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DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES
Organização
Organização
Eleonora Vaccarezza Santos
Patrícia da Silva
PSICOLOGIA E RELAÇÕES INTERÉTNICAS
(EM DEBATE)
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES
III Plenário do Conselho Regional de Psicologia 19ª região
Presidente
Alan Santana Santos - CRP 19/2076 (desligado em novembro 2017)
Vice-Presidente
Frederico Alves de Almeida - CRP 19/2849
Tesoureira
Lidiane dos Anjos Santos Andrade - CRP 19/1742
Secretária
Vanessa Ramalho Ferreira Strauch - CRP 19/2339
Conselheira/os Efetiva/os
Adriana de Moraes Teixeira - CRP19/2867
Bruna Santana Oliveira - CRP19/2870
Danilo Rocha Ribeiro - CRP19/1904
Jayane Pinheiro Andrade - CRP19/2010
Michelle da Conceição Silva - CRP19/1756
Conselheira/os Suplentes
André Faro Santos - CRP19/0773 (desligado em novembro 2017)
Baruc Correia Fontes - CRP19/2890
Claudson Rodrigues de Oliveira - CRP19/2764
Eleonora Vaccarezza Santos de Freitas - CRP19/2276
Maria Emília de Melo Boto - CRP19/1399(desligada em novembro 2017)
Paula Ferreira Marques - CRP19/1670 (desligada em novembro 2017)
Petruska Passos Menezes - CRP19/0636
Tais Fernandina Queiroz - CRP19/0741(desligada em novembro 2017)
Conselho Editorial
Dr. Alexandro Dantas Trindade – (UFPR/BRA)
Dr. Altair dos Santos Paim – (IFBA/BRA)
Dra. Dalila Xavier de França – (UFS/BRA)
Dra.Elizabeth Hordge-Freeman - (USF/EUA)
Msa. Ionara Magalhães – (UFRB/BRA)
Dra. Maria Batista Lima – (UFS/BRA)
Dr. Roberto dos Santos Lacerda – (UFS/BRA)
Coordenação Editorial
Patrícia da Silva
Revisão
Allyce Gomes Correia
Isabela Cristina Ramos Moraes
Naiane França
Projeto Gráfico
Carlos Fabiano de Oliveira Fernandes
Petruska Passos Menezes
INTRODUÇÃO...............................................................................................................
18
1. DISCRIMINAÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS NA ESCOLA............................................. 26
Dalila Xavier de França
ANEXOS 234
A
s sociedades mais modernas e formalmente democráticas vivem um
fenômeno estranho: o racismo sem racistas. Nos consideramos
igualitários, afirmamos não vermos cores, mas pessoas, e condenamos
com performática veemência qualquer forma de exclusão baseada na cor ou,
“Deus me livre”, “raça”. Com efeito, pesquisas com amostras nacionais indicam
que quase 90% dos brasileiros se considera não racista, ao mesmo tempo em
que igual percentagem acredita que existe racismo no Brasil (Turra & Venturi,
1995). Camino, Silva, Machado e Pereira (2001) encontram resultados muito
semelhantes em estudantes universitários.
Vivemos uma “ficção sincera” (Bonilla-Silva, 2010), assim como os norte-
americanos, acreditamos que o racismo é sempre um problema do outro,
distante de cada um de nós. Seja porque “nós brancos”, enquanto atores sociais
doutrinados nos valores do igualitarismo e da justiça da nossa formação
democrática, consideramos o racismo uma falha do outro “xenófobo”; seja ainda
porque “nós negros” achamos, em muitos casos, que as vítimas de racismo são
outros que “não sabem sair ou entrar” e nunca nós mesmos (Lima & Vala, 2004).
Todavia, o racismo é um problema de todos nós: perpetradores ativos,
perpetradores passivos, beneficiários conscientes ou inconscientes e vítimas
12
PREFÁCIO
13
Marcus Eugênio Oliveira Lima
ampla e atual nas bases de dados Scielo, PePSIC, Index Psi, LILACS e
PsycINFO, utilizando os termos “racismo ou preconceito racial” em português e
em inglês, publicados até agosto de 2014, encontram 77 artigos, tendo o mais
antigo sido publicado em 2001. Ou seja, nenhum artigo em periódico científico
publicado pela psicologia brasileira sobre racismo ou preconceito racial no
século XX no país com a maior população negra não africana do mundo.
É por tudo isso que iniciativas como estas, materializadas neste livro,
envolvendo o apoio direto do Conselho Regional de Psicologia, fortalecem o
movimento recente de entendimento e de combate ao racismo na e pela
psicologia brasileira.
O Seminário Psicologia e Relações Interétnicas (SEMPRI) tem produzido
efeitos políticos e epistemológicos fundamentais em relação ao fenômeno do
racismo no Brasil e, mais particularmente em Sergipe. Os efeitos políticos se
referem ao rompimento do silêncio cúmplice que durante muito tempo foi a
postura da psicologia e dos psicólogos nacionais sobre o racismo. Os efeitos
epistemológicos remetem à criação de um ambiente científico de troca de
informações, de estímulo à produção do conhecimento e de fomento ao encontro
de pessoas e visões para o entendimento e combate ao racismo.
O SEMPRI já se encontra na sua terceira edição. O primeiro seminário,
realizado entre 5 e 7 de novembro de 2015, teve como tema: “Preconceito,
racismo e estereótipos: O que a psicologia tem a ver com isso”. O segundo
seminário, realizado entre 10 e 12 de novembro de 2016, teve como tema: “A
psicologia e o papel social do(a) psicólogo(a) no enfrentamento do racismo e
promoção da igualdade étnico-racial”. Os textos que compõem esta coletânea
foram produzidos para o terceiro SEMPRI, realizado entre 9 e 11 de novembro
de 2017, sob o tema: “15 anos de 018/2002 – atuação da psicologia frente ao
preconceito e a discriminação racial: avanços e novas proposições”.
O SEMPRI tem se constituído como o principal espaço na psicologia
sergipana para debate sobre o racismo. Os temas dos três eventos já realizados
demonstram o compromisso dessa área de conhecimento com a pesquisa e a
ação contra essa forma de exclusão da alteridade. Neste último evento temos
duas ótimas novidades: a produção deste livro, integrando os trabalhos que têm
sido produzidos pelos grupos de pesquisa da região e de outros estados
interessados na temática do preconceito racial e a publicação dos ensaios do 1º
Prêmio de Psicologia e Relações Interétnicas.
Finalizamos parabenizando o Conselho Regional de Psicologia pela
iniciativa, os organizadores do SEMPRI pela ação e os autores dos textos da
presente coletânea pela atualidade e relevância das reflexões apresentadas.
REFERÊNCIAS
Billig, M. (1979). Psychology, racism & facism: A searchlight booklet.
Birmingham: A.F. & R. Publications.
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PREFÁCIO
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PARTE 1
ENSAIOS TEÓRICOS E EMPÍRICOS
INTRODUÇÃO
C
om o objetivo garantir o debate e consequente visibilidade dos
efeitos psicossociais e dos fatores de sofrimento psíquico
gerados pelo racismo, que no dia 11 de julho de 2015, durante a
22ª reunião do II Plenário do Conselho regional de Psicologia de
19ª região, foi apresentada a proposta para a criação do Grupo
de Trabalho Relações Interétnicas, e no mesmo mês, no dia 25
de julho de 2015, o grupo iniciou suas atividades, com a realização da primeira
reunião que teve por objetivo apresentar a proposta inicial aprovada pela
plenária e traçar metas e próximos passos para o alcance dos objetivos
propostos pelo referido coletivo.
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INTRODUÇÃO
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Eleonora Vaccarezza Santos
Patrícia da Silva
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INTRODUÇÃO
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Eleonora Vaccarezza Santos
Patrícia da Silva
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INTRODUÇÃO
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Eleonora Vaccarezza Santos
Patrícia da Silva
do trabalho escravo para o trabalho livre entre o período de 1850 e 1930. Para,
em seguida, discutirem os conceitos de ações afirmativas, norma de
responsabilidade social empresarial e normas sociais.
No capítulo sete, “Branquitude e interseccionalidade”, as autoras
discutem as ambiguidades e contradições envolvendo processos de
racialização e as consequências materiais e simbólicas para os grupos
envolvidos nos sistemas de subordinação. Nessa perspectiva, as autoras
propõem explanar sobre a identidade racial do branco, situar o lugar da
branquitude nas relações raciais e na atualização do racismo e, na dimensão
da interseccionalidade, os privilégios interseccionais de ser branco no Brasil.
“Estética negra, consumo e ascensão social”, é o oitavo capítulo deste
livro, as autoras partem de proposições levantadas por outras autoras, ao
afirmarem que os padrões estéticos atuais excluem a beleza negra. No
trabalho de pesquisa apresentado, por elas, utiliza-se a metodologia de estudo
de caso para compreender os significados atrelados ao cabelo crespo e
cacheado para mulheres negras pertencentes à classe C. As discussões foram
embasadas em referencial teórico da psicologia social e da sociologia que
tratam do racismo, ideologia do branqueamento e ascensão social.
O capítulo nove, “Trajetórias e estratégias de mobilidade social de
mulheres negras”, as autoras abordam, a trajetória de mobilidade social de
mulheres negras e os possíveis efeitos de fenômenos tais como o racismo, o
preconceito e discriminação racial para o emocional desta mulher. As autoras
apontam, que embora na literatura sobre relações raciais, o tópico da
mobilidade social seja considerado fundamental para determinar se há
preconceito ou discriminação racial, no Brasil esses estudos ainda não são
numerosos. Neste sentido, o trabalho se propõe a compreender a trajetória de
mobilidade social de mulheres negras e suas percepções em relação ao
preconceito e a discriminação racial no que diz respeito ao mercado de
trabalho.
Já o capítulo dez, “Resolução 018/2002 do CFP: desafios a sua
aplicação na atuação psicológica”, o autor propõe-se a expor e ampliar, a luz
da resolução 018/2002, as discussões levantadas nos trabalhos realizados
durante o II Seminário Psicologia e Relações Interétnicas (SEMPRI-2016).
De igual modo, os autores do capítulo onze, “Racismo, intolerância
religiosa e atuação psicológica” ampliam as discussões que foram iniciadas
durante o Grupo de Discussão: “A clínica psicológica e o enfrentamento a
intolerância religiosa” neste capítulo que trabalha a partir da tríade Psicologia,
Relações Raciais e Intolerância Religiosa, datada de períodos longínquos.
Para finalizar esta primeira parte, o capítulo doze, “Relações interétnicas
e políticas públicas na assistência social”, as autoras propõem de modo
semelhante, alargar as discussões travadas durante o Grupo de Discussão
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INTRODUÇÃO
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CAPÍTULO 1
N
o Brasil, a preocupação com as relações entre grupos virou
pauta de debates e de políticas públicas. Essa questão foi
transformada em leis de reformas educativas, como se pode
verificar nos novos Parâmetros Curriculares Nacionais para a
Educação, através da Lei n. 10.639, que incluiu dois artigos, os
quais tornam obrigatório o ensino de História da África e da
Cultura Afro-Brasileira em todo o currículo escolar (OLIVEIRA, 2008). A
promulgação dessas leis vem no âmbito da constatação de que, para a
superação do preconceito racial na escola, faz-se necessário um conhecimento
da história do negro brasileiro, assim como um mapeamento de experiências
ligadas às relações étnico-raciais na escola. O preconceito, entendido como
uma antipatia baseada numa generalização falha e inflexível que pode ser
sentida ou expressa, além de dirigida a um grupo em sua totalidade, ou a um
indivíduo por fazer parte do referido grupo (ALLPORT, 1954), configura-se num
fator que dificulta o acesso e a permanência da criança negra na escola.
Assim, a psicologia, em particular, a psicologia social, em seus pressupostos
teóricos relativos às relações entre grupos sociais, pode colaborar com a
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DISCRIMINAÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS NA ESCOLA
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Dalila Xavier de França
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DISCRIMINAÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS NA ESCOLA
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DISCRIMINAÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS NA ESCOLA
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DISCRIMINAÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS NA ESCOLA
MÉTODO
Participantes
Instrumentos e procedimentos
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DISCRIMINAÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS NA ESCOLA
RESULTADOS
7,9
7,8
7,8
7,7
7,6
7,5
7,4 7,3
7,3
7,2
7,1
7
Negro Branco
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Dalila Xavier de França
Critérios
Gramática e Criatividade Idade Série Tema Esforço
Condição Caligrafia Escolhido
Branco 17 12 5 13 2
(38,6%) (60%) (62,5%) (68,4%) (22,2%)
Negro 27 8 3 6 7
(61,4%) (40%) (37,5%) (31,6%) (77,8%)
Total 44 20 8 19 9
(100%) (100%) (100%) (100%) (100%)
DISCUSSÃO
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DISCRIMINAÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS NA ESCOLA
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Dalila Xavier de França
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DISCRIMINAÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS NA ESCOLA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Dalila Xavier de França
Como afirma Haber (1998), a avaliação do aluno pelo professor deve ser
tanto vertical (baseado nos seus conhecimentos) quanto horizontal (baseado
na sensibilidade e respeito a dignidade da pessoa) visando proteger sua
autoestima e moral, de modo que ele deve estar atento no momento de suas
avaliações para manter seu viés sob controle. Tendo em vista que a educação
que a criança recebe no estágio inicial é de grande importância e forma base
para seu desenvolvimento emocional, social e intelectual, preparar os
professores para o manejo das questões raciais no interior da escola pode ser
um modo de reduzir as desvantagens sofridas por crianças negras nesse
estágio.
Algumas medidas podem ser empreendidas visando a redução dos
preconceitos na escola. Em conformidade com os estudos de Rutland, Brown e
Cameron (2005), fornecer aos professores e alunos informações sobre as
características culturais dos distintos grupos e sobre as bases dos preconceitos
através do ato de contar histórias, que podem estar associadas a ênfase no
que há de comum nos grupos existentes em determinado contexto; ter atenção
a implementação da Lei n. 10.639 e ampliar o alcance de seus efeitos para
outros grupos vulneráveis; elaborar ações que atinjam toda a escola no sentido
de atuar junto todo corpo escolar, sobretudo, professores e alunos, na redução
do preconceito na escola, semelhante ao estudo desenvolvido por Souza
(2005).
Estudos futuros podem centrar-se na formação dos professores para o
aprimoramento ou aquisição de estratégias de redução do preconceito e à
discriminação no contexto escolar, à luz dos novos Parâmetros Curriculares
Nacionais para a Educação, através da Lei n. 10.639 e seu possível subsídio a
estratégias de redução do preconceito e discriminação.
REFERÊNCIAS
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DISCRIMINAÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS NA ESCOLA
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Dalila Xavier de França
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DISCRIMINAÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS NA ESCOLA
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Dalila Xavier de França
<https://www.kent.ac.uk/psychology/people/cameronl/extended-
contact/extended-report.pdf>.
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CAPÍTULO 2
“Eu tenho um sonho. O sonho de ver meus filhos julgados por sua
personalidade, não pela cor de sua pele”
Martir Luther King
T
rataremos, especificamente, da educação dos negros em Sergipe
onde faremos um apanhado histórico sobre a educação dos negros
em Sergipe, em especial a educação das crianças negras, tendo
como referencial a Sociedade Abolicionista Aracajuana, a Cabana de
Pai Thomaz.
45
A EDUCAÇÃO DOS NEGROS EM SERGIPE:
APONTAMENTOS HISTÓRICOS E ATUAIS DAS POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS
MASCULINO FEMININO
Brancos 822 Brancas 227
Pardos 771 Pardas 129
Pretos 30 Pretas 1
Alunos 1.623 Alunas 357
Escolas 38 Escolas 12
Fonte: NUNES (1984, p. 285).
1
A denominação “preto” designa escravos africanos e escravos alforriados.
2
A denominação “pardo” designa homens e mulheres livres que tivessem traços
de origem africana.
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Sônia Oliveira Santos
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A EDUCAÇÃO DOS NEGROS EM SERGIPE:
APONTAMENTOS HISTÓRICOS E ATUAIS DAS POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS
3
A Cabana de Pai Tomás (1850) é de autoria norte-americana de Harriet Elisa
Beth Beecher Stowq, que apresenta a estória do escravo civilizado encontrado na ficção
e a proposta de educação e instrução aos ingênuos.
4
A inauguração foi marcada pela entrega da carta de liberdade do escravo
Manoel pertencente ao tenente Coronel José Ignácio do Prado (Santos, 1997, p. 91).
48
Sônia Oliveira Santos
5
Sociedade Abolicionista Aracajuana Cabana do Pai Thomaz foi criada meses
depois da Lei do Ventre Livre, num período em que foram travadas discussões sobre os
cuidados com a criança negra.
49
A EDUCAÇÃO DOS NEGROS EM SERGIPE:
APONTAMENTOS HISTÓRICOS E ATUAIS DAS POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS
6
Etelvina Amália de Siqueira era sobrinha do Sr. Francisco José Alves. “Cultora
do verso e da prosa, oradora vibrante, educadora, conhecedora do idioma pátrio,
abolicionista convicta e como tal amante da liberdade e da república”. (FREIRE, 1988,
p. 29.).
7
Maria dos Prazeres Siqueira Alves. Filha do Sr. Francisco José Alves. Ingressou
no curso normal no ano de 1882 e atuou em Aracaju como professora primária, oradora,
jornalista e abolicionista.
50
Sônia Oliveira Santos
8
O objetivo básico voltou-se para a elaboração coletiva de uma proposta curricular
com vistas à orientação e subsídio das ações escolares, enfatizando as atividades de
apropriação e superação críticas do saber historicamente acumulado nos diversos
campos da ciência.
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A EDUCAÇÃO DOS NEGROS EM SERGIPE:
APONTAMENTOS HISTÓRICOS E ATUAIS DAS POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS
9
Os grupos de trabalhos foram organizados em torno de áreas e conteúdos
considerados essenciais e democráticos, com representação de docentes e
especialistas das escolas e da Secretaria de Educação. Formaram-se três GT’s que
reuniram cerca de 100 docentes em torno das seguintes áreas do processo de
ensino/aprendizagem e conteúdos essenciais da educação básica: Educação Infantil
(incluindo a preocupação com creches e pré-escolas); Alfabetização (de crianças,
jovens e adultos); Língua Portuguesa; Educação Artística; Ciências; História; Geografia;
Educação Física; Ensino Religioso; Língua Estrangeira; Matemática; Contabilidade; e
disciplinas Pedagógicas.
52
Sônia Oliveira Santos
10
No momento, iremos apenas nos deter ao programa Horas de Estudos, por se
tratar do programa de formação continuada de professores pertinente à pesquisa.
11
Informação disponível em www.aracaju.se.gov.br. Acessado em maio de
2013.
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A EDUCAÇÃO DOS NEGROS EM SERGIPE:
APONTAMENTOS HISTÓRICOS E ATUAIS DAS POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS
CONSIDERAÇÕES
... Negro não sabe o que é dor;
Negro não tem alma não;
Assim dizia o feitor com seu chicote na mão...
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Sônia Oliveira Santos
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, U. F. O déficit cognitivo e a realidade brasileira. In Aquino Julio Groppa
(org). Diferenças e preconceitos na escola: alternativas teóricas e práticas.
5. Ed Summus: São Paulo, 1998
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A EDUCAÇÃO DOS NEGROS EM SERGIPE:
APONTAMENTOS HISTÓRICOS E ATUAIS DAS POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS
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Sônia Oliveira Santos
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CAPÍTULO 3
A
era da modernidade é fortemente associada ao desenvolvimento,
capitalista, industrial e científico. Entre os fatos históricos que
marcaram esse período estão a escravização de seres humanos,
principalmente do continente africano para as Américas, e a
colonização europeia na África, Ásia e América Latina.
Significativamente, as categorias raciais surgiram durante essa
época, convenientemente com o projeto de dominação que perpassava pela
estratificação social como um dos pilares para a dominação e exploração.
Além da dominação e exploração física, o processo de escravização e
colonização se deram também no campo do pensamento, das ideias,
principalmente na produção de estereótipos e concepções que legitimavam e
justificavam a supremacia europeia e sua dominação e exploração sobre os
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Roberto dos Santos Lacerda
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DESCOLONIZAÇÃO DO PENSAMENTO E COMBATE AO RACISMO: CONTRIBUIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
AFROCENTRADAS
1
A categoria raça é compreendida aqui, não como categoria biológica, mas
enquanto constructo social determinante de desigualdades sociais e do processo
saúde-adoecimento-morte.
60
Roberto dos Santos Lacerda
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DESCOLONIZAÇÃO DO PENSAMENTO E COMBATE AO RACISMO: CONTRIBUIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
AFROCENTRADAS
Essa rica e pouco conhecida produção tem sido historicamente anulada pelo
racismo epistêmico que universaliza e legitima as concepções eurocêntricas de
análise dos fenômenos sociais.
Nesse sentido, a compreensão dos valores africanos de referência e
identidade, que se configuram como importantes pressupostos na afirmação da
cultura afro-brasileira. Para articular e recuperar esses valores utilizados na
construção do habitus2 afro-brasileiro, faz-se necessário uma orientação
afrocentrada na pesquisa e no pensamento (ASANTE, 1980).
A filosofia africana apresenta um caráter espacial ao conceber que “um
pensamento não pode existir sem saber de que lugar se origina, qual caminho
de origem e qual destino seguir. É necessário saber de onde pisa para dialogar
com outras construções de caminhos (SANTOS, 2010, p.7).
A ancestralidade permeia a filosofia africana, que tem como preocupação
fundamental o indivíduo, a natureza e também a comunidade. Wiredu (1980)
chama a filosofia africana tradicional de “pensamento de comunidade” e diz que “ele
não é criação especifica de um filósofo” (WIREDU, 1980, p.46-47). Para este autor
o pensamento é propriedade comum e pertence a toda a humanidade.
Cunha (2010, p. 82) considera o pensamento filosófico africano como:
formas filosóficas de refletir e ensinar e aprender sobre as relações dos
seres da natureza, do cosmo e da existência humana, são filosofias
pragmáticas da solução dos problemas da vida na terra,
profundamente ligados ao existir e compor o equilíbrio de forças da
continuidade saudável destas existências, sempre na dinâmica dos
conflitos e das possibilidades de serem postas em equilíbrio. A
contradição e a negociação. Os problemas da existência física e
espiritual fundamentam-se nos da existência de uma totalidade que
governa as gerações e que permite a continuidade dinâmica da vida
pela interferência humana. São formas de pensar, tomadas dos mitos,
dos provérbios, dos compromissos sociais que formam uma ética
social, refletem, inscrevem [...], registrado na oralidade os
condicionantes da existência humana, da formação social, das
relações de poder e justiça, da continuidade da vida. A natureza como
respeito profundo a vida.
2
Categoria proposta por Bourdieu (2003) que explica que as percepções e os
sentidos atribuídos às manifestações fenomênicas da saúde dependem da posição que
os sujeitos ocupam nos diversos campos do espaço social e de suas relações, muitas
vezes de lutas e conflitos, mas também cooperativas e comunicativas (VIEIRA, 1999).
O habitus sintetiza a incorporação de elementos relativos a história coletiva e a trajetória
individual no inconsciente dos indivíduos, atuando como matriz de percepção e
classificação das práticas, como um operador prático que ajusta condições objetivas e
esperanças subjetivas (BREILH, 2006).
62
Roberto dos Santos Lacerda
presente, pois no círculo todos são incluídos e interagem entre si, considerando
a cumplicidade de indivíduo e natureza, pois “é o corpo da natureza que dará
corpo à vida [...]. Ela existe como condição da existência” (OLIVEIRA, 2007, p.
220-221). São os princípios da ancestralidade, da diversidade, da integração e
da tradição agindo e dimensionando tal filosofia (MACHADO, 2014).
Refletir a experiência humana na perspectiva africana requer a busca das
bases dessa filosofia. Uma categoria importante no pensamento africano é
ubuntu.
Portanto, ubu-ntu é uma categoria ontológica e epistemológica no
pensamento africano do povo de língua banta. É a indivisível unicidade
e inteireza da epistemologia e ontologia. Ubu é geralmente entendido
como a existência e pode ser dito como uma ontologia distinta.
Enquanto ntu é um ponto no qual a existência assume uma forma
concreta ou um modo de ser no processo contínuo de desdobramento
que pode ser epistemologicamente distinto. (RAMOSE, 1999)
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DESCOLONIZAÇÃO DO PENSAMENTO E COMBATE AO RACISMO: CONTRIBUIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
AFROCENTRADAS
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AFROCENTRADAS
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DESCOLONIZAÇÃO DO PENSAMENTO E COMBATE AO RACISMO: CONTRIBUIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
AFROCENTRADAS
REFERÊNCIAS
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Roberto dos Santos Lacerda
______. Razões práticas: sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus, 1996.
CUNHA, J.R, H. NTU. Revista Espaço Acadêmico, n.108, maio, p.81-92, 2010.
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DESCOLONIZAÇÃO DO PENSAMENTO E COMBATE AO RACISMO: CONTRIBUIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
AFROCENTRADAS
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Roberto dos Santos Lacerda
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CAPÍTULO 4
Luciana Galante
T
oda sociedade humana tenta, de alguma forma, organizar e
classificar o mundo em que vive objetivando o estabelecimento da
ordem. Como a exigência da ordem está na base do pensamento
humano, sendo uma necessidade comum, a taxonomia que é a
organização por excelência responde, segundo Lévi-Strauss, a
necessidades intelectuais e cognitivas antes de satisfazer necessidades
utilitárias, assim “as espécies animais e vegetais não são conhecidas na medida
em que são úteis, elas são classificadas úteis ou interessantes porque são
primeiramente conhecidas” (LEVI-STRAUSS,1970, p.29).
Cabe aqui ressaltar que as taxonomias indígenas muitas vezes são
congruentes com a proposta por Lineu 1 mesmo porque este se refere aos
1 Carl von Linné (1707-1778) ou Lineu como é conhecido, foi um médico e naturalista
sueco, responsável por elaborar o sistema de classificação binomial. Considerado o pai da
72
Luciana Galante
Guarani como “primus verus systematicus” dando a esse povo o crédito pela
sua contribuição intelectual (GIANINNI, 1991). É possível ainda que ele tenha
comprovado a existência de taxonomias nativas para posteriormente
desenvolver o seu famoso sistema binomial pelo qual é reconhecido
mundialmente. Lineu possui uma declaração nada modesta e tipicamente
racionalista quando se refere à ciência taxonômica: “Se Deus criou a natureza,
fui eu quem colocou-a em ordem” (PÁLLSON, 2001).
Por outro lado, são inúmeros os sistemas de classificação e ordenação
elaborados por sociedades tradicionais2 que, baseando-se em sua cosmovisão,
diferem do sistema ocidental vigente no meio científico. Como esses sistemas
não se enquadram em categorias e subdivisões precisamente definidas como as
que a biologia tenta utilizar, eles vêm a ser um conjunto imbricado de plantas,
animais, caçadas, horticultura, espíritos, mitos, ritos, cantos, danças, etc.
(POSEY, 1987).
Um saber sistematicamente desenvolvido não pode estar apenas em
função de sua utilidade prática. A curiosidade é uma das molas propulsoras do
conhecimento, uma pré-condição à sua construção assim como para a
classificação em qualquer ciência. Mesmo em sociedades inseridas em
contextos adversos, como é o caso dos Guarani de Tekoá Pyaú, a curiosidade
é captada na sua essência. Assim como para a ciência moderna, os saberes
indígenas também implicam na introdução de um princípio de ordem no Universo
e qualquer que seja o sistema de classificação e ordenação, este é superior ao
caos e à desordem que nenhuma sociedade humana pode suportar
(LÉVISTRAUSS, 1970, p.29), portanto cabe-nos compreender os instrumentos
que as sociedades indígenas se munem para ordenar e perceber o universo em
que se inserem.
A comunidade
Inserida numa área diminuta de 2,5 hectares, a comunidade Guarani
Mbya de Tekoa Pyau (Aldeia Nova) conta atualmente com cerca de 98 famílias
e 380 moradores. Localizada entre uma rua e uma rodovia, no entorno do Parque
taxonomia moderna, publicou em 1758, sua obra Systema Naturae, um marco importante na
ciência. Nela, propõe o sistema de classificação e abrange 4.400 espécies de animais e 7.700
de plantas
73
ENTRE PLANTAS E ENTIDADES:
O CONHECIMENTO ETNOBOTÂNICO DOS GUARANI-MBYA DE TEKOA PYAU
3 José Fernandes também é conhecido pelo apelido de Kamba Puku (negro) e por seu
outro nome Guyra Pepo (asa de pássaro).
74
Luciana Galante
4
Este termo é utilizado por Leon Cadogan em seu livro Ayvy Rapyta.
75
ENTRE PLANTAS E ENTIDADES:
O CONHECIMENTO ETNOBOTÂNICO DOS GUARANI-MBYA DE TEKOA PYAU
(2003, p.147) afirma que essa prática é sigilosa e que raramente as pessoas se
declaram socialmente. Cadogan cita a ka’avo tory, a erva da alegria, que espanta
a tristeza quando guardada. Esta planta teria surgido no mesmo momento do
nascimento do filho de Tupa Ru Ete e a pessoa deve levá-la “para que sua
conduta agrade a todos e para que seus semelhantes sejam felizes em sua
companhia” (CADOGAN, 1959, pp.139-140).
Como todas as plantas têm alma, essas também podem interferir na
produção do remédio e na cura do paciente. Dessa forma, existe uma série de
normas a serem obedecidas desde o momento em que se colhe a planta até o
preparo do remédio. E quando se vai coletar uma planta para preparar um
remédio, é importante que ela seja colhida na lua nova (jaxy pyau). Pedir licença
ao ja5, ou seja, o dono do recurso, também é uma condição para que se possa
utilizar a planta, não só no que se refere ao preparo de remédios, como também
para outros fins. Segundo os Guarani “todos os seres têm espírito, e tem o dono,
o ja: o jejyja é o dono do palmito, itaja1 é o dono da pedra, yyjá é o dono da água,
e assim por diante. Além disso, o batismo da planta torna-se importante para que
o dono (ja) autorize seu uso.
Várias plantas tiveram sua fauna associada descrita. A presença de larvas
(yxo) nos caules do jarakatia, pindó e takuá e os relatos detalhados de sua
ecologia são indicativos de que esses animais também faziam parte da culinária
Guarani.
Pássaro importante na cosmologia Guarani, o beija-flor (maino), é
considerado um mensageiro e seu vôo pode ser um prelúdio do que está por
acontecer. A predileção do beija-flor (maino) por uma planta denominada maino
kaguyjy, traduzida como “a chicha do beija-flor”, também indica uma observação
atenta não só para o animal ou a planta em si, mas do estabelecimento de
analogias entre animais-plantas-humanos, muito comum nas sociedades
ameríndias.
A ideia de que as plantas, os remédios, os animais entre outros recursos
foram deixados por Nhanderu para os Guarani utilizarem, é muito difundida
(LADEIRA, 2008; CADOGAN, 1959). Segundo relatos, Nhanderu deixou as
plantas próximas ao Guarani para serem utilizadas. Porém, como enfrentam
dificuldades em acessar os recursos devido à sua dispersão, explicam que Anhã
as colocou separadas umas das outras e em locais distantes.
5
A enorme difusão no continente americano da noção de espíritos “donos” dos animais,
plantas e outros não-humanos é bem conhecida. Esses espíritos, segundo Viveiros de Castro
(2002) são dotados de uma intencionalidade semelhante à humana, funcionando como
hipóstases das espécies a que estão associados, criando um campo intersubjetivo entre
humanos e não humanos.
76
Luciana Galante
A COSMOLOGIA E AS PLANTAS
Constantemente citadas, as palmeiras ocupam lugar de destaque na
cosmologia Guarani. O Pindó (Jerivá) é considerado a palmeira eterna, muitas
vezes denominada Pindovy6, a palmeira sagrada que formou os sustentáculos
da terra. Também acreditam que é no centro da terra (yvy mbyte), lugar onde
viveu originariamente a “nossa avó”, mãe de Kuaray e Jaxy, que se ergue a
palmeira milagrosa (CADOGAN, 1959, p.72). As palmeiras também podem
representar a nervura do nosso corpo (Godoy,2003), nos dando um exemplo que
parece próximo ao conceito de analogismo. (CADOGAN,1968 APUD GODOY,
2003) relata que para os Guarani, foram cinco as palmeiras eternas que
asseguraram a morada terrena, uma fixada no centro da terra e as outras
representando os quatro pontos cardeais: karaí – leste; tupã (trovão) – oeste;
yvyty porã (ventos bons) – norte e ara yma rapyta (tempo originário) - sul . Godoy
(ibidem) também atenta para a expressão pindó rupy gua, que traduzida
literalmente como “seguir o pindó”, mostra o quanto esse vegetal espelha a
sabedoria e a conduta Guarani.
A fruta do pindó, conhecida como guapytã surge diversas vezes nos mitos
como um dos alimentos preferido de Jaxy (Lua)7. Indicada pelos moradores de
Tekoá Pyau como a planta que “ajudou muito os Guarani antigo a sobreviver”, o
pindó é conhecido por todos e seu fruto, guapytã, consumido e muito apreciado.
As crianças ficam eufóricas quando encontram o fruto e costumam colhê-los para
consumo direto ou levá-los para casa para preparar um suco. O preparo do suco
do guapytã, consiste em escolher os melhores frutos, lavá-los, socá-los no pilão
e misturar um pouco de água. Muito saboroso e nutritivo, é preciso conhecer
bem a ecologia do Pindó para consumi-lo pois, segundo os moradores, “não é
qualquer fruto que é gostoso, tem que ser os que estão mais próximos à mata
fechada pois eles são mais doces, se está longe da mata o fruto fica aguado”.
7
Esse mito segundo Ladeira (2008), amplamente difundido como o mito dos “gêmeos”
que descreve as aventuras e os feitos na terra pelos dois irmãos, foi apresentado em várias
versões reduzidas por Nimuendajú, Bartolomé, Cadogan e pela própria autora. Também coletei
alguns fragmentos deste mito.
77
ENTRE PLANTAS E ENTIDADES:
O CONHECIMENTO ETNOBOTÂNICO DOS GUARANI-MBYA DE TEKOA PYAU
8
Atento para o fato de o sufixo ju estar relacionado a mitologia, indicando a origem
cósmica da planta, uma vez que ju indica amarelo, ou seja, a cor resplandecente do sol,
traduzindo o conceito de eterno, indestrutível, milagroso, semelhante ao Pindovy (CADOGAN,
1959, p.33).
9
Metempsicose é a crença na transmigração da alma de um corpo para outro. Os Guarani
acreditam que após a morte o corpo também pode transmutar, atribuindo ao fenômeno o termo
jepota..
78
Luciana Galante
atribuídos ao jejyja10. Talvez uma forma de aliviar a “dívida” seja realizar o plantio
de mudas, prática comum realizada próximo às residências. Os “berçários de
jejy”, como são conhecidos, são importantes para que o recurso não acabe.
As plantas da família Bignoniaceae, pertencentes ao gênero Tabebuia são
amplamente citadas e classificadas como Tajy. Cadogan (1965: 53) relata a
presença do tadjy no mito da criação numa passagem em que a planta marca “o
surgimento dos ventos novos e do espaço novo”, caracterizando a chegada da
primavera. Numa outra passagem mítica, o tajy é considerado a árvore que
possui a “alma mais feroz” e mesmo quando sua madeira é cortada em pedaços,
sua alma não desaparece. Os moradores afirmam que “a alma do tadjy é brabo”
e, dessa forma, sua madeira não é utilizada na construção das casas, pois
certamente sua alma ameaçaria os moradores.
Quando uma árvore de alma indócil fere alguém, os que possuem a “boa
ciência” são os únicos que conseguem extrair o mal, que costuma materializar-
se através de pedras, vermes, gravetos ou folhas que são extraídas do paciente.
A cura pode se realizar somente após o contato do xamã com as entidades, pois
estas o informam sobre o mal que afeta o paciente. Essas plantas de “alma
brava” também podem ser castigadas por entidades como Tupã e Jakaira que,
furiosos, lançam-lhes raios. Os seres invisíveis 11 , que também podem ser
responsáveis pelas enfermidades, sofrem a mesma punição
(Cadogan,1959:102).
Uma das plantas que merece atenção é o pety (tabaco). Utilizado
diariamente através do petynguá, cachimbo feito com nó de cedro, além de fazer
parte do cotidiano, tem seu lugar certo nos momentos ritualísticos. Ao produzir a
tatachina (fumaça), o pety purifica o corpo, deixando-o livre das imperfeições. Na
filosofia Mbyá, Pa’i rete Kuaray (Sol) deixou alguns preceitos a serem seguidos
para que os Guarani não levassem uma existência dolorosa nessa “terra
imperfeita”. Um desses preceitos é o ato de “desinfetar a primeira peça de caça
com a fumaça do tabaco”, pois se assim não fizerem, ao consumi-la, podem
adquirir mal-estar, enfermidades e imperfeições.
Criado por Jakairá, o pety foi dado aos Mbyá para que pudessem se
defender de males como as enfermidades e os seres malévolos. No relato mítico
colhido por Cadogan (1959:61-68) que narra a substituição de Yvy Tenonde, a
primeira terra (destruída pelo dilúvio), por Yvy Pyau (a nova terra), cuja existência
10
Também verifiquei a influência desta entidade através do relato de algumas mulheres.
Quando estas se queixavam sobre o fato de que muitos homens “vão cortar palmito e arrumam
outra mulher”, resposabilizavam o “jejyja” pela atitude masculina.
11 Cadogan os denomina “duendes malévolos”.
79
ENTRE PLANTAS E ENTIDADES:
O CONHECIMENTO ETNOBOTÂNICO DOS GUARANI-MBYA DE TEKOA PYAU
efêmera já está predestinada (como o lugar por onde os homens passarão por
provações), o tabaco assume um papel fundamental que é o de reproduzir a
tatachina ambojaity (neblina vivificante), soprada por Jakaira sobre todos os
seres verdadeiros que circularam pelo caminho da imperfeição. O nome religioso
da fumaça do tabaco, empregado em rituais é tatachina reko achy, a neblina
mortal, imperfeita, possivelmente uma alusão à substituição à tatachina
ambojaity, a neblina vivificante:
Mi tierra ya contiene presagios de infortunio para nuestros
hijos hasta la postrer generación: ello no obstante,
esparciré sobre ella mi neblina vivificante; las llamas
sagradas, la neblina ha de esparcir sobre todos los seres
verdaderos que circularán por los caminos de la
imperfeición. Yo crearé el tabaco y la pipa para que
nuestros hijos puedan defenderse. Yo iluminaré
mansamente com mis relámpagos sin trueno la totalidad de
los valles situados entre las selvas” (CADOGAN, 1965,
p.69).
80
Luciana Galante
81
ENTRE PLANTAS E ENTIDADES:
O CONHECIMENTO ETNOBOTÂNICO DOS GUARANI-MBYA DE TEKOA PYAU
vermelha no peito, apresenta esta cor “pois foi laçado pelo guembepi fresco cuja
coloração também é vermelha”.
Também nas raízes do guembé vive uma cigarra denominada guapo’y ou
guembe paje, que junto com a mamangava e o colibri, adquire o status de um
amuleto importante na aquisição de valor ou “entendimento”. Um dos meus
colaboradores informou que “é só ir lá ver pra saber que é verdade mesmo”, o
que leva a crer que essa prática ainda deve ser realizada.
Várias frutas são citadas no mito dos “gêmeos”, pois enquanto caminham
após os jaguares terem devorado sua mãe, Jaxy, o irmão mais novo de Kuaray,
fica o tempo todo perguntando o nome das frutas que encontra pelo caminho.
Como é muito inocente ou “bobo” como falam os Guarani, seu irmão mais velho
tem que explicar tudo, inclusive como ele deve proceder para consumi – las além
de “ficar o tempo todo consertando as besteiras que ele faz”.
O guavirá (gabiroba) é citado com frequência no mito, onde Kuaray
adverte Jaxy que a fruta lhe dará vermes se ele não desinfetá-las antes de
comer. Chama a atenção o fato de os Guarani classificarem essa planta em
quatro etnoespécies: guavira, guavirá regua, guavira’i e guavira pyta, mostrando
que há uma relação intrínseca entre o conhecimento de certas espécies vegetais
à predileção que as divindades possuem sobre estas. Uma das formas de
identificar o guavira na ausência de frutos é a aparência de seu tronco, pois “a
casca fica descascando”. Também utilizada na medicina Guarani, as folhas são
empregadas no preparo de um chá antidiarreico.
O aguaí que também tem seu lugar no mito, foi descrito por um morador
como uma planta cujos frutos são agradáveis ao paladar, mas que carece de
cuidados para serem consumidos. A planta aparece como matéria-prima onde
suas sementes aliadas ao mingau de milho, foram utilizadas por Kuaray na
reconstrução de sua mãe e também na construção de seu irmão Jaxy. Há uma
passagem em que os irmãos caminham pelas margens opostas de um rio, Jaxy
aponta para o aguaí e pergunta a seu irmão que fruta é Kuaray pede que ele a
descreva e, sem vê-la, pois, conforme relatos “ele fala o nome das plantas sem
olhar para elas”, consegue identificá-la. Em seguida, alerta Jaxy para que acenda
o fogo e asse o fruto, pois não pode comê-lo cru. Também pede a Jaxy que
pegue as sementes e coloque-as no fogo apertando-as com seu arco, o que
parece ser uma brincadeira típica de irmãos, já que as sementes estalam muito
e Jaxy, assustado com o barulho, acaba dando um salto e cai na mesma margem
em que se encontrava o irmão.
Apesar de não se ter informações sobre o uso do timbó pelos Guarani na
atualidade, a origem da planta foi relatada por um dos moradores como filho de
uma importante entidade. Antigamente, quando os Guarani não conseguiam
pescar, Nhanderu orientouos que bastaria banhar as crianças no rio para os
82
Luciana Galante
peixes boiarem, facilitando assim a pesca. Anhã, entidade que inveja os Guarani,
ao ver uma mulher banhando o filho no rio, pegou o menino e o bateu na pedra,
transformando-o em timbó.
Há uma outra versão deste mito em que a criança é identificada como filha
de Pa’i (Kuaray). Vendo Kuaray pescar facilmente quando lavava os pés da
criança no rio, Charia ou Anhã pediu o menino emprestado para que também
pudesse pescar e o golpeou várias vezes como se faz com o timbó, matando-o.
Kuaray, enfurecido, lutou com Anhã e ambos caíram. Como Anhã não podia
vencê-lo, acabou derrotado e Kuaray levantou-se. O resultado dessa luta seria
representado pelos eclipses solares (Kuaray oñeama). Metaforicamente filho de
uma divindade, o timbó assume posição relevante no imaginário. Seu caráter
humano, sugere que se estabeleça uma relação diferenciada com a planta onde
todo cuidado é necessário ao manuseá-la (CADOGAN, 1959, pp. 81-82).
Emblematicamente feminina, a takua é utilizada na produção de
artesanato e de um importante artefato religioso denominado takuapu, bastão
que marca o ritmo durante as cerimônias. Assim como o cedro representa a
masculinidade através da “vara insígnia”, a takua, representada através do
takuapu, é uma planta femina por excelência. Muitos nomes femininos são
compostos por Takua e o bastão é utilizado nos rituais exclusivamente pelas
mulheres onde estas marcam o ritmo batendo-o no chão.
O Avati (milho), além de ser um alimento básico na cultura Guarani
também possui atributos divinos. Afinal, afirmam que, Kuaray criou Jaxy a partir
de um grão de milho. A colheita do milho costuma coincidir com a chegada de
ara pyau e a realização do nheemongaraí com o consequente benzimento da
planta. Se há fartura dos frutos, este é um momento de reunir as pessoas e fazer,
oferecer e consumir uma série de alimentos tradicionais: o mbojape (pão de
milho socado), mbyta (pão de milho ralado), mbaipy (polenta) e kaguyjy (bebida
fermentada de milho).
Lamentavelmente, Tekoa Pyau não conta com área suficiente para
produção de grandes roças e as famílias quando cultivam, limitam-se num
espaço muito reduzido produzindo uma quantidade ínfima de alimento, o que
seria insuficiente para disponibilizar nos rituais. Nesse caso, a única solução é
adquirir os produtos, entre eles o milho, externamente, o que leva a comunidade
depender da produção dos jurua para comprá-los. Inclusive o kaguyjy, bebida
tradicionalmente fermentada a partir do milho, costuma ser feito com fubá pois
nem sempre há milho disponível para sua produção.
Largamente consumida no cotidiano o ka’a (mate) tem presença certa
durante os rituais e é de extrema importância na cultura Guarani. A planta
adquire seu caráter sagrado por estar diretamente associada às divindades e
sua origem cósmica sugere que “foi criada por Nhanderu para que os Guarani
83
ENTRE PLANTAS E ENTIDADES:
O CONHECIMENTO ETNOBOTÂNICO DOS GUARANI-MBYA DE TEKOA PYAU
pudessem tomar”. Segundo relatos, Nhanderu morava com sua esposa, mas
não havia crianças na casa. Para alegrar a casa, criou om pedaços de cedro,
Para-miri, uma menininha. Esta ficava passeando pela casa e, a cada vez que
esta urinava, nascia uma erva-mate no lugar.
A erva, também é batizada e entre os meses de agosto e setembro, ocorre
o “Ka’a nheemongaraí” ritual que marca a chegada de ara pyau (tempo novo).
As folhas são amarradas ao redor da opy para secarem e posteriormente
colocadas sobre o fogo para completar a secagem. Segundo informações, este
é um momento importante, pois “o mate fala com o Xeramoi”. É através do
crepitar12 que o mate envia mensagens ao Xeramoi que as interpreta e faz as
previsões para ara pyau (o tempo novo).
A profecia nada favorável do ka’a, bem como sua associação à escassez
de recursos naturais, soa como um alerta. As queixas em relação à falta de
recursos naturais são recorrentes bem como sua associação com a
impossibilidade de “se viver plenamente como Guarani”. Também são
constantes as manifestações de descontentamento com o modo de vida dos
juruá e aproveitam esses momentos para mostrar aos jurua seus equívocos e a
urgência em apresentar novas propostas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os Guarani costumam dizer que o conhecimento ou o “entendimento” não
é algo que se aprende nos bancos escolares ou através da educação oficial. As
experiências pessoais e a liberdade para vivenciá-las são uma condição que
permeia o seu modo de ser plenamente Guarani. Assim, toda a relação com o
ambiente que o cerca é pautada pela vivência. Apesar de existirem preceitos a
serem seguidos e uma conduta ética muito bem estipulada, é através da
vivência, com as crianças imitando os adultos e através da experimentação que
o indivíduo se constrói e passa a ter domínio sobre si próprio.
Seu universo cosmológico bem como a educação e saúde estão
completamente imbricados, caminham juntos, não havendo fragmentação entre
essas instâncias da vida. A relação com o ambiente natural, especificamente
com a Mata Atlântica, é marcada pela reverência. Afinal, é lá que estão os seres
que regem influências e poderes sobre a comunidade, interferindo diretamente
em suas vidas.
Dessa forma, é preciso saber ler os códigos, identificar os sinais e
interpretá-los. Para isso, é necessário estar atento, aberto e sensível a um
12
Uma entidade denominada Tataendy reapy ja, ou seja, o dono do ruído do crepitar das chamas
cuja manifestação está associada à primavera, indica que o crepitar é uma forma de a entidade
estabelecer comunicação com os xamãs.
84
Luciana Galante
universo que tem suas próprias regras e que para nós, juruá (brancos), encontra-
se cada vez mais distante. Esta parece ser a principal proposta desse povo:
exercitar os sentidos, reverenciar e respeitar os demais seres vivos, sejam eles
humanos ou não-humanos e, assim, estabelecer novas possibilidades de
coexistência, garantindo sua manutenção física e cultural e também a
biodiversidade.
REFERÊNCAS
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1965.
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SCHADEN, Egon. Aspectos fundamentais da cultura Guarani. São Paulo:
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85
ENTRE PLANTAS E ENTIDADES:
O CONHECIMENTO ETNOBOTÂNICO DOS GUARANI-MBYA DE TEKOA PYAU
86
Patrícia da Silva
Camila Lima de Araújo
Luiza Lins Araújo Costa
José Andrade Santos
Patrícia da Silva
Camila Lima de Araújo
Luiza Lins Araújo Costa
José Andrade Santos
E
m 2004, num ato simbólico, 70 estudantes negros se
acorrentaram frente a Universidade de São Paulo, reivindicando
a adoção de uma política de cotas e outras medidas que
ampliassem o acesso ao ensino superior. Este ato remete ao
período escravocrata no qual as correntes faziam parte do
cotidiano dos bisavôs desses estudantes, que hoje anseiam
ocupar um espaço que antes lhes era estranho (MOEHLECKE, 2004).
Com a reivindicação de cotas raciais nas universidades há o
reconhecimento explícito da discriminação, evidenciando uma emergência na
adoção de medidas que reduzam as desigualdades provenientes de posturas
discriminatórias institucionalizadas. Contudo, quando se pensa em medidas de
ações afirmativas e, precisamente, cotas raciais, automaticamente nos
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ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA:
ATITUDES DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO ACERCA DAS POLÍTICAS DE COTAS PARA NEGROS NAS
UNIVERSIDADES PÚBLICAS
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Patrícia da Silva
Camila Lima de Araújo
Luiza Lins Araújo Costa
José Andrade Santos
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ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA:
ATITUDES DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO ACERCA DAS POLÍTICAS DE COTAS PARA NEGROS NAS
UNIVERSIDADES PÚBLICAS
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Patrícia da Silva
Camila Lima de Araújo
Luiza Lins Araújo Costa
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ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA:
ATITUDES DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO ACERCA DAS POLÍTICAS DE COTAS PARA NEGROS NAS
UNIVERSIDADES PÚBLICAS
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Camila Lima de Araújo
Luiza Lins Araújo Costa
José Andrade Santos
1
A origem das ações afirmativas nos Estados Unidos ocorre nos anos 1960, após diversos
movimentos sociais clamarem por igualdades raciais e sociais. Fazendo com que o então
presidente John Kennedy constate, em um final de expediente e ao rodear a casa branca, que
não havia ali nenhum funcionário negro. Após tal constatação o presidente teria decidido
afirmar, ou seja, reconhecer a situação de desigualdade vivida pelas pessoas negras e tomar
uma medida positiva em vez de apenas condenar a discriminação por meio de leis formais que
declaravam os princípios de igualdade.
93
ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA:
ATITUDES DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO ACERCA DAS POLÍTICAS DE COTAS PARA NEGROS NAS
UNIVERSIDADES PÚBLICAS
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Patrícia da Silva
Camila Lima de Araújo
Luiza Lins Araújo Costa
José Andrade Santos
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ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA:
ATITUDES DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO ACERCA DAS POLÍTICAS DE COTAS PARA NEGROS NAS
UNIVERSIDADES PÚBLICAS
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Patrícia da Silva
Camila Lima de Araújo
Luiza Lins Araújo Costa
José Andrade Santos
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ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA:
ATITUDES DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO ACERCA DAS POLÍTICAS DE COTAS PARA NEGROS NAS
UNIVERSIDADES PÚBLICAS
Justiça Igualdade
Formal (04) Substancial (15) Formal (04) Substancial
(15)
“Dar a cada um o “Usar as “Ausência de “Tratar os iguais
que é seu” (We) ferramentas do qualquer tipo de de forma igual e
direito para discriminação” (Ce) os desiguais de
contemplar o “Tratar de forma forma desigual, na
interesse dos mais igual independente exata medida de
necessitados, do sexo, credo...” suas
daquele que mais (Pa). desigualdades”
precisa de justiça” (Mc).
(Ma).
98
Patrícia da Silva
Camila Lima de Araújo
Luiza Lins Araújo Costa
José Andrade Santos
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ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA:
ATITUDES DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO ACERCA DAS POLÍTICAS DE COTAS PARA NEGROS NAS
UNIVERSIDADES PÚBLICAS
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Patrícia da Silva
Camila Lima de Araújo
Luiza Lins Araújo Costa
José Andrade Santos
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ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA:
ATITUDES DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO ACERCA DAS POLÍTICAS DE COTAS PARA NEGROS NAS
UNIVERSIDADES PÚBLICAS
CONSIDERAÇÕES
Diante do exposto pode-se notar que os conceitos de Igualdade e
Justiça estão, na maioria dos discursos, pautados no sentido
substancial/material ao se estabelecer a necessidade de aplicar um trato
diferenciado entre os grupos com intuito de promover justiça aos mais
necessitados, assim, trata-se de maneira desigual os desiguais na medida da
sua desigualdade para que possam galgar uma igualdade com o grupo que
detém o poder. Um exemplo é assegurar uma defensoria pública para aqueles
que não têm recursos financeiros para contratar serviços advocatícios.
102
Patrícia da Silva
Camila Lima de Araújo
Luiza Lins Araújo Costa
José Andrade Santos
REFERÊNCIAS
BAYMA, F., Reflexões sobre a constitucionalidade das cotas raciais na
Universidades Públicas no Brasil: referências internacionais e os desafios pós-
julgamento das cotas. Ensaio: aval. pol. públ. Educ, 20 (75), 325-346, 2012.
103
ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA:
ATITUDES DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO ACERCA DAS POLÍTICAS DE COTAS PARA NEGROS NAS
UNIVERSIDADES PÚBLICAS
104
Patrícia da Silva
Camila Lima de Araújo
Luiza Lins Araújo Costa
José Andrade Santos
PIOVESAN, F., Ações afirmativas sob a perspectiva dos direitos humanos. In:
SALES, A. S. (Org.). Ações afirmativas e combate ao racismo nas Américas.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade, 2005.
105
ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA:
ATITUDES DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO ACERCA DAS POLÍTICAS DE COTAS PARA NEGROS NAS
UNIVERSIDADES PÚBLICAS
SILVA, M. A., Ações afirmativas para o povo negro no Brasil. In Borges, R. F.&
Brocaneli, N. (Eds.), Racismo no Brasil (pp. 105-121). São Paulo, SP:
Fundação Peirópolis, 2002.
106
CAPÍTULO 6
U
ma das esferas sociais onde há profunda desigualdade entre
mulheres e homens, negros e brancos, é o mercado de trabalho.
Isso, não apenas é constatado em dados referentes ao período de
transição do trabalho escravo para o trabalho livre (PASSOS
SUBRINHO, 2000), mas em diversos dados sobre a participação
da população negra brasileira no mercado de trabalho na década
1
Este capítulo consiste em parte da dissertação de mestrado “A discriminação da
mulher negra no setor industrial sergipano entre 2007 e 2014: Uma análise dos impactos
da norma de responsabilidade social empresarial”, defendida no Programa de Pós-
Graduação em Psicologia (PPGPSI) da Universidade Federal de Sergipe (UFS) no ano
de 2017. A pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES).
107
AÇÕES AFIRMATIVAS NO MERCADO DE TRABALHO
108
Valdenice Portela Silva
Marcus Eugênio Oliveira Lima
Patrícia da Silva
109
AÇÕES AFIRMATIVAS NO MERCADO DE TRABALHO
110
Valdenice Portela Silva
Marcus Eugênio Oliveira Lima
Patrícia da Silva
111
AÇÕES AFIRMATIVAS NO MERCADO DE TRABALHO
2
Diferentemente da discriminação flagrante que consiste na discriminação
intencional, a discriminação por impacto desproporcional implica no uso de
procedimentos administrativos ou legais instituídos de forma aparentemente neutra,
mas que reproduzem desigualdade no acesso aos bens materiais, aos postos de
trabalho e aos espaços de poder e usufrutos de resultados econômicos (FILHO, 2008).
112
Valdenice Portela Silva
Marcus Eugênio Oliveira Lima
Patrícia da Silva
113
AÇÕES AFIRMATIVAS NO MERCADO DE TRABALHO
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Valdenice Portela Silva
Marcus Eugênio Oliveira Lima
Patrícia da Silva
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AÇÕES AFIRMATIVAS NO MERCADO DE TRABALHO
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Valdenice Portela Silva
Marcus Eugênio Oliveira Lima
Patrícia da Silva
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AÇÕES AFIRMATIVAS NO MERCADO DE TRABALHO
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Valdenice Portela Silva
Marcus Eugênio Oliveira Lima
Patrícia da Silva
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, foram analisados dados sobre desigualdades de raça e
gênero no mercado de trabalho, tomando o período de transição do trabalho
escravo para o livre no Estado de Sergipe como estudo de caso para discutir as
políticas de ações afirmativas no setor produtivo.
Uma questão que a literatura nos impõe é de que é preciso entender como
tais normas sociais podem ser utilizadas para a compreensão do comportamento
humano. No caso da Norma de Responsabilidade Social Empresarial, o modo
como ela nos auxilia na compreensão do comportamento do empresariado, ou
melhor, da cultura organizacional brasileira. Talvez isso possa ser observado
comparando as medidas preventivas de redução das desigualdades de gênero
e raça na esfera de trabalho de países como os Estados Unidos e o Brasil.
As normas sociais, por exemplo, possibilitam compreender a cultura de
um povo ou de um grupo, por meio das quais se apreende o comportamento
adotado por um indivíduo em função das normas estabelecidas pelo grupo. Em
contrapartida, da mesma forma que uma pessoa pode ajustar seu
comportamento às normas de um grupo, ela pode adotar uma atitude diferente.
Não é bem o que ocorre em relação à norma de responsabilidade social
empresarial proposta pelo Ethos, pois além de muitas empresas no Brasil não
se encontrarem associadas ao Instituto (em Sergipe apenas três empresas),
mesmo as empresas associadas nem sempre adotam as recomendações do
Instituto.
As normas sociais possuem também uma dimensão subjetiva, associada
à pressão social percebida, ou seja, referem-se à percepção do indivíduo com
relação à aprovação/reprovação de se realizar um comportamento (TORRES;
RODRIGUES, 2011). Elas “prescrevem como determinadas pessoas de um
certo grupo (p. ex. pessoas ocupando um determinado papel na sociedade) se
comportam para receber aprovação de seus colegas, ou para evitar sanções
sociais” (TORRES; RODRIGUES, 2011, p. 104). A compreensão do
funcionamento das normas sociais pode contribuir tanto para a construção de
um corpo teórico adequado para entender o comportamento social do brasileiro
como na adoção de modelos organizacionais advindos de outras culturas
(TORRES; RODRIGUES, 2011).
Se as normas sociais constituem a cultura de um povo, determinando o
comportamento social dos indivíduos que compõem um grupo social, entender
o que vem a ser a norma de responsabilidade social empresarial produzida pelo
Instituto Ethos, na década de 1990, é fator preponderante para prever e
descrever o comportamento do empresariado brasileiro acerca das
desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho. Contudo, como nem
todas as empresas brasileiras se associam ao Ethos, é pouco provável a
119
AÇÕES AFIRMATIVAS NO MERCADO DE TRABALHO
REFERÊNCIAS
BORGES, R. S. “Pensando a transversalidade de gênero e raça”. In: VENTURI,
G.; GODINHO,T. (Org.). Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e
privado. São Paulo: Editora Perseu Abramo, Editora Sesc, 2013. p.63-89.
CROSBY, F. J.; KONRAD, A. M. Affirmative action in employment.2002.
Disponível em: <http://homepages.se.edu/cvonbergen/files/2013/01/Affirmative-
action-in-employment.pdf>. Acesso em: 26 maio 2016.
DA SILVA, Patrícia. Expressões do preconceito racial e do racismo no contexto
da política de cotas raciais: a influência das normas sociais e da identidade
social. 2014. 241 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Instituto de
Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador. Disponível em:
<https://pospsi.ufba.br/sites/pospsi.ufba.br/files/patricia_da_silva_tese.pdf>.
Acesso em: 06 jan. 2017.
DOMINGUES, P. Decifrando os segredos internos: a transição do trabalho
escravo para o livre no Brasil. Iberoamericana, São Paulo, v. VIII, n. 31, p. 197-
205, 2008. Disponível em:<https://journals.iai.spk-
berlin.de/index.php/iberoamericana/article/viewFile/1334/980>. Acesso em: 16
maio 2016.
FILHO, P. S. Políticas de ação afirmativa na educação brasileira: estudo de caso
do programa de reserva de vagas para ingresso na Universidade Federal da
Bahia. 2008. 211 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação,
Universidade Federal da Bahia. Disponível em:
<http://www.redeacaoafirmativa.ceao.iufba.br/uploads/ufba_tese_2008_PSilvaF
ilho.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2017.
120
Valdenice Portela Silva
Marcus Eugênio Oliveira Lima
Patrícia da Silva
121
AÇÕES AFIRMATIVAS NO MERCADO DE TRABALHO
122
CAPÍTULO 7
BRANQUITUDE E INTERSECCIONALIDADE
A
compreensão do branco enquanto sujeito racializável, objeto de
pesquisa, revela-se como uma das transições históricas dos
estudos das relações étnico-raciais no âmbito científico. Isso
porque ao passo que o negro foi enfaticamente estudado,
dissecado, problematizado, símbolo de degeneração humana, ao
branco foi atribuída uma invisibilidade histórica, um lugar não
visitado, considerado este um ser não racializado. Nessa perspectiva, em 1957,
Guerreiro Ramos publicou sobre a “Patologia Social do Branco Brasileiro”, cuja
tônica correspondeu a problematizar o lugar histórico imputado ao negro
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Edna Maria de Araújo
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A perspectiva da branquitude é engendrada como privilégios modulados,
de modo que os brancos assumem vantagens sistêmicas, simbólicas e materiais.
As identidades são fluidas e os processos são socializados dentro de uma ordem
histórica e estrutural. Nessa direção, ser branco corresponderia a um atributo
que assegura acessibilidade e mobilidade social. O branco é favorecido e
produtor ativo do sistema de significação que assegura privilégios aos brancos
em detrimento dos não-brancos. Desse modo, a branquitude foi legitimada por
doutrinas e ideologias racistas que atingiram proporções universalizáveis e se
destina a assegurar, por mecanismos diversos, a hegemonia e reprodução do
sistema de dominação.
A questão racial se faz presente na distribuição de poder e recursos, nas
experiências subjetivas, nas identidades coletivas, manifestações culturais, nos
sistemas de significação. O signo da cor representa uma demarcação forte das
relações no Brasil. O racismo e a discriminação racial se apresentam como
explicações mais sólidas para o abismo das desigualdades sociais e, no bojo da
branquitude, nos impele a questionar o que é ser branco no Brasil, ou ainda,
inquirir quem quer ser negro no Brasil.
Na dimensão da interseccionalidade, os elementos são indissociáveis, os
fatores operam conjuntamente. As intersecções estão relacionadas a estruturas
sociais, relações de poder e identidade com repercussões históricas distintas
para negros e brancos. A constatação de uma racialidade branca na nossa
construção identitária configura um importante princípio para provocar
descontinuidades e rupturas epistemológicas.
A dimensão da branquitude e interseccionalidade evidencia os privilégios
interseccionais do ser branco. Logo, faz-se necessário reconhecer a gama de
privilégios que perpassa pelos aparelhos ideológicos do Estado para entender
os sistemas de opressão. É preciso reconhecer que há uma produção ativa que
compactua com a manutenção desse sistema excludente e que políticas e
processos de reparação social de grupos degradados, massificados precisam
ser instaurados e fortalecidos. Os processos históricos necessitam de
ressignificação, precisamos repensar sobre os legados da colonização para
negros e brancos, o jogo de forças históricas e contemporâneas que se
interseccionam, se potencializam e se materializam.
131
BRANQUITUDE E INTERSECCIONALIDADE
REFERÊNCIAS
BENTO, M.A.S. Branquitude e poder: a questão das cotas para negros.
In Proceedings of the 1th Simpósio Internacional do Adolescente, São Paulo
(SP, Brazil), 2005
BENTO, M.A.S., CARONE, I (Orgs.). Psicologia Social do Racismo (2ª ed.) São
Paulo: Vozes, 2002.
132
Ionara Magalhães de Souza
Edna Maria de Araújo
DAVIS, A. Women, race and class. Nova York, Vintage Books, 1981.
PIZA, E. Porta de vidro: entrada para branquitude. In: CARONE, I.; BENTO, M.
A. S. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e
branqueamento no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2002.
133
BRANQUITUDE E INTERSECCIONALIDADE
SANTOS, M. C. Quem pode falar, onde e como? Uma conversa “não inocente”
com Donna Haraway. Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 44, pp. 101-123,
1995.
SOVIK, L. Aqui ninguém é branco: hegemonia branca no Brasil. In: Ware, Vron.
Branquidade. Identidade branca e multiculturalismo. Rio de Janeiro: Garamond,
Centro de Estudos Afro-Brasileiros, Universidade Candido Mendes, 2004.
134
CAPÍTULO 8
A
estratégia de alterar a fisionomia corpórea temporariamente para
obter alguma conquista pessoal é um fenômeno praticado em todo
contexto de sociedades simples e complexas, que passa pela
racionalidade e pela atribuição de sentido às ações humanas,
subjetivamente visadas. Compondo o quadro de fenômenos sociais
observáveis pela sociologia compreensiva, para utilizarmos uma
referência clássica.
135
ESTÉTICA NEGRA, CONSUMO E ASCENSÃO SOCIAL
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Neli Gomes da Rocha
Eleonora Vaccarezza Santos
137
ESTÉTICA NEGRA, CONSUMO E ASCENSÃO SOCIAL
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Neli Gomes da Rocha
Eleonora Vaccarezza Santos
cor como ao claro. Este fato de nossa psicologia coletiva é, do ponto
de vista da ciência social, de caráter patológico, exatamente porque
traduz a adoção de critério artificial, estranho à vida, para a avaliação
da beleza humana. Trata-se, aqui, de um caso de alienação que
consiste em renunciar à indução de critérios locais ou regionais de
julgamento do belo, por subserviência inconsciente a um prestígio
exterior (RAMOS, 1954, pp.194-195).
139
ESTÉTICA NEGRA, CONSUMO E ASCENSÃO SOCIAL
2
As perguntas são: (1) No Brasil, há gente de várias cores ou raça. Qual é a sua cor? (2) O
senhor diria que sua raça ou cor é: () branca, () preta, () parda, () indígena, () amarela; (3)
Considerando as combinações de cor ou raça de seus avós e de seus pais, o senhor(a) tem
quais das seguintes combinações de cor ou raça? (4) O(a) senhor(a) se considera branco(a),
negro(a) ou índio(a)?
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Neli Gomes da Rocha
Eleonora Vaccarezza Santos
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Neli Gomes da Rocha
Eleonora Vaccarezza Santos
3
Fonte: http://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2007/07/38-43-fio-137.pdf.
143
ESTÉTICA NEGRA, CONSUMO E ASCENSÃO SOCIAL
4
Pasta que possibilita o tipo de penteado chamado permanente. Entretanto, danificam e
chegam a destruir os elos de queratina, impossibilitando o formato cilíndrico do fio,
transformando de forma abrupta em liso e esticado, para especialista: ―surgem trincas e sulcos
que reduzem a menos da metade a resistência dos fios ao alongamento‖, explica Inês, que
investiga a eficiência de cosméticos de cabelo, em 1983.
5
Prende-se o cabelo entre duas chapas aquecidas de um pequeno aparelho – a famosa
chapinha, versão moderna de passar o cabelo a ferro, aquecido em brasa e aplicado
diretamente aos fios até que os mesmos adquiram a forma do fio liso, todavia, não deve ter
contato com qualquer umidade, acarretando o retorno imediato ao formato anterior ao
procedimento. Amplamente utilizados desde a ampliação de técnicas de manipulação dos fios.
6
http://revistapesquisa.fapesp.br/2007/07/01/fio-por-fio/.
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Neli Gomes da Rocha
Eleonora Vaccarezza Santos
Eu só era mais feia por ter o cabelo daquele jeito [crespo] (Mayara,
22 anos).
145
ESTÉTICA NEGRA, CONSUMO E ASCENSÃO SOCIAL
7
Utilizamos como material empírico um amplo acervo de entrevistas cedidas à mídia televisiva,
virtual e redes sociais e impressa, além do site oficial www.belezanatural.com.br.
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Neli Gomes da Rocha
Eleonora Vaccarezza Santos
mercado oferecia, alisamentos escovas, cortes, tudo, tudo, tudo bem,
amei, amei lidar com cabelo. Aprendi a profissão, fiquei maravilhada e
tudo, mas cadê a solução pro meu cabelo? Nada.
Teria que alisar novamente, eu não aceitei isso, eu deixei meu cabelo
crescer [fazendo o movimento que demonstra o volume do cabelo],
conversei até com algumas patroas que na época, já gostavam de
mim e eu tinha como encantar, botava um lenço, amarrava, dava um
jeito, mas não alisei mais [...].
Gente, depois que eu fiz esse curso e não quis mais alisar o cabelo,
comecei a fazer experiência em casa, na bacia, com uma colher de
pau misturando matérias-primas naquela época [...] eu não sou
química né?
147
ESTÉTICA NEGRA, CONSUMO E ASCENSÃO SOCIAL
8
Fonte: < http://belezanatural.com.br/>.
9
Fonte: <http://www.factual.inf.br/noticias/zica-assis-e-uma-das-mulheres-de-negocios-mais-
poderosas-do-brasil>.
10
Fonte: < http://belezanatural.com.br/>.
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Neli Gomes da Rocha
Eleonora Vaccarezza Santos
“Cachos no laboratório” – rotina de trabalho
Durante doze horas de estrada, um grupo de 30 mulheres e 2 homens
partem da cidade de Curitiba com destino ao bairro de Ipanema ou Madureira,
na cidade do Rio de Janeiro (ver figura 4). Às sete horas da manhã de sábado,
mulheres (mães, avós e filhas), em fila, esperam o recebimento da senha
individual que permitirá passar por uma avaliação capilar que autoriza o uso do
produto Super-Relaxante (serviço/produto muito procurado nos Institutos
Beleza Natural e possui restrição de idade, 12 anos). Os dois homens são os
motoristas que seguem para o descanso de 6 (seis) horas, para retorno ao
destino.
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11
Fonte: < http://belezanatural.com.br/>
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Neli Gomes da Rocha
Eleonora Vaccarezza Santos
Enxerto de texto em uma das colunas do jornal, reportando JORNAL O GLOBO (RJ)
sobre o príncipe que ficou encantado com a força da classe
c, ao ponto de convidar uma das sócias do salão para
apresentar o negócio em Londres.
Reportagem que fala sobre ―domar os cachos‖, traz a REVISTA ANA MARIA
cantora sertaneja Paula Fernandes, e em um box, aponta
Zica Assis, como uma especialista em cabelos crespos do
país
Reportagem que traz como título: ―Beleza Natural quer JORNAL PROPAGANDA E
atingir novos mercados‖ MARKETING
Reportagem que traz como título ―madeixas bem cuidadas‖ O ESTADO DE MINAS (MG)
―A trança certa para o São João‖ comentário em jornal sobre JORNAL MASSA (BA).
penteado para o São Joao que o BN disponibiliza para sua
clientela.
151
ESTÉTICA NEGRA, CONSUMO E ASCENSÃO SOCIAL
Matéria que fala sobre os benefícios do ―Spa capilar‖, um JORNAL O GLOBO (RJ)
tratamento oferecido pelo BN, há relato das clientes sobre a
sensação agradável que sentem ao utilizarem o serviço. O
tema central é abordado como ―beleza sem danos‖.
Reportagem de duas páginas que traz em sua chamada os REVISTA AMÉRICA ECONOMIA
dizeres, ―receita de beleza‖: como a ex-empregada
doméstica Zica montou uma empresa que dar poder as
mulheres de cabelos crespos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, apresentamos o corpo negro percebido e refletido no
espelho invertido, que é a construção do olhar do ―outro‖, as relações de poder
e representatividade. Construções discursivas identificadas em materiais
publicitários de produtos e serviços que permeiam o universo da indústria da
beleza na realidade brasileira, possibilidades e sentidos atribuídos àqueles que
apresentam traços físicos, como pele escura, cabelos crespos.
Compreender a gradativa mudança nas estratégias de embelezamento
do cabelo crespo, acompanhadas pelo desejo de ascensão social das minorias
historicamente excluída do imaginário de beleza ocidental. Percebe-se a
relação entre padrões estéticos, identidades e ideologias raciais.
A valorização de um padrão estético, que basicamente volta-se para a
manipulação do cabelo crespo e da cor da pele, como forma do negro ser
aceito socialmente e ter mobilidade social (COUTINHO, 2005; FIGUEIREDO,
2002). Contudo, empreendimentos que promovam a desconstrução do padrão
universal de beleza a ser seguido, o surgimento de práticas de
embelezamento, sobretudo do cabelo crespo, mostrou-se como promotores de
um fortalecimento da autoestima.
Apresentamos aqui complexas perspectivas, por vezes assimétricas,
que congregam: 1. A inovação empresarial e o mercado sem concorrentes; 2. A
valorização da estética negra conduzidas por padrões pré-estabelecidos; 3.
Reflexões sobre o processo de branqueamento e as mil facetas do debate
sobre os sentidos da miscigenação para a identidade do indivíduo, seja esta
152
Neli Gomes da Rocha
Eleonora Vaccarezza Santos
REFERÊNCIAS
BELEZA NATURAL (2014), Quem somos: imprensa, Disponível em
http://belezanatural.com.br/categoria/imprensa/, [consultado em 12-8-2014].
BELEZA NATURAL, Quem somos: empresa, Disponível em
http://belezanatural.com.br/categoria/empresa/, [consultado em 12-8-2014],
2014.
BELEZA NATURAL, Quem somos: caravanas, Disponível em
http://belezanatural.com.br/caravanas/, [consultado em 12-8-2014], 2014.
BENTO, M.A.S., ―Branqueamento e Branquitude no Brasil‖, In: I., Carone &
M.A.S., Bento (Orgs.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude
e branqueamento no Brasil, Petrópolis: Vozes, pp. 25-58, 2002.
CARVALHO, J.J., ―Racismo fenotípico e estética da segunda pele‖, Revista
cinética, [s/n], Disponível em http://www. revistacinetica.com.br, [consultado em
22-5-2013], 2000.
COUTINHO, C.L R., ―Estética Negra: o jornal como fonte de pesquisa‖,
Programa de Pós- Graduação em História regional e local, Universidade do
Estado da Bahia, Disponível em http://www.alb.com.br, [consultado em 09-8-
2010], 2005.
DANTAS, F.R., A atitude dos clientes do salão Beleza Natural. Dissertação de
Mestrado. Rio de Janeiro: Departamento de Administração. Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2010.
153
ESTÉTICA NEGRA, CONSUMO E ASCENSÃO SOCIAL
LIMA, M.E.O., & Vala, J., ―The colour of success: Effects of the social and
economical performance on the whitening and on the infrahumanization of
Blacks in Brazil‖. Psicologia USP, 16 (3), Disponível em
http://www.scielo.com.br, [consultado 16-2-2013], 2005.
LOPES, M.A.O., Beleza e Ascensão Social na Imprensa Negra Paulistana,
1920-1940. São José, SP: Premier, 2001.
154
Neli Gomes da Rocha
Eleonora Vaccarezza Santos
RAMOS, G., ―O problema do negro na sociologia brasileira‖. Cadernos do
Nosso, 1954.
155
TRAJETÓRIAS E ESTRATÉGIAS DE MOBILIDADE SOCIAL DE MULHERES NEGRAS SERGIPANAS
E
mbora tenhamos normas antirracistas que visam coibir
manifestações racistas, também sabe-se que a lei por si só não
garante que mulheres negras não sejam alvos do preconceito
racial, em especial quando esta busca se inserir no mercado de
trabalho. Assim, seja por sua estética, que não se adequa aos
padrões de beleza vigente, seja por não ter a devida escolarização para ocupar
determinados cargos de chefia, mas volta e meia sempre se arranjam
justificativas para a não-inserção desta mulher em espaços de poder e
prestígio. Por outro lado, desde cedo enfrenta o sofrimento psicossocial gerado
pelo racismo.
Falar da mulher negra e trazer a suas histórias foi um grande desafio
para a autora, posto que também vivenciou estes processos ao longo de sua
inserção no mercado de trabalho. Mas este capítulo vai além de reforçar as
trágicas estatísticas no que diz respeito à mulher negra, se o racismo por um
lado gera sofrimento, para a pessoa negra que cresce neste meio social hostil,
pode gerar algo ainda mais forte, que é a resiliência. Ou seja, a capacidade de
transformar situações adversas em benefícios para si. Estas mulheres que
contaram suas histórias demonstraram ter esta capacidade bastante
desenvolvida.
156
Eleonora Vaccarezza Santos
Ionara Magalhães de Souza
É neste sentido que este texto, produzido a partir de pesquisa feita pela
autora durante seu trabalho de conclusão de curso, serve de contribuição para
o despertar da/os psicólogos, em especial os que atendem em consultório para
a quantas anda a subjetividade da mulher negra, que empreenderam no projeto
de mobilidade social e dos mecanismos que estas mulheres tiveram que
desenvolver para conseguirem alcançar seus objetivos de vida. E como forma
de contextualização, alguns conceitos precisam ser melhor elucidados, como
exemplo o que venha ser racismo e/ou preconceito racial, que no senso
comum são tomados como iguais, porém há diferenças importantes que
precisam ser abordadas.
Dentro da psicologia social, há o entendimento do racismo como um
fenômeno mais amplo que o preconceito racial, pois engloba processos como a
discriminação e a exclusão social (LIMA; VALA, 2004). E o preconceito racial,
definido pela literatura mais tradicional como uma antipatia baseada em
generalização errada e inflexível que, ao ser sentida ou abertamente expressa,
pode ser dirigida a um grupo como um todo ou a um indivíduo por ser membro
de tal grupo sob forte influência do componente emocional (ALLPORT, 1954).
No que se refere à discriminação, influi o componente comportamental, quando
uma ação negativa injustificada ou prejudicial é contra os membros de
determinado grupo. Assim sendo, o preconceito é compreendido como um
fenômeno que nasce e se estabelece em meio às relações sociais (CAMINO;
SILVA; MACHADO, 2001), além de trazer em si uma noção de superioridade
para aquele que alimenta sentimentos preconceituosos. Logo, o preconceito
gera hierarquização, supondo que um ideal é mais correto que outro. E para
quem sofre o preconceito, tende a sofrer também perdas de autoestima e
autoconfiança (ARONSON; WILSON; ARKET, 1995).
No campo social, o racismo no Brasil é difundido como ―preconceito à
brasileira‖ ou ―racismo cordial‖, tipicamente subliminar. Conforme defendem
Turra e Venturi (1995, pag. 11): ―os brasileiros sabem haver, negam ter, mas
demonstram, em sua imensa maioria, preconceito contra os negros‖. E como
então lutar contra algo que não existe? Não à toa, integrantes do Movimento
Negro, paulatinamente, lutavam para dar visibilidade ao problema do
preconceito racial, que tem na sua raiz, o racismo. Para as pessoas do
movimento, a luta deve ser baseada na reivindicação de direitos negados ao
povo negro desde a época em que se decretou o fim da escravatura. Contudo,
somente em 1994, o Estado brasileiro se declara racista, ou seja, reconhece
que o racismo está na sua estrutura social, daí iniciou-se um processo de
retomada às diversas reivindicações por políticas públicas afirmativas tão
importantes para a mobilidade social.
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TRAJETÓRIAS E ESTRATÉGIAS DE MOBILIDADE SOCIAL DE MULHERES NEGRAS SERGIPANAS
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Ionara Magalhães de Souza
“Trabalhar cedo”
―Trabalhar cedo‖ foi um termo frequente nos discursos das
entrevistadas. Chama atenção a história de Milena, que iniciou aos doze anos
como doméstica, e conforme relatou durante a entrevista, era um fato
corriqueiro no local onde vivia com a avó:
Eu comecei a trabalhar eu tinha uns doze anos, em casa de família.
Eu trabalhei muito em casa de família, sempre trabalhei em casa de
família (...) trabalhava para ter minhas coisas, porque ela [avó] não
poderia me dar, roupa essas coisas (...) Mas a pessoa ia nas portas
com os carros „moça, tem alguém para tomar conta de meus filhos?‟
ai eu dizia: „não, eu vou‟, (...) era assim, agora não porque se rouba,
[sobre o fato de acontecerem furtos durante o trabalho doméstico] e
ninguém faz mais isso, mas antigamente era assim (MILENA, 38
anos, zeladora).
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TRAJETÓRIAS E ESTRATÉGIAS DE MOBILIDADE SOCIAL DE MULHERES NEGRAS SERGIPANAS
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Eleonora Vaccarezza Santos
Ionara Magalhães de Souza
Assim, para Margarete, o que sua família fez por ela foi visto como
sacrifício, pois ela sabia que eles dispunham de pouco recurso financeiro, logo
pagar um curso pré-vestibular seria um investimento ao qual ela haveria de
retornar aos seus familiares por meio de sua aprovação na universidade.
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TRAJETÓRIAS E ESTRATÉGIAS DE MOBILIDADE SOCIAL DE MULHERES NEGRAS SERGIPANAS
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Eleonora Vaccarezza Santos
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TRAJETÓRIAS E ESTRATÉGIAS DE MOBILIDADE SOCIAL DE MULHERES NEGRAS SERGIPANAS
com elas próprias ou com amigos mais próximos. Nessa categoria, procuramos
trazer a perspectiva dessas mulheres com relação ao preconceito, suas
vivências, percebidas ou não. Decidimos pela divisão destes relatos em duas
categorias de preconceito – de gênero e raça.
Por outro lado, tivemos relatos de mulheres que sofreram algum tipo de
preconceito e até discriminação, mas que as mesmas identificaram como uma
ação indireta, já que os agentes não se manifestaram abertamente, ou
souberam por terceiros. Isso ocorreu com Márcia:
(...) Logo no início, quando eu comecei a trabalhar como estagiaria no
município de Aracaju, eu tive um pequeno problema [pausa] por que,
inclusive, era por causa dos alunos, não me disseram diretamente
(...) mas eu vi os alunos comentando: „ah! Mas a professora é
pretinha, a professora é neguinha, a professora de fulano, de ciclano!‟
Mas os meus alunos me defendiam, uma vez uma aluna escreveu
uma cartinha para mim: „professora, gosto muito da senhora, mesmo
os meus coleguinhas lhe chamando de negra, pra mim a senhora é a
melhor professora do mundo!‟ Isso marcou a minha vida, foi quando
eu trabalhei como estagiária na escola da prefeitura (...) (MÁRCIA, 34
anos, professora).
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TRAJETÓRIAS E ESTRATÉGIAS DE MOBILIDADE SOCIAL DE MULHERES NEGRAS SERGIPANAS
CONSIDERAÇÕES
Este trabalho procurou compreender as trajetórias de mobilidade social
de mulheres negras sergipanas e suas percepções frente ao preconceito e a
discriminação racial. Mediante análise do material das entrevistas, observou-se
que a estrutura familiar favorecia, de certo modo, o período em que essa
mulher iria se inserir no mercado de trabalho. Pois, em famílias nas quais os
progenitores possuíam formação escolar mais elevada, ocorreu, para a
entrevistada, a possibilidade de prolongar os seus estudos, possibilitando,
dentre outras ações, uma melhor colocação no mercado de trabalho. Em geral,
saíam a competir com formação profissional concluída ou em andamento.
Assim, podemos considerar que os anos de estudo exerceram um papel
importante em suas inserções no mercado de trabalho. Entretanto, foram
realizados com sacrifício, devido aos parcos recursos de que dispunham, para
mantê-las no sistema de ensino formal. A esse tipo de esforço, as
entrevistadas definiram como ―valor dado à educação‖, por visualizá-la como
via de acesso à mobilidade social. Prontamente, caberia a realização de
estudos comparativos, pois o lugar de partida se mostrou um indicador para o
nível-limite de mobilidade que estas mulheres poderiam alcançar.
A escolha profissional foi um assunto bastante abordado pelas mulheres
entrevistadas, uma vez que se mostrava como um determinante para o futuro
profissional e, consequentemente, para o tipo de ganhos que teriam. Dentre as
consulentes, havia as que tinham prestado o vestibular para uma universidade
pública de âmbito federal. Outras prestaram vestibular em instituições
particulares. As políticas públicas de acesso ao ensino superior mostraram-se
como elemento chave para a superação da inserção dessas mulheres nas
instituições de ensino superior. A falta destas políticas foi sentida por algumas
das entrevistadas, uma delas ao adentrar pelo sistema de cotas, não conseguiu
permanecer, devido à falta de programas de incentivo, como a exemplo do
―bolsa permanência‖, que à época da pesquisa, ainda não havia sido criado
(BRASIL, 2013).
168
Eleonora Vaccarezza Santos
Ionara Magalhães de Souza
REFERÊNCIAS
ABRAM Laís. Desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho
brasileiro. In: Cienc. Cult. [Online], v. 58, n. 4, 2006, p.40-41. Disponível em:
<http://www.cienciaecultura.bvs.br>. Acesso em: 25/11/2011.
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1954.
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BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1977.
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CARONE, Iray; BENTO, Maria Aparecida Silva (Orgs.). Psicologia social do
racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil, Petrópolis,
RJ: Vozes, 2007, pp. 25-58.
169
TRAJETÓRIAS E ESTRATÉGIAS DE MOBILIDADE SOCIAL DE MULHERES NEGRAS SERGIPANAS
170
Eleonora Vaccarezza Santos
Ionara Magalhães de Souza
171
TRAJETÓRIAS E ESTRATÉGIAS DE MOBILIDADE SOCIAL DE MULHERES NEGRAS SERGIPANAS
172
CAPÍTULO 10
Marcelo Oliveira
N
o dia 19 de dezembro de 2002, no Conselho Federal de
Psicologia, foi criada a resolução 018/2002. Esta resolução
estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação ao
preconceito e à discriminação racial. Para entender sua
importância, é preciso considerar que se o racismo humilha e a
humilhação social faz sofrer, é sim da competência da Psicologia
trabalhar no combate e enfrentamento do fenômeno, não colaborando para a
sua reprodução e dos efeitos psicossociais gerados pelo preconceito e
discriminação racial. Assim, este capítulo visa expor e ampliar, a luz da resolução
018/2002, as discussões levantadas durante os trabalhos realizados durante o II
Seminário Psicologia e Relações Interétnicas (SEMPRI-2016).
Nos séculos XIX e até meados do século XX, o racismo firmou-se como
doutrina, em especial no meio científico que difundia a ideia de raça,
reinterpretando toda a história à luz desta perspectiva, reduzindo as diferenças
173
RESOLUÇÃO 018/2002 DO CFP:
DESAFIOS A SUA APLICAÇÃO NA ATUAÇÃO PSICOLÓGICA
à essência das “leis da natureza”, e mesmo havendo críticas com relação a esse
tipo de determinismo, tal visão avançava e constituindo-se como uma das
características do racismo, embasou o extermínio de milhões de judeus e
ciganos pela Alemanha nazista, durante a Segunda Guerra Mundial, sendo mais
tarde o racismo universalmente repudiado (BORGES; MEDEIROS; ADESKY,
2002).
Mas como o racismo se manifesta? E quais são essas manifestações?
Encontramos em Bento (2002, p. 27-28) uma definição do que venha a ser uma
de suas maneiras de manifestar-se – a discriminação racial, e a descreve:
No campo da teoria da discriminação como interesse, a noção de
privilégio é essencial. A discriminação racial teria como motor a
manutenção e a conquista de privilégios de um grupo sobre outro,
independentemente do fato de ser intencional ou apoiada em
preconceito. Em minha dissertação de mestrado, discuto essa questão
que sempre me inquietou, que é o fato de que a discriminação racial
pode ter origem em outros processos sociais e psicológicos que
extrapolam o preconceito. O desejo de manter o próprio privilégio
branco (teoria da discriminação com base no interesse), combinado ou
não com um sentimento de rejeição aos negros, pode gerar
discriminação.
174
Marcelo Oliveira
175
RESOLUÇÃO 018/2002 DO CFP:
DESAFIOS A SUA APLICAÇÃO NA ATUAÇÃO PSICOLÓGICA
imaginário coletivo. Então, é preciso saber desse tipo de história para saber
combater as discriminações com total embasamento.
A intolerância religiosa também vem se configurando como tema de
preocupação da Psicologia, tanto de forma indireta, como na categorização de
graus de discriminação (MATA, 2009), bem como de forma direta, considerando,
principalmente, as estratégias de copping utilizadas por líderes do Candomblé
frente aos ataques neopentecostais (FILHO, 2009).
A intolerância religiosa é: “Toda distinção, exclusão, restrição ou
preferência, incluindo-se qualquer manifestação individual, coletiva ou
institucional, de conteúdo depreciativo, baseada em religião, concepção
religiosa, credo, profissão de fé, culto, práticas ou peculiaridades rituais ou
litúrgicas, e que provoque danos morais, materiais ou imateriais, que atente
contra os símbolos e valores das religiões afro-brasileiras, ou seja, capaz de
fomentar ódio religioso ou menosprezo às religiões e seus adeptos”. (BAHIA,
2014, p. 1)
Essa intransigência caracteriza-se como um fenômeno que inclui o
desprezo, o desrespeito, evoluindo para ações mais insidiosas, como a
segregação e os ataques às pessoas e às propriedades e símbolos que
representam as religiões profanadas.
As ocorrências de intolerância religiosa, quase sua totalidade contra as
religiões de tradições africanas, caracterizam-se pelas formas mais agressivas
e danosas de preconceito e discriminação. Em geral, atingem uma coletividade
de forma concreta e subjetiva, fragilizando a integridade da segurança e do
sagrado ao mesmo tempo.
Fragilizam a todos de forma individual e coletiva, uma vez que se trata de
negar crenças centrais, estruturantes do indivíduo e da sua compreensão de
mundo. Tais atos são uma forma de aniquilação do legado cultural dos povos da
diáspora africana, desestruturando uma forma de manutenção de sua cultura e
saberes.
No Brasil, é sabido que o Cristianismo utilizou a sua influência para
justificar o escravismo e demonizar as manifestações religiosas de negros e
índios (SANTOS, 1994). Isso ainda ocorre nos dias atuais, como fica explicitado
nos casos de intolerância religiosa. No nosso caso, o racismo e a intolerância
religiosa andam lado a lado.
Art. 3º - Os psicólogos, no exercício profissional, não serão coniventes
e nem se omitirão perante o crime do racismo.
Um dos participantes contou a seguinte metáfora: “um sujeito morreu e foi
lhe dado a escolha entre o céu e o inferno. E ficou em cima do muro, olhando
para um lado e para o outro, tentando escolher. Do lado do céu, os anjos ficavam
176
Marcelo Oliveira
gritando para vir para aquele lado, pois era bom e tudo mais. E do lado do inferno,
o diabo apenas observava calado. Chegou um capeta menor e falou para o diabo
que se ele não fizesse nada, perderiam o sujeito para o céu. Ao que o diabo
respondeu: ‘Tolo! Em cima do muro, já é o meu lado! ’”.
A célebre frase do filósofo anglo-irlandês Edmund Burke, que viveu no
século XVIII, também foi lembrada: “a única coisa necessária para que o mal
triunfe é que os bons homens não façam nada”.
Art. 4º - Os psicólogos não se utilizarão de instrumentos ou técnicas
psicológicas para criar, manter ou reforçar preconceitos, estigmas, estereótipos
ou discriminação racial.
E se fosse possível usar os instrumentos e técnicas para dirimir tais
discriminações? E se pudesse utilizar todas as ferramentas possíveis para lutar
nesta guerra?
Vimos o exemplo do Conselho Regional de Psicologia da Bahia (CRP 03)
o qual lançou uma cartilha onde divulga publicações e pesquisas de psicólogos
com a temática racial e do nosso referido Conselho Regional de Sergipe, que
tem fomentado ao longo destes quase dois anos, a discussão da temática nos
mais diversos espaços e, atualmente, o Conselho Federal de Psicologia (CFP)
tomou para si a responsabilidade de atualizar as referências da cartilha no site
da instituição.
E nisso também se levantou a questão das cotas. O que dizem as
pesquisas e o que, de fato, elas geram? Quais seus resultados?
Na introdução a esta temática, foi exibido um vídeo com o ator Hélio de
La Peña, o qual comenta como vê a política de cotas universitárias: “O ideal seria
termos colégios de alto nível abertos à população de baixa renda em favelas e
bairros pobres. Isso favoreceria pessoas negras de classe baixa a se
capacitarem para disputar vagas em igualdade de condições, em vez de terem
o acesso à universidade facilitado. Mas estamos longe disso. As cotas, no
momento, beneficiam muitos estudantes, mas devem ser vistas como medidas
paliativas. Eu, por exemplo, se fosse jovem, hoje, estudante do São Bento, iria
disputar uma vaga plena. Ia querer a vaga de branco”.
Art. 5º - Os psicólogos não colaborarão com eventos ou serviços que
sejam de natureza discriminatória ou contribuam para o desenvolvimento de
culturas institucionais discriminatórias.
Surgiu a questão: de que maneira os psicólogos podem efetivamente
fazer a diferença nesta representação social? Para compreender o que se pode
fazer, é útil primeiro entender a natureza do próprio preconceito.
Hoje, o Dr. Vamik Volkan é psiquiatra na Universidade da Virgínia, mas
ele lembra o que foi ser criado numa família turca na ilha de Chipre, então
177
RESOLUÇÃO 018/2002 DO CFP:
DESAFIOS A SUA APLICAÇÃO NA ATUAÇÃO PSICOLÓGICA
178
Marcelo Oliveira
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RESOLUÇÃO 018/2002 DO CFP:
DESAFIOS A SUA APLICAÇÃO NA ATUAÇÃO PSICOLÓGICA
Então, caberia ao CFP uma postura mais firme e incisiva, cabendo até
mesmo a cassação do registro de um profissional que se comporte desta
maneira tão instigante à descriminalização.
Na conclusão, uma leitura da reportagem “Meu psicólogo disse que
racismo não existe”. Nele, há depoimentos de pacientes que revelam que muitos
psicólogos não sabem lidar com questões raciais no consultório. Psicólogos que
disseram que a dor que seu paciente sofria era criação da sua mente.
A maior carência é uma formação que aborde o problema do racismo no
Brasil. Para Cinthia Vilas Boas, psicóloga e militante do movimento negro, o
problema começa nos cursos de formação. “A realidade está muito longe do que
chamamos de transversalidade”, afirma. Embora o racismo seja um profundo
problema no Brasil, a formação dos psicólogos ainda não reconhece a
discriminação racial como uma fonte de adoecimento psíquico.
“As políticas públicas estão aí; já falamos em conferências e agora
precisamos tirá-las do papel”, afirma Vilas Boas. “A Política Nacional de saúde
da população negra, que pode diminuir disparidades raciais na saúde, é pouco
conhecida, bem como a Lei 10.639, entre outras várias leis, campanhas e
diretrizes. A fim de avançar no tema, o Conselho Federal de Psicologia criou a
Resolução Nº 018, em 2002, que estabelece normas de atuação para psicólogas
e psicólogos em relação ao preconceito e à discriminação racial”, explica. Porém,
na prática, a realidade é outra. “Existe a discriminação institucional, quando
profissionais da área não estão preparados para atender a população negra ou
até são preconceituosos, levando a diferenças e desvantagens no tratamento
devido à raça. Para o profissional da saúde, é importante trabalhar a equidade
do SUS, é importante que ele saiba trabalhar as diferenças”.
A educação pode ser um ponto chave para modificar esse quadro – Vilas
Boas explica que é necessário construir um espaço legitimo e confortável para
que as pessoas negras construam sua identidade.
REFERÊNCIAS
ALLPORT, Gordon. W., The nature of prejudice, New York: Basic Books, 1954.
BAHIA, Governo do Estado. Estatuto da Igualdade Racial, em
http://www.sepromi. ba.gov.br/wp-content/uploads/2014/03/estatuto-da-
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Aceso em 29 de Junho 2014.
FILHO, M. V. Estratégias de enfrentamento do povo de santo frente às crenças
socialmente compartilhadas sobre o candomblé (dissertação). Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Social, Universidade Federal da Bahia - UFBA,
Salvador.
180
Marcelo Oliveira
181
CAPÍTULO 11
A
s transformações sociais e políticas para promoção e garantia
de direitos como a liberdade e expressão religiosa são frutos de
conquistas de lutas sociais, que culminaram no princípio
constitucional da Laicidade. Ao mesmo tempo em que se
registram avanços nesse sentido, ocorrem mudanças legais,
organizadas por grupos políticos ligados a denominações
religiosas específicas. Essas alterações provocam retrocessos, muitos com
apoio de religiosos intolerantes que também são profissionais de psicologia,
violando o código de ética profissional.
A configuração das relações sócio religiosas no Brasil tem grande
relação com as relações sócio raciais, pois são decorrentes dos grandes fluxos
182
Djean Ribeiro Gomes
Valdisia Pereira da Mata
1
Na primeira vez que uma referência for citada, virá acompanhada do primeiro nome
para evidenciar a diferença de gênero de cada autor(a)
183
RACISMO, INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E ATUAÇÃO PSICOLÓGICA
Assim foi também com muitas teses produzidas nesse período, das
quais muitas relacionadas às questões psicológicas. Além das teses,
encontram-se outros escritos produzidos por médicos, como livros,
artigos em revistas e jornais e transcrição de conferências, nos quais
é também recorrente a presença de temas de natureza psicológica,
muitos dos quais apresentavam e defendiam (ANTUNES, 2012, p. 51-
52).
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Djean Ribeiro Gomes
Valdisia Pereira da Mata
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RACISMO, INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E ATUAÇÃO PSICOLÓGICA
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Djean Ribeiro Gomes
Valdisia Pereira da Mata
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RACISMO, INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E ATUAÇÃO PSICOLÓGICA
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Djean Ribeiro Gomes
Valdisia Pereira da Mata
desde que cada um cumpra o seu papel social. Esse pensamento interfere nas
lutas sociais, na autopercepção como sujeito de direitos na política, nas
relações de poder e afetivas. Portanto, impregna todo o tecido e instâncias
sociais ao compartilhar discursos, narrativas e ideologias que essencializam
questões conjunturais, mantém a raça como reprodutora de hierarquia e
estabelece, por fim, esse sistema de valorização do branco como mérito desse
e incompetência dos demais.
As inúmeras desigualdades naturalizadas, nas mais diversas ordens,
engendraram uma forma de percepção e concepção das relações interpessoais,
que implantou e estruturou um modus operandis de organização e
funcionamento em diversas instituições (educação, trabalho, segurança pública,
saúde etc.), contaminando também as profissões.
Atualmente a intolerância religiosa e suas mazelas, aqui circunscrita
como expressão do racismo, também vem se configurando como tema de
preocupação da Psicologia, a exemplo da categorização de graus de
discriminação (MATA, 2009) e as estratégias de copping utilizadas por líderes
do Candomblé frente aos ataques neopentecostais (MATA FILHO, 2009). As
consequências e efeitos da intolerância incluem aspectos que se expressam
como desprezo e desrespeito, evoluindo para formas mais agressivas e
violadoras como a segregação física e social e os ataques às pessoas e às
propriedades e símbolos que representam as religiões profanadas.
Apesar dos diversos ataques e processos discriminatórios que as
religiões de matrizes africanas sofrem ao longo do tempo, a Política Nacional
de Atenção Integral à Saúde da População Negra reconhece esses espaços
como potenciais núcleos de promoção de saúde (BRASIL, 2009), e que estes
têm relevante contribuição por conta de sua visão de mundo e suas históricas
aproximações com a temática da saúde e cuidado (CELSON MONTEIRO,
2016). Todavia, nem sempre os aspectos do contexto cultural que a pessoa
está inserida são levados em consideração na análise da condição subjetiva e
objetiva da vida e do viver. São recorrentes as reclamações de pessoas que
foram atendidas por profissionais em serviços públicos ou privados, em que
aspectos culturais e identitários são relegados. “Tais situações mostram que
racismo e relações raciais são temas espinhosos para a sociedade brasileira e
ainda pouco discutidos, seja no âmbito da escolarização formal ou do ensino
superior” afirmaram Alessandro Santos e Lia Schucman (2015, p. 136), o que
desvela uma formação acadêmica deficitária nesses aspectos. Ademais. Maria
Aubert (2016) pondera que o mais importante, pensando nossa atuação
científica e profissional, é acolher os conteúdos subjetivos da vivência religiosa
e entender os sentidos construídos da religiosidade na vida das pessoas.
189
RACISMO, INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E ATUAÇÃO PSICOLÓGICA
CONSIDERAÇÕES
A prática da intolerância religiosa por se configurar como um conflito
social que interfere nas relações interpessoais e intergrupais com agravos no
processo identitário das pessoas e coletividades causa prejuízos às pessoas
discriminadas (GOMES, 2016). Produz danos simbólicos e materiais para os
discriminados, ao mesmo tempo em que embrutece, dessensibiliza e promove
o autoritarismo nos discriminadores e seu grupo de pertença. A não
consideração dessas questões terminam por gerar um desserviço às pessoas
que vão em busca de cuidado, pois se percebem desassistidas, e em muitos
casos, abandonam o acompanhamento profissional.
Do ponto de vista da atuação clínica, os fatores ligados ao
pertencimento identitário e cultural são essenciais na constituição da pessoa,
contendo importantes elementos a potencializar no processo psicoterapêutico
(ROSE MURAKAMI; CLAUDINEI CAMPOS, 2012). Todavia, as/os profissionais
precisam ser estimulados a se debruçar sobre esses aspectos históricos e
sociais que fazem parte da complexidade humana, tão importantes quanto
componentes biológicos e individuais, além de ampliar a sua formação
estabelecendo laços e parcerias com outras áreas do saber como Sociologia e
Antropologia, percussoras nas temáticas e cruciais para uma apreensão crítica
da realidade social.
Os reflexos da experiência do racismo e da intolerância religiosa
provocam consequências de ordem material e simbólica. E se houve pouco
avanço nas questões ligadas à saúde, educação, infraestrutura, segurança,
entre outros, avançamos timidamente nos estudos para a compreensão,
mitigação e resolução de problemas oriundos das relações raciais assimétricas
e conturbadas. O Brasil adotou a via legal para combater as desigualdades
raciais (SETH RACUSEN, 1996) e a ênfase da problemática da discriminação
racial e da intolerância religiosa recaiu na judicialização. Do ponto de vista de
uma estratégia coletiva e que busca coibir ou desestimular o comportamento
racista de qualquer cidadão, ao estabelecer sanções de restrição de liberdade
e desembolso pecuniário, são importantíssimas, pois se aplicada visa extinguir
o comportamento discriminatório. Todavia, ela não repara danos subjetivos,
imediatos e coletivos da convivência com o racismo (ROBERT CARTER, 2007),
o que provoca a necessidade de caminhar horizontalmente com outras
instâncias do saber tais como a psicologia, a sociologia, antropologia, a
assistência social e pedagogia, uma vez que questões complexas requerem
um olhar multi e interdisciplinar, que tem foco na prevenção da expressão do
fenômeno. A judicialização pura e simples não dá conta de reparar as perdas
sociais, não possui tecnologias para a educação multicultural voltada para o
agente da discriminação, o discriminado e sociedade como um todo, não dá
conta das especificidades identitárias e de reconhecimento, além de não
190
Djean Ribeiro Gomes
Valdisia Pereira da Mata
191
RACISMO, INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E ATUAÇÃO PSICOLÓGICA
REFERÊNCIAS
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192
Djean Ribeiro Gomes
Valdisia Pereira da Mata
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RACISMO, INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E ATUAÇÃO PSICOLÓGICA
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Djean Ribeiro Gomes
Valdisia Pereira da Mata
195
CAPÍTULO 12
A
s relações Interétnicas no Brasil, que surgiram desde o contato
dos exploradores europeus com os índios e posteriormente com a
chegada dos negros escravizados, camadas mais afetadas pela
exploração e colonização, são pouco faladas para fundamentar
todas as desigualdades, para a compreensão das condições de
privilégio e racismo. Estes contatos interpessoais se refletem nas
condições de poder que um grupo étnico impôs sobre os índios e negros no
Brasil na era escravocrata. De acordo com Rossoni (2002, p. 2):
O homem contemporâneo toma parte de uma realidade social
múltipla, e as ciências que lidam, de alguma forma, com as questões
culturais, nesse contexto, vêem-se diante de verdades questionadas,
196
Ana Raquel Silva Santos Alves
Jéssica Francielle Resende de Jesus
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RELAÇÕES INTERÉTNICAS E POLÍTICAS PÚBLICAS NA ASSISTÊNCIA SOCIAL
198
Ana Raquel Silva Santos Alves
Jéssica Francielle Resende de Jesus
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RELAÇÕES INTERÉTNICAS E POLÍTICAS PÚBLICAS NA ASSISTÊNCIA SOCIAL
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O propósito do texto foi sistematizar a experiência da atividades do
Grupo de Discussão (GD): Psicologia, Políticas Públicas e Promoção da
Igualdade étnico-racial como metodologia de educação não-formal, utilizando
os conceitos de educação não formal para compreender este espaço de troca e
aprendizagem que tem tido importância particular dentre as atividades
construídas pelo II SEMPRI, em Aracaju-SE. Percebemos que o crescimento
da discriminação nas relações interétnicas, num contexto de acirramento de
desigualdades sociais e a luta dos direitos da população negra é um fenômeno
global. É fundamental que as administrações públicas não tenham soluções
prontas, mas que procurem a sociedade para, através do diálogo, encontrá-las.
Buscamos apresentar como os processos de apropriação dos conceitos
relacionados à igualdade étnico-racial se constroem no espaço da política da
assistência social, perpassado a partir de espaços que valorizam a troca de
experiências individuais, as falas das participantes e, também, o saber
sistematizado relacionado a estas questões. Empreender o diálogo é
desafiador, pois ocorre transformação. A psicologia social e serviço social na
abrangência da assistência social atuam por ações coletivas dos profissionais
na participação dos usuários e profissionais nas vivências, grupos, projetos
onde pudemos perceber o potencial deste espaço como espaço de educação
não-formal e de construção de cidadania.
REFERÊNCIAS
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NEPE, UFPE. Recife, 2005.
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MÄDER, Bruno Jardini (org.) Caderno de psicologia e relações étnico-raciais:
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diálogo. CRP-PR. Curitiba: 2016.
ROSSONI, Sirlei. Relações Interétnicas: Interação E Tensões Entre Identidade
E Alteridade Cultural. Revista de Ciências Humanas. URI, ISSN 1981-9250.
2002. Disponível em:
<http://revistas.fw.uri.br/index.php/revistadech/article/view/219/398>.
200
PARTE 2
REDAÇÕES E TRABALHOS PREMIADOS
NO SEMPRI I
CAPÍTULO 13
M
enos oportunidade de educação e emprego, marginalização,
distanciamento social em relação a população branca, lugar
segregado na sociedade, racismo etc. Esta é a realidade da
sociedade pós Lei Áurea ou um recorte não muito distante do
século XXI?
De acordo com o censo realizado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, 51% dos brasileiros são
pretos ou pardos e esta pequena diferença em relação às demais etnias ficam
apenas nesses números. Ainda há um abismo entre as representações dos
negros e dos brancos na sociedade, sustentadas por um discurso motivado
pelo estereótipo, preconceito e racismo.
Passaram-se 127 anos da promulgação da Lei Áurea que garantiu a
liberdade aos escravos negros e, mesmo assim, é possível perceber que não
foi o sancionamento dessa lei que garantiu um acesso igual aos direitos dessas
203
PRECONCEITO E RACISMO PÓS-ABOLIÇÃO:
CONTEXTO HISTÓRICO E DISCUSSÃO DE MANIFESTAÇÕES VELADAS
204
Norton Cruz Machado
Iza Fontes Carvalho
205
PRECONCEITO E RACISMO PÓS-ABOLIÇÃO:
CONTEXTO HISTÓRICO E DISCUSSÃO DE MANIFESTAÇÕES VELADAS
206
Norton Cruz Machado
Iza Fontes Carvalho
REFERÊNCIAS
207
CAPÍTULO 14
F
alar sobre essa temática é lembrar que mesmo estando no século
XXI, o preconceito racial ainda é estarrecedor. Nesta perspectiva,
este texto tem como objetivo problematizar as questões
relacionadas ao preconceito racial disseminado no Brasil.
Uma das formas de preconceito é a atribuição de estereótipos
ligados à forma como se vê o negro, as características fenotípicas como cor de
pele servindo como definidor da conduta. Pensar o indivíduo como um marginal
porque é negro é o reducionismo de toda a subjetividade, relacionando a
negritude a aspectos negativos, como se a cor da pele determinasse o caráter
do ser humano.
Os negros são incluídos a categorias subalternas por pensamentos
ultrapassados e enraizados na cabeça das pessoas de forma consciente e
208
Rita de Cassia de Jesus Oliveira
209
O RACISMO QUE O BRASIL DEIXA NAS ENTRELINHAS
210
Rita de Cassia de Jesus Oliveira
211
CAPÍTULO 15
F
alar do tema em questão não é algo fácil, principalmente discutir
preconceito e racismo. São questões que merecem toda discussão
possível, o problema é que muitas vezes o preconceito é situado apenas
no campo do diálogo, até mesmo nos campus universitários e não é
levado a prática. Assim percebe-se a dificuldade em reconhecer ações
racistas e preconceituosas.
Sabemos que preconceito e racismo são problemas essencialmente
relacionáveis do grupo. Nesse sentido, é importante pensar que a Psicologia tem um
papel fundamental para desenvolver trabalhos no que diz respeito às questões
apresentadas como problemas. Para ELLIOT: “De qualquer modo, a maioria dos
psicólogos sociais concordaria em que os aspectos específicos do preconceito têm de
ser aprendidos” (2013, p, 298). Compreende-se que muitas vezes as famílias podem
transmitir essa “aprendizagem” aos seus filhos, que pode ser intencional ou não, pois
vivemos numa sociedade que ainda “guarda” resquícios preconceituosos de tempos
outrora, e isso ainda reflete no contexto atual.
Dessa maneira, a Psicologia tem algo relevante para se aplicar, como por
exemplo, a sua produção de saberes, as rodas de conversas com estudantes de
212
Maria Suely dos Santos Nascimento
Sabemos que discutir será importante, pois o pensar exposto irá gerar uma
certa reação em cada sujeito no seu contexto social, e isso pode ser transformado em
algo melhor, que é a conscientização do que somos, como sujeitos que pertencemos
a uma mesma sociedade, cada um com sua singularidade, mas respeitando a
subjetividade do indivíduo.
A sociedade possui diversos espaços que educam o indivíduo, principalmente
analisando questões do ponto de vista da liberdade do indivíduo, e essa educação é
uma maneira de mostrar o quanto somos sujeitos diferentes, com pensamentos,
ações, manifestações que nos caracterizam diante do meio social. Assim, é relevante
refletir que pode ser possível transformar
“o mundo” com informações que se tornem conhecimento. Ouvimos várias expressões
a respeito do preconceito e como diz FREIRE: “O grande problema que se coloca ao
educador ou a educação de opção democrática é como trabalhar no sentido de fazer
possível que a necessidade do limite seja assumida eticamente pela liberdade” (1996,
p.105).
É notório que a educação é uma ferramenta para combater o preconceito, é por
meio dela que trabalhamos as relações sociais, e que compreendemos que somos
sujeitos pertencentes a um contexto social que nos “olha” de forma preconceituosa e
isso não é fácil de ser quebrado, é um paradigma fortemente enraizado, mas que têm
mudado. As pessoas evoluíram pelo menos um passo, no sentido de perceber que os
estereótipos que foram criados, estão se perdendo, no tempo e no espaço. Hoje
somos mais abertos às transformações a partir de nós mesmos e isso nos faz repensar
ações de tempos outrora que prejudicavam as pessoas a nossa volta, poderíamos
dizer que nos tornamos mais sensíveis a pensar tais questões citadas.
Compreendemos a partir de situações diversas que: “Os estereótipos refletem
crenças culturais – isto é, em uma dada sociedade, eles são descrições facilmente
reconhecidas dos membros de determinado grupo” (ELLIOT, 2013, p, 301). Não é fácil
sofrer na “pele” o que muitos passam, principalmente viver situações constrangedoras
que ninguém deseja para se, mas praticar racismo com o outro é diferente, porque
não é você que tem de suportar tal ação.
Observa-se, que a sociedade discrimina muito o negro, pois sabemos que ser
identificado como um negro ou preto é uma espécie de rebaixamento e estigma social,
dizia Marcio André dos Santos em um dos seus artigos para dissertação de Mestrado
213
PRECONCEITO, RACISMO E ESTEREÓTIPOS:
O QUE A PSICOLOGIA TEM A VER COM ISSO?
É notório que mudanças ocorreram ao longo dos tempos e que hoje algumas
entidades, como órgãos sociais, bem como ONGs, assim como mutirões e
cooperativas, podem surgir com propósitos de realização de movimentos sociais para
contribuir na vida dos sujeitos, principalmente de comunidades desassistidas dos
direitos que garantam seu bem-estar social. Nesse sentido, que esses movimentos
venham a ganhar espaço no âmbito social, principalmente de manifestações no que
diz respeito as representações sociais.
“Com base nesse princípio pode-se evitar reverter o racismo. Por isso, é
importante dar nome a nossos sentimentos, nossas atitudes e mapear este fenômeno
tão fortemente enraizado mundialmente”. (ROSSATO E GESSER, 2001, p, 29).
Sabemos, nada melhor que o diálogo, o qual pode fomentar transformações na vida
do sujeito. Somos seres subjetivos e é importante citar que os sentimentos movem o
outro, mas que esse sentir possa mostrar que somos diferentes e que não somos
iguais, pois quando nos vemos como seres diferentes contribuímos para novas formas
de pensar o contexto.
A Psicologia pouco se debruçou sobre a questão das relações raciais
no Brasil. Nos currículos dos cursos de psicologia brasileiros,
raramente encontramos qualquer menção ao tema da raça e do
racismo nas disciplinas obrigatórias. A formação dos psicólogos ainda
está centrada na ideia de um desenvolvimento do psiquismo humano
igual entre os diferentes grupos racionalizados.
(SCHUCMAN, 2014, p, 85)
214
Maria Suely dos Santos Nascimento
mais informações aos sujeitos, seja da área da Psicologia, como de outros campos
científicos, o importante é pesquisar e demonstrar dados sobre esse tema tão
necessário, porém pouco discutido, e as pesquisas podem ajudar, principalmente para
a Psicologia, uma ciência que acolhe o sujeito e suas relações com o meio qual ele
vive. O psiquismo é relevante, mas pensar o ser em sua essência é um dos pontos
que mais tem inquietado aos estudantes da Psicologia. Gostaríamos de pensar os
valores, a singularidade de cada um, e principalmente as diferenças, não só de cor,
mas de raça e considerarmos que isso é um problema no contexto atual, que necessita
ser trabalhado e posto em prática nas propostas de práticas da Psicologia.
Nessa perspectiva, a branquitude é uma das questões que merece muita
discussão, pois ela é vista como: “É um lugar de privilégio racial, econômico e político,
no qual a racionalidade, não nomeada como tal, carregada de valores, de
experiências, de identificações afetivas, acaba por definir a sociedade”. (SCHUCMAN,
2014, p, 5). Observamos a necessidade de entender os novos sentidos do que é ser
negro e o que é ser branco. As mudanças precisam acontecer, não só do ponto de
vista da questão estrutural, mas também dos valores e dos sentimentos de
pertencimento ao mundo das diferenças.
Como diz SANTOS. “No entanto, uma nova negritude renova-se nas práticas
de políticas, sociais, educacionais e, especialmente culturais dos negros em todo país,
como o exemplo dos jovens pertencentes ao movimento hip hop”. (2005, p, 07). Assim,
notamos que já é um “passo” considerado relevante, pois essas práticas são
demonstrações de uma ótica diferenciada, da que estamos acostumadas e
“obrigadas” a ver. Isso muda algo nas pessoas, por mais que seja pouco, mas já é
diferente e relevante para os primeiros passos de uma quebra de paradigmas que
necessita ser desmistificado.
O Conselho Federal de Psicologia diz: “O preconceito racial humilha e a
humilhação social faz sofrer”. (CFP, 018/ 2002). Notamos a relevância do trabalho do
Psicólogo nesse contexto, e o quanto discussões, desde a universidade/faculdade
realizados por professores e estudantes aos pequenos grupos, formados pelos
próprios estudantes, de psicologia, quais deveriam encontrar-se pelo menos uma vez
por semana para discutir textos relevantes em relação ao preconceito, assim se
tornarão diálogos pertinentes aos novos olhares com propostas de reflexão as
políticas públicas que possam mudar a vida de quem passa por isso, porque falar é
fácil, mas viver é difícil, e dói.
Nessa perspectiva, sabemos que o sofrimento é maior do que qualquer palavra,
assim não é fácil dizer o que o outro sente, mas sim fazer com que ocorram
transformações como forma de conscientização, pois precisamos de ações que
modifiquem cabeças. A solidariedade humana, é fator relevante, mas que seja de
forma acolhedora, sem manifestar qualquer imposição, apenas olhar o outro, como se
fosse você, chamá-lo pelo nome e não por sua cor, ou condição social. É importante
lembrar que temos nomes e somos sujeitos de um mesmo universo, então porque
destratar o outro, quando estamos destratando a nós mesmos, é porque muitas vezes
somos o outro e esse é nós.
215
PRECONCEITO, RACISMO E ESTEREÓTIPOS:
O QUE A PSICOLOGIA TEM A VER COM ISSO?
REFERÊNCIAS
ARONSON, Elliot. Psicologia social. Rio de Janeiro, 2013.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução nº 018/ 2002. Brasília/DF.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa.-
São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GONSALVES, Maria. Psicologia, subjetividade e políticas públicas. São Paulo, 2010
ROSSATO E GESSER. Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa
escola / Eliane Cavalleiro (organizadora). São Paulo, 2001.
SANTOS, Marcio. Negritudes posicionadas: as muitas formas da identidade negra no
Brasil. Rio de Janeiro, 2005.
216
Maria Suely dos Santos Nascimento
217
CAPÍTULO 16
O
homem carrega consigo um objetivo de melhora as suas
características raciais inatas, especialmente as suas capacidades
mentais. Dessa forma, notamos o grande incentivo de materiais
para um pequeno grupo, mas que sempre se destacou em vários
aspectos, como artísticas, científicas ou economistas. Galton
queria garantir uma prevalência na “qualidade racial”, assegurando
que esses indivíduos gerassem descendentes em maior quantidade.
Os indivíduos que apresentassem qualquer sinal de distúrbio mental ou
físico não tinham direito de se reproduzir, caso existisse alguma tentativa, o
estado tinha o total direito de impedir, quando esses sujeitos conseguiam se
reproduzir, acontecia à degradação da espécie, onde ela era formada por duas
características: o primeiro foi a mistura de raças e culturas e a segunda foi a
mistura entre indivíduos portadores de boas qualidades genéticas com aqueles
já “degenerados” (principalmente portadores de deficiência física ou mental,
tendências comportamentais desviantes, personalidades criminosas, prostitutas,
218
Tarciana Lôbo Menezes
219
“PSICOLOGIA DAS RAÇAS” E RELIGIOSIDADE NO BRASIL: UMA INTERSECÇÃO HISTÓRICA
220
Tarciana Lôbo Menezes
221
“PSICOLOGIA DAS RAÇAS” E RELIGIOSIDADE NO BRASIL: UMA INTERSECÇÃO HISTÓRICA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com o estudo aqui desenvolvido podemos concluir que o Brasil
foi muito citado entre os teóricos racistas e os darwinistas sociais europeus como
um exemplo de degeneração produzida pela “miscigenação racial promíscua”.
Assim, os saberes psicológicos tiveram intenso contato com as teorias raciais,
pois estas forneciam subsídios para abordar problemas como as causas da
loucura, saúde mental, inteligência, personalidade e do comportamento
individual e social.
Os testes psicológicos atestavam uma inferioridade ou não na capacidade
mental e biológica dos indivíduos. Eles achavam que a raça negra não atingiria
o mesmo patamar de desenvolvimento dos brancos devido à sua condição
inferior. Desaconselhavam assim a imigração deste povo. Então, novas técnicas
de exame psicológico possibilitariam a seleção da população desejável para o
país. Após a abolição do regime escravocrata, não houve exatamente uma
repressão aos cultos afro-brasileiros. A aplicação de técnicas psicométricas no
âmbito religioso pretendia manter essas manifestações populares sob vigilância
preventiva, para que episódios de “loucura epidêmica de origem religiosa” não
voltassem a ocorrer, como em vários momentos da história do Brasil.
As interpretações racistas no âmbito das ciências psicológicas
encontraram uma resistência a partir dos anos 50. Ainda hoje, só que com outra
finalidade esses testes são aplicados. Mesmo que os testes de inteligência
meçam alguma capacidade mental, o que é duvidoso, o que fazem é medir
estados mentais e não traços. Por fim, o presente trabalho será possivelmente
válido para maior estudo e acréscimo de conhecimento.
REFERÊNCIAS
MASIERO, A.L. “Psicologia das raças” e Religiosidade no Brasil: Uma
intersecção histórica. In: Psicologia ciência e profissão.v 22 n.1, Brasília 2002.
___________. “A Psicologia racial no Brasil (1918 - 1929). In: Estudos de
psicologia vol.10. Natal, RN.2005.
222
SOBRE AS/OS AUTORAS/ES
SOBRE AS/OS AUTORAS/ES
225
* Dalila Xavier de França
Possui graduação em Formação de Psicólogo pela Universidade Federal da
Paraíba (1989), mestrado em Psicologia (Psicologia Social) pela Universidade
Federal da Paraíba (1996) e doutorado em Psicologia Social pelo Instituto
Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (2006). professora Associada
da Universidade Federal de Sergipe. Tem experiência na área de Psicologia,
com ênfase em Psicologia do Desenvolvimento Humano, atuando
principalmente nos seguintes temas: Socialização das atitudes intergrupais nas
crianças, preconceito, identidade racial e racismo. E-mail:
dalilafranca@gmail.com
226
(raça, gênero e classe), Saúde da População Negra, Saúde de grupos
vulneráveis; Saúde, Trabalho e Ambiente; Violência e Saúde. Filiada a
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), Associação Brasileira de
Pesquisadores Negros (ABPN) e Associação dos Docentes Universitários de
Feira de Santana (ADUFS-BA). E-mail: ednakam@gmail.com.
227
* Iza Fontes Carvalho
Possui graduação em psicologia (2013), mestre em Saúde e Ambiente pela
Universidade Tiradentes (2015-2017).Tem experiência na área de Psicologia,
com ênfase em Relações Interpessoais, testagem psicológica, psicologia clínica
e organizacional, atuando principalmente nos seguintes temas: Stress, qualidade
de vida, violência, prostituição, saúde, adolescentes e avaliação psicológica. E-
mail: izafontes_psi@hotmail.com
* Luciana Galante
Professora da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - AGES onde ministra
as seguintes disciplinas na graduação: Antropologia, Antropologia Cultural,
Sociologia, Teoria Social, História e etnologia Indígena. Mestre em Antropologia
pela PUC-SP (2011), com experiência na área de etnobiologia e etnologia
indígena. Pesquisa as relações que as comunidades tradicionais estabelecem
com o ambiente natural e os impasses existentes entre Unidades de
Conservação e áreas de ocupação tradicional. Assessora do Conselho
Indigenista Missionário (CIMI). E-mail: lugalante@hotmail.com
228
* Luíza Lins Araújo Costa
Possui graduação em Psicologia (2014) e Mestrado em Psicologia Social pela
Universidade Federal de Sergipe - UFS (2016) sob orientação do Professor
Marcus Eugênio Oliveira Lima, com mestrado sanduíche no Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). É vinculada ao grupo "Normas Sociais, Estereótipos,
Preconceito e Racismo (NSEPR);. Atualmente é tutora do Centro de Educação
Superior a Distância da UFS (CESAD - UAB) e membro do GT Psicologia e
Relações Interétnicas do Conselho Regional de Psicologia 19ª Região.
Desenvolve estudos sobre a temática do Adolescente em Conflito com a Lei e
tem interesse por áreas e temáticas relacionadas à Psicologia Social,
Desenvolvimento Humano, Representações Sociais, Preconceito e Racismo. E-
mail: luizaalins@gmail.com
229
* Neli Gomes da Rocha
Graduada em Ciências Sociais pela UFPR (primeira turma de cotistas raciais);
Mestre em Sociologia pela UFPR; Cursa o Doutorado - Pós-graduação em
Sociologia UFPR, linha de Produção e Circulação de Ideias. Atua como
educadora na área de Pensamento Social Brasileiro e das Relações Raciais no
Brasil. Integra o Núcleo de Estudos Afro brasileiros da UFPR na área de Estética
Negra, Produtora Cultural – SANKOFA produções. E-mail:
neliprodução@yahoo.com.br.
* Patrícia da Silva
Doutora em Psicologia Social, tem experiência na área de Psicologia, com
ênfase em Psicologia, atuando principalmente nos seguintes temas:
representações sociais, identidade social e racial, preconceito, ações afirmativas
e cotas raciais universitárias, E-mail: dasilvapaty@yahoo.com.br.
230
School of Global Public Health,University of North Carolina at Chapel Hill (EUA).
Graduação em Biomedicina pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).
Membro do do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre Desigualdades em
Saúde (NUDES-UEFS) e do Grupo CRESCER (EEUFBA). Foco de pesquisa e
consultoria: Desigualdades em Saúde, Saúde da População Negra,
Sustentabilidade e Saúde em Comunidades Quilombolas, Educaç o Popular em
Saúde e Tecnologias Sociais. Email: robertosl3@hotmail.com
* Yá Sônia Oliveira
Mestre em Políticas Sociais pela Universidade Cruzeiro do Sul/SP UNICSUL.
Graduada em Pedagogia e pós-graduada em Pedagogia Empresarial pela
Faculdade São Luís de Franca/SE. Docente da disciplina História da Educação
pelo Instituto de Formação e Educação Teológica - IFETE. Membro do GEPPED
- Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Sociais e Educação da UNICSUL
e da Sociedade de Estudos Étnicos, Políticos, Sociais e Culturais OMOLÀIYÉ e
filiada a CONEN - Coordenação Nacional de Entidades Negras. E-mail:
sonia7_oliveira@hotmail.com
231
* Valdisia Pereira da Mata
Possui Mestrado em Psicologia Social pela Universidade Federal da Bahia -
UFBA (2009), graduação em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia
(1999) e graduação em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Bahia
(1992). Conselheira do CRP03, Coordena a Comissão de Saúde do referido
conselho. Atualmente atua como psicóloga clínica na Secretaria Municipal de
Saúde de Salvador Bahia e na Faculdade Metropolitana de Camaçari.
Experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Cognitiva,
Relações Raciais, Identidade, Avaliação diagnóstica, Saúde Mental e Exclusão
Social. E-mail: valdisia@gmail.com
232
ANEXOS
ANEXO A
235
trabalho para acompanhamento pré-natal, licença-
maternidade e licença para amamentar e cuidar dos filhos;
Estimular a paternidade responsável, com a sensibilização
dos funcionários que são pais para assumirem papel ativo no
cuidado e manutenção dos filhos, licença-paternidade,
possibilidade de licença para cuidar de filhos doentes e fazer
o acompanhamento da vida escolar;
Considerar creche e assistência à educação como direitos das
crianças, acessíveis tanto aos filhos das funcionárias quanto
aos dos funcionários;
Proibir e sensibilizar os funcionários para que evitem todas as
formas de violência no local de trabalho, incluindo agressão
física, sexual ou verbal, manter canais de denúncia de tais
agressões, que preservem a integridade de denunciantes e
denunciados, e ter políticas claras e amplamente divulgadas
de punição para tais atos;
Sensibilizar os funcionários para que evitem todas as formas
de violência doméstica contra as mulheres — mães, esposas,
filhas, irmãs, empregadas — e contra as crianças;
Sensibilizar os funcionários para que dividam igualmente com
a companheira as tarefas domésticas e os cuidados com os
filhos;
Garantir a segurança das mulheres empregadas ou
prestadoras de serviço no local de trabalho e procurar
garantir-lhes condições seguras de locomoção entre a casa e
o local de trabalho;
Proibir discriminação contra mulheres com problemas de
saúde, incluindo portadoras de HIV.
COMPROMISSOS COM A Apoiar ou desenvolver ações para promover e aprimorar a
COMUNIDADE educação e as oportunidades profissionais de garotas e
mulheres na comunidade em que a empresa está inserida;
Apoiar ou promover campanhas na comunidade contra a
violência direcionada a mulheres e meninas e pelo estímulo à
paternidade responsável;
Apoiar campanhas na comunidade ou promover a instalação
de serviços públicos que contribuam para reduzir o peso das
tarefas domésticas e do cuidado com os filhos, como creches
e escolas de tempo integral, serviços de saúde, restaurantes
populares, lavanderias públicas etc.
COMPROMISSOS NA CADEIA Evitar políticas de marketing que apelem para estereótipos
DE NEGÓCIOS sexuais e atentem contra a dignidade das mulheres;
Promover e estimular negócios e empreendimentos dirigidos
por mulheres, incluindo microempresárias, concedendo-lhes
crédito e procurando realizar financiamentos justos;
Cuidar para que seus fornecedores e parceiros respeitem os
direitos trabalhistas de seus empregados e prestadores de
serviços e assegurar-se de que não sejam praticadas relações
de trabalho não-legais, ilegais ou clandestinas em toda a
cadeia produtiva, o que muitas vezes ocorre em segmentos
que empregam grande número de mulheres;
Estimular todas as empresas participantes da cadeia de
negócios a adotar políticas de valorização da mulher e de
promoção da eqüidade de gênero em suas relações internas
e externas.
Fonte: Instituto Ethos (2004)
236
ANEXO B
237
e outras formas de investimento na construção de competências, formação de líderes e de
incentivo à retenção de talentos desse segmento na organização.
ACOMPANHAMENTO: Criar programas de mentoring para que profissionais mais experientes e
em posição de liderança possam contribuir (e ao mesmo tempo aprender) com profissionais
negros, favorecendo condições equânimes no acesso aos postos mais altos da organização e
maior familiaridade de todos com a questão das relações raciais.
INVESTIMENTO SOCIAL: Adotar a abordagem étnico-racial nas ações sociais realizadas pela
empresa e em seu programa de voluntariado. Colocar, sobretudo, recursos do investimento social
privado na formação escolar de qualidade de pessoas negras, homens e mulheres.
DIÁLOGO COM FORNECEDORES: Compartilhar com os fornecedores o posicionamento da
empresa, bem como os desafios e possibilidades na promoção da igualdade racial, trocando
idéias, cooperando em questões de recrutamento (com banco de currículos compartilhado, por
exemplo) e realizando ações sociais conjuntas na comunidade, entre outras possibilidades.
Acrescentar critérios de responsabilidade social no relacionamento com os fornecedores, com a
promoção da igualdade racial e o combate à discriminação, sempre com base no diálogo, na
cooperação e no respeito de todos.
FORNECEDORES NEGROS: Apoiar empreendedores negros e favorecer a sua inclusão no
conjunto de fornecedores da empresa.
COMUNICAÇÃO COM DIVERSIDADE: Cuidar para que os modelos presentes nas peças de
comunicação interna ou externa da empresa expressem a diversidade da sociedade, combatendo
a lógica dos lugares predefinidos para as minorias. Colocar nas mensagens publicitárias ou
institucionais pessoas negras em situação de desvantagem tem o poder de trabalhar com as
desvantagens simbólicas e produz bons resultados em relação à auto-imagem desse segmento,
ajudando a demonstrar que novas realidades podem ser criadas. Entre outras coisas, permitem,
por exemplo, que uma criança negra possa ter referências plurais para seu futuro e sonhar com
posições de vantagem na sociedade, deixando de achar que o seu lugar está predefinido na base
da pirâmide em razão de seu pertencimento étnico ou racial.
PARCERIAS: Iniciar um diálogo e criar parcerias com entidades do terceiro setor e com outras
empresas para a promoção da diversidade. Compartilhar seu aprendizado sobre a valorização da
diversidade com organizações parceiras nos negócios ou empresas da comunidade em geral,
difundindo o conceito e novas práticas de gestão que dêem conta da complexidade do tema.
FÓRUNS EMPRESARIAIS: Criar ou participar de fóruns empresariais voltados para a questão
racial ou levar o tema para os já existentes, promovendo o debate sobre os desafios para a gestão
de pessoas e para os negócios, a comunicação e o investimento social, entre tantos outros
aspectos que podem ajudar a acelerar resultados e a melhorar as práticas de cada empresa. O
tema é muito complexo e o compartilhamento de conhecimentos e de práticas se mostra cada
vez mais importante para todos.
OPORTUNIDADES DE NEGÓCIOS: Realizar diálogos sobre oportunidades de negócios
considerando a questão racial, seja no âmbito interno da empresa, seja com outras organizações,
envolvendo, sempre que possível, representantes da população negra. Verificar se os produtos
ou serviços e a qualidade do atendimento da empresa, bem como a forma e os veículos utilizados
em sua divulgação, estão compatíveis com a diversidade de nossa sociedade. Diferentes áreas
da empresa reunidas em torno do tema podem encontrar oportunidades de negócios que antes
não foram consideradas.
Fonte: Instituto Ethos (2006)
238