de otimi-
semanas ou até que os sintomas tenham desapare- zar a utilização de TPM constam na tabela 2118.
cido. Outras opções incluem redução da dosagem A dose recomendada para o início da terapêutica,
de TPM ao nível anterior ou redução da dosagem como fármaco adjuntivo, é de 25 mg/dia, após a

163
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

qual a titulação pode prosseguir com acréscimos Em lactentes, estudos mostram que a dose uti-
de 25 mg/dia, a intervalos de duas semanas, até lizada comumente é maior, chegando até 25 mg/
200 mg/dia (100 mg, duas vezes ao dia). Após esse kg/dia, não sendo necessária titulação tão lenta25,62.
período, a dose diária pode ser aumentada de 50 Na prática, algumas crianças responderão a
mg a cada semana, até alcançar a eficácia clínica doses inferiores a 6 mg/kg/dia, enquanto outras
ou a dose máxima tolerada. A dose efetiva míni- necessitarão de doses acima de 15 mg/kg/dia. A
ma de TPM como terapia adjuntiva em epilepsia dose de TPM necessita ser titulada até que a res-
parcial refratária é, em geral, de 200 mg/dia e a posta ótima seja obtida. No esquema de titulação
faixa de doses efetivas para a maioria dos pacien- lenta recomendado, o efeito terapêutico geral-
tes é de 200 a 400 mg/dia. Entretanto, há pacientes mente não será obtido por seis a oito semanas,
que respondem a doses tão baixas quanto 50 mg/ sendo importante adequar as expectativas dos
dia, enquanto alguns têm recebido doses de até pais ante a necessidade desse intervalo até que o
1.600 mg/dia de TPM112. efeito terapêutico seja alcançado119.
A ocorrência precoce de eventos adversos re-
lacionados ao SNC observada nos ensaios iniciais
Interrupção da terapêutica
de terapia adjuntiva parece relacionada aos esque-
A interrupção de TPM deve ser considerada
mas de titulação rápida empregados, cujos pro-
se os efeitos colaterais persistirem após redução
tocolos exigiam aumentos de 100 a 200 mg por
semana. A observação mostra que titulações mais na dosagem ou em qualquer ponto em que o tra-
lentas de TPM do que as utilizadas nesses ensaios tamento se torne inaceitável para o paciente ou
podem melhorar a tolerabilidade sem compro- quando não se obtém resposta em dose máxima
meter a eficácia do medicamento119. Mais recen- tolerada de TPM. Poderá ser reduzida em 100 a
temente, têm sido utilizados com sucesso regimes 200 mg/dia a intervalos semanais sem maiores
de titulação ainda mais conservadores comparati- problemas.
vamente aos regimes duplo-cegos iniciais112.
Como a depuração de TPM é mais rápida em Prevenção da epilepsia em
crianças do que em adultos, são necessárias doses
maiores. Como em adultos, a dosagem inicial e populações de risco
a velocidade na titulação são importantes. Para A epileptogênese é entendida como uma cas-
crianças, Glauser120 recomenda dose inicial de 1 cata de eventos que fundamentalmente altera o
mg/kg/dia seguida por acréscimos semanais de equilíbrio entre os mecanismos neurais de excita-
1 mg/kg, que poderiam ser ainda mais lentos ou ção e inibição. Acredita-se que essas alterações são
até rápidos de acordo com a resposta. Dos ensaios progressivas, existindo um “intervalo silencioso”,
duplo-cegos em pacientes pediátricos com crises frequentemente durando anos, entre a ocorrên-
de início parcial e síndrome de Lennox-Gastaut, cia do agente etiológico, como infecção do SNC,
a dose efetiva mínima de TPM em crianças com traumatismo cranioencefálico ou crise febril, e o
epilepsia refratária parece ser de 6 mg/kg/dia. surgimento da epilepsia121,122. A compreensão des-
Contudo, em fases de extensão aberta de crianças sas alterações progressivas e, consequentemente,
com crises de início parcial, as porcentagens de a descoberta de mecanismos capazes de evitá-las
pacientes responsivos aumentaram de 39% para seriam a chave para prevenir tal doença. Segundo
57% quando se elevou a dose média de TPM para esse raciocínio, várias são as propostas em estudo
9 mg/kg/dia, implicando que, para o grupo como para controlar os fatores etiológicos iniciais, in-
um todo, doses mais altas foram benéficas. cluindo terapia gênica e uso de agentes neuroprote-

164
Topiramato

tores que atuariam no “intervalo silencioso” da epi- desse tipo de ação em alguns dos FAEs existentes,
leptogênese, prevenindo o surgimento das crises. como TPM123.
A terapêutica com fármacos neuroproteto- A ação neuroprotetora de TPM foi demonstra-
res deve pressupor inicialmente mecanismos que da em estudos de isquemias focal e global e ainda
identifiquem as áreas epileptogênicas em desenvol- naqueles mais diretamente relacionados à epilep-
vimento dos futuros epilépticos, identificação essa sia que utilizaram o modelo kindling, o EME, a
ainda em fase inicial de pesquisa em neuroimagem, encefalopatia hipóxico-isquêmica e a leucoen-
neurofisiologia e biologia do desenvolvimento. cefalomalacia periventricular123-127. Tais estudos
Além das pesquisas para identificar a área sugerem que TPM apresenta papel neuroprotetor,
epileptogênica, deve-se buscar fármacos neuro- devendo, no futuro, ser utilizado clinicamente
protetores capazes de agir nessas áreas afetadas, no controle da epileptogênese, prevenindo, ou
prevenindo o surgimento das crises. Estudos ex- pelo menos diminuindo, a probabilidade de a
perimentais têm demonstrado a possibilidade epilepsia surgir.

Tabela 1. Eventos adversos que ocorreram em mais de 10% dos pacientes que receberam doses de topi-
ramato mais baixas (200 a 400 mg/dia) ou mais elevadas (600 a 1.000 mg/dia) ou placebo em em estudos
para determinar as faixas de doses

Evento adverso Incidência [pacientes (%)]


TPM 200 a 400 mg/ TPM 600 a 1.000 mg/ Placebo
dia (n = 113) dia (n = 414) (n = 216)
Tontura 28,3 32,1 15.3
Sonolência 30,1 27,8 9,7
Alentecimento psicomotor 16,8 20,8 2,3
Nervosismo 15,9 19,3 7,4
Parestesia 15,0 19,1 4,6
Ataxia 21,2 14,5 6,9
Dificuldade de memória 12,4 14,5 3,2
Dificuldade na concentração ou atenção 8,0 14,5 1,4
Confusão 9,7 13,8 4,2
Distúrbios de fala e problemas
16,8 11,4 2,3
relacionados à fala
Nistagmo 15,0 11,1 9,3
Depressão 8,0 13,0 5,6
Náusea 11,5 12,1 7,4
Diplopia 14,2 10,4 5,6
Visão anormal 14,2 10,1 2,8
Anorexia 5,3 12,3 3,7
Problemas de linguagem 6,2 10,4 0,5
Tremor 10,6 8,9 6,0

165
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Tabela 2. Recomendações para doses de topiramato (terapia adjuntiva em pacientes com crises par-
ciais refratárias)

Esquema de titulação recomendado


• 25 mg/dia como dose inicial
• Titular em 25 mg/dia com aumentos a cada duas semanas até a dose de 200 mg/dia (100 mg, duas vezes
ao dia)
• Após o nível de 200 mg/dia, acréscimos semanais de 50 mg/dia até que seja alcançada eficácia clínica ou dose
máxima tolerada
Dose-alvo
• A dosagem efetiva mínima de TPM, em geral, é de 200 mg/dia
• A dosagem efetiva para a maioria dos pacientes é 200 a 400 mg/dia
Doses inferiores a 200 mg/dia ou superiores a 1.600 mg/dia podem ser úteis a alguns pacientes

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Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

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170
Gabapentina
14 Uma molécula não metabolizada

Guilca Contreras-Caicedo
Neuropediatra, Professora de Neurologia do Centro Medico la Trinidad, Caracas, Venezuela.

Estrutura química Mecanismo de ação


A gabapentina (GBP), ácido 1-amino-metil- Apesar das características de sua estrutura
ciclo-hexanoacético, é um novo aminoácido re- química, a GBP não exerce ação antiepiléptica por
sultado da adição de um radical ciclo-hexano à um mecanismo gabamimético. Em concentrações
estrutura química do ácido gama-aminobutírico de até 1.000 μM, não se une a receptores GABA,
(GABA) (Figura 1). Essa molécula foi desenvolvi- não é metabolizada a GABA nem a agonistas
da com o objetivo de mimetizar estruturalmente o GABAérgicos, não inibe a recaptação de GABA
GABA, principal neurotransmissor inibitório do nem sua degradação pela GABA-transaminase.
sistema nervoso central (SNC), e seria utilizada Outros estudos demonstraram que a GBP não
para o tratamento da espasticidade. O acréscimo aumenta a liberação sináptica de GABA. Portan-
de um radical ciclo-hexano aumentou a lipossolu- to, não parece atuar por meio de um mecanismo
bilidade dessa molécula, permitindo que atraves- GABAérgico conhecido como atuam os benzo-
sasse a barreira hematoencefálica1. diazepínicos, barbitúricos, valproato de sódio e
Ao contrário do que seria esperado a partir de outros agentes2,3. GBP (0,01 a 100 μM) não inte-
sua estrutura química, a GBP não exerce ação an- rage com canais de sódio nem com canais de cál-
tiepiléptica por mecanismos GABAérgicos e seu cio tipo-L da membrana neuronal como fazem a
transporte para o SNC não ocorre por lipossolubili- fenitoína, a carbamazepina e o valproato de sódio,
dade, mas sim por meio de receptores de um meca- estabilizando a hiperexcitabilidade das membra-
nismo de transporte facilitado por L-aminoácidos. nas celulares. Finalmente, a GBP (0,01 a 100 μM)

O H2N COOH
H2
H2N C C
C C OH
H2 H2

GABA Gabapentina

Figura 1. Estrutura da gabapentina comparada com a do GABA.

171
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

não interage com glutamato, glicina ou recepto- transporte de L-aminoácidos. Contudo, ao contrário
res NMDA. Essas características neurofisiológicas da L-leucina, a GBP não é metabolizada no citosol. É
indicam que a GBP tem um mecanismo de ação possível que a GBP altere o conteúdo de aminoácidos
diferente dos usualmente descritos para outros no citosol. Entretanto, desconhece-se se esse efeito
fármacos antiepilépticos (FAEs)4. tem alguma importância para sua ação antiepiléptica.
O mecanismo de ação da GBP se associa a sua
união a uma proteína auxiliar da subunidade α2-δ
dos canais de cálcio dependentes de voltagem, es-
Ação em modelos animais
pecialmente nas camadas superficiais do neocór- A GBP tem efeitos anticonvulsivantes nos se-
tex e nas camadas dendríticas do hipocampo. Essa guintes modelos animais:
união provoca a redução do influxo de cálcio nos • Previne crises tônicas extensoras induzidas
terminais pré-sinápticos, impedindo a liberação por eletrochoque máximo em camundongos e
de glutamato, da noradrenalina e da substância P, ratos (ED50 200 e 9 mg/kg, respectivamente).
o que explica seus efeitos analgésico, ansiolítico e • Aumenta o limiar epileptogênico para crises
antiepiléptico5-7 (Figura 2). clônicas induzidas por pentilenotetrazol em
Alguns estudos demonstraram que GBP se camundongos (ED50 450 mg/kg).
liga com alta afinidade ao sistema L de transpor- • Impede crises clônicas induzidas por bicucu-
te de aminoácidos na membrana neuronal de rãs. lina, picrotoxina e estricnina e crises tônicas
No entanto, não se sabe se o sítio primário de ação extensoras induzidas por tiosemicarbazida em
da GBP ocorre nesse sistema L de transporte de camundongos.
aminoácidos, ou se essa união simplesmente per- • Reduz significativamente crises comporta-
mite que a GBP penetre no citosol das células do mentais por estimulação elétrica cerebral em
SNC para ali exercer sua ação8. modelos de kindling hipocampal em ratos.
A GBP apresenta também grande semelhança • Previne crises convulsivas generalizadas em
estrutural com a L-leucina e, ainda, mimetiza a ação modelos animais com susceptibilidade gené-
da L-leucina em diversos locais, como no sistema de tica em hamsters.

Subunidade α2-δ
Canais de Ca2+ dependentes
Noradrenalina de voltagem
Glutamato
Substância P

Pontos de união de
neurotransmissores
Pré-sinapse

Pós-sinapse

Figura 2. União da gabapentina à subunidade α2-δ dos canais de cálcio dependentes de voltagem.

172
Gabapentina

Uso clínico A GBP apresenta nível de evidência A, como


monoterapia inicial em idosos acima de 65 anos
A GBP foi estudada originalmente como terapia
com crises parciais simples ou complexas, com
adjunta em crises parciais (simples ou complexas),
ou sem generalização secundária17. Tem nível de
com ou sem generalização secundária e refratárias
evidência C, como monoterapia inicial em adul-
aos FAEs tradicionais. Foi aprovada pela Food and tos com crises parciais simples ou complexas, com
Drug Administration (FDA) como terapia adjunta ou sem generalização secundária18,19. Tem nível de
para pacientes com mais de 12 anos com crises par- evidência D, como monoterapia inicial en crian-
ciais com e sem generalização secundária em janei- ças com epilepsia benigna da infância com pontas
ro de 1994. Nesse mesmo ano, foi aprovada para centrotemporais20 e também em adultos con cri-
tratar crises parciais em crianças de 3 a 12 anos. ses tônico-clônicas generalizadas18 (Tabela 1).
Os estudos iniciais permitiram aprovar seu
uso exclusivamente para pacientes acima de 12 Farmacocinética
anos de idade9-13. Em estudos duplo-cegos, doses Tabela 1. Características farmacocinéticas da ga-
diárias de GBP de 900 a 1.800 mg foram compa- bapentina
radas a placebo. Observou-se redução na frequên- Biodisponibilidade dependente da dose:
cia de crises de aproximadamente 30%, com clara 70% para dose ≤ 1.800 mg/dia
tendência a um efeito maior nos pacientes que 35% para dose ≥ 3.600 mg/dia
Tmáx: duas a três horas
receberam doses mais elevadas. Absorção
Absorção por meio de transporte
Em estudos em que se utilizaram doses mais facilitado por L-aminoácidos, o qual se
satura com doses altas
elevadas (de 2.400 a 3.600 mg diários), observou- Não influenciada por alimentos
se benefício adicional no controle de crises, com União a proteínas insignificante
boa retenção do efeito terapêutico a longo prazo. Distribuição Volume de distribuição = 0,65 a 1,04 l/kg
Para nossos pacientes, é muito provável que as do- Coeficiente de partição no cérebro = 0,8
Não se conhecem metabólitos
ses necessárias para obter efeito terapêutico máxi- Não produz indução de enzimas
mo situem-se entre 3.600 mg e 4.800 mg14. hepáticas
Metabolismo
Nos poucos estudos realizados em crianças com Não produz inibição de enzimas
hepáticas
crises parciais, a terapia adjunta com GBP mostrou Não produz autoindução
resultados similares aos encontrados em adultos15,16. T ½ = sete a nove horas (é maior no
A GBP não mostrou superioridade a placebo em tecido nervoso, onde se acumula)
Eliminação Excretada intacta na urina em
um estudo de epilepsias generalizadas refratárias nem proporção igual à da depuração da
foi eficaz em crises mioclônicas e crises de ausência17. creatinina
A incidência de epilepsia é maior nas últimas GBP não altera os níveis de outros
FAEs nem afeta a eficácia de
décadas da vida. Essa população ainda apresenta contraceptivos orais
características especiais pela coexistência de ou- Outros FAEs não alteram os níveis
Interações
tras condições mórbidas e pela necessidade de po- de GBP
Fármaco _
Antiácidos como hidróxido de
literapia, além das modicações nas características Fármaco
alumínio/hidróxido de magnésio
farmacocinéticas e farmacodinâmicas do SNC. diminuem sua absorção
Por sua tolerabilidade e perfil farmacocinético Cimetidina diminui ligeiramente sua
excreção
excelentes, GBP é particularmente atraente para
Faixa Mínimo: 2 a 5 μg/ml
pacientes idosos com problemas clínicos múlti- terapêutica Máximo: ≥ 20 μg/ml
plos que dificultam a administração de diversos Índice
≥ 10
medicamentos. terapêutico

173
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

As excelentes características farmacocinéticas Ainda, por seu potente efeito analgésico, é o fár-
da GBP tornam fácil seu manejo, apresentando maco eleito para tratar pacientes com dor neu-
grandes vantagens para ser utilizada em diversas ropática e neuralgia pós herpética21-23. Há alguns
situações clínicas. estudos sobre seu efeito benéfico em sintomas
Considerando a vida média da GBP, reco- de ansiedade (generalizada, pânico e fobias) e
menda-se que seja administrada em três toma- transtornos do humor.
das diárias, mas como em modelos animais se Como GBP não tem efeito algum sobre o fíga-
observou que se acumula no tecido nervoso, do, é o fármaco ideal para pacientes com porfiria
alguns autores sugerem que, em determinadas intermitente aguda.
situações, possa ser administrada em duas toma-
das diárias. Formas de administração
Como o sistema de transporte facilitado GBP se encontra disponível em cápsulas de
para a absorção intestinal da GBP é saturá- 100, 300 e 400 mg, comprimidos de 600 e 800 mg e
vel, sua absorção em doses elevadas (acima de solução oral (50 mg/ml). A titulação para alcançar
3.600 mg/dia) ocorre de forma não linear e re- doses mínimas com eficácia clínica (900 a 1.200
comenda-se que seja administrada em quatro mg/dia) é possível de forma relativamente rápida
tomadas diárias quando a dose diária é supe- em dois a três dias (por exemplo, deve-se iniciar
rior a 4.800 mg. com 300 mg/dia e aumentar 300 mg a cada dia
GBP não se une a proteínas plasmáticas. Não até chegar a 900 mg/dia), sendo geralmente bem
existe relação entre os níveis séricos e o efeito te- tolerada. Caso ocorram efeitos adversos (especial-
rapêutico, não sendo recomendada, assim, a mo- mente sonolência), sugere-se realizar a titulação
nitoração de seus níveis séricos na prática clínica. de forma lenta, considerando a tolerabilidade do
O controle deve basear-se na resposta terapêutica paciente para, dessa forma, minimizar os efeitos
e no surgimento de efeitos adversos. adversos (por exemplo, deve-se iniciar com 300
GBP não é metabolizada no organismo, sen- mg/dia e aumentar a dose a cada quatro a sete dias
do excretada pelos rins em sua forma ativa. A até chegar a 900 mg/dia). Em determinadas situ-
dose deve ser ajustada segundo a depuração da ações clínicas nas quais se almeja o rápido con-
creatinina em pacientes com insuficiência re- trole das crises, é possível utilizar 4.800 mg/dia
nal, reduzindo-a à metade se a depuração da ou mais em dois a três dias, provavelmente com
creatinina estiver entre 30 e 60 ml/min, a um surgimento de efeitos adversos, um preço a pagar
quarto se estiver entre 15 e 30 ml/min e a um ante a necessidade de alcançar efeito terapêutico
oitavo se a depuração da creatinina for menor em curto tempo.
de 15 ml/min. Em crianças de 3 a 12 anos de idade, a dose
É eliminada por hemodiálise, portanto se re- de início é de 10 a 15 mg/kg por dia, dividida
comenda administrar uma dose de 300 a 400 mg em três doses, até chegar a 25 a 35 mg/kg por
no início da hemodiálise e 200 a 300 mg depois de dia em crianças maiores de 5 anos e 40 mg/kg
cada quatro horas de hemodiálise. por dia em crianças de 3 a 4 anos. Doses de até
A ausência de metabolização hepática e a 50 mg/kg por dia têm sido bem toleradas em
falta de ligação a proteínas séricas conferem à estudos clínicos.
GBP vantagens pela ausência de interação com Em idosos e pacientes com insuficiência renal,
outros FAEs ou medicamentos que o paciente a dose total do fármaco deve ser ajustada propor-
esteja recebendo em razão de câncer, aids etc. cionalmente à depuração da creatinina (Tabela 2).

174
Gabapentina

Tabela 2. Doseamento da gabapentina nos diferentes graus de insuficiência renal


Função renal
Dose diária total mg/dia Regime de doseamento
Depuração da creatinina ml/min
A dose diária total deve ser administrada em
≥ 60 900 a 3.600
três tomadas (três vezes ao dia)
A dose diária total deve ser administrada em
> 30 a 59 400 a 1.400
duas tomadas (duas vezes ao dia)
A dose diária total deve ser administrada em
> 15 a 29 200 a 700
uma só tomada diária (uma vez ao dia)
A dose diária total deve ser administrada em
uma só tomada diária (uma vez ao dia)
15 100 a 300 Se a depuração de creatinina é menor que 15
ml/min, a dose diária total deve ser ajustada
em proporção à depuração de creatinina
Os pacientes em hemodiálise devem receber
uma dose de manutenção e uma dose
Hemodiálise 125 a 350
adicional quatro horas após cada sessão de
hemodiálise

Efeitos adversos efeitos adversos é mais baixa que a referida com


outros FAEs tradicionais e de segunda geração.
GBP é bem tolerada. A incidência de efeitos
A GBP, assim como se observa com outros
adversos é baixa, sendo estes geralmente leves e
FAEs, pode provocar ideação e pensamento sui-
transitórios, desaparecendo com o tempo. Os efei-
cida em um de cada 500 pacientes tratados com
tos adversos mais comuns são sintomas relaciona-
esse fármaco.
dos com o SNC, como sonolência, ataxia, náuseas,
fadiga, nistagmo e tremor, os quais se apresentam A apresentação de reações idiossincrásicas
em 10% a 20% dos pacientes. Há relatos de casos com GBP é extremamente rara. A incidência de
de agitação psicomotora, labilidade emocional e reações cutâneas é bastante inferior à descrita
irritabilidade em crianças que recebem esse fár- com outros FAEs. Até esta data, ainda não foram
maco, um quadro bastante similar ao observa- relatados (com mais de um milhão de pacientes
do com o uso de fenobarbital, o qual é revertido expostos) casos de reações de hipersensibilidade
assim que o tratamento é suspenso. Outro efeito graves, como a síndrome de Stevens-Johnson. É
secundário da GBP é ganho de peso, aspecto que importante lembrar que manifestações precoces
parece depender de respostas idiossincrásicas de de hipersensibilidade, como febre e linfadeno-
acordo com o conhecimento atual sobre as bases patia, podem ocorrer antes que o eritema esteja
envolvidas na obesidade, mas que é preciso con- evidente e, nesse caso, o paciente deve ser avalia-
siderar no momento em que se seleciona o FAE, do imediatamente e se não houver outra etiologia
considerando a importância que o peso exerce na possível para os sinais e sintomas, a administra-
vida do paciente, assim como os benefícios e ris- ção de GBP deverá ser interrompida.
cos individuais.
Como comentado previamente, a intensida- Carcinogênese e mutagênese
de e a frequência dos efeitos adversos podem ser GBP aumentou a incidência de adenomas de
minimizadas com titulação mais lenta. Nos estu- células acinares e carcinomas pancreáticos em ra-
dos realizados com GBP, a taxa de abandono por tos, mas não em ratas nem em camundongos, nos

175
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

estudos oncogênicos com doses de 2.000 mg/kg gestações, duração da gravidez, parto, comporta-
que produzem concentração plasmática 14 vezes mento com a prole/cuidado e lactação.
maior que a observada em humanos com dose
de 2.400 mg/dia. A relevância desses tumores
de células acinares pancreáticas em ratos é des-
Considerações finais
conhecida em seres humanos, particularmente A GBP é eficaz no tratamento de crises par-
considerando que os tumores ductais, mais que os ciais simples ou complexas, com ou sem genera-
de células acinares, são a forma predominante de lização secundária, como terapia adjunta e mo-
câncer de pâncreas humano. noterapia inicial, essa última particularmente em
GBP não tem potencial genotóxico nem in- idosos, população com nível de evidência A para
duz aberrações na estrutura cromossômica em seu uso, com lamotrigina. Seu uso foi aprovado
células de mamíferos in vitro ou in vivo, tampou- pela FDA como terapia adjunta em crises parciais
co induz a formação de micronúcleos na medula simples ou complexas com ou sem generalização
óssea de hamsters. secundária em crianças de 3 a 12 anos de idade.
Suas vantagens principais são seu perfil farmaco-
cinético e sua tolerabilidade, sendo uma opção
Teratogenicidade atraente para o tratamento desses tipos de crises
Não há estudos sistemáticos sobre o poten- em idosos e em pacientes que utilizam diversos
cial teratogênico da GBP em seres humanos. Em medicamentos para outras doenças de base. Sua
modelos animais (ratos e camundongos) em que principal desvantagem é a necessidade de ser ad-
se empregaram doses de 2.000 mg/kg, observou- ministrada em três tomadas diárias, o que dificul-
se retardo na ossificação esquelética, mas não no ta a adesão ao tratamento.
peso corporal total. O uso de doses 25 a 50 vezes
maiores que as empregadas em seres humanos Referências bibliográficas
provocou hidronefrose e hidroureteres, mas não
1. Marais E, Klugbauer N, Hofmann F. Calcium
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nico, porém como não foram realizados estudos
3. Jensen AA, Mosbacher J, Elg S, et al. The anti-
adequados e bem controlados para estabelecer a convulsant gabapentin (Neurontin) does not act
segurança desse fármaco em mulheres grávidas, through gamma-aminobutyric acid-B receptors.
recomenda-se seu uso durante a primeira gesta- Molecular Pharmacol. 2002;61:1377-84.
ção somente quando se considera que os benefí- 4. Taylor CP, Gee NS, Su TZ, et al. Mechanisms of
cios para a mãe superam os riscos sobre o feto. gabapentin. Epilepsy Res. 1998; 29(3):233 49.
5. Gee NS, Brown JP, Dissanayake VU, et al. The
novel anticonvulsant drug, gabapentin (Neuron-
Reprodução tin), binds to the alpha2delta subunit of a calcium
channel. J Biol Chem. 1996;271(10):5768-76.
Em estudos de reprodução e fertilidade em
6. Belliotti TR, Capiris T, Ekhato IV, et al. Structu-
ratas, os quais empregaram doses de GBP de até re-activity relationships of pregabalin and analo-
2.000 mg/kg, não se observaram efeitos adver- gues that target the alpha(2)-delta protein. J Med
sos sobre fertilidade, intervalo pré-coital, taxa de Chem. 2005;48:2294-307.

176
Gabapentina

7. Taylor CP, Angelotti T, Fauman E. Pharmacology 17. Chadwick D, Leiderman DB, Sauermann W, et al.
and mechanism of action of pregabalin: the cal- Gabapentin in generalized seizures. Epilepsy Res.
cium channel alpha2-delta (alpha2-delta) subunit 1996;25:191 7.
as a target for antiepileptic drug discovery. Epi- 18. Rowan AJ, Ramsay RE, Collins JF, et al. New onset
lepsy Res. 2007;73:137-50. geriatric epilepsy: a randomized study of gabapen-
8. Su TZ, Feng MR, Weber ML. Mediation of hi- tin, lamotrigine, and carbamazepina. Neurology.
ghly concentrative uptake of pregabalin by L- 2005;64:1868-73.
type amino acid transport in Chinese hamster 19. Brodie MJ, Chadwick DW, Anhut H, et al. Ga-
ovary and Caco-2 cells. J Pharmacol Exp Ther. bapentin versus lamotrigine monotherapy: a
2005;313:1406-15. double-blind comparison in newly diagnosed epi-
9. Bower et al., 1989. lepsy. Epilepsia. 2002;43:993-1000.
10. UK Gabapentin Study Group. Gabapentin and 20. Marson AG, Al-Kharusi AM, Alwaidh M, et al.
partial epilepsy. Lancet. l990;335:1114 7. The SANAD study of effectiveness of carbama-
11. Sivenius J, Kälviäinen R, Ylinen A, et al. Double zepine, gabapentin, lamotrigine, oxcarbazepine,
blind study of gabapentin in the treatment of par- or topiramate for treatment of partial epilepsy: an
tial seizures. Epilepsia. 1991; 32:539 42. unblinded randomised controlled trial. Lancet.
12. US Gabapentin Study Group n. 5. Gabapentin as 2007;369:1000-15.
add on therapy in refractory partial epilepsy: a 21. Bourgeois B, Brown LW, Pellock JM, et al. Ga-
double blind, placebo controlled, parallel group bapentin monotherapy in children with benign
study. Neurology. 1993;43:2292 8. childhood epilepsy with centrotemporal spikes
13. Baulac M, Cavalcanti D, Semah F, et al. Gabapen- (BECTS): a 36-week, double-blind, placebo-con-
tin add on therapy with adaptable doses in 610 trolled study. Epilepsia. 1998;39(suppl. 6):163.
patients with partial epilepsy: an open observatio- 22. Schmidt B. Gabapentin. Clinical efficacy and use
nal study. The French Gabapentin Collaborative in other neurological disorders. In: Levy RH,
Group. Seizure. 1998;7:55 62. Mattson RH, Meldrum BS, et al. (eds.). Antie-
14. Wilson AE, Sills GJ, Forrest G, et al. High dose pileptic drugs. 5. ed. Philadelphia: Lippincott
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15. Khurana DS, Riviello J, Helmers S, et al. Efficacy 24. Khadem T, Stevens V. Therapeutic options for
of gabapentin therapy in children with refractory the treatment of postherpetic neuralgia: a syste-
partial seizures. J Pediatr. 1996;128: 829 33. matic review. J Pain Palliat Care Pharmacother.
16. Appleton et al., 1998. 2013;27(3):268-83.

177
Pregabalina
15 Sucedendo a gabapentina com maior
eficácia em crises parciais
Valentín Sainz Costa
Professor de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Central da Venezuela,
Caracas, Venezuela.

A pregabalina (PGB) é um aminoácido rela- Administration (FDA) para uso em epilepsia, neu-
cionado ao ácido gama- aminobutírico (GABA), ropatia dolorosa diabética e neuralgia pós-herpética
cuja estrutura molecular é similar à da gabapen- em dezembro de 2004. Foi comercializada no mer-
tina (GBP) (Figura 1). Como a GBP, a PGB não cado americano em outubro de 2005 e, em junho
atua diretamente nos receptores GABA nem se de 2007, a FDA aprovou-a para tratar fibromialgia.
une a seus transportadores.
CH2 CH2 Mecanismos de ação
A PGB se une à subunidade α2-δ, uma pro-
H2N CH2 COOH teína auxiliar do canal de cálcio dependente de
Ácido gama-aminobutírico (GABA) voltagem tipos L e N no sistema nervoso central
(SNC), reduzindo o influxo de cálcio no termi-
nal neuronal e, consequentemente, a liberação
H2N COOH de neurotransmissores como glutamato, nora-
drenalina e substância P, o que determina seus
efeitos analgésico, ansiolítico e antiepiléptico
Gabapentina (Figura 2). PGB não tem efeito sobre a liberação,
síntese nem degradação do GABA. Por outro
lado, não exerce efeito algum sobre os recepto-
H2N COOH res GABA-A nem GABA-B, tampouco é meta-
H CH3 bolizada em GABA1-4.
sítio de
união da
CH3 pregabalina
Pregabalina

Figura 1. Estrutura química da pregabalina comparada à


do GABA e à da gabapentina.

A PGB foi desenvolvida pelo médico e químico


Richard Bruce Silverman, da Universidade Nor-
thwestern, nos Estados Unidos, e aprovada pela Figura 2. Local de união da pregabalina na subunidade
União Europeia em 2004 e pela Food and Drugs α2-δ do canal de cálcio dependente de voltagem.

179
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Ação em modelos animais leite materno. Em humanos, o volume de distri-


buição, após uma dose oral, é 0,56 l/kg. PGB não
PGB mostrou eficácia nos seguintes modelos
se liga a proteínas plasmáticas.
animais de crises focais:
Metabolismo: em humanos, PGB sofre um
- Eletrochoque máximo, impedindo a ocorrência
metabolismo insignificante. Aproximadamente
de crises tônicas extensoras em camundongos.
98% da dose administrada é recuperada na urina
- Crises comportamentais e eletroencefalo- sem alterações. A N-metil pregabalina é seu prin-
gráficas em camundongos submetidos a kin- cipal metabólito, não induzindo nem inibindo as
dling hipocampal. enzimas do citocromo P450 (Tabela 1).
- Aumento do limiar epileptogênico em ani-
Tabela 1. Características farmacocinéticas da
mais genéticamente suscetíveis a crises (ca-
pregabalina
mundongos audiogênicos DBA/2).
Características químicas
- Incremento do limiar epileptogênico para cri-
Fórmula C8H17NO2
ses clônicas desencadeadas por pentilenote-
Peso molecular 159.23 gol-1
trazol, um agente convulsivante.
Ácido (S)-3-(aminometil)-5-
Nome
Nesses modelos animais, PGB foi 18 vezes metil-hexanoico
mais potente que GBP. No entanto, PGB não re- Características farmacocinéticas
duziu a frequência de crises de ausência espontâ- Biodisponibilidade 90%
Ligação a proteínas
neas em ratos com epilepsia ausência de Estras- Não
plasmáticas
burgo. Portanto, os dados em modelos animais de Volume de
0,56 lt/kg
epilepsia foram consistentes com a possível eficá- distribuição
Metabolismo Insignificante (menos de 2%)
cia de PGB para crises parciais1-4.
Tmáx 1 hora
Meia-vida 5 a 6,5 horas (adultos sadios)
Farmacocinética Excreção
Renal de forma inalterada (98%
da dose administrada)
Absorção: PGB apresenta excelente perfil farma-
cocinético após administração oral. Sua biodisponi- Excreção: é eliminada da circulação sistêmica
bilidade é superior a 90% e o Tmáx ocorre em uma principalmente pela via renal. A depuração renal
hora. É rápidamente absorvida quando administrada da PGB é 73 ml/min5. As doses de PGB devem ser
com estômago vazio. Sua absorção diminui quando ajustadas de acordo com a depuração da creatini-
ingerida com alimentos, o que determina redução na (Tabela 2).
em sua Cmáx de 25% a 30% e prolongamento do Não foram demonstradas interações farmaco-
Tmáx para 2,5 horas. Porém, a ingesta de alimen- cinéticas com PGB in vivo. Seu fabricante reportou
tos não promove efeito clínico significativo sobre a algumas interações farmacológicas potenciais com
quantidade do fármaco absorvida. O transporte das opioides (PGB tem efeito sinérgico ao dos opiodes
moléculas no intestino e na barreira hematoencefá- em doses baixas), benzodiazepínicos, barbitúricos,
lica (BHE) é realizado por meio do sistema L, res- etanol e outras substâncias depressoras do SNC.
ponsável pelo transporte de grandes aminoácidos de Alimentos e GBP reduzem a Cmáx de PGB, mas
forma não saturável, razão pela qual a concentração não alteram a exposição total ao fármaco. PGB não
plasmática de PGB é proporcional à dose administra- tem interações com contraceptivos orais, diuréticos,
da. Atinge nível plasmático estável em 24 a 48 horas. hipoglicemiantes orais e insulina, etanol, oxicodona
Distribuição: em animais, PGB atravessa a e lorazepam. PGB tem farmacocinética linear e pre-
BHE, cruza a barreira placentária e é excretada no visível de acordo com as variações nas doses.

180
Pregabalina

Tabela 2. Ajuste de doses de pregabalina de acordo com a função renal

Depuração da creatinina (ml/mi) Dose diária total de PGB Posologia Administração


Dose inicial (mg/dia) Dose máxima (mg/dia)
= 60 600 Duas ou três vezes ao dia
= 30 a < 60 300 Duas ou três vezes ao dia
= 15 a < 30 150 Duas ou três vezes ao dia
< 15 75 Uma vez ao dia
Dose complementar após 25 100 Dose única
hemodiálise (mg)
A dose diária total deve ser
dividida nas ingestas indicadas na
posologia para obter os mg/dose
adequados. A dose complementar
é adicional.

Eficácia Metodologia
Os estudos realizados até o momento sugerem O parâmetro primário de eficácia foi a respon-
eficácia em adultos com crises parciais refratárias se ratio (R ratio), fórmula que mede a alteração
ao tratamento com outros fármacos antiepilépti- percentual da frequência de crises em relação ao
cos (FAEs)6. Foram realizados três ensaios clínicos período basal, ou seja, o quanto melhorou a fre-
(1008-009, 1008-011 e 1008-034), duplo-cegos, quência de crises.
randomizados e controlados com placebo que Esta fórmula pode ser expressa como:
incluíram 758 pacientes adultos de 12 a 75 anos
T-B x 100
(média 38), com duração média da epilepsia de
T+B
25 anos. PGB foi incluída ao esquema terapêutico
utilizado durante o período basal. Por outro lado,
em que, T = frequência de crises durante o
294 pacientes receberam placebo. Um dos critérios
tratamento e B = frequência de crises no perí-
de inclusão nesses estudos era a refratariedade das
odo basal.
crises a um ou dois FAEs em doses máximas tole-
Valores negativos dessa relação indicam redu-
radas. Desse total, 27% dos 758 pacientes recebe-
ção na frequência de crises. Assim, se um paciente
ram apenas um FAE, 50% foram tratados com dois
apresentava dez crises por mês e passou a apre-
e 23%, com três FAEs em doses efetivas. Apesar
sentar cinco, então:
do tratamento, tais pacientes continuaram apre-
sentando uma média de 24 crises parciais com ou 5-10 x 100 = - 5 x 100= -33
sem generalização secundária ao mês. Tais dados 10+5 15
nos permitem concluir que se tratava de pacientes
com epilepsia parcial muito refratária. Portanto, o escore - 33 indica diminuição de
Nos diferentes estudos, PGB foi utilizada em 50% das crises. A R ratio foi depois transformada em
doses de 50 a 600 mg/dia, em duas ou três toma- porcentagem de crises em relação ao período basal.
das diárias, sem titulação de doses ou apenas após Parâmetros secundários de eficácia incluí-
uma breve titulação de apenas uma semana. ram R rate, ou seja, a porcentagem de pacientes

181
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

com 50% de redução ou mais de crises com o tra- mg/dia não demonstrou eficácia. Tais resultados
tamento, o número de pacientes livres de crises mostram que a dose de PGB deve estar entre 150
por 28 dias (o critério utilizado foi que nenhum e 600 mg/dia para tratamento como fármaco ad-
paciente poderia estar sem crises durante quatro juntivo em crises parciais.
semanas para ser incluído no estudo) e o número Por outro lado, até 17% (15 de 89 pacientes
de pacientes sem crises por pelo menos seis meses que receberam PGB 600 mg) ficaram livres de
no período de extensão. crises por pelo menos 28 dias após iniciar o trata-
mento7. A longo prazo, 12% dos pacientes ficaram
livres de crises por seis meses ou mais8. O efeito
Resultados da adição da PGB é rápido, sendo observado já
A figura 3 mostra a R ratio dos três estudos. no segundo dia de tratamento. Esse é um atributo
A dose de PGB que se mostrou efetiva foi de 150 importante desse novo FAE9.
a 600 mg/dia. Não houve diferenças significativas Quando se compararam as doses de 150, 300
entre a administração em duas ou três ingestas ao e 600 mg ao dia, verificou-se aumento na eficá-
dia. A porcentagem média de redução no número cia com doses maiores. Com 600 mg/dia, PGB foi
de crises em relação ao período basal é a R ratio, superior a placebo no controle de crises parciais
que foi de 43% a 51% entre os pacientes que rece- simples, parciais complexas e tônico-clônicas ge-
beram PGB na dose de 600 mg/dia. A dose de 50 neralizadas (Tabela 3)10.

Estudo 1 Estudo 2 Estudo 3


60
*** P≤0.001 vs. placebo
Pacientes (%) (respondedores)

***
50 ***

*** ***
***
40

***
30

20

10

0
Placebo 50 150 300 600 Placebo 150 600 Placebo 600 três ingestas 600 duas ingestas
(n=100) (n=88) (n=68) (n=90) (n=89) (n=96) (n=99) (n=92) (n=98) (n=111) (n=103)

PGB mg/dia (duas ingestas) PGB mg/dia (três ingestas) PGB mg/dia (duas ou três ingestas)

Figura 3. Porcentagem de pacientes que responderam ao tratamento com pregabalina.

182
Pregabalina

Tabela 3. Ensaios clínicos comparativos de pregabalina em relação a placebo como adjuvante em politerapia

Primeiro(s) Número de Situação basal Desenho do Tratamento Variável Resultado: QR (frequência de


autor(es) pacientes estudo em mg/dia primária crises com relação à basal)
(ano) (idade em (duração) de eficácia
anos)

French et al.11 453 (12-70) Crises parciais PGB em PGB 50 R ratio PGB 50: - 6* (↓ 12%)
com ou sem relação a PBO PGB 150 PGB 150: - 21* (↓ 34%)
generalização acrescentado PGB 300 PGB 300: - 28* (↓ 44%)
secundária ao tratamento PGB 600 PGB 600: - 37* (↓ 54%)
refratárias a prévio
PBO PBO: - 4 (↓ 4%)
outros FAEs (ao com FAEs.
menos seis crises Randomizado, (12 semanas)
nas oito semanas duplo-cego e
prévias) paralelo

Arroyo12 287 (17-73) Crises parciais PGB em PGB 150 R ratio PGB 150: - 11,5* (↓ 20,6%)
com ou sem relação a PBO PGB 600 PGB 600: - 31,4* (↓ 47,8%)
generalização acrescentado PBO PBO: + 0,9 (↑ 1,8%)
secundária ao tratamento (12 semanas)
refratárias a prévio
outros FAEs com FAEs.
(ao menos três Randomizado,
crises nas quatro duplo-cego e
semanas prévias) paralelo

Beydoum13 312 (17-82) Crises parciais PGB em PGB 600 R ratio PGB 600 (2): - 28,4* (↓ 44,3%)
com ou sem relação a PBO (duas ingestas) PGB 600 (3): - 36,1* (↓ 53%)
generalização acrescentado PGB 600 PBO: + 0,6 (↑ 1,2%)
secundária ao tratamento (três ingestas)
refratárias a prévio
PBO
outros FAEs (ao com FAEs.
menos seis crises Randomnizado, (12 semanas)
nas oito semanas duplo-cego e
prévias) paralelo

Elger14 341 (18-78) Crises parciais PGB em PGB 600 R ratio PGB 600 (2): - 32,7* (↓ 49,3%)
com ou sem relação a PBO (duas ingestas) PGB 150 a 600: - 21,5* (↓ 35,4%)
generalização acrescentado PGB 150 a 600 PBO: - 5,6 (↓ 10,6%)
secundária ao tratamento (dose flexivel)
refratárias a prévio
PBO
outros FAEs (ao com FAEs.
menos quatro Randomizado, (12 semanas)
crises nas seis duplo-cego e
semanas prévias) paralelo

PBO: placebo; R ratio: Response ratio a p < 0,001.


* Diferença estatisticamente significativa comparada a PB.

183
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Efeitos adversos gicos foram realizados nesses pacientes, não ten-


do sido constatadas alterações no campo visual16.
Os efeitos adversos da PGB são semelhantes aos
da GBP, sendo observados principalmente no início Entre os efeitos adversos, figuram:
do tratamento e associados à dose. Os mais comuns se -

Muito comuns (mais de 10% dos pacientes):
relacionaram ao sistema nervoso e compreenderam tontura e sonolência.
tontura (28,9%), sonolência (20,8%) e ataxia (13,2%). - Comuns (de 1% a 10% dos pacientes): altera-
Tontura e sonolência são efeitos iniciais observados ções visuais (visão borrada, diplopia), ataxia,
principalmente com doses superiores a 150 mg/dia. A disartria, tremor, letargia, falhas de memória,
intensidade desses sintomas foi descrita como discre- euforia, constipação, boca seca, edema peri-
ta a moderada. Ganho de peso justificou a desconti- férico, perda ou redução da libido, disfunção
nuação do tratamento em três dos 758 pacientes. Não erétil, ganho de peso.
se observou nenhum efeito adverso grave. - Infrequentes (de 0,1% a 1% dos pacientes): de-
Mioclonias de intensidade leve foram relata- pressão, confusão, agitação, alucinações, mio-
das como efeitos adversos por quatro de 19 pa- clonias, hipoestesia, hiperestesia, taquicardia,
cientes ativamente interrogados, tratados com salivação e sudorese excessivas, rash, cãibras,
PGB em doses de 50 a 600 mg. Sua intensidade mialgias, artralgias, incontinência urinária,
teria relação com a dose e houve melhora com a disúria, trombocitopenia e litíase renal.
redução desta15. Consideradas reações raras (in- - Raros (menos de 0,1% dos pacientes): neutro-
cidência inferior a 2% do total de pacientes), as penia, hipotensão, hipertensão, pancreatite,
mioclonias não apresentaram correlação eletro- disfagia, oligúria, rabdomiólise, condutas sui-
encefalográfica. Entre os efeitos adversos verifica- cidas, anorgasmia, secreção inapropriada de
dos nos três estudos, figuram edema (relacionado hormônio antidiurético e bloqueio atrioven-
à dose), ambliopia e diplopia. Exames oftalmoló- tricular (Tabela 4)17-19.

Tabela 4. Efeitos adversos mais frequentemente associados ao tratamento com pregabalina nos estudos
controlados, duplo-cegos, de segurança e eficácia em pacientes com epilepsia
Incidência
Frequência de apresentação em Abandono do ensaio pelo
global segundo
ensaios clínicos [tratados (%)] evento adverso (% )
o protocolo
PGB PBO PGB PBO
Tontura 28,9* 10,5 5,3 0,3 > 10
Sonolência 20,8* 10,9 3,3 0,0 > 10
Ataxia 13,2* 4,1 3,0 0,3 1 a 10
Astenia 11,2 8,2 1,8 0,3 0,1 a 1
Aumento de peso 10,4* 1,4 0,4 0,0 1 a 10
Lesões acidentais (quedas) 9,9* 5,4 0,9 0,0 0,1 a 1
Cefaleia 9,1 11,6 1,2 0,0 _
Ambliopia (visão borrada) 9,0* 4,4 1,6 0,0 1 a 10
Diplopia 8,4 3,7 1,6 0,7 1 a 10
Tremor 7,5* 3,7 1,5 0,0 0,1 a 1
Alterações do pensamento
(dificuldade de 7,0 2,0 1,3 0,0 1 a 10
concentração)
* Diferença estatisticamente significativa comparada a PBO.

184
Pregabalina

Vantagens essencial, síndrome das pernas inquietas,


profilaxia da migrânea em adultos, síndrome
• Início de ação rápido.
do cólon irritável, transtorno bipolar e insô-
• PGB é mais eficaz que GBP.
nia24-27. No entanto, não há aprovação para es-
• Enquanto a dose mínima eficaz de GBP é de sas indicações das autoridades regulatórias.
900 mg/dia, a de PGB é de 150 mg/dia.
• Doses de PGB de até 600 mg/dia são bem
toleradas. Posologia
• A administração em duas ingestas diárias faci- Deve-se iniciar com a dose de 150 mg/dia,
lita a adesão à terapêutica. divididos em duas ou três ingestas diárias, au-
• O perfil farmacocinético da PGB é excelente: mentando para 300 mg/dia após três a sete dias,
absorção satisfatória, ausência de metabolis- em função da resposta e tolerabilidade. Deve-
mo e de ligação a proteínas plasmáticas ou se prosseguir dessa forma até a dose máxima de
interações com outros fármacos ou substân- 600 mg/dia.
cias endógenas20. Esse esquema é válido tanto no tratamento da
• A dose inicial sugerida é de 150 mg/dia. epilepsia como da dor neuropática e do transtor-
no de ansiedade generalizado. Deve-se ajustar a
• Não é necessário titulação.
dose em pacientes con insuficiência renal. A in-
• Em estudos de adição em pacientes adultos
terrupção deve ser efetuada de forma gradual, no
com crises parciais refratárias, PGB proporcio-
prazo mínimo de uma semana.
nou redução na frequência de crises em 50%
PGB não é recomendada a crianças com me-
ou mais dos pacientes e até 12% dos pacientes
nos de 12 anos, nem a adolescentes de 12 a 17
alcançaram controle completo de crises por
anos, devido à escassez de dados de segurança
um período igual ou superior a seis meses.
e eficácia.

Indicações Precauções
• Terapia adjuvante para crises parciais com ou - Em idosos, a dose de PGB deve ser ajustada
sem generalização secundária em adultos. pela redução na função renal.
• Sua utilidade em pacientes com crises parciais - Não deve ser utilizada durante a gestação nem
secundárias a neoplasias foi destacada por al- a lactação. Foram relatados potenciais efeitos
guns21, bem como em complicações neuroló- teratogênicos em ratos. No entanto, há evidên-
gicas da aids, em decorrência da ausência de cias sugestivas de que PGB pode ser segura
interações farmacocinéticas com antineoplá- durante a lactação28-30.
sicos e antirretrovirais22. - Deve-se ajustar a dose de hipoglicemiantes em
• Dor neuropática na neuropatia diabética e diabéticos que ganhem peso durante o trata-
neuralgia pós-herpética. mento com PGB.
• Transtorno de ansiedade generalizada23. - Há riscos de acidentes por tontura e transtor-
• Fibromialgia .
2
nos de consciência.
• Tratamento da dependência de álcool e ben- - Recomenda-se cautela ante as alterações visu-
zodiazepínicos19,2. ais com PGB.
• Miscelânea: experiências clínicas com PGB - Há sintomas de retirada pela interrupção de
foram publicadas no tratamento do tremor PGB.

185
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

- Há risco de insuficiência cardíaca em pacien- 6. Stefan H, Kugler AR, Anhut H, et al. Pregabalin
tes acima de 65 anos com comprometimento adjuntive therapy in patients with partial seizures.
Washington/Seattle: American Epilepsy Society
da função cardiovascular.
Annual Meeting, December 2002.
- Recomenda-se precaução a pacientes com in-
7. Brodie MJ, Kugler AR, Anhut H, et al. Pregaba-
tolerância à lactose. lin adjunctive therapy in patients with partial
seizures: additional efficacy analyses. Epilepsia.
2002;43(suppl. 7):S186.
Considerações finais 8. Uthman BM, Beydoun A, Kugler AR, et al. Long-term
A PGB é uma molécula estruturalmente si- efficacy and tolerability of pregabalin in patients with
milar à GBP mas é superior a ela em termos far- partial seizures. Epilepsia. 2002;43(suppl. 7): S240.
macocinéticos e tem maior potência e efetividade 9. Perucca E, Ramsay RE, Robbins JL, et al. Pregaba-
lin demonstrates anticonvulsant activity by the se-
comprovada no controle de crises parciais como
cond day. Washington/Seattle: American Epilepsy
ou sem generalização secundária; é especialmente
Society Annual Meeting, December 2002.
útil no tratamento de pacientes polimedicados e 10. Greiner MJ, Kugler AR, Lee CM, et al. Pregabalin
em epilepsias sintomáticas decorrentes de tumo- shows efficacy in reducing simple partial, complex
res cerebrais; ainda apresenta eficácia reconhecida partial, and secondarily generalized seizures. Epi-
no tratamento de outras afecções, como neuropa- lepsia. 2003;44(suppl. 9):S260.
tia diabética dolorosa e neuralgia pós herpética, 11. French JA, Kugler AR, Robbins JL, et al. Do-
fibromialgia, transtorno de ansiedade generaliza- se-response trial of pregabalin adjuntive thera-
py in patients with partial seizures. Neurology.
da, síndrome das pernas inquietas, entre outras.
2003;60:1631-7.
Deve ser usada com cautela em pacientes com
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186
Pregabalina

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187
Lacosamida
16 Um bloqueador de canal de sódio com
perfil farmacocinético próximo ao ideal
Luis Carlos Mayor
Diretor da Clínica de Epilepsia do Departamento de Neurologia do Hospital Universitario
Fundación Santa Fe de Bogotá, Bogotá, Colômbia.

Em geral, o uso dos novos antiepilépticos


cursa com menor incidência de efeitos adversos
comparativamente aos antiepilépticos tradicio- O
O
nais. Esse é o caso da lacosamida (LCM), fárma- H
co já aprovado em muitos países, inclusive pela N
Food and Drug Administration (FDA), para ser N
usado em pacientes com epilepsia de início focal. H
LCM atua em canais de sódio, porém, diferente- O
mente dos bloqueadores de canais de sódio tra- Figura 1. Estrutura química da lacosamida.
dicionais, o faz sobre canais de sódio de inativa-
ção lenta. Entre suas vantagens, figuram a fraca
ligação a proteínas séricas, eliminação predomi- Mecanismos de ação
nantemente renal e poucos efeitos adversos, os Os canais de sódio são inativados de forma
quais são dependentes da dose e mais frequen- rápida e lenta. Inativação lenta é um mecanismo
temente verificados quando se combina LCM a endógeno por meio do qual os neurônios reduzem
outros antiepilépticos bloqueadores de canais sua hiperatividade ectópica, deixando intacta a
de sódio. Uma vantagem adicional da LCM é a atividade normal3. A LCM interfere seletivamente
apresentação para uso intravenoso a pacientes com o componente de inativação lenta das corren-
impossibilitados de utilizá-la por via oral. tes de sódio dependentes de voltagem sem afetar o
componente rápido que é o alvo dos bloqueadores
de canais de sódio tradicionais. Um segundo me-
Estrutura química canismo de ação é a inibição da proteína-2 media-
A LCM, (R)-2-acetamido-N-benzil-3-metoxi- dora da resposta à colapsina (CRMP2), por meio
propionamida, é um dos aminoácidos funcionais da qual poderia inibir o crescimento neuronal que
sintetizados como potenciais medicamentos an- ocorreria na epilepsia crônica1,4,5. Acredita-se tam-
tiepilépticos1. Suas propriedades antiepilépticas bém que através da sua ligação à CRMP2, LCM
são conhecidas desde 1980, após estudos com exerceria um efeito protetor mediante a redução
animais utilizando moléculas relacionadas com a da excitotoxicidade induzida pelo glutamato, o
N-acetil-D,L-alanina benzilamida2 (Figura 1). que contribuiría para sua eficácia clínica6.

189
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Em estudos em animais, LCM resultou em au- Quanto às epilepsias generalizadas, princi-


mento do limiar convulsivógeno, diminuição da palmente aquelas com crises tônico-clônicas, sua
excitabilidade no estado de mal epiléptico autos- eficácia ainda não é conhecida e apenas estudos
sustentado em ratos e inibição das crises epilépti- futuros poderão fornecer essa resposta. Embora
cas induzidas em ratos3. ainda não aprovada para utilização em estado de
Sua eficácia em pacientes com epilepsia foi de- mal epiléptico, várias publicações têm mostrado
monstrada em três estudos principais realizados sua utilidade em estado de mal refratário, quan-
em adultos com crises focais7. do outros FAEs disponíveis não mostraram eficá-
cia11-13. Também foram relatadas respostas satisfa-
tórias no tratamento do estado de mal epiléptico
Indicações de difícil controle em crianças14.
A LCM foi aprovada para uso na União Eu-
ropeia em 3 de setembro de 2008 e nos Estados
Unidos pela FDA em 29 de outubro de 2008 como Apresentações
medicação adjuvante para crises de início focal de Comprimidos: 50, 100, 150 e 200 mg; xarope:
pacientes com mais de 17 anos de idade2. 10 mg/ml; ampolas: 200 mg.
Após ter se mostrado eficaz em diferentes es-
tudos, a LCM foi aprovada para uso em pacientes
com crises de início focal com ou sem generali- Doses
zação secundária2,3,7,8. Em estudos controlados de A dose recomendada para adultos é de 200 a
pacientes com epilepsia focal refratária, observou- 400 mg por dia, dividida em duas doses. Dose de
se redução na frequência de crises igual ou supe- 600 mg não mostrou maior eficácia e resultou em
rior a 50% em 30% a 40% dos pacientes6. Redução maior número de efeitos adversos.
semelhante também foi relatada em crianças9,10. É recomendado começar a titulação com 50 mg
Como acontece com todos os novos fármacos a cada 12 horas durante sete dias e, em seguida,
antiepilépticos (FAEs), sua primeira indicação é continuar com 100 mg a cada 12 horas. Se neces-
como terapia adjuvante em pacientes com mais de sário, doses mais elevadas poderão ser utilizadas,
16 ou 17 anos, sendo essa a indicação aprovada na com incrementos de 100 mg a cada semana, de-
maioria dos países. No entanto, a LCM começou pendendo da tolerabilidade.
a ser utilizada como monoterapia com resposta Como comentado anteriormente, embora a
terapêutica satisfatória. Essa última afirmação é medicação ainda não tenha sido aprovada para
semelhante ao que já aconteceu, ou está aconte- uso em crianças e a dose recomendada ainda não
cendo, com alguns dos novos FAEs (por exemplo, tenha sido recomendada a essa faixa etária, de
lamotrigina e levetiracetam), que foram aprova- acordo com diferentes relatos preliminares, pos-
dos alguns anos antes da LCM como medicações sivelmente a dose inicial é de 1-3 mg/kg/dia, divi-
adjuvantes e hoje também são aprovados para uso dida em duas doses6.
em monoterapia. É possível que em pouco tem- A medicação é geralmente bem tolerada.
po a LCM faça parte do grupo de medicamentos A LCM é indicada como adjuvante e, quando
aprovados como monoterapia de primeira linha combinada a FAEs inibidores de canais de sódio,
em crises focais. LCM ainda não foi aprovada poderão ser frequentemente observados efeitos
para menores de 16 ou 17 anos, mas vários estu- adversos significativos, como tonturas, náuseas
dos têm demonstrado a eficácia e a segurança de etc. Nesses casos, a recomendação é reduzir a
sua utilização em crianças9,10. titulação da LCM e a dose dos FAEs bloqueado-

190
Lacosamida

res dos canais de sódio aos quais foi associada. Farmacocinética


Com FAEs como levetiracetam, ácido valproico
• Absorção completa após administração oral.
e topiramato, os efeitos adversos são menores ou
• Farmacocinética linear.
ausentes. Uma das combinações mais recomen-
dadas e que mostrou maior eficácia é o uso de • Tmáx: uma a quatro horas (oral).
lacosamida com levetiracetam. • V½ ~ 13 horas; estado estável em três dias.
• Biodisponibilidade ~ 100%.
• Metabólito: O-desmetil lacosamida. Tmáx: 0,5
Ampolas a 12 horas. Meia-vida: 15 a 23 horas. Não é far-
As ampolas contêm 200 mg/20 ml (10 mg x macologicamente ativo6.
ml) para aplicação IV. Não requerem diluição an- • Alimentos e antiácidos não afetam a absorção.
tes de sua administração. São compatíveis e está- • Baixa variabilidade inter e intrapacientes.
veis quando diluídas em cloreto de sódio a 0,9%,
• O medicamento não exerce efeito indutor
dextrose a 5% ou Ringer lactato.
ou inibidor sobre as enzimas do citocromo
O uso IV de LCM é indicado quando há im- P450 em doses terapêuticas1. LCM inibe o
possibilidade do uso da via oral, como em pacien- CYP2C19 em dose 30 vezes superior às doses
tes com vômito, obstrução intestinal, submetidos terapêuticas4.
à cirurgia abdominal, intubação endotraqueal etc.
• De 20% a 30% da LCM é transformada em O-
As doses devem ser as mesmas utilizadas em com-
desmetil lacosamida via CYP2C19.
primidos com relação 1-15,15. Recomenda-se a ad-
• Não há diferenças por gênero ou etnia.
ministração da dose em 30 a 60 minutos, embora
• 95% são eliminados na urina (40% como fár-
aplicações mais rápidas não tenham sido associa-
maco inalterado).
das a reações adversas.
• Desmetilação é a principal via metabólica.
• Baixa ligação a proteínas séricas (menos de 15%).
Doses em pacientes com • Baixo potencial de interação medicamentosa.
insuficiência renal • Aumento na concentração plasmática de 20%
Não é necessário ajustar as doses em pacientes em idosos em comparação a pacientes jovens.
com insuficiência renal leve ou moderada e a dose Essa diferença não é considerada clínicamen-
máxima recomendada àqueles com insuficiência te relevante.
renal e depuração da creatinina inferior ou igual a • Após aplicação IV: Cmáx: 30 a 60 minutos.
30 ml/min é de 300 mg por dia.
A medicação é dialisável, devendo-se admi- Interações medicamentosas
nistrar 50% da dose diária após a hemodiálise.
A LCM não apresenta interações medicamen-
tosas clínicamente relevantes, inclusive com con-
Doses em pacientes com traceptivos orais, pois tem baixa ligação a proteínas
séricas e não altera o sistema microssomal P4506.
insuficiência hepática
Em pacientes com insuficiência hepática leve
ou moderada, a dose máxima é de 300 mg ao dia. Efeitos secundários
LCM não deve ser administrada a pacientes com A LCM não produz alterações hematológicas,
insuficiência hepática grave. não promove alterações no peso corpóreo e seus

191
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

efeitos adversos mais frequentes são tonturas, ce- 4. French JA, Gazzola DM. Antiepileptic drug treat-
faleia, náuseas, diplopia, instabilidade na marcha ment: new drugs and new strategies. Continuum.
(Minneap, Minn) 2013;19(3):643-55.
e vômitos4, sendo tontura o efeito adverso mais
5. Curia G, Biagini G, Perucca E, et al. Lacosami-
frequente3. A porcentagem mais elevada de efeitos
de a new approach to target voltage-gated so-
secundários ocorre quando a dose recomendada é dium currents in epileptic disorders. CNS Drugs.
titulada rápidamente ou o fármaco é administra- 2009;2(7):555-68.
do em doses terapêuticas elevadas (por exemplo, 6. Buck ML, Goodkin HP. Lacosamide for the treat-
600 mg) e, ainda, quando LCM é combinada a ment of seizures in children. J Pediatr Pharmacol
antiepilépticos bloqueadores de canais de sódio, Ther. 2012;17(3):211-9.
como carbamazepina, oxcarbazepina, lamotrigi- 7. Ben-Menachem E, Biton V, Jatuzis D, et al. Effi-
cacy and safety of oral lacosamide as adjunctive
na etc. Alterações cardíacas como prolongamento
therapy in adults with partial-onset seizures. Epi-
do intervalo PR (bloqueio de primeiro grau rela-
lepsia. 2007;48:1308-17.
tado em menos de 1% dos pacientes), fibrilação e 8. Chung S, Ben-Menachem E, Sperling MR, et al.
flutter atrial, mas não alteração no intervalo QT, Examining the clinical utility of lacosamide. Po-
também foram relatadas2,5. A medicação promo- oled analyses of three phase II/III clinical trials.
ve baixa incidência de alterações psiquiátricas e CNS Drugs. 2010;24(12):1041-54.
somente se observou psicose nos ensaios clínicos 9. Gavatha M, Ionnou I, Papavasiliou AS. Efficacy and
em 0,3% dos pacientes3. tolerability of oral lacosamide as adjunctive therapy
in pediatric patients with pharmacoresistant focal
epilepsy. Epilepsy Behav. 2011;20(4):691-3.
10. Guilhoto LM, Loddenkemper T, Gooty VD, et al.
Precauções Experience with lacosamide in a series of children
É recomendada precaução quando da sua with drug resistance focal epilepsy. Pediatr Neurol.
2011;44(6):414-9.
administração a pacientes com alterações car-
11. Albers JM, Moddel G, Dittrich R, et al. Intravenous
díacas, como alterações de condução, bloqueio
lacosamide. An effective add-on treatment of re-
atrioventricular de segundo grau, pacientes em fractory status epilepticus. Seizure. 2011;20:428-30.
uso de fármacos que possam prolongar o in- 12. Hofler J, Trinka E. Lacosamide as a new tre-
tervalo PR, insuficiência cardíaca ou infarto do atment option in status epilepticus. Epilepsia.
miocárdio2, bem como a pacientes com tentativa 2013;54(3):393-404.
ou ideação suicida. 13. Koubeissi MZ, Mayor CL, Estephan B, et al. Effica-
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192
Levetiracetam
17 Perfil farmacocinético próximo ao ideal
em um fármaco de amplo espectro
Loreto Ríos-Pohl
Professora Adjunta da Universidad de Chile. Chefe do Laboratório de Eletroencefalografia do
Centro Avanzado Clínica Las Condes. Liga Chilena contra la Epilepsia, Santiago, Chile.

Levetiracetam (LEV) é um fármaco antiepi- vantagens mais importantes incluem farmaco-


léptico (FAE) que foi licenciado para uso clínico cinética próxima da ideal, mecanismo de ação
em 2000, cujas principais características são am- diferente do de outros FAEs, interação mínima
plo espectro de ação, eficácia elevada, muito pou- com outros medicamentos, início de ação rápido,
ca interação com outros fármacos e efeitos adver- amplo espectro de ação, possibilidade de uso em
sos raros e reversíveis, motivos pelos quais tem todas as idades, efeitos adversos mínimos e facil-
sido considerado muito seguro, sendo apontado mente gerenciáveis.
como o medicamento que provavelmente mais Também quimicamente, LEV não se relacio-
contribuiu para o tratamento da epilepsia na atu- na a outros antiepilépticos. Quimicamente é um
alidade, de forma semelhante ao que aconteceu S-enantiômero de etiracetam, estruturalmente se-
na década de 1960 com carbamazepina (CBZ) e melhante ao piracetam, considerado o protótipo
ácido valproico1. Diferentemente de outros FAEs, de fármacos pirrolidínicos nootrópicos, ou seja,
LEV não é eficaz em modelos animais agudos de estimulantes da memória e de funções cognitivas,
epilepsia, como o modelo do eletrochoque má- com potencial neuroprotetor. Sua fórmula mole-
ximo e do pentilenotetrazol, tradicionalmente cular é C8H14N2O2 e seu peso molecular, 170,21,
utilizados para selecionar novos FAEs. Tais ca- sendo altamente solúvel em água (Figura 1).
racterísticas sugerem que seja um fármaco com
mecanismo de ação distinto, diferente de seus
congêneres. No entanto, é eficaz em modelos CH3
crônicos de epilepsia, como modelos genéticos H
O
de epilepsia e abrasamento (kindling), nos quais
exerce efeito dessincronizador de redes neuro- NH2
nais e papel neuroprotetor2. N
O
Farmacologia
LEV é um dos “novos” FAEs cujos perfis
Figura 1. Levetiracetam. É a fórmula levógira
farmacocinéticos e farmacodinâmicos o aproxi- do (-)-(S)-α-etil-2-oxo-1-pirrolidina acetamido.
mam do medicamento antiepiléptico ideal3. Suas Daí o nome da molécula, levetiracetam.

193
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Embora seu mecanismo de ação ainda não es- Farmacocinética


teja completamente esclarecido, sabe-se que:
LEV apresenta biodisponibilidade elevada
- afeta os níveis de Ca2+ intraneuronais, pela inibi-
por via oral (VO) igual ou superior a 95%, sen-
ção parcial das correntes de Ca2+, e reduz a libera-
do rapidamente absorvido. Sua absorção não é
ção de N-tipo Ca2+ das reservas intraneuronais;
afetada por alimentos, alcançando concentração
- inverte parcialmente as reduções nas corren- máxima uma hora após a ingestão. Sua cinética
tes de GABA e glicina induzidas por ß-carbo- é linear, não exigindo controles de níveis plas-
linas e zinco; máticos e seu volume de distribuição é de 0,5
- se associa à proteína 2A da vesícula sináptica a 0,7 l/kg. LEV não apresenta ligação a proteí-
(synaptic vesicle 2 A- SV2A), envolvida na fusão nas plasmáticas. Seu metabolismo é mínimo e
das vesículas e exocitose dos neurotransmisso- a excreção, predominante renal, ocorrendo sob
res4,5. Tal fato provocaria uma perturbação fun- forma ativa (66%) e em proporção aproximada
cional, reduzindo a fusão de vesículas sinápti- de 30%, sob a forma de seu metabólito hidro-
cas à membrana, com diminuição da liberação lisado por uma estearase sanguínea do tipo B.
de neurotransmissores na junção sináptica e Seu metabolismo não exerce efeito algum sobre
consequente efeito antiepiléptico. Esse é o me- o complexo enzimático microssomal hepático,
canismo de ação de maior importância e que epóxido-hidrolases e isoenzimas uridina-glicu-
diferencia LEV dos demais FAEs (Figura 2). ronil transferases, sistemas envolvidos na me-
tabolização da maioria dos FAEs. Embora sua
SV2A na parede da A: Sinapse normal do meia-vida seja curta (seis a oito horas), sua ação
vesícula sináptica. “tipo natural”.
é mais prolongada, o que permite a administra-
ção a cada 12 horas3.

SV2A
Interação com outros fármacos
antiepilépticos
Estudos in vitro não evidenciaram interação
de LEV com outros FAEs. No entanto, vários estu-
dos em pacientes tratados com várias associações
têm mostrado que estas promovem alterações na
Ausência da B: Sinapse com ausência
proteína SV2A. de proteína SV2A: depuração de LEV. Embora a magnitude dessas
redução na liberação do interações seja relativamente modesta, esse fato
neurotransmissor.
pode ser importante para alguns pacientes.

Fármacos antiepilépticos indutores


enzimáticos
Vários estudos têm mostrado que FAEs in-
dutores enzimáticos [CBZ, fenitoína (PHT), fe-
nobarbital (PB), primidona (PRM)] promovem
aumento na depuração de LEV (~ 30%), com
Figura 2. O principal mecanismo de ação do levetiracetam
é reduzir a liberação de neurotransmissores por sua ligação
consequente diminuição de sua meia-vida. Esse
à proteína 2A das vesículas sinápticas. aumento na eliminação não é explicado somente

194
Levetiracetam

pelo aumento da depuração renal, mas também é Interações farmacodinâmicas


provável que ocorra alteração em seu nível de ina-
Há poucos relatos a respeito deste tipo de in-
tivação sanguínea. Concentrações médias de LEV
teração. No entanto, deve-se notar que foi relatada
diminuíram em 39% com a associação de CBZ e
exacerbação de efeitos tóxicos de CBZ e topira-
PHT e 12% com PB, sugerindo que o efeito desse
mato (TPM) sem quaisquer alterações em seus
último FAE seja provavelmente menor que o dos
níveis plasmáticos10.
dois primeiros6,7.
Indicações
Outros fármacos antiepilépticos
Indicações autorizadas para uso de
Lamotrigina (LTG), oxcarbazepina (OXC)
levetiracetam
e metossuximida também elevam a depuração
de LEV em porcentagens variáveis. Destes, LTG EMEA (European Medicines Agency):
exercia menor efeito (~ 14%). No caso da asso- Monoterapia
ciação com ácido valproico, as concentrações -
Crises focais com ou sem generalização se-
de LEV se elevariam em até 66%, o que sugere cundária em pacientes com 16 anos ou mais.
efeito inibitório desse fármaco sobre seu meta- Terapia adjunta
bolismo6. Por outro lado, LEV não afeta o me- -
Crises focais com ou sem generalização se-
tabolismo de outros FAEs ou de medicamentos cundária em pacientes com mais de um mês.
não antiepilépticos. - Crises mioclônicas em adultos e adolescentes
com 12 anos ou mais.
- Crises primariamente tônico-clônicas generaliza-
Farmacocinética em grupos especiais das (TCGs) em adultos e adolescentes acima de
12 anos com epilepsias generalizadas idiopáticas.
População pediátrica
Digno de nota é o fato de que a depuração de FDA (Food and Drug Administration)
LEV em crianças menores de 12 anos é 30% a 40% Terapia adjunta
maior que em adultos, o que diminui sua meia- -
Crises focais com ou sem generalização secun-
vida para 5,3 horas. Assim, deve-se aumentar sua dária em pacientes com quatro anos ou mais.
dosagem em relação a mg/kg/peso em crianças8. - Crises mioclônicas e TCGs em adultos e ado-
lescentes com 12 anos ou mais.
- Uso intravenoso em pacientes com mais de 16
Gestação
anos (mas não em estado de mal epiléptico).
A depuração de LEV durante a gravidez au- - Crises TCGs primárias em adultos e adoles-
menta, o que pode diminuir sua concentração centes, acima de seis anos, com epilepsias ge-
sérica em até 40%. Embora o mecanismo exato neralizadas idiopáticas.
dessa redução não esteja completamente esclare-
cido, presume-se que seja secundária ao aumento Doses e administração
do fluxo sanguíneo renal e, ainda, provavelmente, LEV (Keppra®) é apresentado em comprimi-
também ao incremento da hidrólise do fármaco dos de 250, 500, 750 e 1000 mg para administra-
em nível sanguíneo. Suas concentrações séricas ção em duas tomadas diárias, xarope com 100
retornam aos níveis basais usuais na primeira mg/ml e ampolas para administração intravenosa
semana após o parto. Embora excretado no leite com 500 mg/5 mg. A formulação de liberação ex-
materno, não há evidências de que promova efei- tendida (levetiracetam XR) 250 mg e 500 mg pode
tos clinicamente relevantes ao recém-nascido9. ser administrada em uma dose diária.

195
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Por sua cinética linear, a monitoração de ní- Efeitos adversos psiquíátricos


veis plasmáticos não se torna necessária, com
Relatados frequentemente pela família, mas
exceção durante a gestação e em pacientes com
não pelos pacientes, cerca de 50% dos casos são
insuficiência renal. A faixa terapêutica é de 6 a 20
referidos nas primeiras quatro semanas após o
mg/l (35 a 120 umol/l).
início da terapêutica. Esses efeitos são reversí-
No tratamento com LEV, deve-se considerar a veis em um
umaaaduas
duassemanas
semanascomcomaadescontinua-
descontinu-
velocidade da titulação e, embora apresente a van- ção do
ação dofármaco.
fármaco.
tagem de poder ser administrado em doses-carga
Entre os fatores de risco para o desenvolvi-
em casos de emergência ou de frequência elevada
mento de distúrbios comportamentais, figuram
de crises, a titulação lenta diminui o risco de efei-
história pessoal e/ou familiar de distúrbios com-
tos adversos (Tabelas 1 e 2)10.
portamentais e psiquiátricos, retardo mental e
doses elevadas de LEV (níveis plasmáticos supe-
Efeitos adversos riores a 25 mg/l). Outro fator de risco, ainda não
Os efeitos adversos de LEV são considerados bem esclarecido e pouco descrito, é o histórico de
mínimos e facilmente manejáveis (Tabela 3). crises febris.

Tabela 1. Doses de titulação de levetiracetam, velocidade de incrementos e manutenção


Crianças com menos de Crianças com mais de
Adultos
12 anos (menos de 30 kg) 12 anos (30 a 50 kg)
Início 500 mg, duas vezes ao dia* 5 a 10 mg/kg, duas vezes ao dia 250 mg, duas vezes ao dia
Incrementos 500 mg por semana 10 mg/kg cada cinco a sete dias 500 mg, cada duas semanas
Doses máximas 40 a 60 mg/kg/dia (máximo: 1.500 a 3.000 mg
3.000 mg
de manutenção 3.000 mg)** (máximo: 60 mg/kg)
*1.000 mg pode ser uma dose suficiente para controlar as crises.
**Pela maior depuração em crianças, a dose de manutenção deve ser 20% a 30% maior que em adultos.

Tabela 2. Doses de levetiracetam em pacientes com insuficiência renal


Paciente com
Insuficiência renal (depuração Moderada Severa
Leve (50-79) insuficiência renal
de creatinina ml/min/1,73 m2) (30-49) (menos de 30)
terminal e/ou diálise
500 a 1.000 mg, 250 a 750 mg, 250 a 500 mg, 500 a 1.000 mg, uma
Doses
duas vezes ao dia duas vezes ao dia duas vezes ao dia vez ao dia*
*Deve-se inciar com dose de 750 mg no primeiro dia, em bolo e recomendar uma dose extra de 250 a 500 mg depois de cada diálise.

Tabela 3. Efeitos adversos do levetiracetam segundo os critérios do Conselho de Organizações


Internacionais das Ciências Médicas (1995)
Muito frequentes* (10%)
Sonolência Astenia Fadiga
Transtornos de conduta
Frequentes (1% a 10%) Depressão, Irritabilidade, hostilidade Ansiedade
nervosismo 2,3% 1,8%
Ansiedade
3,8% 1,8%

Infrequentes (0,1% a 1%) Sintomas psicóticos

Raros (0,1% a 0,01%) Rash


*Dependente da dose, transitório.

186
196
Levetiracetam

Sugestões visando à redução de riscos de de efeito adverso12. LEV é um FAE de amplo es-
efeitos adversos psiquiátricos pectro e acredita-se que raras vezes a refratarie-
dade da epilepsia possa estar sendo produzida ou
- Titulação lenta (chegar à dose de manutenção
agravada por sua administração.
após quatro a oito semanas).
Fatores de risco para esse efeito são represen-
- Suplementação de piridoxina; 100 a 200 mg/
tados por retardo mental, dose inicial elevada
dia (6 mg/kg/dia)11.
(mais de 20 mg/kg/dia) ou, ainda, titulação rápida
- Comedicação com LTG parece exercer efeito
do fármaco. Em geral, manifesta-se nos primei-
protetor.
ros dois meses. No entanto, pode ocorrer mais
- Não se deve considerar LEV como FAE de pri- tardiamente e deve ser averiguado em pacientes
meira escolha para pacientes com anteceden- com evidência inequívoca de aumento na refra-
tes psiquiátricos. tariedade das crises ou deterioração progressiva
do padrão eletroencefalográfico sem outra corre-
Recomendações de manejo de efeitos lação clara a não ser o fato do acréscimo de LEV a
adversos gerais outros FAEs previamente prescritos13.
- Se surgirem efeitos adversos, deve-se reduzir
as doses dos FAEs associados. Efeitos metabólicos
-

Se persistentes, deve-se reduzir a dose de LEV. LEV não apresenta efeitos sobre a fertilidade,
-

Se não desaparecerem ou forem considerados alterações de peso corporal, função tireoidea, ní-
intoleráveis, deve-se suspender o fármaco. veis de vitaminas ou perfil lipídico.
- Em caso de controle de crises, deve-se tentar No entanto, há resultados conflitantes sobre o
reutilizar LEV, dessa vez com titulação muito efeito de LEV em monoterapia sobre a densidade
lenta, associando FAEs que visem a minorar mineral óssea. Um estudo em ratos mostrou que
os efeitos adversos, especialmente mentais. LEV em doses baixas, após três meses de uso, re-
duziu significativamente o marcador de formação
óssea osteocalcina, mas estudos em pacientes re-
Outros efeitos adversos menos
futaram esse dado14,15.
conhecidos
Efeito paradoxal Fatores positivos a considerar
Efeito paradoxal de agravamento das crises ou
de surgimento de outros tipos de crises é verifica-
Efeitos na cognição e qualidade de vida
do com o uso de todos os FAEs. A descrição desse Relatos de que LEV em uso crônico não pro-
efeito adverso é anedótica e seu mecanismo fisio- move efeitos cognitivos são cada vez mais fre-
patogênico é desconhecido, provavelmente rela- quentes. Como esperado, por se tratar de um de-
cionado com as propriedades farmacodinâmicas rivado do piracetam, há estudos que mostraram
do fármaco. melhora leve na atenção e memória, a qual não
FAEs com maior risco de efeito paradoxal são poderia ser explicada apenas pelo melhor contro-
os que apresentam apenas um ou dois mecanis- le de crises16.
mos de ação (espectro estreito) em contraposição
com aqueles que apresentam mecanismos de ação Levetiracetam e sono
múltiplos (espectro amplo), os quais cursariam Distúrbios do sono são um efeito adverso co-
com menor probabilidade de apresentar esse tipo mum de FAEs. Enquanto PB, PRM, CBZ, gabapen-

197
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

tina (GBP), vigabatrina (VGB) e zonisamida têm do chegar a 4.000 mg em 15 minutos, por via intra-
efeito sedativo e podem causar hipersonia, LTG e venosa. Em geral, a dose de manutenção é de 1.500
felbamato são fármacos que aumentam a vigília e mg a cada 12 horas. Por sua cinética linear, não se
podem causar insônia. Em um estudo com voluntá- preconiza controle de níveis plasmáticos. Embora
rios sem epilepsia, verificou-se que, em geral, o uso sua faixa terapêutica sugerida seja de 6 a 25 mg/l,
crônico de LEV facilita a consolidação do sono e não para o tratamento do estado de mal epiléptico é pos-
modifica os níveis de vigília, melhorando, assim, a sível atingir 120 mg/l sem riscos significativos19,20.
qualidade do sono17. Uma revisão recente de seis
artigos de LEV sobre a arquitetura do sono, usado
Neonatos
tanto em mono como em politerapia, mostrou resul-
Apesar da evidência de que PB e PHT sejam
tados diversos. Nessa revisão, a afirmação mais fre-
eficazes em menos de 50% do total de crises em
quente é a redução do número de despertares após
neonatos, continuam como FAEs de primeira linha
o início do sono e da porcentagem de sono REM18.
para essa indicação. Um estudo multicêntrico reali-
zado em unidades de tratamento intensivo neona-
Facilidade de uso em combinação por tais mostrou que o tratamento com FAEs é iniciado
ausência de interações em 94% dos recém-nascidos com crises, 82% dos
Embora a politerapia não seja recomendada no quais com PB21. Outros estudos evidenciaram que
tratamento da epilepsia, muitas vezes doses peque- PB, PHT e ácido valproico exercem efeito pró-apop-
nas de um segundo FAE podem ser mais benéficas tótico, o que acarretaria efeito negativo sobre o de-
que o incremento das doses de um FAE em mono- senvolvimento cerebral, o qual, secundariamente,
terapia com eventual risco de toxicidade. A combi- poderia ocasionar um efeito pró-epileptiforme.
nação de LEV e LTG é considerada benéfica para o TPM e LEV não apresentam efeito pró-apop-
controle de crises focais, assim como a associação tótico; ao contrário, foi descrito em animais que
de LEV a ácido valproico, para crises generalizadas. LEV exerceria efeito antiapoptótico. Hipotetica-
mente, esses FAEs seriam, por tais razões, mais
adequados a essa faixa etária. No entanto, pelo
Usos promissores (não autorizados) fato de contar apenas com a via oral para sua ad-
em situações especiais e síndromes ministração e por seus conhecidos efeitos adver-
sos sérios, TPM não é considerado um fármaco
específicas
de eleição para tratar crises desse grupo de pa-
Estado de mal epiléptico cientes. Por sua vez, LEV é considerado um dos
LEV ainda não recebeu autorização das au- FAEs promissores para esse grupo vulnerável, que
toridades regulatórias para uso em estado de mal apresenta maior suscetibilidade a crises epilépti-
epiléptico. No entanto, suas características farma- cas em relação às outras faixas etárias22.
cocinéticas, como possibilidade de infusão rápida, Para uso neonatal, as doses preconizadas ain-
absorção rápida por via oral, metabolização mínima da não estão perfeitamente estabelecidas. Para
com interações escassas, ausência de reações adver- via intravenosa, recomenda-se a administração
sas graves, efeitos cardiovasculares e respiratórios em bolo de 10 a 30 mg/kg, continuando com a
mínimos e não agravamento de tipos de crises es- dose de manutenção de 50 mg/kg/dia, fraciona-
pecíficos, tornam-no atraente para uso amplo e de da a cada 12 horas. Como tanto a administração
forma segura. Normalmente, utiliza-se dose-carga oral como a venosa são possíveis, deve-se mane-
de 2.500 mg em cinco minutos em adultos, poden- jar cuidadosamente os volumes de administração.

198
Levetiracetam

jar cuidadosamente
Alguns recomendamosconcentração
volumes de administração.
de 20 mg/ml ceiro trimestre.
mostrar reduçãoNessa época,
de 40% a 50%seus
emníveis podem
comparação
Alguns recomendam
administrada em boloconcentração
em 15 minutos. deUm
20 mg/ml
estudo mostrar
aos redução
valores de 40%
anteriores a 50% em
à gravidez. Porcomparação
essa razão,
administrada
da depuração em bolo em
de LEV em 1815 neonatos
minutos. evidenciou
Um estudo aos valores anteriores
recomenda-se controleàdegravidez. Por essa razão,
níveis plasmáticos para
da depuração
um incremento demédio
LEV em de 18
0,7neonatos
ml/min/kgevidenciou
no dia 1 recomenda-se
esse grupo em controle deos
particular, níveis plasmáticos
quais para
retornam rápi-
aum incremento
1,33 ml/min/kgmédio
no diade7,0,7
comml/min/kg
meia-vidanodedia
18,31 esse grupo
damente aosem particular,
valores basaisosapós
quais retornam
o parto9
. rápi-
a 1,33 no
horas ml/min/kg no dia 7,para
dia 1 e redução com9,1
meia-vida
horas nodedia
18,3
7, damente aos valores basais após o parto9.
horastendo
não no dia 1 eobservados
sido redução para 9,1 adversos
efeitos horas no dia
23
. 7, Efeitos teratogênicos
não tendo sido observados efeitos adversos23. Efeitos teratogênicos
Embora ainda não existam evidências defini-
Pacientes com doenças sistêmicas tivas, dadosainda
Embora preliminares parecem
não existam promissores
evidências defini-
Pacientes com doençasfarmacocinéticas,
Por suas características sistêmicas LEV é para
tivas,LEV,
dadosquepreliminares
teria baixo potencial
parecem teratogênico,
promissores
Por suas características
considerado um dos FAEs de farmacocinéticas,
eleição para tratarLEVcri-é tendo sido que
para LEV, descrito
teriarisco
baixopara malformações
potencial fetais
teratogênico,
considerado
ses um com
em pacientes dos FAEs eleitos
doenças para tratar
sistêmicas. crises
As vanta- de 0% sido
tendo em monoterapia
descrito riscoe para
de 2,7% em politerapia
malformações 24
fetais.
em pacientes
gens de LEV compara doenças sistêmicas.
tratar esse As vantagens
grupo incluem via de de 0% em monoterapia
Também é importante e demencionar
2,7% em politerapia
que os es-.
24

de LEV para tratar


administração esseendovenosa
oral ou grupo incluem via de ad-
permitindo rá- tudos
Também é importante mencionar que os em
de desenvolvimento neurocognitivo es-
ministração
pida conversãooral1:1
ouemendovenosa permitindo ausên-
caso de necessidade, rápida crianças
tudos deexpostas a LEV em monoterapia
desenvolvimento na vida
neurocognitivo em
conversão
cia 1:1 em
de indução caso de necessidade,
enzimática, metabolizaçãoausência
hepáticade intrauterina não mostraram
crianças expostas a LEV em diferenças
monoterapiasignificati-
na vida
indução
nula, enzimática,
excreção metabolização
importante hepática ativo,
como metabólito nula, vas comparativamente
intrauterina não mostraram ao grupo controle.
diferenças Não há
significati-
excreção importante
ausência de interaçãocomo metabólito
importante comativo,
outrosausên-
fár- interação entre LEV e contraceptivos orais.
vas comparativamente ao grupo controle. Não há
cia de interação
macos, importante
efeitos adversos muitocom outros
escassos fármacos,
e reversíveis interação entre LEV e contraceptivos orais.
efeitos
em adversos
nível muito escassos
hemodinâmico e reversíveis
e de funções em su-
cognitivas ní- Epilepsias
Epilepsiasreflexas porestímulos
reflexas por estímulos visuais
visuais (P3)
vel hemodinâmico
periores, e de funções
tanto em doses cognitivas
terapêuticas comosuperio-
tóxicas. Classificado no grupo de crises reflexas desen-
res, tanto em doses terapêuticas como tóxicas. cadeadas por estímulos luminosos, o termo epilep-
Gestação e lactação sias reflexas por estímulos visuais é preferível ao de
Gestação e lactação
Na gestação, como previamente mencionado, síndromes epilépticas fotossensíveis, reservado para
Na gestação,
o incremento nacomo previamente
eliminação mencionado,
do fármaco resulta definir um grupo de síndromes com crises espontâ-
o incremento
em na eliminação
redução importante do fármaco
de suas resulta
concentrações neas nas quais a estimulação luminosa intermitente
em redução atingindo
plasmáticas, importante de suas
níveis mais concentrações
baixos no ter- durante o eletroencefalograma promove resposta fo-
plasmáticas,
ceiro atingindo
trimestre. níveis mais
Nessa época, seus baixos no ter-
níveis podem toparoxística (RFP) em graus variáveis25 (Tabela 4).

Tabela 4. Classificação das epilepsias reflexas por estímulos visuais25


Epilepsia mioclônica juvenil
Epilepsia ausência da infância
Epilepsias fotossensíveis Epilepsias focais criptogênicas ou sintomáticas
Epilepsias com crises TCGs do despertar
Epilepsias mioclônicas progressivas
Epilepsia fotogênica ou fotossensitiva pura
Epilepsias provocadas por eliminação da fixação Epilepsia focal occipital idiopática da infância
visual (fixation-off sensitivity) Epilepsia ausência com mioclonias palpebrais
Epilepsias com crises desencadeadas pelo Epilepsia ausência com mioclonias palpebrais/ síndrome
fechamento palpebral de Jeavons
Epilepsia escotossensíveis ou do escuro, causadas por
Epilepsias com crises induzidas por outros
eliminação completa da estimulação luminosa retiniana
mecanismos visuais
(exclui o fenômeno de fixation-off sensitivity)
Crises autoprovocadas

189
199
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Para esse grupo de condições tão diversas, a quatro homens e 17 mulheres, entre 5 e 18 anos,
escolha do FAE depende de sua eficácia na fotos- ainda não tratados por ocasião da realização do
sensibilidade, da etiologia e dos tipos de crises e, primeiro EEG, que mostravam RFP do tipo IV
ainda, da síndrome epiléptica específica. durante a estimulação fótica. Durante o procedi-
Ácido valproico, LEV, LTG e clonazepam mento, após aplicação do termo de consentimen-
exercem efeito sobre a fotossensibilidade, nessa to informado ao paciente ou aos seus responsá-
ordem de de eficácia . Ainda, brivacetam
eficácia26decrescente 26
. Ainda, brivace-
(UCB- veis, LEV foi administrado por via oral, na dose
tam
34714),
(UCB-34714),
um FAE em umdesenvolvimento,
FAE em desenvolvimento,
utilizado de 30 mg/kg/dose, com dose máxima de 1.500
utilizado
como medicamento-órfão
como medicamento-órfão
para tratarpara epilepsia
tratar mg. A RFP foi avaliada a cada 15 minutos durante
epilepsia
mioclônica mioclônica
progressiva,
progressiva,
mostroumostrou
ser altamente
ser al- 90 minutos.
tamente
eficaz noeficaz
controle
no controle
das respostas
das RFPs fotoparoxísticas
27
. A maioria Entre os 21 pacientes, 13 tinham epilepsia mio-
dos outros
(RFPs) 27
. A maioria
FAEs, como dos outros
CBZ, FAEs,
GBP, OXC, como CBZ,
PHT, clônica juvenil e oito, outros tipos de epilepsias fotos-
pregabalina,
GBP, OCBZ,VGB, PHT,tiagabina,
pregabalina,
são VGB,
contraindicados
tiagabina, sensíveis: epilepsias focais (4), síndrome de Jeavons
asão
esse
contraindicados
grupo, seja pora ineficácia,
esse grupo,sejasejapor
poragrava-
inefi- (1), epilepsia ausência (1) e não classificadas (2).
mento
cácia, seja
desseportipo
agravamento
de crises. desse tipo de crises. Treze pacientes (62%) apresentaram resposta
Por sua absorção rápida, possibilidade de ad- positiva à dose-carga de LEV com desaparecimen-
ministração em dose-carga em doses terapêuticas to da RFP e normalização do EEG. Desse grupo,
com efeitos adversos mínimos e início de ação dez pacientes tinham epilepsia mioclônica juvenil.
rápido, LEV é considerado um fármaco atraente Assim, 77% (10/13 pacientes) com essa síndrome
para avaliação de sua eficácia e segurança em pa- epiléptica tiveram normalização do traçado ele-
cientes com epilepsia fotossensível durante a re- troencefalográfico após dose-carga de LEV. A res-
alização rotineira de eletroencefalograma (EEG). posta teve início 30 minutos após a administração,
Entre 2000 e 2012, realizou-se um estudo em com normalização completa em todos os respon-
que foram recrutados 21 pacientes com RFPs, dedores aos 75 minutos (Figuras 3 e 4).

EMJ outras EFS

10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
0
positivo parcial negativo

Figura 3. Tipos de resposta


Figura à dose-carga
3. Tipos de àlevetiracetam
de resposta sobre
dose-carga de a resposta
LEV sobre RFP. fotoparoxística.

200
190
Levetiracetam

Figura 4. Desaparecimento da resposta fotoparoxística do tipo IV após dose-carga de levetiracetam


em paciente com epilepsia mioclônica juvenil.

201
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Digno de nota foi o fato de que todos os pa- mes epilépticas, as quais, muitas vezes, configu-
cientes com epilepsia mioclônica juvenil eram ram um aspecto encefalopático, como a epilepsia
mulheres. Todos os pacientes que responderam à parcial benigna de evolução atípica, a síndrome
administração aguda de LEV continuaram o tra- de Landau- Kleffner e a síndrome de ponta-onda
tamento com esse fármaco, estando sem crises contínua durante o sono de ondas lentas.
até esta data28. Embora o pequeno tamanho da Até este momento, terapias agressivas como o
casuística impossibilite conclusões definitivas, uso de corticosteroides e doses elevadas de benzo-
os resultados dessa série permitem sugerir que diazepínicos, a despeito dos efeitos adversos que
LEV, por suas características farmacocinéticas e acarretam, eram consideradas modalidades tera-
baixo potencial teratogênico, poderia ser consi- pêuticas eficazes29. Pelas características descritas
derado um FAE de primeira escolha para tratar anteriormente, LEV poderia ser considerado um
pacientes do sexo feminino com epilepsia mio- FAE de primeira escolha nesses quadros, os quais
clônica juvenil. deveriam ser tratados em caráter de emergência
Atualmente, nosso laboratório oferece esse visando a interromper o declínio cognitivo.
procedimento rotineiramente a todos os pa- Segundo a experiência da autora deste capí-
cientes que apresentam fotossensibilidade, sen- tulo, sultiame, um FAE eficaz nas epilepsias au-
do aplicado após autorização do médico solici- tolimitadas da infância, teria maior efetividade
tante e assinatura de termo de consentimento que LEV30, contudo não se encontra disponível
informado pelo paciente. Essa conduta advém nos países latino-americanos. Sugere-se que LEV
da nossa experiência de que uma dose única de em doses elevadas (60 a 80 mg/kg/dia) associado
LEV no primeiro EEG solicitado para o diagnós- a clobazam administrado ao deitar poderia ser
tico é uma excelente oportunidade para o início considerado terapia de primeira linha, permitin-
imediato de um tratamento seguro e eficaz, pro- do avaliar a resposta em cerca de 15 dias, evitan-
porcionando possível solução rápida e positiva a do perda de tempo antes de instituir tratamento
partir do primeiro dia do diagnóstico, o que im- com corticosteroides.
plica redução da ansiedade dos pais e satisfação
dos pacientes.
Considerações finais
LEV é um dos novos FAEs, tendo um dos
Epilepsias autolimitadas da infância e melhores perfis farmacocinéticos e farmacodinâ-
seu espectro “não tão benigno” micos, aproximando-se do fármaco ideal. Entre
Muitos estudos têm demonstrado que LEV suas vantagens, destacam-se ainda mecanismo de
tem efeito benéfico no tratamento de crianças ação único, diferente dos demais, interação míni-
com epilepsias autolimitadas da infância. LEV pa- ma com outros fármacos, início de ação rápido,
rece ser uma opção terapêutica para crianças com amplo espectro, possibilidade de uso em todas
essas síndromes epilépticas por suas caracterís- as idades, efeitos adversos mínimos e fácilmente
ticas de resposta rápida, poucos efeitos adversos manejáveis.
em escolares saudáveis​​, particularmente na esfera Na prática clínica em geral, especialmente en-
cognitiva, ausência de risco de desenvolvimento tre clínicos não especializados, muitas vezes que
de tolerância e eficácia elevada. trabalham em unidades em que o acesso a exames
Há ainda estudos que mostram sua maior efi- complementares não é possível, tais característi-
cácia no espectro não tão benigno dessas síndro- cas tornam LEV um FAE muito útil.

202
Levetiracetam

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14. Nissen-Meyer LS, Svalheim S, Taubøll E, et al. 28. Rios-Pohl L, Solari-Bardi F, Varela-Estrada X, et
Levetiracetam, phenytoin, and valproate act diffe- al. Single oral dose of levetiracetam as a fast, effec-
rently on rat bone mass, structure, and metabo- tive and safe treatment for photosensitive epilepsy
lism. Epilepsia. 2007;48(10):1850-60. in children. Epilepsia. 2011;52(suppl. 6):S722.

203
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

29. Von Stülpnagel C, Kluger G , Leiz S, et al. Leve- 30. Borggraefe I, Bonfert M, Bast T, et al. Levetirace-
tiracetam and add-on therapy in different sub- tam vs. sulthiame in benign epilepsy with centro-
groups of “benign” idiopathic focal epilepsies in temporal spikes in childhood: a double-blinded,
childhood. Epilepsy Behav. 2010;17:193-8. randomized, controlled trial (German HEAD Stu-
dy). Eur J Paediatr Neurol. 2013;17(5):507-14.

204
Parte 5

A eficácia em algumas situações

18. Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas


Letícia Pereira de Brito Sampaio

205
Dietas cetogênicas e outras
18 alternativas terapêuticas
Letícia Pereira de Brito Sampaio
Assistente Doutora de Neuropediatria da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Apesar dos enormes avanços no diagnóstico eram tratadas com DC apresentavam redução de
e tratamento da epilepsia em crianças e adultos e mais de 50% das crises epilépticas, 30% a 40% apre-
da introdução de novos fármacos antiepilépticos sentavam redução de mais de 90% e 20% a 30% não
(FAEs), alguns pacientes ainda permanecem com apresentavam nenhum benefício no controle das
crises epilépticas não controladas e têm opções li- crises2. Em 1938, quando a eficácia clínica da di-
mitadas para o tratamento crônico. fenil-hidantoína foi descrita, os estudos foram di-
Se o paciente com epilepsia de difícil controle recionados para o desenvolvimento de novos FAEs
não é um candidato à ressecção cirúrgica, terapias e a DC foi se tornando progressivamente menos
alternativas devem ser consideradas. utilizada, cada vez mais menos nutricionistas eram
treinadas em sua implantação, rigor e no ajuste fino
dessa modalidade terapêutica, o que levou a acre-
Dietas cetogênicas ditar que a DC era inefetiva e intolerável3. Compa-
A dieta cetogênica (DC), rica em gorduras rada com a perspectiva de novos FAEs, a dieta foi
e escassa em carboidratos e em proteínas, é um considerada relativamente difícil, rígida e cara.
tratamento não farmacológico, bem estabelecido Na tentativa de torná-la mais palatável e menos
e efetivo para crianças e adultos com epilepsia de rígida, na década de 1970 foi desenvolvida a DC com
difícil controle. A DC é rigidamente controlada e triglicérides de cadeia média (TCMs), que são mais
individualmente calculada, sendo realizada com cetogênicos, permitindo a inclusão de maior quanti-
diferentes protocolos em vários países, ocasional- dade de carboidratos e proteínas na dieta, sendo ab-
mente com variações significantes em sua admi- sorvidos de forma mais eficiente e transportados di-
nistração. Deve ser instituída de forma multidisci- retamente do sistema digestivo para o fígado através
plinar, com a supervisão do médico e nutricionista. do sistema porta. Entretanto, crianças em dieta com
A DC foi desenvolvida em 1921, com o objetivo TCM frequentemente apresentam náusea, diarreia e
de mimetizar no organismo as alterações bioquí- aumento de gases intestinais. Apesar do incremento
micas associadas ao jejum, quando os corpos cetô- da cetose e possível redução das crises epilépticas,
nicos se tornam o principal combustível para pro- esses efeitos adversos são inaceitáveis e levam a fa-
duzir energia no sistema nervoso central (SNC)1. mília a desistir do tratamento. Neal et al.4 sugeriram
Nessa época, quando ainda poucos FAEs se encon- uma dieta com menor quantidade de TCMs e, con-
travam disponíveis, 60% a 75% das crianças que sequentemente, menos efeitos adversos (Figura 1).

207
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Dieta normal Dieta cetogênica clássica Dieta com TCM


Gordura: 35% Gordura: 90% Gordura: 73%
Proteína: 15% Proteína: 6% (30% a 60% de TCM)
Carboidrato: 50% Carboidrato: 4% Proteína: 10%

Figura 1. Composições das dietas normal, cetogênica clássica e com triglicérides de cadeia média.

Muitas vezes a dificuldade de implantar a die- menos medicação. Os efeitos adversos atribu-
ta parte dos próprios médicos que acreditam, de ídos à DC foram letargia, desidratação grave ou
forma equivocada, que os familiares e a criança acidose, alteração de comportamento, aumento
não são fortes e dedicados o suficiente para ade- de infecções, constipação e vômitos. Os motivos
rirem a ela. Medicamentos e promessas de novas para descontinuar a DC foram intolerabilidade,
medicações mais efetivas também desestimulam dificuldade de manter a dieta restritiva e controle
o uso da DC. insuficiente das crises. Este estudo não foi rando-
Desde 1994, com a divulgação da DC pela mí- mizado ou controlado, podendo-se considerar o
dia e o financiamento de centros de treinamento efeito placebo. Os autores acreditam que 40% de
na implantação da DC pela Charlie Foundation crianças com crises epilépticas de difícil controle
to Cure Pediatric Epilepsy (Santa Monica, Cali- com mais de 50% de redução na frequência após
fórnia) nos Estados Unidos, reacendeu o interesse um ano de DC, é pouco provável que seja por efei-
clínico pelo uso de DC, tendo sido publicado um to placebo5.
grande número de artigos que mostram seus be- Nesse mesmo ano, o grupo de DC do Johns
nefícios, os tipos de crise que apresentam resposta Hopkins, em Baltimore, publicou um estudo
ou não, seus efeitos adversos e sua evolução. realizado com 150 crianças entre um e 16 anos
Em 1998, com o apoio dessa fundação, reali- de idade, as quais apresentaram, em média, 410
zou-se um estudo multicêntrico em que foram in- crises epilépticas ao mês. Após um ano de DC,
cluídas 51 crianças que apresentavam, em média, observou-se que 27% das 150 crianças apresen-
230 crises por mês antes de iniciar a dieta. Cerca taram mais de 90% de redução na frequência das
de metade (47%) delas permaneceu na dieta du- crises, 7% ficaram livres de crises e 50% apresen-
rante um ano, dentre as quais 43% apresentaram taram mais de 50% de redução. As crianças que se
mais de 90% de controle de crises, tornando-se li- mantiveram na DC pelo período de um ano fo-
vres ou quase livre de crises, 39% tiveram de 50% ram as que apresentaram mais 50% de redução na
a 90% de suas crises controladas e 17%, menos de frequência das crises. Aquelas que apresentaram
50% de controle das crises. Estas permaneceram menos de 50% de redução consideraram a dieta
na dieta ou porque as crises estavam menos fre- difícil de ser seguida e a abandonaram. Também
quentes e severas ou porque estavam recebendo se observou que as crianças que obtêm sucesso

208
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas

com DC apresentam logo nos primeiros três me- Ao reconhecer a insuficiência de estudos com
ses redução superior a 50% na frequência das cri- nível de evidência classe I para implantar DC e
ses, que pode vir a melhorar progressivamente. seguir esses pacientes, a Charlie Foundation reu-
Se essa redução não for observada, é pouco pro- niu um comitê internacional de neurologistas e
vável que venha a ocorrer nos meses subsequen- nutricionistas com experiência nesse tipo de die-
tes6. Acompanhando a evolução dessas crianças ta, em dezembro de 2006, durante o congresso
durante o período de três a seis anos após iniciar da American Epilepsy Society, para realizar um
a DC, 13% dessas 150 crianças estavam livres de consenso, uma primeira iniciativa internacional
crises e 10% apresentavam crises epilépticas in- para padronizar a DC. Esse consenso foi publi-
frequentes. Na maioria delas, foi possível descon- cado em 2009, sendo importante sua divulgação
tinuar o FAE7. para aqueles que se interessam por essa modali-
A dificuldade para realizar estudos controla- dade terapêutica8.
dos com DC são claras. Neal et al.4 acompanha- Independentemente da idade, do tipo de cri-
ram 103 crianças que não haviam apresentado se ou da etiologia, a DC ocasiona redução supe-
resposta a pelo menos dois FAEs e apresentavam rior a 90% das crises epilépticas em um terço dos
pelo menos sete crises epilépticas por sema- pacientes9. Em relação à seleção dos pacientes, o
na. Elas foram randomizadas em dois grupos: o consenso concluiu que a DC deve ser oferecida a
primeiro iniciou a DC de imediato e o segundo, crianças após a ausência de resposta a dois ou três
após três meses, com a medicação em dose está- FAEs, independentemente da idade ou do sexo
vel. Após três meses, o grupo em tratamento com e, principalmente, nas epilepsias generalizadas
DC apresentou redução de 75% na frequência de sintomáticas, em razão de sua eficácia e da pou-
crises em relação ao grupo controle; 38% apresen- ca chance de controlar a crise com novos FAEs.
taram decréscimo de mais de 50% e 7%, mais de DC é o tratamento de escolha para síndrome de
90% de redução. De Vivo – deficiência do transportador de glicose
O estado de conhecimento do mecanismo de tipo 110 – e para a deficiência de piruvato desidro-
ação da DC é similar ao de outras medicações genase11, quando os corpos cetônicos contornam
antiepilépticas, em que várias ações farmaco- o defeito metabólico, sendo fonte de energia para
lógicas são descritas, porém persiste o desafio o cérebro. Em algumas condições específicas, a
de se criar uma relação causa-efeito definitiva DC pode ainda ser usada de forma mais preco-
entre o mecanismo de ação específico e a ação ce, como na síndrome de Dravet, em espasmos
antiepiléptica. Assim que a DC é iniciada, com infantis, epilepsia mioclônico-astática e esclerose
a produção de corpos cetônicos (acetona, aceto- tuberosa. Em crianças candidatas à cirurgia de
acetato e hidroxibutirato), estes se tornam dis- epilepsia, seu benefício é limitado. DC é contrain-
poníveis na circulação e atravessam a barreira dicada em algumas condições específicas (Tabela
hematoencefálica e entram no SNC, onde atuam 1). Antes de instituir essa dieta, principalmen-
no início, na propagação e no término da crise te em pacientes com sintomas clínicos de atraso
epiléptica. Não se sabe ainda se um ou mais des- de desenvolvimento, cardiomiopatia, hipotonia,
ses corpos cetônicos é(são) responsável(is) pelo intolerância a exercícios, mioglobinúria e fatiga-
controle das crises ou se é(são) indicador(es) bilidade, devem ser excluídos os erros inatos do
da presença de outros fatores ou alterações me- metabolismo, os quais podem ocasionar crises
tabólicas que ainda não foram identificadas. A catabólicas, como deficiência dos transportadores
figura 2 representa os mecanismos atualmente de ácidos graxos, defeitos da betaoxidação e ou-
propostos para a DC. tras doenças mitocondriais.

209
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Figura 2. Produção de corpos cetônicos e mecanismos de ação propostos para a dieta cetogênica:
1 - Neurotransmissor inibitório GABA (hiperpolarização neuronal e canais de membrana); 2 - Inativação
da VGLUT (vesícula transportadora de glutamato) e inibição do neurotransmissor excitatório glutamato;
3 - Mudança na concentração de monoaminas biogênicas, 4 - Mecanismo Antioxidante: Redução de
ROS (espécies reativas de oxigênio). Elaborada pela nutricionista Patrícia Azevedo de Lima.

210
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas

Tabela 1. Contraindicações específicas para die- Na dieta tradicional com TCM, 60% da ener-
tas cetogênicas gia provém de TCM. O desconforto gastrointes-
tinal é frequente, assim como cólica abdominal,
Deficiência primária de carnitina
diarreia e vômitos. Por essa razão, foi desenvolvi-
Deficiência de carnitina palmitoiltransferase I e II
da a dieta com TCM modificada, na qual 30% da
Deficiência de carnitina translocase energia provém do TCM e 30%, dos triglicérides
Porfirias de cadeia longa. Na prática, o uso de TCM entre
Defeitos da betaoxidação dos ácidos graxos 40% e 50% parece ser o melhor nível de equilíbrio
entre a tolerabilidade gástrica e a cetose adequada.
Deficiência de piruvato carboxilase
A DMA é semelhante à DC em sua composi-
ção, na relação 1:1. O consumo inicial de carboi-
Antes de iniciar a DC, é necessário avaliar o
dratos é de aproximadamente 10 g ao dia, aumen-
paciente para identificar o tipo de crise epiléptica,
tando para 15 a 20 g ao dia, após um a três meses.
descartar doenças metabólicas que contraindi-
Não existe limitação ao consumo de proteínas,
quem essa dieta e fatores de complicação, como
líquidos e calorias, tornando mais fácil o planeja-
cálculos renais, dislipidemia, doença hepática,
mento das refeições (Figura 3).
desnutrição, refluxo gastroesofágico, constipa-
ção, baixa aceitação alimentar, cardiomiopatia e
acidose metabólica crônica. É muito importante
discutir com os pais, familiares e cuidadores se
compreenderam a importância de estarem en-
volvidos na administração da DC e aderirem ao
tratamento, a necessidade de evitar carboidratos,
da suplementação de vitaminas e minerais, o re-
conhecimento dos efeitos adversos e como lidar
com eles.
A DC clássica é o tratamento mais tradicional. Dieta modificada de Atkins
Em alguns casos, pode-se dar preferência à dieta Gordura: 65%
Proteína: 30%
com TCM, dieta modificada de Atkins (DMA) ou
Carboidrato: 5%
dieta com baixos índices glicêmicos.
Figura 3. Composição da Dieta modificada de Atkins.
A DC clássica é calculada a partir da relação
de proporção de gramas de gordura por gramas
de carboidrato e proteína. A relação mais fre- A dieta com baixos índices glicêmicos (DBIG)
quente é de 4 g de gordura para 1 g de proteína permite a ingestão de uma quantidade de carboi-
e carboidrato, conhecida como dieta 4:1. Isso sig- dratos diários de 40 a 60 g/dia, porém controla o
nifica que 90% da energia se origina da gordura e tipo de carboidrato, sendo utilizados aqueles que
10%, da associação de proteína e carboidrato. produzem pouca alteração na glicose sanguínea
As calorias são tipicamente restritas a 80% a (carboidratos com índice glicêmico inferior a 50),
90% da recomendação diária para a idade. A res- como os produtos integrais.
trição hídrica de 90% se baseia no uso histórico Essas últimas duas dietas são mais livres e não
da dieta mais do que em evidências científicas. é necessário que os alimentos sejam pesados. Os
Vários centros não adotam mais a restrição hídri- níveis mais elevados de cetose são obtidos com a
ca em crianças durante a DC. DC clássica (Figura 4).

211
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Cetose

Dieta cetogênica 4:1

Dieta cetogênica 3:1

Dieta com triglicérides de


cadeia média

Dieta modificada de
Atkins

Dieta com baixos índices


glicêmicos

Crianças Pré-escolares Escolares Adolescentes Adultos

Figura 4. Relação entre cetose e dietas.

Estudos sugerem que as dietas modificadas aos pais e aos cuidadores como pesar, preparar e
apresentam eficácia semelhante à da DC clássica administrar a dieta e seus efeitos.
e são indicadas principalmente a adolescentes e Após entrar em cetose, a DC é introduzida
adultos. A escolha do tipo de dieta deve se base- com aumento diário na quantidade de calorias,
ar nas necessidades alimentares e nos hábitos de mantendo a proporção 4:1, ou com a quantidade
cada indivíduo, além de ser influenciada pela ex- total de calorias necessárias na proporção de 1:1,
periência dos profissionais envolvidos. com aumentos diários na proporção 2:1, 3:1 e 4:1,
permitindo adaptação progressiva.
Iniciando a dieta O jejum não é necessário para que o orga-
A forma de iniciar a dieta varia entre os di- nismo entre em cetose e os protocolos de início
ferentes centros. A forma tradicional é feita du- gradual oferecem o mesmo padrão de controle
rante um período de jejum, que pode variar de de crises em três meses, sendo os efeitos adversos
12 horas a 48 horas, e não deve durar mais de 72 relacionados a esse período menos frequentes e
horas. Pelo fato de o jejum poder ocasionar hipo- severos12. A realização de jejum antes de iniciar a
glicemia, acidose, náusea, vômitos, desidratação, dieta é comparada a uma dose de carga de medi-
anorexia, letargia e um pequeno risco de aumento cação endovenosa, permitindo que o organismo
das crises, esses centros iniciam a DC com o pa- entre em cetose de forma mais rápida e a resposta
ciente internado, supervisionando de perto esses seja também observada de forma mais rápida.
efeitos e corrigindo-os se necessário. Também se Em nosso programa de DC, no qual recebe-
aproveita esse período de internação para ensinar mos crianças encaminhadas de diferentes lugares

212
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas

do país, realizamos inicialmente uma reunião apresentem maior ou menor eficácia em relação ao
com os pais e cuidadores, em que se discute e se controle de crises epilépticas, assim como altera-
explica a DC, tentando esclarecer dúvidas e veri- ções do nível sérico de FAEs pela DC. Sugerem-se
ficar a capacidade de adesão ao tratamento. Em efeitos sinergísticos quando se associa terapia não
seguida, cada paciente é avaliado, sendo realiza- farmacológica de estimulação do nervo vago13.
dos história médica e exames físico e neurológico. A DC pode levar à acidose metabólica tran-
Considerando-se o paciente candidato ao trata- sitória e frequentemente assintomática. Em pa-
mento, são solicitados os exames necessários an- cientes que fazem uso de medicações inibidoras
tes de iniciar a dieta (Tabela 2). da anidrase carbônica, como topiramato (TPM)
Tabela 2. Exames laboratoriais e zonisamida (ZNS), a acidose metabólica pode
se acentuar, principalmente logo após o início da
Exames laboratoriais 0, 3, 6, 12 meses
e a cada 6 meses
DC14. É necessário que os níveis de bicarbonato
• Hemograma sejam cuidadosamente monitorados, principal-
• Ferritina e folato mente quando em uso associado dessas medica-
• Eletrólitos ções, e que sejam suplementados quando o pa-
• Cálcio, fósforo e magnésio ciente estiver clinicamente sintomático (vômitos,
• Ureia, creatinina e ácido úrico
letargia). É necessário monitorar os pacientes
• Perfil lipídico
quanto à presença de cálculos renais e, se necessá-
• Glicemia, transaminase glutâmico-oxalacética,
transaminase glutâmico-pirúvica rio, administrar citrato de potássio.
• Proteínas totais, albumina A descontinuação de FAEs é também um dos
• Vitaminas D e E, zinco objetivos da DC e deve ser iniciada após a com-
• Carnitinas total e livre
provação da eficácia da dieta. Deve-se ter aten-
• Selênio
• Nível sérico de FAE
ção com a descontinuação do fenobarbital (PB) e
• Ultrassom renal benzodiazepínicos (BZDs) pela possibilidade de
aumento de crises epilépticas.
Introduzimos a DC ambulatorialmente, na A ingestão de carboidratos pode rapidamente
proporção 2:1. Após uma semana de adaptação e reverter a cetose, ocasionando o reaparecimento
familiarização com a dieta, alteramos para a pro- da atividade epileptiforme. Os pacientes devem
porção 3:1 e, após 15 dias, se necessário, para a ser bem orientados quanto a essa possibilidade e
proporção 4:1 (Tabela 3). estar atentos a tudo o que for oferecido a crianças
em DC, tornando-se verdadeiros “caçadores de
Tabela 3. Cronograma de tratamento
carboidratos”.
Primeira semana Dieta 2:1 Na DC, é necessária a suplementação com
Segunda e terceira vitaminas e minerais, com suplementos livres de
Dieta 3:1
semanas carboidratos. A suplementação de carnitina pode
Dieta 4:1 (dependendo da ser necessária em pacientes mais jovens, com es-
Quarta semana em diante
cetose) tado nutricional inadequado e uso concomitante
de ácido valproico15.
Na maioria das vezes, a DC é introduzida a pa- Efeitos adversos podem ocorrer e devem ser
cientes que não apresentaram resposta aos FAEs. monitorados. As anormalidades metabólicas in-
Não existem relatos de interações farmacodinâmi- cluem hiperuricemia (2% a 26%), hipocalcemia
cas entre FAEs e a DC ou combinações de FAEs que (2%), hipomagnesemia (5%), redução dos níveis

213
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

de aminoácidos e acidose (2% a 5%)16. Alguns pa- A descontinuação da DC é individualizada e a


cientes podem apresentar alterações gastrointes- maioria dos centros a mantém durante três meses
tinais, vômitos, diarreia, refluxo gastroesofágico antes de considerar a descontinuação. A piora de
e constipação, sendo tratados quando necessário. crises epilépticas que persistem por mais alguns
Hipercolesterolemia ocorre em 14% a 59% das dias após o início da DC, da mesma forma que
crianças durante a DC17. Cálculos renais, compos- com FAEs, indica que a DC deve ser descontinua-
tos de ácido úrico (50%), oxalato de cálcio, fosfa- da de forma imediata.
to de cálcio e mistos, ocorrem em 3% a 7% das Nos pacientes que apresentaram controle das
crianças. Litotripsia raramente é necessária e não crises epilépticas superior a 50%, a DC deve ser
se deve descontinuar a dieta. O uso de citrato de descontinuada após aproximadamente dois anos.
potássio pode prevenir a formação de cálculos18. Em pacientes nos quais o controle foi quase com-
Os dados em relação ao crescimento durante a pleto (mais de 90% de redução de crises) e os efei-
DC não são conclusivos. Um estudo prospectivo tos adversos são poucos, a dieta pode ser mantida
com 237 crianças mostrou que crianças maiores por período prolongado20. Indivíduos com defici-
crescem de forma adequada, enquanto crianças ência de GLUT-1 e piruvato desidrogenase neces-
menores crescem de forma mais lenta19. sitam de DC durante toda a vida.
Após o início da dieta, os pacientes devem A descontinuação deve ser feita de forma gra-
ser orientados a controlar a cetonúria por meio dual, em um período de dois a três meses, reduzin-
de fitas específicas (Figura 5) e acompanhados do gradativamente a proporção de 4:1 para 3:1, 2:1,
regularmente pelo médico e nutricionista, com aumentando as calorias, e assim que a cetose termi-
controle da eficácia da DC, parâmetros de cresci- na, os carboidratos são reintroduzidos. Em caso de
mento e exames laboratoriais. emergência, principalmente quando os pacientes
são admitidos em unidade de terapia intensiva, DC
pode ser descontinuada abruptamente.
O sucesso da dieta depende principalmente
dos pais e responsáveis, pois são eles que vão pre-
parar, pesar e oferecer os alimentos no dia a dia.
Assim, devem estar comprometidos com a dieta,
ser organizados, disciplinados e, além de tudo, não
deixar que a ansiedade atrapalhe o tratamento.

Hormônio adrenocorticotrópico (ACTH)


O hormônio adrenocorticotrópico (ACTH)
Figura 5. Fita dosadora mostrando cetose adequada. é um peptídeo formado por 39 aminoácidos na
sua forma natural e 24 aminoácidos na sua for-
ma sintética. ACTH não é um FAE-padrão e deve
Complicações em longo prazo em pacientes ser usado em um grupo restrito de encefalopatias
com dieta há mais de dois anos não foram siste- epilépticas graves.
maticamente revisadas. Em um pequeno grupo, Fórmula empírica: C207H308O58N56S,2AcOH, 32H2O.
Groesbeck et al.20 relataram maior risco de fratura ACTH é usado como indicação primária para
óssea, cálculo renal e atraso de crescimento, não tratar espasmos infantis, a síndrome de West.
sendo relatada dislipidemia. Possui um efeito tudo ou nada e 70% a 75% das

214
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas

crianças apresentam controle total das crises, Eliminação


porém as recaídas são relativamente frequen-
Os valores de meia-vida considerados são em
tes21. Em crianças que não respondem a ACTH
torno de 15 minutos.
ou recaem após o tratamento, outras medicações
devem ser consideradas, como vigabatrina, ácido
valproico, TPM, ZNS, levetiracetam, BZDs, DC Interações farmacocinéticas
ou vitamina B6. Até o presente momento, não foram descritas
Outras encefalopatias epilépticas, como síndro- interações medicamentosas entre ACTH e FAEs
me de Landau-Kleffner, síndrome de Lennox-Gas- ou outras medicações.
taut, epilepsia mioclônica-astática, síndrome de
Ohtahara, encefalite de Rasmussen e síndrome de Efeitos adversos
Dravet, podem se beneficiar com o uso de ACTH22. Os efeitos adversos de ACTH são os mesmos
dos esteroides e relacionam-se à estimulação da
Mecanismo de ação secreção de cortisol pela glândula adrenal. De-
ACTH estimula a secreção de cortisol na vem ser discutidos com os pais antes do início do
glândula adrenal, sendo efetivo mesmo em pa- tratamento. Recomenda-se que o início do trata-
cientes com supressão da adrenal. Seu efeito no mento seja realizado durante a internação hospi-
SNC e na epilepsia parece ser independente da talar por três razões principais: é importante que
secreção de esteroides. se realizem exames clínico e laboratorial antes de
Suprime a expressão do hormônio liberador iniciar o tratamento, para observar efeitos adver-
de corticotrofina, um neuropeptídeo pró-convul- sos e treinar familiares e cuidadores para a aplica-
sivo que pode ter a expressão aumentada em pa- ção intramuscular.
cientes com espasmos infantis.
Efeitos adversos comuns
Perfil de eficácia Irritabilidade, por vezes severa, fáscies cushin-
O objetivo do tratamento é eliminar espasmos goide, hipertensão arterial, hiperglicemia, gli-
e suprimir o padrão de hipsarritmia no eletroen- cosúria e alterações de eletrólitos.
cefalograma (EEG). A resposta é frequentemen-
te observada nos primeiros dias de tratamento. Efeitos adversos severos
Em recaídas após descontinuação do ACTH, um Imunossupressão e alteração da função de
novo ciclo de tratamento pode ser efetivo23. leucócitos polimorfonucleares, pneumonia, sepse
e insuficiência cardíaca congestiva.
Absorção e distribuição
O ACTH é inativado no trato gastrointestinal. Efeitos adversos raros
Deve ser administrado por via intramuscular. Atrofia cerebral, úlcera péptica, cardiomiopa-
tia hipertrófica subaórtica (geralmente reversível
Metabolismo após seis meses de descontinuação do ACTH),
Apesar de as vias metabólicas não serem co- catarata, glaucoma e exacerbação das crises.
nhecidas, ACTH circulante provavelmente é que- ACTH é contraindicado na presença de infec-
brado na ligação 16-17 lisina-arginina pelo siste- ção bacteriana ou viral, como tuberculose, varice-
ma plasma-plasminogênio. la ou citomegalovírus, e a pacientes portadores de

215
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

cardiomiopatia hipertrófica idiopática. Na maio- • Realizar derivado de proteína purificada


ria das vezes, hipertensão arterial necessita de tra- (PPD), para descartar a possibilidade de
tamento, inicialmente com diuréticos. tuberculose.
• Solicitar raio X de tórax na presença de sinto-
Dose matologia respiratória.
• Vacinas não devem ser administradas por dez
A melhor forma de introdução e dose adequa-
dias antes da administração de ACTH e du-
da ainda não foi definida. Doses mais elevadas são
rante o tratamento com essa substância.
administradas no início do tratamento, seguidas
pela redução gradual até a descontinuação. ACTH • Verificar sinais vitais, incluindo pressão arterial.
deve ser administrado por via intramuscular. • Realizar exame físico, excluindo evidência de
A dose inicial frequentemente recomendada é infecção.
de 150 IU/m2 de superfície corporal/dia, dividida • Efetuar exame de urina para verificar glicose e
em duas doses, variando entre 85 e 250 IU/m2/ evidências de infecção urinária.
dia. Essa dose é mantida por uma a duas semanas • Realizar exame de fezes (para verificar presen-
e reduzida gradualmente com tempo total de tra- ça de sangue nas fezes).
tamento de quatro a seis semanas. • Efetuar hemograma, eletrólitos, cálcio, mag-
Dessa forma, um ciclo de tratamento típico nésio e fósforo basal após duas a quatro sema-
(mas não exclusivo) seria realizado em quatro se- nas de tratamento.
manas com: 150 IU/m2/dia, dividido em duas doses • Realizar ecocardiograma após duas a quatro
por duas semanas, 30 IU/m2/dia por três dias, 15 semanas (cardiomiopatia hipertrófica).
IU/m2/dia por três dias, 10 IU/m2/dia por três dias e • Prescrever protetor gástrico, principalmente
10 IU/m2 em dias intercalados, por três doses. se for observado sangue nas fezes.
ACTH nunca deve ser suspenso de forma • A pressão arterial deve ser monitorada dia-
abrupta, pois suprime a secreção endógena de riamente, durante a primeira semana de tra-
ACTH. O objetivo da redução gradual da dose é tamento, e depois três vezes por semana até a
permitir ao organismo retomar sua secreção endó- descontinuação.
gena. No Brasil, ACTH não se encontra disponível. • Testar a glicose urinária duas vezes por sema-
As formulações disponíveis para importação são: na durante o tratamento.
• Corticotropina (extrato de glândula pituitária • Repetir hemograma e eletrólitos em duas a
suína, 39 aminoácidos, curta ação): quatro semanas de tratamento.
- Gel 80 IU/ml – 100 IU = 0,72 mg. • Considerar um novo ecocardiograma em duas
- Pó liofilizado – 100 IU = 0,72 mg. a quatro semanas de tratamento.
• Cosintropina/tetracosactrina (sintético, 24 Os pacientes devem ser seguidos de perto em
aminoácidos, curta ação) busca de evidências de infecção.
- 100 IU = 1,0 mg.
• Cosintropina/tetracosactrina (sintético, 24 Imunoglobulinas
aminoácidos, longa ação)
A imunoglobulina intravenosa (IGIV) é estéril,
- 100 IU = 2,5 mg. composta de produtos purificados do sangue hu-
Antes de iniciar e durante o tratamento com mano, extraídos do plasma de mais de mil doado-
ACTH, alguns exames devem ser realizados e, se res. Os produtos contêm geralmente mais de 95%
necessário, precauções devem ser tomadas: de IgG não modificada e traços de IgA ou IgM.

216
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas

Indivíduos com epilepsia podem apresen- de pacientes incluído nos diferentes grupos foi
tar vários tipos de anormalidades imunológicas, pequeno, ou seja, 61 pacientes divididos em qua-
como baixo nível de IgA sérica, ausência de sub- tro grupos: 18 pacientes no grupo placebo, 14 pa-
classes de IgG e identificação de anticorpos que cientes receberam IGIV 100 mg/kg, 14 pacientes,
são patogênicos ou secundários à doença primá- IGIV 250 mg/kg e 15 pacientes, IVIG 400 mg/kg,
ria [canais de potássio e cálcio voltagem-depen- o que pode ter contribuído para o resultado in-
dentes24, descarboxilase do ácido glutâmico25 e do satisfatório. Nesse estudo não foram reportados
receptor N-metil-D-aspartato (NMDA)]26. efeitos adversos graves. No estudo de Türkay et
O mecanismo de ação da IGIV na epilepsia al.32, seis pacientes com epilepsia intratável rece-
parece ser principalmente imunológico. O prin- beram IGIV 200 mg/kg, três vezes por semana.
cipal componente da IGIV (molécula de IgG) A frequência de crises e o EEG melhoraram de
atravessa a barreira hematoencefálica, aumentan- forma significativa em quatro pacientes e parcial-
do significativamente a concentração de IgG no mente em dois pacientes.
líquido cefalorraquidiano (LCR), sendo provável Em um estudo aberto publicado em 2007, 13
que chegue ao cérebro e tenha ação central27. Os pacientes com epilepsia refratária receberam qua-
efeitos terapêuticos da IGIV também podem ter tro doses de IGIV 400 mg/kg com intervalos de
um impacto sobre as vias do sistema imune, in-
três semanas, tendo-se observado redução na fre-
cluindo a modulação dos níveis plasmáticos de
quência de crises em sete deles28.
interferon, interleucina-6 (IL-6) e IL-828. Além
Em 2008, após revisão de literatura pela Eu-
disso, o efeito imediato do tratamento é observa-
ropean Federation of Neurological Sciences, reco-
do não apenas em um único tipo de epilepsia, mas
mendou-se o uso de IGIV para epilepsia refratá-
em vários, incluindo formas idiopática e sintomá-
ria na infância, com a ressalva de que se verificou
tica, indicando mecanismos de ação não imuno-
lógicos ou efeito anticonvulsivante por meio de melhora em metade dos casos, sendo as recaídas
neuromodulação direta. frequentes33.
O tratamento com IGIV mostrou redução im- Algumas síndromes epilépticas, como en-
portante na frequência de crises em crianças com cefalite de Rasmussen, entre outras, podem ter
síndromes de West e Lennox-Gastaut, tendo-se origem imunológica e ser responsivas à imuno-
observado o controle completo das crises em 20% terapia como IGIV e corticosteroides. Evidências
(em todos os tipos) a 100% (síndrome de West de benefício em estudos observacionais têm sido
criptogênica)29. Outro estudo com dez pacientes relatadas em encefalopatias epilépticas, como en-
com síndrome de Lennox-Gastaut, que recebe- cefalite de Rasmussen, síndrome de Landau-Kle-
ram placebo ou IGIV 400 mg/kg, em duas oca- ffner e estado de mal epiléptico elétrico no sono.
siões, com intervalo de duas semanas, constatou Poucos pacientes com a síndrome de Landau-
redução nas crises epilépticas em 42% e 100% em -Kleffner apresentam melhora da linguagem em
duas crianças30. Van Rijckevorsel-Harmant et al.31 longo prazo durante o tratamento com IGIV. Nos
conduziram um estudo multicêntrico, duplo-ce- que respondem ao tratamento, a melhora é sig-
go, randomizado e controlado por placebo, tendo nificativa, devendo-se repetir o tratamento com
avaliado a eficácia de IGIV como terapia adjunti- IGIV. Antes de iniciar o tratamento, pacientes
va. Não houve diferença significativa na redução com níveis elevados de IgG no LCR apresentam
de 50% ou mais de crises entre o grupo tratado melhor chance de resposta34. Em pacientes com
e o grupo placebo, porém observou-se melhor encefalite de Rasmussen, observa-se melhora na
resposta no grupo com crises focais. O número frequência de crises e do quadro neurológico com

217
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

doses de 200 a 400 mg/kg/dia utilizadas em pulsos dos demais recebe-a como adjuvante aos FAEs.
durante vários meses seguidos35. Estudos contro- Alguns pacientes com síndromes epilépticas espe-
lados são necessários a fim de definir quais sín- cíficas, como espasmos infantis, tiveram as crises
dromes se beneficiam desse tratamento. controladas com doses variáveis de vitamina B6.
De acordo com uma recente revisão, com base Estudos recentes sugerem que a forma ativa dessa
nos estudos publicados, atualmente nenhuma vitamina, o fosfato de piridoxal, é melhor do que
conclusão de confiança pode ser tirada sobre a efi- o protótipo.
cácia de IGIV como tratamento para a epilepsia.
São necessários mais estudos controlados e ran-
domizados. Se IGIV pode ser um tratamento efi-
Metabolismo normal da vitamina B6
caz para alguns tipos de epilepsia refratária, como A piridoxina é uma vitamina solúvel em água
a síndrome de Lennox-Gastaut e a síndrome de que está presente no organismo como piridoxol,
West, as evidências ainda permanecem desconhe- piridoxal aldeído, amina piridoxamina e seus
cidas. Nenhuma conclusão pode ser tirada sobre respectivos 5’-fosforil ésteres. A vitamina B6 é
IGIV como monoterapia ou tratamento adjuntivo ingerida na dieta, presente em muitos alimentos,
para outros FAEs. Essa questão é extremamente incluindo carnes, cereais, legumes e algumas fru-
importante para os clínicos que se deparam com tas. Uma proporção de vitamina B6 é derivada da
um número cada vez maior de opções de FAEs e flora bacteriana intestinal37. Os componentes fos-
necessitam fazer uma escolha baseada em evidên- forilados da vitamina B6 são convertidos em ba-
cias entre IGIV e outros tipos de medicamentos. ses livres por fosfatases alcalinas intestinais e, em
Também não existe atualmente nenhum estudo seguida, absorvidos no intestino delgado superior
controlado e randomizado que avalie os efeitos da por um sistema mediado por transportador38.
IGIV no tratamento da epilepsia não refratária36. A absorção é rápida e os componentes passam
para a circulação portal e são absorvidos pelo fí-
gado. Aqui, piridoxina, piridoxamina e piridoxal
Piridoxina (vitamina B6) são fosforilados por uma quinase de piridoxal a
A vitamina B6 desempenha várias funções no ésteres 5’-fosfato e o fosfato de piridoxina e o fos-
corpo humano, como a transaminação de ami- fato de piridoxamina são oxidados para formar o
noácidos, as reações de descarboxilação, a mo- fosfato de piridoxal. O fosfato de piridoxal é libe-
dulação da atividade dos hormônios esteroides e rado a partir do fígado para a circulação, onde se
a regulação da expressão de genes. A deficiência liga à albumina e forma aproximadamente 60%
dessa vitamina pode causar deficiência de ácido da vitamina B6 circulante, com menores quanti-
gama-aminobutírico (GABA) e crises epilépticas. dades de piridoxina, piridoxamina e piridoxal.
Se não tratada, pode provocar sequelas neuroló- Somente os componentes livres podem atra-
gicas permanentes. Assim, é importante conhe- vessar a barreira hematoencefálica. Para penetrar
cer as vias normais de metabolismo da vitamina nela, o fosfato de piridoxal é clivado para pirido-
B6, o papel das fosfatases alcalinas no transporte xal e transportado para o LCR por um mecanis-
dela para o cérebro e os distúrbios do metabolis- mo de transporte ativo, assim como a piridoxina
mo dela. e a piridoxamina. O transporte dos componentes
A vitamina B6 tem sido utilizada em muitos da vitamina B6 do LCR para as células cerebrais
pacientes com epilepsia. Apenas uma pequena ocorre por mecanismo semelhante. A hipofosfa-
proporção deles apresenta um transtorno especí- tasia é uma doença metabólica hereditária e rara,
fico no metabolismo da vitamina B6. A maioria caracterizada por raquitismo com redução da ati-

218
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas

vidade da fosfatase alcalina no plasma tecidual. ência de desidrogenase semialdeído alfa-aminoa-


Pode estar presente durante a infância ou na idade dípico também pode causar inativação do fosfato
adulta. Várias manifestações clínicas refletem di- de piridoxal46. Os defeitos genéticos relacionados
ferentes formas de expressão do gene da fosfatase a deficiência de fosfato de piridoxal e epilepsia
alcalina. Em um tipo específico de hipofosfatasia, dependente de piridoxina foram confirmados nos
o transporte deficiente de vitamina B6 causa cri- últimos anos.
ses epilépticas que respondem à vitamina B6, mas
são resistentes a todos os FAEs39,40.
Qual é o melhor tratamento: piridoxina
Nas células cerebrais, a vitamina B6 é incorpo-
rada após a piridoxina quinase catalisar a fosfori- ou fosfato de piridoxal?
lação do piridoxal, piridoxina e piridoxamina. Em Na prática clínica, particularmente em
seguida, a piridoxina e o fosfato de piridoxamina Taiwan e Japão, piridoxina e fosfato de piridoxal
são oxidados para formar fosfato de piridoxal41. O foram utilizados como FAEs em pacientes com
fosfato de piridoxal tem excelente capacidade de espasmos infantis e epilepsia generalizada e focal
coletar elétrons, o que o torna um versátil catali- na infância.
sador orgânico. Exceto para a fosforilase do glico- Em um estudo incluindo 94 crianças com
gênio, todas as enzimas usam fosfato de piridoxal idades de oito meses a 15 anos com epilepsia
como cofator para aminoácidos ou aminas. No idiopática refratária (com crise parcial e gene-
cérebro, enzimas dependentes de fosfato de piri- ralizada), 10% dos pacientes responderam a
doxal estão envolvidas no metabolismo de ami- fosfato de piridoxal e metade deles, também à
noácidos e neurotransmissores, como dopamina, piridoxina47. Os autores preferem usar fosfato
serotonina, glutamato, glicina, GABA, D-serina e de piridoxal como primeira escolha em algumas
taurina. Dessa forma, os defeitos no metabolismo crianças com epilepsia de difícil controle, uma
do fosfato de piridoxal podem também causar im- vez que as crises que respondem a piridoxina
portantes consequências neurológicas. respondem também a fosfato de piridoxal, mas
não vice-versa, além de fosfato de piridoxal ser
tão barato quanto piridoxina.
Distúrbios inatos do metabolismo de
vitamina B6
Além da hipofosfatasia, outras três doenças Epilepsia dependente de piridoxina
são conhecidas por provocar erro no metabolis- Piridoxina 100 mg, IV, ou fosfato de piridoxal
mo da vitamina B6. A primeira é a deficiência da (a forma ativa da piridoxina) 10 mg/kg, IV, devem
piridoxamina fosfato-oxidase, que provoca ence- ser administrados a recém-nascidos com crises
falopatia epiléptica neonatal sem resposta à piri- que não respondem a FAEs convencionais. Se não
doxina, sendo responsiva ao fosfato de piridoxal42. há resposta à piridoxina, pode-se administrar áci-
A segunda é a hiperprolinemia do tipo II, que do folínico (leucovorina 2,5 mg, IV) por possíveis
pode causar epilepsia sensível à piridoxina43. O convulsões responsivas a ácido folínico.
acúmulo de ácido pirrolina-5-carboxílico resulta A epilepsia piridoxina-dependente descrita
em inativação e quadro de deficiência de fosfato em 1954 é uma patologia rara, com incidência
de piridoxal44. A terceira é a epilepsia dependente de cerca de um em cada 400 mil nascimentos48.
de piridoxina, que tem sido considerada um erro Na forma com início precoce típica, as crises se
inato do metabolismo ou transporte da vitamina iniciam nos primeiros dias de vida. Na forma de
B645. Em 2006, descobriu-se também que a defici- início tardio atípico, as crises epilépticas se apre-

219
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

sentam até os três anos de vida49. Os pacientes xina utilizada é geralmente de cerca de 15 mg/kg/
do grupo de início precoce podem desenvolver dia até 500 mg/dia. Dificuldade de aprendizagem
convulsões pré-natais com cerca de 20 semanas parece ser uma complicação comum na forma de
de gestação. Um terço dos pacientes apresenta início precoce50. O atraso em meses ou anos no
encefalopatia neonatal, sendo os récem-nascidos tratamento desses pacientes provoca alterações
alertas, com irritabilidade importante e estímulo motoras graves com dificuldade de aprendizagem
sensível. As alterações sistêmicas incluem dificul- e alterações sensoriais. Alguns estudos sugerem
dade respiratória, dor abdominal, distensão e vô- que a cada recém-nascido com crise epiléptica,
mito, bem como acidose metabólica. Vários tipos mesmo se houver suspeita de asfixia perinatal ou
de crises iniciam-se nos primeiros dias de vida e sepse, deve-se administrar uma dose de vitamina
são resistentes a FAEs convencionais. Pode haver B6 IV. Da mesma forma, em crianças que tiveram
anomalias estruturais do cérebro, como hipopla- epilepsia até os três anos de idade, deve-se realizar
sia da parte posterior do corpo caloso, hipoplasia prova terapêutica, VO, com vitamina B651.
cerebelar ou hidrocefalia, e outras complicações Crianças com crises epilépticas responsivas
cerebrais, como hemorragia cerebral ou anorma- a piridoxina ou ácido folínico e recém-nascidos
lidades na substância branca50. com epilepsia resistente ao tratamento devem
A atividade epileptiforme é imediatamente ser submetidos a uma avaliação mais aprofun-
(dentro de minutos) responsiva a 100 mg de pi- dada, incluindo medição na urina ou no plasma
ridoxina administrada por via IV. No entanto, do semialdeído alfa-aminoadípico (alfa-AASA).
constatou-se que depressão cerebral ocorreu após A maioria dos casos de epilepsia piridoxina-de-
a primeira dose de piridoxina em cerca de 20% pendente se deve à deficiência da desidrogenase
das crianças com deficiência de piridoxina. As do alfa-AASA (também conhecido como anti-
crianças podem se tornar hipotônicas e dormir quitina), erro inato do metabolismo autossômi-
por várias horas. co recessivo causado por defeitos no gene AL-
Na forma de início tardio, encefalopatia e al- DH7A1 que levam ao acúmulo de alfa-AASA.
terações estruturais do cérebro foram observadas. Recomenda-se a análise da mutação do gene AL-
As crises epilépticas podem começar a qualquer DH7A1 em pacientes com rastreio bioquímico
momento até os três anos de idade51. Frequente- anormal e/ou evidência clara da capacidade de
mente, as crises ocorrem no contexto de uma do- resposta ao ácido folínico ou piridoxina. Pacien-
ença febril que pode evoluir para estado de mal tes com deficiência de antiquitina devem receber
epiléptico. Na maioria das vezes, há resposta ini- suplementação crônica com ácido de piridoxina
cial aos FAEs convencionais, no entanto os efeitos e/ou folínico46.
desaparecem com o tempo.
Piridoxina 100 mg/dia por via oral geralmen- Dose de manutenção
te controla a atividade convulsiva em um a dois
• 50 a 100 mg/dia, VO. Um estudo observacio-
dias. Depressão cerebral não é uma complicação
nal no Reino Unido recomenda dose de 30
na forma de início tardio.
mg/kg/dia49.
A única maneira de confirmar o diagnóstico
de deficiência de piridoxina é retirar a piridoxina
e demonstrar a recorrência das crises, que mais Efeitos adversos
uma vez mostram pronta resposta à piridoxina. O • SNC: cefaleia, crises epilépticas (após doses
tratamento é para toda a vida e a dose de pirido- elevadas por IV), sonolência.

220
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas

• Endócrinos e metabólicos: acidose, diminui- em países da Europa Central, como Alemanha e


ção de ácido fólico. Áustria52.
• Gastrointestinal: náusea. Em um estudo clínico randomizado, sua efi-
• Hepáticos: aumento de transaminase. cácia foi comparada à de levetiracetam no tra-
• Neuromusculares: neuropatia, parestesia. tamento da epilepsia rolândica. Apesar de o nú-
• Outros: reações alérgicas. mero de pacientes incluídos ser baixo, a eficácia
de levetiracetam e sultiame em prevenir crises
epilépticas no período de 24 semanas não diferiu
Interações medicamentosas significativamente. Embora a taxa de desistência
Barbitúricos, fenitoína (PHT) e fosfenitoína: em razão de eventos adversos tenha sido maior
piridoxina pode aumentar o metabolismo desses no tratamento com levetiracetam, não se alcan-
FAEs, principalmente em altas doses. çou significância estatística. Eventos adversos sé-
rios, com sintomas depressivos com pensamento
Precauções suicida, foram observados em dois pacientes do
grupo com levetiracetam. O número de pacientes
As formulações parenterais podem conter alu-
que completaram o estudo foi significativamente
mínio. Concentrações tóxicas de alumínio podem
maior no grupo com sultiame em comparação
ocorrer com o uso prolongado em altas doses ou
com o grupo com levetiracetam53.
em paciente com disfunção renal. Prematuros
Sultiame também pode ser utilizado nas en-
apresentam maior risco em razão da imaturidade
cefalopatias epilépticas, principalmente nas que
da função renal e da possibilidade de receber alu-
apresentam padrão de ponta-onda contínua du-
mínio de outras fontes.
rante o sono, como estado de mal eletrográfico
do sono e síndrome de Landau-Kleffner, e em
Sultiame pacientes com distúrbios comportamentais asso-
ciados à epilepsia, comportamento hipercinético,
O epilepsia do lobo temporal, crises mioclônicas,
O
S O crises tônico-clônicas generalizadas (TCGs) e cri-
O ses jacksonianas.
N S Seu principal mecanismo de ação é a inibi-
ção da ação da anidrase carbônica nas células
NH2
gliais, o que eleva as concentrações de dióxido
Sultiame. Fórmula empírica: C10H14N204S2. de carbono e acidifica o espaço extracelular, re-
sultando em redução do influxo de cálcio nos
O sultiame, derivado da sulfonamida, foi in- receptores NMDA e depressão da excitabilidade
troduzido como FAE em 1960. Seu principal neuronal intrínseca. Age também inibindo os
mecanismo de ação ocorre mediante inibição da canais de sódio voltagem-dependentes e liberan-
anidrase carbônica no SNC. É efetivo quando do glutamato54.
utilizado em monoterapia no tratamento de cri- Deve-se observar a eficácia do tratamento
ses epilépticas em crianças com epilepsia parcial após duas semanas. Se após seis a oito semanas
benigna com pontas centrotemporais, na qual não se observar benefícios clínicos, poderá ser
promove também melhora no padrão do EEG, necessário ajustar a dose ou a medicação não está
sendo a medicação escolhida para essa epilepsia apresentando o resultado esperado.

221
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Absorção e distribuição da com dissulfiram e secundárias à vasodilatação,


como cefaleia pulsátil, náusea, vômito, depressão
• A biodisponibilidade após administração oral
respiratória, taquicardia, hipotensão, ambliopia, ar-
é de 100%.
ritmia, excitação, redução do nível de consciência.
• Tempo máximo: uma a cinco horas.
A administração concomitante com outros
• Tempo para steady-state: ± três dias (adultos);
FAEs inibidores da anidrase carbônica (acetazola-
± dois dias (crianças)
mida, TPM e ZNS) pode potencializar a formação
• Ligação a proteínas plasmáticas: 29%.
de cálculos renais, acidose metabólica, hemodi-
• Farmacocinética: linear. luição e alterações de eletrólitos.
Não se sabe se sultiame afeta o metabolismo
Metabolismo dos contraceptivos orais. Teoricamente, pode ele-
• Parcialmente metabolizado no fígado e os me- var os níveis plasmáticos deles, sendo necessário
tabólitos não são farmacologicamente ativos. alterar para doses menores.
Os efeitos adversos mais comuns são pareste-
Eliminação sias de extremidades e face, taquipneia, hiperp-
neia, dispneia, tontura, cefaleia, diplopia, taqui-
• Meia-vida de eliminação em adultos: oito a
cardia e perda de apetite.
15 horas.
Em relação aos efeitos adversos graves, rara-
• Meia-vida de eliminação em crianças: cinco a
mente pode induzir falência renal, síndrome de
sete horas.
Stevens-Johnson, necrose epidérmica tóxica ou
• Excreção renal: 80% a 90% da dose adminis-
polineurite. Sendo inibidor da anidrase carbôni-
trada é excretada na urina, da qual 32% são
ca, associa-se a efeitos adversos como nefrolitíase,
sultiame não metabolizado.
acidose metabólica e hemodiluição com alteração
de eletrólitos. Pode ocorrer também aumento do
Interações medicamentosas número de crises.
• Efeitos de FAEs sobre sultiame: carbamazepina Efeitos adversos não graves e pouco frequen-
(CBZ) e primidona (PRM) podem elevar a depu- tes incluem ansiedade, alucinações, dor articular
ração do sultiame e reduzir seu nível plasmático. e perda de peso.
• Efeitos de sultiame sobre os FAEs: sultiame A maioria dos efeitos adversos é dose-depen-
pode aumentar os níveis plasmáticos de lamo- dente, melhorando ou desaparecendo com a re-
trigina, PB e PHT. dução da dose.
• Os antiácidos compostos de magnésio e bismuto
podem reduzir a absorção gastrointestinal de sul- Dose
tiame, levando à queda dos níveis plasmáticos. • Adultos: 200 a 600 mg/dia.
A administração concomitante com PRM, • Crianças (dois a 12 anos): 5 a 10 mg/kg/dia.
principalmente em crianças, é associada a intera- Deve-se iniciar com doses menores e ir titu-
ções farmacodinâmicas importantes, exacerban- lando, para evitar efeitos adversos. Em adultos,
do efeitos adversos, como tontura, instabilidade administrar 50 mg, duas vezes ao dia; aumentar
de marcha e sonolência. a cada semana em 100 mg/dia, divididos em duas
Por ser um derivado da sulfonamida, a admi- doses, até se obter a resposta desejada. A dose de
nistração concomitante com álcool resulta em in- manutenção varia de 200 a 600 mg/dia, dividida
terações farmacodinâmicas semelhantes à observa- em duas doses.

222
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas

Em crianças, iniciar com 5 mg/kg/dia; após A ACZ, uma medicação relativamente se-
uma semana, aumentar para 10 mg/kg/dia, man- gura, potente inibidora da anidrase carbônica,
tendo essa dose com duas ingestas ao dia. foi inicialmente utilizada no tratamento da epi-
Se não se observar resposta em um a dois me- lepsia por Bergstrom et al. em 195255. A partir
ses, o tratamento deverá ser descontinuado. A disso, vem sendo utilizada empiricamente no
descontinuação deve ser feita de forma gradual tratamento da epilepsia refratária focal e ge-
por um período de duas semanas. neralizada e da epilepsia catamenial. Estudos
Antes de iniciar o tratamento, hemograma, não controlados mostraram que ACZ pode ser
eletrólitos e função renal devem ser avaliados. efetiva no tratamento de diferentes tipos de cri-
Os eletrólitos devem ser monitorados durante o se, sendo relatado seu uso em monoterapia no
tratamento, inicialmente a cada semana ou mês e tratamento de crises TCGs em pacientes com
posteriormente a cada três a seis meses. Os níveis epilepsia mioclônica juvenil56, no tratamento de
de vitamina D devem ser monitorados e suple- crises mioclônicas e acinéticas e como terapia
mentados se necessário. adjuntiva na epilepsia focal, sendo seu uso limi-
tado pelo desenvolvimento de tolerância. Lim et
al.57 avaliaram a eficácia de ACZ em um peque-
Concentração sérica terapêutica no grupo de mulheres com epilepsia catamenial
O melhor controle de crises em adultos com não controlada. A eficácia foi semelhante nos
politerapia é provável que ocorra com a concen- pacientes com epilepsias focal e generalizada
tração plasmática de sultiame entre 2 e 10 mg/l (7 e epilepsias temporal e extratemporal. Obser-
a 34 µmol/l). Em crianças com politerapia, é pro- varam-se redução significativa na frequên­cia
vável que ocorra com a concentração plasmática de crises em 40% das pacientes e significante
de sultiame entre 1 e 3 mg/l (3 a 10 µmol/l). redução na severidade das crises em 30%. Não
houve diferença em relação à eficácia e ao tra-
Acetazolamida tamento contínuo ou intermitente. Foram re-
latados somente efeitos adversos menores e a
Estrutura química
N-(5-(aminosulfonil)-1,3,4- tiadiazol-2-il)-acetamida. Peso
tolerância ocorreu somente em 15%57. Kataya-
molecular: 222,25. ma et al.58 avaliaram o efeito a longo prazo da
O O administração de ACZ a pacientes com epilep-
H sia, verificando a relação entre a concentração
S S N CH3 plasmática e a eficácia. Em relação aos tipos de
H2N
epilepsias e crises epilépticas, não se observou
N N O diferença estatisticamente significante em rela-
ção à eficácia desse fármaco. Porém, os pacien-
Acetazolamida. Fórmula empírica: C4 H6 N4 O3 S2. tes que apresentaram remissão das crises por
mais de três anos foram aqueles com epilepsia
Apesar de pertencer ao grupo das sulfonami- focal sintomática e aqueles somente com crises
das, a acetazolamida (ACZ) é diferente dos anti- focais, sugerindo ser mais efetiva nesses casos.
bióticos que contêm sulfonamida. Ela não contém Em relação à associação com outros FAEs, foi
o grupo arilamina na posição N4, que contribui mais efetiva quando associada a CBZ e clonaze-
para as reações alérgicas associadas ao antibiótico. pam. Não se constatou diferença na concentra-
A estrutura química da acetazolamida apresenta ção plasmática dos pacientes que responderam
alguma similaridade com a ZNS. ou não à medicação58.

223
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Indicações para epilepsia • Tempo máximo: duas a quatro horas.


• Tratamento adjuntivo nas crises TCGs e parciais. • Farmacocinética: linear.
• Tratamento adjuntivo nas crises de ausência • Ligação a proteínas: 90% a 95% (90% da medi-
atípica, atônica e tônica. cação no organismo é ligada à anidrase carbô-
• Terapia intermitente nas crises catameniais. nica tecidual).
• Síndrome de Lennox-Gastaut. • Volume de distribuição: 0,3 l/kg para concen-
tração total, 1,8 l/kg para concentração livre.
Contraindicações • Concentração salivar: não se sabe se ACZ é
• Não é contraindicada a nenhum tipo de crise ou secretada na saliva ou mesmo se essa concen-
epilepsia; não é comum a exacerbação das crises. tração é similar aos níveis livres no plasma.

Mecanismos de ação Metabolismo


• Potente inibidor da anidrase carbônica no cé- • ACZ não é metabolizada.
rebro, enzima que catalisa, de forma reversí-
vel, a hidratação do CO2 e a desidratação do
ácido carbônico.
Eliminação
• A inibição da anidrase carbônica resulta no au- • Meia-vida em adultos: dez a 15 horas.
mento do CO2 intracelular, na redução do pH • Excreção renal: 100% da dose administrada é
intracelular e na depressão da atividade neuronal. excretada não metabolizada na urina.
• Aumenta a concentração tecidual de ácidos
fracos (como PHT e PB), que pode contribuir Interação com outros fármacos
na sua eficácia como terapia adjuvante. antiepilépticos
• O desenvolvimento de tolerância ocorre com
• Não existem relatos de FAEs que afetem a de-
frequência, possivelmente como consequência
puração e concentrações plasmáticas da ACZ.
do aumento da produção de anidrase carbôni-
• ACZ pode elevar os níveis plasmáticos de
ca pelas células gliais.
CBZ, PB e PHT.
Perfil de eficácia • ACZ pode diminuir a absorção de PRM.
• O início de ação é rápido, em poucos dias. • Não existem relatos de outras medicações
• Tolerância aos efeitos da ACZ frequentemente (não FAEs) que afetem a depuração e o nível
se desenvolve entre um e seis meses. plasmático de ACZ.
• A descontinuação do tratamento pode reesta- • ACZ pode aumentar os níveis plasmáticos de
belecer a eficácia, sendo apropriada para uso ciclosporina.
intermitente, como na epilepsia catamenial. • ACZ pode diminuir os níveis plasmáticos de lítio.
• Usada mais comumente como terapia adjunti- • ACZ utilizada com bicarbonato de sódio pode
va do que em monoterapia. elevar o risco para formação de cálculos renais.
• ACZ não altera o metabolismo dos contracep-
Farmacocinética tivos orais.
Absorção e distribuição
• Biodisponibilidade oral: superior a 90%. Efeitos adversos
• Ingestão concomitante a alimentos: não atrasa A inibição da anidrase carbônica parece ser
ou reduz a absorção. o mecanismo responsável pelos efeitos adversos,

224
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas

como acidose metabólica, parestesias e cálculos Deve-se iniciar com 3 a 6 mg/kg/dia, uma ou
renais. Os efeitos relacionados ao SNC podem ser duas vezes ao dia, e realizar ajustes de 3 a 6 mg/
amenizados pelo aumento gradual da dose. A aci- kg/dia em intervalos de três a sete dias, se forem
dose metabólica é geralmente compensada. Os pa- necessários e tolerados.
cientes devem ser tratados com bicarbonato oral Muitos pacientes apresentam resposta satisfa-
para níveis de CO2 entre 15 e 18 mEq/l ou menos. tória com doses relativamente baixas de ACZ, em
Se possível, deve-se evitar ACZ em pacientes torno de 500 mg/dia para adultos e 10 mg/kg/dia
em uso de TPM, ZNS ou em DC, pois esses tra- em crianças, devendo ser reavaliados nessa dosa-
tamentos também predispõem a acidose meta- gem, evitando aumentos desnecessários.
bólica e cálculos renais. Os pacientes devem ser • Epilepsia catamenial: 8 a 30 mg/kg/dia.
incentivados a ingerir bastante água. Na epilepsia catamenial, tem sido usada de
A anorexia e a perda de peso podem melhorar forma contínua e intermitente durante os dias de
com a redução da dose. exacerbação das crises. Doses de até 1.000 mg/dia
Efeitos adversos comuns podem ser necessárias e são bem toleradas. De-
Parestesias, principalmente formigamento pois de estabelecida a dose efetiva e bem tolerada,
nas mãos e pés, tontura, ataxia, borramento visu- pode-se administrá-la durante os dias necessá-
al, poliúria, alteração do paladar, principalmente rios, sem necessidade de aumento gradual.
para bebidas carbonadas, acidose metabólica, re- A introdução lenta da medicação aumenta a
dução do apetite, náuseas, vômitos, diarreia e rash tolerabilidade aos efeitos sedativos. Com o desen-
cutâneo. volvimento da tolerância, a suspensão da medica-
ção reestabelece o efeito terapêutico prévio.
Efeitos adversos raros e não sérios
Durante a descontinuação de ACZ, deve-se
Nefrolitíase secundária à redução de citrato
ajustar a dosagem das medicações concomitantes,
urinário, discrasia sanguínea, alterações visuais e
pois os níveis séricos de outros FAEs podem se
miopia transitória, tinido, depressão, diminuição
alterar. Se possível, ACZ deve ser descontinuada
da libido e perda de peso.
de forma gradual, em um período de um a três
Efeitos adversos sérios meses. Em pacientes que recebem o tratamento
Raramente podem ocorrer síndrome de Ste- de forma intermitente, a descontinuação gradual
vens-Johnson, necrose epidérmica tóxica e necro- não é necessária.
se hepática fulminante, assim como agranulocito- O nível terapêutico adequado para o contro-
se, anemia aplástica e outras discrasias sanguíneas. le de crises em pacientes em monoterapia ocorre
com a concentração plasmática em torno de 10 a
Dose 14 mg/l (45 a 63 µmol/l).
• Adultos e crianças com mais de 12 anos: 250 a
1.000 mg/dia. Contraindicações
Deve-se iniciar o tratamento com 250 mg/dia, Deve ser utilizada com cautela em pacientes
uma ou duas vezes ao dia, e realizar ajustes de 250 sob tratamento associado ao aumento do risco de
mg/dia em intervalos de três a sete dias, se forem cálculos renais.
necessários e tolerados. Não deve ser utilizada por pacientes com aci-
• Crianças com menos de 12 anos: 10 a 20 mg/ dose hiperclorêmica e com cirrose hepática devi-
kg/dia. Dose de 20 a 30 mg/kg/dia pode ser do ao risco de hiperamonemia severa. Histórico
necessária, se bem tolerada. de reação alérgica a antibióticos do grupo das sul-

225
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

fonamidas não é uma contraindicação absoluta ao traram nenhuma alteração no metabolismo, trans-
uso de ACZ. Não deve ser administrada a pacien- porte ou sítios de ligação do GABA. O íon brome-
tes que ingerem altas doses de aspirina, em razão to também pode inibir a anidrase carbônica61.
do risco de anorexia, taquipneia, letargia, coma e
morte. Também é contraindicada a pacientes com
Uso
doença de Addison e insuficiência adrenal, devi-
Foram realizados estudos não randomizados,
do à tendência de perda de potássio.
controlados com placebo, para determinar a efi-
cácia dos brometos. Embora tenham sido usados
Brometos em adultos no passado, a maioria dos relatos mais
Embora não sejam mais utilizados no trata- recentes refere-se ao tratamento de crianças e
mento de rotina da epilepsia, os brometos podem adolescentes.
ainda ter um papel no tratamento de pacientes A maior série (196 crianças) foi publicada
com epilepsia refratária ou que não toleram ou- em 1953. Os pacientes receberam um elixir de
tros FAEs. Brometos também pode apresentar brometo triplo (uma combinação de brometo de
efeitos adversos importantes. amônio, brometo de potássio e brometo de só-
dio) em doses crescentes até que fossem efetivas
ou ocorresse sedação. Cento e nove desses pa-
História
cientes não haviam apresentado resposta a outros
Depois de seu isolamento em 1826, a partir FAEs. Sessenta e um pacientes tiveram o controle
das águas do mar Mediterrâneo, por um breve completo das crises, 39 melhoraram significati-
período os brometos foram considerados a “cura” vamente (redução de 75% das crises epilépticas),
para hepatosplenomegalia, sífilis e eczema. Além 15 apresentaram redução inferior a 50% e 81 não
disso, o composto apresentava propriedades an- apresentaram resposta. Em relação ao tipo de
tiafrodisíacas. No século 19, o íon brometo foi crise, aparentemente o elixir foi mais efetivo nas
usado pela primeira vez como FAE quando Sir crises TCGs, parciais, mioclônicas e acinéticas. As
Charles Locock, em 1853, tratou vários de seus crises de ausência não apresentaram melhora. Os
pacientes com brometo de potássio59. Na forma de efeitos adversos reportados foram sonolência (as-
brometo de potássio, brometo de sódio e brometo sociada a níveis superiores a 20 mEq/l) e erupções
de amônio, brometos foram amplamente usados cutâneas acneiforme62.
com sucesso por 59 anos. A introdução de PB em
Boenigk et al.63 trataram 68 crianças e ado-
1912 ofereceu uma alternativa eficaz e segura para
lescentes com crises refratárias TCGs com doses
o tratamento da epilepsia. Em 1937, a descoberta
não especificadas de brometo de potássio. Trinta e
de PHT marcou o fim dos brometos na idade mo-
três por cento dos pacientes na primeira infância
derna dos FAEs.
tornaram-se livres de crises. Doze pacientes com
síndrome de Lennox-Gastaut não apresentaram
Mecanismo de ação resposta, tendo ainda ocorrido aumento das cri-
O mecanismo preciso de ação dos brometos ses tônicas em um terço deles. Não foram relata-
permanece desconhecido. Há evidências de que dos efeitos adversos.
possam atuar de maneira semelhante ao GABA na Woody60 relatou o resultado da terapia com
estabilização de membranas, levando à hiperpola- brometos em crianças com epilepsia refratária.
rização dos neurônios60. Experimentos em ratos Foram administrados 10 mg/kg/dia de sais de
que receberam continuamente brometos não mos- brometo (elixir triplo), divididos em duas a três

226
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas

doses para as crianças entre 2 e 17 anos de idade. Dose


Os tipos de epilepsia incluíram epilepsia fotos-
• Adultos: 3 a 6 g/dia.
sensível, epilepsia com afasia adquirida, síndrome
• Crianças menores de seis anos: 600 a 800 mg/
de Lennox-Gastaut e crises parciais. Seis dos 11
dia, em duas ou três doses.
pacientes tiveram melhora de pelo menos 75%
• Crianças maiores de seis anos: 300 mg a 1 g,
das crises epilépticas. Três apresentaram melhora
três vezes ao dia.
transitória e dois não tiveram redução alguma. A
dose média eficaz foi de 33 mg/kg/dia, produzin- As doses diferem dependendo do investigador.
do concentração sérica eficaz de 14,1 mEq/l. Sali- Devido à longa meia-vida, doses de carga de bro-
vação e disartria foram relatadas em um paciente metos não são recomendadas. A eficácia do trata-
com nível sérico de 30,5 mEq/l. mento deve ser avaliada em duas a três semanas.
Sessenta pacientes com crises TCGs resisten-
tes ao tratamento com FAEs foram incluídos em Absorção
um estudo aberto e não randomizado64. Os pa-
• Brometos são solúveis em água e facilmente
cientes receberam doses variáveis de
​​ sais de bro-
absorvidos a partir do trato gastrointestinal.
meto. A taxa de resposta ao tratamento, definido
A concentração máxima no plasma ocorre em
como redução de 50% na frequência de crises
aproximadamente 90 minutos.
por pelo menos um mês, foi de 58%. Essa me-
lhora foi mantida por uma média de 36 meses. A
dose média para esses pacientes foi de 81,2 mg/ Distribuição e metabolismo
kg, produzindo concentração média de soro de • Brometos são encontrados no organismo na
31,6 mEq/l. Os efeitos adversos foram comuns, mesma distribuição que os cloretos. Inicial-
ocorrendo em 53% dos pacientes, e incluíram mente, os íons de brometo substituem os íons
sonolência, apatia, hipotonia, ataxia, tremor e cloreto e fazem a quantidade de cloreto per-
acne. Na maioria dos casos, tais efeitos foram dida na urina aumentar até o equilíbrio ser
controlados com a interrupção ou redução da atingido. O íon brometo facilmente atravessa
dose de brometo. Onze pacientes interrompe- a placenta e passa para o leite materno, poden-
ram o tratamento. do causar hipotonia fetal, irritabilidade e de-
Embora o número de pacientes com melho- pressão neurológica quando utilizado durante
ra nesses relatos não pareça extraordinariamente a gravidez ou amamentação. Os compostos de
elevado, é importante lembrar que a maioria não brometo não sofrem metabolismo.
havia apresentado resposta a outros FAEs. Atual-
mente, a população em quem os brometos devem
ser considerados são crianças previamente sub- Eliminação
metidas a todos os outros FAEs disponíveis, com • São eliminados principalmente através dos rins,
pouco ou nenhum sucesso. Para a maioria delas, embora uma menor quantidade seja eliminada
também se está considerando o tratamento com nas fezes, suor, saliva, leite materno e lágrimas.
DC. Em razão de restrições dietéticas e do estilo Semelhantemente para os íons cloreto, os íons
de vida imposto para adesão à DC, os pais e os brometo são reabsorvido pelos túbulos renais. A
médicos podem desejar experimentar brometos depuração renal foi medida a 267 ± 1,7 mg/kg/
antes de iniciar DC. O uso de brometos também dia. A meia-vida de eliminação varia entre 10,5
exige monitoramento da dieta para manter a in- e 14 dias, de modo que a concentração estável
gestão constante de cloreto de sódio. da medicação não é atingida por 40 a 50 dias.

227
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Nível sérico de brometo de sangue. Os sintomas variam


de leves, como cansaço e falta de concentra-
• O intervalo terapêutico das concentrações
ção, para outros muito mais graves. O bro-
séricas de brometo foi relatado por diferen-
mismo grave ocorre em concentrações supe-
tes investigadores, que nem sempre estão de
riores a 200 mg/100 ml e pode se manifestar
acordo.
como agitação, dor de cabeça, delírio e de-
mência, que pode ser acompanhada por alu-
Interações cinações. Outros sinais neurológicos podem
• Pelo fato de não serem metabolizados, os bro- ser observados, como hiporreflexia, perda
metos não têm o número de interações me- dos reflexos pupilares, papiledema, aumento
dicamentosas que é comum a outros FAEs. A da pressão do LCR, alentecimento da ativi-
interação mais significativa dos brometos é a dade elétrica cerebral e perda do reflexo de
interação medicamento-alimento com o íon vômito. O tratamento consiste em suspender
cloreto. Quando o cloreto de sódio é ingeri- a medicação, elevar a ingestão de cloreto de
do sob a forma de sal de mesa, o íon cloreto sódio e a hidratação e administrar diuréticos.
desloca o íon brometo, não permitindo que os A hemodiálise pode ser necessária em casos
brometos se acumulem no organismo como graves ou refratários.
esperado. Portanto, recomenda-se que a in-
gestão de cloreto de sódio se mantenha cons-
tante durante o tratamento com brometo de
Alterações cutâneas
sódio. Essa interação tem sido usada em casos • Podem ocorrer erupções acneiformes e lesões
de toxicidade aos brometos, quando grandes granulomatosas. Erupções acneiformes geral-
quantidades de cloreto de sódio ou cloreto de mente ocorrem na face, podendo se espalhar
amônio são administradas para acelerar a ex- sobre o pescoço, o peito e os braços. A medi-
creção dos brometos. cação deve ser descontinuada. As lesões gra-
nulomatosas, chamadas de bromodermas, ca-
racterizam-se por abscessos intraepidérmicos
Efeitos adversos e extenso infiltrado no local dessas erupções.
Os efeitos adversos dos brometos são signifi- Não são dose-relacionadas e respondem à sus-
cativos e potencialmente fatais, sendo necessário pensão da medicação.
monitorar os níveis séricos para tratar com segu-
rança a epilepsia. Os problemas mais comumente
vistos envolvem SNC, pele e trato gastrointestinal.
Alterações gastrointestinais
• Perda de apetite e emagrecimento são fre-
quentes em pacientes com concentrações
Sistema nervoso central
elevadas de brometo. Em casos de bromis-
• Sonolência é o sintoma mais frequente e pa- mo, os sintomas incluem boca seca e língua
rece estar relacionado com a dose. Sonolência áspera e dolorida.
excessiva deve ser uma indicação para obter o
nível sérico do brometo. A sonolência é asso-
ciada a níveis séricos maiores que 20 mEq/l. Efeitos geniturinários e gravidez
• Bromismo é o termo utilizado para descrever • Como originalmente descrito, brometos podem
os sintomas associados com níveis elevados causar diminuição da libido ou impotência.

228
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas

Piracetam Genton et al.67 revisaram as publicações


existentes sobre o uso de piracetam para tratar
O mioclonias corticais de várias etiologias e in-
cluíram sua experiência pessoal em epilepsia
mioclônica progressiva. Concluíram que os dois
NH2 estudos duplo-cegos com placebo citados apre-
sentaram resultados que permitem recomendar

O N piracetam nos casos de mioclonias corticais.


Variações individuais de dose (7 a 24 g por dia)
existem, mas as respostas estão relacionadas
com a dose, de modo que a dosagem deve ser
aumentada até que o efeito ótimo seja obtido. A
Piracetam. Fórmula empírica: C6H10N2O2. tolerabilidade após o uso em longo prazo de pi-
racetam em doses elevadas foi muito boa, sem
As epilepsias mioclônicas progressivas evo- toxicidade ou efeitos adversos graves. Os efeitos
luem com abalos mioclônicos incapacitantes e adversos foram ocasionais, leves e transitórios.
resistentes ao tratamento. Em sua experiência com 12 pacientes com epi-
O piracetam (2-oxo-pirrolidina acetamida) é lepsia mioclonia progressiva que receberam até
um derivado do neurotransmissor GABA e apre- 45 g de piracetam diariamente, adicionados ao
senta um potencial considerável no tratamento de tratamento antiepiléptico prévio, houve melhora
​​
mioclonias. Até o momento, não foram descritas acentuada sem efeitos adversos significativos. A
interações medicamentosas entre piracetam e ou- melhora foi mantida por até sete anos67.
tros FAEs65. O piracetam é uma medicação bem tolera-
Embora doses mais elevadas pareçam melho- da. Os efeitos adversos são raros e, na maioria
rar a resposta, um efeito claro dose-resposta não das vezes, leves e transitórios. Alguns pacien-
foi demonstrado e a dose ótima ainda não foi es- tes podem apresentar cansaço, insônia transi-
tabelecida. tória, ansiedade, irritabilidade, cefaleia, agita-
Em um estudo duplo-cego realizado em 1998, ção, nervosismo, tremor e hipercinesia. Outros
observou-se clara melhora das mioclonias em efeitos adversos incluem ganho de peso, de-
pacientes com doença de Unverricht-Lundborg, pressão clínica, fraqueza, aumento da libido e
em uma dose de 24 g/dia. Os autores observaram hipersexualidade.
também melhora significativa e clinicamente re- Deve-se evitar a retirada súbita do medica-
levante em testes de avaliação da deficiência mo- mento, pois pode causar crises de abstinência.
tora, incapacidade funcional e avaliação global Ainda não foi descrito o mecanismo pelo qual pi-
tanto pelo investigador quanto pelo paciente. A racetam exerce seu efeito.
relação dose-resposta foi linear entre as doses diá- O uso de piracetam pode melhorar mioclonias
rias de 9,6 g, 16,8 g e 24 g de piracetam e melhora corticais de qualquer etiologia, como tratamento
significativa na incapacidade funcional também adjuntivo aos FAEs existentes ou em monotera-
foi observada nas doses mais baixas66. Esses resul- pia, ocasionando melhora da incapacidade e da
tados foram semelhantes aos relatados anterior- qualidade de vida. Deve ser fortemente conside-
mente em um estudo duplo-cego realizado por rado no tratamento de pacientes com mioclonias
Brown et al. em 199365. corticais de difícil controle.

229
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

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in a newborn. J Child Neurology. 2002;17:222-4. dren with benign childhood epilepsy with cen-
40. Yamamoto H, Sasamoto Y, Miyamoto Y, et al. A trotemporal spikes: a 6-month randomized,
successful treatment with pyridoxal phosphate double-blind, placebo-controlled study. Epilepsia.
for West syndrome in hypophosphatasia. Pediatr 2000;41(10):1284-8.
Neurol. 2004;30:216-8. 53. Borggraefe I, Bonfert M, Bast T, et al. Levetirace-
41. Kang JH, Hong ML, Kim DW, et al. Genomic or- tam vs. sulthiame in benign epilepsy with centro-
ganization, tissue distribution and deletion muta- temporal spikes in childhood: a double-blinded,
tion of human pyridoxine 5’-phosphate oxidase. randomized, controlled trial (German HEAD Stu-
Eur J Biochem. 2004;271:2452-61. dy). Eur J Ped Neurol. 2013;17:507-14.

231
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

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thiame add-on therapy for epilepsy. Cochrane Da- 1987;48:167-9.
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55. Bergstrom WH, Garzoli RF, Lombroso C, et al. atment of epilepsy in children. Am J Dis Child.
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fectiveness and side effects of acetazolamide as an tiveness of piracetam in cortical myoclonus. Mov
adjunct to other anticonvulsants in the treatment Disord. 1993;8:63-8.
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59. Ryan M, Baumann RJ. Use and monitoring of Piracetam relieves symptoms in progressive myo-
bromides in epilepsy treatment. Ped Neurol. clonus epilepsy: a multicentre, randomised, double
1999;21:523-8. blind, crossover study comparing the efficacy and
60. Woody RC. Bromide therapy for pediatric seizure safety of three dosages of oral piracetam with place-
disorder intractable to other antiepileptic drugs. J bo. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1998;64:344-8.
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61. Balcar VJ, Erdo SL, Joo F, et al. Neurochemistry treatment of cortical myoclonus. Pharmacopsy-
of GABAergic system in cerebral cortex chroni- chiatry.1999;32(suppl. 1):S49-S53.

232
Parte 6

A programação terapêutica

19. Quando iniciar o tratamento com fármacos antiepilépticos


Jaderson Costa da Costa
20. Estratégias medicamentosas nas epilepsias parciais: papel dos diagnósticos
sindrômico e subsindrômico
André Palmini
Érika Viana
21. Quando interromper o tratamento
Luciano de Paola
22. O tratamento em condições especiais
Íscia Lopes Cendes
Fernando Cendes
23. Epilepsias refratárias
Luís Otávio Sales Ferreira Caboclo

233
Quando iniciar o tratamento
19 com fármacos antiepilépticos?
Jaderson Costa da Costa
Professor Titular de Neurologia da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Chefe do Serviço de Neurologia do Hospital São Lucas,
Rio Grande do Sul, Brasil.

Tratar ou não tratar!


Casca: He fell down in the market-place, and foamed at mouth, and was speechless.
Brutus: ‘Tis very like - he hath the falling sickness.

Julius Caesar, ato I, cena II


William Shakespeare

Neste capítulo, será abordado quando se deve e entre os médicos. No Reino Unido, uma cri-
iniciar o tratamento, considerando as diferenças se isolada não é tratada1,2. Estima-se em 15% os
regionais, os prós e contras do tratamento, alguns que recebem FAEs no Reino Unido3,4. Nos Esta-
estudos sobre a primeira crise e o risco de recor- dos Unidos, a maioria (aproximadamente 70%)
rência, fatores importantes na decisão e o que fazer é tratada com FAEs5. Será que a literatura que os
enquanto se aguarda a definição do diagnóstico. médicos do Reino Unido e os norte-americanos
Trata-se de um tema controvertido. Na lite- leem são diferentes? Provavelmente não. Existem
ratura médica, ninguém se posiciona claramente outros fatores que devem ser considerados, como
quanto à decisão de tratar ou não tratar a primeira os aspectos médico-legais, as questões locais de
crise. Provavelmente, essa falta de definição seja julgamento da conduta do médico (o bom e o
uma consequência da diversidade de fatores que mau médico), o impacto psicossocial e as diferen-
devem ser ponderados antes de se iniciar o trata- ças extremadas entre os índices de recorrência.
mento com fármacos antiepilépticos (FAEs). Veja Aspectos médico-legais, como o processo
a seguir os fatores mais importantes a serem con- médico, às vezes possibilitam que o médico trate
siderados no início do tratamento. mais precocemente e com maior facilidade.
Questões locais, como, em algumas regiões, a
recorrência de crises, podem levar ao julgamento
Tratamento da primeira crise não de que o médico não é tão capaz.
provocada: diferenças regionais Em relação ao impacto psicossocial das cri-
O critério para iniciar o tratamento com FAEs ses, sabe-se que uma crise em um indivíduo que
varia consideravelmente de acordo com cada país mantém uma atividade pública eminente pode

235
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

ter maior repercussão e pressionar para um trata-


Seizures beget seizures Gowers, 1881
mento mais precoce.
Por último, ao analisar a literatura, são preo- Mas o que está por trás dessa preocupação?
cupantes os diferentes índices de recorrência apre- A afirmação de Gowers, em 1881, de que crises
sentados por diversos autores, havendo discrepân- “atraem” crises, está cristalizada no inconsciente e
cias importantes. Caso a decisão médica se baseie a preocupação que todos têm é que eventualmen-
somente nos índices de recorrência, tal profissio- te essa primeira crise poderá “atrair” novas crises!
nal estará confortável tanto com a literatura que Em humanos, não existem evidências de que cri-
corrobora índices muito baixos (27%) e, portanto, ses “atraiam” crises ou que epilepsia seja uma do-
induz ao não tratamento da primeira crise quanto ença progressiva6.
com a literatura que ratifica índices muito elevados
Qual o risco de recorrência após uma primeira
(81%) e, portanto, induz ao tratamento precoce.
crise? Na tabela 1 estão listados os autores dos estu-
dos, a população estudada (amostra), o tipo de es-
Aspectos que influenciam a decisão tudo (retro ou prospectivo), a idade dos pacientes, o
tempo de seguimento e a recorrência. Esses estudos
de iniciar o tratamento
epidemiológicos mostram que os valores variam de
- Diferenças regionais.
27% a 81%. Observe que os dados são divergentes,
- Aspectos médico-legais. mas os estudos são diferentes, assim como as amos-
- Aspectos relacionados à prática médica local. tras e o tempo de seguimento. Na realidade, a tenta-
- Impacto psicossocial das crises. tiva de considerar tais estudos semelhantes é similar
- Índices de recorrência de 27% a 81%. a comparar laranjas com tomates!

Tabela 1. Índices de recorrência de crises epilépticas na literatura médica7

Tempo de Recorrência
Autores População estudada Tipo de estudo Faixa etária
seguimento (%)*

Pacientes de serviço de Crianças e


Thomas8 Retrospectivo 3,5 a 8,5 anos 27%
eletroencefalograma adultos

Costeff9 Crianças de clínica pediátrica Retrospectivo Crianças 33 a 60 meses 50%

Saunders e Pacientes de serviço de Adolescentes


Retrospectivo 10 a 52 meses 33%
Marshall10 eletroencefalograma e adultos

Blom et al.11 Crianças de clínica pediátrica Prospectivo Crianças 3 anos 59%

Pacientes de clínica Adolescentes


Cleland et al.12 Retrospectivo 3 a 10 anos 39%
neurológica e adultos

Crianças e
Hauser et al.5 Pacientes de quatro hospitais Prospectivo 6 a 55 meses 27%
adultos

Goodridge e Crianças e 0 a mais de


Prontuários médicos Retrospectivo 81%
Shorvon13 adultos 15 anos

236
Quando iniciar o tratamento com fármacos antiepilépticos?

Tempo de Recorrência
Autores População estudada Tipo de estudo Faixa etária
seguimento (%)*
Pacientes atendidos em um
Crianças e
Elwes et al.14 hospital após primeira crise Prospectivo 1 a 69 meses 71%
adultos
tônico-clônica generealizada
Serviço de
Média de 31,4
Camfield et al.15 eletroencefalograma após Retrospectivo Crianças 52%
meses
primeira crise
Crianças e
Annegers et al.16 Prontuários médicos Retrospectivo Até 10 anos 56%
adultos
Pacientes atendidos em
Adolescentes
Hopkins et al.3 hospital com crises, sem Prospectivo Até 3 anos 52%
e adultos
doença neurológica prévia
Predominante­
Crianças e
Hart et al.4 Pacientes de clínico geral mente 2 a 4 anos 78%
adultos
prospectivo
51% não
Pacientes de 35 hospitais após
First Seizure Crianças e tratados
primeira crise tônico-clônica Prospectivo Até 3 anos
Trial Group17 adultos e 25%
generalizada
tratados
Pacientes de três hospitais e
Shinnar et al.18 Prospectivo Crianças 2 a 8 anos 44%
clínica privada

* Considerado o maior seguimento.

Não existem evidências de que Recorrência após a primeira crise


crises “atraiam” crises! em crianças
As diferenças nos índices de recorrência pu- O risco de recorrência geral em crianças é de
blicados provavelmente se devam a diferentes me- 42%, sendo 53% a maior até os seis meses, até um
todologias empregadas. ano, 69%, e até os dois anos, 88%. A recorrência
Portanto, a crítica que se faz a esses estudos en- cumulativa foi de 29% no primeiro ano, 37% no
volve vários aspectos, como qual a população es- segundo ano, 42% no quinto ano e 44% no oitavo
tudada? Houve um estudo dos diferentes tipos de ano. Somente 3% recorreram após cinco anos18.
crises? Qual foi o período entre a primeira crise e Isso mostra como é diferente considerar estudos
o início do estudo? Qual a duração do seguimen- que só avaliam um ou dois anos de seguimento
to? Utilizaram-se FAEs? Foram avaliados fatores e aqueles que avaliam cinco anos de seguimento.
de risco como lesões estruturais, anormalidades Quanto à etiologia das crises, as sintomáticas
no eletroencefalograma e/ou no exame neurológi- remotas, ou seja, aquelas secundárias a uma lesão
co, história familiar de crises, antecedentes de crise não progressiva do sistema nervoso, apresentam
convulsiva febril e presença de paralisia de Todd? quase o dobro de recorrência (68%) das crises
Assim, em 14 estudos realizados entre 1959 e criptogênicas (37%)18. Deve-se salientar que este
1996, incluindo adultos e crianças, a recorrência estudo foi publicado antes da nova classificação
variou de 27% a 81% (Tabela 1). que separa as criptogênicas das idiopáticas. Por-

237
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

tanto, nessa casuística estão incluídas as crises be- plexas, 79%, e as crises de ausência, crises atôni-
nignas idiopáticas da infância, o que contamina cas, mioclônicas e espasmos infantis apresentam
essa avaliação. Talvez, por isso, o EEG anormal e recorrência de praticamente 100%15.
a crise inicial durante o sono sejam fatores rela-
cionadas a maiores índices de recorrência. Como
nas crises idiopáticas da infância com paroxismos
Recorrência em crianças
centro-temporais, a maioria das crises ocorre du- O risco de recorrência geral é de 42%, sendo
rante o sono (72,2%; tabela 2) e o EEG evidencia maior nos primeiros seis meses.
anormalidades paroxísticas nas áreas centrotem- As crises sintomáticas remotas apresentam
porais. Não causa admiração o fato de EEG anor- maior índice de recorrência.
mal e crises durante o sono estarem associados à EEG anormal e crise inicial durante o sono se
maior recorrência (Tabela 2). relacionam a maior índice de recorrência.
A recorrência é maior para as crises de ausência,
Tabela 2. Horário de ocorrência das crises na epi-
atônicas, mioclônicas e espasmos infantis (100%),
lepsia benigna da infância com paroxismos cen-
seguidas pelas crises parciais complexas (79%).
tro-temporais.

Ocorrência Da Costa e Lerman e Loiseau


das crises Palmini*19 Kivity 20 et al.21 Fármacos antiepilépticos modificam
Sono 72,2%** 76% 76,8% a recorrência em crianças?
Sono e vigília 11,1% 17% 23,2% Alguns estudos mostram que FAEs não modifi-
cam a recorrência15 e outros estudos randomizados
Vigília 16,7% 7% --
e controlados demonstram redução na recorrência
*Pacientes de clínica privada; **31,8%: entre 21 e 3 horas; 9,1%
entre 3 horas e 1 minuto e 4 horas; 54,5% entre 5 e 8 horas; 4,6%
de até 50%23.
às 15 horas (sesta). Em um estudo metanalítico de 16 estudos re-
alizado por Berg e Shinnar24 para avaliar o risco
Na crise sintomática remota, os fatores rela-
de recorrência após uma primeira crise, eviden-
cionados à maior recorrência foram crise convul-
ciou-se que a etiologia e o EEG foram os maiores
siva febril prévia e idade de início das crises an-
indicadores de recorrência.
tes dos três anos18. O EEG anormal relaciona-se
à maior recorrência, sendo esse risco duas vezes
maior que naqueles com EEG normal. Mais uma Risco de recorrência após a
vez, deve-se salientar que talvez essa diferença primeira crise
deva-se às crises benignas idiopáticas com EEG
A etiologia das crises e o EEG são os maiores
anormal (paroxismos centrotemporais)22. Tal fato
indicadores de recorrência.
deve ser considerado, pois 25% das epilepsias da
Fatores importantes para a decisão:
infância são benignas com paroxismos centro-
temporais, portanto é muito provável que essa - Fatores de risco para recorrência.
forma contamine as estatísticas. Deve-se salien- - Comprometimento neurológico prévio (sinto-
tar que se trata da primeira crise, portanto não é mática remota).
epilepsia. Entretanto, toda epilepsia começa com - EEG com anormalidades epileptiformes.
uma primeira crise! - Tipo de crises.
As crises generalizadas tônico-clônicas têm - História familiar.
um índice de recorrência de 44%, as parciais com- - Risco de traumatismos associados:

238
Quando iniciar o tratamento com fármacos antiepilépticos?

Em um estudo realizado por Buck et al.25, evi- rando sempre seu desejo e/ou o dos responsá-
denciou-se que as crises determinam trauma de veis após os orientar adequadamente quanto
crânio em 24% dos pacientes, queimaduras em aos riscos e benefícios.
16%, traumatismo dentário em 10% e alguma fra- - Lembrar que provavelmente se pode evitar
tura em 6%. O tipo de crise e o risco de trauma que muitos pacientes tenham recorrência de
também devem ser considerados. crises, afastando os fatores desencadeantes,
como medicamentos, álcool, febre, fotossen-
sibilidade (TV, vídeos, discos, videogame),
Risco associado a fármacos privação do sono, estresse emocional e alguns
antiepilépticos outros mecanismos reflexos.
O risco de efeitos adversos inaceitáveis é de
aproximadamente 30%26. Deve-se considerar os
efeitos no desenvolvimento e/ou aprendizado Referências bibliográficas
principalmente em crianças e considerar os efei- 1. Sander JWAS. Starting antiepileptic treatment. In:
Duncan JS, Gill JQ (eds.). British Branch of the In-
tos psicológicos de um tratamento crônico e o
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custo financeiro. for the 5th Epilepsy Teaching Weekend, 1995. p. 159.
Portanto, a decisão de tratar ou não a primei- 2. Brodie MJ. Management of newly diagnosed epilepsy.
ra crise deve ser individualizada e baseada no In: Duncan JS, Gill JQ (eds.). British Branch of the
conhecimento dos riscos e benefícios. As infor- International League Against Epilepsy. Lecture Notes
mações epidemiológicas disponíveis servem so- for the 5th Epilepsy Teaching Weekend, 1995. p. 161.
mente como orientação quanto à probabilidade 3. Hopkins A, Garman A, Clarke C. The first seizure
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Critérios para iniciar o tratamento 4. Hart YM, Sander JWAS, Johnson AL, et al. for the
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1990;336: 1271-4.
de uma crise epiléptica e não uma crise pseu-
5. Hauser WA, Anderson VE, Loewenson RB, et al.
doepiléptica, como um episódio sincopal19,27. Seizure recurrence after a first unprovoked seizu-
- Estar certo de que o risco de recorrência para re. N Engl J Med. 1982;307:522-8.
esse paciente é elevado. 6. Berg AT, Shinnar, S. Do seizures beget seizures?
- Considerar o tipo de crise, a gravidade, o ho- An assessment of the clinical evidence in humans.
J Clinical Neurophysiol. 1997;14:102-10.
rário e o fator desencadeante.
7. Hart YM. Principles of treatment of newly diagno-
- Considerar a possibilidade de realmente o pa- sed patients. In: Shorvon S, Dreifuss F, Fish D, et
ciente aderir ao tratamento28. al. (eds.). The treatment of epilepsy. Oxford: Bla-
- Após orientar o paciente e/ou familiares, con- ckwell Science, 1996. p. 169-76.
siderar seu desejo. 8. Thomas MH. The single seizure: its study and ma-
nagement. JAMA. 1959;169:457-9.
- Considerar o impacto social de uma nova cri-
9. Costeff H. Convulsions in childhood: their natu-
se e, portanto, a ocupação do paciente.
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- Só iniciar o tratamento com FAEs quando Med. 1965;273:1410-3.
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239
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

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240
Estratégias medicamentosas
20 nas epilepsias parciais:
papel dos diagnósticos sindrômico e subsindrômico
André Palmini
Professor do Departamento de Medicina Interna da Divisão de Neurologia da Faculdade
de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Chefe do Serviço de
Neurologia e diretor científico do Programa Cirurgia da Epilepsia do Hospital São Lucas, Rio
Grande do Sul, Brasil.
Érika Viana
Neurologista, ex Residente da Divisão de Neurologia do Departamento de Medicina Interna
da Faculdade de Medicina e do Programa de Cirurgia da Epilepsia e Grupo de Estudos em
Neuropsiquiatria do Serviço de Neurologia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade
Católica, Rio Grande do Sul, Brasil.

Talvez a mais cabal demonstração da relevân- drômico na antecipação da resposta terapêutica.


cia dos diagnósticos sindrômico e subsindrômico Por exemplo, entre os pacientes com epilepsia de
das epilepsias no planejamento de uma estratégia lobo temporal, 31% daqueles sem esclerose hi-
de tratamento, levando-se em conta a antecipada pocampal (criptogênicos), mas apenas 10% da-
necessidade de doses elevadas de fármacos antie- queles com esclerose hipocampal e 3% daqueles
pilépticos (FAEs) bem selecionados, advenha de com lesão dupla (esclerose hipocampal + algum
um estudo francês1 que recebeu grande atenção outro substrato patológico) obtiveram controle
por parte da comunidade epileptológica interna- com medicação. Da mesma forma, apenas 24%
cional2. O grupo da Salpêtrière, em Paris, avaliou, dos pacientes com anormalidades do desenvol-
prospectivamente, as chances de controle com- vimento cortical obtiveram controle completo.
pleto das crises com FAEs em 1.696 pacientes Por fim, esse estudo abordou um outro aspecto
que consultaram ambulatorialmente um serviço fundamental sobre o qual se baseiam as sugestões
terciário de epileptologia, por um período de um terapêuticas que serão apresentadas no presente
a sete anos. Todos foram submetidos à extensa capítulo, a saber, a questão da seleção das dosa-
avaliação clínico-eletrográfica e também à res- gens de acordo com os diagnósticos sindrômico
sonância magnética (RM). Em nível sindrômico, e subsindrômico das epilepsias. Mais da metade
82% dos pacientes com epilepsias generalizadas daqueles pacientes com epilepsias parciais, tanto
idiopáticas, mas apenas 45% dos pacientes com criptogênicas quanto sintomáticas, que obtiveram
epilepsias parciais criptogênicas (sem lesão à RM) controle completo das crises necessitaram de do-
e 35% daqueles com epilepsias parciais sinto- ses elevadas de FAEs, muitas vezes em politera-
máticas, obtiveram controle completo das crises pia. Exceto por epilepsia parcial associada à his-
com FAEs por um período mínimo de um ano. tória de traumatismo cranioencefálico, em todas
Entretanto, talvez o dado mais valioso desse es- as subsíndromes de epilepsia parcial sintomática
tudo relacione-se ao papel do diagnóstico subsin- mais da metade dos pacientes que obtiveram con-

241
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

trole medicamentoso o fez com doses elevadas de parâmetros laboratoriais para definir que um de-
um FAE ou com politerapia. Este artigo enfatiza a terminado agente tem efeito antiepiléptico têm
importância para o epileptologista dos diagnósti- permanecido inalterados ao longo das últimas dé-
cos sindrômico e subsindrômico da epilepsia na cadas e baseiam-se na propriedade de que fárma-
construção da estratégia farmacológica visando cos reduzem a tendência e aumentam o limiar de
ao controle das crises em pacientes com epilep- crises induzidas experimentalmente pela injeção
sias parciais. de pentilenotetrazol ou pela aplicação de eletro-
Tratar crises epilépticas e sua tendência à re- choque em animais experimentais8. A decorrência
corrência em pacientes com epilepsia é uma das direta disso é que ainda não se atingiu um estágio
atribuições mais frequentes dos neurologistas. de desenvolvimento racional de FAEs baseado na
Epilepsia é uma entidade com prevalência eleva- etiologia (patologia) subjacente ao foco epilép-
da3,4 e o grau de controle das crises com FAEs faz tico. Esse aspecto será explorado ao longo deste
toda a diferença na vida de uma pessoa com epi- capítulo, como uma das principais causas para o
lepsia. Pacientes com crises bem controladas ten- estágio ainda insatisfatório do arsenal terapêutico
dem a uma integração social adequada, enquanto à disposição do neurologista para controlar as cri-
aqueles com crises recorrentes, a despeito do uso ses epilépticas. Existem duas maneiras de abordar
de medicamentos, geralmente são relegados a um clinicamente o tratamento de crises epilépticas,
segundo plano na estratificação social. Assim, co- convivendo com as limitações inerentes ao des-
nhecer profundamente os FAEs, sua aplicação e conhecimento de grande parte dos mecanismos
os critérios que regem a seleção de esquemas de fisiopatológicos e moleculares subjacentes a agre-
tratamento farmacológico para controlar crises gados neuronais epileptogênicos. Uma é aceitar
epilépticas talvez seja uma das principais res- de forma mais ou menos passiva as limitações e
ponsabilidades que um indivíduo assume quan- simplesmente selecionar fármacos e dosagens a
do decide ser neurologista. Do empirismo dos partir de alguns padrões estabelecidos, como tipo
brometos à casualidade da descoberta do efeito de crises e obtenção de níveis séricos propostos
antiepiléptico do valproato (VPA)5, a pesquisa como “adequados”. A outra abordagem, que será
científica está rapidamente evoluindo no sentido explicitada e detalhada neste capítulo, envolve
do desenvolvimento racional de FAEs, a partir de uma postura ativa de selecionar fármacos, dosa-
avanços no conhecimento de mecanismos intrín- gens e combinações com base numa integração
secos aos agregados neuronais epileptogênicos6,7. constante entre tipo de crises9, tipo de síndrome
Assim, alguns “alvos” farmacodinâmicos que se epiléptica10, além da presença, tipo e extensão de
correlacionam com redução da atividade epilep- lesão estrutural subjacente (subsíndrome epilép-
togênica já estão bem definidos, e os FAEs atual- tica). Além disso, será proposto que pacientes
mente disponíveis provavelmente atuam por meio com uma mesma síndrome epiléptica sejam dis-
de um ou mais de uma série de mecanismos que tribuídos ao longo de um espectro de severidade
reduzem a excitabilidade de agregados neuronais. de epilepsia, devendo tal fato ser constantemente
Entre estes, incluem-se a redução de potenciais considerado na decisão sobre que dosagens atin-
de ação repetitivos gerados pelo influxo de sódio, gir de determinados fármacos para obter contro-
o aumento da atividade inibitória GABAérgica e le adequado das crises11. Deve-se enfatizar que a
a interferência na neurotransmissão de aminoá- gravidade da epilepsia não varia apenas entre as
cidos excitatórios, como glutamato e aspartato8. diversas síndromes epilépticas, mas dentro de
Muito embora seja inegável o avanço no conhe- uma mesma síndrome. O reconhecimento ou não
cimento dos mecanismos de ação dos FAEs, os desse aspecto tem implicações práticas no grau

242
Estratégias medicamentosas nas epilepsias parciais

de controle das crises. Este capítulo, então, tenta- uma série de estigmas que acompanham os indi-
rá abordar de forma prática essas e outras ques- víduos com epilepsia, seus familiares e a popula-
tões, procurando fornecer primariamente uma ção em geral. Ingredientes para isso não faltam:
filosofia de abordagem no tratamento de crises crises epilépticas ocorrem de forma imprevisível e
epilépticas e também algumas sugestões práticas. suas manifestações, na maioria das vezes, têm um
Ao longo do capítulo serão mesclados dados e impacto social francamente negativo. Entretanto,
condutas bem estabelecidas com posturas deri- a análise científica do prognóstico das epilepsias
vadas da experiência prática dos autores. Sempre quanto às possibilidades de remissão ou controle
que factível, um e outro estarão claramente sa- altamente satisfatório com FAEs mostra um qua-
lientados e você, leitor, deverá fazer seu próprio dro muito mais otimista. Uma análise recente de
julgamento a respeito da propriedade de algumas 564 pacientes epilépticos acompanhados durante
abordagens derivadas da experiência dos autores. nove anos, de forma prospectiva, por clínicos ge-
Ao mesclar literatura com experiência pessoal, é rais no Reino Unido, mostrou que mais de 85%
possível contribuir um pouco mais para a abor- obtiveram remissão ou controle completo das cri-
dagem prática do tratamento das epilepsias par- ses com FAEs por um período de três anos e 68%,
ciais. Primeiramente, serão apresentados alguns por um período de cinco anos12. Quando esses da-
dados epidemiológicos sobre controle de crises dos foram analisados à luz do tipo de crises, 80%
epilépticas e uma breve discussão sobre aspectos dos pacientes com crises parciais e 91% daqueles
conhecidos e desconhecidos que facilitam a ocor- com crises primariamente generalizadas obtive-
rência de crises em pacientes epilépticos. A seguir, ram remissão durante, no mínimo, três anos. De
serão discutidos brevemente alguns aspectos far- modo interessante, mesmo quando os autores se-
macológicos gerais. Para finalizar, há uma seção pararam os pacientes, de acordo com a provável
sobre as estratégias de seleção de fármacos, doses etiologia da epilepsia, observou-se taxa elevada
e combinações a partir daquela análise do cená- de remissão em todos os grupos. Por exemplo,
rio completo, envolvendo tipo de crise, síndrome, 61% daqueles com epilepsia sintomática a um
presença de lesão e distribuição do paciente ao insulto remoto (grupo que engloba a maioria das
longo do espectro de severidade na sua respectiva epilepsias parciais) obtiveram remissão de cinco
síndrome epiléptica. anos com o uso apropriado de FAEs. Uma outra
forma de utilizar estudos populacionais como
indicadores do prognóstico quanto ao controle
Epidemiologia do controle das das crises também foi proposta pelo mesmo gru-
crises epilépticas nas epilepsias po13, sugerindo quatro cenários prognósticos em
relação às chances de controle das crises. Apro-
parciais ximadamente 30% dos pacientes com epilepsia
A experiência de ter ou presenciar uma ou têm uma condição muito leve, autolimitada, que
mais crises epilépticas em um familiar próximo remite em tempo relativamente curto, ou seja,
é universalmente descrita como um evento alta- após algum tempo os pacientes deixariam de ter
mente traumático e que traz à mente a possibi- epilepsia. Outros 30% desses pacientes têm crises
lidade de um problema muito sério, que poderá facilmente controláveis com FAEs e, com trata-
comprometer significativamente a qualidade de mento adequado, permanecem longos anos em
vida desse indivíduo. Aliás, o enorme receio de remissão. Um terceiro grupo, englobando aproxi-
que crises epilépticas sinalizem uma vida de limi- madamente 20% dos pacientes com epilepsia, tem
tações e sofrimento é o principal responsável por uma forma de mais difícil controle, necessitando,

243
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

em geral, de doses elevadas de um ou mais FAEs, impredictabilidade da ocorrência de crises está na


e, apesar disso, tendem a ter crises recorrentes de própria essência do desconhecimento científico
tempos em tempos (mesmo que persistam em re- sobre os aspectos mais essenciais da epilepsia, e
missão a maior parte do tempo). Os demais 20% médicos e pacientes devem aprender a conviver
dos pacientes com epilepsia têm crises refratárias com tais incertezas e minimizá-las. A aplicação
aos FAEs, ao menos com aqueles até agora dispo- de fórmulas matemáticas ligadas à teoria do caos16
níveis no mercado. Um estudo detalhado a res- poderá elevar a capacidade de predizer a ocorrên-
peito da epidemiologia do controle das crises foi cia de crises em pacientes epilépticos.
mencionado na abertura deste capítulo1 e merece O segundo aspecto, com aplicação universal
atenção especial. em pacientes com epilepsia, é que a baixa adesão
Por fim, um estudo multicêntrico recente que ao tratamento com FAEs é um dos principais,
comparou diferentes práticas de prescrição de senão o principal precipitante de crises17,18. Esse
FAEs em três centros14 mostrou que a taxa de con- fato aumenta a responsabilidade do neurologista
trole completo das crises foi muito similar – apro- ao prescrever o tratamento antiepiléptico. Não
ximadamente 65% –, independentemente do FAE há dúvidas de que uma boa adesão ao tratamento
de primeira linha escolhido [lamotrigina (LTG), está diretamente ligada a uma escolha apropriada
carbamazepina (CBZ) ou fenitoína (PHT)]. do FAE, sua forma de introdução, as dosagens a
serem atingidas e eventuais associações entre es-
ses medicamentos. Problemas em cada uma des-
Desencadeantes de crises: sas etapas, os quais podem gerar efeitos colaterais
conhecidos e desconhecidos, indesejáveis (porém evitáveis) ou baixa eficácia
quanto ao controle das crises, interferem na ade-
evitáveis e inevitáveis são ao esquema prescrito. Além disso, uma série
Antes de discutir o tratamento farmacológico de outros fatores pode precipitar crises epilépti-
da epilepsia parcial, é importante ressaltar o pa- cas em pacientes propensos, devendo-se identi-
pel de uma série de fatores, estados fisiológicos ou ficá-los e evitá-los quando possível. Em algumas
eventos na ocorrência ou precipitação de crises situações, a identificação desses fatores precipi-
em pacientes com epilepsia. Muitos desses fato- tantes poderá demandar o uso de algumas estra-
res afetam universalmente a ocorrência de crises, tégias terapêuticas mais específicas. Por exemplo,
enquanto outros interferem nas crises de alguns mulheres em idade fértil, com epilepsia parcial,
pacientes, mas não são generalizáveis. comumente referem aumento da frequência das
Dois aspectos universalmente válidos são cru- crises no período menstrual. Muitas chegam a re-
ciais aqui. O primeiro é que as crises epilépticas ferir que as crises somente ocorrem nessa fase de
ocorrem de forma imprevisível. Não se sabe o seu ciclo menstrual. Algumas estratégias têm sido
que exatamente determina que uma crise ocorra propostas para lidar com tal situação. A mais co-
em um determinado dia, em uma dada hora, ou mumente utilizada é tentar ajustar as doses do FAE
seja, mesmo que a tendência a crises epilépticas que a paciente já vem usando com vistas a prote-
de repetição esteja, por definição, sempre pre- gê-la também durante o período perimenstrual.
sente em pacientes com epilepsia, as crises em si Em outras palavras, a ideia é oferecer um nível de
ocorrem de forma aleatória e provavelmente sua proteção antiepiléptica que controle a excitabili-
ocorrência envolva inúmeras modificações sutis dade neuronal anormal em todos os momentos,
no controle fisiológico da atividade elétrica de incluindo o aumento da epileptogenicidade pro-
grupamentos neuronais epileptogênicos15. Essa movido pelas oscilações nos níveis de hormônios

244
Estratégias medicamentosas nas epilepsias parciais

sexuais. Entretanto, algumas dessas pacientes já é representado por adolescentes e adultos jovens
estão recebendo doses bastante elevadas de um com epilepsia parcial e graus variados de contro-
ou mais FAEs, de forma que aumentos adicionais, le medicamentoso, mas que desejam participar
ao longo de todo o mês, podem ocasionar efeitos de atividades sociais inerentes a sua faixa etária.
colaterais indesejáveis. Nesses casos, segundo a Tal fato vai envolver, necessariamente, a ingestão
literatura internacional3,19 e os resultados obti- eventual de quantidades pequenas ou moderadas
dos na prática diária, recomenda-se a associação de bebidas alcoólicas e algumas noites com menos
de clobazam (CLB) intermitente, iniciando três horas de sono. É muito difícil uma pessoa passar
a quatro dias antes da data provável da menstru- por uma adolescência normal sem vivenciar algu-
ação e persistindo por mais três a quatro dias a mas dessas situações. Existem duas posturas possí-
partir disso. Naquelas pacientes que já utilizam veis. Uma é a que preconiza uma virtual proibição
CLB, recomenda-se elevar 10 mg (um compri- ao paciente de participar das atividades inerentes
mido) na dose diária no período perimenstrual. à sua faixa etária. Proíbe-se a ingestão de qualquer
Da mesma forma, uma série de pacientes referirá quantidade de bebidas alcoólicas e convencem-se
maior chance de ocorrer crises em períodos nos os pais do adolescente de que ele deve dormir cedo
quais estejam dormindo pouco, tenham passado para não elevar a frequência de crises. Isso tran-
por momentos de tensão emocional ou ingerido quiliza o médico e os pais, mas cria um enorme
bebidas alcoólicas. Deve-se estar atento a esses conflito na vida do paciente, contribuindo muito
fatos e tentar realmente ajudar tais pacientes. Au- para uma série de comorbidades psíquicas que es-
xiliá-los não significa criticá-los ou proibi-los, de ses jovens com epilepsia apresentam. A alternativa
forma indiscriminada, a exporem-se a situações proposta é que se tente ajustar as doses de FAEs, da
em que esses fatores potencialmente desencade- melhor forma possível, incluindo uma certa mar-
antes de crises estarão presentes. O neurologista gem de segurança que acomode eventuais exposi-
deve procurar ajustar as doses dos FAEs utilizados ções a situações que potencialmente reduzam o li-
para a eventual possibilidade de que os pacientes miar epileptogênico. Tal postura aumenta a adesão
exponham-se a situações que possam desencade- ao tratamento e induz no paciente a percepção de
ar crises epilépticas, o que envolve uma análise que suas características estão sendo respeitadas e o
individual de cada caso. médico está fazendo todo o possível para diminuir
Não foi descoberta ainda uma forma de imu- o impacto funcional da epilepsia na sua vida. Por
nizar as pessoas, epilépticas ou não, a períodos de fim, um aspecto merece atenção especial. Muitas
tensão ou estresse emocional. Conflitos e preocu- crianças (especialmente) com epilepsias parciais
pações são parte da experiência humana de estar têm aumento da probabilidade de crises quando
vivo. Assim, de nada serve aconselhar os pacientes estão com febre. Não se trata de crianças com con-
para que “não se incomodem”, “procurem evitar vulsões febris, mas com crises tanto na presença
situações de tensão emocional” e recomenda- quanto na ausência de febre, mas nas quais o in-
ções do gênero. Se um determinado paciente está cremento da temperatura corporal ocasiona uma
passando por uma fase emocionalmente difícil, maior frequência de crises. Em um percentual sig-
o melhor a fazer é ajustar as doses do(s) FAE(s) nificativo dessas crianças, encontra-se uma causa
para o proteger, mesmo quando sob estresse. No- bem definida para infecções recorrentes, em geral
tadamente, um estudo sobre eventos vitais “estres- das vias aéreas superiores. Otites, faringoamig-
santes” e frequência de crises em pacientes com dalites ou sinusites de repetição frequentemente
epilepsia não verificou uma associação significa- provocam febre e, em seguida, crises epilépticas.
tiva entre as variáveis20. Um outro cenário comum A correção de predisponentes anatômicos para es-

245
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

sas infecções recorrentes provoca grande melhora na circulação sistêmica, o fármaco passa a distri-
da situação e deve ser ativamente buscada. Além buir-se nos diversos tecidos corporais, novamen-
disso, pode-se discutir com os pais aumentos tran- te dependendo de seu grau de lipo e hidrossolu-
sitórios da dosagem dos FAEs durante a vigência bilidade e da proporção que se liga às proteínas
das infecções. Uma alternativa é aplicar a mesma plasmáticas, principalmente à albumina. O volu-
estratégia discutida anteriormente a algumas mu- me de distribuição (Vd), particular a cada fárma-
lheres com exacerbação de crises no período pe- co, mede-se a partir da quantidade que sai da cir-
rimenstrual, ou seja, o uso intermitente de CLB. culação sistêmica para distribuir-se nos tecidos21.
Assim, Vd é uma espécie de medida “retrospecti-
va”: não indica um volume real, mas o volume no
Princípios básicos de farmacocinética qual o fármaco deveria distribuir-se para explicar
para o uso adequado de fármacos seu nível de desaparecimento da circulação. Essa
antiepilépticos e planejamento da distribuição do fármaco é responsável pela queda
inicial de sua concentração sérica. Quanto maior
dosagem o Vd, mais rápida será essa queda. Por exemplo,
Como com qualquer medicamento, a dispo- diazepam deve a seu grande Vd sua ação antie-
nibilidade biológica de um FAE para agir no SNC piléptica de curta duração. O processo farmaco-
será determinada por um processo dinâmico cinético seguinte é a metabolização do fármaco,
que se inicia pelas variáveis ligadas à sua absor- responsável por sua eliminação gradual do orga-
ção, prossegue com sua distribuição nos diver- nismo. Quase todos os FAEs em uso corrente são
sos compartimentos corporais e culmina com os biotransformadas (metabolizadas) por via hepáti-
mecanismos para sua eliminação, por meio de ca. Alguns metabólitos, produtos da biotransfor-
processos metabólicos e excretórios. A ordenação mação, têm efeito antiepiléptico, como é o caso
temporal desses processos durante tratamento notório da CBZ-10,11-epóxido22 . Particularida-
crônico por via oral, como no caso do tratamen- des no metabolismo hepático dos FAEs serão os
to da epilepsia, não deveria sugerir que se trata principais responsáveis pelo cuidado que se deve
de passos estanques. Na realidade, à medida que ter no planejamento da dosagem e, especialmen-
um fármaco é absorvido, passa a ser distribuído e te, no tocante a interações medicamentosas. O
metabolizado de forma que esses processos pra- conceito de meia-vida biológica de um fármaco
ticamente coexistem no tempo. Sua divisão tem, está intrinsecamente ligado a seu metabolismo
principalmente, fins didáticos. O primeiro fator hepático: a meia-vida biológica refere-se ao tem-
limitante da eventual ação de FAEs ingeridos por po necessário para que a concentração sérica do
via oral é o percentual absorvido, bem como a ve- medicamento diminua em 50% após a absorção
locidade de sua absorção enteral. Tal fato depen- e a distribuição terem sido completadas. Assim,
de da hidro e lipossolubilidade do medicamento, FAEs com metabolização mais rápida terão meia-
bem como do pH gástrico no momento da inges- vida menor e, com isso, determina-se a necessi-
tão. Como exemplo prático, é fundamental lem- dade de administrações mais frequentes. O meta-
brar que a presença de alimentos no estômago bolismo hepático é efetuado por meio de sistemas
retarda a absorção do VPA, enquanto aumenta a enzimáticos, os quais são sensíveis a diferentes
absorção da carbamazepina (CBZ)17. A velocida- fatores, principalmente disfunção hepática, e à
de da absorção determinará o tempo necessário influência de outros fármacos, particularmente
para que o fármaco atinja sua concentração má- outros FAEs. Alguns medicamentos são indutores
xima. Ao mesmo tempo que é absorvido e entra enzimáticos, ativando o sistema. Quando usados

246
Estratégias medicamentosas nas epilepsias parciais

em combinação, aceleram a eliminação do outro Níveis séricos: quando solicitar e


medicamento, reduzindo sua meia-vida. Outros
fármacos são inibidores enzimáticos, reduzindo a como interpretar?
velocidade de metabolização de um outro medi- A determinação dos níveis séricos de FAEs
camento usado em associação, aumentando, as- gera várias confusões. A premissa básica é a de
sim, sua meia-vida. Essa característica de os FAEs que as concentrações séricas dos FAEs deveriam
interferirem no metabolismo uns dos outros, no situar-se dentro de um intervalo ou “faixa tera-
nível dos sistemas enzimáticos hepáticos, é a prin- pêutica”. Do ponto de vista estatístico, isso estaria
cipal responsável pela maior incidência de efeitos associado ao controle adequado dascrises. Assim,
colaterais tóxicos e pouca eficácia do controle de níveis séricos aquém da faixa terapêutica deixa-
crises com esquemas politerápicos. O corolário riam o paciente “desprotegido” no tocante ao
dessa constatação é que o tratamento monoterá- controle de crises e níveis séricos acima da faixa
pico tem marcadas vantagens farmacocinéticas. terapêutica estariam associados a efeitos colate-
Além disso, estudos controlados mostraram que rais dose-dependentes. O corolário dessa premis-
as vantagens adicionais em termos de controle sa básica é que a determinação dos níveis séricos
de crises com esquemas politerápicos são pouco dos FAEs seria o “guia” para proceder-se a modi-
significativas e, geralmente, não compensam os ficações na sua forma de administração, incluin-
efeitos indesejáveis discutidos anteriormente23. do incrementos ou reduções nas dosagens. Entre-
Deve-se reservar a politerapia a situações bem es- tanto, a experiência prática é outra, mostrando
pecíficas, que serão discutidas mais adiante.Com que modificações na administração dos FAEs
base nos aspectos discutidos antes, pode-se esta- devem ser exclusivamente determinadas pela res-
belecer os princípios que devem ser considerados posta clínica do paciente no tocante ao controle
para planejar a dosagem de um determinado FAE. de crises e aos eventuais efeitos adversos. Níveis
O objetivo final é atingir e manter níveis séricos séricos acima ou abaixo da faixa terapêutica não
elevados o suficiente para proteger o paciente do têm nenhum significado prático, a menos que
risco de crises, sem que efeitos colaterais tóxicos o paciente não esteja com as crises controladas
sejam induzidos. Isso é obtido, principalmente, ou esteja apresentando efeitos colaterais tóxicos.
por meio do conhecimento da meia-vida biológi- É muito importante que o epileptologistatenha
ca do fármaco e do potencial efeito farmacociné- uma visão abrangente das síndromes epilépticas
tico da interação com outros fármacos (se tal fato e compreenda que existe uma variabilidade mui-
for inevitável). Uma regra prática é que o inter- to grande entre os pacientes no que diz respeito
valo de dose deveria corresponder à metade da à gravidade da condição epiléptica em cada sín-
meia-vida do FAE. Com isso, o paciente protege- drome. Como será visto mais adiante, em uma
se de um eventual atraso na ingestão do medica- mesma síndrome, encontram-se pacientes com
mento e até mesmo de se esquecer de ingeri-lo. A epilepsias mais leves e outros com crises mais
prática de prescrever o medicamento a intervalos resistentes à terapêutica. O estabelecimento das
de uma meia-vida possibilita que, próximo a cada dosagens dos FAEs mediante determinação dos
tomada, seus níveis séricos estejam perigosamen- níveis séricos deve levar em conta essa variabili-
te próximos do limite inferior do assim chamado dade. Uma abordagem exclusivamente “laborato-
intervalo terapêutico17,18. Como será visto mais rial” _ aumentando ou reduzindo a dosagem dos
adiante, o planejamento da dosagem dependerá FAEs apenas pelo valor do nível sérico _frequen-
muito da gravidade da epilepsia, analisada indivi- temente trará prejuízos ao paciente, complicando
dualmente para cada paciente. o controle de suas crises.

247
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Aceitam-se como indicações para determinar a alguns esquemas farmacológicos já testados ao


os níveis séricos dos FAEs18: avaliar o grau de ade- longo da vida, ou com controle intermitente das
são ao tratamento, quando há suspeita de baixa crises, ou seja, que estejam passando períodos
adesão; determinar se a recorrência de crises no com bom controle e períodos com recorrência
início ou durante o tratamento deve-se a níveis de crises, necessitando modificar o tipo e/ou as
séricos “baixos” de um ou mais FAEs; determinar doses de FAEs. É ao subgrupo de pacientes cujas
se o surgimento de sintomas sugestivos de toxici- crises persistem após o tratamento inicial com
dade, incluindo distúrbios comportamentais, de- doses médias de um FAE bem selecionado, ou
ve-se efetivamente a níveis séricos excessivamente seja, aqueles 40% de pacientes que mostram clara
elevados; determinar qual fármaco é responsável tendência a evoluir de forma crônica, com chan-
por efeitos colaterais tóxicos, quando maisde um ces não mais que razoáveis de remissão, que serão
FAE é usado. dedicadas as observações que se seguem.
Durante muito tempo, os estudos disponíveis
mostravam CBZ como o FAE mais eficaz no con-
Conduta prática das epilepsias
trole das crises parciais, com ou sem generaliza-
parciais ção secundária23,24. Muito embora alguns estudos
Como se mencionou na introdução deste não tenham mostrado diferença estatisticamente
capítulo, é essencial transmitir uma abordagem significativa quanto ao controle de crises parciais
prática do tratamento das epilepsias parciais que e secundariamente generalizadas entre CBZ, PHT
considere fatores identificáveis pela anamnese, e VPA25-27, estudos mais completos apontavam
pelos exames de imagem cerebral e pela evolução na direção de que CBZ seria o FAE mais eficaz
clínica do paciente. A abordagem inicia-se por um no controle das crises parciais23,24. Estudos mais
diagnóstico acurado do tipo de crises e da síndro- recentes, ao incorporarem FAEs mais modernos,
me epiléptica e segue com a obtenção da maior têm mostrado que oxcarbazepina (OXC) apresen-
quantidade possível de dados referentes à etiolo- ta o mesmo potencial terapêutico de CBZ e pelo
gia da epilepsia e à evolução do quadro desde o menos um grande estudo sugere que lamotrigina
início das crises. O primeiro aspecto a salientar (LTG) pode ser considerada o FAE escolhido para
diz respeito ao fato de que é muito diferente tra- crises parciais28. Para a maioria dos pacientes com
tar pacientes com epilepsia recém-diagnosticada epilepsia recém-diagnosticada, não faz muita dife-
e pacientes com epilepsias “crônicas”. Conforme rença tratar as crises com PHT, VPA, CBZ, OXC
mencionado na seção sobre a epidemiologia do ou LTG, pois o controle é obtido em um percentu-
controle das crises, a maioria dos pacientes com al de mais de 60% dos casos com qualquer um dos
epilepsia recém-diagnosticada tende a evoluir fármacos em monoterapia. Entretanto, pacientes
com formas leves da doença e o controle farma- com formas mais crônicas, graves e difíceis de epi-
cológico das crises não costuma ser difícil. A sim- lepsia parcial respondem preferencialmente a do-
ples seleção de um FAE seguro, em monoterapia ses elevadas de CBZ ou OXC quando comparadas
e em doses medianas, costuma controlar as crises a doses de semelhante magnitude de PHT ou VPA.
na maioria dos pacientes com epilepsia recém- Algumas síndromes e subsíndromes epilépticas
diagnosticada. Por outro lado, o grande desafio estão significativamente mais representadas no
farmacológico está em obter o controle comple- grupo das epilepsiasparciais com evolução mais
to das crises naqueles que demonstraram não ter crônica e outras no grupo daquelas epilepsias de
formas leves de epilepsia parcial e que evoluem mais fácil tratamento. Assim, incorporou-se a di-
com crises recorrentes,frequentemente refratárias mensão etiologia na abordagem terapêutica. Mais

248
Estratégias medicamentosas nas epilepsias parciais

especificamente, muito embora alguns pacientes _


Há o risco de se desenvolver reações imunológi-
com epilepsias associadas a lesões estruturais fi- cas que podem ser graves, inclusive chegando à
xas, não progressivas e identificáveis por estudos síndrome de Stevens-Johnson. O paciente deve
de imagem por RM possam ter suas crises contro- ser alertado para interromper imediatamente a
ladas de forma mais fácil, a maioria necessita de LTG se surgirem reações cutâneas e/ou febre.
doses elevadas de FAEs, eventualmente de polite- Alguns desses conceitos, especialmente a maior
rapia racional1. Assim, pacientes com epilepsias probabilidade de que determinadas síndromes ou
neocorticais associadas a displasias corticais1,29, subsíndromes epilépticas sejam acompanhadas
lesões atróficas ou glióticas e pacientes com epi- de maior probabilidade de refratariedade medi-
lepsia de lobo temporal associada à esclerose hipo- camentosa e, com isso, necessitem de uma abor-
campal1,30 frequentemente só são controlados com dagem farmacológica mais agressiva para que ao
doses elevadas de FAEs, o que significa doses ele- menos alguns pacientes consigam um controle
vadas de CBZ, da ordem de 1.200 a 1.600 mg/dia satisfatório, têm sido recentemente corroborados
(ou OXC 1.800 a 2.400 mg/dia) em mono ou poli- por diversos estudos recentes, além daquele dis-
terapia racional (associadas, por exemplo, a 10 ou cutido em detalhes na abertura deste capítulo. Ao
20 mg de clobazam). Em alguns casos, entretanto, compararem pacientes com epilepsia de lobo tem-
tem-se obtido um controle muito bom nessas epi- poral com e sem história de crises febris na infân-
lepsias “crônicas” com a combinação cautelosa de cia, Kanemoto et al.32 mostraram que as chances
VPA e LTG. Esse é um achado interessante, uma de controle medicamentoso são muito menores
vez que essa combinação tem sido altamente eficaz naqueles pacientes nos quais história de crises fe-
no controle de crises generalizadas graves, como bris complicadas (duração superior a 15 minutos
drop attacks31, e sua indicação também para crises ou paresia pós-ictal) estava presente quando com-
parciais poderia ser discutível. Entretanto, o fato é parados àqueles sem história de crises febris na in-
que muitos pacientes que não respondem à com- fância. Pacientes com crises febris simples tinham
binação de CBZ ou OXC com clobazam podem ter chances intermediárias de controlar as crises com
excelente controle das crises com a associação de medicação. Além disto, pacientes com epilepsias
VPA e LTG, que demanda dois cuidados práticos parciais que apresentam crises de queda súbita ao
muito importantes: solo (drop attacks) têm alta taxa de refratariedade a
_
Após algumas semanas ou meses de tratamen- FAEs33. Uma outra forma de analisar essas questões
to, vários pacientes desenvolvem um quadro seria imaginar que muitas formas de epilepsia par-
de ataxia e outros sintomas cerebelovestibula- cial têm seus pacientes agrupados no extremo mais
res, necessitando reduzir (geralmente discre- grave do espectro de controlabilidade das crises,
ta) as doses de um ou de ambos os fármacos enquanto outras formas têm seus pacientes distri-
(busca-se dose de VPA por volta de 1.500 mg/ buídos seja no extremo de mais fácil controle, seja
dia associada a uma dose de LTG da ordem de de forma mais equilibrada ao longo desse espectro
150 a 200 mg/dia) frequentemente, essa com- ou continuum. Nesse sentido, aqueles com epilep-
binação necessita que as doses de LTG sejam sias rolândicas e outras formas de epilepsias benig-
adicionalmente reduzidas em 25 a 50 mg, até nas4, pacientes com formas familiares de epilepsia
controlar os efeitos colaterais. Outras vezes, de lobo temporal34 ou epilepsia frontal autossômi-
pode ser necessária também uma discreta re- ca dominante e crises noturnas35, para citar apenas
dução do VPA. Como o VPA aumenta muito algumas delas, estão distribuídos no extremo de
os níveis séricos de LTG, esse cuidado com as mais fácil controle; pacientes comepilepsias par-
doses é bem importante. ciais criptogênicas ou associadas a algumas neopla-

249
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

sias benignas estariam distribuídos de forma mais farmacológicas, por volta de 20% dos pacientes
equilibrada ao longo do espectro (ou continuum) epilépticos (ou 50% daqueles com formas mais crô-
de controle, enquanto a maior parte daqueles com nicas de epilepsia, que não respondem facilmente
epilepsias neocorticais ou límbicas sintomáticas ao manejo com doses médias em monoterapia de
tenderia a ter crises de difícil controle. Esse concei- um dos FAEs tradicionais) persistirão com crises
to parece extremamente relevante, pois não se deve refratárias ao tratamento medicamentoso13,23. Tal
esperar controle adequado das crises desses últi- fato tem diversas implicações teóricas e práticas,
mos pacientes com doses médias de FAEs nem que duas das quais merecem uma breve consideração.
CBZ em doses elevadas esteja incluída no esquema Em primeiro lugar, o percentual relativamente alto
de tratamento. O que se observa frequentemente é de pacientes com crises refratárias (especialmente
que a não identificação desses pacientesleva a uma caso se considere que a maioria é constituída por
série de tentativas frustradas de tratamento, com a pacientes com formas sintomáticas de epilepsia
associação de múltiplos FAEs, geralmente em do- parcial) mostra como se sabe pouco a respeito dos
ses submáximas. A incorporação dos diagnósticos mecanismos causadoresde atividade epileptogêni-
sindrômico e subsindrômico na decisão de como ca nos diferentes tipos de patologia cortical. Mais
selecionar e utilizar FAEs eleva muito as chances de do que isso, ressalta o fato de que os paradigmas
controlar as crises1,36,37. ainda hoje utilizados para identificar um fármaco
Uma vez caracterizada a refratariedade a doses como antiepiléptico são insatisfatórios segundo
elevadas (adequadas) de CBZ ou OXC em monote- uma perspectiva “etiológica”. Não há razão para
rapia, tenta-se politerapia racional que inclua CBZ que os mecanismos celulares subjacentes à epilep-
ou OXC. Geralmente, opta-se por uma associação togenicidade da esclerose hipocampal39 sejam os
com clobazam19. Quando ineficaz, busca-se a asso- mesmos que aqueles das displasias corticais40, por
ciação de OXC ou CBZ com PHT ou VPA ou a tro- exemplo, mas mesmo assim se abordam as crises
ca pela associação de VPA com LTG. A partir dos epilépticas nas duas entidades de forma farmaco-
resultados do SANAD, entretanto, muitas vezes se logicamente idêntica. Assim, uma modificação no
tem tentado combinar doses robustas de LTG (300 a cenário atual _ um nível insatisfatório de contro-
500 mg/dia) e clobazam (ou, algumas vezes, OXC). le de crises em pacientes com epilepsias parciais
Não se costuma dar importância à mensuração de sintomáticas _ depende de uma mudança no pa-
níveis séricos, pois, como foi indicado anteriormen- radigma do desenvolvimento de FAEs, que deve
te, o conceito de níveis séricos é secundário àquele cada vez mais se basear no efeito antiepiléptico em
do tipo de síndrome epiléptica que se pretende tra- modelos experimentais de “patologias corticais es-
tar. Prefere-se o conceito de “doses máximas tolera- pecíficas”. Em segundo lugar, o neurologista deve
das”38 e interrompe-se a elevação das doses somente ter um approach objetivo no que tange à identi-
quando se obtém controle satisfatório ou surgem ficação de pacientes com alto risco de refratarie-
efeitos colaterais claramente indesejáveis. dade ao tratamento farmacológico. O diagnóstico
sindrômico32,33,11 precoce e a instituição de uma
terapêutica adequada, com base no que se propôs
Quando mesmo assim as anteriormente, deve permitir a identificação de
pacientes com crises refratárias após um período
crises persistem refratárias ao
médio de dois a quatro anos (ou menos dois) de
tratamento medicamentoso tentativas racionais de tratamento (e não de 20 a
Mesmo com uma abordagem correta em ter- 40 anos, como é o quadro atual). Definida a intra-
mos de seleção de FAEs, suas dosese associações tabilidade medicamentosa, o paciente deve ser en-

250
Estratégias medicamentosas nas epilepsias parciais

caminhado a um centro especializado na avaliação MM (eds.). Epilepsia. São Paulo: Lemos, 1996. p.
pré-cirúrgica de pacientes com epilepsias refratá- 323-38.
rias41. O tratamento cirúrgico da epilepsia parcial 12. Cockerell OC, Johnson AL, Sander JWAS, et al.
Prognosis of epilepsy: a review and further analy-
refratária tem passado por uma enorme transfor-
sis of the first nine years of the British National
mação, e um significativo contingente de pacientes General Practice Study of Epilepsy, a prospective
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procedimentos cirúrgicos adequadamente indica- 13. Shorvon S, Dreifuss F, Fish D, et al. The treatment
dos42. Não há mais por que condenar indivíduos of epilepsy. London, Blackwell Science, 1996
com epilepsia a uma vida de privações e sofrimen- 14. Szoeke C, Sills GJ, Kwan P, et al. Multidrug-re-
to quando os FAEs, utilizados de forma adequada sistant genotype (ABCB1) and seizure recur-
rence in newly treated epilepsy: data from in-
e racional43,13, não conseguem controlar as crises
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251
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

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252
Quando interromper o
21 tratamento
Luciano de Paola
Chefe do Serviço de Eletroencefalografia e Epilepsia do Hospital de Clínicas da Universidade
Federal do Paraná. Epicentro – Centro de Atendimento Integral de Epilepsia do Hospital Nossa
Senhora das Graças, Paraná, Brasil.

A maior parte da prática médica é pontuada à recorrência de crises são mensuráveis? Final-
por intervenções positivas, ou seja, um fármaco mente, uma questão bastante específica: é segura
ou procedimento é ativamente introduzido como e indicada a retirada das medicações antiepilep-
instrumento de tratamento ou alívio para os ma- ticas após cirurgias de epilepsia bem-sucedidas?
les dos pacientes. Já o ato médico oposto, aquele Mesmo com o aprimoramento de tecnologias e
que prevê a retirada de medicamentos ou sus- o reconhecimento de potenciais biomarcadores,
pensão de um procedimento, é intrinsecamente muitos desses aspectos permanecem sem solu-
relacionado ao conceito de cura. Em outras pa- ção satisfatória e o “dilema” é pontual, contínuo
lavras, a interrupção da intervenção médica an- e cotidiano. A revisão a seguir tem por objetivo
tecipa necessariamente a noção de que a doença produzir algum embasamento para justificar e
foi debelada. Justamente aí reside o grande dilema assumir, de forma compartilhada com pacientes
na condução dos casos de pacientes com crises e familiares, essa importante decisão no curso de
epilépticas responsivas ao tratamento. Longos pe- seu tratamento.
ríodos de ausência de crises, na vigência do uso
de fármacos antiepilépticos (FAEs), devem ser
interpretados como “remissão duradoura” (even- Questões pungentes e respostas
tualmente não definitiva) ou “remissão terminal”
disponíveis
(cura propriamente dita) das crises? Uma respos-
ta sistematizada a essa pergunta implica esclarecer Certeza do diagnóstico: é mesmo epilepsia?
outros aspectos polêmicos relacionados à epilep- Qualquer consideração relacionada a manu-
sia. Qual é a sua história natural? Quais os fatores tenção ou interrupção de um tratamento específi-
de risco relacionados à recorrência de crises após co envolve precipuamente a certeza do diagnósti-
a retirada da medicação? Existem diferenças entre co e, por extensão, a convicção sobre o tratamento
os fatores de risco em crianças e adultos? Qual é o efetivo. Apesar de relativamente estereotipados
risco do uso continuado da medicação antiepilép- para um mesmo indivíduo, há grande variedade
tica? A recorrência de crises implicaria uma epi- semiológica nos fenômenos epilépticos. A utiliza-
lepsia mais refratária? Qual é o período livre de ção de eletroencefalograma (EEG) de rotina como
crises ideal para considerar a retirada da medica- biomarcador de epilepsia pode ser frustrante pe-
ção? As consequências psicossociais relacionadas las limitações de sensibilidade do método. Acha-

253
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

do de espículas em um primeiro EEG, em um caso drome. Em um estudo populacional, 21% dos


suspeito, pode ocorrer em apenas 30% a 50% dos pacientes de Sander5 apresentavam diagnóstico
estudos. Estudos seriados, particularmente envol- ainda incerto, após seis meses do início da pes-
vendo o registro em sono, podem melhorar esses quisa. Daí a necessária insistência nas anamneses
números, chegando a cerca de 80%1. Da mesma com pacientes e familiares e na realização de exa-
forma, grafoelementos epileptiformes (mas não mes complementares sempre que há persistência
epileptogênicos) podem ocorrer em indivíduos da dúvida.
assintomáticos, induzindo ao erro diagnóstico. As crises não epilépticas podem ser classi-
Comportamentos bizarros, anteriormente consi- ficadas como fisiológicas e psicogênicas. Entre
derados “patognomônicos de pseudocrises” (ou as primeiras, mais propensos à confusão são as
crises não epilépticas), perderam valor diagnós- síncopes, os quadros de origem vascular (ataques
tico, uma vez que monitorações invasivas mos- isquêmicos transitórios) e os distúrbios tóxicos
traram que tais manifestações podem traduzir paroxísticos; entre as causas psicogênicas mais
epilepsias legítimas. Em contrapartida, monitora- comuns, há transtornos somatoformes e factícios
ções ambulatoriais ou videoeletroencefalogramas e simulações4.
(vídeo-EEG) permitiram o diagnóstico diferen- Faz parte da boa prática confirmar o diagnós-
cial em várias condições que, por cursarem com tico de epilepsia, sempre que possível, reservando
real ou aparente perda de consciência, poderiam as chamadas “provas terapêuticas” a situações de
ser assumidas erroneamente como de natureza exclusão. Especificamente em relação a esta revi-
epiléptica. As consequências da falta de reconhe- são, a opção pela descontinuidade da medicação
cimento dos eventos não epilépticos podem ser antiepiléptica é indicação óbvia, ainda que deva
catastróficas. Pessoas sem crises epilépticas po- ser monitorada nos casos em que o diagnóstico de
dem ser submetidas inapropriadamente a regimes
epilepsia foi equivocadamente assumido.
terapêuticos com FAEs, além de vivenciarem es-
tigma social e prejuízo profissional associados ao
diagnóstico de epilepsia; ainda maiores são os ris-
História natural: qual é o prognóstico da
cos dos pacientes com epilepsia legítima que rece- epilepsia?
bem diagnósticos de distúrbios somatoformes ou Sander5 definiu prognóstico em epilepsia
simuladores. La France e Benbadis estimaram em como “a chance de uma remissão terminal, uma
sete anos a média de atraso no diagnóstico preciso vez que um paciente tenha desenvolvido um
de crises não epilépticas psicogênicas a um custo padrão de crises recorrentes”. Essa chance tem
estimado de 100 a 900 milhões de dólares (anuais) sido cunhada de formas diferentes ao longo da
em procedimentos médicos potencialmente des- história da epileptologia. Em 1881, Gowers suge-
necessários2. Porém, o verdadeiro desafio diag- riu “tendência à autoperpetuação das crises epi-
nóstico e terapêutico são os chamados pacientes lépticas”, bem como o fato de que “sua cessação
“mistos”, que apresentam crises epilépticas e não espontânea seria muito rara para que pudesse
epilépticas em seu quadro clínico. O volume desse ser razoavelmente previsível”. Em 1968, Rodin
último contingente não pode ser menosprezado, acrescentou, de forma pessimista, que a “a con-
já que corresponde a uma parcela de 10% a 60% dição – epilepsia – seria crônica e propensa à re-
da população acompanhada em centros especiali- corrência de crises em mais de 80% dos casos”.
zados em atendimento terciário3,4. Esse aspecto foi revisado de forma sistemática
O diagnóstico de epilepsia pode ser particu- nas últimas décadas. Uma uniformização de re-
larmente frustrante nos estágios iniciais da sín- sultados mostrou-se problemática em função da

254
Programação terapêutica: quando interromper o tratamento

pouca homogeneidade das populações estudadas diato. Por esse motivo, os estudos são conduzidos
e dos diferentes protocolos de tratamento e tem- em populações relativamente pequenas, propen-
pos de seguimento. Apesar dessas dificuldades, sas à elevada incidência de comorbidade, o que
a maior parte dos pesquisadores concorda com limita parcialmente algumas de suas conclusões.
um cenário bastante mais animador em relação Em 1992, Placencia et al., citados por Sander6,
à remissão das crises. Existe certo consenso em desenvolveram um estudo no norte do Equador
torno do fato de que 70% a 80% dos pacientes que culminou com a avaliação de 881 indivídu-
com epilepsia atingirão uma chamada remissão os com diagnóstico de epilepsia. Destes, apenas
terminal, enquanto 20% a 30% deles represen- 15% estavam em tratamento e menos de um ter-
tarão casos refratários, a despeito de qualquer ço havia sequer recebido algum tipo de medica-
tratamento ministrado. Mais especificamente, ção em qualquer momento. Cerca de 46% desses
estudos populacionais conduzidos em Rochester, pacientes apresentavam remissão duradoura de
Minnesota, mostraram que em seis anos, a partir crises. Esses dados sugerem que os fármacos po-
do diagnóstico de epilepsia, 42% dos pacientes dem prevenir crises epilépticas sem que, de fato,
estavam sem crises por cinco anos, após dez anos, alterem a história natural da epilepsia, que será
61% estavam sem crises por cinco anos e após de remissão em praticamente metade dos casos.
20 anos, 70% dos pacientes estavam sem crises A conclusão natural é que os medicamentos pos-
por cinco anos. Esse tipo de dado, replicado em sivelmente não são necessários a partir de certo
outras séries, sustenta o conceito de que a maior momento na evolução da epilepsia de pacientes
parte dos pacientes, de fato, atingirá remissão de selecionados. Evidentemente, poderiam ser reti-
suas crises poucos anos após o estabelecimento rados nesses casos específicos.
do diagnóstico. O problema reside em estabele- Já o curso da epilepsia tratada é mais bem
cer antecipadamente quem serão esses pacientes documentado na literatura. Parte dos pacien-
e quando atingirão a remissão de crises. Também tes que apresentaram convulsão possivelmente
indefinido é o verdadeiro papel dos FAEs (se é apresentará uma segunda crise; o tratamento,
que existe algum) na remissão da epilepsia. então, será iniciado e a remissão será a regra
A melhor compreensão desses aspectos passa para a maioria desses casos. A maioria dos tra-
pelo conhecimento da história natural da epilep- balhos, com diferentes metodologias, descreve
sia, sem e com tratamento. Em grande parte, a resultados em termos percentuais de pacientes
primeira é desconhecida. O desejo intrínseco de livres de crises por um a cinco anos após o início
“tratar” torna altamente desconfortável a conduta da terapêutica. Cerca de 58% a 95% dos pacien-
expectante em pacientes que se apresentam à con- tes entrarão em remissão por pelo menos um
sulta após um evento tão impressionante quanto ano, com números menos satisfatórios (16% a
uma primeira convulsão. Acrescente-se a isso a 43%) para aqueles com epilepsia manifesta por
justificável ansiedade dos pacientes e familiares e crises parciais complexas.
está criado o cenário ideal para iniciar a terapêu- Sander6 considerou variáveis adicionais “no-
tica antiepiléptica. Essa rotina, que se repete des- vos FAEs” e “tratamento cirúrgico” no curso das
de a introdução dos brometos em 1857, diminuiu epilepsias. O método empregado foi uma revisão
substancialmente as populações de indivíduos sistematizada da literatura e a conclusão foi uma
não tratados disponíveis para estudo. Na ver- surpreendente reedição dos números conhecidos:
dade, estas são procedentes em grande parte de cerca de 70% a 80% dos pacientes deverão entrar
comunidades de países subdesenvolvidos, onde em remissão prolongada, em geral a partir do
o tratamento não se encontra disponível de ime- quinto ano.

255
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Em uma revisão sistemática e abrangente, Lüders enfatizou problemas relacionados à


Shorvon e Luciano7 determinaram que 50% a pouca praticidade da terminologia empregada
70% dos pacientes entrarão em remissões dura- nas classificações9. Uma de suas justificativas é a
douras e acrescentaram um novo número: 40% de que uma crise caracterizada por “olhar parado,
poderão entrar em remissão mesmo sem o uso de irresponsividade, com duração de segundos até
fármacos antiepilépticos. Saliente-se que retardar um minuto” pode ser rotulada como parcial com-
o tratamento por qualquer motivo não implica, na plexa, no contexto de epilepsia do lobo temporal,
opinião desses autores, mudança de curso prog- ou de ausência, no contexto de epilepsia generali-
nóstico de suas epilepsias. zada idiopática, conduzindo a definição diagnós-
tica para revisão de estudos de neuroimagem ou
Muitas síndromes, muitos prognósticos: EEG. Ao menos uma alusão a limitações na clas-
sificação das crises epilépticas10 é também perti-
qual é o valor das classificações das nente. Aqui, o mesmo aspecto pode ser observado
epilepsias e síndromes epilépticas? em crises com “movimento tônico de ambos os
Como a maior parte dos sistemas de classifi- membros superiores”, as quais poderiam traduzir
cação disponíveis em Medicina, também a Classi- “crises parciais”, no contexto do envolvimento da
ficação Internacional das Epilepsias e Síndromes área suplementar motora, ou “crises generaliza-
Epilépticas tem provado estar aquém do ótimo. das”, em um paciente com quadro de síndrome de
A classificação das epilepsias deveria, idealmente, Lennox-Gastaut. Dessa forma, fica clara certa fra-
prover informação que permitisse (isoladamen- gilidade dessa classificação das crises epilépticas,
te ou como adjuvante) determinar o prognósti- a qual essencialmente constitui a base da classifi-
co, escolher o melhor fármaco e reconhecer os cação das epilepsias, em que é inserido o conceito
candidatos à cirurgia. Apesar de útil em muitas de prognóstico.
instâncias, uma substancial parcela de pacientes Finalmente, mesmo em síndromes classica-
não pode ser adequadamente enquadrada nas ca- mente definidas, como crises de ausência na in-
tegorias em utilização atualmente e, por extensão, fância, há espaço para controvérsia. O primeiro
perde-se esse dado na opção entre prosseguir ou aspecto pouco prático é o de que o termo “ausên-
interromper o tratamento antiepiléptico. cia” define ao mesmo tempo um tipo de crise e
Parte das limitações da classificação de 19898, uma síndrome epiléptica, devendo ficar claro que
que, em termos práticos, ainda permanece como as crises de ausência podem ocorrer em várias
a mais utilizada e difundida, é compreensível. Por outras síndromes, com prognósticos bastante di-
definição, as “síndromes epilépticas” são agrupa- versos dos da síndrome de epilepsia ausência da
das a partir de um conjunto de sinais e sintomas infância, como na epilepsia mioclônica juvenil ou
oriundos de história clínica, exame físico, caracte- epilepsia com crises tônico-clônicas generaliza-
rísticas das crises, estudos de neuroimagem, ava- das ao despertar ou ausência juvenil. Outro fator
liação neurofisiológica, perfil neuropsicológico, causador de confusão, ainda utilizando apenas a
padrão evolutivo, resposta ao tratamento inicial síndrome de epilepsia ausência da infância, é a
e prognóstico, particularmente em relação à re- relativa variabilidade no prognóstico, na depen-
missão e à recorrência de crises a curto, médio e dência de quão estritos são os critérios classifi-
longo prazos, com ou sem tratamento. Dessa for- catórios. Loiseau et al.11 utilizam, entre outros, os
ma, a riqueza de variáveis por si só torna difícil seguintes critérios para definir ausência na infân-
categorizar as epilepsias em um número limitado cia: “presença de crises de ausência de qualquer
de síndromes. tipo, com exceção de ausências mioclônicas”, “ati-

256
Programação terapêutica: quando interromper o tratamento

vidade ponta-onda regular de 3Hz ou atividade ou simplesmente desconhecidas para epilepsias e


menos regular, se compatível com crises de au- a descrição de síndromes eletroclínicas (e, por ex-
sência”. Com esses critérios, os índices de remis- tensão, seu prognóstico) pontuam a tentativa de
são variaram, tomados diversos estudos, entre objetividade da nova proposta14.
40% e 78%. Panayiotopoulos12 acredita que parte
da diversidade de prognóstico possa se dever a
Prognóstico da epilepsia em remissão
uma certa permissividade nos critérios de inclu-
são, o que propiciaria englobar outras síndromes
após a retirada dos fármacos
associadas a crises de ausência, com prognóstico antiepilépticos: qual é o risco de recidiva?
menos favorável. Gross-Tsur e Shinnar15 revisaram, especifica-
A falta de precisão classificatória das sín- mente, o aspecto de remissão e a recidiva de crises
dromes implica certa insegurança em relação a após a retirada dos FAEs. Segundo esses autores,
seu prognóstico, o que se reflete diretamente na nos 25 anos que precederam a publicação, mais
utilização de medicamentos (incluindo sua des- de 6 mil crianças e adolescentes e um número
continuidade). Por outro lado, a tentativa de alo- bastante menor de adultos foram envolvidos em
cação em um determinado grupo ou subgrupo estudos relacionados a esse aspecto. Dados de me-
de síndromes é desejável, mesmo consideradas tanálise dessa população sustentam que o risco de
essas dificuldades. recorrência é de 25% ao final do primeiro ano e
A proposta denominada Esquema diagnósti- 29% ao final do segundo ano. A literatura sugere
co para pessoas com crises epilépticas e epilep- também diferenças entre o prognóstico de recidi-
sia, delineada pela Comissão de Classificação e va entre os grupos “criança/adolescente” e “adul-
Terminologia da International League Against to”. No primeiro, com crises iniciadas na infância
Epilepsy (ILAE)13, pretendeu endereçar especifi- ou adolescência, as taxas de recidiva podem che-
camente alguns dos problemas descritos. A adi- gar a 25% a 40%, com subgrupos extremamente
ção de termos como “encefalopatia epiléptica” e mais favoráveis (8% a 12% de recidiva), compos-
“síndromes epilépticas provavelmente sintomá- tos de crianças neurologicamente normais, com
ticas”, bem como a substituição dos termos “cri- EEG igualmente sem anormalidades. As crises
ses parciais” e “epilepsia localizada” por crises e iniciadas tardiamente têm um prognóstico menos
epilepsias “focais”, está entre as modificações mais otimista após a retirada dos fármacos, com núme-
significativas dessa classificação. Toda a estrutu- ros citados entre 28% e 66% para recidiva. Apesar
ra desse esquema diagnóstico é fundamentada da importante diferença entre essas populações,
a partir de cinco eixos (semiologia ictal, tipo de alguns aspectos podem influenciar, de forma
crise, síndrome, etiologia e limitação), na expec- tendenciosa, esses estudos, levando a conclusões
tativa de que esse conjunto de informações per- precipitadas. Populações de crianças e adolescen-
mita compartimentalizar as epilepsias e facilitar tes tendem a ser mais bem monitoradas em razão
ensaios terapêuticos, estudos epidemiológicos, da atenção dispensada pelos pais e do cuidado na
seleção de candidatos cirúrgicos, pesquisa básica, manutenção dos fármacos ou no cumprimento
caracterização genética e, por extensão, estabele- dos esquemas de retirada; é possível e provável
cimento do prognóstico. É um esforço válido, po- que um substancial número de indivíduos adul-
rém a mais recente adição propõe “organizar” as tos, livres de crises por vários anos, simplesmente
crises epilépticas e epilepsias, a partir do conheci- descontinue seus FAEs, sem necessariamente re-
mento adquirido na década transcorrida desde a portar esse fato, podendo evoluir de forma bas-
tentativa de Engel. Causas genéticas, metabólicas tante favorável. Outro aspecto é o da variabilidade

257
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

da definição de epilepsia iniciada na faixa pedi- familiares19. Notadamente, esses números pare-
átrica ou idade adulta, podendo a linha de corte cem resistir ao tempo, mantendo-se relativamente
ser traçada aos 10, 15 ou 18 anos, dependendo estáveis. Chadwick20 sugere que aproximadamen-
dos critérios de cada estudo, determinando, des- te 70% dos pacientes com epilepsia entrarão em
sa forma, alguma diferença na interpretação dos remissão superior a dois anos e, de fato, em sua
resultados. Saber e Gram16 também enfocaram o maioria, o farão rapidamente após o início do tra-
prognóstico de recorrência de crises abrangendo tamento. Esse percentual é sustentado e define o
resultados de várias séries, incluindo adultos e grupo de potenciais candidatos à retirada da me-
crianças, com algumas características evolutivas dicação. Em um estudo de longo termo, Sillanpää
comuns, com o tempo de controle antes da retira- e Schmidt21 seguiram um grupo de pacientes (N =
da superior a dois anos e o período de seguimento 90) por 32 anos, após a decisão de interromper o
de, no mínimo, 18 meses, chegando a índices de tratamento, encontrando taxas de recorrência de
recidiva de 12% a 46%, grosseiramente equivalen- 37%, muito próximas àquelas dos trabalhos reali-
tes aos números anteriormente citados. zados uma década antes.
Parece também consensual entre os estudos
que a maior chance de recorrência ocorre durante Fatores de risco para recidiva de
os primeiros seis meses após a retirada dos me- crises após a retirada dos fármacos
dicamentos, de forma indistinta entre adultos e
antiepilépticos: afinal, quais pacientes
crianças. Percentualmente, 50% das recorrências
ocorrerão no primeiro semestre, acima de 60% a voltarão a apresentar crises?
80%, durante o primeiro ano e 85%, até o quinto Berg et al.22 ofereceram uma das mais sistema-
ano após a retirada. tizadas abordagens aos fatores de risco para reci-
Finalmente, deve-se avaliar tais dados em re- diva de crises após a retirada de FAEs. A partir
lação aos pacientes que continuam a terapêutica dessa e de outras revisões, é evidente que o tipo
antiepiléptica e sua chance de recorrência de cri- e a relevância de fatores de risco podem ser tão
ses após dois anos livres de crises. Esses números vastos e diferenciados quanto o número de sín-
foram especificamente abordados em poucos es- dromes epilépticas e a disponibilidade de recursos
tudos, havendo evidências que sugerem de 19% a de investigação no momento do diagnóstico. En-
22% de recorrência de crises nesse grupo. tretanto, de forma geral, as mesmas variáveis são
Em 1996, o Quality Standarts Subcommittee discutidas em diferentes estudos e algumas delas
da Academia Americana de Neurologia, com serão revisitadas sucintamente nesta breve discus-
base em uma análise de 53 artigos publicados en- são sobre as chances de recorrência de crises.
tre 1967 e 1991, definiu os percentuais de recor- Idade de início: apesar de frequentemente ci-
rência de crises após a retirada das FAEs: 31,2% tado na literatura, o fator idade deve ser analisado
em crianças e 39,4% em adultos17. A publicação com cuidado como critério para avaliar a retirada
recebeu o título de guideline, ou seja, passou a de FAEs. Por exemplo, metodologicamente, há di-
ter o valor prático de normatização, com o aval ferença entre a idade de início das crises (mais fre-
da Academia Americana. A despeito da relevân- quentemente utilizada) e a idade no momento da
cia acadêmica, dados específicos do artigo foram retirada dos FAEs; ou, ainda, o estudo exclusivo
contestados, apontando erros de metodologia e de populações com crises iniciadas muito preco-
de referências18. No entanto, as percentagens de cemente na infância pode levar a conclusões pes-
recorrência não foram questionadas, avalizando simistas quanto à remissão, caso se desconsidere
sua utilização como informação para pacientes e a incidência de comorbidades (déficits cognitivos,

258
Programação terapêutica: quando interromper o tratamento

paralisia cerebral) particular a esse grupo. Ainda alentecimento focal ou presença de resposta foto-
que corrigidos esses fatores, parece haver alguma paroxística nas mesmas condições. Diante da du-
disputa nessa informação, com artigos sugerindo biedade de informações, EEG, por ocasião da reti-
o início mais tardio no início das crises associado rada dos FAEs, deve, neste momento, ser colocado
à menor chance de remissão e outros sugerindo como adjuvante valorizável apenas à luz de outros
o oposto23. componentes do quadro clínico, já que seu papel
Etiologia: também de forma consensual a epi- isoladamente não pode ser adequadamente defini-
lepsia dita “sintomática remota” (ou seja, associa- do. Recentemente, Su et al.24 avaliaram, de forma
da a insultos neurológicos prévios, malformações prospectiva, os fatores preditivos de recorrência em
congênitas, lesões estruturais variadas do SNC, quase cem pacientes livres de crises em retirada de
trauma, acidentes vasculares, entre outras nature- FAEs e determinaram alterações eletrencefalográ-
zas) conduz a uma chance de remissão significa- ficas (ou seja, atividade de padrão epileptiforme)
tivamente menor. Estudos de metanálise sugerem presentes no primeiro ano de retirada dos fárma-
um risco relativo de 1,55 para recorrência de crises cos como o principal fator associado à recorrência
em epilepsias sintomáticas remotas, em compara- de crises epilépticas, recomendando, enfaticamen-
ção com epilepsias ditas “criptogênicas” (ou seja, te, a realização de EEG ao longo desse período.
sem etiologia definida, também referida como Síndrome epiléptica: as dificuldades em ob-
“provavelmente sintomática” mais recentemente). ter uma adequada classificação sindrômica já fo-
Entre os fatores associados a altos índices de reci- ram discutidas. Não obstante, algumas síndromes
diva, o retardo mental parece apresentar um papel podem ser claramente individualizadas e seu re-
significativo e, portanto, esses casos mereceriam conhecimento tem papel direto na decisão sobre a
atenção especial. retirada dos FAEs. Há pouca dúvida, por exemplo,
Características eletroencefalográficas: o valor em relação às evoluções antagônicas da epilepsia
preditivo do EEG no momento da decisão sobre benigna da infância com paroxismos centrotem-
a retirada de medicamentos tem sido debatido ao porais (quase invariavelmente levando à retirada
longo dos anos, sempre com resultados contro- da terapêutica, quando esta chegou a ser institu-
versos. Vários fatores justificam a incerteza de seu ída) e da epilepsia mioclônica juvenil (em que a
potencial como elemento de prognóstico de dados recorrência de crises é a regra mediante tentativas
técnicos (confiabilidade na adequada execução do de retirar os FAEs). Outras síndromes bem deli-
registro) e interpretativos (incluindo desde a for- neadas mostram números intermediários para
mação de quem lê esses registros até o que é, de recidiva, como 30% para as ausências, 25% para
fato, valorizável). Apesar de intrinsecamente des- epilepsia benigna da infância com paroxismos oc-
confortável, a presença de grafoelementos epilepti- cipitais ou 40% para a epilepsia do lobo temporal,
formes documentados durante EEG realizado pre- para citar alguns exemplos. Essas são situações
viamente à retirada dos FAEs não necessariamente em que a decisão é igualmente dependente de ou-
traduz um maior potencial de recorrência de cri- tros fatores que extrapolam a simples classificação
ses, segundo vários estudos. A heterogeneidade das da síndrome epiléptica.
anormalidades foi também amplamente debatida, Tipo de crise: a tentativa de imputar prog-
havendo estudos que justificam um maior poten- nósticos baseados exclusivamente no tipo de crise
cial para recorrência em pacientes que se apresen- é ainda mais problemática que o uso da classifi-
tam com padrões de ponta-onda ainda presentes cação das epilepsias, uma vez que reconhecida-
durante a fase de retirada e outros que preveem mente um tipo de crise pode ser comum a várias
maior chance de recorrência em EEG, mostrando síndromes. No entanto, há pouca dúvida de que

259
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

pacientes com múltiplos tipos de crise têm maior que apresentaram normalização do EEG durante
chance de recorrência de crises durante uma even- o tratamento.
tual tentativa de retirada de FAE. Mesmo conside- O último item (EEG) foi merecedor de severa
rada sua obviedade, esse dado possivelmente será crítica. De fato, dos quatro critérios, é o de menor
refletido em todos os outros fatores de risco para embasamento em evidências clínicas. Os próprios
esse tipo de paciente. autores das guidelines (normativas), cerca de oito
Gravidade da epilepsia: essa informação tam- anos após a publicação delas, admitiram que esse
bém tem valor questionável de acordo com a con- item seria mais bem expressado por “ausência de
formidade dos elementos utilizados para mensurar EEG anormal por ocasião da retirada dos FAEs”19.
a gravidade da epilepsia. Resumidamente, pacien- A mudança semântica seguramente tem melhor
tes com histórias compatíveis com grande número aplicação prática, porém não modifica a tônica
de crises antes da remissão, longa duração de suas dada ao EEG na retirada dos FAEs, dado altamen-
epilepsias, falência de múltiplos regimes terapêuti- te questionado na literatura.
cos (sendo necessário utilizar politerapia) e história O´Dell e Shinnar25 definiram que o risco re-
de crises ocorrendo na vigência de estados febris lativo de recorrência de crises em pacientes com
têm maior chance de recorrência de suas crises du- EEG anormal por ocasião da retirada dos FAEs
rante as tentativas de retirada dos FAEs. Curiosa- é 1,45 (95% de IC; 1,18 a 1,79). O dado aguça a
mente, fatores relacionados ao grau de gravidade polêmica, porém posiciona os autores entre os
da epilepsia, como histórico de episódios de esta- que consideram o EEG um instrumento válido no
do de mal epiléptico ou recorrência em tentativas contexto clínico-laboratorial que envolve a deci-
prévias de retirada de fármacos, não puderam ser são por descontinuar o tratamento.
correlacionados com prognóstico mais reservado,
O mais recente conjunto de critérios, analisa-
não devendo, em princípio, ser valorizados.
do sob a forma de revisão estruturada e publicado
História familiar: os estudos são inconclusi-
com a relevância de recomendações/guidelines,
vos em relação ao valor da história de epilepsia
proveniente da Liga Italiana Contra Epilepsia26,
em um familiar de primeiro grau de pacientes em
sugere que EEGs anormais (epileptiformes ou
que se considera a retirada de FAEs, havendo lite-
não) devem ser considerados fatores de risco, mas
ratura corroborativa de valores preditivos positi-
não contraindicam a retirada se constituírem o
vo e negativo para esse dado. Portanto, a exemplo
único fator de risco na ausência de outros. Essen-
de outras variáveis, a história familiar não deve,
cialmente as mesmas recomendações são feitas
no momento, ser valorizado de forma isolada.
em relação a etiologia, predomínio de crises par-
Combinações de fatores: o Quality Standarts ciais, história familiar, tempo de epilepsia e tipo
Subcommittee da Academia Americana de Neu- ou quantidade de FAEs, todos associados a algum
rologia definiu, com já mencionado, bom prog- risco, porém não de forma isolada.
nóstico relacionado à remissão de crises após a
retirada dos FAE em 61% dos adultos e 69% das Tempo de remissão: qual é o período
crianças17. Os fatores combinados associados a
esses índices percentuais favoráveis foram os se-
livre de crises necessário para iniciar a
guintes: pacientes que permaneceram livres de retirada dos fármacos antiepilépticos?
crises por dois a cinco anos em tratamento com O número mais frequentemente citado na li-
FAEs; pacientes que apresentaram um tipo (úni- teratura é dois anos, apesar de que extensões para
co) de crise, parcial ou generalizado; pacientes três ou cinco anos são comumente relatadas. Es-
com exame neurológico e QI normais; pacientes sencialmente o período de 24 meses parece haver

260
Programação terapêutica: quando interromper o tratamento

sido definido com base em estudos que mostram sia, incluindo tipo de crise, gravidade da epilepsia,
um maior risco de recorrência de crises em pa- fatores psicossociais e FAEs. Não é raro, particu-
cientes que permaneceram livres de crises por larmente em pacientes cujo tipo de atuação pro-
menos tempo antes da opção pela retirada dos fissional exige grande demanda intelectual, o re-
FAEs. Esses estudos foram complementados por lato de queixas sutis relacionadas a concentração
outros demonstrando diferenças pouco signifi- ou memória, em geral não incapacitantes, porém
cativas entre 2,3 e quatro anos de remissão nos desconfortáveis. A redução da posologia surge
índices de recorrência após a retirada dos me- como opção natural para minimizar essa situação;
dicamentos. Assim como com todos os outros ocasionalmente, entretanto, a redução pode ser de
itens discutidos até o momento, também este é tal ordem que a continuidade do tratamento pas-
altamente sujeito a variações de interpretação. sa a ser questionável, novamente suscitando em
Certamente existem síndromes cuja benignidade casos selecionados a opção pela descontinuidade
endossa a retirada mais precoce dos FAEs (após precoce do tratamento.
um ano ou menos de remissão), como no caso Finalmente, há os pacientes que por uma ou
da epilepsia da infância com paroxísmos centro- outra razão desejam interromper o tratamento
temporais; outras, com evolução menos linear, após alguns meses livres de crises. Mesmo um
poderiam até sugerir períodos mais longos de se- diálogo esclarecedor pode ser de pouca validade
guimento antes da descontinuidade27. a pacientes realmente decididos e a orientação
Três outras situações poderiam de certa for- sobre a melhor maneira de proceder à descon-
ma influenciar a decisão sobre o momento ideal tinuação precoce dos FAEs surge como única
para a retirada dos FAEs: pacientes com planos conduta possível.
de gestação, pacientes com efeitos colaterais sutis, Sirven et al.28 utilizaram-se de uma metanálise
porém persistentemente observados ao longo do com critérios bastante restritivos a partir de cin-
tratamento, e desejo dos pacientes. co instrumentos de pesquisa (Cochrane Epilepsy
Uma extensa discussão sobre o potencial tera- Group Trials Register, MEDLINE, EMBASE, In-
togênico dos FAEs certamente vai além dos obje- dex Medicus e CINAHL). Pacientes adultos não
tivos desta revisão. Sabe-se, porém, que ele existe foram incluídos por não preencherem os requi-
e, de modo geral, não constitui contraindicação sitos do estudo. Foram avaliadas 924 crianças de
aos planos de gestação. Mesmo assim, de modo sete ensaios terapêuticos com pacientes pediátri-
ideal, seria desejável, sempre que possível, que a cos. Avaliaram-se a retirada dita “precoce” (abai-
concepção pudesse ocorrer de forma planejada, xo de dois anos) e a “tardia” (acima de dois anos).
em um momento livre de crises, sem o uso de A retirada precoce eleva o risco de recorrência em
FAEs. Porém, aspectos puramente circunstanciais pacientes com crises parciais ou EEG anormal.
na prática diária suscitam a oportunidade para A conclusão do estudo define que um período
retirada (ou orientação sobre manutenção) dos mínimo de dois anos seria indicado, precedendo
FAEs, mediante o desejo iminente (e frequente- a consideração de retirada de FAEs, particular-
mente incontido e incontestável) de engravidar. mente nas duas condições anteriormente citadas.
Dessa forma, em pacientes bem controladas, com Naquela oportunidade, não foi estabelecido um
histórico sugerindo um curso de benignidade, “tempo ideal” para retirar os FAEs.
talvez exista justificativa para uma retirada mais Duas publicações recentes26,29 avaliaram deta-
precoce da medicação antiepiléptica. lhadamente toda a literatura previamente dispo-
Uma variedade de elementos pode influenciar nível e encontraram variáveis níveis de evidência
os aspectos cognitivos em pacientes com epilep- sustentando um mínimo de dois anos livres de

261
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

crises para considerar a retirada de FAEs, com independência e autoestima aparecem frequente-
pouca ou nenhuma evidência de se há segurança mente como subprodutos naturais da recorrência
abaixo desse período e extensões até o quarto ou de crises. Esses aspectos devem ser francamente
quinto ano sem crises como limite superior em discutidos com pacientes e familiares, anteceden-
alguns trabalhos. do a decisão pela retirada ou prosseguimento do
tratamento. A insegurança de pacientes e familia-
Antecipando o caos: quais as possíveis res em relação às consequências da descontinua-
consequências da recorrência de ção do tratamento pode (e deve) postergar essa
conduta por tempo indeterminado, salvo melhor
crises após a retirada dos fármacos critério clínico.
antiepilépticos? Um fator relativamente tranquilizador, que
Uma expressiva parcela dos pacientes com deve ser mencionado aos pacientes sempre que a
epilepsia deseja interromper o uso de suas me- questão vier à tona, é a grande possibilidade de
dicações. Além do estigma associado à simples (re)controle das crises em caso de recorrência
menção desse tipo de tratamento, há evidentes destas. Dados disponíveis no momento sugerem
comorbidades associadas ao uso desses fárma- que apenas entre 2% e 4% dos pacientes apresen-
cos30. Mas esse tipo de aspiração deve ser pon- tarão dificuldade em controlar as crises após a
derado em relação às consequências físicas e reintrodução dos FAEs31. Esse fato possivelmente
psicossociais relacionadas à recorrência de crises se relaciona mais ao tipo da síndrome epiléptica
após a retirada dos FAEs. Ambas parecem estar subjacente do que à retirada dos FAEs per se.
direta e intimamente relacionadas à faixa etária Em caso de recorrência das crises, a esco-
dos pacientes, sendo, dessa forma, menores na lha pelo fármaco que anteriormente conferiu
faixa etária pediátrica e significativamente mais um bom controle delas parece ser o mais lógico
importantes em adolescentes e adultos. Em geral, curso de ação. Substituições podem ser opera-
crianças em idades mais precoces têm a super- das em função de efeitos colaterais previamente
visão direta dos pais, familiares ou orientadores detectados ou do custo do tratamento. Novas
durante a maior parte do tempo, sendo relativa- tentativas de retirada da medicação podem ser
mente menor o risco de traumatismos impor- realizadas após alguns anos de tratamento, se-
tantes associados às crises. Mesmo para pais es- guindo basicamente as mesmas diretrizes até o
clarecidos previamente, a recorrência de crises momento, discutidas.
certamente é encarada de forma frustrante, mas
a reintrodução do tratamento é, de forma geral,
bem-vinda em face da maior segurança por ele
Decisão tomada: como suspender a
propiciada. A menor compreensão da dimen- medicação?
são psicossocial das recorrências de crises pode A não ser que a interrupção abrupta não seja
também minimizar suas consequências na fai- recomendável, na verdade não existe um consen-
xa pediátrica. Já em adolescentes e adultos, os so na literatura em relação a um “método ideal”
traumatismos associados à recorrência de crises para suspender os FAEs. À parte deste, são pou-
podem trazer consequências catastróficas a tra- cos os outros pontos de comunhão nas revisões
balhadores de risco (maquinaria pesada, grandes disponíveis. A maioria dos autores parece acre-
alturas, corrente elétrica, entre outros) ou oca- ditar que não há benefício real nos longos perí-
sionar acidentes automobilísticos. Desemprego, odos de redução progressiva dos medicamentos
fragilização das relações interpessoais e perda da em oposição àquela realizada em apenas algumas

262
Programação terapêutica: quando interromper o tratamento

semanas. Tennison et al.32 publicaram um estudo Situação especial: descontinuando


em que compararam períodos de redução de fár-
fármacos antiepilépticos em pacientes
macos com duração respectiva de seis semanas e
de nove meses, sem que diferenças significativas
submetidos a tratamento cirúrgico de
pudessem ser percebidas em relação à recorrência epilepsia bem-sucedido
de crises após dois anos. Esses achados sustentam A retirada de FAEs aparece consistentemen-
os de outros estudos, sugerindo que as recorrên- te entre os cinco principais desejos de pacientes
cias se associam mais ao reduzido nível sérico dos envolvidos em programas de tratamento cirúr-
FAEs do que propriamente à velocidade com que gico de epilepsia. Pela ordem, surgem: desejo de
este é atingido. emprego; condução de veículos automotores; in-
A despeito desses dados, Schmidt e Gram33 dependência; melhora no relacionamento social;
sugeriram tacitamente reduções lentas da medi- perspectiva de interromper o tratamento medica-
cação, segundo critérios previamente estabeleci- mentoso35,36. Na maioria dos centros de epilepsia,
dos para cada FAE. Especificamente, recomen- os pacientes são informados sobre a possibilidade
dam reduções de 100 mg de carbamazepina/mês, de concretizar esse item em particular, mas não
50 mg de fenitoína/mês, 200 mg de valproato/mês de forma tão enfática. Na verdade, para que al-
ou 25 mg de fenobarbital/mês até a retirada total guns pacientes permaneçam de fato livres de
da medicação. crises após a cirurgia, será condição essencial a
Treiman34 defende uma posição intermediá- manutenção integral ou parcial dos regimes tera-
ria, definida por ele mesmo como “conservadora”, pêuticos prévios. Schiller et al.37 tentaram definir
sugerindo reduções de 25% da posologia dos me- esses percentuais a partir de um estudo com 210
dicamentos a cada três meses; em situações espe- pacientes operados entre 1989 e 1993. Destes, 84
ciais, esse autor acelera o ritmo da retirada para pacientes descontinuaram completamente seus
FAEs, levando a índices de recorrência de 14%
25% a cada duas semanas, referindo “ausência de
em dois anos e 36% em cinco anos. Das variá-
incremento na taxa de recorrência de crises”.
veis avaliadas, apenas a presença de ressonância
Também comum à boa parte dos estudos é a
magnética normal apareceu como tendência (não
sugestão de que benzodiazepínicos e barbitúricos
estatisticamente definitiva) a elevar a taxa de re-
se associam a uma taxa de recorrência de crises
corrência. As outras variáveis incluíram extensão
mais elevada, quando retirados de forma mais rá-
da ressecção, tempo livre de crises após a cirurgia,
pida, devendo receber atenção especial e períodos
eletrocorticografia e EEG pós-operatórios. Esses
de retirada mais longos.
números não justificam a manutenção do trata-
Novamente, Hixson29 e Beghi et al.26 conside- mento a essa população, mas definem que pouco
raram esse aspecto em suas recentes revisões, de- mais de um terço dos pacientes deverá apresen-
finindo retirada “rápida” como aquela com dura- tar crises epilépticas em sua tentativa de retirar
ção inferior a três meses e “lenta”, superior a esse os FAEs. Essa possibilidade deverá ser informada
período. A impressão estabelecida de que o maior aos pacientes e familiares, devendo-se avaliar cada
potencial para recorrência de crises recai sobre o caso (considerando contextos social e laborativo,
primeiro semestre ao longo da retirada embasou a exposição a riscos, entre outros) para tomar a me-
sugestão de retiradas ditas “lentas” (portanto, em lhor decisão. Saliente-se que recorrência de crises
torno de seis meses) como possivelmente mais in- nesse cenário obviamente não implica necessaria-
dicadas, não havendo definição absoluta em rela- mente restabelecimento de refratariedade, ainda
ção a seu potencial preditivo de recorrência. que esse aspecto tenha sido descrito.

263
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Um número de revisões recentes enfatizou Finalmente, se a opção é realmente pela retirada


especificamente esse quesito38-40, endossando o dos medicamentos, deve ser procedida de forma or-
prognóstico favorável em relação ao controle de denada e integral, dependendo da evolução do caso,
crises em ressecções focais e completas da zona uma vez que não há evidências sustentando que o
epileptogênica, porém reiterando a recorrência de uso de baixas doses de FAEs é melhor que a ausên-
crises em essencialmente uma a cada três tentati- cia de medicamento como um todo nesse cenário.
vas de retirada dos fármacos.
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Programação terapêutica: quando interromper o tratamento

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265
O tratamento em condições
22 especiais
Iscia Lopes Cendes
Professora Titular do Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.
Fernando Cendes
Professor Titular do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.

Existem várias situações fisiológicas e pato- tâneos, morte perinatal, anomalias congênitas e
lógicas que interferem diretamente no manuseio anormalidades de crescimento e desenvolvimento
dos fármacos antiepilépticos (FAEs). Neste capí- das crianças. O risco aumentado de complicações
tulo, serão abordadas cinco situações especiais nessas pacientes é de cerca de uma a três vezes o
que requerem tratamento diferenciado em rela- esperado para a população geral.
ção à terapia: duas situações fisiológicas (gestação A ocorrência de malformações fetais na popu-
e anticoncepção) que certamente afetam a maio- lação geral é da ordem de 2% a 3% das gestações.
ria das pacientes com epilepsia, duas situações Em pacientes epilépticas em uso de FAEs durante
patológicas (insuficiências renal e hepática) que a gestação, esse risco é de 3% a 10%.
podem ter repercussões importantes na meta- Os tipos de malformações que podem ocor-
bolização e na eliminação de um grande número rer variam entre lábio leporino, fenda palatina,
de medicamentos e, finalmente, o tratamento do outras anomalias craniofaciais, malformações
paciente idoso. Pacientes com epilepsia e que se cardíacas e defeitos do tubo neural. No entanto,
enquadram nessas condições especiais de trata- as anomalias mais frequentemente relatadas são
mento têm sido vistos com maior frequência na pouco graves, como hipoplasia ungueal ou de fa-
prática clínica. Esse aumento pode ser um reflexo langes distais. A maioria dos FAEs não apresenta
das melhores condições de assistência de saúde a um padrão de malformação próprio, com exce-
pessoas com epilepsia, que começam a viver as si- ção do valproato (VPA), ao qual se associa risco
tuações fisiológicas e a apresentar as complicações de 1% a 2% de espinha bífida. Tem-se observado
clínicas antes vistas apenas na população geral. também que o risco de malformações congênitas
se eleva com o uso de FAEs em politerapia e em
doses elevadas1,2.
Uso de fármacos antiepilépticos na
Em uma publicação recente com base em da-
gestação e lactação dos do registro de epilepsia gravidez da EURAP,
Nas últimas décadas, inúmeros estudos têm Tomson et al.3 compararam a teratogenicidade
demonstrado uma frequência aumentada de relativa de quatro FAEs [carbamazepina (CBZ),
complicações durante a gestação, parto, puerpério fenobarbital (PB), VPA e lamotrigina (LTG)].
e de malformações na prole de mulheres com epi- Os autores demonstraram que o maior risco de
lepsia em uso de FAEs, incluindo abortos espon- malformações congênitas aumentou de forma

267
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

dose-dependente com os quatro FAEs avalia- é a deficiência de folato provocada pela maioria
dos. Observaram-se taxas particularmente altas desses medicamentos. O folato é muito impor-
de malformação com doses de ácido valproico tante para a divisão e a diferenciação celular, além
superiores a 1.500 mg por dia. O tratamento as- de participar de vários mecanismos bioquímicos
sociado com a menor taxa de malformações foi básicos da célula. Várias hipóteses têm sido pro-
LTG com dose inferior a 300 mg por dia, a qual postas para explicar a ação antifolato dos FAEs,
serviu como referência para as outras compa- entre elas alterações da absorção intestinal de fo-
rações. Em comparação com essa referência, o lato, indução de enzimas dependentes de folato e
risco de malformações congênitas foi significa- interferência em nível enzimático4. Os resultados
tivamente elevado com todas as doses de ácido de um grande estudo epidemiológico no Reino
valproico e PB e com as doses mais elevadas de Unido mostraram que o uso de ácido fólico reduz
CBZ (superiores a 1.000 mg por dia). VPA em a recorrência de defeitos do tubo neural na pro-
doses inferiores a 700 mg por dia se associou a le de mulheres da população geral. Além disso, a
uma taxa de malformação numa gama seme- suplementação de ácido fólico na farinha de trigo
lhante àquelas com CBZ em doses menores que tem reduzido significantemente a ocorrência de
1.000 mg por dia, PB em doses inferiores a 150 defeitos do tubo neural em vários países, inclusive
mg por dia e LTG com doses maiores que 300 no Chile. Tal suplementação está em processo de
mg por dia. Portanto, LTG, em doses elevadas, regulamentação também no Brasil.
não é mais segura que VPA em doses mais baixas A recomendação para o uso de suplemento de
(Tabela 1). História familiar de malformações ácido fólico tem sido também aplicada a mulhe-
congênitas foi independentemente associada ao res com epilepsia em uso de FAEs. É importante
quádruplo de risco de teratogênese. salientar a importância do início da terapia com
ácido fólico antes da gestação, para garantir níveis
Tabela 1. Risco de teratogênese comparado à la-
adequados de folato no momento da concepção.
motrigina em dose inferior a 300 mg por dia3
Não existe nenhuma evidência de que crises
Odds ratio (valor de p) parciais simples ou complexas, crises de ausência
LTG (≥ 300 mg/dia) 2,2 (p = 0,0221) ou mioclônicas afetam, de maneira adversa, a ges-
CBZ (< 400 mg/dia) 1,6 (p = 0,3803) tação ou o feto. No entanto, crises tônico-clônicas
CBZ (≥ 400 a < 1.000 mg/dia) 2,5 (p = 0,0012) generalizadas podem provocar acidentes graves
CBZ (≥ 1.000 mg/dia) 4,6 (p < 0,0001) e carregam risco potencial de promover hipóxia
PB (< 150 mg/dia) 2,5 (p = 0,0275) com prejuízos para a gestante e o feto.
PB (≥ 150 mg/dia) 8,2 (p < 0,0001) O risco de crises generalizadas tônico-clôni-
VPA (< 700 mg/dia) 2,8 (p = 0,0019) cas é um dos argumentos contra a mudança de
VPA (≥ 700 a < 1.500 mg/dia) 5,8 (p < 0,0001) regime terapêutico durante a gestação.
VPA (≥ 1,500 mg/dia) 16,1 (p < 0,0001) Tem-se relatado que entre 17% e 37% das mu-
lheres apresentam aumento na frequência de cri-
Dessa maneira, a recomendação geral é de que ses durante a gestação. Essa piora no controle das
a terapia medicamentosa de mulheres com epi- crises pode ser atribuída muitas vezes à não adesão
lepsia durante a gestação seja realizada em mo- ao tratamento, em razão da ansiedade da gestante
noterapia na menor dosagem possível para o bom em relação aos efeitos nocivos dos FAEs sobre o
controle de suas crises (Tabela 2) feto. Um estudo realizado em nosso meio por Cos-
Um dos primeiros mecanismos propostos ta et al.5 demonstrou que em um grupo de mulhe-
para justificar os efeitos teratogênicos dos FAEs res com alto risco de desenvolver piora de crises

268
O tratamento em condições especiais

durante a gestação (baixo nível socioeconômico, Tabela 2. Recomendações para o uso de fárma-
epilepsia sintomática e sem bom controle no pe- cos antiepilépticos durante a gestação
ríodo pré-gestacional), apenas 28% apresentaram
• Discutir com a paciente os possíveis riscos da ges-
incremento na frequência de crises e em 46% não tação para ela própria e o feto e os possíveis efeitos
houve mudança na frequência de crises durante a teratogênicos dos FAEs. Essa orientação deverá
gestação. Ainda neste estudo, não foram encontra- ser realizada de preferência antes da gestação, evi-
tando ansiedade desnecessária para a gestante e o
dos fatores de risco significativos que pudessem
risco de interrupção da medicação por falta de in-
prever quais pacientes apresentariam maior risco formações adequadas.
de aumento de crises durante a gestação. • Acompanhamento da gestação por equipe mul-
Esse fato vem reforçar a importância de acon- tidisciplinar em centro de gravidez de alto risco,
onde exames complexos de monitoração fetal pos-
selhar a gestante sobre os verdadeiros riscos as-
sam ser realizados.
sociados ao uso de FAEs e as consequências • Uso de ácido fólico nas dosagens de 1 mg a 5 mg ao
maléficas que podem advir da interrupção ou di- dia (não existe consenso na literatura, mas em caso
minuição da dose deles sem orientação médica6. de deficiência de folato comprovada ou suspeita, a
dose de 5 mg/dia deverá ser usada). O ideal é que
Há uma série de recomendações visando a di-
a paciente inicie o uso de ácido fólico pelo menos
minuir os riscos de complicações durante e após três meses antes da gestação.
a gestação em mulheres com epilepsia em uso de • Uso preferencial de FAE em monoterapia e com
FAEs e possibilitar uma gestação normal, um parto doses divididas. Porém, não alterar o regime te-
rapêutico durante a gestação, visto que qualquer
sem intercorrências e um recém-nascido saudável
mudança deverá ser realizada antes da gravidez.
(Tabela 2). Todas essas recomendações surgiram da A mesma dosagem pode ser dividida em mais in-
observação prospectiva de milhares de gestações, gestas ao dia, evitando a ocorrência de picos plas-
muitas das quais em estudos multicêntricos. Sem máticos do fármaco (aos quais têm sido associada
a teratogenicidade dos FAEs), mas mantendo um
dúvida, a recomendação mais importante é orientar
platô terapêutico mais constante.
as pacientes no período que antecede a concepção • Importante: não existe um medicamento comple-
ou o mais precocemente possível durante a gestação. tamente seguro para ser usado durante a gestação.
Toda mulher com epilepsia em idade fértil deve Além disso, nenhum FAE apresenta um perfil de
teratogenicidade específico.
ser informada que, apesar de haver um aumento
do risco de malformações fetais, a maioria dos re-
Um importante efeito adverso do PB e dos
cém-nascidos de mães em uso de FAEs durante a
benzodiazepínicos é causar sonolência e irritação
gestação não apresentará malformações e terá um
desenvolvimento normal, principalmente se reco- no recém-nascido, provocando dificuldades de
mendações simples forem seguidas (Tabela 2). alimentação.
A amamentação materna deve ser encoraja- Essa preocupação deve existir principalmente
da e as medidas para facilitá-la, implementadas, em relação ao PB, já que sua meia-vida no neona-
como a sugestão de que a mãe amamente senta- to pode variar de 40 horas a 300 horas e aproxima-
da no chão para evitar o risco de deixar o recém- damente 90% do fármaco estará livre no plasma.
nascido cair durante uma crise. A concentração Caso ocorram efeitos adversos importantes no re-
de FAEs que penetram no leite é diretamente cém-nascido, a amamentação materna deverá ser
proporcional à fração livre do medicamento no reduzida e, se necessário, suspensa.
plasma e da sua propriedade de se dissolver em Vale lembrar que se deve tomar precauções
lipídeos. Desse modo, em geral 10% da fenitoína quando da interrupção da amamentação materna
(PHT), 5% do VPA, 45% da CBZ e 40% do PB por efeito sedativo no recém-nascido, já que a re-
passarão para o leite. tirada abrupta de medicação sedativa pode causar

269
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

síndrome de abstinência no neonato, com agita- É importante que as pacientes saibam que o
ção e tremores. incremento das doses dos contraceptivos orais
Outro fator importante que pode se tornar li- nem sempre é suficiente para aumentar sua efi-
mitante ou proibitivo da amamentação materna é cácia. Assim, é recomendável que o uso de con-
o cansaço materno excessivo. Essa situação deverá traceptivo oral seja acompanhado de um método
ser analisada cuidadosamente com a paciente e o anticoncepcional de barreira.
pediatra para que a decisão apropriada seja toma- Alternativas de métodos anticoncepcionais
da em cada caso. que não sofrem interferência dos FAEs incluem
o uso de medroxiprogesterona de depósito (intra-
muscular) e dispositivo intrauterino.
Anticoncepcionais e fármacos
antiepilépticos Uso de fármacos antiepilépticos na
Os anticoncepcionais orais apresentam eficácia
diminuída em mulheres que utilizam FAEs indu- insuficiência renal
tores de enzimas hepáticas, como PB, primidona, Na insuficiência renal, frequentemente ocor-
PHT, CBZ e oxcarbazepina (OXC). Em doses eleva- rem crises convulsivas por uremia, distúrbios ele-
das, topiramato interfere nos contraceptivos orais. trolíticos, encefalopatia hipertensiva ou intoxica-
VPA e, principalmente, LTG têm os níveis ção por medicamentos de eliminação renal.
séricos reduzidos pelos anticoncepcionais e um A metabolização da maioria dos FAEs ocorre
ajuste de dose da LTG geralmente é necessário em predominantemente em nível hepático e a elimi-
mulheres que iniciam o uso de anticoncepcionais. nação dos metabólitos ocorre principalmente por
Levetiracetam, tiagabina, zonisamida, lacosa- excreção renal.
mida, benzodiazepínicos, gabapentina e vigaba- Pacientes com insuficiência renal grave ou
trina não interferem na eficácia dos contracepti- em diálise necessitam reduzir as doses dos FAEs
vos orais. excretados pelos rins e doses extras podem ser
Em geral, o índice de falha de anticoncepcio- administradas depois de cada diálise. FAEs que
nais orais nessas mulheres é muito maior do que são quase exclusivamente excretados via renal in-
na população geral, chegando a cerca de 8,5% (na cluem levetiracetam, gabapentina e pregabalina.
população geral, esse índice é em torno de 1%)7. Vários FAEs não necessitam de ajuste de dose
É muito importante que o neurologista discuta as na insuficiência renal a não ser em situações mui-
opções de contracepção com suas pacientes com to graves, incluindo PHT, VPA, CBZ e benzodia-
epilepsia. No entanto, na maioria dos casos, os zepínicos (estes também não são removidos na
aspectos mais específicos relativos à escolha do diálise peritoneal ou hemodiálise). PB e primi-
método anticoncepcional mais adequado, o tipo e dona apresentam alto risco de intoxicação e, por-
a dosagem dos anticoncepcionais orais devem ser tanto, a dosagem precisa ser reduzida (esses dois
discutido entre a paciente e seu ginecologista. Em medicamentos são removidos por diálise).
geral, são necessárias preparações que contenham A LTG e a tiagabina não precisam de ajustes
pelo menos 50 mg de estradiol. Sangramento du- na insuficiência renal. Apesar de informações li-
rante o ciclo é um sinal claro de insuficiência dos mitadas, o perfil de metabolismo e os efeitos ad-
níveis de estrógeno e algumas mulheres necessita- versos do topiramato (TPM), incluindo o risco
rão de até 80 mg a 100 mg de etinilestradiol, o que elevado de litíase renal, tornam-no um medica-
pode causar náuseas como efeito adverso. mento pouco atrativo na insuficiência renal.

270
O tratamento em condições especiais

Uso de fármacos antiepilépticos na portante é tratá-los após a primeira crise ou aguar-


dar pela recorrência das crises como é a regra em
insuficiência hepática pacientes jovens. A decisão de iniciar a terapia com
Na insuficiência hepática, deve-se realizar cui- FAEs deve considerar os riscos do tratamento ver-
dadosa monitoração clínica dos efeitos adversos sus os riscos de recorrência e morbidade relaciona-
dos FAEs, sendo a dosagem sérica útil no manu- da às crises. O risco de recorrência após a primeira
seio da posologia. Para agentes com elevada fra- crise em idosos é cerca de duas vezes maior que
ção de ligação proteica (veja o item Uso de fárma- em indivíduos jovens. Idosos também apresentam
cos antiepilépticos em indivíduos idosos), deve-se maior risco de morbidade relacionada às crises8,9.
preferir a dosagem de medicamento livre quando Entre outros fatores, pode-se mencionar osteopo-
possível, devido à hipoalbuminemia que acompa- rose e fragilidade óssea com risco elevado de fra-
nha a insuficiência hepática. turas durante as crises. Portanto, o “limiar” para a
PHT necessita ser ajustada apenas na insufici- decisão de iniciar terapia antiepiléptica em idosos
ência hepática grave. PB apresenta alto risco para é, em geral, bem menor que em indivíduos jovens.
intoxicação, portanto deve ser monitorado cui- Alterações fisiológicas relacionadas ao en-
dadosamente e evitado quando possível. Deve-se velhecimento (como atrofia da mucosa gástrica,
evitar VPA na insuficiência hepática por causa redução da motilidade gástrica, das funções hepá-
da redução de sua metabolização e aumento da tica e renal, da concentração de albumina sérica e
meia-vida com riscos elevados de intoxicação. da massa muscular) modificam a farmacocinética
Felbamato também deve ser evitado na insufici- dos FAEs, portanto a escolha do medicamento, a
ência hepática. posologia, a titulação e até a dose de manutenção
Por apresentar metabolismo hepático, CBZ devem ser tratadas de maneira especial. Além dis-
também deve ser monitorada com cautela, porém so, pacientes idosos frequentemente estão em uso
não é contraindicada na insuficiência hepática. de várias outras medicações por problemas diver-
Observações iniciais indicam que as dosagens de sos, havendo inúmeras possibilidades de intera-
LTG e tiagabina precisam ser reduzidas em pa- ção medicamentosa.
cientes com insuficiência hepática. A diminuição relativa de albumina sérica tor-
Gabapentina, levetiracetam e pregabalina não na os pacientes idosos mais suscetíveis a maior
têm metabolização hepática significativa (a elimi- risco de intoxicação por medicamentos com alta
nação ocorre por excreção renal do medicamento ligação proteica, como PHT e VPA. A redução da
não metabolizado ou por hidrólise enzimática no albumina sérica resulta em um aumento da pro-
caso do levetiracetam), portanto apresentam o porção de fármaco livre que pode causar efeitos
perfil de medicamentos ideais para pacientes com tóxicos, porém a concentração sérica total pode
insuficiência hepática grave. permanecer dentro da “faixa terapêutica”.
As informações são limitadas quanto ao uso O FAE ideal para idosos deveria preencher os
de TPM na insuficiência hepática. seguintes critérios: uma ou duas ingestas diárias,
baixo custo, efeitos colaterais ou toxicidade míni-
ma, pouca ou nenhuma interação medicamento-
Uso de fármacos antiepilépticos em sa, baixa ligação proteica, farmacocinética linear,
indivíduos idosos pouca ou nenhuma reação alérgica ou potencial
Existem diferenças importantes no tratamento de reação idiossincrásica e disponibilidade de
das crises em indivíduos idosos. Uma decisão im- apresentação parenteral.

271
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Dentre os FAEs “clássicos” (ou mais anti- crises. Sua vantagem seria relativa aos efeitos
gos), PHT, VPA e PB apresentam desvanta- adversos e às interações medicamentosas. GBP
gens inerentes ao tratamento em idosos. PB não tem metabolização hepática significativa
é um medicamento seguro, porém alterações (a eliminação ocorre por excreção renal do
comportamentais e sedação tornam-no não medicamento não metabolizado), nenhuma
recomendável como primeira escolha na ter- interação medicamentosa tem sido identifica-
ceira idade. As interações medicamentosas são da e poucos efeitos colaterais foram relatados.
proeminentes com PHT e VPA. Além disso, Os inconvenientes são a meia-vida curta (seis a
a cinética não linear de PHT é um problema nove horas), necessitando de três ingestas diá-
importante. VPA é eficaz para controlar todos rias, e o custo elevado.
os tipos de crises e, apesar de poder induzir Dentre os FAEs mais recentes, LTG tem sido
tremor (ou síndrome parkinsoniana em doses o mais investigado em idosos. Um estudo mul-
mais altas) em idosos, tem um baixo potencial ticêntrico sugere que LTG é tão eficaz quanto e
para distúrbios cognitivos. A dosagem de VPA mais bem tolerada que CBZ em crises parciais e
necessária para a maioria dos idosos é baixa generalizadas em idosos12. LTG apresenta inte-
e geralmente bem tolerada, e formulações de ração com um número menor de medicamen-
liberação lenta podem ser administradas em tos comparada com CBZ e PHT e não influen-
uma tomada diária. CBZ oferece uma cinética cia significativamente o metabolismo de outros
linear e é menos sedativa que PB10. CBZ apre- FAEs ou da varfarina. Rash cutâneo pode ser um
senta interações medicamentosas significativas, problema em idosos, necessitando de doses ini-
porém menos importantes que PHT. Hipona- ciais menores e titulação ainda mais lenta que
tremia e problemas de condução cardíaca indu- para indivíduos jovens. TPM é um FAE eficaz
zidos por CBZ são mais frequentes em idosos. para crises parciais e tônico-clônicas generali-
OXC pode ser uma alternativa por apresentar o zadas, porém seu efeito sedativo e alterações
mesmo perfil de eficácia e potencialmente me- cognitivas podem ser fatores limitantes para seu
nos efeitos adversos que CBZ, porém promove uso em idosos13,14.
mais frequentemente hiponatremia em idosos. Em geral, os efeitos adversos de FAEs po-
Recomenda-se dosagem sérica de sódio peri- dem ser minimizados começando sempre com
ódica para idosos em uso de OXC, sobretudo uma dose baixa e fazendo uma titulação lenta.
quando apresentam outros fatores de risco para A maioria dos idosos responderá a doses mais
hiponatremia, como uso de diuréticos, vômitos, baixas de FAEs que adultos jovens. Monoterapia
diarreia, desidratação e procedimentos cirúrgi- é preferível sempre, sobretudo para o paciente
cos. Um estudo de metanálise sugere que CBZ que já utiliza medicações para outras doenças.
pode ser mais eficaz que VPA em controlar cri- No entanto, se o paciente idoso não está com as
ses parciais e tal diferença parece ser maior em crises controladas com a dose máxima tolerada
pacientes idosos11. de um FAE, bons resultados podem ser obtidos
Gabapentina, que é efetiva no tratamento com a associação de um segundo FAE, sempre o
de crises parciais com ou sem generalização iniciando com doses baixas. Antes de prescrever
secundária, oferece várias propriedades que FAEs para idosos, é fundamental instruir os pa-
sugerem ser essa uma boa opção para tratar rentes e cuidadores sobre os riscos, efeitos adver-
crises parciais em idosos. No entanto, é um sos e, principalmente, potenciais interações com
medicamento pouco eficaz para controlar as outros medicamentos.

272
O tratamento em condições especiais

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273
23 Epilepsias refratárias

Luís Otávio Sales Ferreira Caboclo


Assistente Doutor da Unidade de Pesquisa e Tratamento das Epilepsias, Departamento
de Neurologia e Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo. Coordenador do
Departamento de Neurofisiologia Clínica do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, Brasil.

Crises refratárias ocasionam prejuízo na qua- mentoso8. Essa porcentagem é maior em pacien-
lidade de vida de pacientes com epilepsia. Crises tes com epilepsia focal do que nos pacientes com
mal controladas estão associadas a ocorrência de epilepsia generalizada idiopática9. Neste capítulo,
acidentes, lesões físicas, transtornos psiquiátricos, serão discutidos o conceito de refratariedade ao
declínio cognitivo progressivo, estigma e exclusão tratamento clínico em epilepsia, os fatores de ris-
social1-4. Além disso, a mortalidade de pacientes co e as causas dessa refratariedade, além dos pos-
com epilepsia refratária eleva-se quando com- síveis mecanismos implicados na refratariedade
parada à da população em geral, em parte pela aos FAEs.
ocorrência de morte súbita e inexplicada5-7. Por-
tanto, existe uma busca constante no sentido de
se compreender os mecanismos responsáveis pela O que é epilepsia refratária?
refratariedade a fármacos antiepilépticos (FAEs) O termo epilepsia refratária é preferível ao
e de se encontrar alternativas para contornar esse termo epilepsia intratável. Por intratável, enten-
problema clínico tão importante. de-se condição não passível de tratamento de
Desde o início do tratamento medicamentoso qualquer natureza ou modalidade, enquanto re-
das epilepsias, com brometo de potássio em 1857, fratariedade se refere aos casos de epilepsia em
por Sir Charles Locock, pacientes, médicos e a in- que não há resposta adequado ao tratamento me-
dústria farmacêutica anseiam por medicamentos dicamentoso. Mas como definir refratariedade ao
que tratem de forma segura e eficaz os pacientes tratamento clínico?
com essa doença. A descoberta do efeito de fár- Refratariedade poderia ser definida como au-
macos como fenobarbital e valproato e o desen- sência de resposta adequada a todos os fármacos
volvimento de fármacos com mecanismos de ação disponíveis e apropriados ao tratamento de deter-
especificamente voltados ao tratamento da epilep- minada síndrome epiléptica. Porém, esse conceito
sia, como vigabatrina e lamotrigina, trouxeram mais amplo ocasiona dificuldades na abordagem
novas esperanças para médicos e pacientes. de pacientes com epilepsia, uma vez que é neces-
Entretanto, a despeito de todos os FAEs dis- sário um período muito longo para demonstrar
poníveis, estima-se que cerca de um terço dos que nenhum dos fármacos disponíveis pode con-
pacientes com epilepsia não obtém controle ade- trolar as crises de um determinado paciente. Uma
quado de suas crises com tratamento medica- definição operacional é, portanto, necessária.

275
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

O conceito de refratariedade ao tratamento clí- Essa definição operacional permite que os


nico em epilepsia permaneceu indefinido durante pacientes com epilepsia sejam definidos como
muito tempo. Clínicos e pesquisadores usavam di- resistentes ao tratamento clínico, podendo ser
versos critérios diferentes, tornando difícil a com- encaminhados para outras formas de tratamento,
paração de resultados no tratamento de pessoas como dieta cetogênica, cirurgia de epilepsia ou
com epilepsia. Em 2010, a International League neuromodulação.
Against Epilepsy (ILAE) publicou uma definição
Tabela 1. Categorização de desfechos clínicos após
de epilepsia resistente ao tratamento com FAEs10.
intervenção para tratamento de epilepsia
Essa publicação permitiu que houvesse uma maior
homogeneização na definição de refratariedade. Dimensão do desfecho
A definição da ILAE define dois níveis para a Controle de Ocorrência de Categoria do
categorização do desfecho clínico após interven- crises efeitos adversos desfecho
A. Não 1A
ção para tratamento de um paciente com epilepsia, Livre de crises B. Sim 1B
seja essa intervenção um FAE ou outro tratamento, C. Indeterminado 1C
como cirurgia de epilepsia. No nível 1, são definidos A. Não 2A
Falha no
o controle das crises e a ocorrência de efeitos adver- B. Sim 2B
tratamento
sos (Tabela 1). Nesse nível, os pacientes são classifi- C. Indeterminado 2C
A. Não 3A
cados em categorias “livre de crises” ou “não livre de Indeterminado B. Sim 3B
crises”. Se as informações, em um dado momento, C. Indeterminado 3C
não são suficientes para determinar a categoria, o Adaptado de Kwan P, Arzimanoglou A, Berg At, et al. Definition
desfecho é classificado como “indeterminado”. É of drug resistant epilepsy: consensus proposal by the ad hoc
Task Force of the ILAE Commission on Therapeutic Strategies.
importante destacar que para que o desfecho seja Epilepsia. 2010;51(6):1069-77.
categorizado como “livre” ou “não livre” de crises, a
intervenção – como o FAE – deve ser considerada Quantos pacientes têm epilepsia
“apropriada” e “adequada”. Por “apropriada” enten-
de-se que o FAE utilizado tem eficácia demonstra- refratária?
da para a síndrome epiléptica de um determinado Cerca de um terço dos pacientes com epilepsia
paciente. No que tange aos FAEs, intervenção “ade- continuam tendo crises a despeito do tratamento com
quada” denota o uso de um determinado FAE em FAEs11. Esse número não parece ter mudado signifi-
dose suficiente e por tempo suficiente. Caso o fár- cativamente nas últimas décadas com a descoberta de
maco seja suspenso precocemente – por exemplo, novos FAEs, com mecanismos de ação diferentes.
por conta de efeitos adversos –, a “falha” no trata- Em um trabalho publicado em 200012, Kwan
mento não se deveu à refratariedade propriamente e Brodie estudaram, prospectivamente, 525 com
dita, mas sim a questões relativas à tolerabilidade ao epilepsia – crianças e adultos – diagnosticados e
fármaco. Nesse caso, o desfecho seria considerado seguidos em um único centro, em Glasgow, na Es-
“indeterminado”, pois a intervenção não teria sido cócia. Durante o seguimento, 63% dos pacientes
adequada. permaneceram livres de crises com o tratamento
No nível 2 da definição, epilepsia resistente a com FAEs ou após o término dele. No subgrupo de
fármacos antiepilépticos é definida como a falha 470 pacientes com epilepsia recém-diagnosticada e
de dois fármacos antiepilépticos escolhidos apro- previamente não tratada, o número foi semelhan-
priadamente e tolerados, usados em monoterapia te: 64% dos pacientes ficaram livres de crises com
ou em combinação, em deixar o paciente persis- o tratamento clínico. Em 2012, o mesmo grupo
tentemente livre de crises. realizou um estudo com um número maior de pa-

276
Epilepsias refratárias

cientes13. A amostra incluiu pacientes avaliados no Provavelmente, o fator preditivo mais impor-
estudo anterior. Nesse estudo mais recente, foram tante para haver resposta ao tratamento clínico é a
incluídos 1.098 pacientes com idades entre 9 e 93 síndrome epiléptica a ser tratada. Algumas síndro-
anos. Na última visita clínica, 749 (68%) pacientes mes epilépticas trazem desde seu diagnóstico uma
estavam livres de crises, sendo 678 (62%) em mo- possibilidade menor de resposta ao tratamento
noterapia. Observa-se que houve pouca diferença clínico: síndrome de Ohtahara, nos neonatos;
na porcentagem de pacientes livres de crises quan- síndromes de West e Dravet, nos lactentes; Len-
do comparada à do estudo anterior, a despeito da nox-Gastaut, Doose e Rasmussen, em crianças; e
disponibilidade de novos FAEs. De fato, embora epilepsias secundárias a malformações do desen-
os novos FAEs tenham sido um avanço significa- volvimento cortical em diversas faixas etárias18.
tivo em termos de perfil de segurança e, em certa As síndromes epilépticas com crises parciais
medida, de tolerabilidade, esses fármacos não mu- tendem a ser mais resistentes ao tratamento clínico
daram a porcentagem de pacientes com epilepsia do que as epilepsias generalizadas idiopáticas12,13.
refratária de forma mensurável ou convincente14. Em um estudo compreendendo 2.200 pacientes
adultos com epilepsia, Semah et al.9 observaram
que, após um ano de tratamento com FAEs em re-
Quais são as epilepsias refratárias? gime adequado, 82% dos pacientes com epilepsia
A resposta ao tratamento medicamentoso depen- generalizada idiopática estavam livres de crises.
de de uma série de fatores, incluindo a idade do pa- No grupo de pacientes com epilepsias focais, fica-
ciente, o tipo de crise epiléptica, a frequência de crises ram livres de crises 35% dos pacientes no grupo
e o tempo de evolução da epilepsia antes do início do com epilepsia focal sintomática e 35% daqueles
tratamento. Alguns fatores se relacionam a um mau com epilepsia focal criptogênica. Nesse estudo,
prognóstico em relação ao controle das crises, como apenas 11% dos pacientes com esclerose hipocam-
idade de início precoce15,16, crises frequentes, crises pal (EH) ficaram livres de crise após um ano de
com generalização secundária, ausência de controle tratamento. Esse número foi ainda menor (3%) no
das crises com o primeiro FAE em regime adequa- grupo de pacientes com dual pathology, definida
do12,13,17, uso de mais de dois FAEs12,13, presença de como EH associada à outra lesão epileptogênica
lesão estrutural nos exames de neuroimagem, retardo (Figura 1). A EH (Figura 2) claramente se associa
mental e anormalidades do exame neurológico18. a uma má resposta ao tratamento com FAEs19.
100
ar
Pacientes livres de crises (%)

ul
sc
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75
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25
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EH

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Du

54 50 46 42 30 24 11 3
0
Figura 1. Controle de crises em pacientes com epilepsia focal, de acordo com os
achados na ressonância magnética de encéfalo9.

277
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Figura 2. Na parte superior da figura, sequência coronal pesada em FLAIR mostrando hipersinal no
hipocampo esquerdo. Na parte inferior, a sequência coronal em IR mostra redução volumétrica e perda
da estrutura interna do hipocampo esquerdo, que se encontra verticalizado em relação ao direito. Os
achados nesse caso são compatíveis com esclerose hipocampal esquerda.

O que é pseudorefratariedade? não, que, por causarem alterações transitórias


do nível de consciência, podem ser confun-
Na realidade, uma parcela dos pacientes com
didos com crises epilépticas. Dentre os mais
crises consideradas refratárias apresenta uma
comuns, pode-se citar síncopes e arritmias
condição denominada pseudorrefratariedade,
cardíacas, ataque isquêmico transitório, hi-
que consiste no controle inadequado de crises poglicemia, distúrbios hidroeletrolíticos re-
devido a fatores não diretamente relacionados à correntes, intoxicação por álcool ou drogas
refratariedade propriamente dita, ou seja, à resis- ilícitas. Em geral, o diagnóstico desses even-
tência ao tratamento com FAEs. Alguns fatores tos pode ser feito com base nos dados clínicos
podem determinar a pseudorrefratariedade: referidos pelo paciente. Entretanto, a exemplo
• Crises psicogênicas não epilépticas (ou crises das crises psicogênicas não epilépticas, pode
pseudoepilépticas): eventos de natureza não haver dificuldades no diagnóstico, levando a
epiléptica são frequentemente confundidos uma abordagem incorreta do problema.
ou diagnosticados como crises epilépticas20. • Diagnóstico sindrômico errado: o diagnóstico
Podem apresentar características clínicas equivocado das crises do paciente pode levar
muito semelhantes às das crises epilépticas, à classificação inadequada da síndrome epi-
o que dificulta o diagnóstico diferencial, léptica e, por conseguinte, ao tratamento ina-
principalmente em pacientes que também propriado. Um exemplo frequente na prática
apresentam crises epilépticas. Muitas vezes, clínica são pacientes com epilepsia mioclônica
o diagnóstico só pode ser feito com o auxílio juvenil diagnosticados como tendo crises fo-
da monitoração com vídeo-EEG. Os eventos cais e tratados com carbamazepina ou fenito-
não epilépticos não respondem ao tratamento ína, sem controle das crises e frequentemente
com FAEs, o que pode levar à falsa impressão com piora clínica.
de refratariedade. • Interação medicamentosa: pacientes com epi-
• Outros eventos paroxísticos: são vários os lepsia de difícil controle são comumente trata-
eventos paroxísticos, de causa neurológica ou dos com associações de dois ou mais FAEs. Es-

278
Epilepsias refratárias

ses fármacos podem apresentar interações que controle inadequado das crises no início do trata-
dificultam o controle das crises. Medicamentos mento medicamentoso, são fatores reconhecidamen-
indutores do citocromo P450 levam à redução te relacionados a um mau prognóstico no tocante ao
do nível sérico de outros fármacos metaboliza- controle das crises epilépticas com FAEs9,12,18. Entre-
dos por esse sistema enzimático. Dessa forma, a tanto, pacientes com epilepsia de curso aparente-
despeito do tratamento com doses habitualmen- mente benigno no início do quadro podem evoluir
te adequadas de FAEs, pacientes em politerapia para uma situação de refratariedade.
poder apresentar crises refratárias por causa do Após o início da epilepsia, uma parcela signi-
nível sérico baixo dos fármacos utilizados. ficativa de pacientes pode apresentar um ou mais
• Tolerância aos FAEs: alguns FAEs, particular- períodos de remissão, isto é, períodos em que
mente os benzodiazepínicos, podem induzir esses pacientes ficam livres de crises, para mais
tolerância ao longo do tratamento, ou seja, tarde voltarem a apresentá-las. Em um estudo
uma resposta inicialmente boa ao tratamento multicêntrico que incluiu pacientes com epilepsia
pode se perder com a continuidade deste. Es- focal refratária submetidos à avaliação pré-cirúr-
tratégias como rodízio de benzodiazepínicos gica, 26% desses pacientes tinham apresentado
são tentativas de contornar esse problema. ao longo de sua evolução período de remissão
• Má adesão: evidentemente, má adesão ao tra- igual ou superior a um ano21. Dados semelhantes
tamento também pode resultar em crises apa- foram obtidos em um estudo brasileiro: em uma
rentemente intratáveis. população homogênea de pacientes com epilepsia
• Hábitos de vida inadequados: determinadas do lobo temporal mesial refratária ao tratamento
síndromes epilépticas cursam com crises com clínico, 19,2% desses pacientes apresentaram pe-
fator desencadeante muito bem definido. Talvez ríodo prévio de remissão das crises22. Esses dados
o exemplo mais comum na prática clínica seja a mostram que um curso benigno no início da epi-
epilepsia mioclônica juvenil, em que os pacientes lepsia não significa necessariamente que o pacien-
muito frequentemente apresentam crises desen- te terá sempre boa resposta aos FAEs.
cadeadas pela privação de sono. Nesse caso, mes- Por outro lado, alguns pacientes podem ter
mo com o tratamento com fármacos apropriados crises inicialmente resistentes ao tratamento clí-
e em doses adequadas, um hábito de vida inade- nico, para depois conseguirem um bom controle
quado, como má higiene do sono, acaba por levar com FAEs. Em seu estudo de 2012, Brodie et al.13
a um controle insatisfatório das crises. identificaram quatro padrões de resposta ao tra-
tamento com FAEs: padrão A, com controle das
Tratamento medicamentoso pode ser ineficaz
crises precoce e sustentado; B, controle tardio, mas
caso seja utilizado um fármaco inapropriado, se
sustentado; C, alternância entre períodos de crises
um FAE apropriado for usado em dose insuficien-
controladas e resistentes ao tratamento; e D, crises
te ou administrado de forma inapropriada, ou se
nunca controladas. Em sua série de 1.098 pacien-
ocorrerem interações medicamentosas adversas ou
tes seguidos prospectivamente, o padrão A foi ob-
desenvolvimento de tolerância a esse fármaco4,11.
servado em 37% deles, o B, em 22%, o C, em 16% e
o D, em 25%. É interessante notar que mais de um
Qual é a história natural das terço dos pacientes (22% do padrão B e 16% do
padrão C) apresentou crises refratárias ao trata-
epilepsias refratárias? mento em determinados momentos de seu segui-
O início precoce da epilepsia e um período pro- mento, para depois ter controle adequado dessas
longado antes do início do tratamento, bem como crises, sustentado (padrão B) ou não (padrão C).

279
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Como foi observado, algumas síndromes epi- tese das proteínas transportadoras de múltiplos
lépticas têm maior probabilidade de cursar com FAEs. Entretanto, essas duas hipóteses não são
crises refratárias, como a epilepsia do lobo tem- capazes de explicar todos os aspectos relativos à
poral secundária à EH e as epilepsias relacionadas refratariedade, o que levou ao surgimento de no-
às malformações do desenvolvimento cortical9,18. vas hipóteses, que serão discutidas brevemente.
Considerando-se as potenciais consequências ne-
gativas a longo prazo de crises persistentes, torna- Alteração dos sítios de ação dos
se importante a identificação precoce de pacientes
com epilepsia refratária, para que a esses pacien-
fármacos antiepilépticos
tes sejam oferecidas, o mais cedo possível, alterna- O primeiro mecanismo a ser destacado é a
tivas ao tratamento clínico12. natureza da lesão. Algumas lesões têm maior epi-
leptogenicidade, como a EH23 e a displasia cortical
focal24. Na epilepsia do lobo temporal com EH, a
Mecanismos envolvidos na reorganização celular no hipocampo, com brota-
refratariedade mento de fibras musgosas25,26, torna o tecido anor-
Paul Erlich, considerado o pai da quimio- mal particularmente epileptogênico.
terapia, lamentou que a resistência aos novos Alterações de receptores nas células hipo-
fármacos para o tratamento do câncer seguia o campais podem torná-las resistentes à ação dos
desenvolvimento desses medicamentos como FAEs27,28. Alterações em receptores podem con-
uma “sombra fiel”. Da mesma forma, o desenvol- tribuir para a resistência a FAEs em outras sín-
vimento de novos fármacos para o tratamento da dromes epilépticas. Em pacientes com epilepsia
epilepsia não impediu que uma parcela significa- crônica, é possível que a densidade, a distribuição
tiva dos pacientes – cerca de um terço – continue e a estrutura molecular e a função de canais iôni-
apresentando crises refratárias ao tratamento cos estejam alteradas, impedindo as modificações
com esses fármacos. Nem mesmo um curso apa- de conformação que normalmente ocorrem para
rentemente benigno nos primeiros anos de evo- promover a ação anticonvulsivante dos fárma-
lução pode predizer que esses pacientes não pro- cos28,29. Um exemplo é o que ocorre na epilepsia
gredirão para uma situação de refratariedade21,22. generalizada com crises febris plus (GEFS+) tipo 1,
As crises desses pacientes exibem resistência a uma síndrome epiléptica caracterizada por crises
fármacos com diferentes mecanismos de ação, o febris na infância, seguidas de crises generaliza-
que sugere que a resistência não se deve a fato- das na vida adulta, relacionada a uma mutação do
res relacionados a esses mecanismos. O fato de gene SCN1B da subunidade b1 do canal de sódio,
que as crises apresentam resistência à maioria, localizado no braço longo do cromossomo 1930,31.
senão a todos os FAEs conhecidos, sugere que As alterações nos sítios de ação dos FAEs po-
essa resistência se deva a fatores intrínsecos ou dem ser genéticas – como no caso da síndrome
adquiridos inespecíficos, que afetam, de forma GEFS+ – ou adquiridas. Exemplos de alterações
ampla, a resposta aos FAEs. Mas quais seriam, adquiridas são a internalização de receptores ga-
então, os mecanismos envolvidos na refratarie- baérgicos durante a evolução do estado de mal
dade aos FAEs? epiléptico e a diminuição da sensibilidade de
Nos últimos anos, duas hipóteses têm concen- neurônios do setor CA1 do hipocampo à car-
trado a maiorias dos estudos sobre refratariedade bamazepina em pacientes com EH e epilepsia do
em epilepsia: a hipótese da alteração dos sítios de lobo temporal resistente ao tratamento clínico.
ação dos FAEs no tecido epileptogênico e a hipó- Entretanto, dada a diversidade de estruturas mo-

280
Epilepsias refratárias

leculares em que agem os diferentes FAEs, parece cluindo a detoxificação dos fármacos utilizados, a
improvável que todos esses alvos moleculares so- alteração na apoptose induzida por medicamentos
fressem alterações de tal forma a originar resis- e a redução no acúmulo do fármaco33. A redução
tência a todos os FAEs utilizados no tratamento da concentração de medicamentos em seu sítio de
dos pacientes com epilepsia32. ação foi relacionada à expressão de uma proteína
Além da natureza da lesão epileptogênica, sua codificada pelo gene mdr1, a glicoproteína P (P-
localização também influi na resposta ao tratamen- glycoprotein), ou P-gp34. A P-gp é uma proteína
to19: quando comparados a pacientes com lesões ex- transmembrana que funciona como bomba de
tratemporais, pacientes com EH tendem a ter menor efluxo de fármacos35. Normalmente, é encontra-
controle de suas crises com o tratamento clínico. da em células no intestino, no fígado, no rim e no
endotélio capilar de vasos intracranianos. Em te-
cido nervoso normal, a P-gp não é encontrada em
neurônios nem em células da glia. Em tecido epi-
Proteínas transportadoras de
leptogênico, entretanto, P-gp agiria transportando
múltiplos fármacos antiepilépticos FAEs do tecido de volta para o sangue, diminuin-
Talvez o dado mais intrigante para os pesqui- do, assim, a concentração desses fármacos em seu
sadores que trabalham com o desenvolvimento sítio de ação36,37 (Figura 3). Vários fármacos, in-
de novos FAEs seja o fato de que pacientes com cluindo a fenitoína, o fenobarbital, a lamotrigina
epilepsia refratária em geral não respondem a no- e a oxcarbazepina, provavelmente são substratos
vos fármacos, mesmo com mecanismos de ação para P-gp38,39, mas ainda há incertezas em relação a
diferentes. Esse fato levou ao desenvolvimento de outros FAEs, e para a maioria deles, faltam evidên-
um novo conceito: a resistência a múltiplos medi- cias robustas de que são efetivamente transporta-
camentos (RMM). dos pela P-gp em humanos40,41.
A RMM consiste no fenômeno de resistência A P-gp pertence à superfamília de proteínas
simultânea a fármacos não relacionados33. Esse adenosine triphosphate (ATP)-binding cassette
fenômeno foi inicialmente estudado em pacientes (ABC), que inclui, ainda, outra proteína trans-
com câncer que apresentavam resistência a múlti- portadora de fármacos, a multidrug resistance-
plos medicamentos quimioterápicos. Mecanismos -associated protein (MRP). Atualmente, a P-gp é
para explicar essa resistência foram sugeridos, in- conhecida como ABCB1 e a MRP, como ABCC1.

Figura 3. Superexpressão de P-gp em tecido cerebral de paciente com epilepsia refratária.

281
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

A partir da experiência com as proteínas sultado das crises repetidas, o que poderia ex-
transportadoras de medicamentos em pacientes plicar o desenvolvimento de resistência a FAEs
com câncer, o papel delas proteínas começou a ser em pacientes com status epilepticus prolongado,
estudado em pacientes com epilepsia refratária ao além de enfatizar a necessidade de tratamento
tratamento medicamentoso. rápido e adequado a esses pacientes.
Tishler et al.42 demonstraram uma superex- Variações na expressão e no nível de ativida-
pressão do gene mdr1, que codifica a proteína de da ABCB1 podem ter impacto significativo
P-gp, no cérebro de 11 de 19 pacientes com epi- na eficácia terapêutica de muitos fármacos51,52,
lepsia focal intratável submetidos à cirurgia para como quimioterápicos e FAEs. Portanto, a ca-
tratar as crises. Os autores concluíram que essa pacidade de detectar alelos relevantes para a
expressão aumentada pode contribuir para a na- expressão e/ou atividade da ABCB1 seria fun-
tureza refratária da epilepsia desses pacientes, damental para tratar pacientes que utilizam
uma vez que pode se associar a menores con- medicamentos reconhecidos como substratos
centrações de FAEs no parênquima cerebral. Es- para a ABCB1. Em 2003, Siddiqui et al.53 iden-
tudos com imuno-histoquímica demonstraram tificaram um fator genético associado à resis-
uma superexpressão de P-gp nos astrócitos e nos tência a FAEs: quando comparados com pa-
neurônios de pacientes com epilepsia secundária cientes responsivos ao tratamento com FAEs,
a malformações do desenvolvimento cortical43,44, pacientes com crises refratárias tinham maior
epilepsia do lobo temporal com EH45,46 e esclero- probabilidade de ter o genótipo CC do que o
se tuberosa47. genótipo TT para a proteína ABCB1 (P-gp).
Não se sabe ao certo a causa da superexpres- Outros polimorfismos de genes de proteínas
são das proteínas da superfamília ABC no teci- transportadoras foram estudados com resulta-
do cerebral dos pacientes com epilepsia refratá- dos conflitantes54-56.
ria. Em geral, a superexpressão dessas proteínas Além da superfamília de proteínas ABC,
é limitada à região da anormalidade histopato- outras proteínas implicadas na resistência a fár-
lógica (EH, displasia cortical), não sendo ob- macos quimioterápicos para o tratamento de
servada em tecido não lesional adjacente46. Essa neoplasias do sistema nervoso central também
superexpressão não seria, portanto, resultado podem estar envolvidas na resistência a FAEs.
de crises epilépticas repetidas ou da exposição Sisodiya et al.57 demonstraram uma superex-
continuada do tecido cerebral a FAEs. Em mo- pressão da major vault protein (MVP) no tecido
delos animais, entretanto, crises isoladas48 ou cerebral de pacientes com epilepsia focal refra-
repetidas49 foram capazes de induzir superex- tária secundária à EH, displasia cortical focal e
pressão do gene mdr (que codifica a P-gp) no tumor neuroepitelial disembriopásico.
córtex e no mesencéfalo. Um estudo em huma- Apesar da associação entre expressão de pro-
nos50 demonstrou superexpressão das proteínas teínas transportadoras e refratariedade, a prova
ABCB1 e ABCC1 em tecido cerebral normal de causalidade depende da demonstração – em
de um paciente que faleceu em decorrência de humanos – de que a resistência a múltiplos fár-
status epilepticus e, no exame anatomopatoló- macos pode ser revertida pela inibição da proteí-
gico, apresentava displasia cortical hemisférica na transportadora. Um dos candidatos a inibidor
unilateral. Nesse caso, os autores sugerem que da P-gp é o bloqueador de canal de cálcio verapa-
a superexpressão dessas proteínas no tecido do mil. Apesar de algumas evidências recentes58, os
hemisfério contralateral à lesão tenha sido re- resultados têm sido desapontadores59.

282
Epilepsias refratárias

Outras hipóteses exemplo do que ocorreu com as proteínas trans-


portadoras de FAEs, a refratariedade em epilepsia
A insuficiência das hipóteses anteriores em
pode compartilhar mecanismo semelhantes com
explicar a causa da refratariedade na maioria
a resistência aos agentes quimioterápicos.
dos pacientes com epilepsia e crises resistentes
A intratabilidade em pacientes com epilep-
ao tratamento com FAEs levou à busca de no-
sia certamente decorre de uma série de fatores
vas hipóteses.
associados. Fatores genéticos e adquiridos pro-
A hipótese da gravidade intrínseca postula
vavelmente atuam em conjunto, determinando
que a farmacorresistência é uma propriedade ine-
o caráter de refratariedade de uma parte dos
rente da epilepsia, relacionada à gravidade da do-
pacientes com epilepsia. A ampla compreensão
ença60,61. De acordo com essa hipótese, a gravida-
desses fatores pode ajudar médicos e pesquisa-
de da epilepsia de um paciente pode ser avaliada, dores a desenvolver novas estratégias que, no
do ponto de vista prático, sob diversos aspectos futuro, livrarão os pacientes com epilepsia da
diferentes, incluindo os tipos de crises apresenta- sombra da intratabilidade.
dos pelo paciente, impacto na qualidade de vida,
incapacidade causada pelas crises, comorbidades, Referências bibliográficas
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as crises podem mediar modificações epigenéticas
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Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

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285
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Principais fármacos
antiepilépticos

Classe Fármaco Indicações e tipos de Doses preconizadas Doses preconizadas para


crises para adultos crianças

Aminoácidos Gabapentina Crises parciais, crises 900 a 1800 mg/dia Crianças: Semana 1: 10-15 mg/
(GBP) tônico-clônicas em três doses diárias. kg/dia, em três doses; até 25-
generalizadas Primeiro dia, 300 mg; 35 mg/kg em crianças maiores
Segundo, 600 mg e então, de 5 anos e 40 mg/kg/dia em
300 mg em três doses (até crianças de 3- 4 anos. Doses
3600 mg/dia). de até 50 mg/kg/dia em 3
tomadas são bem toleradas.
Lacosamida Crises parciais, crises 200- 400 mg/dia em duas Crianças maiores: Semana 1: 3
(LCM) tônico-clônicas doses diárias. Semana 1: mg/kg/dia (1.5 mg/kg, 2 vezes
generalizadas 50 mg duas vezes ao dia; ao dia). Aumentar 3 mg/kg/
Incrementos dependendo dia a intervalos semanais; dose
da tolerabilidade- máxima 6 mg/kg duas vezes ao
Semana 2, 100 mg duas dia (12 mg/kg/dia).
vezes ao dia; Semana Lactentes: Semana 1: 2 mg/
3: 150 mg,duas vezes e kg duas vezes ao dia (4 mg/
então 200 mg, duas vezes kg/dia). Aumentar 4 mg/kg/
ao dia. dia a intervalos semanais; dose
máxima 8 mg/kg duas vezes ao
dia (16 mg/kg/dia)

Pregabalina Crises parciais, crises 150-600 mg/dia em duas Crianças maiores: Semana 1:
(PGB) tônico-clônicas ou três doses diárias. 1.5-2 mg/kg duas vezes ao dia
generalizadas Semana 1: 50 mg/dia em (3.5 mg/kg/dia). Aumentar 3
duas doses; aumentos a mg/kg/dia em doses divididas
intervalos semanais de 50 a intervalos semanais; dose
mg/dia máxima: 7.5 mg/kg em duas
doses (15 mg/kg/dia).
Lactentes: Semana 1: 2.5 mg/
kg em duas doses (5 mg/kg/
dia). Aumentar 5 mg/kg/dia
a intervalos semanais;dose
máxima 10 mg/kg duas vezes
ao dia (20 mg/kg/dia)

286
Principais fármacos antiepilépticos

Efeitos adversos mais comuns Efeitos Medicamentos que Medicamentos comuns


idiossincrásicos afetam a concentração afetados pelo FAE
sérica do FAE
Sonolência, sintomas vestíbulo- Leucopenia, rash Antiácidos como hidróxido Nenhum; não altera
cerebelares, efeitos neurocognitivos, cutâneo de alumínio e hidróxido contraceptivos hormonais
ganho de peso, edema periférico, de magnésio diminuem
disfunção erétil a absorção de GBP.
Administrar GBP duas horas
antes do uso de antiácidos.

Tontura, cefaleia, náusea, diplopia, Rash cutâneo Reduzem LCM (15-20%): Nenhum efeito sobre outros
ataxia, sonolência, vertigem, tremor, CBZ, PHT, PB FAEs;
comprometimento de memória. Não tem efeito sobre
Aumento do intervalo PR no ECG contraceptivos hormonais
(cuidado em pacientes com bloqueios
atrioventriculares)

Sonolência, sintomas vestíbulo- Rash cutâneo, GBP e PHT reduzem PGB Nenhum; não altera
cerebelares, efeitos neurocognitivos, angioedema, síndrome contraceptivos hormonais
ganho de peso, edema periférico, de hipersensibilidade a
disfunção erétil drogas

287
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Classe Fármaco Indicações e tipos de Doses preconizadas Doses preconizadas para


crises para adultos crianças

Barbitúricos Fenobarbital Crises parciais, ORAL: 1,5 –4 mg/kg/dia. ORAL: 2 –8 mg/kg/dia. (as
(PB) crises tônico- INTRAVENOSA: Dose doses mais elevadas são para
clônicas primária de ataque: 10-30 mg/kg. lactentes). INTRAVENOSA:
ou secundariamente Máximo: 100 mg/minuto Dose de ataque: 10-30 mg/kg.
generalizadas ou 2 mg/kg/minuto. Máximo: 100 mg/minuto ou 2
mg/kg/minuto.

Primidona Crises parciais, Dias 1-3: 100-125 mg ao Dias 1-3: 50 mg ao deitar;


(PRM) crises tônico-clônicas deitar; Dias 4-6: 50 mg, duas vezes
generalizadas Dias 4-6: 100-125 mg ao dia;
duas vezes ao dia; Dias 7-9: 100 mg duas vezes
Dias 7-9: 100-125 mg três ao dia;
vezes ao dia; Dia 10: 125 mg, três vezes ao
Dia 10: 250 mg três vezes dia.
ao dia.
Benzodiazepínicos Clobazam Crises de ausência, 10-40 mg/dia em uma ou 0,5 a 1 mg/kg/dia em uma ou
(CLB) atônicas, mioclônicas, duas doses diárias (até 60 duas doses diárias.
parciais e tônico- mg/dia).
clônicas generalizadas
Clonazepam Crises de ausência, Dose inicial de 1,5 mg/ Lactentes e crianças (até 10
(CNZ) atônicas, mioclônicas, dia divididos em três anos ou 30 kg): Dose inicial:
parciais e tônico- doses. Incrementos de 0,01 a 0,03 mg/kg/dia. Não
clônicas generalizadas 0,5 a 1 mg a cada 3 dias. exceder 0,05 mg/kg/dia,
Dose máxima: 20 mg/dia. administrados em 2 ou 3
doses. Aumentar 0,25 a 0,5
mg a cada 3 dias até a dose de
manutenção diária de 0,1 a 0,2
mg/kg.
Diazepam Crises subintrantes e INJETÁVEL: 5 mg a 10 INTRAVENOSA: Entre 30
(DZP) status epilepticus mg como dose inicial dias e 5 anos: 0,2 mg a 0,5
(preferencialmente mg lentamente a cada 2 a 5
intravenosa). Repetir se minutos (dose máxima 5 mg).
necessário a intervalos Crianças acima de 5 anos: 1
de 10 a 15 minutos até a mg a cada 2 a 5 minutos até 10
dose máxima de 30 mg. mg. Repetir em 2 a 4 horas se
Pode ser repetida em 2 a necessário.
4 horas.
Midazolam Crises subintrantes e Dose de ataque: 5 a 15 INTRAVENOSA: 0,05 a 0,20
(MDL) status epilepticus mg por via endovenosa mg/kg (máx. 5 mg); infusão
ou intramuscular. contínua de 0,05 a 0,4/kg/min
Manutenção: 0,05 a 0,4 NASAL: 0,2 mg/kg
mg/kg/hora

Nitrazepam Crises de ausência, 5 a 10 mg/dia em uma a 5-20 mg/dia em uma a três


(NZP) atônicas, mioclônicas, duas tomadas diárias tomadas diárias
parciais e tônico-
clônicas generalizadas

288
Principais fármacos antiepilépticos

Efeitos adversos mais comuns Efeitos Medicamentos que Medicamentos comuns


idiossincrásicos afetam a concentração afetados pelo FAE
sérica do FAE
Efeitos neurocognitivos, alterações do Rash cutâneo, Aumentam o PB: VPA e PB diminui:
humor, hiperatividade, diminuição da angioedema, síndrome acetazolamida FAEs: CBZ, VPA, LTG,
libido, impotência sexual, dependência de Stevens Johnson, Aumenta ou diminui o PB: TPM
física hepatotoxicidade PHT Outros fármacos:
Sistema músculo-esquelético: ciclosporina,
osteomalácia, contratura de Dupuytren
doxiciclina, griseofulvina,
Sistema digestivo: náuseas e vômitos haloperidol,
(PRM); constipação intestinal Diminuem PRM e aumentam anticoncepcionais
Teratogenicidade: malformações PB: CBZ, PHT hormonais, teofilina,
cardíacas Aumentam PRM e diminuem antidepressivos
PB: isoniazida, nicotinamida tricíclicos e varfarina
Aumenta PRM e PB: VPA

Efeitos neurocognitivos Rash cutâneo Diminuem CLB: CBZ, PB Geralmente não afeta
e PHT outros fármacos

Efeitos neurocognitivos Discrasia sanguínea, Diminuem CNZ: CBZ, PB


Sistema respiratório: hipersecreção alteração de enzimas e PHT
brônquica hepáticas

Relacionados ao SNC: Não se aplica a administração


Rebaixamento do nível de consciência aguda
Sistema neurovegetativo: depressão
respiratória, hipotensão

Relacionados ao SNC: Diminuem MDL: CBZ, PB


Rebaixamento do nível de consciência, e PHT
alterações comportamentais, amnésia
retrógrada
Sistema neurovegetativo: depressão
respiratória, hipotensão
Efeitos neurocognitivos Rash cutâneo Diminuem NTZ: CBZ, PB
e PHT

289
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Classe Fármaco Indicações e tipos de Doses preconizadas Doses preconizadas para


crises para adultos crianças

Hidantoinatos Fenitoína Crises parciais, ORAL: 100 mg, duas ORAL: Dose inicial 5 mg/
(PHT) crises tônico-clônicas vezes ao dia; doses de kg/dia (divididos em duas
generalizadas manutenção de 100 mg ou três doses) até 300 mg/
uma ou duas vezes ao dia. Doses de manutenção,
dia, até 200 mg, uma 4 a 8 mg/kg/dia, divididos
ou duas vezes ao dia. em 2 ou 3 doses.
SUSPENSÃO ORAL:
125 mg, uma ou duas INTRAVENOSA: 15 mg/
vezes ao dia. kg. Doses de manutenção:
ORAL, DOSE DE lactentes e crianças, 4 a
ATAQUE: 1 grama, em 7 mg/kg, divididos em 2
três doses (400 mg, 300 doses; neonatos pré-termo,
mg e 300 mg), a cada 2 mg/kg a cada 12 horas e
duas horas. Dose de recém-nascidos a termo, 4
manutenção 24 horas a 5 mg/kg a cada 12 horas.
após a dose de ataque. Iniciar dose de manutenção
DOSE ÚNICA 12 horas após a dose de
DIÁRIA: o regime ataque.
de 300 mg pode ser
considerado.
INTRAVENOSA:
10 a 15 mg/kg
administrados
lentamente. Não
exceder 50 mg/minuto.
Dose de manutenção
de 100 mg por via oral
ou endovenosa a cada
6 a 8 horas.
STATUS
EPILEPTICUS: Dose
de ataque de 15 a 20
mg/kg, não diluídos
ou diluídos em
solução fisiológica,
administrados por via
intravenosa, 1 a 3 mg/
kg/minuto.

290
Principais fármacos antiepilépticos

Efeitos adversos mais comuns Efeitos Medicamentos que Medicamentos comuns


idiossincrásicos afetam a concentração afetados pelo FAE
sérica do FAE
Efeitos neurocognitivos, sintomas Rash cutâneo, Aumentam PHT: PHT diminui:
vestíbulo-cerebelares síndrome de PB, TPM FAEs: CBZ, LTG, TPM
Relacionados a pele e tecido Stevens Johnson,
Outros fármacos: Outros fármacos:
conjuntivo: hipertrofia gengival, hepatotoxicidade,
cimetidina, dissulfiram, ciclosporina,
embrutecimento facial, hirsutismo discrasia sanguínea,
fluconazol, fluoxetina, anticoncepcionais
linfadenopatia
Relacionados ao sistema isoniazida, omeprazol e hormonais, quinidina,
esquelético: osteomalácia propoxifeno varfarina
Relacionados ao SNP: neuropatia Diminuem PHT: CBZ e
periférica PB
Teratogenicidade: síndrome da
fenitoína fetal

291
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Classe Fármaco Indicações e tipos de Doses preconizadas Doses preconizadas para


crises para adultos crianças

Outros FAEs Carbamazepina Crises parciais, Iniciar com 200 mg Crianças 6-12 anos: iniciar
(CBZ) crises tônico-clônicas duas vezes ao dia. com 100 mg duas vezes ao
generalizadas Manutenção: 800-1200 dia. Manutenção: até 1000
mg/dia, até 1600-2000 mg/dia.
mg/dia. Crianças < 6 anos: Iniciar
com 10-20 mg/kg/dia
em duas ou três doses.
Manutenção < 35 mg/kg/
dia.
Lamotrigina Crises tônico-clônicas Sem valproato: Sem valproato: Semanas
(LTG) generalizadas, Semanas 1-2: 25 1-2: 2 mg/kg/dia em duas
ausências, mioclonias, mg, uma vez ao dia. doses. Manutenção: 5-15
crises parciais Semanas 3-4: 50 mg, mg/kg/dia em duas doses.
(amplo espectro). duas vezes ao dia. Máximo: 15 mg/kg/dia.
Pode piorar ou Aumentos de100 mg Com valproato: Semanas
desencadear a cada 1-2 semanas. 1-2: 0,5 mg/kg/dia em uma
mioclonias. Dose de manutenção ou duas doses. Manutenção:
de 300-400 mg por 1-5 mg/kg/dia em uma ou
dia divididos em duas duas doses. Máximo: 5 mg/
doses. kg/dia.
Com valproato:
Semanas 1-2: 25 mg,
em dias alternados.
Semanas 3-4: 25 mg
uma vez ao dia;
Incrementos de 25-50
mg/dia a cada 1-2
semanas; Dose de
manutenção 100- 200
mg por dia em duas
doses.
Levetiracetam Crises parciais, crises Dose inicial: 500 mg Crianças com menos de 30
(LEV) tônico-clônicas duas vezes ao dia; kg: Dose inicial: 5-10 mg/
generalizadas, Incrementos de 500 kg/dia; Incrementos: 10
mioclonias, ausências, mg/semana; mg/kg a cada semana; Dose
espasmos (amplo máxima: 40-60 mg/kg/dia.
Dose de manutenção:
espectro) Crianças com mais de
até 3000 mg/dia em
duas tomadas diárias 30 kg: Dose inicial 250
mg duas vezes ao dia;
Incrementos: 500 mg a
cada duas semanas; Dose
máxima: 1500 a 3000 mg/
dia (máximo 60 mg/kg/
dia).
Oxcarbazepina Crises parciais, crises 600-2400 mg em duas Iniciar com 8-10 mg/kg e
(OXC) tônico-clônicas doses. manutenção entre 6-50 mg/
generalizadas kg em duas ou três doses
diárias

292
Principais fármacos antiepilépticos

Efeitos adversos mais comuns Efeitos Medicamentos que Medicamentos comuns


idiossincrásicos afetam a concentração afetados pelo FAE
sérica do FAE
Efeitos neurocognitivos, síndrome Rash cutâneo, Aumentam CBZ: CBZ diminui:
vestíbulo-cerebelar síndrome de Stevens fluoxetina, propoxifeno,
Relacionadas ao SNP: neuropatia Johnson, discrasia eritromicina, cimetina
FAEs: LTG, TPM, VPA
periférica sanguínea
Alterações metabólicas: retenção Diminuem CBZ
Outros fármacos:
hídrica e hiponatremia FAEs: PB e PHT anticoncepcionais
Teratogenicidade: defeitos tubo hormonais e teofilina
neural
Efeitos neurocognitivos, cefaléia, Rash cutâneo, Diminuem LTG: CBZ, LTG:
alterações do humor, náuseas, necrólise epidérmica PB, PHT e PRM,
vômitos tóxica, síndrome de anticoncepcionais
Diminui VPA em 25%
Stevens Johnson, hormonais
hepatotoxicidade
Teratogenicidade (rara): fendas
Aumenta o epóxido de
orolabiais Aumenta LTG: VPA
CBZ

Sonolência, astenia, tontura, Rash cutâneo, DRESS Diminuem LEV (20-30%): LEV não altera outros
cefaleia, infecção (ex. rinite e (Drug Reaction with CBZ, PHT, PB, LTG fármacos, inclusive
faringite), anorexia. Alterações Eosinophilia and anticoncepcionais
comportamentais, depressão e Systemic Symptoms) hormonais
Aumentam LEV: VPA
psicose em crianças > adultos
(cuidado à introdução em pacientes
com antecedentes psiquiátricos)

Efeitos vestíbulo-cerebelares, Rash cutâneo, Diminuem OXC: PHT, PB Indutor enzimático


neurocognitivos, hiponatremia síndrome de Stevens (doses elevadas) fraco; OXC diminui
Relacionados ao SNP: neuropatia Johnson anticoncepcionais
periférica hormonais
Alterações metabólicas: retenção
hídrica e hiponatremia

293
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias

Classe Fármaco Indicações e tipos de Doses preconizadas Doses preconizadas para


crises para adultos crianças

Topiramato Crises tônico-clônicas Semanas 1 e 2: 25 mg/ Idades 2-16 anos: 9 mg/


(TPM) generalizadas, dia kg/dia divididos em duas
ausências, espasmos, Incremento de 25 mg, doses. Iniciar com 1-3 mg/
mioclonias, crises divididos em duas kg/dia (não mais de 25
parciais (amplo doses, a cada 15 dias mg/dia). Incrementos de
espectro) até 200-600 mg/dia 1-2 mg/kg/dia a cada 1-2
semanas

Valproato Crises tônico-clônicas 10-15 mg/kg/dia. 10-15 mg/kg/dia.


(VPA) generalizadas, Incrementos de 5-10 Aumentos de 5-10 mg/kg/
ausências, espasmos, mg/kg/dia a intervalos dia a intervalos semanais.
mioclonias, crises semanais. Dose Dose máxima: 60 mg/kg/
parciais (amplo máxima: 60 mg/kg/dia. dia.
espectro)

Vigabatrina Espasmos. Crises 1000-3000 mg/dia em Crianças: 50-150 mg/kg/


(VGB) parciais. Crises dose única ou duas dia em duas doses. Semana
tônico-clônicas vezes ao dia. Semana 1: 1: 50 mg/kg/dia em uma ou
generalizadas 500 mg/dia e aumentos duas doses.
semanais 500mg/dia Lactentes (monoterapia
para espasmos epilépticos):
começar com 50 mg/kg/
dia e titular de acordo com
a resposta em 7 dias até
a dose máxima de 150-
200 mg/kg/dia em dose
única ou dividida; dose de
manutenção geralmente 150-
200 mg/kg/dia

294
Principais fármacos antiepilépticos

Efeitos adversos mais comuns Efeitos Medicamentos que Medicamentos comuns


idiossincrásicos
afetam a concentração afetados pelo FAE
sérica do FAE
Efeitos neurocognitivos, problemas Hipertermia maligna Diminuem TPM TPM:
de linguagem, alentecimento (heat stroke) FAEs: PHT, CBZ mais do Aumenta: PHT
psicomotor que VPA Diminui VPA
Pela inibição da anidrase carbônica:
Outros fármacos:
parestesias, cálculo renal, glaucoma,
hipertermia TPM diminui
anticoncepcionais
Teratogenicidade: fendas orolabiais,
hormonais em doses
malformações urogenitais
acima de 200 mg
Alterações metabólicas: perda de
peso
Relacionados ao sistema digestivo: Hepatoxicidade, Aumenta VPA: salicilato VPA aumenta o epóxido
náuseas, vômitos pancreatite, discrasia Diminuem VPA: PB, PHT, da CBZ, LTG, PB e
Efeitos neurocognitivos sanguínea CBZ, LTG zidovudina
Relacionados à pele: queda e
alterações de cabelos
Alterações metabólicas: ganho de
peso, irregularidade menstrual
Teratogenidade: relacionada a dose
(defeitos fechamento tubo neural,
malformações crânio-faciais e
outras)
Alterações hematológicas:
trombocitopenia
Relacionados ao SNC: sonolência, Constricção Não interage com outros VGB diminui PHT
vertigem, fadiga, psicose. concêntrica do fármacos (20%)
campo visual

Este é um resumo de algumas informações das fontes relacionadas abaixo e contém as principais informações para uso clínico
destes fármacos antiepilépticos.
Em decorrência das consideráveis variações quanto às indicações, doses, formas de administração e efeitos colaterais, as
informações aqui contidas não dispensam a leitura das bulas dos produtos.

1. Panayiotopoulos CP. Antiepileptic drugs, pharmacopeia. London, Springer-Verlag, 2011.


2. Patsalos PN, Bourgeois BFD. The epilepsy prescriber’s guide to antiepileptic drugs. 2nd edition. Cambridge, Cambridge
University Press, 2014.
3. Shorvon S. Handbook of epilepsy treatment. Oxford, Wiley-Blackwell, 3rd edition, 2010.

295
Tratamento
Medicamentoso
das Epilepsias

10095332 DEP-LIVRO TRATAMENTO EPILEPSIA MAR/14

Tratamento Medicamentoso das Epilepsias


Editoras
Elza Márcia Targas Yacubian
Guilca Contreras-Caicedo
Loreto Ríos-Pohl

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