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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ


PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE EDUCAÇÃO
PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS FORMAÇÃO DE PROFESSORES
DA EDUCAÇÃO BÁSICA - PARFOR

PARFOR/LETRAS

LOCAL: CAMETÁ

PERÍODO: 18/01/2016 A 23/01/2016

PROFESSORA FORMADORA: RAQUEL MARIA DA S.


COSTA

DISCIPLINA: SEMÂNTICA E PRAGMÁTICA


UNIVERSIDADE FEDERAL
DO PARÁ
CAMPUS UNIVERSITARIO DO FACULDADE DE LINGUAGEM
TOCANTINS/CAMETÁ-PARÁ

DISCIPLINA: CÓDIGO:
SEMÂNTICA E PRAGMÁTICA PARLP024

Carga Horária: Teórica Prática Total CH


Semanal 60

PROFESSOR (A): MAT. SIAPE


RAQUEL MARIA DA SILVA COSTA 1766027

I EMENTA:
Conceitos básicos em semântica e pragmática: sentido e referência, expressões referenciais e
predicados, dêixis, relações de sentido e relações lógicas; a teoria da enunciação, a teoria dos atos
de fala e implicaturas conversacionais.

II OBJETIVOS

OBJETIVO GERAL: Oferecer uma visão geral dos estudos da significação perpassando por suas
modificações no decorrer dos estudos lingüísticos

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Desenvolver a capacidade de percepção dos sentidos embasada em vários
teóricos;
• Instigar a dialética entre teoria e prática no que tange à significância de mundo;
• Proporcionar uma observação da relação linguagem, mundo e sentido.
III CONTEÚDO PROGRAMÁTICO:

UNIDADE I : VISÃO PANORÂMICA SOBRE O ESTUDO DA SIGNIFICAÇÃO E


PRAGMÁTICO
1. 1 Conceito e conceitualização
1.2 O objeto de estudo da Semântica e da Pragmática
1.3 Semântica: conceitos básicos.
1.4 Semântica lexical:
1.4.1 relações de sentido por compatibilidade: sinonímia e acarretamento
1.4.2 relações de sentido por incompatibilidade: contradição e antonímia

UNIDADE II: INTRODUÇÃO AO TERMO PRAGMÁTICA.


2.1 O que é Pragmática?
2.2 Pragmática Filosófica
2.2.1 A Teoria dos Atos de Fala
2.2.2 Atos de fala: ilocutórios, perlocutórios
1.3 O Contexto da Pragmática

UNIDADE III: A INVESTIGAÇÃO DO SIGNIFICADO: IMPLÍCITOS LINGUÍSTICOS E


PRAGMÁTICOS
3.1 Significação e contexto
3.2 Implicatura, pressuposição
3.3 Sentido e referência

UNIDADE IV: Pragmática Linguística


3.1 Enunciação: pessoa, tempo, espaço
3.2 Dêixis
IV METODOLOGIA DO TRABALHO

Todo o conteúdo será debatido em sala de aula, tendo como ponto de partida a leitura prévia dos
textos adotados da bibliografia indicada. Poderão ser solicitadas atividades (individuais ou em
duplas), em conformidade com os assuntos apresentados. Para tanto, devemos desenvolver as
seguintes atividades: aulas expositivas, leitura dirigida e compartilhada, produção de resumos e
prova escrita final.

V AVALIAÇÃO

A avaliação será realizada com uma ótica de ação continuada e dialética do processo educacional.
Serão considerados, principalmente, os seguintes elementos: participação ativa nas aulas e postura
acadêmica, o que corresponderá a 20% da avaliação, leitura dos textos em sala de aula ou não e
realização de exercícios sobre os conteúdos discutidos na disciplina, voltados para o
desenvolvimento de atividades didáticas sobre o tema 40% e exposição oral 40%. A média final
resultará da soma dos valores adquiridos em cada atividade.
VI REFERÊNCIAS:

ANDRADE, Antônio Carlos Siqueira de. Semântica e Estilística. Universidade Castelo Branco. Rio
de Janeiro: UCB, 2008. - 36 p.: il.

CANÇADO, Márcia. Manual de Semântica. Noções básicas e exercícios. São Paulo: Contexto, 2012.
CUNHA, Ana Lygia Almeida; PESSOA, Fátima Cristina da Costa. Estudos de Enunciação. Textos
didáticos do Curso de Licenciatura em Letras – Habilitação em Língua Portuguesa – Modalidade a
Distância. Belém: EDUFPA, 2007 v. 1.

ESPÍNDOLA, Lucienne C. Pragmática da língua Portuguesa. Biblioteca virtual Letras. Disponível


em http://biblioteca.virtual.ufpb.br/files/pragmatica_1360183162.pdf . Acessado em: 20 de novembro
de 2015.

MCCLEARY, Leland; VIOTTI, Evani. Semântica e Pragmática. Universidade Federal de Santa


Catarina Licenciatura e Bacharelado em Letras-Libras na Modalidade a Distância. Florianópolis, 2009.
Disponível em: http://www.libras.ufsc.br...tica-Final_2_dez_2008.pdf. Acessado em: 20 de novembro
de 2015.

OLIVEIRA, Jair Antônio de. O contexto da Pragmática. UNILETRAS 22, dezembro 2000.
Disponível em: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/uniletras . Acessado em: 20 de novembro de
2015.

TEIXEIRA, Sylvia Maria Campos. Aspectos estilísticos e pragmáticos da língua portuguesa. Ilhéus,
Bahia: Editus, 2014. 115 p. il. (Letras – módulo 6 – volume 4 – EAD).

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

AUSTIN, J.L. Sentido e percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1993.


BREAL, M. Ensaio de semântica. São Paulo : EDUC, 1992.
CERVONI, Jena. A enunciação. São Paulo: ática, 1989.
DASCAL, Marcelo. Fundamentos metodológicos da lingüística: Semântica. vol. III. Campinas, 1986.
_______. Fundamentos metodológicos da lingüística: Pragmática. v. IV. Campinas, 1986.
DUCROT, Oswald. Princípios de semântica lingüística. São Paulo : Cultrix, 1982.
DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Campinas, SP: Pontes, 1987.
GREIMAS, A.J. Semântica estrutural. São Paulo : Cultrix, 1976.
ILARI, R. Introdução à semântica. São Paulo : Contexto, 2000.
ILARI, R. & GERALDI, W. Semântica. São Paulo : Ática, 1985.
MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. São Paulo : Cortez, 2001.
RECTOR, M. & YUNES, E. Manual de semântica. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980.
SOUZA, L.M. Roteiros de semântica e pragmática: teoria e prática. Rio de Janeiro : Reproarte, 1984.
ULLMAN, Stephen. Semântica: uma introdução à ciência do significado. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, s/d.
Aprovado pela Faculdade de Local, _____/_____/_____
Educação em

____/____/____ Diretor (a)da


Faculdade
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA
Caro professor(a),
Neste curso iremos estudar duas disciplinas, que aparentemente são
diferentes, embora todas as duas voltem-se para análise da escolha discursiva
feita pelo enunciador, a qual varia de acordo com publico, o contexto, as
intenções comunicativas e a própria situação de enunciação.
Nestas aulas, tentaremos debater os principais pressupostos teóricos de cada
disciplina ora separados, ora tentando “unir as pontas”, a fim de observarmos
quais seriam as intenções do enunciador e os efeitos de sentido, criados por
ele.
Espero que estejamos sempre juntos no trabalho da disciplina, por
isso desde já seja bem-vindo ao Curso de Semântica e Pragmática e busque
aproveitá-la ao máximo através da leitura e pesquisa sobre os temas da
disciplina.
Vocês estão lançando mão, através deste material apostilado, de todos
os textos, básicos e complementares que serão trabalhados no Curso. Mas,
para que eles sejam realmente utilizados por vocês de maneira eficiente e
eficaz, algumas atividades precisam ser realizadas desde já, como:
1. Leitura prévia de todos os textos da disciplina
2. Coleta de músicas, poemas, poesia de artistas regionais.

Bom trabalho a todos(as)!!!


CONTEXTUALIZAÇÃO DA DISCIPLINA

Antônio Carlos Siqueira de Andrade

Semântica
A vida só tem sentido se o sentido da vida for compreendido.

Não se trata de um jogo (banal) de palavras. Não é por acaso que o estudo do
significado das palavras tenha ficado para o último dos instrucionais de
Língua Portuguesa. Ele segue a grade curricular do Curso de Letras que,
sensível à importância do assunto, o coloca no final como que para ressaltar o
valor semântico das pala- vras, que se sobrepõe a qualquer nível gramatical.
Afinal a língua é, antes de tudo, a forma mais completa de veicular
significados.

Além do mais, vivemos numa época em que o contato entre a humanidade


rompeu com todas as barreiras – tecnicamente é possível se comunicar com
cada habitante do planeta com as tecnologias de informa- ção que possuímos.
Junto com toda essa disponibilidade, pode se esconder o desejo de subjugar
pessoas através da manipulação da realidade. É nessa encruzilhada que o
conhecimento sobre as possibilidades de sentido das palavras encontra sua
motivação maior.
UNIDADE I

1 . CONCEITO E CONCEITUALIZAÇÃO

MCCLEARY, Leland; VIOTTI, Evani.

1.1 O objeto de estudo da Semântica e da Pragmática

Vamos retomar algumas noções que foram estudadas no curso de Introdução


aos Estudos Lingüísticos, quando vocês foram apresentados ao pensamento
de Saussure. Para Saussure, o objeto de estudo da Lingüística é o signo
lingüístico. O signo lingüístico é uma associação de um conceito, chamado
significado, a uma imagem acústica (ou ótica), chamada significante.
Estão lembrados? Tanto o significado, quanto o significante são entidades
abstratas que existem na mente dos falantes de uma determinada língua.
Significado e significante são, portanto, entidades mentais.

Usamos os signos para falar sobre coisas no mundo (entre outras coisas!). Por
isso, temos a palavra (signo) ‘mesa’ para falar sobre esta mesa à qual estamos
sentados para escrever este texto. Mas isso não quer dizer que o significado
do signo ‘mesa’ deve ser identificado com esta mesa no mundo sobre a qual
falamos. E nem que o significante de ‘mesa’ deve ser identificado com os
sons (ou gestos) que usamos para pronunciar a palavra.

O significado não é a mesa (o objeto físico) em si, mas a representação


mental que temos do objeto. Do mesmo modo, o significante desse signo não
é o som [mezå], mas a representação mental que os falantes de português
fazem

desses sons, que os ajuda a reconhecer o signo ‘mesa’ quando ele é


pronunciado, e a saber como o signo deve ser pronunciado.

O que é importante é que o signo estabelece uma relação simbólica entre um


significado e um significante. O que isso quer dizer? Quer dizer que, quando
pronunciamos a seqüência fonológica /meza/, necessariamente designamos o
conceito [MESA]. O signo é isso: uma relação simbólica inseparável entre
significado e significante. E já que a língua é um sistema de signos, isso
significa que a língua é simbólica. Cada vez que pronunciamos ou
sinalizamos palavras, sentenças ou discursos inteiros, estamos designando
conceitos.

Como vocês já viram em cursos anteriores, a Fonologia é a área da


Lingüística que estuda o significante. E quais áreas da Lingüística estudam o
significado? São justamente a Semântica e a Pragmática. Ou seja, a
Semântica e a Pragmática estudam os conceitos que construímos em nossas
mentes quando estamos diante de um signo lingüístico, seja ele uma palavra,
uma sentença, ou um texto. Assim, por exemplo, sabemos que o conceito
associado a palavras como ‘calvo’ e ‘careca’, nas sentenças (1) e (2), são
iguais:

• (1) O João começou a ficar calvo aos 30 anos.

• (2) O João começou a ficar careca aos 30 anos.

Ou seja, tanto o uso da palavra ‘calvo’, quanto o uso da palavra ‘careca’, nas
sentenças acima, nos levam ao conceito relativo à propriedade que alguém
tem de não ter cabelo.

Da mesma maneira, o conceito que formamos quando ouvimos uma sentença


como (3) é semelhante ao conceito que formamos quando ouvimos uma
sentença como (4):

• (3) A Maria ainda acredita que o Pedro ganhou na loteria.

• (4) A Maria continua achando que o Pedro ganhou na loteria.

Vamos considerar, agora, uma sentença como a seguinte:

(5) A porta está aberta.

Qual é o conceito que formamos quando ouvimos uma sentença como essa,
fora de contexto? Em termos bem intuitivos, formamos o conceito de um
objeto físico que serve para marcar o ponto de entrada ou saída de uma sala, e
o de que esse objeto físico não está obstruindo nem a entrada, nem a saída de
ninguém dessa sala.

Mas, agora, pensem na seguinte situação. Um professor está dando aula e um


grupo de alunos está fazendo a maior bagunça, conversando sem parar, e não
prestando atenção à matéria que está sendo ensinada (você nunca viu isso,
não é?). O professor dá uma bronca nos alunos e pede para eles ficarem
quietos. Entretanto, depois de alguns minutos, eles continuam a conversar e a
perturbar a aula. Desta vez, o professor pára a aula, chama o nome dos alunos
que estão fazendo bagunça e diz: ‘A porta está aberta!’ Qual é o significado
dessa sentença nesse contexto? Parece ser bem diferente daquele conceito que
formamos sobre a sentença (5), não é? Nesse contexto, a sentença ‘A porta
está aberta’ é entendida como um pedido aos alunos para que se retirem da
sala.

Vamos pensar agora em um outro contexto. O professor está dando aula, a


porta da sala está aberta, e alguém pára do lado de fora da sala, com ar de
curiosidade e interesse. O professor, em uma atitude bem simpática, se dirige
a essa pessoa e diz: ‘A porta está aberta’ (provavelmente acompanhado de um
gesto). Será que o significado dessa sentença se mantém igual ao significado
formado no contexto anterior? Certamente não! Desta vez, o professor não
está pedindo à pessoa que se retire de lá. Desta vez, o professor está
convidando a pessoa a entrar e a assistir à sua aula.

Podemos multiplicar esses exemplos. Imaginemos o mesmo professor


tentando dar aula, com muito barulho vindo do lado de fora. Muita gente no
corredor está falando alto. Ele vira para uma aluna sentada do lado da porta e
diz, baixo: ‘A porta está aberta.’ Nesse caso, qual é o significado da
sentença? Podemos perceber qual é, quando a aluna levanta e fecha a porta!
Foi um pedido de fechar a porta.

Vejam, então, como o contexto de uso dos signos lingüísticos influi na


construção de seu significado.

Algumas correntes teóricas fazem uma separação entre o estudo do


significado das expressões lingüísticas analisado fora de contextos de uso
(como fizemos quando apresentamos a sentença (5)), e o estudo do
significado das expressões em situações de uso (como fizemos quando
apresentamos os três contextos de sala de aula, acima). As teorias que fazem
essa divisão consideram que o estudo do significado lingüístico com base
apenas no sistema da língua -- fora de contexto de uso -- é o objeto específico
de estudo da Semântica. Diferentemente, o estudo do significado das
expressões lingüísticas em contextos de fala é o objeto específico da
Pragmática. Para essas teorias, a análise da sentença A porta está aberta que
descreve seu significado como sendo o de um objeto físico que não está
obstruindo a entrada ou saída de uma sala é parte da Semântica. Já a análise
da conceitualização formada pelo uso dessa sentença nos contextos de sala de
aula descritos acima é parte da Pragmática.

Entretanto, algumas outras correntes teóricas não aceitam a divisão tão rígida
entre o âmbito de estudo da Semântica, de um lado, e da Pragmática, de
outro. Para essas outras correntes, a construção de todas as conceitualizações
que fazemos está associada a nossa experiência no mundo, e sempre depende,
em maior ou menor grau, do contexto de fala. A divisão entre estudos
semânticos e estudos pragmáticos, para essas teorias, é apenas uma divisão
didática. Neste curso, nós vamos seguir essas correntes que consideram que o
objeto de estudo da Semântica e da Pragmática é o mesmo: os conceitos e a
conceitualização. No item seguinte, vamos entender o que é esse objeto de
estudo.

1.2 O que são conceitos e conceitualização

No item anterior, nós dissemos que o significado de um signo lingüístico não


é um objeto no mundo ao qual o signo faz referência. O significado é uma
entidade abstrata. Nós estávamos falando sobre o signo ‘mesa’. Existem
milhões de mesas no mundo, cada uma diferente da outra: algumas maiores,
outras menores, algumas de madeira, outras de metal, algumas redondas,
outras retangulares. Se o signo ‘mesa’ associasse uma pronúncia a uma mesa
específica, nós teríamos que dizer que o signo ‘mesa’ tem um significado
diferente para cada objeto mesa que existe no mundo. Não é isso o que
acontece. Nós todos temos, em nossas mentes, uma ‘idéia’ de mesa, uma
abstração que nos faz saber o que é uma mesa, e que nos ajuda a reconhecer
uma mesa quando estamos diante de uma, não importa qual seja sua forma, o
material de que é feito, seu tamanho, ou qualquer outra peculiaridade que ela
tenha. Essa ‘idéia’ que temos de mesa é o conceito de mesa.

Muita gente tende a achar que um conceito corresponde a uma imagem


pictórica mental. Mas essa idéia é errada. Primeiro, porque um grande
número de signos de uma língua designa coisas que não são fácil ou
diretamente imaginadas pictoricamente. Qual seria a imagem pictórica de um
signo como ‘ar’, por exemplo? Ou ‘ternura’? Ou ‘amizade’? E qual seria a
imagem pictórica de conceitos associados a adjetivos como ‘honesto’,
‘seguro’, ‘bom’. E dos conceitos associados a verbos como ‘ser’, ‘estar’ ou
‘ter’? E dos conceitos associados a preposições como ‘de’, ‘por’, ‘com’?

Além disso, mesmo quando estamos tratando de objetos concretos, a imagem


mental que fazemos dele acaba sendo ou muito específica ou muito genérica.
Vamos fazer uma imagem mental de um pássaro, por exemplo. Ela pode ser
muito específica, apresentando certos detalhes que certamente não
correspondem às características de todos os pássaros que vamos encontrar
por nossa vida afora. Nossa imagem pictórica mental pode, por exemplo,
apresentar penas de diversas cores, um bico forte, asas grandes, e uma cauda
majestosa. Mas nós certamente vamos encontrar muitos pássaros com penas
de uma cor só, bico minúsculo, asas pequenas e caudas que são até difíceis de
perceber. Mesmo assim, quando encontramos um pássaro com essas
características, não vamos ter problemas em reconhecer que se trata de um
pássaro.
Por outro lado, podemos fazer, em nossas mentes, uma imagem pictórica de
pássaro que seja muito esquemática, ou genérica. Uma imagem esquemática é
muito abstrata, não apresenta muitos detalhes. Essa imagem também vai ser
problemática, na medida em que ela vai acabar não trazendo informações
suficientes a respeito de muitas características que fazem, de uma
determinada entidade, um pássaro, e pode acabar não nos ajudando a
reconhecer um pássaro quando encontramos um.

O que acontece é exatamente o contrário dessa idéia de que conceitos são


imagens pictóricas mentais. Nós somos capazes de criar uma imagem
pictórica mental de pássaro porque temos o conceito de pássaro, e baseamos
nossa imagem nesse conceito. Mas ter o conceito de um objeto não exige que
nós formemos uma imagem mental desse objeto.

Afinal, o que é um conceito? Alguns teóricos propõem que um conceito é um


princípio de categorização. Quando temos um conceito como [PÁSSARO]
sabemos o que é um pássaro. Esse conceito é que faz com que reconheçamos
um pássaro quando estamos diante de um. A partir desse momento, nós
sabemos que podemos usar o signo ‘pássaro’ para fazer referência aos
pássaros que encontramos. Nós sabemos que pássaros são animais, que, em
geral, têm penas e voam, que têm bicos, que emitem um certo tipo de som,
que têm pés que lhes permitem agarrar coisas e que os ajudam a se segurar
em galhos das árvores onde pousam, que podem ser apreendidos pelos seres
humanos e mantidos em gaiolas como animais de estimação, etc. Todos esses
aspectos fazem parte do conceito [PÁSSARO]. Da mesma forma, e pelo
mesmo processo, sabemos também que algumas entidades não são pássaros.
Toda vez que usamos a palavra pássaro para fazer referência a dois animais
diferentes (como um pardal e uma galinha, por exemplo), estamos fazendo
um ato de categorização. Ou seja, estamos reconhecendo que esses dois
animais diferentes têm características em comum a tal ponto que podem,
ambos, ser enquadrados na categoria PÁSSARO1.

Se aceitarmos essa noção de conceito, não vamos ter dificuldade para


entender os conceitos de entidades abstratas, como [AMOR], [BONDADE],
[INFÂNCIA], etc., nem conceitos expressos por verbos como ‘ser’, ‘estar’,

1
Embora as relações entre signo, conceito e categoria sejam muito próximas, elas são bem diferentes. Um
signo é a união entre um conceito (significado) e um significante. Um conceito é um princípio de
categorização. E uma categoria é um conjunto de entidades (que podem ser objetos, eventos, situações,
relações ou conceitos) que têm algo em comum. Vamos grafar os signos entre aspas: 'pássaro'; os conceitos
entre colchetes: [PÁSSARO]; e as categorias em maiúsculo: PÁSSARO.
‘ter’, nem conceitos expressos por preposições, como ‘de’, ‘com’ ̧etc. Por
menos concretos que esses conceitos possam ser, todo falante de português
sabe bem a diferença que existe entre eles. Vamos tomar, como exemplo, as
expressões em (6) e (7) abaixo:

• (6) Eu vi o médico do Chico.

• (7) Eu vi o médico com o Chico.

Vimos, acima, que não é possível fazer uma imagem pictórica do conceito de
uma preposição. Entretanto, quando nos deparamos com exemplos como os
em (6) e (7), sabemos que a relação que se estabelece entre médico e Chico
em (6) é diferente da relação entre médico e Chico em (7). Isso mostra que os
conceitos que temos das preposições ‘de’ e ‘com’ nos ajudam a fazer
categorizações adequadas a respeito das relações entre entidades. Ou seja, por
causa dos conceitos que temos das preposições ‘de’ e ‘com’, colocamos as
relações expressas nas sentenças (6) e (7) em categorias diferentes.

Tomemos, ainda, os seguintes exemplos:

(8) O Chico é um bom professor.

(9) O Chico tem um bom professor.

(10) O Chico é bonito.

(11) O Chico está bonito.

É impossível fazermos uma imagem pictórica mental dos conceitos de verbos


como ‘ser’ , ‘estar’, ‘ter’, etc. Entretanto, quando estamos diante de exemplos
como (8), (9), (10) e (11), vemos que somos capazes de apreender os
conceitos desses verbos, na medida em que somos capazes de colocar as
relações estabelecidas por esses verbos em categorias diferentes. Sabemos
que a relação entre Chico e um bom professor, estabelecida pelo verbo ‘ser’
(em (8)), é diferente da relação entre Chico e um bom professor, estabelecida
pelo verbo ‘ter’ (em (9)). Da mesma maneira, sabemos que a relação entre
Chico e bonito estabelecida pelo verbo ‘ser’ (em (10)) é diferente da relação
entre Chico e bonito estabelecida pelo verbo ‘estar’ (em (11)).

Saber categorizar as relações estabelecidas por verbos ou preposições, e saber


categorizar os referentes dos nomes (ou substantivos) significa saber o
significado dos verbos, preposições e nomes. Essa idéia é compatível com a
idéia de Saussure que vocês viram no curso de Introdução aos Estudos
Lingüísticos, segundo a qual a língua é um princípio de classificação.
Certamente, a língua é o instrumento mais poderoso que os seres humanos
têm para fazer categorizações; ou seja, a língua é um instrumento que nos
ajuda a classificar as entidades físicas e abstratas que nos rodeiam, e as
relações que se estabelecem entre elas. Na próxima unidade, vamos nos deter
um pouco mais na noção de categorização. Mas, antes disso, agora que já
vimos o que é um conceito, vamos falar de conceitualização.

Como já vimos várias vezes, os signos lingüísticos são associações


convencionais entre uma forma e um conceito. Mas, se pensarmos em toda a
construção de significado que fazemos, quando dizemos ou interpretamos um
enunciado2, vamos ver que os conceitos que formam os signos são muito
limitados. Esses conceitos são apenas instruções rudimentares para darmos
início a um processo de criação de idéias ricas e elaboradas, que vão além da
contribuição dada pelos conceitos.

Esse processo de construção de significado é chamado conceitualização. Para


exemplificar, vamos tomar a palavra ‘pular’. Todos nós sabemos o que essa
palavra significa. Todos temos um conceito do evento de pular. Mas vejam
que, se o evento for o de pular corda, vamos estar diante de algumas maneiras
bem específicas de pular: podemos pular corda tirando os dois pés do chão ao
mesmo tempo, podemos pular corda tirando primeiro um pé, depois o outro, e
podemos pular corda como os boxeadores fazem. Todas essas maneiras de
pular são muito diferentes das maneiras que temos de pular um muro. Se o
muro for baixo, podemos pulá-lo passando uma de nossas pernas por cima do
muro, enquanto o outro pé fica apoiado no chão. Ou podemos correr para
tomar impulso, e pular o muro como em uma corrida de obstáculos.
Podemos, ainda, dar um impulso, segurar o topo do muro com as duas mãos,
elevar nosso corpo até o topo, e depois pular para o outro lado. De um jeito
ou de outro, quando pulamos um muro, normalmente evitamos pular de
cabeça, não é? Se pularmos de cabeça, corremos o risco de nos machucar
seriamente! Entretanto, se o que houver na nossa frente não for um muro,
mas uma piscina, podemos pular de cabeça, se quisermos.
2
Um "enunciado" é o resultado de uma “enunciação”, que é a língua sendo usada. Qualquer uso real da
língua é um enunciado. Ele sempre vai ter um autor (a pessoa que falou) e alguma situação em que é
produzido. Vai ter também uma pessoa que o interpreta e alguma situação de interpretação. No caso de um
enunciado escrito (como este que estamos escrevendo aqui) ou filmado, vai haver uma situação de
interpretação diferente da de produção, e a pessoa que interpreta pode nem conhecer o autor. Isso é diferente
de uma situação de conversa, em que as pessoas que falam e interpretam o que é falado ocupam todas o
mesmo espaço, simultaneamente.
Vejam, então, que embora a palavra ‘pular’ tenha um significado, ele é
apenas parcialmente responsável pela conceitualização que fazemos a partir
dele. Como dito acima, os signos lingüísticos trazem apenas instruções gerais
para darmos início a um processo de construção de significação, que tem
como base fundamental aquilo que se chama conhecimento enciclopédico. O
conhecimento enciclopédico que cada um de nós tem é resultado de nossas
experiências de vida. É porque pulamos corda em nossa infância, ou vimos
outras crianças pulando corda, que sabemos que existem diferentes maneira
de pular corda, e que pular corda é diferente de pular um muro, ou de pular
em uma piscina. Para construir conceitualizações a partir da expressão
‘pular’, usamos todo esse conhecimento. A expressão ‘pular’ ela mesma
serve apenas para disparar esse processo de conceitualização. Na Unidade 4,
vamos aprender um pouco mais a respeito do conhecimento enciclopédico
que temos e que é fundamental para a construção do significado.

2. SEMÂNTICA
Antônio Carlos Siqueira de Andrade

1.1 - Definição de Semântica

A palavra SEMÂNTICA deriva de SEMAINÔ (sig- nificar), que se


origina de SÊMA (sinal) e é, em sua origem, o adjetivo correspondente a
sentido.
Os gregos viam a língua como reflexo da realidade, e as questões ligadas
ao significado tinham importân- cia capital, porque era através da língua que
se anali- sava essa realidade. Decorre daí a preocupação em observar se o ato
de nomear as coisas era natural ou convencional. Aristóteles definiu a palavra
como a menor unidade significativa da fala.
Semântica, em sentido lato, preocupa-se com qualquer sinal: brasões,
bandeiras, gestos, gritos ou outro sinal utilizado para transmitir mensagens e,
principal- mente, tudo que se refere às palavras.
Em sentido estrito, Semântica estuda as palavras no seio da língua: o
que é uma palavra, quais as relações entre forma e sentido, as relações entre
as palavras, a sua função etc.
Guiraud (1980: 07) define Semântica como estudo do sentido das
palavras. Preocupa-se, portanto, com o signo verbal.
Originariamente, designava um ramo de estudo da linguagem. Mais
tarde, a palavra foi utilizada pelos lógicos e pelos psicólogos, o que resulta
em três ques- tões:

1. Problema linguístico – cada sistema de signos tem suas regras específicas


referentes à sua natureza e à sua função.

2. Problema lógico – quais as relações do signo com a realidade? Em que


condições ela se aplica a um objeto ou a uma situação que ele tem a função
de significar?

3. Problema psicológico – por que e como nos co- municamos? O que é um


signo e o que se passa em nosso espírito e no de nosso interlocutor quando
nos comunicamos? Qual o substrato e o mecanismo fisio- lógico e psíquico
desta operação?

Como ciência, a Semântica surgiu no século XIX, com M. Bréal, que


defendia a sua unificação com a Etimologia – o estudo do modo como se
fixam os sig- nificados e as alterações de sentido. Como observa Marques
(1976, p. 16):

O vocábulo Semântica foi utilizado pela primeira vez, em


1883, por Michel Bréal, para designar uma nova ciência
que, ao lado da Fonética e da Morfolo- gia, preocupadas
com a análise do corpo e da forma das palavras, estudaria
as mudanças de sentido, a es- colha de novas expressões,
o nascimento e a morte das locuções.

A Semântica tradicional é de base lexicológica por- que toma a palavra


como unidade fundamental com- posta de significante e significado,
distinguindo a pa- lavra daquilo que ela nomeia, isto é, o referente.
Para Marques (1976: 25), a união forma/conceito estabelece-se no
intercâmbio social, decorrente de sua aceitação, por isso varia de língua para
língua e na mesma língua varia no decorrer do tempo, o que resulta em
fenômenos como a sinonímia, a polisse- mia, a homonímia e sentidos
figurados.
A par dessa convencionalidade, existe uma motiva- ção no plano
fonológico: chiar, sibilar; no plano mor- fológico: lenhador, construtor; no
plano semântico – braço (de rio) – transferência de sentido estabele- cida pela
semelhança entre braço (do corpo), que se estende lateralmente e de rio, que
se estende para a terra numa das margens da corrente principal.
Mussalin & Bentes (2006: 19) apresentam três abor- dagens para
Semântica:

1. Semântica Formal – A Semântica Formal descreve o significado a


partir do postulado de que as sentenças ou frases se estruturam
logicamente.

Essa visão remonta a Aristóteles que, analisando o raciocínio dedutivo,


mostrou que existem relações de significado que não dependem das
expressões.

Exemplo:
Todo homem é mortal.
João é homem.
Logo, João é mortal.

A premissa menor (João é mortal) está contida na premissa maior (Todo


homem é mortal) ou, o conjunto dos homens está contido no conjunto dos
mortais.
Esse raciocínio se fixa através das relações con- 14 traídas, independente
do significado de homem e de mortal.
Alterando-se as expressões e mantendo as relações, o raciocínio será
sempre válido.

Gottlib Frege afirma que o estudo científico do sig- nificado deve


considerar apenas os aspectos objeti- vos, pois as representações individuais
variam de in- divíduo para indivíduo (Ibidem: 20).
Uma palavra como árvore tem um lado que é co- mum a
todos: é uma planta, possui diversos tipos e pode ser
reconhecida através de uma imagem sonora ou visual ou
tátil. Isso é referência. Já a experiência que cada
indivíduo tem em relação ao significado va- ria – árvore
para um ecologista tem um significado diferente do de
um desmatador, que vende a madei- ra ou derruba as
árvores para cultivar uma lavoura. Pode representar algo
próximo, para aquele que vive numa floresta, ou distante
para aquele que vive numa grande cidade, onde a
existência de árvores é escassa. Isso é sentido.

Assim, se a Semântica se ocupa ou se preocupa com os aspectos


objetivos do significado, é a Psicologia que vai se ocupar da experiência
subjetiva desse mes- mo significado.

2. Semântica da Enunciação – Na Semântica Formal, o conceito de


verdade é externo à linguagem ou a linguagem é um meio para se
alcançar a verdade. Postula uma ordem no mundo que dá conteúdo à
linguagem.

A Semântica da Enunciação acredita que a lingua- gem constitui o


mundo, ou não há uma ordem no mundo “...que não seja dada
independentemente da linguagem e da história. A linguagem constitui o
mundo, por isso não é possível sair fora dela.” (Ibi- dem: 27). E na página
seguinte:

A linguagem, afirma Ducrot, é um jogo de argumen-


tação enredado em si mesmo; não falamos sobre o
mundo, falamos para construir um mundo e a par- tir dele
tentar convencer nosso interlocutor da nossa verdade,
verdade criada pelas e nas nossas interlocu- ções. A
verdade deixa, pois, de ser um atributo do mundo e passa
a ser relativa à comunidade que se forma na
argumentação. Assim, a linguagem é uma dialogia, ou
melhor, uma ‘argumentalogia’; não fa- lamos para trocar
informações sobre o mundo, mas para convencer o outro
a entrar no nosso jogo discur- sivo, para convencê-lo de
nossa verdade.

O uso dos dêiticos – eu, você, isto – nos dá a (falsa) sensação de


estarmos fora da língua. Entretanto, a referência é uma ilusão criada pela
linguagem, pois sempre estamos inseridos nela.

3. Semântica Cognitiva – Na Semântica Cognitiva, o significado é central na


investigação sobre a linguagem.
O significado...não tem nada a ver com a relação de pareamento entre
linguagem e mundo...ele emerge de dentro para fora, e por isso ele é
motivado... A sig- nificação linguística emerge de nossas significações
corpóreas, dos movimentos de nossos corpos em in- teração com o meio que
nos circunda (Ibidem: 34).

O significado é mais uma questão cognitiva do que um


fenômeno estritamente linguístico. A linguagem
articulada é apenas uma das manifestações superfi- ciais
da nossa estruturação cognitiva, que lhe antece- de e dá
consistência.

1.2 - CRIAÇÃO SEMÂNTICA

O processo básico de criação semântica é a nominação.

Sempre que se deseja nomear ou dar nome a algu- ma coisa, um


conceito, traduzir uma idéia, cria-se uma palavra nova, baseada nos recursos
lexicológi- cos (morfologia e semântica) – é o neologismo; ou utiliza-se uma
palavra já existente que, nesse caso, passa a ter mais um sentido.
O neologismo surge, não do desejo de inovar, mas de designar algo
porque não existe um termo ou o termo antigo se encontra desgastado.

A criação é coletiva. Tão importante é produzir ou inventar uma nova


palavra quanto aceitá-la e passar a utilizá-la.

Um exemplo é a criação e a modernização dos meios de transporte.


Antes as estradas não tinham pedágio. Hoje temos rodovias pedagiadas. E
quem ultrapassar os limites de velocidade, estará sujeito a multagem
eletrônica.

Os ônibus e trens exigiam fichas e bilhetes. Hoje nós temos bilhetagem


também eletrônica.

O processo de nominação atende a designações objetivas, como é o caso


do vocabulário técnico ou científico – teleprocessamento, termômetro,
nanotecnologia; ou se vale da subjetividade para conotar um sentido: Ela é
muita gata.

De todos os processos, a derivação e a composição estão na base de


muitos casos, embora a onomatopeia e os estrangeirismos sejam também
muito frequentes.

No caso das onomatopeias, a língua fornece re- cursos imitativos de


determinados sons que nem sempre utilizamos de forma consciente: quem
diria que o verbo chiar é uma criação onomato- paica? Já em miar parece que
a associação ao ruído emitido por gatos está mais aparente.
Os estrangeirismos também são frequentes, a ponto de ter denominações
próprias: anglicis- mos (provenientes da língua inglesa), galicismo
(provenientes da língua francesa), italianismos, germanismos entre outros e
se devem a contatos de natureza econômica, cultural e social.

Muito se critica a utilização de estrangeiris- mos. De um lado, temos a


invasão ou abuso na utilização de termos de outra língua, o que deve ser
evitado; de outro, a necessidade de designar algo quando a nossa língua não
oferece um ter- mo que se adapte tão bem ao objeto ou conceito designado.

O exemplo mais conhecido é o da palavra futebol, aportuguesada a partir


do inglês football. Alguns puristas propuseram ludopédio ou pedí- bolo.

E que tal, em vez de carnê (do francês carnet), usar choribel, ou


ludâmbulo para turista?

1.3 - Transferência de Sentido

A transferência de sentido se dá por metáfora ou metonímia.

A palavra metáfora (grego metáphora) forma-se a partir de meta = trans


+ phorein + levar e significa transferência.

Muitos autores acreditam que a linguagem antiga tem uma natureza


metafórica. Para Renan (apud TODOROV, 1977), a metáfora foi o grande
procedimen- to da formação da linguagem.

O homem primitivo utilizava-se de palavras e ex- pressões de maneira


figurada: exprimia seus pensa- mentos na linguagem da poesia.

Igualmente, “...a linguagem dos selvagens moder- nos


com frequência é descrita como metafórica e rica em
expressões figuradas” (Ibidem: 36).

A metáfora é uma comparação condensada que afir- ma uma identidade


intuitiva e concreta. A relação é a de sentido através de características, ou
melhor, a transmutação de sentido é decorrência de traços de semelhança que
mentalmente se podem estabelecer entre o sentido próprio e o sentido novo.
Ullman (1997: 440) observa que a metáfora tem grande im- portância na
força criadora da língua.

Essa importância se comprova na grande quantidade de metáforas que


refletem o habitat em que vivemos. Há, por exemplo, as metáforas
antropomórficas:

Pé do morro
Coração da floresta
Pulmões da cidade

E as metáforas animais – transferência de caracterís- ticas dos animais


para os humanos: burro, cachorro, porco, vaca etc.
As sinestesias fazem parte desse recurso: voz quen- te, cheiro doce,
cores berrantes.

Metonímia
A transferência do nome de um objeto ou ação a outro objeto se dá a
partir de relações objetivas de causa/efeito ou continente/conteúdo.

Exemplos: “Me traz uma Skol.”

Etimologia
A Etimologia tem um papel fundamental para a Se- mântica, pois estuda
as relações de significado que uma palavra conserva com outra palavra mais
antiga e da qual se origina.

Em termos sincrônicos, estuda a formação de pala- vras a partir de um


étimo ou termo base (radical).

A etimologia definida no primeiro parágrafo é tam- bém chamada


etimologia erudita, baseada no conhe- cimento das formas primitivas e das
leis que propor- cionaram a sua evolução ou transformação.

Paralelamente, existe um processo denominado eti- 16 mologia popular


ou falsa etimologia em que uma pa- lavra é formada a partir de semelhanças
formais, mas que não tem relação genética com a palavra de que,
pretensamente, se origina.

É o caso de sombrancelha, chuva de granito, por exemplo.


Cohen (in: TODOROV et al, 1977: 23) endossa esse processo, ao
afirmar que “... a busca histórica entre as palavras... é caminho estreito e
mesmo errôneo.” As relações de afinidades devem ser consideradas assim:

A etimologia popular aproxima pela forma ou pelo


sentido palavras que, do ponto de vista da etimologia
erudita não têm nada em comum, mas que, funcional-
mente, são sentidas como aparentadas.

1.4 - Tipologia das Relações de Sentido

Os estudos gramaticais na Antiguidade, não só reconheciam as


categorias lógicas, mas também a tipologia das relações: a sinonímia, a
antonímia, a homonímia.

Tais relações podem ser:

Unívocas – o significante e o significado tradu- zem exatamente o que se


quer dizer;
Equívocas – os conteúdos são distintos: homonímia – canto (ângulo: canto da
sala) e canto (verbo cantar);

Multívocas – os conteúdos são coincidentes: sinonímia – belo/bonito;

Diversívoca – há oposição conceitual: antonímia.

Ambiguidade
É a situação em que um segmento sonoro, uma construção ou uma
palavra apresenta duplicidade de sentido. Pode ser:

Fonética:
Ela ficou como herdeira da família. Vou dar uma olhadinha no jogo. Aquela é
a Miss Java.

Gramatical:
Eu vi o acidente do carro.
Camelô vende pirata no centro (a elipse de produto favorece a ambiguidade).
Político reclama que mídia quer destruir sua imagem.
Lexical – pode se dar através da:
Polissemia: uma mesma palavra nomeia coisas diferentes. E cada sentido é
percebido como extensão de um sentido básico. A vantagem da polissemia é
que uma mesma palavra nomeia coisas diferentes, evitando a sobrecarga, isto
é, a memorização de uma palavra para nomear cada coisa di- ferente; por
outro lado, pode causar ambiguidade.

Ex.: Parece que esse acordo teve o dedo do Ministro da Fazenda.

Ponha dois dedos de café para mim.

Homonímia – situação em que palavras que possuem significados


diferentes são pronunciadas e/ou grafadas da mesma maneira.

Há descontinuidade de sentido. Ex.: banco (de jardim) e banco (casa de


crédito); pinto (filhote da galinha) e pinto (verbo pintar); almoço (substanti-
vo) e almoço (verbo almoçar).

A homonímia também pode causar ambiguidade: Ele comprou uma lima


(fruta ou ferramenta?).

Sinonímia

Sinônimos são palavras que guardam entre si um significado e/ou uso


comum.

Nesse caso, belo e bonito são sinônimos.

Muitos autores acham que não há sinonímia perfei- ta. Outros só


aceitam a sinonímia perfeita na lingua- gem científica – H2O = água; cloreto
de sódio = sal; ácido ascórbico = vitamina C.

Geraldi e Ilari (1995: 42) exemplificam a sinonímia através de paráfrases:

1. Pegue o pano e enxugue a louça.


2. Pegue o pano e seque a louça. Em que a equivalência ocorre por causa do
em-
prego de palavras sinônimas.

Em
3. É difícil encontrar esse livro.
e
4. 4. Este livro é difícil de encontrar. As estruturas sintáticas se
equivalem.

Em

5. Esta sala está cheia de fumaça.


e
6. Abra a janela.

Embora diferentes, traduzem a mesma intenção de quem as profere, ou


seja, um pedido para abrir a janela porque o ambiente está irrespirável.

Antonímia

É a situação em que uma palavra carrega um sen- tido que se opõe a


outro. É o seu contrário, embo- ra essa oposição não seja definitiva ou
fechada. Por exemplo, nascer opõe-se a morrer, mas não são ações
contrárias, mas dois momentos extremos do mesmo processo de viver
(Ibidem: 54).

Para Ilari (2003: 25):

Os antônimos formam pares que se referem a reali- dades “opostas”:

Ações: perdi o lápis, mas em compensação achei uma nota de 10 reais.

Qualidades: a sopa estava quente, mas o café estava frio.

Relações: o gato estava embaixo da mesa; a gaiola do canário estava


sobre a mesa.

A “oposição” existente entre dois antônimos pode ter fundamentos


diferentes:
– diferentes posições numa mesma escala. Ex: quen- te e frio
representam duas posições na escala da tem- peratura.
– início e fim de um mesmo processo: florescer e murchar.
– diferentes papéis numa mesma ação: bater e apa- nhar.
Encontramos antônimos entre:
– substantivos: bondade versus maldade.
– adjetivos: duro versus mole. – verbos: dar versus receber.
– advérbios: lá versus cá.
– preposições: sobre versus sob.

Expressões Idiomáticas

Quando se estuda uma língua estrangeira, há todo um cuidado em


memorizar as expressões idiomáticas, que devem ser aceitas como
construções acabadas ou bloqueadas e por isso jamais devem ser traduzidas
ou interpretadas literalmente.

Alguns gramáticos, que conservam um ranço auto- ritário em relação à


língua e sobre quem deve “le- gislar” sobre ela, defendem mudanças como
risco de morte, em vez de risco de vida; correr atrás do lucro, em vez de
correr atrás do prejuízo revelam um to- tal desconhecimento do que significa
uma expressão idiomática. É como se elas só existissem na língua dos outros.

Imagine substituir “Estou morto de fome” por “Es- tou falecido de


fome”. Ou como eles (os tais gramáticos) resolveriam a expressão “ao pé da
letra”, sinônima de “literalmente”, palavra localizada dois parágrafos acima?

Recursos Lexicais

A seleção vocabular está presente em quase todas as nossas atividades


expressivas, seja na fala, seja na escrita. Essa atividade pertence à nossa
gramática in- ternalizada e para nós é imperceptível quase sempre, e só nos
damos conta disso quando queremos nos lembrar de uma palavra que naquele
momento não está disponível em nossa memória.

Existem palavras que trazem uma carga positiva ou negativa, como:

§ Loja, negócio ou birosca, tendinha


§ Separar-se de alguém ou largar (de) alguém
§ Escrever ou rabiscar
§ Magra ou seca
§ Colar ou grudar

Existem também palavras que intensificam uma realidade:


§ A sala está suja (ou imunda).
§ Ele amava a mulher (ou adorava).

Há recursos expressivos que consistem em tornar coisa o que é humano – a


reificação: Os passageiros viajavam empilhados no ônibus das seis.

Ou o processo contrário – a personalização: A cidade recebe sorridente os


visitantes. A reificação e a personalização podem ser positiva ou negativa:

Esse rio já matou muitos banhistas. (personaliza- ção negativa)


Como ela consegue sair com aquilo? (reificação negativa)
A cidade chorou a morte do poeta. (personalização positiva)
Nosso país sempre recebe os turistas de braços abertos. (personalização
positiva)

A transposição para o plano animal ou das coisas é outra forma de


intensificar uma realidade positiva ou negativamente:

O casal apaixonado voltou feliz para seu ninho. (casa)


Arrume seu quarto. Ele está um ninho!
Tire as patas da minha bicicleta.
O moleque limpou o focinho na cortina.

Essa aproximação entre o ser humano e animais pode se dar por:


Semelhança física – Aquela mulher tem pescoço de girafa.

Ações dos animais – O bandido arrastou-se pelo chão.

Designações do corpo humano – Levante o rabo dessa cadeira!

Coletivos – Eu não gosto daquela cambada.

Linguagem animal – Deu uma topada na pedra e saiu ganindo de dor.


______________________________________________________________
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ATIVIDADES

1) Ilari (2003: 151) afirma que a polissemia afeta a maioria das construções
gramaticais, dando como exemplo o aumentativo – Paulão – que pode ser
interpretado como “pessoa grande” “pessoa alta”, “pessoa grosseira”,
“desajeitada” ou até mesmo “uma pessoa com quem todos se sentem à
vontade”.
Teste essa afirmativa, dando as possíveis ou possível interpretação para os
aumentativos abaixo: 1.1. Minhocão (viaduto) 1.2. Carrão 1.3. Mulherão
1.4. Jogão 1.5. Bobão
2) Aponte se os sufixos das palavras abaixo indicam dimensão ou afetividade
(sentimento positivo ou nega- tivo):
2.1. Gatinha (garota)
2.2. Gatinha (animal)
2.3. Mulherzinha
2.4. Sujeitinho
2.5. Roupinha (de neném)
2.6. Roupinha (básica)

3) Ilari (2003: 154) narra um episódio ocorrido em uma escola rural, no


interior de São Paulo. A professora ensinou à turma que era inadequado pedir
para “mijar”. E todos seguiram a orientação da professora, pedindo para
“fazer xixi”, exceto um garoto que continuou utilizando a mesma pergunta
inadequada. A mestra chamou o pai do garoto que, contrariado, ameaçou tirar
o filho da escola, porque, para ele, quem faz xixi é mulher; homem mija. Há
por trás dessa atitude uma questão de valores, crenças, que se manifestam na
seleção vocabular, além de uma dose de subjetividade. Tente completar as
sequências abaixo, utilizando a palavra mais adequada a cada situação:

3.1. Para a mãe de um sujeito violento, seu filho é ____________. - bandido;


nervoso; marginal; agressivo.

3.2. O pai de uma menina volúvel acha a filha__________. - pilantra;


insensível; namoradeira; atenciosa.

3.3. Quando um pobre morre, os parentes e conhecidos vão ao


seu__________. Quando um rico morre, todos vão ao seu__________. E se
ele for muito rico e importante, os convidados vão assistir às suas_________.
- funeral; enterro; exéquias.

3.4. O prefeito____________(d) as verbas públicas. - roubou; furtou; fez mau


uso.

3.5. Num convite formal de casamento, é mais apropriado


usar_____________________. - casório; enlace matrimonial; união;
cerimônia.

3.6. “Jogar luz em” é o mesmo que focar; focalizar; esclarecer; ensinar.

4) Dê exemplo de:

4.1. procedimento médico – 4.2. procedimento bancário – 4.3. operação


financeira – 4.4. operação policial –

5) Existem verbos que se empregam genericamente, embora possuam outros


mais específicos. Essa alternân- cia evita repetições desnecessárias. Tente
achar os verbos específicos para aqueles destacados a seguir.

5.1. O ministro pôs as finanças em ordem.____________


5.2. A mulher pôs em dúvida as explicações do marido.__________
5.3. Bom governo é aquele que põe a educação em primeiro
lugar.__________
5.4. O jornal deu a notícia do sequestro.__________
5.5. A atriz deu uma festa em sua casa.__________
5.6. O juiz teve um gesto de surpresa.__________
5.7. O detido não tinha documentos.__________
5.8. O escritor fez uma crônica em pouco tempo.__________

6) Muitas vezes, os animais são usados para traduzir características do


comportamento humano. Coloque, ao lado de cada animal, a qualidade ou
defeito que ele representa:

6.1. touro – 6.4. pavão – 6.7. raposa – 6.10. lesma – 6.13. abelha – 6.16. leão

6.2. porco – 6.5. formiga – 6.8. burro – 6.11. camaleão – 6.14. baleia – 6.17.
cavalo –

6.3. tartaruga – 6.6. cobra – 6.9. cordeiro – 6.12. boi – 6.15. lebre – 6.18. rato

7) Muitos estudiosos consideram a analogia ou etimologia popular um


processo tão legítimo quanto a etimo- logia erudita no que toca à formação de
palavras, pois muitas vezes há uma relação de sentido com a palavra tomada
como ponto de partida para a sua criação.

Coloque ao lado das palavras que se seguem as formas corretas e, sempre que
possível, explique a associação entre elas:

7.1. Pernambular – 7.2. Eletricocardiograma – 7.3. Principício – 7.4.


Despencadeiro – 7.5. Vasculhante – 7.6. Paratrapo – 7.7. Serve-serve – 7.8.
Figo – 7.9. Cerular – 7.10.Vide-verso – 7.11. Choque-terra – 7.12. Cabeçário

A investigação do significado
CANÇADO, Márcia

A investigação linguística

Semântica é o estudo do significado das línguas. Este livro é uma


introdução à teoria e à prática da Semântica na Linguística moderna. Apesar
de não ser uma introdução a qualquer teoria específica, este livro apoia-se na
premissa básica de que a habilidade linguística do ser humano é baseada em
um conhecimento específico que o falante tem sobre a língua e a linguagem.
É esse conhecimento que o linguista busca investigar.
Ao conhecimento da língua, chamaremos de gramática, entendendo-se
por gramática o sistema de regras e/ou princípios que governam o uso dos
signos da língua. A Linguística assume que o falante de qualquer língua
possui diferentes tipos de conhecimento em sua gramática: o vocabulário
adquirido, como pronunciar as palavras, como construir as palavras, como
construir as sentenças1, e como entender o significado das palavras e das
sentenças. Refletindo essa divisão, a descrição linguística tem diferentes
níveis de análise: o estudo do léxico, que investiga o conjunto de palavras de
uma língua e sua possível sistematização; o estudo da Fonologia, que focaliza
os sons de uma língua e de como esses sons se combinam para formar as
palavras; o estudo da morfologia, que investiga o processo de construções das
palavras; o estudo da sintaxe, que investiga como as palavras podem ser
combinadas em sentenças; e o estudo da semântica, que focaliza o significado
das palavras e das sentenças.
Ao conhecimento da linguagem, associaremos o uso da língua, ou seja,
o emprego da gramática dessa língua nas diferentes situações de fala. A área
da Linguística que descreve a linguagem denomina-se Pragmática. A
Pragmática estuda a maneira pela qual a gramática, como um todo, pode ser
usada em situações comunicativas concretas. Neste livro, veremos noções
que ora estão no campo da língua, ora no campo da linguagem; tentarei, na
medida do possível, situá-las em seus domínios de conhecimento.

Semântica e Pragmática

Localizemos, primeiramente, o nosso principal objeto de estudo: a


semântica. O estudo da semântica, repetindo, é o ramo da Linguística voltado
para a investigação do significado das sentenças. Como assumimos que o
linguista busca descrever o conhecimento linguístico que o falante tem de sua
língua, assumimos também, mais especificamente, que o semanticista busca
descrever o conhecimento semântico que o falante tem de sua língua. Por
exemplo, esse conhecimento permite que um falante de português saiba que
as duas sentenças a seguir descrevem a mesma situação:

(1) a. O João acredita, até hoje, que a terra é quadrada.


b. O João ainda pensa, atualmente, que a terra é quadrada.

Esse mesmo conhecimento também permite que um falante de


português saiba que as duas sentenças adiante não podem se referir à mesma
situação no mundo, ou seja, são sentenças que se referem a situações
contraditórias:

(2) a. O João é um engenheiro mecânico.


b. O João não é um engenheiro mecânico.

Ainda, o conhecimento semântico que o falante do português do Brasil


tem o leva a atribuir duas interpretações para a seguinte sentença:

(3) A gatinha da minha vizinha anda doente.

Portanto, são fenômenos dessa natureza que serão o alvo de uma


investigação semântica. Existe um consenso entre os semanticistas de que
fatos como esses são relevantes para qualquer teoria que se proponha a
investigar a semântica. Entretanto, antes de seguirmos com o nosso estudo
sobre os fenômenos semânticos, é importante salientar que a investigação
linguística do significado ainda interage com o estudo de outros processos
cognitivos, além dos processos especificamente linguísticos. Parece bem
provável que certos aspectos do significado se encontrem fora do estudo de
uma teoria semântica. Veja (4):

(4) a. Você quer um milhão de dólares sem fazer nada?


b. Não!!! (responde o interlocutor, com uma entonação e uma expressão
facial que significam: claro que quero!)

Evidentemente não é o sistema linguístico que permite a interpretação


da sentença em (4b): o item lexical não levaria a uma interpretação oposta à
que todos nós provavelmente entendemos. O que faz, então, o falante de (4a)
entender o falante de (4b)? São fatores extralinguísticos, como a entonação
que o falante de (4b) usa, a sua expressão facial e, às vezes, até seus gestos; já
entramos, então, no campo da prosódia, da expressão corporal etc. Portanto,
fica claro que nem sempre o sistema semântico é o único responsável pelo
significado; ao contrário, em várias situações, o sistema semântico tem o seu
significado alterado por outros sistemas cognitivos para uma compreensão
final do significado. Por exemplo, vem sendo explorado por alguns
estudiosos que alguns aspectos do significado são explicados em termos das
intenções dos falantes, ou seja, dentro do domínio de teorias pragmáticas.
Tais teorias podem ajudar a explicar como as pessoas fazem para significar
mais do que está simplesmente dito, através da investigação das ações
intencionais dos falantes. Repare na sentença:
(5) A porta está aberta.

O que significa essa sentença? Que existe uma determinada situação em


que um objeto denominado porta se encontra em um estado de não fechado
(seja não trancado ou apenas afetado em seu deslocamento). Agora
imaginemos o seguinte: um professor está dando aula e algum estudante para
na frente da sala e fica olhando para dentro; o professor dirige-se a ele, com
uma atitude amigável, e profere a sentença em (5). Certamente, nessa
situação, a sentença (5) não será entendida como o estado de a porta estar
aberta ou não, mas, sim, como um convite para que o estudante entre.
Vejamos ainda essa mesma sentença em outra situação: um estudante muito
agitado está atrapalhando a aula; o professor diz a mesma sentença, só que
agora sua intenção é repreender esse aluno. A sentença (5) será entendida
como uma ordem para que o estudante saia. Portanto, nos exemplos dados,
vemos que o significado vai além do sentido do que é dito. Como
entendemos esse significado? Esse conhecimento tem relação com a nossa
experiência sobre comportamentos em salas de aula, intenções, boas
maneiras, isto é, com o nosso conhecimento sobre o mundo.
Entender o que o professor falou em cada contexto específico parece
envolver dois tipos de conhecimento. Por um lado, devemos entender o que o
professor falou explicitamente, o que a sentença em português A porta está
aberta significa; a esse tipo de conhecimento, chamamos de semântica. A
semântica pode ser pensada como a explicação de aspectos da interpretação
que dependem exclusivamente do sistema da língua, e não de como as
pessoas a colocam em uso; em outros termos, podemos dizer que a semântica
lida com a interpretação das expressões linguísticas, com o que permanece
constante quando certa expressão é proferida. Por outro lado, não
conseguiríamos entender o que o professor falou, se não entendêssemos
também qual era a intenção dele ao falar aquela expressão para determinada
pessoa em determinado contexto; a esse tipo de conhecimento, chamamos de
pragmática. O estudo da A investigação do significado pragmática tem
relação com os usos situados da língua e com certos tipos de efeitos
intencionais. Entretanto, o leitor verá, ao longo do livro, que nem sempre é
tão clara essa divisão e que nem sempre conseguimos precisar o que está no
terreno da semântica e o que está no terreno da pragmática.2

Uso, menção, língua-objeto e metalinguagem

A diferença entre uso e menção de uma sentença também ajudará a


compreender as noções de semântica e pragmática. Para entendermos essa
diferença, primeiramente vejamos o que quer dizer a palavra significado.
Certamente, o significado em teorias semânticas não é tão abrangente quanto
o uso que se faz na linguagem cotidiana. Observe as sentenças a seguir:

(6) a. Qual o significado de ser um homem?


b. Qual o significado de ‘ser um homem’?

Qual das sentenças trata a palavra significar do ponto de vista


semântico? Certamente, a sentença (b) é a adequada. A outra diz respeito a
questões metafísicas. É fácil justificar essa resposta. A semântica preocupa-se
com o significado de sentenças e de palavras como objetos isolados e,
portanto, a resposta a (6b) estaria ligada somente à relação entre as palavras
da expressão destacada ser um homem. Poderíamos responder, por exemplo,
dizendo que “ser um homem quer dizer ser humano, do sexo masculino, de
uma determinada idade adulta”. Perceba que a resposta do significado para
ser um homem, em (6b), não vai variar de conteúdo de acordo com quem a
responde ou de acordo com o contexto. Qualquer falante do português
aceitaria a resposta dada anteriormente como sendo boa. Já a questão em (6a)
terá uma resposta que vai variar com o contexto: se a pergunta for feita a um
filósofo, teremos uma resposta; se for feita a um homem do campo,
certamente será outra. Por exemplo, para um filósofo, ser um homem pode
implicar questões de ordem existencial etc.; para um homem do campo, pode
significar simplesmente questões de ordem prática, como aquele que sustenta
a casa etc. Chamaremos, pois, a expressão destacada ser um homem da
sentença (6b) de menção, e a expressão ser um homem da sentença (6a) de
uso.3 Fica claro, pois, que o objeto de estudo da Semântica é a menção das
sentenças e das palavras, isoladas de seu contexto; e o objeto de estudo da
Pragmática é o uso das palavras e das sentenças, inseridas em determinado
contexto.
Separar as noções de menção e de uso também facilita perceber a
distinção entre língua-objeto e metalinguagem. É muito difícil o trabalho do
linguista, que tem que usar a língua para descrever seu objeto de estudo – a
própria língua. Veja que a Física pode se valer da Matemática para explicitar
certos fenômenos físicos. Portanto, o objeto de estudo da Física é o fenômeno
físico, e a metalinguagem para descrevê-la pode ser a Matemática. Já, por
exemplo, o linguista brasileiro usa a própria língua, ou seja, o português
brasileiro para descrever os fenômenos linguísticos observados. Porém, se
fizermos a distinção entre uso e menção, poderemos estabelecer que o objeto
de estudo do linguista é a menção da língua, e a metalinguagem usada é a
língua em uso. Como tal distinção nem sempre é tão nítida, pois estamos
estudando a língua usando a própria língua para descrevê-la, existem teorias
que preferem utilizar algum tipo de formalismo como metalinguagem.
Exemplos disso seriam a linguagem da lógica de predicados, usada em
teorias de Semântica Formal, ou a linguagem por estruturas arbóreas, usada
nas teorias sintáticas de cunho gerativista. A adoção de uma metalinguagem
diferente da própria língua elimina prováveis distúrbios na análise linguística.

Objeto de estudo da Semântica

Como já realcei antes, os semanticistas estão de acordo quanto a


algumas propriedades preliminares da língua que uma teoria semântica deve
explicar. Além dessas propriedades, existem também algumas propriedades
pragmáticas que sempre são consideradas relevantes, mesmo dentro de um
estudo semântico. Isso se deve ao fato de que a semântica não pode ser
estudada somente como a interpretação de um sistema abstrato, mas também
tem que ser estudada como um sistema que interage com outros sistemas no
processo da comunicação e expressão dos pensamentos humanos. Tentarei
explorar, neste manual, a maior parte dos fenômenos básicos dessa tarefa
semântica. Entretanto, terei que optar por recortes, pois, em um só livro, seria
impossível tratar de tantas questões. Vejamos, pois, os assuntos específicos a
serem aqui estudados: a composicionalidade e a expressividade das línguas,
as propriedades semânticas e as noções de referência e representação.

Composicionalidade e expressividade das línguas

Todas as línguas dependem de palavras e de sentenças dotadas de


significado: cada palavra e cada sentença estão convencionalmente
associadas a, pelo menos, um significado. Desse modo, uma teoria semântica
deve, em relação a qualquer língua, ser capaz de atribuir a cada palavra e a
cada sentença o significado (ou significados) que lhe(s) é (são) associado(s)
nessa língua. No caso das palavras, isso significa essencialmente escrever um
dicionário. No caso das sentenças, o problema é outro. Em todas as línguas,
as palavras podem ser organizadas de modo a formar sentenças, e o
significado dessas sentenças depende do significado das palavras nelas
contidas. Entretanto, não se trata de um simples processo de acumulação:
gatos perseguem cães e cães perseguem gatos não significam a mesma coisa,
embora as palavras das duas sentenças sejam as mesmas. Portanto, uma teoria
semântica deve não só apreender a natureza exata da relação entre o
significado de palavras e o significado de sentenças, mas deve ser capaz de
enunciar de que modo essa relação depende da ordem das palavras ou de
outros aspectos da estrutura gramatical da sentença. Observe que as infinitas
expressões sintáticas, altamente complexas ou não, têm associadas a elas
significados que nós não temos nenhum problema para entender, mesmo se
nunca tivermos ouvido a expressão anteriormente. Por exemplo:

(7) O macaco roxo tomava um sorvete no McDonald’s.

Provavelmente, você nunca ouviu essa sentença antes, mas, ainda assim,
você pode facilmente entender seu conteúdo. Como isso é possível? A
experiência de se entender frases nunca escutadas antes parece muito com a
experiência de se somar números que você nunca somou antes:

(8) 155 + 26 = 181

Chegamos ao resultado em (8) porque nós conhecemos alguma coisa


dos números e sabemos o algoritmo da adição (as etapas seguidas para
adicioná-los). Tentemos explicitar o procedimento que nos fez chegar ao
resultado em (8):

(9) a. coloque os números na vertical, conservando unidades debaixo de


unidades, dezenas debaixo de dezenas, centenas debaixo de centenas;
b. some as unidades;
c. transporte para a casa da dezena o que ultrapassar 9;
d. repita a operação para as dezenas e as centenas.

Provavelmente, por um processo semelhante, entendemos a sentença em


(7): sabemos o que cada palavra significa e conhecemos o algoritmo que, de
algum jeito, as combina e faz chegar a um resultado final, que é o significado
da sentença. Portanto, parte da tarefa de uma teoria semântica deve ser falar
alguma coisa sobre o significado das palavras e falar alguma coisa sobre os
algoritmos que combinam esses significados para se chegar a um significado
da sentença. Lidaremos, pois, dentro do estudo semântico, com a palavra
como a menor unidade dessa composição, e as frases e sentenças como a
maior unidade de análise. Em todos os capítulos deste livro, as questões
abordadas envolvem, de alguma forma, esse processo de construção do
significado.

A investigação do significado 23 Propriedades semânticas (e pragmáticas)


Os falantes nativos de uma língua têm algumas intuições sobre as
propriedades de sentenças e de palavras e as maneiras como essas sentenças e
palavras se relacionam. Por exemplo, se um falante sabe o significado de uma
determinada sentença, intuitivamente, sabe deduzir várias outras sentenças
verdadeiras a partir da primeira. Essas intuições parecem refletir o
conhecimento semântico que o falante tem. Esse comportamento linguístico é
mais uma prova de que seu conhecimento sobre o significado não é uma lista
de sentenças, mas um sistema complexo. Ou seja, o falante de uma língua,
mesmo sem ter consciência, tem um conhecimento sistemático da língua que
lhe permite fazer operações de natureza bastante complexa. Portanto, outra
tarefa da Semântica deve ser caracterizar e explicar essas relações
sistemáticas entre palavras e entre sentenças de uma língua que o falante é
capaz de fazer. Veremos essas relações detalhadamente mais à frente. Porém,
como uma ilustração, mostrarei abaixo quais são essas propriedades:

a) As relações de implicação como hiponímia, acarretamento,


pressuposição e implicatura conversacional:

• (10) a. João comprou um carro. b. João comprou alguma coisa.


• (11) a. João parou de fumar. b. João fumava.
• (12) a. Puxa! Está frio aqui. b. Você quer que eu feche a janela?

Das sentenças anteriores, pode-se dizer que qualquer falante deduz, a


partir da verdade da sentença (10a), a verdade da sentença (10b); diz-se, pois,
que (10a) acarreta (10b). Também se pode inferir que o sentido da expressão
alguma coisa está contido no sentido da palavra carro; diz-se, então, que
carro é hipônimo da expressão alguma coisa. Em relação ao exemplo (11),
percebe-se que, para se afirmar a sentença (a), tem-se que tomar (b) como
verdade; tem-se, então, que (11a) pressupõe (11b). De (12), pode-se dizer que
a sentença (a) sugere uma possível interpretação como a de (b). Estudaremos
essas relações de implicação nos capítulos “Implicações” e “Atos de fala e
implicaturas conversacionais”, que são propriedades que estão no âmbito da
Semântica e também da Pragmática.

b) As relações de paráfrase e de sinonímia:

(13) a. O menino chegou.


b. O garoto chegou.
Nesse par de sentenças, podemos perceber que a palavra menino pode
ser trocada por garoto sem que haja nenhuma interferência do conteúdo
informacional da sentença; temos, então, uma relação de sinonímia entre
essas palavras. Também as sentenças anteriores passam a mesma informação,
ou seja, se a sentença (a) é verdadeira, a sentença (b) também é verdadeira; e
se (b) é verdadeira, (a) também o é. Diz-se, então, que (13a) é paráfrase de
(13b). Essas relações serão vistas no capítulo “Outras propriedades
semânticas”.

c) As relações de contradição e de antonímia:

(14) a. João está feliz.


b. João está triste.

Em (14), qualquer falante tem a intuição de que as duas sentenças não


podem ocorrer ao mesmo tempo e, por isso, diz-se que são sentenças
contraditórias. O que leva as sentenças a serem contraditórias são as palavras
feliz e triste, que têm sentidos opostos e são, assim, chamadas de antônimos.
Também essas noções serão investigadas no capítulo “Outras propriedades
semânticas”.

d) As relações de anomalia e de adequação:

(15) Ideias verdes incolores dormem furiosamente.

Uso, aqui, o clássico exemplo de Chomsky (1957) para ilustrar o que


conhecemos como anomalia: uma sentença com um significado totalmente
incoerente. Uma característica das expressões anômalas é a sua inadequação
para o uso na maioria dos contextos. As pessoas parecem ser capazes de
julgar se determinadas expressões são adequadas ou não para serem
proferidas em contextos particulares, ou seja, são capazes de estabelecer as
condições de adequação ao contexto, ou, como também são conhecidas, as
condições de felicidade de um proferimento. Estudaremos mais
detalhadamente essas propriedades nos capítulos “Outras propriedades
semânticas” e “Atos de fala e implicaturas conversacionais”.

e) As relações de ambiguidade e de vagueza:

Uma teoria semântica também pretende explicar as diversas


ambiguidades que existem na língua, ou seja, a ocorrência de sentenças que
têm dois ou mais significados:

(16) a. O João pulou de cima do banco.


b. O motorista trombou no caminhão com um Fiat.

Diferentes questões estão implicadas nas ambiguidades das sentenças


em português. Em (16a), por exemplo, o item lexical banco gera duas
interpretações possíveis para a sentença: O João pulou do alto de um banco,
assento ou O João pulou do alto de um banco, prédio. Em (16b), é a
organização estrutural da sentença que gera a ambiguidade: O motorista com
um Fiat trombou no caminhão, ou O motorista trombou no caminhão que
estava com um Fiat em cima. Não só o léxico e/ou a sintaxe geram as
ambiguidades das línguas, mas também é comum observar questões de
escopo, de papéis temáticos, de dêixis, de anáfora, entre outras questões,
como geradoras desse fenômeno. Veremos isso detalhadamente no capítulo
“Ambiguidade e vagueza”.

f) Os papéis temáticos:

Seguindo a posição de alguns linguistas, como Gruber (1965),


Jackendoff (1983, 1990) e outros, incluirei, neste livro, esse tipo de relação
que atualmente é mais conhecida na literatura como papéis temáticos (essa
noção também é chamada de papéis participantes, casos semânticos
profundos, papéis semânticos ou relações temáticas):

(17) a. O João matou seu colega.


b. A Maria preocupa sua mãe.
c. A Maria recebeu um prêmio.
d. O João jogou a bola.

Todas essas sentenças têm uma estrutura semântica comum, um


paralelismo semântico. Existe uma ideia recorrente de mudança, de afetação:
o colega mudou de estado de vida, a mãe mudou de estado psicológico, a
Maria teve uma mudança em suas posses e a bola teve uma mudança de
lugar. Essas relações similares que se estabelecem entre os itens lexicais,
mais geralmente entre os verbos das línguas, são conhecidas como papéis
temáticos. Nos exemplos anteriores, podemos dizer que o elemento em itálico
tem o papel temático de paciente, e definimos paciente como o elemento cuja
situação mudou com o efeito do processo expresso pela sentença. Como
veremos, paciente é apenas um dos papéis temáticos possíveis; há vários
outros que serão estudados no capítulo “Papéis temáticos”.

g) Os protótipos e as metáforas:

A noção de protótipos surge com Rosch (1973, 1975), que assume a


incapacidade de conceituarmos os objetos do mundo (mesmo abstratos) de
uma maneira discreta, isto é, que cada objeto pertença a uma única categoria
específica. Linguistas que trabalham com a ideia de protótipos assumem que
não sabemos diferenciar, por exemplo, quando uma xícara passa a ser uma
tigela: será xícara quando seu diâmetro for 5 cm, 7 cm, 10 cm... Mas e 15
cm? Já será uma tigela? Ou ainda será uma xícara, mas com características de
tigela? Ou será uma tigela com características de xícara? Portanto, existem
certos objetos que estão no limiar da divisão de duas ou mais categorias;
outros são mais prototípicos, ou seja, possuem um maior número de traços de
uma determinada categoria. A proposta da teoria dos protótipos é conceber os
conceitos como estruturados de forma gradual, existindo um membro típico
ou central das categorias e outros menos típicos ou mais periféricos. Veremos
a noção dos protótipos no capítulo “Protótipos e metáforas”.
Outro ponto a ser investigado neste manual é a metáfora. As metáforas
são entendidas, geralmente, como uma comparação que envolve identificação
de semelhanças e transferência dessas semelhanças de um conceito para o
outro. Como ilustra o exemplo em (18):

(18)Este problema está sem solução: não consigo achar o fio da meada.

Transpõe-se o conceito da meada de lã, que só se consegue desenrolar


quando se tem a ponta do fio, para o conceito de um problema complicado. A
metáfora tem sido vista, tradicionalmente, como a forma mais importante de
linguagem figurativa e atinge o seu maior uso na linguagem literária e
poética. Entretanto, é fácil encontrar, em textos jornalísticos, publicitários e
mesmo na nossa linguagem do dia a dia, exemplos em que se emprega a
metáfora. Os cognitivistas afirmam que a metáfora faz parte da linguagem
ordinária e é vista como sendo uma maneira relevante de se pensar e falar
sobre o mundo. Também a noção de metáfora será vista no capítulo
“Protótipos e metáforas”.

h) Os atos de fala:

Apesar de o papel central do uso da língua ser a descrição de estados de


fatos, sabemos, também, que a linguagem tem outras funções, como ordenar,
perguntar, sugerir, o que vai além de uma simples descrição; na realidade, a
linguagem é a própria ação em situações como essas. No capítulo “Atos de
fala e implicaturas conversacionais”, veremos esses tipos de atos de fala
existentes na linguagem, tais como ato locutivo, ilocutivo e perlocutivo;
ainda veremos verbos perfomativos, que são verbos que já trazem implícita
uma ação. Como exemplos de verbos perfomativos, temos:

(19) a. Eu te ordeno sair imediatamente.


b. Aviso-te que será a última vez.

Referência e representação

Um terceiro ponto a ser estudado por uma teoria semântica diz respeito à
natureza do significado. Existe uma divisão sobre essa questão: para alguns
linguistas, o significado é associado a uma noção de referência, ou seja, da
ligação entre as expressões linguísticas e o mundo; para outros, o significado
está associado a uma representação mental.
As teorias que tratam do significado sob o ponto de vista da referência
são chamadas de Semântica Formal, ou Semântica Lógica, ou Semântica
Referencial, ou ainda Semântica de Valor de Verdade. Os fenômenos
semânticos que serão tratados dentro dessa perspectiva teórica estão nos
capítulos “Implicações”, “Outras propriedades semânticas”, “Ambiguidade e
vagueza” e “Referência e sentido”. Portanto, um ponto relevante a ser
investigado por uma teoria linguística é a relação entre a língua e o mundo: o
significado externo da língua, segundo Barwise e Perry (1983). Por exemplo,
certas palavras fazem referência a determinados objetos, e aprender o que
significam essas palavras é conhecer a referência delas no mundo:

(20) Noam Chomsky refere-se a um famoso linguista.

Só podemos usar a sentença (20) de uma forma adequada se estamos nos


referindo ao mesmo linguista a que todas as pessoas se referem quando usam
o nome Noam Chomsky. Referência não é uma relação como implicação ou
contradição, que se dá entre expressões linguísticas. Ao contrário, é uma
relação entre expressões e objetos extralinguísticos.
As teorias que tratam do significado do ponto de vista representacional,
ou seja, que consideram o significado uma representação mental, sem relação
com a referência no mundo, são conhecidas como teorias mentalistas, ou
representacionais, ou ainda cognitivas. Estudaremos alguns fenômenos
semânticos sob a ótica da abordagem mentalista nos capítulos “Papéis
temáticos” e “Protótipos e metáforas”. O estudo da representação envolve a
ligação entre linguagem e construtos mentais que, de alguma maneira,
representam ou codificam o conhecimento semântico do falante. A ideia geral
é que temos maneiras de representar mentalmente o que é significado por nós
e pelos outros, quando falamos. O foco da questão está em entender o que os
ouvintes podem inferir sobre os estados e os processos cognitivos, as
representações mentais dos falantes. As pessoas se entendem porque são
capazes de reconstruir as representações mentais nas quais os outros se
baseiam para falar. O sucesso da comunicação depende apenas de partilhar
representações, e não de fazer a mesma ligação entre as situações do mundo.
Parece ser verdade a afirmação de que se a nossa fala sobre o mundo
funciona tão bem é por causa das similaridades fundamentais das nossas
representações mentais.
Ainda temos alguns outros linguistas que concebem a possibilidade de
essas duas abordagens serem complementares.

Exercícios
§ Exemplifique linguisticamente e explique os dois tipos de
conhecimento que estão envolvidos no significado do que é dito.
§
§ Faça uma relação entre seus exemplos e as noções de menção, uso,
língua-objeto e metalinguagem.
§
§ Explique as propriedades básicas da linguagem que teorias semânticas
devem abordar.
§
. 1 “Sentença (S) pode ser definida, sintaticamente, pela presença de um verbo
principal conjugado e, semanticamente, pela expressão de um pensamento
completo” (Pires de Oliveira, 2001: 99).
. 2 Existem algumas correntes teóricas que não acreditam em tal divisão, ou
fazem essa divisão de uma maneira distinta (Lakoff, 1987; Langacker, 1987).
Veja discussão mais detalhada em Levinson (1983) e Mey (1993).
. 3 Quando a expressão aparece entre aspas simples ou em itálico (geralmente
dentro do texto), isso significa que é a menção da expressão que está sendo
utilizada. A utilização de aspas duplas indica o proferimento da sentença, ou
seja, a ação realizada, o uso da sentença.
O QUE É PRAGMÁTICA
Sylvia Maria Campos Teixeira

A Pragmática é uma disciplina relativamente nova, e encontrou seus


fundamentos, mais ou menos, nas décadas de 1950 e 1990. Seus teóricos
mais conhecidos são: Austin, Searle, Grice, Ducrot e Anscombre.
Conforme Charaudeau e Maingueneau (2002),

esta noção [de Pragmática] saiu da tripartição de C.


Morris (1938) que distinguia três domínios na apreensão
de todas as línguas, fosse formal ou natural: (1) a
sintaxe, que diz respeito às relações dos signos com
outros signos; (2) a semântica, que trata de suas relações
com a realidade; (3) a pragmática, que se interessa pelas
relações dos signos com seus usuários, seu emprego e
seus efeitos (p. 454 – grifos dos autores – tradução
nossa).

Armengaud (2006), além da definição de Morris, fornece-nos mais duas:


de Diller e Récanati e de Jacques. Para ela, a definição dada por Diller e
Récanati é linguística:
[...] a pragmática ‘estuda a utilização da linguagem no
discurso e as marcas específicas que, na língua, ates- tam
sua vocação discursiva’ (2006, p. 11 – grifos da autora).

Esta maneira de encarar a Pragmática aproxima-a da Semântica, sem


muitas diferenças (ARMENGAUD, 2006).
Já a definição de Jacques, Armengaud a considera integradora,

porque:
‘A pragmática aborda a linguagem como fenômeno
simultaneamente discursivo, comuni- cativo e social’
(JACQUES apud ARMENGAUD, 2006, p. 11 – grifos
da autora).

Desta forma, a Pragmática vai tratar da análise das trocas linguageiras,


de fenômenos interpretativos, dos quais nem a Sintaxe nem a Semântica
tratam, como: noções de contexto e de situações de comunicação,
informações extralinguísticas, determinação da força ilocucionária etc.
Assim, a Pragmática permite dar conta de mecanismos que não são
especificamente linguísticos na interpretação dos enunciados.
Continuando com Armengaud (2006), ela delimita três conceitos
fundamentais no estudo da Pragmática:

a) Ato – “[...] a linguagem não serve só [...] para


representar o mundo, [...] ela serve para realizar ações”
(p.13). Ou seja, falar é fazer.
b) Contexto – é “[...] a situação concreta em que os atos
de fala são emitidos, [...] o lugar, o tempo, a identidade
dos falantes etc. [...]” (p. 13). É o conjunto de condições
sociais que são levadas em conta para o estudo das
relações entre sociedade e linguagem.
c) Desempenho – é a “[...] competência comunicativa”
(p.13 – grifos da autora). A competência é que explica a
possibilidade do sujeito falante construir e compreender
as frases gramaticais, interpretar as frases ambíguas,
produzir frases novas (DUBOIS, 1973).

Estes três conceitos deram origem a uma literatura científica bastante


volumosa, levando a caminhos teóricos diferentes (PINTO, 2001).
Entretanto, aqui, como foi dito acima, analisaremos quatro destes caminhos.
OS ATOS DE FALA: AUSTIN

A Teoria dos Atos de Fala surgiu com a publicação póstuma, em 1962,


das 12 conferências pronunciadas por Austin, em 1955, em Harvard.
Em sua primeira conferência, Austin (1970) distingue os enunciados
constativos e os enunciados performativos e, em seguida, compara-os. Os
enunciados constativos descrevem uma situação, podem ser verdadeiros ou
falsos. Os enunciados performativos são os que produzem uma ação e não
são nem verdadeiros nem falsos. Para demonstrar a tese dá os seguintes
exemplos:

a)‘Eu batizo este barco o Queen Elisabeth’ – quando se quebra uma garrafa
no casco do navio (p. 41).

b) ‘Eu doo e lego meu relógio a meu irmão’ – como se pode ler em um
testamento (p. 41).

Austin continua observando que, para os enunciados serem considerados


performativos, temos de levar em conta as circunstâncias. Ou seja, para
batizar um navio, a pessoa tem de ser sido designada para fazê-lo. Para legar
um relógio, a pessoa precisa ser proprietária de um relógio.
Ele termina a conferência explanando sobre o ato de prometer. Para ele,
mesmo que a pessoa não tenha a intenção de cumprir a promessa por
qualquer razão, ela não é falsa, porque “[...] a promessa, aqui, não é nula e
inválida, se bem que dada de má fé” (p. 45 – grifos do autor – tradução
nossa).
Na terceira conferência, Austin faz a distinção entre atos performativos
explícitos e atos performativos implícitos.
- Atos Performativos Explícitos – são os enuncia- dos que designam os atos e
dispõem de um significado autorreferencial. Os enunciados comportam
verbos per- formativos do tipo – prometer, declarar – que têm o pa- pel de
determinante do sentido veiculado pelo enunciado em questão.
Exemplo: a) Prometo vir amanhã.
O exemplo (a) só tem um sentido determinado
pelo emissor: uso da 1a pessoa do singular, o verbo prometer e a entonação
da voz.

- Atos Performativos Implícitos – também são chamados de performativos


primários. Fazem referência a uma convenção, mas não designam
explicitamente o ato que realizam. São reconhecidos pela ausência de um
verbo performativo.

Exemplo: a) Vou parar de fumar.


Este enunciado pode ser parafraseado por:
“Prometo que vou parar de fumar”.
É difícil fazer a distinção entre estes dois performativos, só é possível pelo
contexto.

Exemplo:
a) Vou ficar por pouco tempo.
Pode ser um compromisso, um desafio, um pedido de permissão etc.

Foi na oitava conferência que Austin dividiu os enunciados per- formativos


em:

- Ato de Fala Locucionário – é o ato de dizer a frase.

- Ato de Fala Ilocucionário – a frase se constitui ela própria a ação que ela
enuncia.

- Ato de Fala Perlocucionário – a ação performativa não é produzida pelo


enunciado enquanto tal, ela, em vez disso, mantém as consequências
produzidas pelo fato de dizer alguma coisa.

Se eu digo:
Você quebrou o vaso!
O simples fato de proferir a frase é um ato locucionário. O ato
ilocucionário realizou a ação: protestar/chamar a atenção. O ato
perlocucionário é a influência que é exercida sobre o outro para que não volte
a praticar a ação de quebrar qualquer objeto.
Preste atenção: a força ilocucionária do enunciado está na forma como é
pronunciado, em quais circunstâncias, obrigando o ouvinte a responder.
Continuando...
Como adverte, Austin fez uma divisão exploratória da força
ilocucionária dos atos de fala:

1) Veriditivo (Veridictivo) – como o próprio nome diz, é o ato ilocucionário


de emitir um veredito/juízo sobre um assunto, mas “[...] eles podem
constituir, por exemplo, uma estimativa, uma avaliação, ou uma apreciação”
(p. 153). Pode ser proferido por:
- um juiz durante uma audiência;
- um médico diagnosticando uma doença ou
- um pesquisador apresentando sua tese.

2) Exercitivo – consiste em decidir sobre algo ou alguém: “[...] remete ao


exercício de poderes, de direitos, ou de influências” (p. 154).
Exemplos: a) Proíbo que você vá à festa!
b) Proponho que saiamos mais tarde.
c) Confio que Humberto vai se sair bem na pesquisa de mestrado.

Segundo Austin, “O ato veriditivo é judiciário, e por isto de dis- tingue


do ato legislativo ou do ato executivo, que são todos os dois exercitivos” (p.
155).

3) Comissivo (Compromissivo/Promissivo) – “[...] obriga aquele que fala a


adotar uma certa conduta” (p. 159).

Exemplos: a) Prometo que não farei mais isto!, disse a criança chorando.
b) Garanto que vou chegar na hora certa!

4) Condutivo (Comportamental) – provoca uma reação no comportamento


do outro.
Exemplos: a) Aprovo o seu novo emprego, é bem melhor que o outro. b)
Agradeço a sua atenção em relação a minha mãe.
5) Expositivo – “Os expositivos são empregados nos atos de exposição:
explicação de uma maneira de ver, condução de uma argumentação,
esclarecimento do emprego e da referência das palavras” (p. 162).

Exemplos: a) Reconheço que estava errada sobre aquele assunto.


b) Nego qualquer participação naquele complô! Na décima segunda
conferência, Austin faz uma lista dos verbos empregados com cada ato de
fala. Abaixo, relaciono alguns destes verbos:

ATO DE FALA ILOCUCIONÁRIO VERIDITIVO (p. 155)

ATO DE FALA ILOCUCIONÁRIO EXERCITIVO (p. 157)

ATO DE FALA ILOCUCIONÁRIO COMISSIVO/PROMISSIVO (p.


159)
TO DE FALA ILOCUCIONÁRIO
CONDUTIVO/COMPORTAMENTAL (p. 161)

ATO DE FALA ILOCUCIONÁRIO EXPOSITIVO (p. 163)

Nas 12 conferências, Austin apenas esboçou a Teoria dos Atos de Fala,


mas foi dado um grande passo para o tratamento sistemático dos aspectos
pragmáticos da linguagem. Esta teoria será desenvolvida por Searle.
ATIVIDADES

1) Na segunda conferência, Austin traça um quadro esquemático como


sobre as coisas devem se desenvolver corretamente, em relação ao ato
de fala performativo. Ele estabelece 6 regras para que tal aconteça.
Faça um levantamento dessas 6 regras e exemplifique. Está disponível
em http://pt.scribd.com/doc/132533146/ AUSTIN-J-L-Quando-dizer-
e%CC%81-fazer.
2) Dê um exemplo de uma sentença contextualizada e explicite o ato
locutório, o ato ilocutório e o ato perlocutório envolvidos no exemplo.
3) Indique uma das possíveis forças ilocucionárias presentes nas frases
abaixo:
a) Parabéns pelo seu aniversário! b) Ai! Você esta pisando no meu pé. c)
Estou arrependida pelo que fiz com você. d) Por favor, passe a manteiga. e)
Conte comigo durante sua campanha.

O CONTEXTO DA PRAGMÁTICA

Jair Antonio de Oliveira*

Resumo:A “dependência do contexto” é um dos pontos centrais nas várias


abordagens pragmáticas (o estudo da linguagem do ponto de vista de seus
usuários). Mas, verifica-se que os requisitos básicos para se constituir uma
noção de contexto não são absolutamente determináveis, embora afetem de
forma relevante todas as formas de interações. É necessário, portanto, alterar
a perspectiva em que a noção é tradicionalmente encarada.

Abstract: The dependence from its context is one of the central points in
many pragmatic boardings (the language study from the point of view of their
users). But the basic requirements to establish a notion of context aren’t
absolutely determined, although affect in a considerable way all forms of
interactions. Thus, it is necessary to change the perspective that the notion is
tradictionaly considered.

Palavras-chave: pragmática, contexto, dependência, interação Key words:


pragmatics, context, dependence, interations
1. A Pragmática

Há muitas definições de pragmática. Para os nossos propósitos, adotaremos a


sugestão de Crystal: “A pragmática é o estudo da linguagem do ponto de
vista de seus usuários, particularmente das escolhas que eles fazem, das
restrições que eles encon- tram ao usar a linguagem em interações sociais, e
dos efeitos que o uso da linguagem, por parte desses usuários, tem sobre os
outros participantes no ato da comunicação.”1

Nesta perspectiva, iguala-se uso lingüístico com uso comunicativo, e identi-


fica-se a pragmática com uma explicação da inter-relação existente entre a
lingua- gem e a situação comunicativa em que esta é tipicamente usada.

É crível, por exemplo, que todo o comportamento em uma situação


interacional tenha o valor de mensagem, e desta forma possa ser enquadrado
como um ato proposicional. Obviamente, há determinados comportamentos
psico-patoló- gicos que, embora tenham o valor de mensagem, não são
propositais. Isto aplica-se tanto para o discurso como para os aspectos não-
verbais da comunicação, garantindo para o binômio “produção-interpretação”
a idéia de visar finalidades.

No entanto, ao invés desta hipótese garantir o axioma da “impossibilidade da


não-comunicação”, a complexidade dos organismos individuais, com suas
incontáveis redes de crenças e multiplicidade de objetivos, representa a
“possibilida- de da não-comunicação” como regra, e não como exceção!

É claro que a “possibilidade da não-comunicação” como regra não significa


simplesmente “incomunicabilidade”. Apesar da relativa vagueza das
palavras, as pessoas se comunicam, mas o sucesso de tal empreendimento
está fortemente ligado à justeza do acordo interpessoal sobre o uso e o
sentido dos termos empregados neste ou naquele contexto.

Qualquer acordo nesta direção deve ressaltar a dependência contextual dos


relatos e transcender a idéia de que a conversação é uma seqüência de pares
concatenados de linguagem. Com isto, converge-se para um percurso não-
linear e contraditório para as interações, onde há um constante intercâmbio
com outros con- textos, nem sempre “ao redor” dos interlocutores, tais como:
o histórico, social, psi- cológico, existencial etc.

Um macrocontexto para as interações não está imune aos problemas, a ra-


zão é que é impossível investigar e resgatar todas as crenças, objetivos e
pressuposi- ções envolvidas, e fazer todas as inferências necessárias para se
compreender tudo o que está sendo dito ou escrito em dado momento.

Assim, o passo fundamental para uma aproximação com as condições mais


amplas da interação consiste em estabelecer uma reflexão sobre a própria
noção de contexto.

2. O contexto

O contexto é considerado uma noção essencial para a pragmática. Segundo


Dascal e Berenstein2 , a própria história da pragmática é a história dos
múltiplos ca minhos em que o sentido é dependente do contexto. Ou como
ressalta Coulter3 : “o contexto é certamente um dos mais amplamente (e
largamente injuriado) termos nas ciências sociais”.

Dada a amplitude em que o termo “contexto” é usado e à falta de uma defi-


nição consensual a respeito, vamos estabelecer uma analogia entre esta
palavra e a figura mitológica chamada Proteu, com o propósito de chegar a
uma definição de trabalho. Proteu, filho do oceano, era famoso por suas
metamorfoses, e tomava a forma que desejasse de acordo com as
circunstâncias e propósitos. Diz a lenda que para fazê-lo falar era preciso
surpreendê-lo em pleno sono e amarrá-lo de maneira que não pudesse
escapar4 .

O contexto, encarado de forma “proteica”, deve ser visto diferenciadamente


em cada linguagem e resistindo firmemente às tentativas de ser aprisionado
(confina- do em um conceito estático). Transforma-se acompanhando os
movimentos conversacionais, e a exemplo de Proteu, pode parecer um
espectro (spectru), um espelho (speculu) ou especular (speculare). Isto é:
hora é evanescente, como um fantasma, desaparece e aparece, nem sempre
com a mesma forma. Algo imaginável, uma sombra, imaterial. Hora é uma
representação, um reflexo. Ou, uma ação.

Quer dizer, a idéia de contexto é a de tudo aquilo que circunda os


interlocutores, mas estes limites são plásticos. Portanto, este ambiente é
dinâmico e estende-se para esta ou aquela direção de acordo com o que é
dado ou escolhido a cada momento pelos participantes da interação. Em si, o
contexto é uma abstração, e os indivíduos estarão focalizando a sua atenção e
levando em conta os fatores situacionais (rituais próprios da interação, fatores
sociais e culturais), psicológicos, crenças e propósitos.
Em seu aspecto mais genérico, o contexto como ambiente circundante é
criado pelos discursos da sociedade onde operam os usuários. As diferenças
indivi-
duaisirãorestringirouampliaroacessoaestesdiscursos,chamadosporMey5 dea
“Fábrica da Sociedade”. É possível, então, afirmar que a idéia da
metamorfose está associada à de ambientes “mais” ou ambientes “menos”
saturados de informações relevantes para dada situação de compreensão e
interpretação.

Obviamente, isto não restringe a noção de contexto ao conhecimento de


mundo dos indivíduos. Tal comportamento é parcialmente compartilhado
pelos interlocutores e importante quando se trata da
previsibilidade/imprevisibilidade das informações. Mas, nem o contexto se
reduz ao conhecimento de mundo, como o conhecimento de mundo não se
reduz a esta dualidade informativa. “Contexto é muito mais que um problema
de referência e de entendimento do que as coisas são. Contex- to é algo que
dá aos nossos enunciados a sua ‘verdade’ mais profunda (‘verdade’, não em
seu sentido filosófico)”6 .

Por exemplo, é possível conjecturar as seguintes situações:

Situação 1:

A e sua esposa B estão esperando o ônibus circular defronte ao presídio do


Carandiru. Conversam sobre assuntos triviais. Repentinamente, A, olhando
fixamen- te para os portões do presídio pergunta:

(1) A: Seu pai ainda vende terrenos na periferia?

Situação 2:

A e sua esposa B estão em sua casa. É domingo. A tem nas mãos o caderno
imobiliário de um jornal. Repentinamente pergunta:

(2) A: Seu pai ainda vende terrenos na periferia?

Embora seja a mesma sentença, (1) e (2) têm sentidos pragmáticos total-
mente diferentes de acordo com o contexto em que são produzidas e os
variados propósitos envolvidos. Digamos que B, no exemplo (1),
acompanhando o olhar do marido em direção aos portões do presídio
responda:
(1)’ B: Vamos ter que ajudá-lo. Ou no exemplo (2), B, responda: (2)’ B:
Vamos ter que ajudá-lo.

Em (1)’ a resposta de B está de acordo com a intenção comunicativa de A,


provavelmente captada a partir do ato explícito de olhar fixamente para o
presídio. Quer dizer, há o auxílio de pistas extralingüísticas, evocadas de
forma clara pelo interlocutor. O mesmo não acontece em (2)’. Não basta A
estar com o caderno imobili- ário nas mãos, para funcionar como uma pista
externa, ou o ambiente descontraído do lar. Isto porque, embora o cálculo de
sentido dependa do contexto, este não se limita aos fatores situacionais.
Genericamente, os enunciados produzidos pelos falantes não pre- cisam
conter “termos” que gramaticalizem o contexto. Ou seja, “termos” que
possam ser identificados como portadores de informações situacionais. No
entanto, é preciso que os interlocutores empreguem outros recursos para que
os ouvintes alcancem o ponto desejado nas interações. As pistas são
essenciais e não devem ser negligencia- das, mas em caso de familiaridade
entre os falantes é possível “ancorar” a conversa- ção em outros aspectos da
ampla dimensão em que ocorrem as interações.

A resposta de B em (2’) deve ser tratada muito mais na perspectiva da “ver-


dade mais profunda” proposta por Mey, do que a uma falha em B em captar a
inten- ção comunicativa de A, ou dificuldade em levantar as pistas
contextuais. B não só focaliza a atenção naquilo que lhe parece mais
relevante para o momento, como a sua resposta avança para um novo
contexto, destacado do contexto exigido pelo enunci- ado de A. Não se trata
de um caminho linear que possa ser encarado apenas no plano sintático ou
semântico. Sim, na abrangência das crenças individuais, onde é possível
buscar os pressupostos, pré-conceitos, informações etc, que irão justificar as
ações.

Situação 3: (3) A: Seu pai ainda vende terrenos na periferia?

(3) ‘B: Quando é que você vai parar de implicar com papai? ...........Não seja
implicante! ...........Pare com isto! ...........Chato!

Mesmo sem especificar a localização espaço-temporal e as evidências


contextuais onde ocorre esta troca comunicativa, é possível supor que as
respostas de B neste caso dependem muito mais do conhecimento
compartilhado das crenças de A, implicadas a partir de uma espécie de
“contexto psicológico” (naturalmente uma abstração, mas como noção de
trabalho incorpora os estados mentais responsáveis por programas de ação ou
interação7 ) do que de um elenco de pistas e condições materiais disponíveis
no momento. À medida em que as respostas de B tornam-se mais incisivas e
grosseiras, é possível aceitar como uma maior aproximação com as crenças
motivantes de A.

Logicamente, tais suposições podem estar equivocadas, pois não há um “fine


nose” (uma alusão à idéia de que a descoberta dos efeitos da linguagem
depende de um “bom faro”, feita por Dascal8 ) que tudo capte.

De qualquer forma, a idéia de um contexto completo (saturado), apto a for-


necer todas as pistas e determinações exigidas em uma situação
comunicativa, e que esteja à disposição (ao redor) dos interlocutores é uma
abstração, semelhante ao mapa citado por Borges9 .

(...) naquele império, a arte da Cartografia alcançou tal perfeição que o mapa
de uma só província ocupava toda uma cidade e o mapa do império toda uma
província. Com o tempo, esses mapas desmensurados não satis- faziam mais
e os Colégios de Cartógrafos levantaram um mapa do império que tinha o
tamanho do império, e coincidia exatamente com ele.

A metáfora borgeana é semelhante à idéia atualmente difundida que tecni-


camente, pelo fato da interligação global de todas as máquinas no
“ciberespaço”, há um imenso “hipertexto vivo” compartilhado por todos os
integrantes das interações. Virtualmente,ohipertextocorreemtodasdireções
econstituiumaformademacro- contexto saturado de elos (links) que permitem
aos usuários saltar de uma informa- ção para outra indefinidamente. Neste
macro-contexto, os usuários podem mesclar informações de naturezas
diferentes: imagens, sons, texto, animação, seja como meio de contato,
conexão com outras mensagens, explicações, complementos etc. Teorica-
mente, neste ponto, não há mensagens fora de contexto, ou seja: separadas
dos usuá- rios da linguagem, pois estes dispõem da “rede” como um contexto
circundante.

Tal macro-contexto parece a redenção pragmática voltada para o uso co-


municativo e o fim das ambigüidades: os usuários “saltam” de uma fonte
(contexto) para outra, de uma mídia para outra, para organizar, produzir e
entender as relações interativas. Até a configuração desses “jumpings”
reproduz, ainda que precariamen- te, a dinâmica dos processos cognitivos
globais, entendidos como forma de “organi- zar o conhecimento
convencional de mundo em conjuntos bem interligados” (Garra- fa, 1987,
apud Koch10 ).

No entanto, apesar de o hipertexto se apresentar como um cenário da diver-


sidade humana, e estar em permanente alteração (como Proteu), encerra seu
próprio paradoxo. Isto é: exatamente neste ambiente virtual impregnado de
contextos, é que o texto perde o vínculo com a cultura em que surgiu!

Neste ponto, esta reflexão também aponta a sua contradição fundamental, ou


seja:

a) descartamos a possibilidade de um contexto estático saturado (completo)


circundando os interlocutores;

b) apontamos para uma noção dinâmica, plástica e “proteica” de contexto de


acordo com o que é dado ou escolhido pelos interlocutores, durante a
interação;

c) uma noção dinâmica (proteica) de contexto, que acompanhe os movi-


mentos conversacionais, vai estabelecer rupturas entre o que é dado e o que é
esco- lhido pelos interlocutores. Ou seja: a amplitude do cenário abre muitas
linhas possí- veis de inferências. Há muitos “ganchos” que aparentemente
podem preencher o es- paço conversacional, mas são fragmentos, “(...) nestas
circunstâncias, as palavras encontram-se gastas e exauridas. Usadas
indiscriminadamente nada significam, como meros envólucros. Mascaram,
como um truque, uma armação (...)11 ”. Quer dizer, a necessidade de buscar
indefinidamente um sentido, uma resposta, uma conexão, um “lastro” para as
interações verbais-orais ou escritas, leva os interlocutores a preen- cher gaps,
substituir o que falta, sem que se saiba para quem e para quê “(...) o mo-
mento em que as definições começam a se fragmentar e os signos flutuam
indepen- dentemente de seus referentes”12 .

3. O“lugar”docontexto

Ainda assim, é necessário postular o “lugar do contexto” pragmático. Invo-


cando a postura defendida pelos “desconstrucionistas”, é possível afirmar que
todo signo, lingüístico ou não, encontra-se em uma situação de ruptura com o
contexto dado, e que não deve nenhum respeito ao autor. Este movimento de
ruptura engendra novos contextos ao infinitivo. Derrida13 diz: “(...) isto não
supõe que a marca valha fora do contexto mas, ao contrário, que só existem
contextos sem nenhum centro absoluto de ancoragem”.
O respeito e o “lugar” do contexto que se está buscando para a pragmática
nesta incursão não tem nada a ver com a idéia de “centro absoluto de
ancoragem”.

Especialmente, quando se verifica que os requisitos necessários para se


constituir uma noção de contexto não são absolutamente determináveis, seja
no plano lingüístico ou não- lingüístico. Tais requisitos são incertos, embora
afetem de modo não-aciden- tal as faces da cooperação interativa em
qualquer instância. Esta contingência é mes- ma ligada à geometria variada
dos propósitos individuais.

Nenhuma destas considerações descarta a idéia de que o contexto é a quin-


tessência da pragmática, no entanto, alteram a perspectiva em que a noção
deve ser encarnada, isto é:

- contexto são dinâmicos porque estão relacionados às finalidades das ações


individuais. Recortes que operam com noções estáticas de contexto são
abstrações, e devem ser avaliados a partir dos usos intencionais da
linguagem;

- contextos não têm um centro absoluto de ancoragem (exatamente porque


são proteicos), mas têm centros relativos de apoio. Tais fontes, de acordo
com as intermediações dos usuários, são hierarquizadas e irão refletir os
diferentes níveis durante a produção discursiva;

- contextos são inevitavelmente macros quando se trata de interações.

A hipótese de que o “lugar” do contexto da pragmática é uma instância


“proteica”, isto é, que expande-se em múltiplas direções e imiscui-se nas
dimensões do lingüístico e do não-lingüístico, do locutor e do interlocutor,
ultrapassando os limites especificados pelas convenções sociais e culturais,
pode ser útil para investi- gar os complexos usos da linguagem por parte dos
indivíduos, inclusive, das restri- ções que esses indivíduos encontram para se
comunicar nas interações.

No entanto, jamais deve se perder de vista a “origem” dos termos, não nos
referimos aqui à etimologia, mas como diz Mey14 , “de quem é a linguagem
que usa- mos?” Afinal, as coisas são criadas, e isto inclui os acontecimentos,
através da utili- zação de um vocabulário.

Neste aspecto, ressaltar a dependência contextual dos relatos é levar em conta


o conjunto de crenças pervagante no cotidiano, pois somente deste modo é
possível chegar a um consenso interpessoal. Este acordo, no entanto, é feito
sobre julgamentos e não sobre definições15 .

Conseqüentemente, uma situação onde a “possibilidade da não-comunica-


ção” constituir a regra e não a exceção, antes que um distúrbio de qualquer
natureza, revela a in-disposição dos indivíduos em não buscar o “pano de
fundo” das interações, o “lugar” do contexto da pragmática.

Referências bibliográficas

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CHOMPRÉ, A. Dicionário da fábula. Rio de Janeiro : F. Briguiet, 1938.

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OLIVEIRA, Jair Antonio de. Os pigmaliões pós-modernos. Trabalho de final


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WAKEFIELD, Neville. Postmodernism : the slippery surface. In:_____. The
twilight of the real. London : Pluto Press, 1990.

A enunciação

CUNHA, Ana Lygia Almeida; PESSOA, Fátima Cristina da Costa

Para a terceira das concepções de linguagem, que entende linguagem como


forma de interação, o que importa para o sujeito que fala ou escreve é
compreender em que situação comunicativa está envolvido, de modo que aja
lingüisticamente de acordo com as determinações que as circunstâncias da
situação de comunicação impõem. Desse modo, não basta apenas ao sujeito
falante conhecer as regras da língua, mas também as regras de uma ordem
social tácita que os integrantes de um grupo social respeitam para poder
estabelecer entre eles a intercompreensão. Atualmente, é esta concepção de
linguagem que dá suporte às pesquisas lingüísticas e que encontra no domínio
da Lingüística da Enunciação seus princípios básicos.

A preocupação principal das pesquisas desenvolvidas no campo da


Lingüística da Enunciação são questões sobre como os falantes utilizam os
recursos da língua, em situações de interação particulares, para dotar de
sentido suas trocas verbais. Em geral, acreditamos que, para dar sentido às
seqüências de palavras que falamos ou escrevemos, basta conhecermos o
significado de cada uma das palavras em particular. Assim, produzir um texto
implicaria reunir, lado a lado, palavras entre as quais é possível estabelecer
alguma relação de sentido e, em algumas passagens, utilizar algumas palavras
que serviriam de elemento de ligação entre as outras, como as preposições, as
conjunções etc.

No entanto, o processo de intercompreensão é muito mais complexo que a


simples descrição acima. Para compreendermos o modo como estabelecemos
sentido quando falamos ou escrevemos, é preciso levar em conta, também,
fatores que fazem parte da situação em que produzimos nossos textos. Não
falamos ou escrevemos do mesmo jeito em todas as situações de
comunicação em que estamos envolvidos ao longo do nosso dia. Mesmo
intuitivamente, sabemos quando estamos interagindo em uma situação mais
formal ou mais espontânea, ou seja, quando devemos estar atentos com o que
dizemos ou escrevemos ou quando interagimos em situações tão familiares
que nem nos preocupamos com a forma como nossos textos são
constituídos. Para exemplificar, suponhamos a seguinte situação:

Em uma quinta-feira, no final do expediente, um funcionário deixa, na mesa


de trabalho de um colega, um bilhete em que diz:

amanhã à noite é a festa de aniversário da Janete. Não falta!

No dia seguinte, ao chegar para mais um dia de trabalho, o amigo encontrou


o bilhete e agendou o compromisso. Na noite de sábado, o amigo chega à
casa de Janete com um presente na mão. A moça ri e explica que a festa
tinha sido na noite anterior, portanto o amigo estava um dia atrasado.

A confusão com as datas se deu em razão do emprego do advérbio de tempo


“amanhã”, que para o remetente e o destinatário do bilhete fazia referência a
momentos distintos. Para o funcionário que escreveu o bilhete no final da
tarde de quinta-feira, a expressão de tempo remetia à noite de sexta-feira;
para o colega de trabalho, que leu o bilhete na sexta-feira pela manhã, a
expressão de tempo remeteu à noite de sábado. A expressão de tempo
“amanhã”, assim como outras expressões de tempo e de lugar, só pode ser
compreendida adequadamente se considerarmos, junto com seu significado, o
momento em que os textos são produzidos.

No Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (1986), encontramos a


seguinte definição para a palavra:

Amanhã: do latim vulgar maneana, i. e., hora -, ‘em hora matinal’. Adv. 1. no
dia seguinte àquele em que estamos: Hoje é feriado, mas amanhã irei
trabalhar; “Amanhã traga Juventina para nossa casa” (José Carlos Cavalcanti
Borges, O Assassino, p. 42). 2. Mais tarde; para o futuro: Amanhã sofrerão o
resultado dessa dívida extravagante. Sm. 3. O dia seguinte: “Não deixes para
amanhã o que podes fazer hoje” (provérbio). 4. A época vindoura; o futuro:
os homens de amanhã; “Fundiste espaço e tempo em luz e geometria, / o
amanhã e o passado.” (Valdemar Lopes, Elegia para Joaquim Cardoso, p. 5).
Depois de amanhã. Após o dia imediatamente seguinte ao de amanhã.

Veja que, mesmo em uma acepção fora de qualquer contexto, como as que
encontramos nos dicionários, certos significados da palavra “amanhã” fazem
referência à situação de comunicação em que a palavra é utilizada, como na
passagem “no dia seguinte àquele em que estamos”.

Portanto, a interpretação equivocada do leitor do bilhete se deveu às


diferenças nas circunstâncias de tempo em que o texto foi produzido e em
que o texto foi lido.

As circunstâncias de interação interferem diretamente no modo como


interagimos com os interlocutores, ou seja, no modo como fazemos uso da
linguagem. No contato que estabelecemos com o outro, são fatores
importantes: - o momento em que se realiza a interação; - o lugar onde se
realiza a interação; - as imagens recíprocas que os interlocutores constroem
uns dos outros durante a interação; - os papéis sociais que os interlocutores
exercem durante a interação; - os objetivos visados pelos interlocutores.

Para esclarecer ainda mais a importância desses fatores na organização


de nossas trocas verbais, tomemos como exemplo as relações que se
estabelecem, em geral, entre pais e filhos. No início do século XX, as
relações entre pais e filhos eram mais desiguais: os pais ordenavam e os
filhos obedeciam. Não cabia aos filhos questionarem as ordens dos pais, nem
mesmo tentarem entender as razões dos pais para imporem certos
comportamentos. Atualmente, entre pais e filhos, costuma-se estabelecer
relações baseadas no diálogo, em que deve haver, entre ambos, a necessidade
do entendimento. Não basta aos pais apenas ordenarem, é preciso fazer com
que os filhos compreendam as razões dessas imposições. Mesmo que os pais
não estejam dispostos a esclarecer os filhos a respeito de suas razões, as
crianças e os jovens se sentem, hoje, mais à vontade para questionarem os
pais, para pedir esclarecimentos, para exporem suas incertezas e suas
vontades.

Considerando-se, agora, as mudanças no espaço, o modo como interagimos


em casa, em um ambiente em que nos sentimos à vontade, é diferente do
modo como interagimos em um lugar público, à vista de pessoas estranhas.
Assim, o modo como interagimos com nossos filhos em casa é diferente do
modo como interagimos com eles na escola, em frente aos pais de outros
alunos e em frente aos professores. Em situações como essas, não estamos
apenas preocupados em nos fazer entender pelas crianças e pelos jovens.
Estamos também preocupados com a imagem que os outros construirão a
nosso respeito.

Já deve ter ficado claro, pela leitura dos textos anteriores, que, quando
interagimos, não estamos apenas trocando informações com os demais
interlocutores. Quando interagimos, tentamos agir sobre o outro, de modo a
convencê-lo a acreditar naquilo em que acreditamos ou a fazer aquilo que
queremos. Para alcançar esses objetivos, estamos atentos, constantemente, à
nossa imagem diante dos demais, assim como a imagem que os outros nos
apresentam de si. Desse modo, ainda considerando como exemplo as relações
entre pais e filhos, nossas trocas verbais com nossos filhos e com os demais
que participam da mesma situação de interação irão ajudar a compor uma
imagem de pais compreensivos ou autoritários, a depender também da
imagem que construímos a respeito de nossos filhos, se crianças ou jovens
obedientes ou se crianças ou jovens inconseqüentes. Essas imagens são
sempre monitoradas ao longo de nossas trocas verbais, de modo que estão a
serviço de nossas estratégias para alcançarmos os objetivos que temos em
vista.

Por fim, pensemos na hipótese de sermos professores de nossos próprios


filhos na escola onde eles estudam. Em sala de aula, procuraríamos tratar os
filhos como se fossem apenas nossos alunos, sem fazer a distinção entre eles
e os demais estudantes. Seria estranho, em sala de aula, se o(a) professor(a)
tratasse um único aluno como “o filhinho da mamãe”. Na escola assumimos o
papel de professores, portanto a relação que estabelecemos com nossos
alunos é diferente da relação que estabelecemos com nossos filhos.

Todas as considerações acima levam à conclusão de que interagir não se


resume a juntar palavras para nos fazer entender pelo outro. Na elaboração de
nossos textos, deixamos marcas que revelam a determinação dos fatores
circunstanciais sobre o modo como falamos ou escrevemos. Por exemplo, a
escolha de um pronome de tratamento pode revelar a relação mais ou menos
hierárquica que se estabelece entre pais e filhos: o emprego do pronome de
tratamento “senhor(a)” para interpelar pai ou mãe pode indicar uma maior
hierarquia, já que os pais provavelmente não utilizarão o mesmo pronome
para interpelar os filhos; o emprego do pronome de tratamento “você” pode
indicar uma maior proximidade entre pais e filhos, uma distribuição mais
igualitária de direitos e de deveres. Da mesma forma, a escolha por uma
ordem ou por um pedido revela uma relação mais distante ou uma relação
mais próxima entre os interlocutores. Veja a diferença entre dizer:
Traga-me um copo de água. Por favor, você pode me trazer um copo de
água?

A primeira ocorrência seria usada com alguém com quem estamos à vontade
para dar uma ordem e de quem não aceitaríamos facilmente uma recusa. A
segunda ocorrência seria usada com quem não temos intimidade para ordenar
e de quem aceitaríamos uma recusa, desde que justificada.

Ao final destas reflexões, podemos afirmar que a intercompreensão é


resultado de um processo complexo em que estão envolvidos não só nosso
conhecimento da língua, suas palavras e possíveis formas de combinação,
mas também nosso conhecimento de mundo e dos demais sujeitos que
conosco interagem. A esse processo chamamos de enunciação.

A enunciação é o evento único e jamais repetido de produção do enunciado

Existem, nos limites da Lingüística, várias teorias que se ocupam da


enunciação, ou seja, teorias que, ao estudar as formas em que nossos textos se
apresentam, consideram as determinações que as circunstâncias exercem
sobre sua constituição. Segundo Flores e Teixeira (2005), Émile Benveniste
é, provavelmente, o primeiro lingüista a desenvolver um modelo de análise
da língua especificamente voltado à enunciação. É importante ressaltar que as
reflexões de Benveniste sobre a língua se deram em um contexto histórico em
que o rigoroso método de estudos da linguagem vigente na época, o
Estruturalismo, se ocupava unicamente dos traços que são estáveis na língua,
ou seja, as unidades que são sempre repetíveis na composição das orações.
As reflexões de Benveniste vão além da identificação e sistematização dessas
unidades, detendo-se nas marcas que evidenciam a relação entre os textos e a
situação em que eles são produzidos. Essa opção inaugura, no quadro dos
estudos lingüísticos, a preocupação com as questões relativas à linguagem em
uso.

EXERCÍCIO

Para ajudar a compreender o processo da enunciação, compare as diversas


situações de seu dia-a-dia e aponte diferenças na forma de usar a linguagem.
Discuta as respostas com o tutor, no próximo encontro presencial.

Para finalizar nossas reflexões sobre o conceito de enunciação, leia o texto


abaixo, que é apenas o trecho inicial de um texto de Émile Benveniste,
traduzido para o português por Marco Antônio Escobar (1989, p. 81-90), em
que são apresentadas as bases para a construção desse conceito.
O aparelho formal da enunciação1

Todas as nossas descrições lingüísticas consagram um lugar freqüentemente


importante ao “emprego das formas”. O que se entende por isso é um
conjunto de regras fixando as condições sintáticas nas quais as formas podem
ou devem normalmente aparecer, uma vez que elas pertencem a um
paradigma que arrola as escolhas possíveis. Estas regras de emprego são
articuladas a regras de formação indicadas antecipadamente, de maneira a
estabelecer uma certa correlação entre as variações morfológicas e as
latitudes combinatórias dos signos (acordo, seleção mútua, preposições e
regimes dos nomes e dos verbos, lugar e ordem, etc.). Como as escolhas estão
limitadas de uma parte e de outra, parece que se obtém assim um inventário
que poderia ser, teoricamente, exaustivo, dos empregos como das formas, e
em conseqüência uma imagem pelo menos aproximativa da língua em
emprego.

Gostaríamos, contudo, de introduzir aqui uma distinção em um


funcionamento que tem sido considerado somente sob o ângulo da
nomenclatura morfológica e gramatical. As condições de emprego das formas
não são, em nosso modo de entender, idênticas às condições de emprego da
língua. São, em realidade, dois mundos diferentes, e pode ser útil insistir
nesta diferença, a qual implica uma outra maneira de ver as mesmas coisas,
uma outra maneira de as descrever e de as interpretar.

O emprego das formas, parte necessária de toda descrição, tem dado lugar a
um grande número de modelos, tão variados quanto os tipos lingüísticos dos
quais eles procedem. A diversidade das estruturas lingüísticas, tanto quanto
sabemos analisá-las, não se deixa reduzir a um pequeno número de modelos,
que compreendem sempre somente os elementos fundamentais. Ao menos
dispomos assim de certas representações muito precisas, construídas por
meio de uma técnica comprovada.

Coisa bem diferente é o emprego da língua. Trata-se aqui de um mecanismo


total e constante que, de uma maneira ou de outra, afeta a língua inteira. A
dificuldade é apreender este grande fenômeno, tão banal que parece se
confundir com a própria língua, tão necessário que nos passa despercebido.

A enunciação é este colocar em funcionamento a língua por um ato


individual de utilização.

O discurso, dir-se-á, que é produzido cada vez que se fala, esta manifestação
da enunciação, não é simplesmente a “fala”? – É preciso ter cuidado com a
condição específica da enunciação: é o ato mesmo de produzir um enunciado,
e não o texto do enunciado, que é nosso objeto. Este ato é o fato do locutor
que mobiliza a língua por sua conta. A relação do locutor com a língua
determina os caracteres lingüísticos da enunciação. Deve-se considerá-la
como o fato do locutor, que toma a língua por instrumento, e nos caracteres
lingüísticos que marcam esta relação.

Este grande processo pode ser estudado sob diversos aspectos. Veremos
principalmente três.

O mais imediatamente perceptível e o mais direto – embora de um modo


geral não seja visto em relação ao fenômeno geral da enunciação – é a
realização vocal da língua. Os sons emitidos e percebidos, quer sejam
estudados no quadro de um idioma particular ou nas suas manifestações
gerais, como processo de aquisição, de difusão, de alteração – são tantas
outras ramificações da fonética – procedem sempre de atos individuais, que o
lingüista surpreende sempre que possível em uma produção nativa, no
interior da fala. Na prática científica procura-se eliminar ou atenuar os traços
individuais da enunciação fônica recorrendo a sujeitos diferentes e
multiplicando os registros, de modo a obter uma imagem média de sons,
distintos ou ligados. Mas cada um sabe que, para o mesmo sujeito, os
mesmos sons não são jamais reproduzidos exatamente, e que a noção de
identidade não é senão aproximativa mesmo quando a experiência é repetida
com detalhe. Estas diferenças dizem respeito à diversidade das situações nas
quais a enunciação é produzida.

O mecanismo desta produção é um outro aspecto maior do mesmo problema.


A enunciação supõe a conversão individual da língua em discurso. Aqui a
questão – muito difícil e pouco estudada ainda – é ver como o “sentido” se
forma em “palavras”, em que medida se pode distinguir entre as duas noções
e em que termos descrever sua interação. É a semantização da língua que está
no centro deste aspecto da enunciação, e ela conduz à teoria do signo e à
análise da significância2. Sob a mesma consideração disporemos os
procedimentos pelos quais as formas lingüísticas da enunciação se
diversificam e se engendram. A “gramática transformacional” visa a codificá-
las e a formalizá-las para daí depreender um quadro permanente, e, de uma
teoria da sintaxe universal, propõe remontar a uma teoria do funcionamento
do espírito.

Pode-se, enfim, considerar uma outra abordagem, que consistiria em definir a


enunciação no quadro formal de sua realização. É o objeto próprio destas
páginas. Tentaremos esboçar, no interior da língua, os caracteres formais da
enunciação a partir da manifestação individual que ela atualiza. Estes
caracteres são, uns necessários e permanentes, os outros incidentais e ligados
à particularidade do idioma escolhido. Por comodidade, os dados utilizados
aqui serão tirados do português [francês] usual e da língua da conversação.

Na enunciação consideraremos, sucessiva- mente, o próprio ato, as situações


em que ele se realiza, os instrumentos de sua realização.

O ato individual pelo qual se utiliza a língua introduz em primeiro lugar o


locutor como parâmetro nas condições necessárias da enunciação. Antes da
enunciação, a língua não é senão possibilidade da língua. Depois da
enunciação, a língua é efetuada em uma instância de discurso, que emana de
um locutor, forma sonora que atinge um ouvinte e que suscita uma outra
enunciação de retorno.

Enquanto realização individual, a enunciação pode se definir, em relação à


língua, como um processo de apropriação. O locutor se apropria do aparelho
formal da língua e anuncia sua posição de locutor por meio de índices
específicos, de um lado, e por meio de procedimentos acessórios, de outro.

Mas imediatamente, desde que ele se declara locutor e assume a língua, ele
implanta o outro diante de si, qualquer que seja o grau de presença que ele
atribua a este outro. Toda enunciação é, explícita ou implicitamente, uma
alocução, ela postula um alocutário.

Por fim, na enunciação, a língua se acha empregada para expressão de uma


certa relação com o mundo. A condição mesma dessa mobilização e dessa
apropriação da língua é, para o locutor, a necessidade de referir pelo discurso,
e, para o outro, a possibilidade de co-referir identicamente, no consenso
pragmático que faz de cada locutor um co-locutor. A referência é parte
integrante da enunciação

Estas condições iniciais vão reger todo mecanismo da referência no processo


de enunciação, criando uma situação muito singular e da qual ainda não se
tomou a necessária consciência.

(...).
No texto “O aparelho formal da enunciação”, de Émile Benveniste, se
estabelece uma oposição entre as condições de emprego das formas e as
condições de emprego da língua. À primeira caberia a descrição das regras
responsáveis pela organização sintática das frases. Essa descrição permite a
construção de modelos que possam dar conta das possíveis combinações
entre os constituintes das frases. No entanto, esses modelos não conseguem
abranger a grande complexidade do processo de interação por meio da
linguagem, pois, para Benveniste, colocar a língua em funcionamento implica
ao locutor marcar em seu discurso a sua presença e a presença de seu
interlocutor – as marcas da intersubjetividade - e, do mesmo modo,
estabelecer uma relação com o mundo por meio da linguagem – as marcas da
referenciação -, por meio das categorias de pessoa, de espaço e de tempo,
fundamentais na enunciação.

De modo bastante simplificado, podemos dizer que, em relação à categoria


pessoa, os pronomes de primeira e segunda pessoa são definidos na própria
enunciação e referem realidades distintas cada vez que forem enunciados,
diferentemente dos pronomes de terceira pessoa, cuja referência não depende
da enunciação. Vejamos como isso pode ser demonstrado no exemplo a
seguir:

Duas amigas combinam, ao telefone, o programa para sábado à noite: A: Eu


prefiro ir ao cinema. É muito mais divertido. B: Eu prefiro um bom
restaurante, pois assim podemos conversar à vontade. Vamos perguntar ao
Marcos qual o programa preferido dele? A: Ele certamente dirá que prefere
o futebol. B: Ele então que vá sozinho!

No exemplo, temos o emprego de pronomes pessoais de primeira pessoa – eu


– e pronomes de terceira pessoa – ele -. A referência do pronome pessoal de
primeira pessoa que é empregado na primeira fala de A e a referência do
pronome pessoal que é empregado na primeira fala de B, no texto que nos
serve de exemplo, são diferentes a depender de quem toma a palavra para
enunciar. Na ocorrência Eu prefiro ir ao cinema, o pronome “eu” refere-se à
pessoa que fala naquele momento – a amiga identificada por A. Por sua vez,
na ocorrência Eu prefiro um bom restaurante, o pronome “eu” refere-se à
amiga identificada por B, pois é ela, naquele momento, que enuncia. Quanto
ao pronome de terceira pessoa – ele – a sua referência permanece a mesma,
independentemente de quem está com a palavra: tanto na penúltima quanto
na última linha do texto que nos serve de exemplo, o pronome “ele” irá se
referir a Marcos.
Em relação à categoria tempo, o primeiro exemplo desta atividade é uma
amostra de como o sentido de termos como “amanhã”, “ontem” e “hoje”
depende das circunstâncias da enunciação. Assim também se dá com termos
que fazem referência a espaços, como “aqui”, “ali”, “este”, “aquele” etc. Os
elementos lingüísticos que indicam o lugar ou o tempo em que um enunciado
é produzido ou, ainda, os participantes de uma situação de interação são
chamados dêiticos. Ao estudo dos dêiticos dedicaremos a Atividade 7, na
Unidade 3 desta disciplina.

Todos os exemplos mencionados são ilustrativos de como é necessário, para


a compreensão de certos fenômenos de linguagem, levar em consideração as
circunstâncias em que a interação se realiza. A partir do momento em que
essas circunstâncias passaram a ser consideradas na descrição e na análise
dos fenômenos de linguagem, constituiu- se um novo domínio das pesquisas
lingüísticas denominado Pragmática, que pode ser apontada como a ciência
do uso lingüístico.

EXERCÍCIO

As questões abaixo ajudarão a compreender melhor a leitura do texto de


Émile Benveniste e os conceitos discutidos até o momento. Aproveite o
próximo encontro presencial com o tutor para discutir com ele as possíveis
respostas.

1. Como você entende a afirmação de Benveniste de que a enunciação é um


processo que consiste em “colocar em funcionamento a língua por um ato
individual de utilização”?

2. Você concorda com o autor quando ele afirma que a dificuldade em


compreender o processo da enunciação se dá em razão desse processo ser tão
banal? Justifique.
Unidade 6: Dêixis e atos de fala

de McCleary e Viotti

6.1 Introdução

Vocês lembram que, na Unidade 1, nós mencionamos que algumas correntes


teóricas fazem uma separação rígida entre o estudo do significado das
expressões lingüísticas analisado fora de contextos de uso, e o estudo do
significado das expressões em situações de uso. O exemplo que nós demos
foi o de uma sentença como a seguinte:

(52) A porta está aberta.

Naquela oportunidade, vimos que essa sentença tem um significado fora de


contexto, designando uma situação no mundo em que a porta está aberta.
Mas, ela pode apresentar diferentes significados quando levamos em conta o
contexto em que ela é usada: em uma sala de aula, ela pode ser um convite
para um aluno se retirar, pode ser um convite para um aluno entrar, pode
ainda ser uma sugestão para que a porta seja fechada. Ainda, outro dia
mesmo, um de nós ouviu uma pessoa usar essa mesma sentença, esfregando
os braços e caminhando de um lado para outro, mostrando que ela estava com
frio. Nesse contexto, o uso dessa sentença era uma justificativa que a pessoa
estava dando para sua inquietude em relação ao frio que fazia na sala.

Na Unidade 1, vimos, então, que as teorias que fazem essa divisão


consideram que o estudo do significado lingüístico deve ser feito sem levar
em consideração o contexto de uso. Nesse caso, o significado seria o objeto
específico da Semântica. Diferentemente, o estudo do significado das
expressões lingüísticas em contextos de fala é o objeto específico da
Pragmática.

Entretanto, ao longo de todo o curso, procuramos mostrar como é difícil


isolar o estudo da significação do contexto de uso. Teorias lingüísticas
modernas têm preferido entender que o estudo do significado lingüístico é
semântico e pragmático, ao mesmo tempo, na medida em que as
conceitualizações que fazemos de palavras, de sentenças e de textos são
sempre alicerçadas em nossa experiência e em nosso conhecimento
enciclopédico. Portanto, é praticamente impossível dar conta da significação
sem levar em conta informações extra-lingüísticas, relacionadas à nossa
experiência, ao nosso conhecimento, e ao contexto em que as expressões
lingüísticas são usadas.

O entendimento de que não se deve separar Semântica de Pragmática é


bastante recente. Aliás, se examinarmos a história da Lingüística, vamos ver
que a Semântica reinou sozinha, por muito tempo! A Pragmática é uma área
bastante nova da Lingüística. Foi apenas a partir da segunda metade do
século XX, que os estudiosos da linguagem passaram a ter interesse por
alguns fenômenos que não poderiam ser compreendidos se tentássemos
explicá-los isoladamente, sem levar em conta o contexto em que eles eram
usados. Entre eles, estão as expressões dêiticas e os atos de fala, que vamos
estudar a seguir.

6.2 Expressões dêiticas

No curso de Introdução aos Estudos Lingüísticos, vocês já foram


apresentados brevemente ao fenômeno da dêixis. Exemplos de expressões
dêiticas são verbos como trazer, levar, ir, vir, advérbios como hoje, ontem,
amanhã, aqui, aí, lá, pronomes pessoais, como eu e você, nós e vocês, e
pronomes demonstrativos, como este, esse, aquele.

́Dêixis ́ é uma palavra que vem do grego e significa “a ação de mostrar”. As


expressões acima listadas são chamadas dêiticas precisamente porque
mostram ou apontam uma pessoa, um lugar ou um tempo, sempre tomando
como ponto de referência o momento da enunciação. Enunciação é a ação de
falar alguma coisa, oralmente, em sinais ou por escrito. Mais tecnicamente,
podemos definir enunciação como o ato de produzir enunciados, que são as
realizações lingüísticas concretas.

A dêixis, ou a ação de apontar por meio do uso da língua, pode ser de três
tipos:

• dêixis de pessoa: ocorre quando usamos os pronomes pessoais de 1a. e 2a.


pessoa - eu, você, nós, vocês

• dêixis de lugar: ocorre quando usamos palavras como aqui, aí, lá, este, esse,
aquele, trazer, levar, vir, ir

• dêixis de tempo: ocorre quando usamos advérbios como hoje, ontem,


amanhã As expressões dêiticas têm um conteúdo propriamente
semântico (ou seja, um significado que não depende do contexto em
que elas são usadas), mas só chegam a ter um significado pleno em
uma determinada enunciação (ou seja, em um contexto de uso
particular). É só na enunciação que essas expressões conseguem fazer
referência, ou seja, designar uma determinada pessoa, um determinado
tempo, ou um determinado lugar. Por exemplo, eu é o pronome
a
pessoal de 1 pessoa do singular, ou seja, o pronome usado para a
pessoa que fala se referir a si mesma. Do mesmo modo, o pronome
você é o pronome pessoal de segunda pessoa, ou seja, é o pronome
usado para que a pessoa que fala se refira a seu interlocutor.
Entretanto, o significado total dos pronomes eu e você só pode ser
entendido em um determinado contexto de uso. Só sabemos qual é o
referente dos pronomes eu e você quando estamos diante de uma
enunciação—uma situação de discurso específica. Considerem, por
exemplo, o seguinte diálogo:

(53) O João disse à Maria: --Eu quero me casar com você. E Maria
respondeu: --O problema é que eu não quero me casar com você.

Na fala de João, o pronome eu (em itálico) se refere ao João, e o pronome


você (em itálico) se refere à Maria. Na resposta que a Maria deu ao João, a
situação se inverte: o pronome eu (em negrito) se refere à Maria, e o pronome
você (em negrito) se refere ao João.

Vejam, então, que o significado pleno dos pronomes eu e você (e também nós
e vocês) varia a cada enunciação. Ou seja, em cada situação de fala, esses
pronomes vão fazer referência a diferentes pessoas.

Agora considerem o seguinte enunciado.

(54) Ontem choveu no fim da tarde e refrescou um pouco. Mas hoje já está
quente de novo. Parece que hoje não vai chover. O noticiário disse que
chuva, de novo, só amanhã.

De um ponto de vista estritamente semântico, os significados das palavras em


negrito são os seguintes: hoje é o dia em que se fala; ontem é o dia anterior ao
dia em que se fala; e amanhã é o dia seguinte ao dia em que se fala. Mas,
quando vocês estiverem lendo este texto, vocês não vão conseguir saber a que
dia nós estamos nos referindo, no enunciado que criamos acima, porque
palavras como hoje, ontem e amanhã só podem ter sua referência
estabelecida por relação a uma situação de discurso específica. Ou seja,
a
vamos imaginar que tenhamos criado esse enunciado numa 2 . feira, dia 07
a
de janeiro de 2008. A expressão hoje faria referência, então, a essa 2 . feira,
07 de janeiro. Ontem, faria referência ao dia 06 de janeiro, um domingo, e
a
amanhã faria referência ao dia 08 de janeiro, uma 3 . feira. Entretanto, se
a
tivermos criado esse enunciado numa 6 . feira, dia 16 de maio de 2008, a
a
expressão hoje vai passar a fazer referência a essa 6 . feira, 16 de maio,
a
ontem passa a fazer referência ao dia 15 de maio, uma 5 . feira, e amanhã
passa a fazer referência ao dia 17 de maio, um sábado.

Vejamos, agora, a seguinte conversa telefônica entre dois amigos, Pedro e


Ana. O Pedro está em Curitiba e a Ana está em São Paulo:

(55) O Pedro diz para a Ana: --Aqui tá muito frio. Como tá o tempo aí? A
Ana responde: --Aqui tá frio também. Mas ontem eu fui pra o litoral, e lá tava
bem quente.

Nessa conversa, temos vários exemplos de dêixis de lugar. Temos,


primeiramente, os advérbios aqui, aí e lá. Do ponto de vista estritamente
a
semântico, aqui é o lugar em que está a pessoa que fala (ou seja, a 1 .
a
pessoa); aí é o lugar em que está o seu interlocutor (ou seja, a 2 . pessoa); e
lá é qualquer lugar distante tanto da pessoa que fala, quanto de seu
interlocutor.

No primeiro enunciado de Pedro, a expressão aqui faz referência ao lugar em


que o Pedro está, ou seja, a cidade de Curitiba. Isso porque o Pedro é a pessoa
que está falando, e aqui é o advérbio relativo ao lugar da pessoa que fala. Por
outro lado, a expressão aí faz referência a São Paulo, que é a cidade em que
está a Ana. Isso porque a Ana é a interlocutora de Pedro (é a pessoa com
quem ele está falando) e aí é o advérbio que designa o local em que está o
interlocutor de uma enunciação.

Entretanto, quando Ana usa a expressão aqui, será que ela está se referindo a
Curitiba? Não, ela está se referindo a São Paulo, porque ela, que é a pessoa

50

que está falando desta vez, está em São Paulo. Vejam, então, que, apesar de
aqui significar o lugar em que está a pessoa que fala, a cada enunciação sua
referência vai variar.

Vejam, também, que, quando Ana faz referência ao litoral, ela usa o advérbio
lá. Por que? Porque nem a Ana (que é a pessoa que fala), nem o Pedro (que é
seu interlocutor) estão no litoral, e lá é justamente o advérbio que usamos
para fazer referência a um local distante do local em que estão a pessoa que
fala e seu interlocutor.

Observem, agora, a continuação da conversa telefônica entre Pedro e Ana:

(56) O Pedro diz: --Quando você vier, você poderia trazer alguns cobertores?
A Ana responde: --Sim, quando eu for pra aí, eu levo todos os cobertores.

Nessa parte da conversa, temos exemplos de verbos dêiticos. Pedro usa os


verbos vir e trazer. O que significam esses verbos? Vir significa "realizar um
deslocamento até o lugar em que está a pessoa que fala". Trazer significa
"transportar algo para o lugar em que está a pessoa que fala". Por isso,
quando Pedro usa esses verbos, eles adquirem o significado específico de
deslocamento e transporte para Curitiba, e não para outro lugar. Se Pedro
estivesse em Belo Horizonte, as ações expressas pelos verbos vir e trazer
teriam como ponto final a cidade de Belo Horizonte, e não mais Curitiba.

Observem, agora, a resposta de Ana. Ela usa os verbos ir e levar. Esses


verbos são semelhantes aos verbos vir e trazer, mas ao invés de significarem
um deslocamento ou transporte até o local em que está a pessoa que fala,
significam um deslocamento ou transporte a partir do local em que está a
pessoa que fala. Portanto, para conceitualizarmos as ações expressas na fala
da Ana, temos que levar em conta que o ponto de partida dessas ações é São
Paulo. Se a Ana estivesse em outra cidade, como Porto Alegre, por exemplo,
teríamos que conceitualizar essas ações como tendo início em Porto Alegre.

Vejam, então, que as expressões dêiticas são exemplos contundentes de que o


estudo da significação não pode se limitar à análise das expressões fora de
seu contexto de uso. Seu significado depende, em grande medida, das
características da enunciação, ou seja, de fatores como: quem é a pessoa que
está falando e quem é a pessoa que está sendo a interlocutora dessa fala; qual
é o local em que estão a pessoa que fala e seu interlocutor; e em que tempo
essa fala está sendo enunciada.

O estudo da dêixis nas línguas de sinais é particularmente interessante, por


causa dos chamados verbos direcionais, como PERGUNTAR,
RESPONDER, AJUDAR, etc. Esses verbos são verbos dêiticos. A cada
diferente enunciação, eles apontam ou para a pessoa que fala, ou para seu
interlocutor, ou para os dois, ou para uma terceira pessoa, diferente tanto da
pessoa que fala, quanto de seu interlocutor. Além disso, a forma do verbo
muda, dependendo do local do espaço de sinalização em que o falante e seu
interlocutor se encontram.

51

Sendo assim, a significação precisa desses verbos só pode ser analisada


tomando por base a situação de enunciação.

6.3 Atos de fala

Nesta seção, vamos reforçar a idéia que vimos desenvolvendo desde o início
do curso, de que, para entender totalmente o significado das expressões
lingüísticas, precisamos levar em consideração não só seu significado
semântico (ou “literal”), mas também o nosso conhecimento de mundo, e o
contexto em que as expressões são usadas. Nós vamos ver que, no uso, a
língua sempre serve para alguma coisa. Ela é sempre um ato (e é por isso que
a seção é chamada atos de fala!). Para termos um maior entendimento do
significado das expressões lingüísticas, precisamos ver para o quê elas estão
servindo, em um determinado contexto.
Essa idéia de que a língua em uso é um ato se deve ao filósofo John L.
17
Austin . Foi Austin quem primeiro enfatizou a idéia de que a análise da
significação de qualquer ato comunicativo lingüístico não pode deixar de
levar em conta o fato de que, ao realizar esse ato, o falante tem a intenção de
obter algum efeito. Desse modo, por um lado, esse ato tem um significado
literal, ou seja, um significado propriamente semântico, que descreve uma
situação ou um evento no mundo, mas tem também um outro significado que
está associado ao que queremos que aconteça em conseqüência daquele ato
comunicativo. Esse outro significado é chamado ato ilocucionário.

Para entender mais, vamos voltar à sentença com a qual começamos nosso
curso:

(57) A porta está aberta.

Vocês já sabem que essa sentença tem um significado literal, ou seja, ela é a
descrição de uma situação em que a porta está aberta. Trata-se apenas de uma
constatação. Entretanto, como ato ilocucionário, ela apresenta várias
possibilidades, dependendo do contexto em que ela é usada, como vimos na
Unidade 1: ela pode ser um convite a sair ("Eu convido vocês a sair da sala");
pode ser um convite a entrar ("Eu convido vocês a entrar na sala"); pode ser
um pedido para que a porta seja fechada por causa do barulho ("Eu peço que
você feche a porta para diminuir o barulho"); pode, ainda, ser uma
justificativa ("Eu justifico o barulho pelo fato de a porta estar aberta").

Vamos ver um outro exemplo. Imaginemos que estejamos tentando fazer um


aluno prestar atenção à aula, mas ele só quer saber de brincar e conversar
com os coleguinhas. Dizemos, então, para ele:

(58) Você não vai descer para o recreio.

17 o artigo em inglês: <http://en.wikipedia.org/wiki/J._L._Austin>.

Ver <http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Langshaw_Austin>. Para ver uma


foto do filósofo, ver

52

Esse ato de comunicação pode ser desmembrado em suas duas facetas. Por
um lado, ele expressa o significado literal do enunciado, ou seja, ele é apenas
uma constatação do fato de que o aluno não vai descer para o recreio. Mas ele
é também um ato ilocucionário, e, nesse sentido, ele realiza uma ação: trata-
se de uma ameaça para o aluno. É como se disséssemos algo como "Eu estou
te ameaçando: você não vai descer para o recreio se você não parar!"

Será que existem, na língua, afirmações puramente constativas, ou seja,


afirmações que apenas descrevem uma determinada situação ou evento? Será
que existe algum contexto em que, se dissermos uma sentença como (57),
vamos estar simplesmente fazendo uma constatação, sem que estejamos, ao
mesmo tempo, realizando uma ação? É possível que sim, mas esses vão ser
contextos muito limitados. Um que nos ocorre é aquele em que fazemos a
descrição de uma sala que estamos observando, por exemplo:

(59) A sala é retangular. Há um sofá de 3 lugares encostado em uma de suas


paredes mais longas. De cada lado do sofá, há uma pequena mesa com um
abajur. O sofá fica de frente para uma enorme janela, que dá vista para o
jardim. Do lado esquerdo, fica uma enorme porta de madeira de lei. A porta
da sala está aberta. Por ela, podemos ver um longo corredor escuro...

Fora esse, em todos os demais contextos, mesmo os mais banais, uma


afirmação como essa vai realizar uma ação. Considere uma situação em que
você entra em sua sala e se surpreende ao ver lá uma pessoa que você não
conhece. Essa pessoa diz:

(60) --Eu tomei a liberdade de entrar. A porta estava aberta.

Será que, nesse caso, temos uma mera constatação? Não! A pessoa está
oferecendo uma justificativa para ter entrado na sala. Portanto, ela está
realizando uma ação.

Austin, então, tem razão quando diz que o estudo do significado das
expressões lingüísticas não pode se limitar à parte propriamente semântica da
significação, devendo incluir sempre a parte ilocucionária dos enunciados.
Tomando por base os exemplos que acabamos de estudar, podemos, pelo
menos, ver que, tecnicamente, existe a possibilidade de separação dos dois
tipos de significados. Mas Austin mostrou que existe um tipo de enunciado
que não tem uma parte constativa, ou seja, que não faz uma descrição de uma
situação ou de um evento. Ele é a própria realização de uma ação. Esse tipo
de enunciado é chamado performativo. Observem as seguintes sentenças:

. (61) Eu lamento que isso tenha acontecido.

. (62) Juro que não vou sair.


. (63) Prometo que vou parar de fumar.

. (64) Declaro aberta a sessão de entrega de diplomas.

. (65) Aposto que o Pedro não vai à festa da Maria.

53

O que se verifica nessas sentenças é que os atos de lamentar, de jurar,de


prometer, de declarar, de apostar se realizam especificamente quando a
afirmação é enunciada. Ou seja, nessas sentenças, não estamos descrevendo
lamentos, juramentos, promessas, declarações, apostas. Nós estamos,
justamente, realizando esses atos por meio da enunciação dessas sentenças.

Para que essa idéia fique mais clara, comparem as sentenças acima com as
seguintes sentenças:

. (66) A Cecília lamentou que isso tivesse acontecido.

. (67) O Pedro jurou que não ia sair.

. (68) O Luiz prometeu que ia parar de fumar.

. (69) O diretor da escola declarou aberta a sessão de entrega de diplomas.

. (70) A Regina apostou que o Pedro não vai à festa da Maria.

As sentenças entre (66) e (70) são, essas sim, descrições de situações em que
houve um lamento, um juramento, uma promessa, uma declaração e uma
aposta. Elas não podem ser entendidas como atos de lamentação, de
juramento, etc. Quaisquer que sejam seus significados ilocucionários – ou
seja, quaisquer que sejam os motivos pelos quais um falante tenha resolvido
usar esses enunciados, eles sempre vão ter uma parte que é a descrição de um
estado-de-coisas. Não é isso o que acontece nas sentenças entre (61) e (65):
elas criam um lamento, um juramento, uma promessa, uma declaração, uma
aposta.

Os enunciados performativos são ações que podem ter reflexos importantes


em nossas vidas. Por exemplo, pensem no casamento civil. Trata-se de um
contrato entre o Estado e duas pessoas. Os noivos podem fazer tudo o que o
contrato exige: podem apresentar todos os documentos necessários, podem
comparecer diante do juiz, podem ter as testemunhas, podem dizer que
aceitam passar o resto da vida um com o outro. Mas eles só vão estar
efetivamente casados depois que o juiz disser:

(71) --Eu vos declaro marido e mulher.

Os enunciados performativos aparecem em geral no presente do indicativo e


a a
na 1 . pessoa do singular. Mas há performativos que aparecem na 2 . ou na
a
3 . pessoa, como nos exemplos abaixo:

. (72) Você está proibido de sair hoje à noite.

. (73) Os alunos da 3a. série estão autorizados a fazer a prova em casa.

Nesses casos, estamos realizando uma proibição e uma autorização, sem dizer
"Eu te proíbo de sair", ou "Eu autorizo os alunos a fazer a prova em casa".

54

6.4 Conclusão

Nesta Unidade, vimos alguns tipos de expressões lingüísticas que não têm
significação plena fora de contexto. Primeiramente, estudamos os dêiticos. É
na enunciação que os dêiticos se instauram e apontam para uma pessoa, um
tempo ou um lugar. A seguir, apresentamos as idéias de Austin, que
considera que expressões lingüísticas usadas em atos comunicativos são
ações. Vimos que os enunciados têm uma faceta ilocucionária, ou seja,
servem para a realização de uma ação. Vimos, também, que os enunciados
performativos são um exemplo extremo de ação realizada por meio da língua.
Sem língua, não há promessas, juramentos, declarações, etc.
ESPÍNDOLA, Lucienne C.
TEXTOS COM QUEBRAS DE MÁXIMAS – IMPLICATURAS
CONVERSACIONAIS (QUEBRA CONSCIENTE)

1 – MAXIMA DA QUANTIDADE

A) - João é um bom aluno?


B) – é o melhor jogador de futebol da escolar
2 – MAXIMA DA QUALIDADE

A) – Você está horrível com esse vestido!


B) - Eu também amo você

3- MAXIMA DA RELAÇAO

4 – MAXIMA DO MODO
FICHA

A PRAGMÁTICA INFERENCIAL DE GRICE

Questão Motivadora Como é possível que um enunciado signifique mais do


que o literalmente expresso?

Deve haver algum tipo de regra que permita a um falante transmitir algo
além da frase e a um ouvinte entender esta informação extra.
Para compreender os atos de fala indiretos
A conversação é governada por um princípio de cooperação, que exige
que cada enunciado tenha um objeto e uma finalidade.
Só se percebe o objeto ou o propósito de um enunciado quando se
entendem os implícitos

O princípio de cooperação

Faça sua contribuição conversacional tal como é requerida, no


momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio
conversacional em que você está engajado.
(Grice, 1975:86)

As máximas conversacionais
Quantidade Máxima da Quantidade
1. Faça com que sua contribuição seja tão informativa quanto requerido.
2. Não faça sua contribuição mais informativa do que é requerido.
Máxima de Quantidade
Conserto de um grande pianista numa cidade do interior. De olho nas pernas
da vizinha, o cavalheiro gentilmente se aproxima e ensaia uma abordagem
tímida:
- A senhorita entende de música?
- Sim, um pouco.
- E o que ele está tocando agora?
- Piano.

Qualidade Máxima da Qualidade


v Máximas:
Não diga o que você acredita ser falso.
Não diga senão aquilo para que você possa fornecer evidência adequada.
v Supermáxima
Trate de fazer uma contribuição que seja verdadeira.

Máxima da Relação
Seja relevante
Máxima de Modo
☼ Máximas:
Evite obscuridade de expressão.
Evite ambigüidades
Seja breve
Seja ordenado

☼ Supermáxima: seja claro.


☼ Máxima de Qualidade
☼ Ironia:
☼ A - Você pescou todos estes peixes?
☼ B - Não, pularam sozinhos para dentro da canoa.
☼ Metáfora:
☼ Ex: As suas palavras cortaram o silêncio.

Relação Máxima de Relação


Numa recepção social,

A diz: A senhora X é uma chata.

B responde: O tempo tem estado ótimo neste verão, não é?

Modo Máxima de Modo

ROUBO HISTÓRICO
Contam que um ladrão foi roubar galinha na casa do célebre Rui
Barbosa. Ao vê-lo, o ilustre jurista começou um discurso:
- Não é pelo bico de bípede, nem pelo valor intrínseco do galináceo, mas por
ousares transpor os umbrais de minha residência. Se for por mera ignorância,
perdôo-te, mas se for para abusar de minha alta prosopopéia, juro pelos
tacões metabólicos dos meus calçados que te darei tamanha bordoada que
transformarei sua massa cefálica em cinzas cadavéricas.
O ladrão sem graça, perguntou :
- Como é, “ Seu Rui “ eu posso levar a galinha ou não ?
OS LIMITES DA SEMÂNTICA E DA PRAGMÁTICA

Aline Soler Parra

As questões concernentes aos limites da semântica e da pragmática levam em consideração


teorias de lingüistas como Austin, Ducrot e Grice, em detrimento às versões teórico-
lingüísticas anteriores que tinham como base, operadores e conectores argumentativos, que
tentavam descrever as unidades lexicais da língua.

As teorias relativas à semântica e à pragmática envolvem perspectivas não-referenciais da


língua, ou seja, uma relação de interdependência das palavras, através de uma “rede de
encadeamentos discursivos” (Ducrot 1998:17), carregados de ideologias, que abordam as
condições externas à linguagem como, por exemplo, o ambiente e as condições de produção
do discurso, o uso normativo pelos falantes de uma determinada língua, etc.

As considerações feitas por Ilari e Geraldi (1985:66) focalizam a importância dos fenômenos
da dêixis – ato de mostrar através de palavras – que garantem a distinção entre a “linguagem
humana de linguagens artificiais; tornando-a apropriada para o uso em situações correntes”,
ou seja, as palavras e formas dos dêiticos permitem interpretações estritamente ligadas a
determinadas situações, analisadas pragmaticamente.

É pelo uso efetivo da língua, como ação tipicamente humana, social e intencional que
Austin tenta estabelecer critérios para definir o caráter performativo da linguagem, ou seja, o
poder que esta faculdade humana tem de praticar ações através dos atos de fala. Percebendo a
dicotomia existente entre os performativos e os constatativos e a deficiência dos critérios
lógicos de verdade e falsidade, Austin formula uma distinção entre constatativos e
performativos, designando, respectivamente, os enunciados que constituem apenas
afirmações e os enunciados através dos quais realiza-se uma ação.

Uma comunidade lingüística sedimenta e compartilha as regras e as normas de uso da língua,


o que a torna suscetível a modificações. As circunstâncias apropriadas e o proferimento de
algumas (determinadas) palavras garantem à expressão performativa uma condição não
necessária, mas suficiente para a realização de um ato, por ele chamado de ilocucionário. Os
constatativos são verificáveis em termos de verdade ou falsidade, enquanto os performativos
não. Assim temos:

1. Eu abro a porta.

2. Eu declaro aberta a sessão.


Nestes casos, o proferimento de (1) torna-se apenas um enunciado constativo, enquanto que
em (2), diante de condições reunidas que autorizam o pronunciamento do enunciado,
considerado performativo. Ao ato de produzir sons, emitir palavras que pertençam a um
sistema gramatical e que possuam sentido e referência, Austin chama de ato locucionário. O
ato perlocucionário é o efeito produzido pelo que se disse, que pode, muitas vezes, não
atingir o feito esperado. O ilocucionário, ao contrário, é convencional, como explica o autor:
Dizer 'eu declaro' é, em virtude de convenções, em certas circunstâncias apropriadas, de fato
abrir uma sessão legislativa, por exemplo. Outro exemplo:

Quando digo (estando dentro de uma sala) “tá frio hoje!” e alguém – neste caso meu
interlocutor – se dirige até a porta para fechá-la, é um exemplo de performatividade,
provocada não pelo verbo, mas sim pelo ato de fala. Tal situação remete à percepção do não-
dito, do que estava (talvez) implícito na minha fala.

Observamos no trabalho de Austin, que os critérios estritamente estruturais não são


suficientes para resolver os problemas que permeiam o campo semântico e que os aspectos
extralingüísticos não podem ser deixados de lado.

Para o filósofo Paul Grice a linguagem é um instrumento para o locutor comunicar ao seu
destinatário suas intenções e é nessas intenções que está embutido o sentido. É também
graças a essa intencionalidade que Grice concebe um sujeito psicológico, individual,
consciente, retomando, segundo Guimarães (1995: 31) a proposta psicológica do sujeito
abandonada por Saussure .

Para dar conta de sua teoria, Grice estabelece um conjunto de regras que devem reger o ato
conversacional. São as máximas conversacionais, reunidas sob o Princípio da Cooperação,
em que os integrantes se engajam na conversa e contribuem de acordo com as exigências da
troca conversacional. A partir deste princípio, sob as categorias de Quantidade, Qualidade,
Relação e Modo, Grice formula as máximas e estabelece as implicaturas conversacionais,
geradas quando há violação das regras. Elas descrevem um conjunto de raciocínios que o
ouvinte faria, para deduzir, concluir ou interpretar o sentido do que o locutor disse. O ouvinte
procura um sentido para o enunciado que esteja de acordo com as máximas estabelecidas
anteriormente, considerando o que a informação literal pode estar dizendo de cooperativo,
verdadeiro, relevante para uma determinada situação discursiva. Caso não haja um sentido
literal, então é preciso encontrar um sentido que responda tais princípios.

Grice defende a existência de um sentido literal, intimamente relacionado ao significado


convencional das palavras (da sentença) que está usando. "Dizer", para Grice, diz respeito
aos sons emitidos e a informação veiculada, descartando a interferência que os implícitos e
os pressupostos – visíveis na teoria de Ducrot. A ironia, as expressões ambíguas, a metáfora,
entre outras constituem, para Grice, uma violação do Princípio de Cooperação ou, pelo
menos, de uma máxima.

No trabalho de Ducrot, ao contrário do que afirmava Benveniste, a subjetividade não se


constitui na língua, não é marcada na superfície lingüística. Língua, para ele, é o instrumento
de mediação, através do qual a subjetividade é representada. O que Ducrot faz é construir
procedimentos de formalização da semântica das línguas naturais.

Fortemente influenciado por de Austin e Grice, Ducrot também parte de uma definição
inicial de enunciação como a atividade de linguagem exercida por aquele que fala no
momento em que fala. O sujeito aqui também ainda possui os traços do sujeito de
Benveniste: homogêneo, indivisível, etc.

O autor modifica sua pesquisa ao longo dos anos, e passa a considerar a enunciação como o
acontecimento constituído pelo aparecimento do enunciado, descentralizando o sujeito, de
maneira a não investi-lo de poder absoluto sobre a linguagem. Para Ducrot, o sujeito não é a
fonte do sentido.

Ducrot faz várias distinções entre ‘as cadeias enunciativas’. A primeira distinção é entre
"locutor" – aquele que profere o discurso – e o sujeito falante – o ser empírico. Esses sujeitos
podem coincidir ou não, sendo irrelevante para ele a noção de empirismo. O que lhe interessa
é a noção de locutor, que é o ser do discurso, alguém a quem se deve imputar a
responsabilidade do enunciado.

Ducrot também se baseia em Bakhtin, cuja concepção de linguagem é de interação social,


que dá origem a uma linha de pensamento com grandes repercussões. Dentro dessa
perspectiva, Ducrot chama a atenção para o risco de um retorno à imagem idílica de uma
língua consagrada a dizer coisas, e que ignora as relações de força entre os homens.

Com base neste pensamento é que podemos avaliar a questão do pressuposto na construção
dos discursos. Os pressupostos vêm satisfazer as exigências discursivas, além daquelas que já
são dadas pelo posto. O posto e o pressuposto, neste caso, são as ferramentas utilizadas pelos
locutores para resgatar os referentes comuns entre os interlocutores.
Segundo Ducrot (1972), a função dos pressupostos na atividade da fala é garantir a coesão do
discurso como "condição de coerência", definida por ele como "a obrigação de se situarem os
enunciados num quadro intelectual constante", constituindo, desse modo, um só discurso e
não um "emaranhado de frases sem nexo" ou enunciações independentes. Para isso, é
necessário que o discurso manifeste uma espécie de "redundância", assegurada pelo
reaparecimento ou retomada regular de certos conteúdos ou elementos semânticos no
decorrer do discurso. Como no exemplo:
É interessante observar na história acima o impasse provocado pela frase “tudo o que quiser”.
Na tentativa de satisfazer os desejos dos clientes o garçom sugere que naquele
estabelecimento há tudo o que as pessoas quiserem para comer, beber, etc. Porém o
personagem Eddie Sortudo não compreende o que estava implícito na fala do garçom e
interpreta que “tudo o que quiser” seja, talvez, um dos pratos do menu.

O que podemos concluir diante das diferentes concepções de sujeito, linguagem e


discurso dos autores citados neste trabalho, é que todas as definições envolvem aspectos
sociais, políticos e ideológicos, embora seja de Ducrot a maior aproximação com a ‘Análise
do Discurso’, defendendo uma concepção de linguagem construída pelos sujeitos, através de
práticas cognitivas e discursivas compartilhadas social e culturalmente com os demais
sujeitos do mundo.

Referências Bibliográficas

AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.


DUCROT, O. O Dizer e o Dito. Campinas, Pontes, 1988.
___________. Princípios de Semântica Lingüística. São Paulo: Cultrix, 1972.
GRICE, H. P. Lógica e conversação. In: Fundamentos Metodológicos da Lingüística.
Marcelo DASCAL (org.) Vol. IV. Campinas, 1982.
GUIMARÃES, E. Os Limites do Sentido. Campinas: Pontes, 1995.
KOCK, I. V. Argumentação e Linguagem. São Paulo: Cortez, 1984.

ILARI, R. e GERALDI, J. W. Semântica. São Paulo: Ática, 1985.

MOURA, H. Significação e Contexto – Uma introdução a questões de semântica e


pragmática. Florianópolis: Insular, 1999.

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