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Philippe Lacadée*
Resumo
*
Psiquiatra. Psicanalista. Membro da Escola da Causa Freudiana de Paris, da Associação Mundial de
Psicanálise e do Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a Infância - CIEN.
Freud nomeia esse real, que não se reduz ao real biológico do au-
mento do fluxo hormonal, como as metamorfoses da puberdade. Esse mo-
mento lógico é marcado pela descoberta do aparecimento de um novo ob-
jeto, o objeto sexual, que faz entrar em jogo a pulsão sexual, que era, até
então, autoerótica. Um novo alvo sexual é dado, e até mesmo exigido, o que
repercute no enlaçamento do corpo com a língua. Com isso, a adolescência
é, por um lado, metafórica, visto que é a substituição de um significante por
outro significante, mas, por outro, ela tem de se haver com o objeto metoní-
mico, aquele da pulsão sexual, que faz efração no real, exigindo do sujeito, de
maneira superegoica, sempre mais satisfação, um mais gozar.
A questão é saber que preço o adolescente terá que pagar para fran-
quear essa etapa de risco, que inclui as passagens ao ato, etapa da transfor-
mação de seu corpo e que faz dele um corpo sexuado. Ao mesmo tempo,
surge o encontro com o desejo sexual por um parceiro: é o que vem ao
encontro da cena, daí a importância do que Lacan chama acting-out. Há aí um
remanejamento radical da vida sexual infantil, devido à escolha de objeto
de amor sexuado. Essa etapa é aquela da redescoberta do objeto ao qual a
criança renunciara no final do Édipo, antes de entrar no período de latência.
Ela tem como consequência o recalcamento do objeto parental, que se vê,
então, definitivamente condenado enquanto objeto sexual. De fato, em plena
busca de si mesmo, o adolescente se vê obrigado a assumir, frequentemente
sozinho, a sua identidade sexual segundo a fórmula da sexuação, que cabe a
ele escolher.
A psicanálise traz uma perspectiva inédita sobre esse momento da pu-
berdade que Freud tornava equivalente a “escavar um túnel pelos dois lados
ao mesmo tempo”, e atravessá-lo. Um buraco, portanto, em que uma das
extremidades fura a autoridade, o saber, a consistência do Outro parental;
a outra extremidade perturba a vivência íntima do corpo da criança, vindo
a fazer furo em sua existência de criança. Um túnel onde se opera, para o
sujeito, uma desconexão entre o seu ser de criança e o seu futuro ser de
homem ou de mulher. Travessia do túnel que Victor Hugo descrevera como
uma zona crepuscular, chamando-a a mais delicada das transições, ou seja, “o
começo de uma mulher no final de uma criança”1.
1
Victor Hugo: “Ela tinha essa graça fugidia do olhar que marca a mais delicada das transições da adoles-
cência, os dois crepúsculos misturados, o começo de uma mulher no final de uma criança.” Citado por
Alexandre Stevens em seu notável texto Sorties de l’adolescence. La Petite Girafe, n. 13, Mars 2001.
S1-S2, estruturalmente ligada ao furo no real, vem questionar esse traço que
une S1 a S2 produzindo a instabilidade da linguagem. O adolescente prefere
conservar seu S1 sozinho, pois ele enlaça diretamente seu corpo ao seu pen-
samento. Se é decisivo apreender esses momentos de denúncia do Outro, do
Saber do Outro, é porque eles são diferentes segundo as estruturas clínicas.
Ainda que haja uma ironia própria à adolescência devido a essa crise da lin-
guagem que ela atravessa, não se trata, aqui, da infernal ironia do esquizofrê-
nico da qual Jacques-Alain Miller (1993), a exemplo de Lacan, diz que ela é
“uma arma” que visa à raiz mesma de toda relação social6.
A ironia dos adolescentes é aquela que questiona o saber do Outro
(S2) diante da onipotência da sensação nova, à qual estão fortemente ape-
gados. Esse S2, chamado por Lacan o “Saber”, constitui um dos desafios
fundamentais do questionamento da adolescência. Esse par ordenado S1-S2
é igualmente o que chamamos “a língua elevada”. Essa base da articulação
do sujeito com o laço social não oferece mais o mesmo apoio para alguns
desses adolescentes, que reivindicam uma vontade de gozar como quiserem,
ou seja, a partir do modo como ouvem essas palavras (S1) sozinhas, que vêm
às suas mentes. É por isso que, frequentemente, sem saber, e até mesmo sem
o Saber, eles rejeitam o discurso estabelecido com o qual haviam consentido
desde a infância.
Por não poder mais encontrar o abrigo de um discurso estabelecido,
o jovem de nossa “modernidade irônica” se encontra, ainda mais que antiga-
mente, sozinho diante do “furo real” de sua sexualidade. Daí o desafio crucial
do dever de bem-dizer o que causa o seu sofrimento, o que dele está à espera
de tradução, ou seja, o que está articulado em S2 ao Outro do saber -, por isso
a necessidade de lhe oferecer um lugar para que se estabeleça novamente esse
laço, esse traço que o une com o Outro. Foi a essa letra em suspenso (lettre en
souffrance) que Lacan deu o estatuto de objeto “a”.
É frequentemente a partir da sensação que o adolescente coloca em
risco o seu “eu” (je), e é com base nessa enunciação nova que ele tenta agarrar
6
Lacan, respondendo a estudantes de filosofia, referia-se a sua clínica para dizer que a função social da
doença mental é a ironia: “Quando você possui uma prática com esquizofrênicos, você sabe como eles se
armam com a ironia, trazendo a raiz de todas as relações sociais”. LACAN, J. Réponse à des étudiants en
philosophie sur l’objet de la psychanalyse (1966). Cahiers pour L’Analyse, (3), 9-17.
saber dizer sim, dizendo ao mesmo tempo não, propomos acolher essa crise
da linguagem como crise da língua articulada.
Para aqueles que se orientam pelo discurso analítico, contrariamente
às TCC, trata-se, ao longo dessa crise da linguagem, de privilegiar o ângulo
da produção de um sintoma, de uma singularidade, muito mais do que de um
deficit: Se essa singularidade parece inadaptada, é simplesmente porque não
houve, até então, um Outro para autenticá-la.
Como fazer ato de presença para autenticar, pela palavra, essa nova
via do adolescente, sabendo dizer sim à metamorfose que ele traduz com suas
palavras? (MILLER, 2000).
êxito sem falha. Se ninguém nada sabe sobre ele é porque procede do parti-pris de nada
saber”. (LACAN, 2002, p. 542).
O adolescente exige de seus pais, frequentemente de forma desres-
peitosa, a confiança da qual ele precisa para reforçar sua própria confiança
em si mesmo, essa que, precisamente, lhe falta devido ao furo em sua relação
com o Outro.
Os adolescentes e a psicanálise
Abstract: The adolescent adopts a new way of talking and saying the new sen-
sations that he/she experiences, and make him/her confront the new, giving
new prominence to Rimbaud’s beautiful statement: «to find a language». Our
thesis consists in taking this moment, known as the adolescence’s crisis, to
emphasize that what is fundamentally at stake is the relationship between
the modern adolescent’s living body and the articulated language, called the
common sense. This is what I propose to call «a crisis of language» or «crisis
of the articulated language».
Keywords: Adolescent. Language. Real. Act.
Résumé: L’adolescent adopte une nouvelle façon de parler et de dire les sen-
sations inédites qui surgissent en lui, et le confrontent à du nouveau, remet-
tant en valeur ce bel énoncé de Rimbaud: «trouver une langue.» Notre thèse est
de prendre ce moment, dit de crise de l’adolescence, pour y faire valoir que
son enjeu le plus fondamental se situe dans le rapport du corps vivant de
l’adolescent moderne, à la langue articulée, celle dite du sens commun. C’est
ce que je propose d’appeler «une crise du langage» ou «crise de la langue
articulée».
Referências
Recebido em 02/07/2011
Aprovado em 26/01/2012