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Não há questão mais importante do que a que Jesus fez a seus discípulos (Mt 16.15): “Quem
dizeis que eu sou?” Nenhuma questão foi mais intensamente debatida, completa e
parcialmente mal entendida, ignorada com grande risco e respondida corretamente com
grande benefício do que essa. A resposta correta para essa pergunta é, em alguns aspectos,
simples o bastante para salvar uma criança, mas também complexa o bastante para manter
os teólogos ocupados por toda a eternidade. Se a vida eterna é conhecer a Jesus Cristo (Jo
17.3), então não podemos nos dar ao luxo de sermos ignorantes sobre aquele que é “o mais
distinguido entre dez mil” (Ct 5.10).
Pedro confessou Jesus como o “Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16.16). João falou de Jesus
como “o Verbo” que se fez carne (Jo 1.14). Paulo descreve Jesus não só como “a imagem do
Deus invisível, o primogênito de toda a criação” (Cl 1.15), mas também como “Cristo Jesus,
homem” (1Tm 2.5). Da mesma forma, o autor de Hebreus identifica Jesus tanto como “o
resplendor da glória” (Hb 1.3) de Deus quanto como aquele que participou de carne e
sangue (2.14). Depois de tocar em Cristo, Tomé memoravelmente confessou Jesus como seu
“Senhor” e seu “Deus” (Jo 20.28). No Antigo Testamento, Isaías teve uma visão de Cristo em
que o chama de “o Rei, o Senhor dos Exércitos” (Jo 12.41; ver Is 6.5), mas também chamou
este Rei de servo do Senhor, que não tinha “nenhuma beleza que nos agradasse” (Is 53.2).
Jesus também tinha muito a dizer sobre si mesmo. No evangelho de João, lugar das
conhecidas afirmações “Eu sou”, ele refere-se a si mesmo como o “pão da vida” (Jo 6.48), “a
luz do mundo” (8.12), “a porta” (10.9), “o bom pastor” (10.11), “a ressurreição e a
vida”(11.25), “o caminho, e a verdade, e a vida”(14.6) e “a videira verdadeira” (15.1).
Em outras passagens, Jesus é chamado de mestre (Mc 1.27), profeta (Mt 21.11), filho de Davi
(9.27), servo (12.18), Filho do Homem (12.8), Senhor (14.30), Cordeiro de Deus (Jo 1.36),
Santo de Deus (6.69), o Princípio (Cl 1.18), sumo sacerdote (Hb 5.1-10), aquele que vive (Ap
1.18), Libertador (Rm 11.26) e a brilhante Estrela da manhã (Ap 22.16).
A essa impressionante variedade de nomes e descrições bíblicas poderiam ser
acrescentadas muitas outras; na verdade, muito mais do que podemos pensar ou imaginar.
Contudo, essas declarações múltiplas da pessoa de Cristo nem sempre são de fácil
compreensão. Na verdade, a igreja primitiva batalhou duramente antes de chegar a uma
descrição concisa e precisa da pessoa de Cristo, no Concílio de Calcedônia (451 d.C.).
Perfeito em divindade
A evidência de que Jesus de Nazaré é plenamente divino, homoousios (uma substância) com
Deus, é tão abundante que fica muito difícil simpatizar com aqueles que lutam contra esta
verdade. Se Jesus não é plenamente Deus, os escritores do Novo Testamento se esforçaram
para confundir e mentir para a igreja (por exemplo, veja Fp 2.5-11; Cl 1; Hb 1).
O prólogo do Evangelho de João fornece evidências explícitas o suficiente para que a igreja
possa concluir satisfatoriamente que Jesus é “verdadeiramente Deus”. Considere as
palavras de abertura: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era
Deus”. Mais adiante no prólogo, João apresenta o ponto surpreendente (talvez o verso mais
inacreditável para qualquer judeu do primeiro século): que “o Verbo se fez carne”. A palavra
“era” no versículo 1 deve ser contrastada com “se fez” no versículo 14. O Verbo (Logos) não
“se fez” no sentido de vir a existir. Ao contrário, o Verbo simplesmente “era”. Outras
passagens do Evangelho de João só servem para confirmar e reforçar esta verdade (Jo 3.13;
6.62; 8.57-58; 17.5; 20.28). Além disso, quando Isaías viu “o Rei, o Senhor dos Exércitos” (Is
6.5), João cita uma grande parte desse capítulo e, em seguida, afirma que Isaías disse isso
“porque ele viu a glória dele e falou a seu respeito [de Jesus]” (Jo 12.41). Em Isaías, somos
informados de que Deus não dá a sua glória a ninguém a não ser a si mesmo; não obstante,
em João 17.5, Jesus pede ao Pai para glorificá-lo em sua presença “com a glória que eu tive
junto de ti, antes que houvesse mundo”. Se Jesus não é Deus, então ele não é apenas um
iludido, mas seu pedido é uma abominação.
No livro de Apocalipse, há igualmente muitos lugares que demonstram a divindade de
Cristo. Ao descrever Jesus no livro de Apocalipse, João claramente faz uma ligação entre
Jesus e Yahweh (o Senhor):
“Eu, o Senhor, o primeiro, e com os últimos eu mesmo” (Is 41.4). “Não temas; eu sou o
primeiro e o último e aquele que vive” (Ap 1.17-18).
“Eu sou o primeiro e eu sou o último, e além de mim não há Deus” (Is 44.6). “Ao anjo da
igreja em Esmirna escreve: Estas coisas diz o primeiro e o último, que esteve morto e tornou
a viver” (Ap 2.8).
“Eu sou o mesmo, sou o primeiro e também o último” (Is 48.12). “Eu sou o Alfa e o Ômega, o
Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim” (Ap 22.13).
Esses paralelos marcantes deixam pouca dúvida quanto ao que o próprio Jesus acreditava
ser: ninguém menos que o próprio Yahweh.
Perfeito em humanidade
Jesus não é apenas divino, mas também verdadeiramente humano. Como Calcedônia afirma:
“verdadeiro homem; o mesmo de uma alma racional e corpo; […] consubstancial conosco
em humanidade; semelhante a nós em tudo, exceto no pecado”. Por isso, ele é chamado de
“Cristo Jesus, homem” (1Tm 2.5), que participou de “carne e sangue”, a fim de derrotar o
diabo através da morte (Hb 2.14). Ele é semelhante a nós “em todas as coisas” (2.17), até o
ponto de ter sido tentado em todas as coisas à nossa semelhança, mas sem pecado (4.15).
A evidência da verdadeira humanidade de Cristo é tão conclusiva quanto a evidência de sua
verdadeira divindade. Sendo verdadeiramente humano, Jesus experimentou reações físicas
tais como fome (Mt 4.2), sede (Jo 19.28) e fadiga (Jo 4.6). Ele chorou (11.35), pranteou (Lc
19.41), suspirou (Mc 7.34), e gemeu (Marcos 8.12). Como B.B. Warfield disse: “Não falta
nada para nos causar a forte impressão que temos diante de nós, em Jesus, um ser humano
como nós”.
Mas porque ele era sem pecado, todos as suas paixões eram mantidas em perfeita proporção
e equilíbrio. Ele ficou apropriadamente irado quando estava com raiva, bem como
completamente alegre quando estava alegre. De fato, ele experimentou “não apenas alegria,
mas exultação, não mero aborrecimento irritado, mas furiosa indignação, não mera pena
passageira, mas os movimentos mais profundos de compaixão e amor, não mera angústia
superficial, mas uma profunda tristeza até a morte, [que ainda assim] nunca o dominaram”
(Warfield). Todos os seus afetos foram mantidos em total submissão à vontade de seu Pai.
Perguntas especiais
Subordinação: Jesus voluntariamente se submeteu à vontade do Pai. No movimento “alto-
baixo-alto” de Filipenses 2.6-11 o Filho de Deus, “subsistindo em forma de Deus, não julgou
como usurpação o ser igual a Deus” (alto), mas a si mesmo se esvaziou, assumiu a forma de
servo, e obedeceu ao Pai até à morte de cruz (baixo), que por sua vez levou à sua exaltação,
na qual lhe é dado o nome acima de todo nome (alto). Todas as declarações no Novo
Testamento a respeito da “subordinação” de Cristo (Jo 14.28) precisam ser entendidas à luz
do acordo entre as pessoas da Trindade, pelo qual o Filho assumiria carne humana e se
subordinaria à vontade do Pai.
Impecabilidade: Poderia Jesus, uma vez que foi tentado, ter a possibilidade de pecar?
Teólogos têm discordado sobre esta questão, mas a resposta deve ser “não”. Há duas razões
por que Jesus não poderia pecar. Primeiro, se Cristo pudesse pecar, então surgiria um
problema quanto à relação entre as vontades humana e divina de Cristo. A definição de fé
do Sexto Concílio Ecumênico de Constantinopla (680-81) afirma: “E estas duas vontades
naturais não são contrárias uma à outra como afirmam os ímpios hereges, mas sua vontade
humana segue, não resistindo ou relutante, antes sujeita, à sua vontade divina e onipotente”.
A vontade humana não pode ser contrária à vontade divina em Cristo, mas apenas sujeita a
ela. Em segundo lugar, por causa da unidade da pessoa, Cristo não poderia pecar sem
comprometer a Deus. A natureza humana de Cristo pode ser “pecável” (capaz de pecar); mas
uma vez que em sua constituição ele é o Deus-homem, ele é, portanto, uma pessoa
impecável.
O Espírito Santo: Se Cristo era completamente divino, por que lemos tantas referências à
obra do Espírito Santo sobre ele durante sua vida terrena? Desde o momento da encarnação
(Lc 1.31,35), passando por seu batismo (Mc 1.10), sua tentação (Mc 1.12; Lc 4.14), sua
pregação (Lc 4.18), a operação de milagres (Mt 12.28), sua morte (Hb 9.14), sua
ressurreição (Rm 1.4; 8.11), até sua ascensão e entronização (Sl 45.1-7; At 2.33),
descobrimos que o Espírito Santo foi um companheiro constante e inseparável de Cristo.
Cristo escolheu não considerar sua igualdade com Deus como algo a se explorar ou tirar
proveito (Fp 2.6). Portanto, em completa dependência do Espírito Santo, Cristo obedeceu
ao Pai perfeitamente, sem apego à sua própria natureza divina. Como John Owen
argumentou, “O que quer que o Filho de Deus tenha operado em, por ou sobre a natureza
humana, ele o fez pelo Espírito Santo”. O Espírito Santo produz em Cristo o fruto do Espírito
(Gl 5.22). Assim, os crentes podem esperar não apenas um salvador formidável, que
derrotou os poderes das trevas, mas também um salvador misericordioso, paciente,
bondoso e amoroso, porque ele é pleno das graças do Espírito Santo. Por causa desta
verdade, Thomas Goodwin afirmou que os pecados do povo de Deus movem Cristo mais à
compaixão do que à ira. De fato, Goodwin acrescenta: “Se houvesse infinitos mundos feitos
de criaturas amorosas, não haveria tanto amor neles como houve no coração do homem
Cristo Jesus”.
Conclusão
Por causa da entrada do pecado no mundo através do homem, o homem deve prestar
reparação a Deus. Mas o homem pecador não pode reparar o dano pelo seu pecado. Um
mero homem sem pecado só poderia, potencialmente, fazer restituição por um homem
pecador. Reparação por muitos homens (“como a areia da praia”) só pode acontecer através
do Deus-homem, Jesus Cristo, por causa do valor infinito de sua pessoa. Ele é o Messias
designado por Deus, o único que pode trazer a salvação para os pecadores por meio de sua
morte e ressurreição. Pedro reconheceu essa grande verdade, para seu grande benefício.
Pela fé, Pedro confessou Jesus como o Cristo, o Filho de Deus (Mt 16.16). Pela visão, Pedro
agora contempla a glória de Deus na face de Jesus Cristo. Aqueles que contemplam a glória
de Deus na face de Jesus Cristo nesta vida, pela fé (2Co 3.18), podem confiantemente esperar
fazer o mesmo na vida por vir, por vista (5.7). Essa é a nossa esperança; essa é a nossa
alegria. É por isso que a única esperança para a igreja hoje não é um mero homem, mas o
Deus-homem, que pergunta a você: “Quem dizes que eu sou”?
Por: Mark Jones. © 2014 Ligonier Ministries. Original: A Summary of Orthodox Christology.
Dr. Mark Jones é pastor em Faith Vancouver, Columbia Britânica (Canadá). É autor do livro
sobre cristologia Knowing Christ.