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GEHL, Jan. A Dimensão Humana. In: GEHL, Jan. Cidade Para Pessoas. São Paulo:
Editora Perspectiva, 2014. p. 1-8.
1. A Dimensão Humana
1.1 A Dimensão Humana
A tese central deste capítulo é apontar
A dimensão humana foi negligenciada durante muito tempo a favor de questões que
ganham mais força e prioridade, como no exemplo do automóvel, em ideologias
dominantes de planejamento, destacando o modernismo - que põe o espaço público
como de baixa prioridade -, ou nas forças de mercado ou as tendências arquitetônicas.
Tais idéias são justificadas no foco de construção de edifícios individualizados, auto-
suficientes e indiferentes.
Utilizar o espaço público é certeza de ser maltratado por espaços limitados, obstáculo,
ruídos, poluição, entre outros. Ao tirar a importância do espaço público, reduziu as
oportunidades para o pedestre, mas também as funções sociais e culturais da cidade.
Tal questão é apontada por Jane Jacobs no seu livro Morte e Vida das Grandes Cidades.
Jacobs foi a primeira a pedir mudanças na maneira de construir cidades, já que a cidade
deixou de ser conglomerações de espaços e edifícios, para ser construções individuais e
autônomas. Somando-se a tráfego de automóveis que descaracteriza o uso do espaço
urbano para a vida urbana.
Depois desse livro, houve muita contribuição de estudos e argumentos sobre a morte
das cidades. Houve, também, uma melhora no planejamento urbano prático, desde
princípios de planejamento e do planejamento de tráfego, através do esforço de cidades
em melhorar e priorizar condições para pedestres e vida urbana.
A adesão do modelo modernista, criticado por Jacobs, em países emergentes é muito
mais grave, já que com o aumento do tráfego de automóveis inicia-se uma competição
pelo espaço, com condições para vida urbana e de pedestres diminuindo cada vez mais,
acumulando problemas. É interessante notar que ao priorizar a vida urbana, ocorre um
afastamento das idéias modernistas de planejamento urbano através de áreas dinâmicas
e de uso misto, no lugar de edifícios isolados.
Com a maior parte da população urbana, é possível ver que as cidades estão em um
crescimento acelerado, este precisando fazer mudanças cruciais em relação aos
planejamentos e prioridades vigentes. Tais mudanças expressam no fato em que “as
cidades devem pressionar os urbanistas e os arquitetos a reforçarem áreas de pedestres
como uma política urbana integrada para desenvolver cidades vivas, seguras,
sustentáveis e saudáveis” (Gehl, 2014, p. 6).
Uma cidade viva é apontada como uma cidade onde as pessoas tenham a sensação de
estarem convidadas a caminhar, pedalar ou permanecer em seus espaços públicos. Uma
cidade segura é vista a partir do número de pessoas que se movimentam ou permanecem
em seus espaços públicos. E uma cidade convidativa para essas ações deve ter uma
estrutura que permita distâncias a pé, espaços públicos atrativos e variedade de funções
urbanas. Tais elementos aumentam a atividade nestes espaços e o sentimento de
segurança.
Através do sistema de transporte dito como “mobilidade verde”, por bicicletas ou
transporte público, são proporcionados benefícios à economia e o meio ambiente,
reduzindo o consumo de recursos, limitando emissões de poluentes e nível de ruídos.
Aliando, a esse sistema, a segurança e conforto para caminhar ou usar bicicletas, é
favorecido o mesmo aspecto: de qualidade de vida urbana.
Quando o carro é deixado de lado e pedalar ou caminhar torna-se um fenômeno natural
e integrado à rotina, cria-se uma política de saúde efetiva para o sedentarismo. Esse
convite de caminhar e pedalar resolve um aspecto dos problemas de saúde pública: o
sedentarismo. Com o crescimento da preocupação da dimensão humana no
planejamento urbana cria uma exigência por melhor qualidade de vida urbana.
O baixo custo de incluir a dimensão humana é tão modesto que é possível ser realizado,
independente do grau de desenvolvimento ou capacidade financeira, tendo benefícios
enormes.
Desde a qualidade dos percursos, até a idade do pedestre, afeta a velocidade que esta
atividade acontece. Ruas lineares convidam a um andar rápido, assim como as chuvas,
ventos ou frio. Em Stroget, Copenhague, a velocidade do tráfego de pedestres é 35%
mais rápida num dia frio se comparado a um de verão. No frio, a caminhada é mais
objetiva.
Não há uma distância aceitável específica, porém esta depende da qualidade do
discurso, como a qualidade do piso e o quão interessante é o trajeto. Se isso não for
atendido, a vontade de caminhar cai dramaticamente. Um caminho livre e desimpedido,
sem necessidade de desvios, sem empurrões, é importante para uma caminhada
agradável e confortável. Independentemente da idade, esses requisitos são de máxima
importância e inegociáveis.
As cidades, no passado, eram de domínio dos pedestres, sendo outros transportes,
protagonistas menores. Com a vinda dos carros, o pedestre foi amassado entre fachadas
e ruas, de modo que os que têm mais dificuldade em se locomover, como crianças e
idosos, não conseguem se adequar ao novo tipo de espaço.
Se uma caminhada confortável depende da mínima existência de
obstáculos/interrupções, sinais de tráfego, postes de iluminação, parquímetro, entre
outros, facilitam o fluxo de carros, enquanto atrapalha o de pedestre. As calçadas já
estreitas diminuem mais e mais com a presença desses obstáculos. Dois grandes
exemplos são a Regent Street, em Londres, onde pedestres tem que abrir caminho todos
os dias através de 13 interrupções desnecessárias da calçada, e Adelaide, no sul da
Austrália, onde as ruas da cidade têm 330 interrupções desnecessárias.
Todo esse problema é agravado com os semáforos que priorizam os carros, ao invés dos
pedestres. As longas esperas mais o curto tempo para atravessar mostram uma idéia de
que o pedestre atrapalha o trânsito. Pedir através de um botão, para atravessar, é o sinal
mais concreto de que o pedestrianismo não é considerado um direito básico.
No caminhar humano, há uma economia nesta ação que é natural ao homem: a de ir
pelos trechos mais curtos, evitar desvios, obstáculos, entre outros. Entretanto, os
projetos arquitetônicos não levam em consideração essa economia no caminhar, ainda
que seja fácil prever os trajetos mais econômicos dos pedestres. Estes, podendo se
inspirar em desenhos e formas fascinantes. Se a distância aceitável é uma combinação
de distância e qualidade do percurso, com um alto conforto e interessante percurso, faz
os pedestres esquecerem a distância e usufruir das experiências desse espaço.
Edifícios com fachadas muito verticais fazem a caminhada parecer mais curta, enquanto
os mais horizontais reforçam as distâncias. Assim como um caminho reto dá uma
sensação de ser infinito, dando uma perspectiva cansativa do percurso. Ao dividir esse
caminho em vários segmentos, convidando o pedestre a ir de um trecho a outro, quebra
essa perspectiva. Voltando a Stroget, em Copenhague, suas incontáveis curvas e as
quatro praças aproximam espaços, tornando-os interessantes. É importante notar que os
espaços de transição são importantes e neste e outros, o projeto espacial, a riqueza de
detalhes e intensas experiências, influenciam diretamente a qualidade de percurso.
Deslocamentos horizontais são fáceis se comparado aos verticais, subir e descer degraus
usa mais músculos e muda radicalmente o ritmo para o de uma escalada. As extensas
filas nas escadas rolantes de estações de metrô, aeroportos e lojas de departamento são a
prova de que escadas e degraus é um desafio físico e psicológico para pedestres. A vida
de casas de vários andares, por exemplo, acontece prioritariamente no térreo.
As rampas também são preferidas no lugar de escadas, pois é possível manter o ritmo de
caminhada. A invasão do automóvel fez aumentar a capacidade das vias e na prevenção
de acidentes de pedestres, tendo criado uma divisão de tráfego e pedestres, com estes
sendo conduzidos para cima e para baixo por passarelas e passagens subterrâneas.
Entretanto estas não são apreciadas e só funcionam com o uso de cercas altas ao longo
das vias, tirando à alternativa e conduzindo o pedestre. Passagens subterrâneas passam
muito pouca segurança, com sua escuridão e umidade. Essas duas soluções devem ser as
últimas, buscando soluções que deixe o pedestre e ciclistas permanecerem nas ruas.
Para tornas escadas mais viáveis, é necessário disfarçá-las, através de escadas
interrompidas em patamares, convidando a cada novo patamar o pedestre. Mas é
inegável que, mesmo nessa situação, o elevador será mais usado. Então, se
imprescindível o uso de escadas, eles devem ter dimensões confortáveis, oferecendo
alternativas de rampas e elevadores para tráfego de cadeirantes e pedestres com
mobilidade reduzida.
Notando que com o envelhecimento da população, a qualidade da pavimentação e das
superfícies será essencial. Calçadas de paralelepípedos devem oferecem uma faixa lisa,
para permitir uma circulação com maior conforto de cadeiras de rodas.
Uma cidade, que funciona o ano todo, precisa atender as necessidades e priorizar o uso
urbano. Como em Copenhague, onde a neve é retirada primeiro das vias de bicicletas e
pedestres, já que esses correm mais risco de se machucar do que os motoristas. Uma boa
iluminação garante a movimentação do pedestre e ciclista com segurança.
As atividades estacionárias são aquelas que de um lado estão às atividades que não
dependem da qualidade urbana (comércio de rua, limpeza e manutenção) e na outra as
atividades recreativas e opcionais (sentar em bancos, em cafés, observar o movimento,
entre outros). Neste último, a qualidade do tempo e local são decisivos.
Muitos pedestres não indicam boa qualidade urbana, seja por falta de transportes
eficientes ou grandes distâncias. Em Roma, com sua qualidade da cidade sendo muito
significativa, é difícil andar com espaços tão convidativos a ficar.
Ficar parado em pé tem um limite de tempo. Ao pararem, as pessoas procuram os locais
mais confortáveis para, podendo se apoiar em paredes ou sentar em um banco. A
localização é fundamental: sentando-se de modo a ver tudo, as costas protegidas do
surgimento de alguma surpresa vinda por trás, junto de bom apoio físico e psicológico.
Um espaço que não oferece esses espaços, sem essas transições, oferece poucas
condições para ficar. Atividades nos níveis térreos ajudam a fazer com que um local de
travessia, vire um local para estar. Esse é um trabalho cuidadoso, onde muitas vezes
falta o oferecimento de espaços de transição ativos e oportunidades de permanência,
fazendo com que não haja motivos para permanecer.
Para convidar a parar em um espaço de transição, colunas, degraus, nichos e,
principalmente, reentrâncias. Estes oferecem proteção contra o clima e boa visão do
arredor. Detalhes de fachadas, mobiliário e equipamentos urbanos oferecem pontos de
apoio para permanência, como na Piazza Del Campo em Siena. Os balizadores, em dias
bonitos, estarão sendo todos usados. Uma fachada fechada, lisa e sem detalhes convida
a não parar. Boas cidades para ficar tem fachadas irregulares e bons pontos de apoio, e
cidades sem estes tem pouco a oferecer para o pedestre permanecer. Os melhores
lugares combinam muitas vantagens e poucas desvantagens.
Para se sentar, são necessárias quatro coisas: microclima agradável, boa localização, boa
visibilidade, um nível de ruído baixo, sem poluição e vista interessante. As pessoas
querem água, árvores, boa arquitetura, entre outros, mas também querem uma boa visão
da vida e das pessoas do arredor. Os estudos de Estocolmo mostram isso, onde locais
com pouco a oferecer tem pouco uso (ocupação de 7 a 12%) enquanto bancos com
qualidade foram muito mais usados (61 a 72%). O design, encosto, materiais, entre
outros, das cadeiras, influi diretamente no conforto, em conseqüência na duração de
permanência.
Para aumentar esse tempo de permanência, assentos secundários são vitais para os dias
de alta demanda, como no verão. Desde degraus até floreiras podem ser usadas como
assentos quando necessário. A beleza também pode significar uma oportunidade para se
sentar. Como exemplo, Veneza tem poucos bancos, mas uma gama de elementos
secundário faz com que a cidade seja sentável. Estes assentos são ocupados
prioritariamente por crianças e jovens, enquanto adultos e idosos priorizam o conforto e
maior cuidado com o local para sentar. Cidades socialmente viáveis implicam em criar
opções de permanência. Bancos “largados” no meio do nada, distante de locais de
transição, reentrâncias e recantos, fazem com que as pessoas não fiquem por muito
tempo. As cadeiras móveis de Paris ou do Bryant Park oferecem flexibilidade e
inúmeras oportunidades de vista, clima e local, com a simplicidade para guardá-las.
Nas atividades estacionárias, os cafés de calçada têm um papel muito importante.
Deixando de ser de cidades e culturas mediterrâneas, a cultura do café trouxe a idéia de
lazer, de usufruir da cidade e da vida urbana em suas cadeiras. Copenhague e
Melbourne, antes consideradas como inviáveis a essa cultura, tem, hoje, mais de 7.000
cadeiras, chegando de oito a doze meses de temporada.
A vida na calçada é o que torna esses cafés tão atraentes, mais a oportunidade de
descansar. O tempo de permanência é muito mais longo do que o tempo de tomar um
café em si, sendo a atividade real de recreação, lazer e prazer do espaço urbano.
Sendo a vida na cidade produto do número e da duração de atividades, convidar as
pessoas para caminhar e pedalar é um inicio, mas não o fim. Aliado a isso tem que
haver opções de sentar e passar um tempo na cidade.