Gênero e Sexualidade na Escola: O Paradoxo da In/Exclusão
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Gênero e Sexualidade na Escola - Thais Adriane Vieira de Matos
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS:DIVERSIDADE DE GÊNERO, SEXUAL, ÉTNICO-RACIAL E INCLUSÃO SOCIAL
À Estela, minha doce filha, com olhar de avelã.
Ao Conrado, meu amor à primeira vista.
Agradecimentos
Ao Conrado e à Estela, que formam um refúgio encorajador, incentivando também minha dedicação às leituras e às escritas.
À Cláudia, que sugeriu reviravoltas e pousos precisos.
Ao Cleiton, por sua alegre contribuição.
Às pessoas que compõem o Laboratório de Investigação em Corpo, Gênero e Subjetividade na Educação (Labin), por todo apoio, imprescindível.
À Débora e ao Miguel, pela amorosidade dedicada a mim e a minha família.
À Capes, por favorecer financeiramente a pesquisa.
Às discentes da educação básica, por me possibilitarem pensar uma escola da diferença!
Apresentação
Foucault diria que os discursos forjam a realidade. Com o gênero e a sexualidade não é diferente, são construções discursivas materializadas em nossos corpos a partir de determinados comportamentos, gestos, vestimentas etc. No entanto isso não é muito fácil de entender. Na verdade o gênero e a sexualidade já foram tomados como dados da natureza, mas também como representações culturais desses dados. A generificação e as práticas sexuais extrapolam tanto a ordem natural quanto a ordem cultural, são signos que sugerem o cumprimento de normas, as quais podem ser encarnadas ou não. Entre tudo isso aparecem aqui as/os docentes, preocupadas/os com uma educação inclusiva, aquela que abriga todas as expressões do gênero e também as orientações sexuais. Mas será que abrigar e pedir por respeito e tolerância basta para que a população LGBT não siga sendo marginalizada, mesmo dentro das instituições escolares? Bom, debrucei-me sobre essa dúvida, e talvez possamos partir dela para pensar a diferença indo além das identidades tomadas como diversas.
A autora
Prefácio
Como as políticas de inclusão produzem processos de exclusão? Como enunciados inclusivos em relação às minorias de gênero e sexualidade apoiam-se em discursos que excluem os sujeitos que afirmam incluir? A leitura do livro Gênero e sexualidade na escola: o paradoxo da in/exclusão, em que Thais Adriane Vieira de Matos investiga os enunciados de professoras que escreveram com a intenção de participar de um curso de aperfeiçoamento em gênero e diversidade sexual na escola, torna possível encontrar elementos para pensarmos essas questões essenciais ao pensamento pós-crítico. Não se trata de encontrar o sujeito do discurso, a autora está interessada nas redes discursivas que encadeiam verdadeiros processos de exclusão que ocorrem sob o signo da inclusão.
Gilles Deleuze e Félix Guattari entendem a filosofia como atividade de criação conceitual, de composição de planos de imanência e personagens conceituais. O presente livro toca esse instrumental conceitual, ativado como estudo indisciplinar, de modo que me pareceu legítimo fazer uma leitura em termos de conceitos, plano de imanência e personagens conceituais, elementos elencados pelos autores de O que é a filosofia? (1991). Do ponto de vista dos conceitos mobilizados, in/exclusão é o conceito que permite a Matos compor o plano de imanência biopolítico em que se distribuem: por um lado, a consciente, tolerante, salvadora e inclusiva que forja a personagem da vítima tolerada que deve ser salva e incluída, e, por outro, aquela que formula uma perspectiva modesta capaz de problematizar as próprias relações de poder nas quais está inserida.
In/exclusão é a palavra que nomeia o processo de produção do movimento no qual, em nome da inclusão, exclui-se. A escolha do termo indica um movimento crítico aos discursos que se fundamentam na ideia de inclusão e permite perceber o processo por meio do qual esses discursos excluem de maneira in/excludente. Não se trata de uma forma de exclusão explícita em que se deseja eliminar o outro porque não se partilha com ele uma identidade. Não se trata de estudar enunciados que desejam excluir do campo escolar o que chamam de diferente. Thais está interessada em pensar o poder que atua por meio da inclusão, a biopolítica da distribuição, classificação e controle das modalidades de existência tomadas como objeto do discurso inclusivo, as redes discursivas que instituem a exclusão
imanente ao próprio discurso da inclusão presente nos textos das candidatas às vagas ao curso de gênero, sexualidade e diversidade sexual, textos lidos como componentes de redes discursivas. In/exclusão é um fenômeno das sociedades marcadas pelo ideal estatístico e físico da inclusão de indivíduos que, na prática, seguem sendo excluídos, mas de maneira in/exclusiva. Ou seja, encontramo-nos com um conceito cujo nome procura marcar as práticas discursivas da inclusão, palavra de ordem que tem servido para produzir o diferente como diverso, para normalizar e, até mesmo, santificar os sujeitos portadores desses discursos.
A leitura desta obra de Thais Adriane Vieira de Matos torna possível fazer um mapa do plano de imanência biopolítico no qual opera o discurso em que acontece a in/exclusão das minorias sexuais e de gênero: gênero como sexo, sexo como dado de natureza, desejo como sequência necessária do sexo. O fundo que anima os enunciados investigados pela autora é o discurso que produz o homem e a mulher como o produto de uma fisiologia própria determinada pelo dimorfismo sexual, os opostos complementares como puro dado de natureza. Nessa perspectiva, a anatomia seria um destino e dela decorreria, necessariamente, um gênero e uma forma de desejar. É nesse universo discursivo que os enunciados inclusivos que tomam por objeto as minorias sexuais e de gênero as colocam em verdadeiros leitos de Procusto. Substancializadas e individualizadas como o diferente
, as minorias são forjadas como personagens que devem ser toleradas, salvas, incluídas, em contraposição às que toleram, salvam e incluem sem nunca pensarem sobre as relações de poder produtoras das hierarquias constitutivas da própria relação que as produzem como iguais em relação ao que nomeiam como diferente.
A partir das redes discursivas que conectam políticas de Estado, a escola e os textos de professoras, é possível desenhar os traços da personagem tolerante e inclusiva. É no desejo de harmonia que ela encontra a motivação que a obriga a querer entender mais sobre gêneros e sexualidades. Tolerar, conscientizar e incluir os diferentes constituem sua função e responsabilidade, afinal, ela identifica-se com o igual, aquele que não é diferente, o normal. A partir dessa posição, sem jamais questionar os ideais regulatórios que a tornam possível, a personagem tolerante e inclusiva imagina o diferente como anormal que deve ser tolerado e respeitado pelos normais que, com ela, comungam o privilégio da igualdade que repõe a hierarquia objetiva da realidade como natureza e cultura. Assim, a inclusão enunciada por essa personagem reforça as situações de violência que, em seu projeto de harmonia, julga combater. Pautada na matriz cisgênera e heterossexual, vivida por ela como expressão espontânea da natureza ou da cultura, as minorias sexuais e de gênero são pensadas como inferiores e secundárias, são culpabilizadas pelas violências que sofrem e estas, por sua vez, são transformadas em casos individuais sem nenhuma relação com a coletividade e as relações de poder que a constituem. Sua ação, nesse sentido, é in/excludente, jamais coloca em questão a matriz cisgênera e heterossexual que a fundamenta e entende a inclusão como movimento por meio do qual os anormais adentram os espaços dos normais ao preço de permanecerem sempre na posição de tolerados e silenciados em seus questionamentos a respeito das relações de poder-saber que distribuem as posições na hierarquia institucional.
Uma perspectiva modesta apresenta-se como alternativa aos processos de in/exclusão, uma perspectiva que está permanentemente em posição crítica em meio às relações de poder que a posicionam, uma perspectiva que se dedica a destituir o valor arbitrariamente atribuído a norma e problematiza a aparência de evolução linear que os programas de inclusão assumem. Trata-se da perspectiva de uma personagem que não deseja reforçar nem naturalizar o que produz a exclusão mesmo em sua dinâmica in/excludente e, por isso, interroga os signos, os sentidos e os critérios de inteligibilidade que, discursivamente, produzem os gêneros e as sexualidades de maneira hierarquizada por meio de mecanismos de normalização. Conforme Deleuze e Guattari, não é o filósofo que pensa por meio de personagens conceituais, é antes a personagem conceitual que faz o filósofo pensar e criar seus conceitos. O conceito de in/exclusão, retirado do interior do debate filosófico e educacional contemporâneo, é posto pela necessidade da personagem conceitual que pensa a diferença como processo de subjetivação imprevisível e não teme, tal qual a autora da presente obra, enfrentar as palavras de ordem que tentam, insistentemente, transformar a diferença em diversidade.
Dourados, fevereiro de 2021
Cleiton Zóia Münchow
Professor de Filosofia no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFMS)
Lista de abreviaturas e siglas
Aids Acquired Immunodeficiency Syndrome
Clam Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos
DST Doenças Sexualmente Transmissíveis
EaD Educação a Distância
GDE Gênero e Diversidade na Escola
GLTTB Gays, Lésbicas, Travestis, Transexuais e Bissexuais
IMS Instituto Moreira Salles
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LGBT Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros
MEC Ministério da Educação
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
Secad Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
Secadi Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
Seed Secretaria de Educação a Distância
Seesp Secretaria de Educação Especial
Uerj Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFPR Universidade Federal do Paraná
Sumário
1
INTRODUÇÃO 19
2
ESTUDOS DE GÊNERO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS 33
2.1 Entretecer a teoria 33
2.1.1 Discurso, gênero e sexualidade 39
A materialidade do discurso 42
A produção da sexualidade 46
O sujeito e a matriz heteronormativa 52
2.1.2 Gênero, diversidade sexual e políticas públicas 58
2.1.3 GDE e as políticas públicas de inclusão da diversidade no Brasil 63
Política e violência 65
Sobre o GDE 69
2.2 Entretecer a pesquisa 72
3
DAQUILO QUE (NOS) PASSA EM MEIO TEÓRICO/ANALÍTICO 77
3.1 Diferença, binarismo de gênero e patologização da sexualidade 77
3.2 Escola, inclusão e prática/formação docente 93
Direito e diversidade 116
Responsabilização docente 117
3.3 Respeito/tolerância, políticas públicas e in/exclusão 121
4
CONSIDERAÇÕES FINAIS 131
REFERÊNCIAS 137
Índice remissivo 143
1
INTRODUÇÃO
A diferença não tem nada a ver com o diferente. A redução da diferença ao diferente equivale a uma redução da diferença à identidade;
A multiplicidade não tem nada a ver com a variedade ou a diversidade.
A multiplicidade é a capacidade que a diferença tem de (se) multiplicar; Não é verdade que só pode diferir aquilo que é semelhante. É justamente o contrário: só é semelhante aquilo que difere; A identidade é da ordem da representação e da recognição: x representa y, x é y. A diferença é da ordem da proliferação; ela repete, ela replica: x e y e z…
(SILVA, 2002, p. 66)
As discussões sobre gênero e sexualidade contam, ao mesmo tempo, com o cenário recente de abertura à diversidade
no que se refere ao plano das políticas públicas promovidas pelo Estado durante as gestões presidenciais de Lula e Dilma, assim como encontram resistência por parte dos setores conservadores da sociedade brasileira com intuito e, muitas vezes, com êxito em barrar tais iniciativas de ampliação da discussão atrelada à prática das políticas públicas educacionais, remontadas nas análises desta obra.
Entretanto, procurei fugir da possível primeira impressão que apontaria as políticas públicas educacionais em torno do gênero e da chamada diversidade sexual enquanto, exclusivamente, positivas frente ao avanço do conservadorismo que vivemos no Brasil.
Este estudo, produzido entre 2015 e 2017, traz as redes discursivas que forjam os textos tomados como fontes de análise. Tais textos foram escritos por professoras¹, em situação de processo seletivo para ingressarem como cursistas no Curso de Aperfeiçoamento GDE – Gênero e Diversidade na Escola
, oferecido em 2013/2014 pelo Setor Litoral, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e que