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Do original:

The Unbound Prometheus


Tradução autorizada do idioma inglês da edição publicada por The Press Syndicate of the University of Cambridge
© Cambridge University Press, 1969, 2003.

© 2 0 0 5 , Elsevier Editora Ltda.

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Edição original: ISBN 0 5 2 1 5 3 4 0 X X

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte.
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

L245p
2,ed. Landes, David S., 1924-
Prometeu desacorrentado: transformação tecnológica e
desenvolvimento industrial na Europa ocidental, desde 1750
até os dias de hoje / David S. Landes; tradução de Marisa Motta.
- 2. ed. - Rio de Janeiro: Elsevier, 2 0 0 5
il.

Tradução de: The unbound Prometheus


Inclui bibliografia
ISBN 8 5 - 3 5 2 - 1 4 4 8 - 8

1. Indústrias - Europa - História. 2. Europa - Condições


econômicas. I. Título.

04-3349. C D D - 338.094
C P U - 3 3 8 . 1 (4)
0 5 06 0 7 0 8 09 5 4 3 2 1


CAPÍTULO 2

A Revolução Industrial
na Inglaterra

c
V Y ^N o século X V I I I , u m a série de i n v e n ç õ e s t r a n s f o r m o u a indústria de algodão
na Inglaterra e d e u o r i g e m a u m n o v o m o d o de p r o d u ç ã o - o sistema fabril.
,. ( r D u r a n t e esses anos, o u t r o s ramos da indústria realizaram progressos c o m p a r á -
Ve
is e, j u n t o s , a p o i a n d o - s e m u t u a m e n t e , possibilitaram n o v o s benefícios,
^ rc n u m a perspectiva cada vez mais ampla. A q u a n t i d a d e e a variedade dessas i n o -
t^ vações quase inviabiliza sua e n u m e r a ç ã o , mas é possível agrupá-las sob três
princípios: a substituição da habilidade e d o esforço h u m a n o pelas m á q u i n a s -
^ r á p i d a s , constantes, precisas e incansáveis; a substituição de fontes animadas de
en
e r g i a p o r f o n t e s inanimadas, e m especial a i n t r o d u ç ã o de m á q u i n a s para
c o n v e r t e r o calor e m trabalho, p r o p o r c i o n a n d o ao h o m e m acesso a u m s u p r i -
m e n t o n o v o e p r a t i c a m e n t e ilimitado de energia; e o uso de matérias-primas
novas e m u i t o mais a b u n d a n t e s , s o b r e t u d o a substituição de substâncias v e g e -
, ^ i s o u animais p o r m i n e r a i s /
^Esses aperfeiçoamentos, q u e constituíram a R e v o l u ç ã o Industrial, geraram
S ^ u m a u m e n t o sem precedentes na produtividade e, p o r conseguinte, u m a eleva-
y Ção substancial da renda per capita. A l é m disso, esse crescimento foi a u -
to
\ y "~ s u stentado, ao passo q u e e m épocas anteriores, a melhoria das condições de
vx vida, o u seja, de sobrevivência, sempre f o r a m acompanhadas p o r u m cresci-
mer
V " o d e m o g r á f i c o que, p o r fim, consumia os lucros obtidos. Nesse m o m e n t o ,
Primeira vez na história, tanto a e c o n o m i a c o m o o saber evoluíram c o m ra-
1(
/ v P iez suficiente para p r o d u z i r u m fluxo c o n t í n u o de investimentos e inovações
\ J t tecnológicas; u m fluxo q u e elevou para além dos limites visíveis o m a r c o das es-
tiniativas positivas de Malthus^ Desse m o d o , a R e v o l u ç ã o Industrial i n a u g u r o u
Uma era
r n o v a e promissora. Ainda t r a n s f o r m o u o equilíbrio de p o d e r d e n t r o das
na
X. Çoes, entre elas e as demais civilizações, r e v o l u c i o n o u a o r d e m social e m o d i -
1Cou a
maneira de pensar d o h o m e m , assim c o m o sua ação prática.
44 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

/ E m 1760, a Inglaterra i m p o r t o u cerca de £ 2 , 5 milhões de algodão cru para


y alimentar u m a indústria e m grande parte localizada na região rural de Lancashi-
V
,r- re, o n d e existia u m c o n j u n t o de fábricas de p r o d u ç ã o de linho q u e fornecia fios
rijos de urdidura, q u e o país ainda n ã o aprendera a produzir. T o d o esse trabalho,
e m geral, era feito m a n u a l m e n t e (excetuando a tintura e o acabamento) nas casas
dos artesãos e, ocasionalmente, nos p e q u e n o s ateliês dos mestres tecelões. E m
1787, u m a geração após, o c o n s u m o de algodão cru elevara-se para £ 2 2 m i -
lhões; e m termos de pessoas empregadas e do valor d o p r o d u t o , a fabricação d o
V' algodão só era m e n o r d o q u e a da lã. A maior parte das fibras consumidas era la-
vada, cardada e enrolada e m máquinas, algumas movidas a água e m grandes fa-
bricas, outras à m ã o e m oficinas m e n o r e s o u m e s m o e m domicílio. M e i o século
depois, o c o n s u m o a u m e n t a r a para £ 3 6 6 milhões; a manufatura de algodão era
a mais i m p o r t a n t e d o reino e m termos d o valor do p r o d u t o , capital investido e
n ú m e r o de empregados; quase todos, exceto o n ú m e r o ainda expressivo dos t e -
celões q u e usavam teares manuais, trabalhavam nas fiações e m r e g i m e de disci-
plina fabril.'ÍO p r e ç o d o fio caíra, talvez, para 1 / 2 0 do p r e ç o anterior, e a m ã o -
• ri d e - o b r a indiana mais barata era incapaz de c o m p e t i r tanto e m qualidade c o m o
e m quantidade c o m as fiandeiras de fusos e os filatórios de Lancashire. O s p r o -
dutos de algodão ingleses e r a m vendidos n o m u n d o inteiro: as exportações, su-
periores e m 1 / 3 ao c o n s u m o interno, valiam quatro vezes mais d o q u e as dos t e -
cidos de lã e de estame. A p r o d u ç ã o de algodão era o símbolo da grandeza indus-
trial da Inglaterra; o operário da algodoaria, o seu m a i o r problema social - o país
assistia à ascensão de u m proletariado industrial.
. P o r que essa revolução das técnicas e da organização industrial ocorreu pri-
' ^ m e i r o na Inglaterra? Algumas considerações teóricas talvez a j u d e m a organizar a
». discussão. A m u d a n ç a tecnológica nunca é automática. Ela significa a substituição
o» _ v / " de m é t o d o s já estabelecidos, prejuízo para o capital investido e, c o m freqüência,
graves contratempos pessoais/Nessas circunstâncias, é preciso haver, e m geral,
u m a combinação de fatores que incitem essa mudança e a possibilitem: (1) uma
o p o r t u n i d a d e de aperfeiçoamento e m razão da inadequação das técnicas vigen-
tes, 1 ou u m a necessidade de a p r i m o r a m e n t o criada p o r aumentos a u t ô n o m o s dos
custos dos fatores; e (2) u m a superioridade de tal o r d e m que os novos m é t o d o s
fossem compensatórios para cobrir os custos da m u d a n ç a . Nessa última considera-
ção está implícito que, p o r mais que os usuários dos m é t o d o s mais antigos e m e n o s
eficientes tentassem sobreviver p o r m e i o da compressão dos custos dos fatores h u -
manos, empresariais o u trabalhistas, as novas técnicas seriam suficientes para p e r -
mitir q u e os produtores progressistas aumentassem seus preços e os substituíssem. /
/^r ^ s m u d a n ç a s tecnológicas q u e d e n o t a m o s c o m o " R e v o l u ç ã o I n d u s t r i a l ^
'/ i m p l i c a r a m u m r o m p i m e n t o m u i t o mais drástico d o q u e q u a l q u e r o u t r o fato

y/y
° / v
ELSEVIER A Revolução Industrial na Inglaterra 45

V " V v desde a i n v e n ç ã o da roda. D o lado empresarial, exigiram u m a clara redistribui-


ção dos i n v e s t i m e n t o s e, ao m e s m o t e m p o , u m a revisão d o c o n c e i t o de risco.
E n q u a n t o antes quase todos os custos da m a n u f a t u r a t i n h a m sido variáveis -
L A < / j 6 h r e t u d o matérias-primas e m ã o - d e - o b r a - u m a parcela cada vez m a i o r d o
__capital passou a ter de ser alocada e m custos fixos de fabricação. W flexibilidade
do antigo sistema fora m u i t o vantajosa para o empresário: e m épocas de d e -
pressão, ele p o d i a i n t e r r o m p e r a p r o d u ç ã o a u m custo baixo, r e t o m a n d o o tra-
balho só q u a n d o e até o p o n t o e m q u e as c o n d i ç õ e s o r e c o m e n d a s s e m . ^Ágora,
passava a ser prisioneiro de seu i n v e s t i m e n t o , situação q u e m u i t o s dos tradicio-
nais c o m e r c i a n t e s e p r o d u t o r e s consideraram e x t r e m a m e n t e difícil o u até
m e s m o impossível de aceitar.
/Para o trabalhador, a transformação foi ainda mais f u n d a m e n t a l , pois n ã o
\ i ^ a p e n a s seu papel ocupacional, c o m o t a m b é m seu estilo de vida estavam e m
y ^ / l i o g o . Para m u i t o s - e m b o r a não para todos - a i n t r o d u ç ã o da
maquinaria acarre-
U e
-Í9 , P la primeira vez, u m a completa separação dos meios de p r o d u ç ã o ; o traba-
> ^ l h a d o r c o n v e r t e u - s e e m 11111 " o p e r a d o r " . A máquina impôs u m a nova disciplina
r ^ .a quase t o d o s ^ í \ fiandeira não podia girar sua roda e o tecelão n ã o podia correr
v/f" sua lançadeira e m casa, livres de supervisão, n o horário que lhes conviesse. A
^y partir de então, o trabalho era feito e m fábricas, e m u m r i t m o estabelecido p o r
incansáveis e q u i p a m e n t o s inanimados, c o m o parte de u m a grande equipe q u e
tinha de começar, i n t e r r o m p e r e parar ao m e s m o t e m p o - sob estrita fiscalização
de supervisores, q u e i m p u n h a m a assiduidade p o r m e i o de compulsão moral e
pecuniária e, às vezes, p o r ameaça física. A fábrica era u m n o v o tipo de prisão e o
_relógio, u m n o v o tipo de carcereiro/
E m r e s u m o , apenas os mais significativos incentivos p o d e r i a m ter p e r s u a -
dido os empresários a e m p r e e n d e r e aceitar essas m u d a n ç a s ; e s o m e n t e grandes

\
progressos p o d e r i a m ter s u p e r a d o a tenaz resistência dos trabalhadores à m e c a -
nização.
y
^ . / A s origens d o interesse empresarial pelas máquinas e pela p r o d u ç ã o fabril ^ „ J i j
ser buscadas na crescente inadequação dos antigos m o d o s de p r o d u ç ã o , v^ f
y t f _?nraizada e m contradições internas que, p o r sua vez, eram agravadas p o r forças ^ ^
««emas. ' v*
E n t r e esses sistemas pré-fabris de organização, os mais antigos f o r a m as ofici-
nas artesanais independentes, e m q u e u m mestre era, e m geral, assistido p o r u m
° u mais artífices o u aprendizes. Mas, já n o século XIII, essa i n d e p e n d ê n c i a p e r -
deu-se e m muitas áreas e o artesão passou a d e p e n d e r d o comerciante q u e f o r n e -
cia sua matéria-prima e vendia seu p r o d u t o . Essa subordinação d o p r o d u t o r ao
intermediário (ou, c o m m e n o s freqüência, dos p r o d u t o r e s fracos aos fortes) foi
uma conseqüência d o crescimento d o m e r c a d o . Antes, o artesão trabalhava para
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u m a clientela local, u m g r u p o p e q u e n o p o r é m b e m estável, ligado a ele tanto


pessoalmente q u a n t o p o r interesses financeiros. Agora, passara a d e p e n d e r de
vendas realizadas p o r intermediários e m mercados distantes e competitivos,
além de estar despreparado para lidar c o m as oscilações inerentes a esse tipo de
arranjo. E m épocas difíceis, podia ficar t o t a l m e n t e ocioso, sem c o m p r a d o r , e
q u a n d o os negócios m e l h o r a v a m e m geral tomava emprestada de seu i n t e r m e -
diário a matéria-prima para recomeçar. U m a vez e n r e d a d o n o e n d i v i d a m e n t o -
c o m seu p r o d u t o final antecipadamente h i p o t e c a d o a seu credor - era raro q u e o
artesão reconquistasse sua independência. Seu trabalho era suficiente para sus-
tentá-lo - nada mais além disso - e ele era, na verdade, senão p o r princípio, u m
proletário que n ã o vendia u m p r o d u t o , mas m ã o - d e - o b r a J
f ,/Âlém das dificuldades financeiras, o artesão local n ã o tinha c o n d i ç ã o de c o -
/ n h e c e r e explorar as necessidades dos c o n s u m i d o r e s distantes. Só o c o m e r c i a n t e
V
.1u1 jp • era capaz de reagir aos fluxos e refluxos da d e m a n d a , exigindo modificações n o
/ p r o d u t o final para atender às preferências d o c o n s u m i d o r , r e c r u t a n d o trabalha-
dores adicionais q u a n d o preciso, e f o r n e c e n d o i n s t r u m e n t o s e matérias-primas
/ aos artífices e m potencial. Foi assim, p r i m o r d i a l m e n t e , q u e a população rural foi
y y atraída para o circuito p r o d u t i v o . Logo, os negociantes urbanos p e r c e b e r a m q u e
Y a zona rural era u m a f o n t e de m ã o - d e - o b r a barata: camponeses ansiosos para
X c o m p l e m e n t a r a magra renda da terra c o m o trabalho extra d u r a n t e a entressafra,
esposas e crianças c o m horas vagas para preparar o trabalho d o h o m e m e a j u -
dá-lo e m suas tarefas. E e m b o r a o tecelão, o ferreiro o u cuteleiro d o interior fos-
sem m e n o s habilidosos d o q u e o artesão da guilda o u o artífice citadino, ele era
m e n o s dispendioso p o r q u e , p e l o m e n o s n o início, a utilidade marginal d o seu
t e m p o ocioso era baixa e seus recursos agrícolas, m e s m o m u i t o modestos, p e r -
m i t i a m q u e ele se sustentasse c o m essa renda adicional m u i t o inferior. A l é m dis-
v- so, o sistema de p r o d u ç ã o domiciliar rural estava livre das restrições das guildas
sobre a natureza d o p r o d u t o , as técnicas de fabricação e o t a m a n h o d o e m p r e e n -
dimento.//
;
vy>' v ^ Essa descrição de u m l o n g o e c o m p l e x o processo histórico é, sem dúvida,
/ e x t r e m a m e n t e simplista. P o d e - s e afirmar que, considerando a E u r o p a c o m o u m
t o d o , a maioria dos contratadores da p r o d u ç ã o domiciliar p r o v i n h a da área m e r -
cantil, p o r é m é i m p o r t a n t e m e n c i o n a r as muitas exceções: os tecelões q u e se
t r a n s f o r m a v a m e m negociantes de tecidos e roupas, e m p r e g a n d o seus vizinhos
m e n o s e m p r e e n d e d o r e s , e os pisoeiros e tintureiros, q u e haviam a c u m u l a d o ca-
pital nos processos de a c a b a m e n t o , associavam-se, c o n t r a t a n d o d i r e t a m e n t e o
f o r n e c i m e n t o de fios e tecidos. E m algumas áreas, e m especial nos arredores de
Leeds, na região oeste de Yorkshire, os artesãos rurais organizavam seus próprios
galpões de tecelagem, u n i a m - s e q u a n d o necessário para criar instalações c o -
A Revolução Industrial na Inglaterra 47
ELSEVIER

m u n s , e v e n d i a m suas peças c o m o fabricantes i n d e p e n d e n t e s de tecidos nas fei-


ras semanais de p r o d u t o s têxteis. P o r é m , m e s m o e m Yorkshire, essa f r a g m e n t a -
ção da iniciativa era, sobretudo, característica do c o m é r c i o lanígero; na fabrica-
ção de estame q u e exigia mais capital, a unidade p r o d u t o r a era maior, e o c o n -
tratante da p r o d u ç ã o domiciliar tinha u m papel mais i m p o r t a n t e . 2
//h indústria têxtil inglesa construiu sua fortuna n o fim da Idade Média e iní-
/ c i o da era m o d e r n a . N e n h u m centro de p r o d u ç ã o , exceto talvez Flandres, diri-
giu-se tão rápido das cidades para o interior; calcula-se que, já e m 1400, mais da
^metade da p r o d u ç ã o de tecidos de lã fosse realizada na zona rural. 3 A tendência
yr -S5ntinuou: e m mea
d o s do século X V I I I , a fabricação lanígera inglesa era p r o d u -
</~ ^jzida, basicamente, pelo trabalho artesanal domiciliar; entre todas as cidades asso-
^ciadas ao c o m é r c i o de lã, apenas N o r w i c h continuava a ser u m i m p o r t a n t e c e n -
* tro u r b a n o , mas perdia rapidamente sua importância relativa. A l é m disso, apesar
das variações regionais e algumas pausas ocasionais, a indústria c o m o u m t o d o
prosperara de f o r m a impressionante. N o final d o século X V I I e início d o X V I I I ,
q u a n d o a indústria italiana era u m a sombra de seu apogeu, a p r o d u ç ã o holandesa
de tecidos declinava sistematicamente, e a França estava mergulhada n u m a p r o -
longada depressão, o c o n s u m o inglês de lã crua crescia à taxa de 8% p o r década;
e entre cerca de 1740 e 1770, o a u m e n t o decenal foi de 13% o u 14%. 4 '
Esse crescimento merece u m exame detalhado, p o r q u e foi o primeiro fator
que desencadeou as mudanças a que chamamos de R e v o l u ç ã o Industrial, e sua
compreensão p o d e ajudar a entender as razões da primazia inglesa n o desenvolvi-
m e n t o tecnológico e e c o n ô m i c o . A indústria lanígera crescera, e m parte, devido
às condições favoráveis d o produto. N e n h u m país possuía u m a oferta tão a b u n -
dante de lã bruta, e m especial de fibras longas exigidas pelos tecidos mais leves e
mais resistentes de estames. Além disso, a indústria rural, livre das restrições das
guildas ou das regulamentações governamentais, tinha condições de tirar o m á x i -
m o proveito dessa superioridade, adaptando seu p r o d u t o à demanda e às variações
dessa demanda. Sobretudo, tinha a liberdade de produzir tecidos mais baratos, tal-
vez m e n o s resistentes do que as casimiras e os tecidos tradicionais, mas possíveis de
serem usados e, muitas vezes, mais confortáveis. Essa liberdade de adaptação e
inovação é especialmente importante na indústria leve, na qual os recursos e o u -
tras ponderações similares, e m geral, são menos significativos c o m o locais opera-
cionais d o que fatores empresariais. C o m o u m b o m exemplo proveniente da i n -
dústria lanígera inglesa, p o d e m o s citar o rápido crescimento d o c o m é r c i o de esta-
me de Yorkshire, que ultrapassou o centro mais antigo do Leste da Inglaterra ao
longo do século X V I I I . Segundo Clapham: "Caso corriqueiro de u m a localidade
dinâmica e trabalhadora, c o m certas vantagens pequenas, lançando-se nos níveis
mais elementares de u m a indústria e m expansão." 5 T e r e m o s oportunidade de as-
48 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

sinalar exemplos comparáveis das vantagens da liberdade empresarial, ao examinar


os países continentais. Nesse ínterim, vemos que a indústria de lã na Inglaterra b e -
neficiou-se ainda mais dessa liberdade, visto que seus concorrentes mais perigosos
do outro lado d o Canal da M a n c h a estavam submetidos, n o século X V I I e início
do XVIII, a u m a regulamentação e controle crescentes.
/ Finalmente, deve-se m e n c i o n a r a liberdade relativa da indústria inglesa diante
dos conflitos e destruição da guerra, o fluxo instável, mas p r o l o n g a d o e atrnn^
f1 " ' ' " —
dante de hábeis artesãos estrangeiros e o acesso dos centros de p r o d u ç ã o ao
transporte p o r vias navegáveis e, portanto, a mercados distantes - fatores que
c o n t r i b u í a m para custos m e n o s onerosos de fabricação e d i s t r i b u i ç ã o /
/ Q u a n t o à demanda, a indústria lanígera inglesa foi t a m b é m , comparativa-
m e n t e , favorecida. A população do reino não era grande, mas crescia, e m meados
^ do século XVIII, provavelmente mais rápido do que a de qualquer dos países c o n -
tinentais da Europa. D e cerca de 6 milhões e m torno de 1700, ela elevou-se a
quase 9 milhões e m 1800, sendo que 70% a 90% desse a u m e n t o ocorreu na se-
gunda metade desse p e r í o d o / ' Ainda mais, a inexistência de barreiras alfandegárias
internas o u de tributos feudais criou, na Inglaterra, o m e r c a d o mais h a r m ô n i c o da
Europa. Essa união política era confirmada pela geografia da ilha: território p e -
q u e n o , topografia simples e uma costa p r o f u n d a m e n t e recortada. E m contraste,
barreiras alfandegárias dividiam u m país c o m o a França, c o m uma população mais
de três vezes maior, e m três grandes áreas comerciais fragmentadas, e m razão de
costumes informais, tributos e encargos obsoletos e, acima de tudo, pela c o m u n i -
cação precária e m u m mosaico de células semi-autárquicas diversas^,
l/O h o m e m t a m b é m a p r i m o r o u o legado da natureza. A partir de meados d o
século X V I I , h o u v e u m investimento c o n t í n u o e crescente de recursos públicos
., v e privados na ampliação do sistema fluvial e na construção de novas estradas e
pontes. E m 1750, havia mais de mil milhas de vias navegáveis na Inglaterra e há
/
y V m e i o século o P a r l a m e n t o aprovava leis sobre barreiras de pedágio, à razão de
j- Jr oito p o r a n o / P o r mais significativo que fosse esse d e s e n v o l v i m e n t o , ele era, e n -
l^v/ V - X / - '

-' tretanto, insuficiente para as necessidades da e c o n o m i a , e o r i t m o dos investi


. m e n t o s cresceu a c e n t u a d a m e n t e nas décadas de 1750 e 1760. Esses anos assisti-
i r a m ao s u r g i m e n t o dos primeiros canais (Navegação Sankey, 1755-59; canal d o
d u q u e de Bridgewater, 1759-61) e de leis de cobrança de pedágio à razão de 40
p o r ano. E m duas décadas (1760-1780), vias navegáveis e estradas b e m construí-
das ligavam os principais centros industriais d o N o r t e e dos condados d o centro,
estes a Londres, e Londres à bacia d o Severn e ao Atlântico.
/ N o m e r c a d o da Inglaterra, o p o d e r de c o m p r a per capita e o padrão de vida
y eram m u i t o mais elevados d o que na E u r o p a continental. N ã o dispomos de d a -
dos exatos sobre a renda nacional n o século X V I I I , 7 mas há u m a abundância de
J^T Y
P y-
y -tf J-
<r
A Revolução Industrial na Inglaterra 49
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d e p o i m e n t o s sobre a impressão de viajantes dos dois lados d o Canal da M a n c h a


q u a n t o à m e l h o r distribuição de riqueza, dos salários mais altos e da maior fartu-
ra encontrados na Inglaterra. Assim, u m dos sinais mais evidentes de c o n f o r t o
era o c o n s u m o de pão branco; n o século X I X p o d e - s e fazer u m a estimativa
comparada d o a u m e n t o de renda per capita e a disseminação de padrões mais al-
y tos de vida entre os segmentos mais pobres da população, nas áreas rurais e na
, E u r o p a central e oriental, seguindo a fronteira do trigo. N o século X V I I I , a
r<\r*" Inglaterra era conhecida c o m o o país d o pão branco. Mas isso é u m exagero: e m

vastas áreas, s o b r e t u d o nos condados centrais e n o N o r t e , o centeio e a cevada


eram os cereais mais consumidos, e m especial na primeira parte d o século. M e s -
m o nessas regiões, n o entanto, o pão foi clareando ao l o n g o dos anos, e não exis-
tia nada semelhante ao hábito de c o n s u m i r cereais mais grosseiros, c o m o o tri-
go-sarraceno e aveia dos países continentais ./Do m e s m o m o d o , havia u m g r a n -
de m i t o na i m a g e m de J o h n Buli, o grande c o n s u m i d o r de carne. Q u a n d o
^ A r t h u r Y o u n g sentou-se para c o m e r n o País Basco - " o q u e chamaríamos de
^ comida habitual do c a m p o n ê s " - serviram-lhe "farta provisão de repolho, g o r -
dura, água e a carne oferecida para toda aquela gente alimentaria só u m a meia
dúzia de lavradores ingleses que ainda reclamariam c o m seu anfitrião pela c o m i -
da escassa". 8 Até m e s m o a comida oferecida pelas casas correcionais, dificilmen-
te preparada para tornar a vida de seus residentes mais agradável, incluía carne
todos o u dias ou, pelo menos, várias vezes p o r s e m a n a . 9 /
//O trabalhador inglês não apenas comia m e l h o r ; ele gastava m e n o s d i n h e i r o
c o m comida d o que seus semelhantes na E u r o p a continental e, na maioria dos
outros lugares, esse gasto diminuía, e n q u a n t o d o o u t r o lado da M a n c h a é b e m
j y ^ K P o s s í v e l que tenha a u m e n t a d o durante grande parte do século X V I I I . 1 0 P o r t a n -
to
j.-^' > possuía u m a reserva m a i o r para gastar c o m outras coisas, inclusive c o m p r o -
\ V ^ . d u t o s manufaturados. O ingleses t i n h a m a reputação de usar sapatos de c o u r o ,
a
y ° Passo clue os
holandeses e franceses usavam tamancos. Vestiam-se c o m roupas
>/ lã, e n q u a n t o os camponeses franceses o u alemães tremiam, c o m freqüência,
f de frio vestidos c o m suas roupas de linho, tecido n o b r e para r o u p a de cama o u
m
e s a , p o r é m u m a p r o t e ç ã o precária contra os rigores d o i n v e r n o e u r o p e u . ^ D e -
foe descreveu, e m 1728, c o m entusiasmo e orgulho, a importância dessa d e -
manda de p r o d u t o s britânicos e m seu Plan of the English Commerce:n

no mais, vemos suas Casas e Hospedarias razoavelmente mobiliadas ou,


m
V^V e n o s , providas de utensílios necessários de uso doméstico: mesmo aque-
les a q u e m chamamos de pobres, os artífices, gente operosa e esmerada, agem
assim; deitam aquecidos, vivem na abundância, trabalham muito e [não] c o -
^ nhecem a privação.
* Ys ^

^ Jt
50 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

São essas pessoas que respondem pelo grosso de vosso consumo; é para elas que
vossos mercados ficam abertos até mais tarde nas noites de sábado; porque, nor-
malmente, recebem tarde seu salário semanal (...). E m uma palavra, elas são a vida
de todo nosso comércio, em toda sua multidão: seus números não são centenas
ou milhares ou centenas de milhares, mas milhões; é por sua multidão, penso,
que todas as rodas do comércio são acionadas, a indústria e a produção da terra e
do mar, finalizadas, depuradas e adequadas aos mercados externos; é pela largueza
de seus rendimentos que eles são sustentados e pela grandeza de seu número que
se mantém o país inteiro; com seus salários, eles estão aptos a viver na fartura, e é
por seu estilo de vida dispendioso, generoso e livre que o consumo interno é al-
çado a tamanho volume tanto da nossa produção quanto da externa/

A referência de D e f o e ao "estilo de vida dispendioso, generoso e livre" dos


ingleses traz à m e n t e u m último aspecto d o m e r c a d o i n t e r n o inglês: u m padrão
de c o n s u m o favorável ao crescimento de p r o d u t o s m a n u f a t u r a d o s / P r o v a v e l -
m e n t e , mais d o q u e qualquer outra sociedade da E u r o p a , a sociedade britânica
era aberta. N ã o apenas a renda tinha u m a distribuição mais eqüitativa do q u e n o
V
c o n t i n e n t e , c o m o t a m b é m e r a m m e n o r e s as barreiras à mobilidade e mais i n d e -
terminadas as definições d o status social. N a d a mais revelador nesse sentido d o
q u e u m a c o m p a r a ç ã o das imagens c o n t e m p o r â n e a s da sociedade nos diferentes
países da E u r o p a ocidental. E m relação à Inglaterra, p o d e m o s citar G r e g o r y
K i n g ou J o s e p h Massic - muitos grupos ocupacionais classificados de a c o r d o
c o m a riqueza e tão e n t r e m e a d o s a p o n t o de i m p e d i r o d e s e n h o de linhas h o r i -
zontais d o status na totalidade da pirâmide social. Q u a n t o à França, temos u m a
estrutura tripartite mais nítida: aristocracia, burguesia, peuple; d e n t r o dessas cate-
gorias, é e v i d e n t e , e x i s t e m distinções sutis e n e m s e m p r e é fácil classificar p e s -
v«- soas de ocupações diferentes o u grupos limítrofes, c o m o os artesãos e c o m e r c i a n -
tes varejistas; c o n t u d o , a disposição é ordenada e segue u m a lógica tradicional.
N a m a i o r parte da A l e m a n h a ocidental, prevalecia o sistema francês, p o r é m mais
rígido e mais criteriosamente definido, a p o n t o de a posição social, até m e s m o
/" de subgrupos, c o m freqüência constar f o r m a l m e n t e da legislação. A leste d o
Elba, a sociedade era ainda mais simples: u m a p e q u e n a aristocracia rural, a g r a n -
de massa de camponeses pessoalmente d e p e n d e n t e s e, e n t r e eles, u m a camada
fina de burgueses comerciantes, espiritual e muitas vezes q t n i c a m e n t e alheios ao
c o r p o social e m que viviam e m o v i a m - s e e n c a p s u l a d o s /
v J!Em relação às taxas de c o n s u m o , as implicações da m a i o r igualdade de renda
são controversas. 1 2 D e m o d o similar, os efeitos da m o b i l i d a d e são ambíguos; al-
g u m a s pessoas p o u p a m para subir na escala social e outras c o n s o m e m para serem
notadas. O resultado final d e p e n d e das circunstâncias.'/
A Revolução Industrial na Inglaterra 51
ELSEVIER

Á qualidade e o d i r e c i o n a m e n t o d o c o n s u m o são, c o n t u d o , outros novos


questionamentos. Nas sociedades não-primitivas, nas quais as habilidades profis-
^ sionais são b e m desenvolvidas e e m que já h o u v e u m a certa acumulação de ri-
queza, a desigualdade estimula u m a predileção p o r luxos e serviços extravagan-
tes entre as minorias privilegiadas, ao passo q u e a igualdade p r o m o v e u m a d e -
, manda de confortos mais sóbrios e sólidos para a maioria. A grande riqueza e m
m e i o à pobreza é, e m geral, p r o d u t o da relação inferior e n t r e capital e trabalho
J' (ou de investimentos). Ela provoca u m p r ó d i g o dispêndio n o prazer e na ele-
gância: n u m a superabundância de empregados domésticos - a p o n t o de a dona
de casa passar mais t e m p o supervisionando seus criados d o q u e as mulheres mais
modestas gastavam fazendo suas próprias tarefas; e m u m vestuário sofisticado e
caríssimo, na decoração luxuosa das residências e na p r o d u ç ã o de obras de arte
vv requintadas.//
•y K /A difusão mais eqüitativa da riqueza, n o entanto, resulta de u m a m ã o - d e -
/ „ ° b r a cara. Essa era a situação da Inglaterra, o n d e os salários - a d m i t i n d o - s e a i n -
certeza e a impossibilidade parcial de c o m p a r a r as estimativas - eram cerca de
duas vezes mais elevados do que os da França e ainda superiores aos d o leste d o
v
• -B^eno. E m tal e c o n o m i a , as f u n ç õ e s de p r o d u ç ã o r e c e b e m mais investimento de
capital, e n q u a n t o o c o n s u m i d o r rico atende m e n o s a seus caprichos e satisfaz-se
? v c o m u m a quantidade maior de p r o d u t o s acessíveis, e m m e n o r escala e c o m q u a -
c
< ^ lidade inferior, aos mais pobres. P o r o u t r o lado, o p o d e r aquisitivo relativamen-
> ^ v £ e elevado da camada mais p o b r e da população implica u m a d e m a n d a m a i o r 6
c o r r e s p o n d e n t e de artigos q u e ela precisa c o m p r a r e pelos quais p o d e pagar -
^ ? mercadorias mais baratas e mais simples, q u e são as mais passíveis de p r o d u ç ã o
1
V / r ^ a s s a - f r
J / / u m a sociedade c o m o essa, a mobilidade é u m a força e m p r o v e i t o da p a -
r
° n i z a ç ã o . A m u d a n ç a implica imitação e esta p r o m o v e a disseminação de p a - V
V ~ í ? e s de c o n s u m o p o r toda a população. E m sociedades e m q u e n ã o há m o b i l i - ^ ^ O'
v
J a d e social, distinções claras e invioláveis de vestuário e de estilo representam
graus hierárquicos marcantes. Q u a n d o surge essa m o v i m e n t a ç ã o , c o m o n o fim ;

a Idade Média, leis suntuárias são c o m freqüência necessárias para imobilizar as


Pessoas e m seu lugar. E, q u a n d o a mobilidade torna-se tão c o m u m a p o n t o de
Ser Cons
i d e r a d a p o r m u i t o s u m a virtude, é impossível i m p o r controles discrimi-
natórios sobre os g a s t o s i
\ ç Inglaterra, as leis suntuárias estavam e m desuso n o final d o século X V I e
^ w . r a m e ü m i n a d as p o r J a i m e I e m 1604. N o s dois séculos seguintes, a tendência à
W1 di m
° ^ e n e i d a d e d e gastos - a extinção das diferenças regionais verticais e das
l n ç o e s sc,
ju ciais horizontais - prosseguiu. À época, as pessoas queixavam-se d o
Xo
das classes inferiores, q u e se vestiam igual aos seus superiores. Isso é u m
52 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

exagero; a lamentação social c o m o g ê n e r o literário é sempre hiperbólica. A l é m


disso, grande parte da elegância d o p o v o era falsa, p r o v e n i e n t e de u m c o m é r c i o
de roupas de segunda m ã o . M e s m o assim, a d e m a n d a de artigos descartados era a
prova da inexistência o u decadência das distinções habituais: os pobres p o d i a m
usar e, realmente, usavam o m e s m o tipo de casaco q u e os ricos*, c o m o a b a n d o -
n o da antiga rusticidade. D e n o v o , trata-se de u m exagero - p o r é m , e m n e n h u -
m a e c o n o m i a o c a m p o estava tão i n t i m a m e n t e integrado n o circuito comercial;
e m n e n h u m lugar os focos de a u t o n o m i a locais eram tão distribuídos//
/ T u d o isso fazia parte de u m processo generalizado de urbanização que, p o r
sua vez, era reflexo da comercialização e da industrialização avançadas. Londres,
. sozinha, tinha u m a taxa populacional espantosa: D e f o e calculou, e m 1725, que
possuísse 1,5 milhão de habitantes, quase % da população d o reino. Essa cifra é
t e s t e m u n h o , não da precisão de D e f o e , mas da impressão q u e a "cidade g r a n d e "
inspirava aos c o n t e m p o r â n e o s ; entretanto, m e s m o as estimativas conservadoras
situavam a população da área metropolitana e m cerca da m e t a d e desse n ú m e r o .
Nas províncias, após a Guerra Civil, as cidades e os p o v o a d o s desenvolveram-se
sistematicamente; entre os de expansão mais rápida, havia " p o v o a d o s " n ã o
emancipados c o m o M a n c h e s t e r q u e teria, talvez, 12.500 habitantes e m 1717 e
20 mil e m 1758. U m a estimativa q u e i n d i q u e a distribuição de 15% da p o p u l a -
ção e m cidades de 5 mil habitantes ou mais, e m meados d o século, e de 25% e m
1800 estará p r o v a v e l m e n t e mais p r ó x i m a da verdade. 1 4 E m contraste, a cifra
francesa às vésperas da R e v o l u ç ã o era p o u c o superior a 10%, e a população da
A l e m a n h a era ainda mais r u r a l /
//No entanto, n ã o era apenas o fato de a Inglaterra ter mais pessoas m o r a n d o
nas cidades d o q u e qualquer o u t r o país da E u r o p a , e x c e t o talvez os Países Bai-
: xos, 1 5 q u e tornava m u i t o peculiar seu padrão de p o v o a m e n t o , mas sim o caráter
T

da vida urbana inglesa. N o c o n t i n e n t e , muitas cidades t i n h a m f u n ç õ e s essencial-


m e n t e administrativas, judiciais e eclesiásticas. Suas populações consistiam,
principalmente, e m burocratas, profissionais liberais e soldados, além de lojistas,
artesãos e criados q u e lhes prestavam serviços. A cidade era m e n o s u m n ú c l e o de
atividade e c o n ô m i c a , que trocava artigos m a n u f a t u r a d o s e serviços comerciais
c o m p r o d u t o s da zona rural, d o que u m c e n t r o político e cultural: recolhia i m -
postos e aluguéis da população rural, c o m o retribuição pelo g o v e r n o e c o m base
n o direito tradicional. M a d r i é o e x e m p l o clássico desse tipo de p o v o a m e n t o ,
mas Paris lhe era m u i t o semelhante, e talvez a maioria das principais cidades p r o -
vincianas francesas, inclusive lugares c o m o Arras, D o u a i , C a e n , Versalhes,

*De modo similar, os contemporâneos reclamavam que os agricultores imitaram os modos


citadinos.
A Revolução Industrial na Inglaterra 53
ELSEVIER

N a n c y , T o u r s , Poitiers, Aix e T o u l o u s e . N a A l e m a n h a , a fragmentação d o p o -


der político era u m estímulo à multiplicação de centros urbanos semi-rurais,
cada qual c o m sua corte, sua burocracia e sua guarnição.
E m contraste, o t a m a n h o relativamente reduzido da organização política bri-
tânica e sua concentração e m Londres deixou os centros provinciais mais antigos
^ entregues à inércia e à decadência. Nada é mais surpreendente, n o mapa da Ingla-
terra do século XVIII, do que a m o d e r n i d a d e d o padrão urbano. As sedes dos
f ^ condados medievais - Lancaster, York, Chester e Stafford - foram suplantadas p o r
^ ir „ ^ g a r e s mais novos, c o m o Liverpool, Manchester, Leeds e Birmingham, e já havia
u
^ V " m a m u d a n ç a substancial de população e m favor d o norte e da região central.
Grande parte do crescimento, além disso, não ocorreu nas cidades propriamente
ditas, mas n o a u m e n t o populacional n o campo. Surgiram diversos vilarejos indus-
triais muitíssimo desenvolvidos - concentrações de centenas de fiandeiros e tece-
lões nos distritos manufatureiros de Lancashire e Yorkshire, semelhantes, e m
niuitos aspectos, às antigas aglomerações rurais da Inglaterra oriental.,/
v • • / O padrão geral era de u m contato estreito e u m i n t e r c â m b i o f r e q ü e n t e entre
a cidade e o c a m p o . O c o m é r c i o e as oficinas iam até os clientes: A.P. W a d s -
\ w o r t h observou os n u m e r o s o s anúncios de aluguel de casas para negociantes nos
t</ y Povoados ao r e d o r de Manchester, o que refletia, de a m b o s os lados, u m a res-
1& posta entusiástica à o p o r t u n i d a d e e c o n ô m i c a . 1 6 Apesar da escassez de dados, p a -
• • r ece claro q u e o c o m é r c i o inglês d o século X V I I I , c o m p a r a d o ao d o c o n t i n e n t e ,
^ era e x t r e m a m e n t e ativo, e m p r e e n d e d o r e aberto às inovações. Parte da explica-
ü ã o desse fato é institucional: os comerciantes ingleses estavam relativamente li-
vres de restrições tradicionais ou legais q u a n t o aos objetos ou ao caráter de sua
^atividade. P o d i a m v e n d e r o que quisessem e m qualquer lugar e p o d i a m c o n c o r -
rer
~ e c o n c o r r i a m - livremente c o m base n o preço, propaganda e crédito. Se a
maioria
\ v/' dos comerciantes continuava a barganhar, muitos seguiam o e x e m p l o
dos
v V y l a c r e s e v e n d i a m a preços fixos e marcados. À medida q u e f o r a m sendo
I ^ adotados,
esses m é t o d o s c o n d u z i r a m a u m a alocação mais eficiente dos recursos
econô
° m i c o s e a u m custo m e n o r de distribuição.//
L / / / E m r e s u m o , o m e r c a d o i n t e r n o de p r o d u t o s manufaturados desenvolvia-se,
f ^ a ç a s ao a p e r f e i ç o a m e n t o das comunicações, ao a u m e n t o da população, à r e n -
^ da média elevada e crescente, a u m padrão de c o n s u m o favorável aos p r o d u t o s
1
,, dduráveis,
a . iN
N Oo padronizados e de preço moderado, e à iniciativa comercial não cercea-
/ entanto, n ã o se p o d e delimitar seu crescimento c o m precisão, p o r q u e
/ V>' n a ° dispomos de u m a estatística sobre o c o n s u m o d o m é s t i c o . /
Poss
/'{j >->ímos mais i n f o r m a ç õ e s sobre o c o m é r c i o exterior, n e m q u e seja a p e -
nas
^ y Pelo fato de q u e a maioria dos p r o d u t o s que entrava o u saía d o país passava
Pela supervisão dos funcionários aduaneiros. As estatísticas comerciais são i n -
54 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

completas, inexatas e falseadas pelo uso de valores fixos e m u m m u n d o de p r e -


ços flutuantes. P o r é m , p r o p o r c i o n a m u m a o r d e m de comparação, indicando,
p o r e x e m p l o , u m a u m e n t o de três o u quatro vezes nas exportações britânicas
(incluindo a reexportação) d u r a n t e os c e m anos decorridos entre 1660 e 1760.
/ V i m o s q u e o a u m e n t o das vendas da Inglaterra n o exterior, assim c o m o n o
j n e r c a d o interno, refletiu, e m grande parte, sua vocação natural; a isso c o n v é m
acrescentar algumas vantagens institucionais e históricas. O país tinha u m a sólida _
tradição marítima e, ao contrário da maioria de seus rivais n o c o n t i n e n t e , n ã o
desviou suas energias para a m a n u t e n ç ã o de exércitos dispendiosos e para a e x -
pansão territorial. E m vez disso, c o n c e n t r o u - s e e m garantir privilégios c o m e r -
ciais e u m i m p é r i o colonial, à custa, e m grande parte, de seus principais rivais
continentais, a França e os Países Baixos. Essa política, m e n o s dispendiosa d o
q u e n o território e u r o p e u , a l o n g o prazo foi mais vantajosa. N e n h u m país a t e n -
deu mais aos desejos de suas classes mercantilistas; ou foi mais alerta q u a n t o às
implicações comerciais da g u e r r a / g . D . R a m s a y observou c o m perspicácia o
papel de Londres na p r o m o ç ã o dessa h a r m o n i a entre o c o m é r c i o e a diplomacia,
contrastando, nesse aspecto, c o m o isolamento de B o r d e a u x , Marselha e N a n t e s
e m relação a Paris e Versalhes. 1 7
//Ao m e s m o t e m p o , a Inglaterra desenvolveu u m a grande e p o t e n t e marinha
m e r c a n t e , b e m c o m o instituições financeiras necessárias à sua m a n u t e n ç ã o . D e
^ todos os países d o c o n t i n e n t e , apenas Holanda, mais u m a vez, podia rivalizar
c o m ela, e a relativa superioridade dos Países Baixos situava-se n o c o m é r c i o , e
9-
'*Y\í*não na indústria. E n t r e o p o d e r i o mercantil holandês e a c o m b i n a ç ã o britânica
^y / de p o d e r mercantil e industrial, n u n c a h o u v e dúvida: o m a i o r t r u n f o de u m p o r -
' to é u m território p r o d u t i v o . /
^ A l o n g o prazo, a v a n t a g e m capital da Inglaterra foi a capacidade de fabricar
c o m baixo custo os artigos e m relação aos quais a d e m a n d a estrangeira era mais
flexível^Ds mercados mais promissores da Inglaterra, nos séculos X V I I e X V I I I ,
' n ã o se situavam na E u r o p a , o n d e suas indústrias estavam crescendo e cujos g o -
vernantes mercantilistas e r a m cada vez mais hostis à i m p o r t a ç ã o de p r o d u t o s
manufaturados, mas nas terras de além-mar: n o N o v o M u n d o , na África e n o
O r i e n t e . Essas áreas e r a m m u i t o diferentes q u a n t o a necessidades e preferências.
O s habitantes tribais da África e os trabalhadores rurais das Antilhas q u e r i a m t e -
cidos finos e leves, cores vivas, metais vistosos - lãs finas, xadrezes de linho de al-
g o d ã o de M a n c h e s t e r , ferragens baratas de B i r m i n g h a m . As d e m a n d a s dos c a m -
poneses indianos o u chineses e r a m semelhantes (excetuando-se a maioria dos
p r o d u t o s de algodão), e m b o r a mais sóbrios. O agricultor da N o v a Inglaterra o u
o c o m e r c i a n t e de Filadélfia, c o n f r o n t a d o s c o m u m clima mais rigoroso e instá-
vel, e mais sofisticados e m termos de tecnologia, c o m p r a v a m tecidos mais pesa-

i
A Revolução Industrial na Inglaterra 55
ELSEVIER

dos e ferragens mais resistentes. Entre todos, havia u m d e n o m i n a d o r c o m u m ,


p o r é m de c u n h o negativo: eles não estavam especialmente interessados e m arti-
gos de luxo, dispendiosos e de acabamento refinado. -
Àssim, o a u m e n t o das exportações reforçou as pressões favoráveis à p a d r o n i -
za zação e contrárias à diferenciação, a quantidade e m oposição à qualidade. Essa
V^t,. opção pela quantidade e m d e t r i m e n t o da qualidade era u m a história antiga na
indústria inglesa. Mas isso não significa a adulteração o u a venda de p r o d u t o s i n -
^ feriores c o m o artigos de qualidade superior - essa era u m a política negativa i n -
^ y ternacional, c o m o evidencia a reiteração de normas p o r parte dos governos e das
y° guildas n o c o n t i n e n t e e u r o p e u ^ R e f i r o - m e à adoção de novos m é t o d o s de p r o -
dução, q u e reduziam os custos e m prejuízo da solidez o u da aparência; o m e l h o r
e x e m p l o é o uso d o carvão e m vez da madeira na fabricação de vidro o u na i n -
dústria da cerveja. 1 8 Essa p r o n t i d ã o e m a b a n d o n a r os velhos m é t o d o s e m favor
dos novos, e m p ô r o lucro acima d o o r g u l h o artesanal o u até m e s m o de u m a
aparência de orgulho, implica u m a certa separação entre o p r o d u t o r e a p r o d u -
ção, u m a orientação voltada para o m e r c a d o , e m vez da f á b r i c a / E m certa m e d i -
da, ela refletiu a d o m i n a ç ã o inicial da indústria inglesa p o r interesses mercantilis-
t a e a r e d u ç ã o d o artesão à condição de m e r o e m p r e g a d o d o contratante. E n t r e -
tanto, isso n ã o basta para explicar o f e n ô m e n o ; na indústria lanífera, p o r e x e m -
plo, o c e n t r o de p r o d u ç ã o mais dinâmico situava-se e m Yorkshire, u m a fortale-
za dos p e q u e n o s fabricantes independentes de tecidos; e na metalurgia, na fabri-
cação de vidro, na cervejaria e na indústria química - as indústrias mais afetadas
Pela i n t r o d u ç ã o d o combustível mineral - , a organização da p r o d u ç ã o n ã o se r e -
lacionou ao sistema de p r o d u ç ã o domiciliar.
A o contrário, essa p r e o c u p a ç ã o c o m os custos deve ser vista c o m o parte de
u
m a racionalidade maior, resultante, e m certa medida, das circunstâncias m a t e -
riais - acima de t u d o , da m a i o r coesão do m e r c a d o inglês e da eficácia das pres-
sões competitivas - , mas t a m b é m c o m o u m a força ideológica própria, cujas f o n -
tes ainda estão p o r ser exploradas. C o m a possível exceção dos Países Baixos, e m
n e n h u m país d o século X V I I I a sociedade era tão sofisticada do p o n t o de vista
comercial. E m parte alguma era tão rápida a reação aos lucros e perdas; e m n e -
n h u m lugar as decisões empresariais refletiam tão p o u c o as considerações
não-racionais, ligadas ao prestígio e ao hábito. T e r e m o s o p o r t u n i d a d e de voltar
a examinar essa questão ao falarmos dos investimentos e da oferta de capital para
a
industrialização. N o m o m e n t o , m e u ú n i c o interesse é mostrar o r u m o seguido
Pelos p r o d u t o r e s diante das pressões de m e r c a d o e p o r q u e eles reagiram.
Talvez seja impossível afirmar q u e parcela d o a u m e n t o da d e m a n d a e da
tendência para a p r o d u ç ã o maciça de artigos mais baratos foi atribuída à e x p a n -
Sao d o
m e r c a d o i n t e r n o , c o m p a r a d o ao m e r c a d o externo. D i s p o m o s apenas de
56 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

estimativas globais aproximadas da p r o p o r ç ã o entre as vendas domésticas e as ul-


tramarinas, e estas, p r e s u m i v e l m e n t e , abarcam tudo, inclusive os p r o d u t o s agrí-
colas. Mas o q u e nos interessa aqui é a d e m a n d a de p r o d u t o s manufaturados e
apenas de alguns deles. P o d e m o s tentar fazer esse tipo de c o m p a r a ç ã o e m rela-
ção à indústria lanígera: n o final do século X V I I , as exportações inglesas de teci-
dos de lã respondiam, possivelmente, p o r mais de 30% da p r o d u ç ã o industrial
local; e m 1740, essa p r o p o r ç ã o parece ter a u m e n t a d o , talvez para mais da m e t a -
de, e e m 1 7 7 1 - 2 correspondia a p o u c o m e n o s da m e t a d e . 1 9 Nesse i m p o r t a n t e
ramo, p o r t a n t o , o principal impulso parece ter v i n d o d o c o m é r c i o exterior, e
Yorkshire, a área exportadora mais ativa da indústria, era t a m b é m o c e n t r o fabril
q u e crescia c o m mais rapidez. A r g u m e n t a - s e que a i n d u ç ã o de u m avanço tec-
n o l ó g i c o desse p o r t e requereria u m m e r c a d o m í n i m o grande demais para base-
ar-se e m u m país isolado, de m o d o q u e o e m p u r r ã o decisivo dependeria t a m -
b é m d o acesso a u m a fatia significativa de u m m e r c a d o m u n d i a l e m expansão.
U m a c o m b i n a ç ã o singular de circunstâncias e c o n ô m i c a s e políticas é q u e teria
p e r m i t i d o à Inglaterra conquistar para si, n o século X V I I I , u m a parcela tão gran-
de d o c o m é r c i o de p r o d u t o s m a n u f a t u r a d o s a p o n t o de explicar o salto
b e m - s u c e d i d o para o m o d o de p r o d u ç ã o " d i f e r e n c i a d o " . 2 0
/ M a s a resposta n ã o é tão simples. As cifras q u e dispomos e m relação às e x -
portações inglesas (sobretudo de p r o d u t o s manufaturados) m o s t r a m u m a clara
^ ^ Y estabilização n o terceiro quartel d o século. O v o l u m e de carregamentos de lã
^ >V caiu a partir d o fim da década de 1750; os p r o d u t o s de algodão oscilaram n o fim
V -da década de 1760 e na de 1770; a queda n o tocante ao ferro e ao aço o c o r r e u n o

V.
y '' fim da década de 1760 mas foi acentuada e persistiu até a década de 1790. 2 1
D a v i d Eversley m o s t r o u - s e contrário à aceitação simplista das exportações
^ c o m o o principal setor da e c o n o m i a e m processo de revolução: observando o
\/tV^ peso e a relativa estabilidade da d e m a n d a interna, ele afirma q u e só a existência
v i desse tipo de m e r c a d o confiável justificou e permitiu a acumulação de capital na
J y indústria. 2 2 P o r o u t r o lado ( c o m o e m muitas questões históricas, é lícito discutir
os prós e os contras), essa variabilidade das exportações constituiu, sem dúvida,
u m estímulo à m u d a n ç a e ao crescimento industriais. N ã o se trata apenas de q u e
o a u m e n t o marginal das vendas muitas vezes traduz a diferença e n t r e lucros e
perdas; o c o r r e q u e os surtos de d e m a n d a ultramarina i m p u s e r a m cargas abruptas
e rígidas ao sistema p r o d u t i v o , i m p i n g i r a m u m a situação de custos r a p i d a m e n t e

crescentes às empresas e ampliaram o incentivo à transformação tecnológica. A
c" - ^ partir d o fim d o século X V I I I , os fluxos de i n v e s t i m e n t o p a r e c e r a m suceder-se
, . v ' aos a u m e n t o s das vendas n o e x t e r i o r . 2 !
A
r
D e qualquer m o d o , essa demanda crescente continha as sementes da dificul-
dade. T o d a forma de organização industrial traz e m seu âmago oportunidades de
A Revolução Industrial na Inglaterra 57
ELSEVIER

conflito entre empregador e empregado. Estas são particularmente graves n o sis-


tema de p r o d u ç ã o domiciliar, p o r q u e f o r n e c e m tanto as anuas quanto as causas da
hostilidade: o trabalhador d e t é m a custódia da matéria-prima do empregador e a
transforma, trabalhando para isso e m u m horário a seu critério, e m sua própria
casa, livre de supervisão. O único recurso do negociante é o controle limitado so-
bre a renda dos empregados: se lhes pagar u m valor suficientemente baixo, eles se-
rão forçados a trabalhar, p o r m e d o da fome; e, se da remuneração lhes deduzir
qualquer desvio dos padrões de qualidade, eles serão obrigados a manter u m nível
m í n i m o de d e s e m p e n h o . Sem dúvida, o exercício dessas restrições deriva do esta-
belecimento de algum tipo de vínculo m o n o p s ô n i c o entre o empregador e o tra-
balhador; caso contrário, o empregador terá de aceitar o preço da m ã o - d e - o b r a
vigente n o mercado. Parece incontestável o fato de, muitas vezes, haver efetiva-
m e n t e existido esse vínculo - e m razão d o m o n o p s ô n i o real e m algumas áreas, de
laços pessoais, ou d o endividamento - e de ele ter levado a abusos. 2 4 Existem ele-
mentos folclóricos significativos construídos e m t o r n o da figura d o ganancioso
negociante de tecidos e de seu criado ainda mais avarento, J i m m y Squeezum.
P o r sua vez, t a m b é m é evidente q u e esses controles eram, na m e l h o r das h i -
póteses, irregulares e de efeito limitado; q u e o trabalhador c e d o a p r e n d e u a
c o m p l e m e n t a r sua renda p o r m e i o do desvio, para uso pessoal o u para revenda,
de parte da matéria-prima fornecida pelo negociante. Essa apropriação indébita
costumava ser efetuada e m d e t r i m e n t o do p r o d u t o final: o fio era e n g o m a d o
para atingir u m peso falso; o tecido era esticado até e além do p o n t o de transpa-
rência. T a m p o u c o havia qualquer s e n t i m e n t o de c o m p u n ç ã o moral p o r essa
subtração, encarada c o m o u m a prerrogativa n o r m a l do oficio e mais d o q u e j u s -
tificada pela exploração dos negociantes.
O controle d o e m p r e g a d o r sobre a m ã o - d e - o b r a atingia sua força m á x i m a
n o m e r c a d o e m depressão. Nessas ocasiões, a ameaça de d e s e m p r e g o pairava p e -
sadamente sobre os trabalhadores domiciliares e, d o p o n t o de vista do n e g o c i a n -
te, u m a das maiores vantagens d o sistema de p r o d u ç ã o domiciliar era a facilidade
de dispensar os empregados, pois os custos indiretos eram mínimos. (Mais tarde,
q u a n d o a alternativa da p r o d u ç ã o concentrada nas fabricas t o r n o u - s e acessível,
muitos empresários, especialmente nos países d o continente, retardaram a m u -
dança e m v i r t u d e da flexibilidade dos arranjos anteriores.) N o século X V I I I , n o
entanto, os contratantes ingleses da p r o d u ç ã o domiciliar depararam-se c o m u m
C e r c a d o tradicional e m expansão, q u e m i n o u a disciplina industrial e agravou
° s conflitos e n d ê m i c o s ao sistema. A predileção dos trabalhadores pela apropria-
ção indébita, acentuada na depressão pelo desejo de c o m p e n s a r perdas maiores e
a
falta de trabalho, n ã o diminuía na prosperidade; ao contrário, a r e c o m p e n s a
pelo f u r t o era maior.
58 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

f / h l é m disso, e m b o r a o sistema fosse flexível de cima para baixo, era difícil


a u m e n t a r a p r o d u ç ã o . Até certo p o n t o , a indústria rural expandiu-se facilmente
c o m a abertura de novas áreas, m u d a n d o - s e das imediações das cidades m a n u f a -
tureiras para os vales vizinhos e para as regiões montanhosas m e n o s acessíveis,
d i f u n d i n d o - s e c o m o u m líquido à procura de seu nível - n o caso, o mais baixo
nível salarial possível. Foi assim q u e a indústria lanígera e n c h e u as várzeas de
Wiltshire e Somerset e floresceu ao l o n g o de todos os charcos galeses n o fim d o
século X V I ; n o c o n t i n e n t e , as crescentes fabriques de lã de Verviers e M o n s c h a u
iam buscar seus tecelões na província de Limburg, e m m e a d o s do século X V I I I ,
e n q u a n t o a fabricação de algodão da N o r m a n d i a , depois de se espalhar pela r e -
gião de Calvados, c o m e ç o u a instalar-se na Picardia.
/ M a s , na Inglaterra do século XVIII, as possibilidades de expansão geográfica es-
tavam praticamente esgotadas. As áreas mais acessíveis tinham sido exploradas e
atraídas para o sistema. O s tecelões de estame de West R i d i n g compravam fio nas
.^várzeas d o N o r t e e e m regiões tão distantes quanto a Inglaterra oriental. E m Lancas-
hire, e m meados do século, os tecelões andavam milhas para obter os fios de trama
que manteriam seus teares ocupados pelo resto do dia, e subornavam as fiandeiras
c o m fitas e outras futilidades. Grande parte dessa dificuldade devia-se à diferença dos
requisitos de mão-de-obra para a fiação e a tecelagem: eram necessárias pelo menos
cinco rodas para suprir u m tear, uma proporção c o m u m e n t e discrepante e m relação
à composição da população. Enquanto a questão era apenas de encontrar fiandeiras
rurais - cujos maridos trabalhavam nos campos - para fornecer o fio aos tecelões u r -
banos, não havia problema. Mas, depois que a tecelagem disseminou-se para o inte-
rior e os h o m e n s abandonaram o cultivo da terra e m prol da indústria, o desequilí-
brio estava fadado a se transformar e m u m obstáculo à expansão. Há indícios de que
algumas fiandeiras haviam começado a se especializar e m tipos específicos de fio e m
meados d o século XVIII, de que havia surgido uma divisão de trabalho, ao menos
e m algumas partes de Lancashire, e m resposta à pressão da demanda. Porém, isso di-
ficilmente seria o bastante, dada a situação da tecnologia, e o preço d o fio subiu
drasticamente entre o fim do século XVII e meados do século X V I I I /
Essencialmente, o a u m e n t o deveu-se à dispersão cada vez m a i o r da força de
trabalho, pois os salários nominais da fiação p o u c o se modificaram. Primeiro, o
custo d o transporte era elevado; ainda mais grave e m u m m u n d o de c o m u n i c a -
ções precárias, o p r e ç o da m o v i m e n t a ç ã o dos p r o d u t o s n ã o era u m a simples f u n -
ção da distância; os custos a u m e n t a v a m muitíssimo todas as vezes q u e era p r e c i -
so cruzar u m a barreira natural o u cobrir lacunas na rede de estradas e de vias flu-
viais. Mais c e d o o u mais tarde, p o r t a n t o , o fabricante e m expansão via-se e n r e -
d a d o n u m a trama e n o r m e de custos e obrigado a buscar u m a p r o d u ç ã o m a i o r
d e n t r o de sua própria área de atuação. 2 5
A Revolução Industrial na Inglaterra 59
ELSEVIER

Á l o n g o prazo, é claro, ele podia esperar que a imigração e o a u m e n t o n a t u -


ral da população ampliassem sua m ã o - d e - o b r a . Havia u m a m o v i m e n t a ç ã o c o n -
V- siderável da população, apesar das restrições devidas às leis de p o v o a m e n t o ; Lan-

Vv cashire, e m particular, era u m a espécie de fronteira interna, atraindo milhares de


pessoas dos condados adjacentes, b e m c o m o da Irlanda e da Escócia, m u i t o antes
y > do s u r g i m e n t o da maquinaria e das fabricas. A o f o r n e c e r n o v o s recursos, a ativi-
dade industrial possibilitava u m a ampla divisão da terra, incentivava os casamen-
t o s p r e m a t u r o s e dava o r i g e m a densidades populacionais que, de o u t r o m o d o ,
teriam sido inconcebíveis. O professor H a b a k k u k e outros c h a m a r a m a atenção
para a atração da indústria pelas áreas super povoadas; 2 6 mas, nesse aspecto,
c o m o tantas vezes sucede na história, o processo era de r e f o r ç o recíproco: a i n -
dústria rural f r e q ü e n t e m e n t e lançava as bases d o que, p o r fim, convertia-se
n u m a superpopulação. 2 7 ^
^Entretanto, a migração e o a u m e n t o natural são paliativos de ação lenta. A
curto prazo, o fabricante que quisesse a u m e n t a r a p r o d u ç ã o tinha de extrair mais
trabalho da m ã o - d e - o b r a j á contratada. Nesse p o n t o , c o n t u d o , ele tornava a es-
b a r r a r nas contradições internas d o sistema. N ã o dispunha de n e n h u m m e i o para
obrigar seus empregados a prestarem u m d e t e r m i n a d o n ú m e r o de horas de tra-
balho; o tecelão o u artesão doméstico era s e n h o r de seu t e m p o , c o m e ç a n d o e
parando q u a n d o desejava, fembora o e m p r e g a d o r pudesse elevar o salário p o r
unidade produzida, para estimular a diligência, era c o m u m ele constatar que
isso, na verdade, reduzia a p r o d u ç ã o . O trabalhador, que tinha uma c o n c e p ç ã o
bastante rígida d o que considerava ser u m padrão de vida decente, a partir de u m
certo p o n t o preferia o lazer à renda; q u a n t o mais alta sua r e m u n e r a ç ã o , m e n o s
precisava trabalhar para atingir esse p o n t o / N a s épocas de abastança, o c a m p o n ê s
0 vr" vivia o dia-a-dia; n ã o pensava n o f u t u r o ; gastava boa parte de seus parcos troca-
v dos na estalagem o u na cervejaria local; farreava n o sábado de p a g a m e n t o , n o
d o m i n g o de descanso e t a m b é m na "sagrada segunda-feira"; arrastava-se relu-
v,> / t a n t e m e n t e de volta ao trabalho na terça, animava-se c o m a tarefa na quarta e
1
A trabalhava f u r i o s a m e n t e na quinta e na sexta, para acabar a t e m p o de o u t r o f i m
: de semana p r o l o n g a d o . 2 /
P o r t a n t o , justamente nas ocasiões em que as oportunidades de lucro eram maio-
r ° fabricante via-se frustrado p o r essa inversão das leis do c o m p o r t a m e n t o e c o -
/\y nômico
>v
sensato:
"*"* "' ••"•li
a oferta
'••—«
de mão-de-obra caía à medida
'" 1
que o preço se elevava. A

\
V ^ ü c a inversa t a m p o u c o era mais eficaz. O s cortes diretos nos salários não eram viá-
Jf veis, diante da demanda crescente, visto que havia u m limite para o controle do
em
p r e g a d o r sobre seus empregados. Mais comuns eram os aumentos sub-reptícios
/ 5 ^ Í ^ f i a _ d o t r a b a l h a d o r : ele recebia urdiduras mais longas ou menos crédito pelas
££rdas; ou então, os m é t o d o s de mensuração e pesagem eram alterados e m favor
60 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

d o empregador. N o entanto, esse tipo de ardil trazia e m si suas próprias punições. O s


y empregados ressentidos eram incitados a furtar ainda mais, e os atritos inerentes ao
sistema eram correspondentemente a g r a v a d o s ^ ) século XVIII assistiu a u m esforço
persistente de sustar o furto de matérias-primas por meio da transformação da apro-
priação indébita e m u m delito criminal, da concessão de direitos especiais de busca e
apreensão aos empregadores e agentes da lei, da imposição d o ônus da prova a qual-
quer pessoa que detivesse matérias-primas cuja posse não pudesse explicar, e do au-
m e n t o reiterado das penalidades pela violação. Essas últimas incluíam a punição
corporal, uma vez que as multas não surtiam efeito sobre fiandeiros e tecelões sem
u m tostão. A própria reiteração dessas leis é a melhor prova de sua ineficácia; n o úl-
timo quarto do século XVIII, o mercado paralelo da lã e do fio transformara-se e m
u m negócio organizado, e afirmava-se que muitos fabricantes de algodão haviam
iniciado sua carreira comprando matéria-prima dessa fonte. 2 ''' D o m e s m o m o d o , as
leis que obrigavam os trabalhadores a concluir prontamente suas tarefas e a cumprir
suas obrigações para c o m u m empregador, antes de aceitar o contrato de outro -
u m problema que aparentemente aumentou c o m a demanda de mão-de-obra -
significavam apenas u m reconhecimento dessa dificuldade e uma manifestação de
intenções. A disciplina do sistema industrial desmoronava-se.
//a m u d a n ç a de atitude p e r a n t e os trabalhadores p o b r e s n o fim d o século
X V I I e início d o X V I I I refletiu, e m parte, a frustração e a irritação dos e m p r e -
gadores. E m épocas anteriores, a p o b r e z a fora encarada c o m o u m mal i a e v i t á - .
vel, e os p o b r e s , considerados c o m o o b j e t o de p i e d a d e e responsabilidade para
»°seus vizinhos. Agora, ela passou a ser vista c o m o u m p e c a d o , e os pobres, víti-
j-^r mas de sua p r ó p r i a i n i q ü i d a d e . Nesse aspecto, D e f o e é apenas o p o r t a - v o z mais
v claro e eficiente, q u e p u n i a o t r a b a l h a d o r pela i n d o l ê n c i a e o desperdício de
seu t e m p o n o ó c i o e e m diversões vulgares, e p e l o vício q u e o levava a dissipar
seus escassos recursos n o álcool e na devassidão/yEssa i n d i g n a ç ã o virtuosa p a r e ^
ce ter se a t e n u a d o a partir de m e a d o s d o século; ao m e n o s , aqueles q u e e s c r e -
v i a m sobre questões e c o n ô m i c a s c o m e ç a v a m a a r g u m e n t a r q u e os t r a b a l h a d o -
res n ã o e r a m uns preguiçosos incorrigíveis e, na v e r d a d e , reagiam positiva-
} m e n t e a m e l h o r e s s a l á r i o s ^ t o a t s sugeriu q u e essa m u d a n ç a d e v e u - s e e m g r a n -
V*" de parte à i n t r o d u ç ã o da m a q u i n a r i a e à promessa de u m a solução definitiva
V 30
- ^ para o p r o b l e m a . Talvez; e n q u a n t o isso, os n e g o c i a n t e s c o n t i n u a v a m céticos
p-e. e m lugares c o m o M a n c h e s t e r , ainda dizia-se às pessoas, e m 1769, q u e o
c > ^ " m e l h o r a m i g o " de u m fabricante e r a m estoques elevados. 3 1 _É c o m p r e e n s í v e l _
j- ^ q u e a visão dos empregadores se voltasse para oficinas e m q u e os h o m e n s se r e u - _
n i a m para trabalhar sob a vigilância de capatazes atentos, e para m á q u i n a s que__
s o l u c i o n a s s e m a escassez de m ã o - d e - o b r a e, ao m e s m o t e m p o , cerceassem a
V / insolência e a d e s o n e s t i d a d e h u m a n a s /
.sr ^ — • •
«V
0 V
\
„ A Revolução Industrial na Inglaterra 61
ELSEVIER

o e n t a n t o , se essa necessidade crescente de u m a m u d a n ç a n o m o d o de

7
v p r o d u ç ã o esclarece o aspecto de d e m a n d a p o r i n o v a ç õ e s tecnológicas, ela n ã o
basta para explicar o aspecto da oferta, o u seja, as c o n d i ç õ e s q u e possibilitaram
J . c o n c e p ç ã o de n o v o s m é t o d o s e sua a d o ç ã o pela indústria. U m fato, c o n t u d o ,
é e v i d e n t e : se a G r ã - B r e t a n h a era o país q u e sentia mais p r o f u n d a m e n t e a i n a -
^ d e q u a ç ã o d o sistema e m vigor, ela n ã o era o ú n i c o . O s grandes c e n t r o s c o n t i -
(P nentais t a m b é m sofriam c o m a escassez de m ã o - d e - o b r a e c o m os abusos da i n -
dústria d o m i c i l i a r . C o m o j á m e n c i o n a d o , os tecelões e os industriais c o m e r -
ciantes da N o r m a n d i a , Verviers, R e n â n i a e Saxônia e r a m o b r i g a d o s a p r o c u r a r
o fio
para tecelagem e m lugares cada vez mais distantes, muitas vezes e n f r e n -
t a n d o , nos países p r o d u t o r e s , leis q u e p r o i b i a m sua e x p o r t a ç ã o para os c o n c o r -
rentes. T a m p o u c o foi essa a p r i m e i r a vez na história e m q u e a d e m a n d a p r e s -
sionou i n t e n s a m e n t e a capacidade de fabricação artesanal e domiciliar: na Itália
e na Flandres medievais, dificuldades análogas h a v i a m surgido, sem p r o v o c a r
u m a r e v o l u ç ã o industrial.
^ O p r o b l e m a p o d e ser analisado sob dois aspectos: as condições q u e regeram
i n v e n ç ã o dos mecanismos p o u p a d o r e s de m ã o - d e - o b r a e as q u e d e t e r m i n a r a m
.y" a a d b ç ã o desses mecanismos e sua difusão na indústria.
- / c m relação ao p r i m e i r o e n f o q u e , parece claro, e m b o r a difícil de d e m o n s -
trá-lo, q u e existia na Inglaterra d o século X V I I I u m nível de qualificação técnica
mais elevado e u m interesse m a i o r pelas máquinas e " e n g e n h o c a s " d o q u e e m
qualquer o u t r o país da E u r o p a ^ I s s o n ã o d e v e ser c o n f u n d i d o c o m o c o n h e c i -
m e n t o científico; apesar de alguns esforços para relacionar a R e v o l u ç ã o I n d u s -
trial à revolução científica dos séculos X V I e X V I I , esse elo parece ter sido e x -
t r e m a m e n t e difuso: ambas refletiram u m interesse m a i o r pelos f e n ô m e n o s n a t u -
rais e materiais e u m a aplicação mais sistemática da investigação empíricaJtMa
verdade, o a u m e n t o dos c o n h e c i m e n t o s científicos d e c o r r e u e m grande parte
das p r e o c u p a ç õ e s e conquistas da tecnologia; h o u v e u m fluxo m u i t o m e n o r de
idéias o u m é t o d o s n o sentido inverso e isso persistiria n o século X I X . 3 2 ' '
/ T u d o isso torna ainda mais misteriosa a questão da aptidão mecânica inglesa.
^ d e p o i m e n t o dos observadores c o n t e m p o r â n e o s a esse respeito é a m b í g u o : al-
t^f guns consideravam os ingleses criativos, além de artesãos s u m a m e n t e talentosos;
°Utros os
encaravam c o m o simples imitadores inteligentes; n ã o há indícios, a n -
tes das grandes inovações d o século X V I I I , de qualquer reservatório e x c e p c i o -
nal de talentos nessa esfera. S e m dúvida, havia os construtores de m o i n h o s , os
J ^ ° j o e i r o s , os marceneiros e outros artesãos cuja experiência de c o n s t r u ç ã o e
. engenhosidade os capacitava a serem os mecânicos de u m a n o v a era. Mas a
_Inglaterra n ã o era o ú n i c o país d o t a d o de tais artesãos, e apesar disso e m n e n h u m
outro l u g a r e n c o n t r a m o s essa safra de invenções//
21 P R O M E T E U DESACORRENTADO ELSEVIER

//Apesar de n ã o haver provas positivas de u m nível superior de aptidão t é c n i -


ca na Inglaterra, existe u m forte a r g u m e n t o indireto a favor dessa premissa: m e s -
m o depois da i n t r o d u ç ã o das máquinas têxteis (e t a m b é m das novas técnicas m e -
yy talúrgicas e químicas), os países d o c o n t i n e n t e não se mostraram preparados para
y y imitá-las. E n t r e as primeiras cópias, as mais eficientes foram, quase todas, obra
^' de mecânicos ingleses emigrantes, e passaram-se décadas antes q u e o resto da
„ E u r o p a se libertasse da dependência e m relação às aptidões britânicas. E esse
f l o n g o aprendizado t a m p o u c o p r o l o n g o u - s e e m virtude de u m desejo de e m p r e -
gar trabalhadores mais produtivos. O s artesãos ingleses q u e iam para o c o n t i n e n -
\r
te e r a m caros, saudosos de sua terra natal e insubordinados. Seus e m p r e g a d o r e s
mal p o d i a m esperar para livrarem-se deles.
y À razão pela qual os ingleses desenvolveram essas habilidades mais c e d o e
^*mais depressa é outra questão. Acaso terá sido p o r q u e os controles corporativos
' ^ u da p r o d u ç ã o e d o aprendizado estavam praticamente desarticulados n o f i m d o
século X V I I , ao passo q u e a influência contínua da organização das guildas e a
v
js / supervisão ativa dos governos mercantilistas d o c o n t i n e n t e t e n d i a m a congelar
X Vas técnicas e m u m m o l d e e a bloquear a imaginação? 3 ^Será a Encyclopédie, c o m
. suas descrições minuciosas da f o n n a correta de realizar tarefas, u m símbolo dessa
i' rigidezP^Du terá sido p e l o fato de os caminhos da ascensão social serem d i f e r e n -
tes, na Inglaterra, d o que eram nas monarquias aristocráticas d o c o n t i n e n t e , q u e
v- o talento m o s t r o u - s e ali mais p r o n t o para entrar nos negócios, nos p r o j e t o s e na
i n v e n ç ã o do que nas sociedades mais tradicionais?Á maioria dos inventores das
V f primeiras máquinas têxteis originava-se da classe média. J o h n Kay era filho de
u m " p e q u e n o proprietário abastado"; Lewis Paul, filho de u m m é d i c o . O s a n t e -
cedentes de J o h n W y a t t são vagos, mas ele f r e q ü e n t o u o ensino f u n d a m e n t a l e é
presumível q u e tenha v i n d o d o tipo de família q u e considerava desejável a esco-
larização. O pai de Samuel C r o m p t o n era u m fazendeiro q u e produzia tecidos
c o m o o c u p a ç ã o secundária e que, a p a r e n t e m e n t e , tinha u m a situação c o n f o r t á -
vel. E d m u n d C a r t w r i g h t era filho de u m cavalheiro e d i p l o m a d o e m O x f o r d .
N ã o era d e s a b o n a d o r , n o século X V I I I , os filhos de boas famílias serem a p r e n d i -
zes de tecelões o u marceneiros. 3 4 O trabalho e a destreza manuais n ã o e r a m es-
c tigmas d o peuple, e m contraste c o m a bourgeoisiejj
/ s u r g e outra consideração. Será que não apenas a atmosfera inglesa era mais fa-
H o r á v e l à m u d a n ç a , mas t a m b é m a experiência singular e m algumas áreas p r o p o r -
^ / cionava facilidades especiais de treinamento? Q u a l foi, p o r exemplo, o papel da
máquina de N e w c o m e n na conformação da metalurgia e da fabricação de m á q u i -
y / n a s na Inglaterra? O u será q u e a explicação resida apenas n o fato de que o país p r e -
rJ" r / cisasse mais de inovações (uma questão de prioridades, é claro, mas essas questões
são, e m geral, decisivas): havia necessidade de equipamentos mais e c o n ô m i c o s
A Revolução Industrial na I n g l a t e r r a 22
ELSEVIER

para a indústria têxtil, cujos produtos tendiam a u m a p r o d u ç ã o de massa; de m á -


q u i n a s de b o m b e a m e n t o eficazes para as minas; e de encontrar formas de utiliza-
ção de combustível mineral e m u m país mais ávido p o r ferro n o m u n d o . /
pesquisas recentes e importantes de A. E. Musson e Eric R o b i n s o n des-
<° c r e v e m u m cenário impressionante da vitalidade c o m q u e Lancashire mobilizou
A /
1
e aperfeiçoou as aptidões tecnológicas na segunda m e t a d e d o século X V I I I , ao
V v *mPortar artes
ã ° s de Londres e da Escócia e capitalizando suas fortes tradições de
\ , y . trabalho especializado para transformar marceneiros e m construtores de m o i -
^ \ J ' nhos, ferreiros e m fundidores, relojoeiros e m operadores de máquinas de f u n d i -
. x< A ção de moldes e gravadores. 3 5 Ainda mais s u r p r e e n d e n t e era o c o n h e c i m e n t o
. W teórico q u e esses h o m e n s possuíam. N ã o eram, c o m o u m t o d o , os funileiros ile-
j>
trados da mitologia histórica. M e s m o o c o n s t r u t o r de m o i n h o s c o m u m , c o m o
Fairbairn assinala, era c o m freqüência " b o m m a t e m á t i c o , sabia algo de g e o m e -
tria, n i v e l a m e n t o e mensuração e, e m alguns casos, tinha u m c o n h e c i m e n t o
b e m capacitado de matemática prática. Sabia calcular a velocidade, força e p o -
tência das máquinas: podia operacionalizá-las n o plano e seção.... 3 6 M u i t o s des-
ses " g a n h o s intelectuais mais elevados" refletiam as facilidades abundantes de
educação técnica nos " p o v o a d o s " c o m o M a n c h e s t e r nesse p e r í o d o , e s t e n d e n -
do
-se de dissidentes acadêmicos e sociedades cultas a palestrantes locais ou visi-
tantes, escolas privadas d e "matemática e c o m é r c i o " , q u e ministravam aulas n o -
turnas, e u m a ampla circulação de manuais, periódicos e enciclopédias.^
/ Q u a i s q u e r q u e t e n h a m sido as razões para a precocidade da G r ã - B r e t a n h a
nesse d o m í n i o , os resultados e r a m claros; e igualmente clara a relativa facilidade
c o m q u e os inventores o b t i n h a m f i n a n c i a m e n t o para seus projetos e a rapidez
c
o m a qual seus p r o d u t o s e r a m incorporados pela c o m u n i d a d e manufatureira -
a b e m dizer, e m demasia, p o r q u e m u i t o s dos inventores iniciais mssavam mais
t e m p o r e c l a m a n d o o direito de suas patentes d o q u e o b t e n d o - o . 3 f A l g u n s se b e -
neficiaram dessa rápida difusão de mudanças e m virtude da m a i o r a c u m u l a ç ã o
de capital na G r ã - B r e t a n h a d o q u e e m qualquer o u t r o lugar na E u r o p a , c o m e x -
Ce
ç ã o da H o l a n d a (que foi suficientemente generosa para enviar alguns de seus
recursos excedentes para a Inglaterra, e m vez de investi-los e m sua própria i n -
dústria). Esses autores a r g u m e n t a m q u e a m a i o r oferta de capital refletiu-se e m
taxas de j u r o s mais baixas, q u e t e n d e r a m a decrescer ao l o n g o d o século X V I I I , e
que isso, p o r sua vez, t o r n o u a m u d a n ç a m u i t o m e n o s dispendiosa e, pari passu,
m u i t o mais lucrativa e atraente. 3 8
O a r g u m e n t o é persuasivo, mas os fatos históricos inclinam-se a m o d i f i c á - l o
e m
diversos p o n t o s e a d i m i n u i r sua importância e m outros. P o r u m lado, é i m -
provável q u e diferenças da o r d e m de dois, três o u até seis p o n t o s percentuais na
taxa de j u r o s fossem u m a consideração decisiva, q u a n d o a v a n t a g e m mecânica
23 P R O M E T E U DESACORRENTADO ELSEVIER

da inovação era tão grande c o m o foi e m relação às primeiras máquinas têxteis. É


compreensível q u e a escolha d o m o m e n t o de construir canais e estradas, o u p r o -
jetos i g u a l m e n t e dispendiosos e de gestação lenta, fosse afetada pelas alterações
da taxa de j u r o s , e m parte p o r q u e a própria possibilidade de f i n a n c i a m e n t o d e -
pendia, muitas vezes, de u m m e r c a d o financeiro favorável./ Para o empresário
têxtil e m potencial, o p r o b l e m a não era saber se seus lucros cobririam 6% ou
^ ( 12% sobre o capital t o m a d o de empréstimo, mas se ele conseguiria o u n ã o le-
/ vantar algum capital.
X ^ /

^ P '/Nesse aspecto, o fabricante de algodão d o século X V I I I foi favorecido pela


^ própria n o v i d a d e da R e v o l u ç ã o Industrial. P o r mais complicadas q u e fossem
V / para os c o n t e m p o r â n e o s , as primeiras máquinas eram, ainda assim, engenhocas
/ ^ rudimentares de madeira, q u e p o d i a m ser construídas c o m u m custo baixíssimo.
cs' v
j, U m a m á q u i n a de fiar c o m 40 fusos talvez custasse £ 6 e m 1792; as cardas a b r i d o -
ras e batedoras custavam £ 1 p o r polegada de largura d o rolo; u m a maçaroqueira
c o m 30 fusos custava ^ f l O J O s . 3 9 E e r a m máquinas novas. E q u i p a m e n t o s s e m e -
lhantes e r a m f r e q ü e n t e m e n t e anunciados, já usados, p o r preços b e m inferiores.
O s únicos itens realmente dispendiosos da inversão e m capital fixo n e s s ê p e r í o -
do e r a m os prédios e a energia, mas, c o m respeito a isso, o historiador deve l e m -
brar-se de q u e as grandes fábricas de vários pavimentos, q u e assombravam os
c o n t e m p o r â n e o s , constituíam u m a exceçãq. A maioria das chamadas fábricas
eram apenas oficinas melhoradas: u m a dúzia de operários o u m e n o s , u m a ou
duas fiandeiras manuais, talvez, o u fiandeiras automáticas; e u m a carda para pre-
parar as mechas. Esses aparelhos primitivos e r a m acionados pela força dos h o -
m e n s e m u l h e r e s q u e os operavam. 4 0 Sótãos e casas e r a m readaptados para esse
fim; mais tarde, podia-se acrescentar u m a m á q u i n a a vapor a esse tipo de estru-
tura improvisada. A l é m disso, havia instalações de aluguel - e aí t e m o s o u t r o
e x e m p l o da receptividade d o capital inglês às o p o r t u n i d a d e s e c o n ô m i c a s / N ã o
, só se o f e r e c i a m prédios completos a inquilinos e m potencial, c o m o t a m b é m o f i -
y S > cinas maiores e r a m subdivididas e alugadas e m p e q u e n a s unidades. Assim, u m
V y, industrial p o d i a c o m e ç a r c o m u m desembolso m í n i m o de capital - alugando sua
J .ytF fabrica, t o m a n d o e m p r é s t i m o s para a aquisição de e q u i p a m e n t o s e m a t é -
n a - p r i m a , e até l e v a n t a n d o recursos para o p a g a m e n t o dos salários, c o m a venda
antecipada d o p r o d u t o acabado. Alguns, sem dúvida, c o m e ç a r a m sem nada além
d o capital a c u m u l a d o na p e q u e n a comercialização local de fios e tecidos; outros,
c o m o assinalado antes, p a r e c e m ter construído suas fortunas n o m e r c a d o parale-
lo de m a t é r i a - p r i m a furtada Jj
^ Vor o u t r o lado, u m b o m n ú m e r o dos primeiros proprietários de tecelagens
** V v - e r a m h o m e n s de posses - comerciantes cuja experiência na venda de p r o d u t o s
1 acabados os havia alertado
V V ' Para as
possibilidades da p r o d u ç ã o mecanizada e m

r
V»\í»
ELSEVIER
A Revolução Industrial na Inglaterra
©
larga escala, contratantes de trabalho domiciliar q u e tiveram u m a experiência
direta na indústria, e até p e q u e n o s p r o d u t o r e s i n d e p e n d e n t e s c o m u m a p o u p a n -
ça suficiente para modificar seus m é t o d o s e expandir seu negócio. Assim, dos
110 cotonificios f u n d a d o s nas Midlands n o p e r í o d o de 1769 a 1800, 62 f o r a m
fundados p o r negociantes de artigos de malha, tecidos e linhas, e fabricantes
provenientes de outros distritos ou de outros ramos da indústria têxtil. 4 1 Essa
a c u m u l a ç ã o prévia de riqueza e experiência foi u m fator f u n d a m e n t a l na rápida
adoção das inovações tecnológicas - c o m o a c o n t e c e u nas indústrias siderúrgica
e q u í m i c a / A g o r a fechamos o círculo: as invenções surgiram, e m parte, p o r q u e o
crescimento e a prosperidade da indústria tornaram-nas imperativos; e o cresci-
m e n t o e a prosperidade da indústria c o n t r i b u í r a m para possibilitar sua utilização
p r e c o c e e a m p l a m e n t e disseminada.
/ T o d a essa a r g u m e n t a ç ã o serve para enfatizar u m a premissa importante: n ã o
V^Y» o capital, p o r si só, q u e possibilitou o rápido progresso da Inglaterra. O di-
\v nheiro, sozinho, poderia não ter feito nada; na verdade, nesse aspecto, os e m -
^ presários d o c o n t i n e n t e , que muitas vezes p o d i a m contar c o m subsídios diretos
ou privilégios monopolistas advindos d o Estado, estavam e m m e l h o r situação
Çiue seus pares ingleses. O q u e distinguiu a indústria britânica, c o m o já m e n c i o -
namos várias vezes, foi u m a excepcional sensibilidade e receptividade às o p o r t u -
nidades pecuniárias. Tratava-se de u m p o v o fascinado pela riqueza e p e l o c o -
mércio, coletiva e i n d i v i d u a l m e n t e /
A razão dessa inclinação pessoal m e r e c e u m a pesquisa. C o m certeza, esse f e -
n ô m e n o estava estreitamente relacionado, c o m o causa e efeito, c o m a já assina-
lada abertura da sociedade; e esta, p o r sua vez, estava ligada à posição e ao caráter
^peculiares da aristocracia.
V 7 M Inglaterra n ã o tinha nobreza, n o sentido dos outros países europeus. H a -
via u m c o n j u n t o de pares, c o m p o s t o de u m p e q u e n o n ú m e r o de pessoas p o r t a -
doras de títulos de nobreza, cuja prerrogativa essencial e quase única era a possi-
bilidade de se sentar na Câmara dos Lordes. Seus filhos eram plebeus. Muitas v e -
zes, de fato, recebiam títulos de cortesia e m sinal de sua o r i g e m elevada, mas n ã o
diferiam, e m sua c o n d i ç ã o civil, dos outros ingleses. M e s m o os Pares d o R e i n o
tinham apenas os mais m o d e s t o s privilégios: o de serem julgados p o r nobres
c o m o eles e m processos criminais, p o r e x e m p l o , o u o direito de acesso direto ao
soberano. N ã o gozavam de imunidades fiscais.
Abaixo da nobreza situava-se a p e q u e n a aristocracia, o u a chamada fidalguia
rural - u m g r u p o a m o r f o , sem definição o u posição legal, q u e n ã o tinha e q u i v a -
entes n o c o n t i n e n t e . Seus limites e r a m indistintos e suas classes t i n h a m u m a
c
° n s t i t u i ç ã o frouxa e h e t e r o g ê n e a . Alguns p e q u e n o s aristocratas e r a m de ascen-
dência n o b r e ; outros haviam feito fortuna n o c o m é r c i o , nas profissões liberais
66 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

o u n o serviço público, e haviam adquirido terras tanto e m n o m e de seu prestí-


gio social q u a n t o n o de sua renda; outros eram herdeiros de antigas famílias r u -
rais; outros, ainda, e r a m fazendeiros o u oficiais da casa real q u e haviam e n r i q u e -
cido. Eles t i n h a m duas coisas e m c o m u m : a posse de terras e u m estilo de vida
q u e lembrava o s e n h o r d o f e u d o medieval. E r a m esses os notáveis locais - se-
nhores das herdades, juizes de paz, xerifes dos condados. J u n t a m e n t e c o m os Pa-
res, e r a m os verdadeiros governantes da Inglaterra provincial,
A nobreza e a aristocracia rural costumavam praticar a p r i m o g e n i t u r a : o fi-
l h o mais v e l h o herdava o título (quando pertinente) e as terras. Isso tinha duas
grandes conseqüências: aumentava o fardo e c o n ô m i c o d o chefe da família e
obrigava a maioria dos filhos a ganhar a vida, n o t o d o o u e m parte.
N ã o era u m a tarefa simples preservar e, se possível, ampliar a h e r d a d e fa-
miliar para transmissão ao herdeiro e, ao m e s m o t e m p o , o b t e r posições para os
filhos mais novos e dotes para as filhas. Daniel Finch, c o n d e de N o t t i n g h a m , d e -
ixou b e m claro esse p o n t o n u m a carta de 1695 a seus testamenteiros; ele era fa-
r vorável à legação rigorosa ao p r i m o g ê n i t o e escreveu:

não tanto pela vã pretensão de manter uma grande propriedade em minha f a m í ^


lia, mas porque, com isso, [meu filho] estará sujeito à necessidade de observar
uma economia saudável, a fim de que possa prover seus filhos mais novos. Por
conseguinte, não incorrerá no estilo de vida insensato ou extravagante que per-
verte e corrompe os costumes de muitas famílias, assim c o m o lhes arruinam as
fortunas... 4 2

Sem dúvida, a sociedade britânica havia assegurado carreiras para os filhos


mais novos das boas famílias: cargos remunerados n o governo, benefícios eclesiás-
ticos, comissões nas forças armadas; e u m n ú m e r o crescente de situações p o t e n -
cialmente lucrativas nas colônias (que só passaram a ter importância na segunda
metade d o século XVIII). Mas, p o r mais exorbitantes e ociosas que fossem muitas
dessas posições aos olhos dos reformistas contemporâneos, elas não eram suficien-
tes para atender à demanda, c o m o indica a competição pelo direito de n o m e a ç ã o
para cargos públicos, e tinham de ser partilhadas c o m outros grupos, c o m o a car-
reira de advogado e os interesses mercantis. As prebendas e cargos oficiais eram d i -
fíceis de obter, e era raro u m pai conseguir boas posições para mais de dois o u três
filhos/Citando de n o v o N o t t i n g h a m : " n e n h u m a propriedade é capaz de dotar tão
p l e n a m e n t e os filhos m e n o r e s a p o n t o de eles não terem, e m grande medida, de
ajudar a si m e s m o s " . O quarto e o quinto filhos da fidalguia rural, e até das famílias
nobres, precisavam fazer sua aprendizagem n o c o m é r c i o - não o c o m é r c i o lojista,
é evidente, mas o c o m é r c i o internacional, que era, ao m e s m o t e m p o , o orgulho
da e c o n o m i a inglesa e a fonte de novas casas. 43
ELSEVIER A R e v o l u ç ã o Industrial na Inglaterra 67
ELSEVIER

f. // R a r a m e n t e , q u a t r o o u cinco filhos varões sobreviviam até a idade adulta, e é


presumível q u e o fluxo de talento aristocrático q u e escoava para os negócios
/ fosse p e q u e n o . 4 4 C o m certeza, ele foi m e n o s i m p o r t a n t e n o século X V I I I d o
V n^/ que tinha sido e m períodos anteriores, e m parte, talvez, p o r q u e a Casa R e a l
v ^' t r o u x e de H a n n o v e r preconceitos alemães arraigados contra esse tipo de m o b i l i -
•.* dade e, ainda, p o r q u e a proliferação dos cargos oficiais e a extensão d o d o m í n i o
.o britânico estavam abrindo oportunidades alternativas q u e e r a m mais atraentes e
} acessíveis. 45 Mas o q u e importava n ã o era tanto a contribuição substantiva para a
, esfera empresarial, e sim o simbolismo do e x e m p l o , a sanção q u e essa participa-
^ t J - Ç a o legítima, p o r m e n o r q u e fosse, conferia ao c o m é r c i o , t o r n a n d o - o u m a ativi-
iP dade respeitável, e à racionalidade financeira c o m o u m estilo de vida.'
;!
«• ,j O chefe da família tinha de construir u m patrimônio e colocá-lo a serviço de
a
, si e de seus filhos. N e m todos os senhores de terras eram bem-sucedidos na dispu-
1
ta pela fortuna, o u sequer tentavam obtê-la, mas, q u a n d o se esmeravam, c o m p u - j
n h a m uma classe de "proprietários intrépidos" que eram u m consolo para o cora-
ção de progressistas c o m o Arthur Y o u n g , N o b r e s o u aristocratas, eles viviam e m
v suas propriedades rurais (e não na corte), percorriam suas terras e anotavam sua
y
v ^jv produção, buscavam benfeitorias que aumentassem a receita tradicional e c o n c e -
V** ^ biam novas maneiras de produzir renda. R a r a m e n t e encarregavam-se diretamen-
^ te do cultivo ou da operação - embora se possa citar exemplos contrários, c o m o
^ , T h o m a s Fitzmaurice, i n n ã o d o c o n d e de Shelburne, que, entre outras iniciativas,
alvejava e vendia os artigos de linho tecidos p o r seus arrendatários irlandeses. 46 / V
. (Mesmo q u a n d o tinham feito sua fortuna n o comércio e continuavam na firma,
e es
^ .y ^ inevitavelmente dedicavam m e n o s t e m p o aos interesses mercantis). E m vez „
6
disso, alugavam suas terras a arrendatários - camponeses, agricultores comerciais ^
° u empreiteiros industriais. Q u a n d o financiavam empreendimentos comerciais, ^ jf
faziam-no mais na condição de credores do que de sócios; o u então adquiriam
a
ÇÕes de sociedades anônimas e companhias fiduciárias. Seus interesses costuma- JTj
Vam
ser geridos p o r adininistradores, agentes e procuradores, o que os expunha ^ / v K ^ T
a
° s abusos de confiança. Isso era u m a razão ainda maior para supervisionarem de
Perto seus negócios, e muitos deles t o m a r a m decisões que trazem a marca de u m
es
pírito empresarial ativo. U m n ú m e r o p e q u e n o , mas significativo, escavou m i - ^
nas
' construiu usinas siderúrgicas, abriu canais, desenvolveu portos e arrendou
suas
propriedades urbanas para fins de construção. E, o que é mais importante, eles
Previam a demanda, faziam investimentos especulativos, anunciavam, se necessá-
n
° . à procura de locatários, e dispunham-se a administrar suas instalações p o r
mei de
° agentes o u sócios, caso não surgisse n e n h u m i n q u i l i n o / ^ V vv
^Eles t a m b é m d e m a r c a v a m a terra, c o n c e n t r a v a m as posses, traziam o u e n -
c c
° n t r a v a m arrendatários q u e introduzissem u m a m e l h o r rotação de culturas e

A
68 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

L
uJ tí S '

melhores técnicas de cultivo, e ajudavam a difundir novas idéias n o interior^ 1


y Este n ã o é o lugar para discutir a chamada " r e v o l u ç ã o agrícola" d o século
X V I I I , o u para avaliar os benefícios ou as injustiças q u e a a c o m p a n h a r a m . M e u
objetivo, aqui, é assinalar o caráter generalizado desse espírito de inovação e de
seus efeitos; e t a m b é m lembrar o fato c o n h e c i d o de q u e a sociedade inglesa e r -
guia relativamente poucas barreiras institucionais às m u d a n ç a s fundamentais
desse tipo. A m o n a r q u i a T u d o r p r e o c u p o u - s e c o m as demarcações territoriais; o
r e g i m e parlamentar d o século X V I I I foi m e n o s paternalista. Para o b e m o u para
o mal, o i n t e r i o r da Inglaterra foi sendo m i s t u r a d o c o m o o pão, e os p r o p r i e t á -
rios rurais progressistas f o r a m u m poderoso f e r m e n t o .
É provável q u e essas aventuras industriais empreendidas p o r pessoas " d e
n o m e " fossem, e m geral, m e n o s compensadoras q u e os esforços competitivos
dos negociantes "profissionais"; o u q u e as grandes herdades n ã o pudessem c o m -
parar-se às terras dos p e q u e n o s proprietários vizinhos. 4 7 T a m b é m é verdade q u e
a nobreza e a aristocracia rural tenderam, ao l o n g o d o t e m p o , a passar de e m p r e -
sárias ativas a arrendatárias; foi essa a experiência, p o r e x e m p l o , de áreas c o m o o
País de Gales e N o r t h u m b e r l a n d , o n d e os grandes depósitos de carvão e de m i -
nério de ferro haviam fornecido, inicialmente, u m a base favorável para a ativi-
dade industrial dos proprietários de terras. C o n t u d o , a importância desses esfor-
ços residia neles mesmos, e n ã o e m sua lucratividade. Mais u m a vez, ela devia-se
à legitimidade conferida à inovação e à busca da riqueza c o m o estilo de vida.
U m a comparação permite esclarecer esse argumento. Até este p o n t o , abordei
essa permeação da vida rural pelo espírito de iniciativa e de previsão, c o m o uma
conseqüência da estrutura social e do sistema de transmissão da herança. Sem d ú -
vida, há m u i t o ainda que discutir. E m parte, ela refletiu provavelmente o ritmo de
aceleração da economia: novos h o m e n s continuavam a ascender, e as famílias a n -
tigas t i n h a m de apressar-se para conservar suas posses. P o r sua vez, é possível q u e
essa permeação tenha sido uma resposta às novas oportunidades, sobretudo à cres-
cente demanda dos recursos que se achavam nas mãos dos proprietários rurais. P o -
rém, essa resposta não era necessária n e m inevitável. Para a nobreza e a aristocracia
rural, teria sido igualmente simples voltar as costas para seus novos rivais e acabar
c o m a concorrência, definindo os meios da ascensão deles c o m o intrinsecamente
i g n ó b e i s / F o r a esse o c o m p o r t a m e n t o da aristocracia da E u r o p a n o R e n a s c i m e n -
v to, ao elaborar a própria idéia d o cavalheiro c o m o u m a arma contra as pretensões
da
burguesia. 4 8 Essa seria a reação de boa parte da aristocracia européia n o século
^ JL X I X , diante da revolução industrial e da alteração correspondente na balança do
.' | y r p o d e r político. A nobreza e a aristocracia rural inglesas optaram p o r acolher os r e -
cém-chegados nesse ínterim: afirmaram sua distinção p o r berço ou instrução, mas
a alicerçaram c o m u m culto ativo e produtivo do lucro.
A Revolução Industrial na Inglaterra 69
ELSEVIER

Essa decisão altamente significativa foi auto-reforçadora. O interesse d o fi-


dalgo inglês pela ampliação de sua fortuna c o n v e r t e u - o e m u m participante da
sociedade, e m vez de u m parasita - a despeito de qualquer tipo de j u l g a m e n t o
sobre o caráter dessa participação. O s interesses comerciais p r o m o v e r a m u m
grau de i n t e r c â m b i o entre pessoas de diferentes posições e m o d o s de vida q u e
não teve paralelo n o c o n t i n e n t e / c o m o escreveu Lord H e r v e y e m 1731:

Costumávamos sentar para jantar com u m pequeno e aconchegante grupo de


umas 30 pessoas, empanturradas de carne de vaca, veado, ganso, peru etc., e,
em geral, mais do que cheias de clarete, cerveja forte e ponche. Tínhamos lor-
des Espirituais e Temporais, além de plebeus, vigários e inúmeros proprietários
de bens alodiais. 49

C o m p a r e m o s isso c o m as reflexões de A r t h u r Y o u n g sobre u m a visita ao


d u q u e de la R o c h e f o u c a u l d : 5 0

Na casa de u m nobre inglês, teria havido três ou quatro fazendeiros convida-


dos para m e conhecer, que teriam jantado c o m a família, entre as senhoras da
mais alta estirpe. N ã o exagero ao dizer que passei p o r isso, pelo menos uma
centena de vezes, nas melhores casas de nossas ilhas. Trata-se, c o n t u d o , de
uma coisa com que, no atual estado dos costumes em França, não m e depara-
ria desde Calais até Bayonne, exceto por acaso - na residência de algum gran-
de senhor que houvesse estado c o m freqüência na Inglaterra e, m e s m o assim,
não sem ser solicitado.

O u então, voltando à Inglaterra, consideremos a amizade de R o b e r t H e -


w
e r , comissário da navegação m e r c a n t e e negociante b e m - s u c e d i d o , transfor-
m a d o e m proprietário rural e s e n h o r d o solar de M a n a d o n (perto de P l y m o u t h ) ,
c o m o d u q u e e a duquesa de B e d f o r d : ele passava semanas c o m o hóspede desses
últimos e m W o b u m Abbey, o n d e participava " d e todos os seus grupos de dile-
tantismo!"; e a visita repetiu-se diversas vezes. 5 1 U m relacionamento c o n t í n u o
c o m o esse é mais significativo da verdadeira sociedade do que u m a dúzia de ca-
samentos e n t r e o sangue n o b r e e o o u r o burguês, pour redorer le blason.52
f A b a i x o n o nível da aristocracia rural, não havia barreira alguma entre a terra e
° comércio - n e m m e s m o uma m e m b r a n a permeável. E m virtude d o caráter r u -
ral da maioria das indústrias e as reivindicações intermitentes da agricultura, m u i -
tos cultivadores eram, ao m e s m o t e m p o , fabricantes ou intermediários. Isso se
aplicava não só aos produtos têxteis, mas t a m b é m à metalurgia, e m que se poderia
supor que a natureza d o processo de fabricação impusesse u m a divisão d o trabalho
mais rigorosa, assim c o m o testemunha Isaac Wilkinson, Aaron Walker, Jedediah
Strutt e outros, A mesma c o m b i n a ç ã o de atividades existia o n d e prevalecia u m a
70 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

situação semelhante n o continente: a terra gerava e m p r e e n d i m e n t o s e empresá-


rios industriais/Mais uma vez, o que distinguia a Inglaterra era uma questão de prio-
ridade. E m n e n h u m outro lugar, c o m o já assinalado, o interior foi tão o c u p a d o
pela indústria; e m n e n h u m outro lugar eram maiores as pressões e incentivos à
m u d a n ç a , o u mais fraca a força da tradição. Todas as contingências mesclavam-se:
os latifundiários empreendedores, as áreas demarcadas, o cultivo comercial da ter-
ra, os ateliês dos povoados, o sistema doméstico de produção, as minas e f u n d i -
ções, o ativo m e r c a d o hipotecário - todos esses fatores combinaram-se para r o m -
per os grilhões d o localismo e do hábito, integrar o c a m p o e a cidade e p r o m o v e r
u m a mobilização m u i t o mais ampla dos talentos do que teria ocorrido de outra
forma. N u m a sociedade e m que quatro e m cada cinco pessoas viviam da terra,
esse foi u m poderoso estímulo para o desenvolvimento geral,/
D o m e s m o m o d o , o fluxo da iniciativa empresarial nos negócios era mais li-
vre e a alocação de recursos respondia a ele de maneira mais sensível d o q u e e m
outras economias. E n q u a n t o a tradicional e sacrossanta exclusividade o c u p a c i o -
nal c o n t i n u a v a a prevalecer do o u t r o lado d o Canal da M a n c h a , às vezes imposta
p o r lei, mas, de qualquer m o d o , pelo hábito e pelas proibições morais, o o p e r á -
rio britânico não se apegava ao seu ofício até o fim, n e m o negociante ao seu
r a m o de c o m é r c i o . N ã o era u m simples reflexo de u m f e n ô m e n o negativo, o u
seja, da inexistência de regulamentos restritivos o u de censuras degradantes; ao
contrário, era u m impulso positivo, u m a versatilidade ambiciosa q u e estava
sempre atenta à grande o p o r t u n i d a d e . É impossível n ã o nos impressionarmos
c o m u m h o m e m c o m o T h o m a s Griggs, u m m e r c e e i r o e alfaiate de Essex e m
m e a d o s d o século X V I I I , que investia e especulava c o m terras, engordava gado
para o m e r c a d o , destilava cevada e emprestava d i n h e i r o e m troca de p e n h o r e s . 5 3
O u c o m o T h o m a s Fox, u m negociante quacre de tecidos e roupas de W e l l i n g -
t o n , que, diante de t e m p o s difíceis n o c o m é r c i o da lã, pesquisou as possibilida-
des da mineração de c h u m b o , calamina o u c o b r e - o u todos três. 5 4
Seria possível alongar bastante essa lista, mas basta u m ú l t i m o e x e m p l o : Sa-
m u e l Garbett, de B i r m i n g h a m , originalmente p r o d u t o r de utensílios de latão,
depois m e r c a d o r e q u í m i c o , sócio de empresas de fiação, de p r o d u t o s q u í m i c o s
( B i r m i n g h a m e Prestonpans, perto de E d i m b u r g o ) , de f u n d i ç ã o (usina de C a r -
ron, na Escócia) e de m o i n h o s de trigo (Albion Mills, e m Londres), além de acio-
nista da C o r n i s h M e t a l C o . (mineração de cobre). Para aquilatar a força desse
impulso para enriquecer, deve-se lembrar que esses h o m e n s arriscavam suas f o r -
tunas a cada lance de dados empresariais. G a r b e t t abriu falência e m 1772 p o r
causa d o fracasso de u m de seus sócios.
//Ao m e s m o t e m p o , a estrutura da empresa era mais aberta e racional na
Inglaterra d o q u e nos países continentais. P o r toda parte, a u n i d a d e empresarial
A Revolução Industrial na Inglaterra 71
ELSEVIER

f u n d a m e n t a l era a p r o p r i e d a d e individual o u a sociedade e m família. Mas e m


u m país c o m o a França, a empresa familiar era quase sempre fechada às pessoas
externas, e n q u a n t o os empresários britânicos d i s p u n h a m - s e m u i t o mais a se as-
sociar c o m amigos ou amigos de amigos. N a verdade, essa parece ter sido a m a -
neira preferida de levantar capital para fins de expansão o u de atrair e vincular à
empresa qualificações especiais/Na indústria têxtil, u m capitalista c o m o G e o r g e
Philips dispôs-se a procurar u m sócio experiente c o m o G e o r g e Lee, e x - e m p r e -
gado de Peter D r i n k w a t e r , para dirigir a empresa; o u então, u m fiandeiro de li-
n h o e x p e r i m e n t a d o c o m o J o h n Marshall, diante de u m a crise nos negócios, des-
fez sua sociedade ("já q u e n e n h u m dos dois sócios podia ter q u a l q u e r outra ser-
ventia, liberei-os da firma e assumi toda a responsabilidade"); e q u a n d o , p o u c o
depois disso, e m b o r a c o m u m grande fardo de hipotecas, decidiu expandir-se,
introduziu novos sócios p o r somas m u i t o maiores. 5 5 N a fabricação de cerveja,
na qual a necessidade de capital era tão grande e u r g e n t e " q u e era impossível
Produzi-lo c o m suficiente rapidez a partir dos lucros das firmas (...), as empresas
estabelecidas aceitavam de b o m grado a associação c o m banqueiros e n e g o c i a n -
tes q u e partilhavam c o m elas as conseqüências sociais e políticas da vasta riqueza
produzida e m outros c a m p o s " . 5 6 N a fabricação de máquinas, a qualificação,
p r o v a v e l m e n t e mais d o que o capital, constituía o fator escasso, e m b o r a fossem
necessárias milhares de libras para transformar u m a oficina de reparos n u m a i n -
dústria mecânica. B o u l t o n e W a t t talvez sejam o m e l h o r m o d e l o dessa aliança
e
n t r e o d i n h e i r o e o talento, mas seria possível citar muitas associações s e m e -
lhantes, c o m u m a divisão variável das contribuições e responsabilidades. 5 7 Esse
padrão d i f u n d i u -se mais, provavelmente, na metalurgia; ali, tanto os requisitos
de capital q u a n t o os de talento eram enormes, e a sociedade era o m o d o n o r m a l
da formação de u m a empresa. 5 8 M e s m o q u a n d o u m a firma era, essencialmente,
u
n i n e g ó c i o familiar - p o r e x e m p l o , a f u n d i ç ã o Crawshay, e m Cyfarthfa, o u a
metalurgia e m Londres - , se preciso introduzia pessoas de fora, cuja saída era
Posteriormente c o m p r a d a , q u a n d o r e c o m e n d á v e l , a fim de se e n c o n t r a r e m n o -
vos sócios. O professor A s h t o n assinalou a importância dos dissidentes da Igreja
Anglicana nesse c o n t e x t o de associações interfamiliares: os laços de u m a religião
c
o m u m perseguida e r a m u m vínculo comercial quase tão eficaz q u a n t o os laços
de sangue. 5 9

/ x / a coesão e o apoio m ú t u o da c o m u n i d a d e empresarial anglicana dissidente


cr eram apenas u m dos e l e m e n t o s de seu sucesso comercial. Seus m e m b r o s sofriam
¥ diversas limitações p o r causa de sua religião, e a atividade empresarial era, sob
m U l t o s as
p e c t o s , a válvula de escape mais c o n v e n i e n t e para sua energia e a m b i -
Çao; s e u
rf p r ó p r i o credo, c o m a ênfase na diligência, parcimônia e racionalidade
conio estilo de vida, era quase sempre u m a v a n t a g e m competitiva. T a m b é m é
V Yv
-V-
72 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

possível que, e m decorrência da educação dada aos filhos, q u e estimulava a ini-


ciativa e a liberdade precoces, eles inculcassem e m seus descendentes u m a n e -
cessidade intensa d e e m p r e e n d i m e n t o s /
Essa é, pelo m e n o s , a tese de D a v i d McClelland, s e g u n d o a qual u m índice
preestabelecido de realizações na Inglaterra alterou-se b r u s c a m e n t e n o início d o
século X V I I I , j u s t o e m t e m p o para responder às demandas da R e v o l u ç ã o I n d u s -
trial. 6 0 D e q u a l q u e r m o d o , n ã o foi p o r coincidência q u e os dissidentes f o r a m
mais n u m e r o s o s n o N o r t e e e m Midlands, os centros de d e s e n v o l v i m e n t o i n -
dustrial mais desenvolvidos, o u q u e o maior n ú m e r o dos principais empresários
da R e v o l u ç ã o Industrial originou-se desse g r u p o . 6 / P o r o u t r o lado, a Inglaterra
^ r w n ã o foi o ú n i c o país a abrigar calvinistas, que d e s e m p e n h a r a m o papel de u m f e r -
m e n t o empresarial e m toda a E u r o p a . Mas, o q u e a distinguiu foi o m o d o pelo
qual seus dissidentes religiosos c o n f o r m a r a m - s e a u m padrão social mais a b r a n -
gente; as diferenças empresariais foram diferenças de grau, não de q u a l i d a d e /
As mesmas observações aplicam-se à premissa c o m u m e n t e citada de q u e a
inflação dos preços t r o u x e lucros maiores, e q u e esses lucros possibilitaram a
transformação industrial. 6 2 M e s m o que fosse possível d e m o n s t r a r q u e os lucros
r e a l m e n t e a u m e n t a r a m ao l o n g o d o século, e q u e os preços mais elevados f o r a m
os responsáveis p o r isso - fato sem evidência c o m p r o v a d a - , persiste a questão
d e q u e a Inglaterra não foi a única nação a ter u m a inflação de preços nesse p e -
ríodo, e de q u e as empresas mais prósperas d o c o n t i n e n t e tiveram taxas de lucro
£ i g u a l m e n t e elevadas e confiaram mais n o a u t o f i n a n c i a m e n t o . 6 f A questão, mais
N ^ u m a vez, é m e n o s a m a r g e m de lucro do que a maneira de utilizá-la: e n q u a n t o as
: firmas inglesas reaplicavam os lucros na iniciativa empresarial, seus c o m p e t i d o -
res n o exterior os transferiam, c o m muita freqüência, para outras o c u p a ç õ e s
mais prestigiosas, o u os conservavam c o m o u m a reserva, sob a f o r m a de terras,
e m p r é s t i m o s hipotecários e outros investimentos não-industriais s i m i l a r e s /
l/Vor fim, deve-se m e n c i o n a r o papel dos bancos e d o crédito bancário. E m
^ y n e n h u m país da E u r o p a d o século X V I I I a estrutura financeira era tão avançada
q u a n t o na Inglaterra, n e m o público estava tão h a b i t u a d o a operar c o m papéis. 6 4
E m geral, o crédito oferecido pela crescente multiplicidade de bancos privados
abrangia p e r í o d o s curtos - de até 90 dias - para cobrir transações comerciais; na
verdade, e m grande parte, era oferecido sob a f o r m a de créditos rotativos e a b e r -
tos, o u até de saques correntes a descoberto, que f u n c i o n a v a m c o m o u m q u a -
se-capital. 6 5 E mais, o d e s e n v o l v i m e n t o de u m a rede nacional de descontos e
p a g a m e n t o s p e r m i t i u q u e as áreas industriais necessitadas de capital recorressem,
para esse fim, aos distritos agrícolas ricos. O sistema estava apenas c o m e ç a n d o a
desenvolver-se n o ú l t i m o quartel d o século X V I I I . Nas décadas de 1820 e 1830,
c o n t u d o , q u a n d o a venda dos p r o d u t o s das fábricas inglesas tornara-se mais difí-

J
A Revolução Industrial na Inglaterra 73
ELSEVIER

cil d o q u e financiar a transformação tecnológica, o crédito bancário foi u m dos


pilares d o edifício industrial./
/ o crédito bancário teve u m a importância ainda m a i o r visto que, nas p r i m e i -
« ^ r a s décadas da R e v o l u ç ã o Industrial, o capital de giro ainda era m u i t o mais i m -
y^Ç o portante d o que o capital imobilizado. Isso se aplicava até m e s m o às empresas da
^ ' ^ n d ú s t r i a pesada - mineração, metalurgia e fabricação de e q u i p a m e n t o s ^ S y d n e y
-.y Pollard f o r n e c e u m a amostra das contas comerciais de empresas de m i n e r a ç ã o e
refino de cobre, indústria de latão, engenharia e metalurgia leve e m datas situa-
das entre 1782 e 1832: a m e n o r p r o p o r ç ã o de capital fixo e m relação à avaliação
total dos ativos e m estoque é de 8,8%; a maior, de 33,2%. 6 6 O u t r a s medidas des-
sa relação - p o r e x e m p l o , as comparações d o capital fixo c o m as contas a receber
ou a pagar - e m relação a outras empresas, e m ocasiões distintas, m o s t r a m resul-
tados semelhantes. E Pollard afirma que algumas das maiores e mais ricas e m p r e -
sas da R e v o l u ç ã o Industrial e n f r e n t a v a m problemas, p o r q u e t i n h a m dificuldade
e m levantar u m capital de giro compatível c o m a quantidade d o m o n t a n t e i n -
vestido e m ativos fixos. Paradoxalmente, elas e r a m ricas demais.
E m b o r a o d e s e n v o l v i m e n t o de u m m e r c a d o financeiro nacional integrado
promovesse u m fluxo mais fácil e a b u n d a n t e de recursos da terra para a indústria,
a natureza e a direção d o balanço de pagamentos entre os dois setores são m e n o s
óbvias. A literatura e c o n ô m i c a m e n c i o n a , c o m u m e n t e , q u e u m dos aspectos o u
critérios f u n d a m e n t a i s d o d e s e n v o l v i m e n t o é o deslocamento de recursos da
agricultura para a indústria, e q u e u m a das condições de d e s e n v o l v i m e n t o rápi-
do é u m a u m e n t o de produtividade na lavoura q u e gere a p o u p a n ç a necessária
Para financiar a expansão industrial. O m e l h o r e x e m p l o dessa seqüência é o J a -
pão, o n d e a p r o d u ç ã o per capita na agricultura quase duplicou n o espaço de u m a
geração ( 1 8 7 8 / 8 2 - 1 9 0 3 / 7 ) , c o m p e q u e n o dispêndio de capital, e o n d e , espe-
cialmente nos primeiros anos, o i m p o s t o territorial d r e n o u u m a parcela substan-
da receita agrícola para ser investida n o d e s e n v o l v i m e n t o industrial. 6 /o
X
^ caso britânico, n o e n t a n t o , t e m u m a nítida diferença. Primeiro, o a u m e n t o da
produtividade rural foi s e g u r a m e n t e m u i t o m e n o r . As estatísticas disponíveis e m
v ^ . í ^ a se c o m p a r a m às japonesas, mas, m e s m o n ã o sendo tão produtivas, levaram
Uma
^ v ^ autoridade a c o n j e c t u r a r q u e "a p r o d u ç ã o per capita na agricultura a u m e n -
tou cerca de 25% n o Século X V I I I , e a totalidade desse acréscimo foi alcançada
antes de 1 7 5 0 " . « A mesma f o n t e sugere q u e a p r o d u ç ã o real dos setores agríco-
las elevou-se e m cerca de 43% n o d e c o r r e r d o século, sendo 24% d u r a n t e as d é -
cadas críticas de 1760 a 1800; 6 9 e m contraste, a p r o d u ç ã o agrícola japonesa q u a -
se d o b r o u entre o fim da década de 1870 e o início da de 1 9 0 0 . /
A l é m disso, o a u m e n t o da p r o d u ç ã o rural inglesa deveu-se, e m grande p a r -
te. às demarcações d e terras e às melhorias q u e elas possibilitaram: a c o n c e n t r a -
o PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

ção das propriedades, a eliminação das áreas sem cultivo, a escolha e a rotação
mais produtivas das culturas, a r e p r o d u ç ã o seletiva de rebanhos, m e l h o r d r e n a -
gem fertilização, e o cultivo mais intensivo. Ainda é controvertida a rapidez
c o m q u e essas novas técnicas difundiram-se o u a presteza c o m q u e se seguiram
às demarcações. Mas, é evidente, que tanto a divisão territorial q u a n t o as m e l h o -
rias subseqüentes e m sua utilização custaram dinheiro: n o início, para despesas
legais, estradas, valas e cercas; e, p o r fim, para construções, e q u i p a m e n t o s , d r e -
n a g e m e matérias-primas. Infelizmente, n ã o dispomos de n ú m e r o s relativos à
área afetada, mas as estatísticas parciais disponíveis - a demarcação de áreas culti-
váveis e n ã o cultiváveis p o r decreto parlamentar, p o r e x e m p l o - sugerem que,
de 1760 a 1815, a Inglaterra d e m a r c o u milhões de acres, n u m a redistribuição
c u j o custo inicial foi de mais de p o r acre e c u j o custo adicional se situou e n -
tre £ 5 e £ 2 5 p o r acre, d e p e n d e n d o d o estado original d o solo e da natureza de
sua utilização. 7 0 Esses investimentos f o r a m compensadores, c o m o m o s t r a m o
a u m e n t o da p r o d u ç ã o e dos aluguéis das terras unificadas. Mas é b e m possível
que, nas primeiras décadas de demarcação intensa, o u seja, e x a t a m e n t e nos anos
q u e t a m b é m assistiram ao nascimento da indústria m o d e r n a , a lavoura inglesa
estivesse r e c e b e n d o tanto capital q u a n t o fornecia; ao passo q u e n o p e r í o d o de
1790 a 1814, q u a n d o os preços dos alimentos subiram a níveis recordes, o fluxo
líquido dos recursos p r o v a v e l m e n t e dirigiu-se para a terra. A grande c o n t r i b u i -
ção da agricultura para a industrialização o c o r r e u depois de 1815, q u a n d o tanto
a delimitação territorial q u a n t o a abertura de terras marginais t o r n a r a m - s e mais
lentas, e os proprietários e arrendatários c o l h e r a m os frutos dos esforços p r e c e -
dentes. C o n t u d o , m e s m o nessa época, esses lucros d e p e n d i a m da p r o t e ç ã o
c o n t r a o m i l h o estrangeiro e, p o r t a n t o , n ã o f o r a m u m acréscimo l í q u i d o à
p o u p a n ç a gerada pela e c o n o m i a . A o c o n t r á r i o , eles e r a m o b t i d o s à custa de
u m a certa alocação e q u i v o c a d a dos recursos e, p o r mais a b u n d a n t e s e c o m p e n -
sadores q u e fossem, talvez t e n h a m sido inferiores ao q u e a terra teria p r o p o r c i o -
n a d o e m c o n d i ç õ e s mais competitivas. A i n d a assim, foi graças às d e m a r c a ç õ e s
e ao q u e é, às vezes, c h a m a d o de " R e v o l u ç ã o A g r í c o l a " q u e a Inglaterra resis-
tiu, c o m o o fez o " e s t a d o estacionário" de R i c a r d o , ao ciclo d o c r e s c i m e n t o e
da a c u m u l a ç ã o , e m q u e a pressão p o p u l a c i o n a l sobre a oferta de a l i m e n t o s e l e -
vara o custo da subsistência e, p o r t a n t o , dos salários, de m o d o q u e os industriais
n ã o mais c o n s e g u i a m ter lucros e a riqueza da n a ç ã o escoava, c o m o u m alu-
guel, para os proprietários da terra.

/ E m r e s u m o : e m grande parte, foi a pressão da d e m a n d a sobre o m o d o de


p r o d u ç ã o q u e suscitou as novas técnicas na Inglaterra, e foi a oferta generosa e
receptiva dos fatores q u e possibilitaram sua rápida exploração e disseminação.
Esse p o n t o m e r e c e ser enfatizado, p o r q u e os economistas, especialmente os t e ó -
A Revolução Industrial na Inglaterra 75
ELSEVIER

x^th ricos, t e n d e m a c o n c e n t r a r - s e quase e x c l u s i v a m e n t e n o aspecto da o f e r t a . O s es-


tudiosos d o d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o , impressionados, d e u m lado, c o m o
^alto custo da industrialização, e d o o u t r o , c o m o b a i x o nível d e p o u p a n ç a dos
..países s u b d e s e n v o l v i d o s , t ê m d e d i c a d o a m a i o r p a r t e d e sua a t e n ç ã o a o p r o b l e -
ma da f o r m a ç ã o d e capital: às f o r m a s de elevar a taxa d e i n v e s t i m e n t o , digamos,
i j e 5% para 12% o u mais; e a m e c a n i s m o s q u e i m p e ç a m q u e o a u m e n t o da r e n d a
\» se perca e m u m c o n s u m o maior. 7 1 A a b o r d a g e m deles é análoga à de u m historia-
j t o r da e c o n o m i a . c o m o H a m i l t o n , c o m sua premissa da R e v o l u ç ã o Industrial
V nascida e a l i m e n t a d a p e l o s ú b i t o a u m e n t o d o lucro./Kía v e r d a d e , m u i t o s p l a n e -
^ j a d o r e s j á c o n s i d e r a r a m s e r i a m e n t e o uso d e l i b e r a d o da inflação, q u e t e n d e a
deslocar recursos dos c o n s u m i d o r e s e m d i r e ç ã o aos p o u p a d o r e s , para p r o m o v e r
a industrialização./
/ f o e s s a é p o c a d e e q u i p a m e n t o s e instalações dispendiosos e d e pretensas e c o -
nomias industrializadas paupérrimas, esse interesse pela p o u p a n ç a e pelo capital
justifica-se, mas é m e n o s p e r t i n e n t e n o caso da experiência britânica .'/Primeiro, a 4
Ingláterra d o século X V I I I usufruía, c o m o vimos, de u m a riqueza e u m a renda per
capita maiores d o q u e as dos países não-industrializados atuais; ela partiu, e m o u -
tras palavras, d e u m patamar s u p e r i o r / V l é m disso, os requisitos d e capital dessas
primeiras inovações e r a m p e q u e n o s - e m geral, estavam ao alcance de u m a só
pessoa o u família; e as empresas b e m - s u c e d i d a s p o d i a m basear o c r e s c i m e n t o de
cada p e r í o d o nos lucros d o p e r í o d o anterior. 72/Jp
o r fim, essas inovações f u n d a -
mentais c o n c e n t r a r a m - s e , n o início, e m u m p e q u e n o setor da e c o n o m i a , e sua
necessidade d e capital foi c o r r e s p o n d e n t e m e n t e l i m i t a d a / N a escala mais ampla da
e c o n o m i a c o m o u m t o d o , assim c o m o d e n t r o d o m u n d o r e d u z i d o da empresa, o
crescimento sustentava-se sobre essa base estreita, p o r m e i o de u m processo d e
d e m a n d a derivada q u e se alimentava d o sucesso anterior. 7 3 E m outras palavras, o
fluxo de capital era mais i m p o r t a n t e d o q u e o estoque nesta última análise. Mas,
vamos e n c e r r a r o t e m a da p r e o c u p a ç ã o c o m a a c u m u l a ç ã o primitiva.
d e s s a s circunstâncias, n ã o nos s u r p r e e n d e constatar q u e o v o l u m e global d e
i n v e s t i m e n t o s r e p r e s e n t o u u m a p r o p o r ç ã o r e l a t i v a m e n t e p e q u e n a da r e n d a n a -
V cional nas primeiras décadas da R e v o l u ç ã o Industrial e q u e só mais tarde, q u a n d o
u m a tecnologia mais elaborada exigiu grandes desembolsos e a Inglaterra a u r n e n -
tara su
yv / a p r o d u ç ã o per capita a p o n t o d e p o d e r p o u p a r mais, é q u e a p r o p o r ç ã o e l e -
^ vou-se para o nível q u e os economistas consideraram, e m certa época, u m a carac-
Vn te
^ rística da industrialização. Assim, s e g u n d o Phyllis D e a n e , a relação e n t r e a f o r -
ma
t> ? ã o líquida d e capital e a renda n ã o ultrapassou 5% o u 6% d u r a n t e a m a i o r parte
L d o
y \ século X V I I I , e l e v a n d o - s e para 7% o u 8%, talvez, apenas na última década,
>• y q u a n d o a R e v o l u ç ã o Industrial estava n o auge. S ó após o c r e s c i m e n t o vertiginoso
s f
y / errovias na década d e 1840, essa p r o p o r ç ã o a u m e n t o u para 1 0 % . 7 ^
76 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

O m e s m o p a d r ã o p a r e c e ter p r e v a l e c i d o e m o u t r o s países e m p r o c e s s o de
industrialização, e m b o r a seja arriscado fazer c o m p a r a ç õ e s precisas e n t r e as
estimativas a p r o x i m a d a s d e f o r m a ç ã o d e capital a t u a l m e n t e disponíveis. N o
q u e c o n c e r n e à França, t e m o s os resultados e x p e r i m e n t a i s d o g r u p o de p e s -
quisa d e J e a n M a r c z e w s k i , d o Institut de S c i e n c e É c o n o m i q u e A p p l i q u é e ,
q u e p r o p õ e u m a taxa l í q u i d a m é d i a e x t r e m a m e n t e baixa para a F r a n ç a d e 3 %
d o p r o d u t o i n t e r n o l í q u i d o , até os anos d o i m p u l s o f e r r o v i á r i o da década de
1840, q u a n d o ela se eleva para 8%; só n o S e g u n d o I m p é r i o , c o m u m a c o n s -
t r u ç ã o a i n d a m a i o r d e ferrovias e extensas m e l h o r i a s u r b a n a s , é q u e a p r o p o r -
ção a u m e n t a para 12,1%. 7 5
Q u a n t o à A l e m a n h a , infelizmente, não dispomos de n ú m e r o s relativos ao
p e r í o d o anterior à década de 1850. Nessa ocasião, a mineração, a indústria pesa-
da e a r e d e ferroviária estavam todas e m rápida expansão; m e s m o assim, a taxa de
f o r m a ç ã o líquida de capital nas décadas decorridas de 1850 a 1870 foi, e m m é -
dia, inferior a 10%. 7 6
y - / E m geral, há boas razões para crer que, até m u i t o r e c e n t e m e n t e , os e c o n o -
^ mistas e historiadores da e c o n o m i a t e n d e r a m a exagerar a importância da f o r m a -
ção d e capital c o m o m o t o r d o crescimento e c o n ô m i c o . As pesquisas mais r e -
\ r centes m o s t r a m q u e o a u m e n t o de capital responde apenas p o r u m a p e q u e n a
>V fração dos a u m e n t o s do p r o d u t o agregado; na verdade, o insuino d o c o n j u n t o
' de fatores tradicionais da p r o d u ç ã o - terra, m ã o - d e - o b r a e capital - d e s e m p e n h a
• j
u m papel minoritário n o processo geral. 7 7 D e o n d e viriam esses a u m e n t o s , e n -
tão? Eles p a r e c e m derivar da qualidade dos insumos - da m a i o r p r o d u t i v i d a d e da
nova tecnologia e das qualificações e c o n h e c i m e n t o s superiores de empresários
e trabalhadores. E nesse p o n t o , mais u m a vez, c o m o vimos, a Inglaterra da R e -
volução Industrial foi especialmente favorecida/
VV* ^ i n o v a ç õ e s tecnológicas são apenas u m a parte da história. Persiste a ques-
tão de saber o p o r q u ê d o seu efeito.//Uma o r d e m institucional é u m sistema
r' t r e m a m e n t e c o m p l e x o e elástico; n e m t u d o p o d e ser c o n v u l s i o n a d o . Apenas
m u d a n ç a s de u m a certa qualidade e alcance teriam c o n s e g u i d o transformar o
m o d o de p r o d u ç ã o e dar início a u m processo a u t o - s u s t e n t a d o de desenvolvi-
mento econômico.
A fabricação de quase todos os p r o d u t o s têxteis p o d e ser d e c o m p o s t a e m
q u a t r o etapas principais: preparação, na qual o material é separado, lavado e
p e n t e a d o , para q u e as fibras estendam-se e m sentido paralelo; fiação, e m q u e as
fibras soltas são estiradas e torcidas de m o d o a f o r m a r u m fio; tecelagem, e m q u e
parte dos fios é estendida ao c o m p r i d o (a urdidura) e a outra parte (a trama) c o r -
re transversalmente p o r cima e p o r baixo dos fios longitudinais, para f o r m a r o
tecido; p o r fim, o a c a b a m e n t o , q u e varia consideravelmente c o n f o r m e a n a t u r e -
A Revolução Industrial na Inglaterra 77
ELSEVIER

za d o tecido, mas p o d e c o m p r e e n d e r a feltragem o u a e n g o m a g e m (para e n c o r -


pá-lo), a lavagem, o desbaste, a tintura, a estampagem o u o alvejamento.
/ N o c o m e ç o d o século X V I I I , apenas alguns desses processos já t i n h a m sido
tp mecanizados. N a fabricação de lã, a máquina de pisoar, c o m seus pesados m a r t e -
los m o v i d o s a água, já era conhecida n o c o n t i n e n t e n o século X I e, n o século
, / ' XIII, havia-se d i f u n d i d o a m p l a m e n t e pelo interior da Inglaterra. A carda m e c â -
V , _ nica, q u e levantava as felpas d o tecido para q u e fossem aparadas, data d o século
X V I e, e m b o r a a proibição legal e a oposição dos aparadores t e n h a m retardado
sua
disseminação, o protesto reiterado contra o e q u i p a m e n t o é a m e l h o r prova
de seus benefícios. H o u v e t a m b é m dois grandes aperfeiçoamentos nos teares
j- imemoriais: a m á q u i n a de tricotar, u m c o m p l e x o e q u i p a m e n t o m o v i d o à m ã o
para tecer malhas (inventado p o r William Lee e m 1598); e o tear holandês, ou
tear de artigos estreitos, i n v e n t a d o a p r o x i m a d a m e n t e na m e s m a época e c o n c e -
bido para tecer até 24 tiras ou fitas estreitas ao m e s m o tempo./
/ Ò u t r a inovação mecânica p r e c o c e foi a máquina de duplicação da seda, q u e
torcia os filamentos para f o r m a r u m fio. Ela foi inventada n o século X V I I , na
Itália, o n d e o segredo foi ciosamente guardado. Mas o p r o j e t o foi c o n t r a b a n d e a -
do p o r u m inglês c h a m a d o J o h n L o m b e , e m 1716-17. E m p o u c o s anos, seu ir-
mão, T h o m a s L o m b e , construiu u m a e n o r m e usina de duplicação e m D e r b y ,
uma fabrica mecanizada de 152 metros, c o m cinco o u seis andares e cerca de
460 janelas, q u e era u m a das maravilhas da época. E m m e a d o s d o século, fábricas
semelhantes t i n h a m sido fundadas e m Londres e nas províncias, sendo algumas
delas ainda maiores q u e o m o n s t r o de L o m b e .
A l é m desses aparelhos complexos, q u e anteciparam c o m sua e n g e n h o s i d a d e
® relativa eficiência as invenções mais conhecidas de m e a d o s d o século X V I I I ,
diversos avanços m e n o s espetaculares haviam ocorrido, de f o r m a gradativa e
quase despercebida. A o l o n g o dos séculos, a roda de fiar, grande o u p e q u e n a ,
^ b s t i t u í r a a roca, e a própria roda fora alterada para trabalhar mais depressa e
_produzir u m fio mais u n i f o r m e . A o m e s m o t e m p o , os processos q u e exigiam o
_uso de combustível - a tintura, p o r e x e m p l o - passaram a usar, a partir d o século
X V I , carvão e m vez de madeira, q u e era mais cara. P o r fim, u m a multiplicidade
p e q u e n o s a p e r f e i ç o a m e n t o s fora introduzida na preparação da fibra para a fia-
£ao, na tecelagem dos fios e m padrões mais c o m p l e x o s e n o a c a b a m e n t o dos t e -
cidos c o m o brilho e a maciez q u e a n u n c i a v a m a qualidade.
V / N e n h u m desses avanços, n o entanto, era suficiente, p o r si só, para desenca-
dear u m processo de transformação cumulativa e auto-sustentada. Era preciso
U m casament
/ y o para p r o d u z i r a R e v o l u ç ã o Industrial. D e u m lado, ela exigia m á -
3 . U l n a s que não apenas substituíssem o trabalho manual, mas obrigassem a c o n -
v
" V S^ntrar a p r o d u ç ã o e m fabricas - e m outras palavras, máquinas cuja necessidade

V
80 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

vável d e u o r i g e m a n o v o s padrões de vestuário, de potencial imprevisível. Já não


e r a m apenas os ricos q u e p o d i a m desfrutar d o c o n f o r t o e da higiene da roupa de
baixo; o algodão possibilitou a milhões de pessoas usar ceroulas e combinações,
^ ^ q u a n d o , antes, n ã o havia nada além da áspera e suja roupa externa. Surgiu u m
^ y n o v o tipo de r o u p a para o trabalho - tosca, mas confortável para a pele e fácil de
y.^ lavar e m a n t e r . Até os ricos, impressionados c o m a cor e a elegância dos dese-
n h o s d o algodão, a p r e n d e r a m a distinguir cada vez mais as estações d o a n o e a se
vestir n o verão c o m musselinas e morins Jj
//Ao m e s m o t e m p o , a maioria dos mercados inexplorados das áreas p r é -
industrializadas d o m u n d o situava-se nos climas mais quentes o u e m regiões
>" h temperadas c o m verões quentes. Já nos séculos X V I e X V I I , b o a parte dos lucros
Y 1
^ da G r ã - B r e t a n h a c o m o exportadora de tecidos de lã tinha v i n d o dos países na
costa d o M e d i t e r r â n e o , das colônias ocidentais e da índia; de m o d o similar, a
^V*" alta repentina das reexportações de morins indianos q u e m a r c o u o fim d o século
>,c
X V I I d e v e u - s e à nova d e m a n d a das terras semitropicais, enriquecidas pelo a ç ú -
A car, tabaco e o u t r o s "artigos coloniais". A história n ã o foi diferente nos séculos
X V I I I e X I X : a fronteira comercial da Inglaterra situava-se n o a l é m - m a r - na
América, na África, n o Sul e Sudeste da Ásia. A fronteira ao sul era, de longe, a
mais i m p o r t a n t e : as índias ocidentais e as colônias continentais c o m p r a r a m , j u n -
tas, 10% das exportações domésticas inglesas e m 1700-1, 37% e m 1 7 7 2 - 3 e c e r -
ca de 57% e m 1 7 9 7 - 8 . 7 9 A lã d e s e m p e n h o u u m grande papel nesses a u m e n t o s : a
v e n d a de tecidos n o n o v o m e r c a d o d o Atlântico (América e África) havia s e x t u -
plicado desde o início d o século até as vésperas da R e v o l u ç ã o Americana. 8 0
Agora, era a vez do algodão^
^ s s i m , e m b o r a as primeiras invenções da famosa série q u e t r a n s f o r m o u a i n -
dústria têxtil - a lançadeira de Kay ( 1 ^ 3 ) e o filatório de W y a t t e Paul (1738) -
« r" tivessem sido projetadas para a fabricação de lã, os requisitos da tecnologia e a l ó -
V
JÍ gica da situação e c o n ô m i c a c o n d u z i r a m a o u t r o r u m o J
y ^ V y N ã o há t e m p o n e m espaço para r e v e n n o s aqui a história dessas invenções,
\& V:, q u e d e v e ser familiar à maioria dos leitores. Algumas observações sucintas, n o
0
>
> £ e n t a n t o , são indispensáveis.
/ ( i ) Elas s u r g i r a m n u m a s e q ü ê n c i a de desafio e resposta. A a c e l e r a ç ã o d e
u m estágio d o p r o c e s s o d e f a b r i c a ç ã o i m p u n h a u m e s f o r ç o i n t e n s o aos f a t o -
res d e p r o d u ç ã o d e o u t r o s estágios e r e q u e r i a i n o v a ç õ e s q u e c o r r i g i s s e m o
d e s e q u i l í b r i o . Já assinalamos a d i f i c u l d a d e de f o r n e c e r fio aos t e c e l õ e s . A l a n -
çadeira d e K a y , q u e só se p o p u l a r i z o u nas décadas de 1 7 5 0 e 1760, a g r a v o u
u m d e s e q u i l í b r i o já grave. O p r o b l e m a foi resolvido p o r u m a família d e m á -
q u i n a s d e fiar: as cardas d e P a u l e o u t r o s (em uso a partir da d é c a d a de 1750):
a fiadeira d e fusos d e H a r g r e a v e s (c. 1765, p a t e n t e a d a e m 1770); o filatório
A Revolução Industrial na Inglaterra 81
ELSEVIER

c o n t í n u o de A r k w r i g h t (1979); e a fiadeira a u t o m á t i c a de C r o m p t o n (1779),


assim c h a m a d a p o r c o m b i n a r algumas das características d o filatório c o n t í n u o
e da m á q u i n a de H a r g r e a v e s . 8 1 /
A v a n t a g e m mecânica até m e s m o das primeiras fiadeiras de fusos e dos fila-
tórios contínuos sobre a máquina manual era e n o r m e : cerca de seis a 24 para uma
fiadeira de fusos; muitas centenas para u m dos filatórios contínuos. A roda de fiar
que levara alguns séculos para substituir a roca, t o r n o u - s e u m a antigüidade n o
espaço de u m a década. Além disso, a vitoriosa fiadeira de fusos quase n ã o sobre-
viveu às suas vítimas: m e s m o os últimos modelos, c o m 80 e mais fusos, n ã o c o n -
seguiam c o m p e t i r e m p r o d u t i v i d a d e - para n ã o dizer e m qualidade - c o m fia-
deiras mecânicas c o m 2 0 0 e 3 0 0 fusos. N o final d o século, ela estava obsoleta.
/ É mais, a qualidade d o fio p r o d u z i d o à m á q u i n a era m e l h o r d o q u e o feito
^ pela roca ou a roda. O fio tecido à m ã o é desigual e m termos de espessura e resis-
tência, e n u n c a há duas meadas exatamente iguais. U m a das tarefas mais difíceis
f y para o fabricante d o século X V I I I era reunir sortimentos adequados de fios. Às
v
ezes, ele pagava gratificações pelo trabalho das fiandeiras especialmente talen-
tQ
\ sas. A m á q u i n a m u d o u t u d o isso. N ã o apenas seu trabalho era mais constante e
ma
^ *s ^otte e m
p r o p o r ç ã o ao peso, c o m o t a m b é m a fiadeira automática, q u e esti-
r a V a e to
va r c i a a m e c h a simultaneamente e continuava a esticar m e s m o depois de
terminada a torção, era capaz de fiar quantidades q u e o h o m e m jamais c o n h e c e -
ra: e n q u a n t o a mais habilidosa fiandeira indiana, trabalhando c o m a roda, o u
u
m a fiandeira suíça, usando u m a roca, mal conseguiam ultrapassar 150 mechas
Por libra, os melhores operadores da fiadeira automática conseguiam p r o d u z i r
quase 300 mechas n o início d o século X I X /
y / A imensa elevação da oferta de fio resultante dessas invenções - refletida e m
uni a u m e n t o de mais de 12 vezes d o c o n s u m o de algodão entre 1770 e 1800 8 2 -
, exigiu aperfeiçoamentos na tecelagem/Essa foi a fase áurea dos tecelões manuais,
cu
j a prosperidade sem precedentes foi u m c h o q u e para todos e u m escândalo
para
y alguns. A resposta foi o tear m e c â n i c o , i n v e n t a d o p o r C a r t w r i g h t e m 1787.
Essa
V" m á q u i n a teve dificuldade para se popularizar, e m virtude de algumas defi-
C1
encias mecânicas (o p r o b l e m a principal era c o m o conseguir velocidade sem
ro
y m p e r demais os fios), e sua difusão p o d e ser d i r e t a m e n t e vinculada às flutua-
Ç°es na d e m a n d a de tecidos e, p o r t a n t o , n o custo d o trabalho manual. Assim,
su
a adoção foi lenta nas duas primeiras décadas d o século, q u a n d o a guerra e,
m
a i s t a r d e , as barreiras a l f a n d e g á r i a s isolaram a Inglaterra de mercados i m p o r -
ta
ntes. Nesse ínterim, o d e s e m p e n h o foi a p r i m o r a d o . N a primeira década d o sé-
Culo> a
m á q u i n a quase se igualava e m rapidez ao tear m a n u a l tradicional, mas e m
meados da década de 1820 sua superioridade técnica havia se elevado, para u m a
Proporção de até 7,5 para 1. U m garoto o p e r a n d o dois teares era capaz de p r o -
82 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

duzir até 15 vezes mais do que o artesão doméstico. 8 3 Àquela altura, a meta pa-
recia consistir m e n o s e m acelerar a máquina do que e m simplificar sua operação,
para q u e u m a só pessoa pudesse manejar mais unidades ao m e s m o t e m p o : e m
1833, u m j o v e m c o m u m assistente de 12 anos era capaz de operar quatro teares
e produzir o equivalente a 20 vezes a produção de u m trabalhador manual. 8 4 /
/fesas cifras são u m produto de impressões, e não de uma coleta padronizada
de informações. N o entanto, transmitem uma imagem geral da defasagem cres-
J" cente entre a máquina e o h o m e m , u m descompasso refletido nas estatísticas, t a m -
v. b é m aproximadas, dos teares mecânicos e m funcionamento na Grã-Bretanha:
v 2.400 e m 1813, 14.150 e m 1820, 55.500 em 1829, 100.000 e m 1833 e 250.000
e m meados do século. 8 5 E m contraste, o n ú m e r o de tecelões e m teares manuais
declinou, embora e m u m ritmo que demonstrava a obstinação e a tenacidade de
^ / h o m e n s que não estavam dispostos a trocar sua independência pela disciplina mais
b e m remunerada das o f i c i n a s / N a década de 1810, seu n ú m e r o elevou-se para
cerca de 250 mil e manteve-se nesse patamar por mais uma década, embora os sa-
lários houvessem caído mais de 50%; em 1830, esses últimos atingiram u m m í n i -
m o , aparentemente irredutível, de aproximadamente 6 shillings por semana. As
duas décadas seguintes viram o desgaste reduzir os tecelões - apesar do recruta-
m e n t o de imigrantes irlandeses, cujo nível de subsistência era ainda mais baixo do
que o dos artesãos ingleses - a u m remanescente de 40.000. É provável que m u i -
tos, senão a maioria deles, fossem empregados apenas e m horário parcial, perma-
n e c e n d o c o m o mão-de-obra de reserva para a eventualidade de uma demanda in-
c o m u m . U m a dúzia de anos depois restavam, talvez, uns 3 mil.
Persiste u m aspecto a ser sublinhado sobre o padrão de desafio e resposta. A
proeminência das invenções na fiação e na tecelagem tendeu a obscurecer a i m -
portância desse princípio e m todos os estágios da fabricação têxtil. E m particu-
lar, teria sido impensável mecanizar a fiação sem acelerar de forma correspon-
4ente os processos preliminares de lavagem, cardagem e preparação da mecha.
O século XVIII assistiu, portanto, ao desenvolvimento de t o d o u m c o m p l e x o
vr de máquinas pré-fiação, ligadas, e m combinações racionalmente calculadas, ao
' / ^filatório c o n t í n u o e à fiadeira automática; era c o m u m os primeiros construtores
' de equipamentos v e n d e r e m seus produtos e m conjuntos, o u "jogos", que
/ , abrangiam as várias etapas da fabricação, desde a fibra bruta até o fio. O s proces-
sos d e
/ acabamento t a m b é m foram transformados: já não era viável alvejar os te-
cidos e m grandes terrenos ao ar livre, pois a quantidade produzida era maior do
q u e as terras disponíveis. A resposta estava n o uso de agentes químicos: muitas
vezes, n o início, ácido sulfúrico; a partir da década de 1790, o cloro. D o mesmo
m o d o , a estamparia c o m cilindros foi introduzida e m Londres, n o lugar da es-
tamparia c o m blocos, e m 1783; o processo de cilindros era c o n h e c i d o há algum
A Revolução Industrial na Inglaterra 83
ELSEVIER

t e m p o , mas, nessa ocasião, a d e m a n d a estava pronta para r e c e b ê - l o e a máquina


d i f u n d i u - s e r a p i d a m e n t e para o resto d o país.^
/(ii) As muitas p e q u e n a s conquistas f o r a m tão importantes q u a n t o os avanços
iniciais mais espetaculares. N e n h u m a das invenções c h e g o u à indústria e m sua
perfeição plena. Salvo o ensaio e erro da criação, h o u v e i n ú m e r o s ajustes e a p e r -
'* f e i ç o a m e n t o s - na articulação das peças, na transmissão da energia e nos m a t e -
riais
^ e m p r e g a d o s - antes q u e essas engenhocas primitivas pudessem f u n c i o n a r
jt- ^ ^ comercialmente. As primeiras décadas da industrialização assistiram a u m a g u e r -
, ji ra ininterrupta contra os defeitos. E n t r e t a n t o , na virada d o século, n ã o apenas a
a n n a ç ã o pesada e imóvel das máquinas podia ser feita de ferro, c o m o t a m b é m
suas peças móveis; as correias de c o u r o haviam substituído as cordas de polia fei-
tas dos resíduos dos cotonifícios. Nas décadas subseqüentes, os a p e r f e i ç o a m e n -
tos das máquinas a vapor p r o d u z i r a m uma cadência mais regular; as engrenagens
e
os eixos f o r a m racionalizados; e a a u t o m a ç ã o crescente atingiu seu apogeu
^ c o m o filatório a u t o m á t i c o de R o b e r t s (1825)/'
VvXy ^íii) N a d a ilustra m e l h o r a importância contínua das considerações p u r a -
v^ m e n t e tecnológicas d o q u e a persistente defasagem da mecanização na indústria
^ lanígera/&ó na década de 1780, a fiadeira de fusos passou a ter u m uso generali-
Zac na
H *° ^ r e a de Leeds, e a fiadeira automática só o b t e v e sucesso na década de
f 1830. N o estame, e m q u e as fibras penteadas s u p o r t a m u m esforço maior, as m á -
quinas f o r a m mais r a p i d a m e n t e introduzidas: nos decênios de 1780 e 1790, as
fábricas e oficinas de Yorkshire estavam usando fiadeiras de fusos e automáticas
acionadas p o r tração manual ou animal e filatórios c o n t í n u o s modificados. A
Primeira utilização da máquina a vapor data de antes da virada d o século e, e m
1820, talvez houvesse duas dúzias de fabricas movidas a v a p o r n o W e s t R i d i n g .
Nesse m o m e n t o , a fiação manual era quase u m a curiosidade. 8 6
y M e s m o depois de mecanizada, a indústria lanígera era obrigada a trabalhar
mais devagar d o q u e os cotonifícios. William Fairbairn, p r o v a v e l m e n t e a m a i o r
autoridade da época e m projetos fabris, coloca as fiadeiras automáticas d e seu
m o d e l o de cotonifício f u n c i o n a n d o a 2 3 2 r.p.m. e as de seu lanifício h i p o t é t i c o
a
152. 8 7 As limitações de velocidade e r a m ainda mais sérias na tecelagem, e m
que
o tear m e c â n i c o n ã o p r o p o r c i o n a v a nada q u e se assemelhasse aos ganhos de
Produtividade característicos d o n o v o e q u i p a m e n t o de fiação. Assim, os teares
de algodão de Fairbairn f u n c i o n a v a m c o m 140 a 160 batidas p o r m i n u t o , e n -
quanto seu equivalente de lã alcançava 4 ó / S e m dúvida, era mais difícil tecer o
10
de lã d o q u e o estame mais resistente. P o r é m , m e s m o na fabricação d o esta-
e
» o tear m e c â n i c o teve u m a i n t r o d u ç ã o lenta. A transição n o W e s t R i d i n g
ocorreu n o fim das décadas d e 1830 e 1840: 2 . 7 6 8 teares mecânicos e m 1836,
1
- 4 5 8 e m 1 8 4 1 , 1 9 . 1 2 1 e m 1845 e 3 5 . 2 9 8 e m 1856. 8 8 A indústria lanígera esta-
84 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

va cerca de u m a década atrasada (6.275 teares mecânicos e m Yorkshire e m


1856, 5 . 7 3 3 e m Lancashire e 14.391 e m toda a Grã-Bretanha); e, m e s m o depois
de os teares manuais t e r e m sido eliminados dos galpões das empresas maiores,
eles sobreviveram n o interior de Yorkshire - a fortiori n o W e s t C o u n t r y , local d o
a n t i q u a d o c o m é r c i o das casimiras finas.

/ E m razão de sua importância posterior, a indústria siderúrgica t e m às vezes


v
' , - S r e c e b i d o mais atenção d o q u e m e r e c e nos textos d e história da R e v o l u ç ã o
V Industrial. O b s e r v a n d o o passado e m u m e n f o q u e de c e m anos depois, o u até
mais, e v i v e n d o e m u m m u n d o e m q u e a indústria pesada é a base da e c o n o m i a ,
os autores t e n d e r a m a superenfatizar a significação imediata, n o século X V I I I
^ S dos avanços tecnológicos na f u n d i ç ã o e na purificação. N e m e m t e r m o s d o n ú -
- . 1

' V" . m e r o de h o m e n s empregados, n e m d o capital investido, d o valor da p r o d u ç ã o


\ rj
o u d o r i t m o de crescimento, era possível c o m p a r a r o ferro c o m o algodão nesse
p e r í o d o ^ e a unidade p r o d u t o r a , a princípio m a i o r d o q u e nas outras indústrias,
cresceu sob o estímulo da transformação técnica, o i m p a c t o social desse cresci-
m e n t o de m o d o algum foi comparável, na indústria têxtil, ao da transição da fa-
bricação doméstica para as fabricas. P o r o u t r o lado, a oferta crescente de metal
cada vez mais barato facilitou m u i t o a mecanização de outras indústrias, a passa-
g e m da energia hidráulica para a energia a v a p o r e, p o r fim, a transformação dos
meios de transporte. Nesse processo, as unidades manufatureiras da metalurgia
cresceram até suplantar, c o m sua amplitude e energia extraordinária, os maiores
cotonifícios d o reino.
/ P a r a c o m p r e e n d e r a história da indústria d o ferro e d o aço, é indispensável
1
a- u m c o n h e c i m e n t o dos determinantes p u r a m e n t e tecnológicos. Nesse sentido, é
v/ preciso ter três p o n t o s e m m e n t e :
(i) A metalurgia é u m processo q u í m i c o : o p r o b l e m a é reduzir o m i n é r i o ,
V ' ^ q u e é o ferro sob f o r m a composta, a u m metal a d e q u a d a m e n t e p u r o . A reação
^ * exige grandes quantidades de c a r b o n o , além de calor, e o combustível, q u e
v
Y ^ a t e n d e a u m a dupla finalidade, entra necessariamente e m c o n t a t o d i r e t o c o m o
m i n é r i o . Isso cria dificuldades especiais//Todo combustível, seja ele vegetal o u
minera1, c o n t é m
V V substâncias diferentes d o c a r b o n o - óleos, além d e minerais
,.,>•• c o m o e n x o f r e e fósforo - q u e são prejudiciais ao p r o d u t o final. A carbonização
elimina as impurezas voláteis; j á na Antigüidade, os f u n d i d o r e s e ferreiros usa-
V
. v a m o carvão vegetal e m vez da madeira, e a i n t r o d u ç ã o da h u l h a c o m o c o m -
bustível, n o fim da Idade M é d i a , logo foi seguida pelo d e s e n v o l v i m e n t o da f o r -
ma análoga coqueificada. Mas n e m a carbonização n e m a coqueificação elimi-
n a m as impurezas minerais, q u e são m u i t o mais sérias n o carvão mineral d o q u e
na madeira. Assim, apesar d o d e s e n v o l v i m e n t o n o século X V I I de técnicas para
— A Revolução Industrial na Inglaterra 85
W-SEVIER
V

v fj/ usar o c o q u e na fabricação de vidro, na maltagem, na tinturaria e e m outras i n -
dústrias de alto c o n s u m o energético, e m que é possível m a n t e r separados o
combustível e a matéria-prima, os esforços para utilizá-lo na f u n d i ç ã o de ferro
fracassaram. 8 9 Só q u a n d o u m a mistura de m i n é r i o quase l i m p o e hulha foi c o n -
seguida p o r acaso p o r Darby, e m Coalbrookdale, e m 1709, é que o ferro c o q u e i -
ficado t r a n s f o r m o u - s e n u m a realidade comercial. 9 0 M e s m o assim, o processo só
veio a difundir-se após m e i o século, depois q u e décadas de e m p i r i s m o alcança-
ram u m c o n h e c i m e n t o da mistura e d o p r o d u t o final q u e possibilitou a utiliza-
ção de materiais m e n o s propícios, e após os aperfeiçoamentos d o j a t o de ar q u e
p r o d u z i r a m as temperaturas mais altas necessárias. A l é m disso, foi preciso q u e se
passasse mais u m a geração para q u e as inovações n o refino possibilitassem a c o n -
versão d o ferro coqueificado n o c o m p e t i t i v o ferro f o r j a d o , de dureza e maleabi-
lidade comparáveis às d o metal feito c o m carvão vegetal. 9 ^A Inglaterra foi o pri-
meiro país a enfrentar esse problema: a adoção tardia da f u n d i ç ã o a c o q u e n o
c o n t i n e n t e deveu-se, e m grande medida, às mesmas dificuldades químicas.
Considerações similares iriam revelar-se decisivas na segunda m e t a d e d o século
X I X , na aplicação d e novas técnicas à p r o d u ç ã o d e aço e m larga escala.
A ? ) O carvão vegetal o u o c o q u e usados nos altos-fornos d e v e m ser, ao m e s -
m o t e m p o , s u f i c i e n t e m e n t e porosos para p r o p o r c i o n a r a m a i o r superfície possí-
V
. v / V e l Para a c o m b u s t ã o e a passagem d o calor e das chamas, e suficientemente f o r -
' V tes e rígidos para suportar o peso da carga. Essa é u m a das razões p o r q u e sempre
h o u v e limites - s o b r e t u d o antes d o a d v e n t o das ferrovias - para o transporte de
\ Qualquer desses combustíveis; uma vez esfarelados pelos sacolejos e pelo m a n u -
Seio
V > eles t o r n a m - s e inúteis/isso t a m b é m explica p o r q u e n e m t o d o carvão m i -
^ neral é a d e q u a d o para o c o q u e metalúrgico: q u a n d o ele é m u i t o oleoso o p r o -
duto final da carbonização é excessivamente o c o e, p o r t a n t o , passível de esface-
lar-se; e, q u a n d o t e m p o u c o o u n e n h u m óleo, c o m o o antracito, o resultado é
solido demais para a c o m b u s t ã o . S e m dúvida, há u m a certa m a r g e m de liberdade
e
> na verdade, a metalurgia m o d e r n a fez grandes progressos na mistura de quali-
dades de hulha q u e de o u t r o m o d o seriam inadequadas para p r o d u z i r u m c o q u e
satisfatório. N ã o obstante, as diferenças de qualidade i m p õ e m diferenças de cus-
Sobretudo n o s é c u l o X I X , a d i s t r i b u i ç ã o de hulha para c o q u e - q u e era par-
ticularmente favorável à Inglaterra e à A l e m a n h a ocidental - foi u m fator vital na
localização e n o p o s i c i o n a m e n t o c o m p e t i t i v o da indústria metalúrgica.
•V A3) A c o m b u s t ã o eficiente n o a l t o - f o r n o requer u m j a t o de ar p o t e n t e ;
C1Uanto m
a i o r o f o r n o , mais p o t e n t e precisa ser o j a t o . A substituição da h u l h a
pel
tf. / ° c ° q u e exigiu e i n c e n t i v o u a utilização de fornos ainda maiores. O s esforços
y P a r a a u m e n t a r o sopro dos tradicionais foles de c o u r o m o v i d o s p o r força h i d r á u -
0 ca foram, de m o d o geral, insatisfatórios. Só q u a n d o o cilindro de sopro de ferro

tr
ELSEVIER
PROMETEU DESACORRENTADO
86

f u n d i d o (c. 1760, e m C a r r o n ) foi c o m b i n a d o c o m a m á q u i n a a v a p o r rotativa


(1776, n o f o r n o d e J o h n W i l k i n s o n , e m Willey, Shropshire) o p r o b l e m a foi r e -
solvido. 9 2 M e s m o assim, a técnica dos fornos ficava m u i t o a q u é m das possibili-
dades químicas d o processo de c o m b u s t ã o . Para explorá-las, era preciso alterar o
caráter d o p r ó p r i o sopro. O passo inicial e mais r e c o m p e n s a d o r nesse sentido
consistiu e m p r é - a q u e c e r o ar (Neilson, 1829). O seguinte, realizado s o m e n t e
depois da Segunda G u e r r a M u n d i a l , consistiu e m modificar o ar, m a n t e n d o a
u m i d a d e constante e / o u e n r i q u e c e n d o - o c o m o x i g ê n i o /
(4) O p r o d u t o d o a l t o - f o r n o é o ferro-gusa, u m metal d u r o e q u e b r a d i ç o
J demais para ser trabalhado. A única maneira de m o l d á - l o é colocá-lo e m fôrmas;
X
y m e s m o assim, as peças resultantes não resistem à pressão, ao esforço o u aos i m -
pactos. Para transformar essa f ô r m a de ferro n u m a q u e possa ser trabalhada e q u e
s u p o r t e a tensão (o c h a m a d o ferro f o i j a d o o u maleável), é preciso refiná-la, eli-
m i n a n d o a m a i o r parte d o c a r b o n o remanescente e outras impurezas químicas
q u e d i m i n u a m sua maleabilidade, sua resistência à tração, sua ductilidade e o u -
tras qualidades. N o c o m e ç o d o século X V I I I , isso era feito p e l o a q u e c i m e n t o e
r e a q u e c i m e n t o d o metal e m fornos de carvão vegetal e pela eliminação da escó-
ria m a r t e l a n d o - o - u m processo l o n g o e dispendioso, que gerava u m p r o d u t o de
alta qualidade, mas desigual, e d e f o r m a irregular.
A partir da década de 1730, os foijadores ingleses fizeram grandes esforços e
desembolsaram m u i t o capital na procura de u m a técnica mais rápida e segura,
q u e usasse combustível mineral e m vez de vegetal. A busca levou m e i o século.
O p r i m e i r o passo t r o u x e apenas u m a solução parcial: pela i n t r o d u ç ã o d e u m ca-
d i n h o d e refino e, p o r vezes, t a m b é m de u m f o r n o de r e v é r b e r o (em q u e as c h a -
mas n ã o incidiam d i r e t a m e n t e sobre o metal) entre a fornalha e a forja, foi possí-
vel usar hulha o u c o q u e , e m vez de carvão vegetal, e m alguns processos de refi-
n o e, depois, e m todos. A operação ainda era lenta e o p r o d u t o resultante n ã o
era tão b o m q u a n t o o q u e resultava d o uso de carvão vegetal, p o r é m era mais
barato. E m 1788, s e g u n d o u m a estimativa, cerca de m e t a d e d o ferro f o i j a d o d o
x reino era feito c o m combustível mineral. 9 3 Nessa época, e n t r e t a n t o , o triunfo
^ definitivo da h u l h a foi assegurado pela i n v e n ç ã o d e u m a técnica m u i t o diferente
' - a c o m b i n a ç ã o de p u d l a g e m e laminação de H e n r y C o r t (patentes d e 1 7 8 3 e
1784). O p r i m e i r o processo utilizava u m f o r n o de r e v é r b e r o para, n u m a p r i m e i -
ra etapa, descarbonizar o gusa, a q u e c e n d o e esfriando a l t e r n a d a m e n t e o metal
até q u e o ferro f o i j a d o pudesse ser separado, e m razão d e seu p o n t o d e fusão
mais elevado. D e p o i s de u m a martelagem preliminar, o l a m i n a d o r - usado d u -
rante m u i t o t e m p o para trabalhos leves c o m o o corte de barras - eliminava a es-
cória p o r compressão, e m vez d e m a r t e l a m e n t o , e n q u a n t o ia m o l d a n d o o ferro.
Essa aplicação d o princípio rotativo oferecia duas grandes vantagens e m relação
A Revolução Industrial na Inglaterra 87
ELSEVIER

à ação recíproca d o martelo de forja: funcionava talvez 15 vezes mais depressa e,


ao fazer ranhuras o u o u t r o s tipos de p r é - m o l d a g e m nos cilindros, era possível
produzir u m a gama quase ilimitada das formas brutas padronizadas - vigas, bar-
ras, trilhos e similares - q u e vieram a constituir a estrutura básica da indústria, da
construção e dos t r a n s p o r t e s ^
yf O curso da transformação tecnológica na metalurgia sugere as seguintes g e -
neralizações:
^ o-1- (1) Existe na siderurgia, assim c o m o na indústria têxtil, u m a oscilação entre
^ ^ desafio e resposta. A disseminação da f u n d i ç ã o a c o q u e i m p ô s novas pressões ao
,. ^ refino, apesar da engenhosidade dos manufatores de ferro n o d e s e n v o l v i m e n t o
V * -. de novas aplicações para o ferro f u n d i d o . A c o m b i n a ç ã o de p u d l a g e m e lamina-
Ção de C o r t a t e n u o u t e m p o r a r i a m e n t e a dificuldade, mas a construção de fornos
novos e maiores deu o r i g e m a u m n o v o desequilíbrio ao l o n g o d o século X I X .
A dificuldade básica era o esforço físico da p u d l a g e m , q u e exigia força e resistên-
cia excepcionais. Havia u m limite para suportar a fadiga e, após algum t e m p o , a
única maneira de a u m e n t a r a p r o d u ç ã o foi treinar mais h o m e n s e construir mais
fornos. M u i t o d i n h e i r o e esforço f o r a m gastos na procura de u m m o d o de m e -
canizar o processo. E m vão: o desequilíbrio só foi corrigido depois q u e Besse-
m
e r e seus sucessores a p r e n d e r a m a p r o d u z i r aço b a r a t o /
/(2) Mais
u m a vez, na siderurgia c o m o na indústria têxtil, é provável que, a
longo prazo, os p e q u e n o s progressos a n ô n i m o s t e n h a m sido mais importantes
do q u e as grandes i n v e n ç õ e s mencionadas nos livros de história. E, d e n o v o ,
c o m o na indústria têxtil, a razão disso encontra-se, e m parte, na p r o x i m i d a d e
empírica q u e esses primeiros progressos guardavam entre si. As patentes eram
u
m c o m e ç o , b e m c o m o u m fim, e os p r o d u t o r e s siderúrgicos verificaram q u e
c
ada c o m b i n a ç ã o d e m i n é r i o e combustível, o u metal e combustível, exigia sua
Própria receita. Essa palavra é usada aqui deliberadamente. A siderurgia era, na
essência, u m a espécie de arte culinária - requeria u m a sensibilidade para os i n -
gredientes, u m senso aguçado de p r o p o r ç ã o e u m " i n s t i n t o " sobre o t e m p o q u e
a
panela devia p e r m a n e c e r n o f o g ã o ^ O s p r o d u t o r e s d e ferro n ã o sabiam p o r q u e
a
lgumas coisas f u n c i o n a v a m e outras não; t a m p o u c o se i m p o r t a v a m c o m isso.
Só e m
meados d o século X I X , os cientistas a p r o f u n d a r a m seu c o n h e c i m e n t o so-
kre o processo de transformação d o m i n é r i o e m metal, de m o d o a f o r n e c e r u m
guia de técnicas racionais e medidas de avaliação d o d e s e m p e n h o . Ainda e m
1860, Bessemer ficou p e r p l e x o c o m o fracasso de seu conversor q u a n d o posto
P a r a trabalhar c o m minérios fosfóricos.
y\^v " / A f ora a adaptação dos processos de f u n d i ç ã o e purificação a minérios e c o m -
f ^a
g
ustiveis d e características diferentes, os aperfeiçoamentos m e n o r e s na t e c n o l o -
13
do ferro c o n c e n t r a r a m - s e , e m sua m a i o r parte, e m três áreas:
88 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

ij (a) Economia de combustível. O s aumentos são difíceis de mensurar, devido à


impossibilidade de comparações estatísticas. N o Sul do País de Gales, as modifica-
ções do sopro, da f o r m a e d o tamanho dos fornos reduziram o c o n s u m o de carvão
" (inclusive dos m o t o r e s e dos fornos de cal e minério), p o r tonelada de gusa, de tal-
vez 8 toneladas e m 1791 para 3,5 toneladas e m 1830. O mais importante progres-
V A o isolado foi o sopro de ar quente de Neilson, introduzido na Escócia e m 1829:
c o m alguns tipos de material, ele gerava u m a economia de combustível de mais de
1 / 3 , q u a n d o se empregava o coque, e de mais de 2 / 3 , n o caso do uso d o carvão,
ao m e s m o t e m p o a u m e n t a n d o acentuadamente a p r o d u ç ã o p o r forno// O ar
q u e n t e foi o início de u m e n o r m e crescimento na p r o d u ç ã o escocesa de ferro: a
p r o d u ç ã o de gusa subiu de 29.000 toneladas e m 1829 para 825.000 e m 1855. O s
resultados f o r a m impressionantes, p o r é m m e n o s espetaculares, ao sul de T w e e d .
Algumas áreas, c o m o Black C o u n t r y e o Sul de Gales, levaram décadas para adotar
a nova técnica./fem geral, o interesse britânico pela e c o n o m i a de combustível era
, limitado pelo baixo custo da hulha; grande parte do a p r i m o r a m e n t o fora, simples-
V m e n t e , u m subproduto d o crescimento - os fornos maiores e mais eficientes t e n -
diam a queimar m e n o s c o q u e p o r unidade produtora.')
y^S N o refino, as técnicas tradicionais c o n s u m i a m 2,5 a 3 toneladas de carvão
vegetal p o r tonelada de ferro b r u t o p r o d u z i d o . O uso de combustíveis mistos
(parte c o q u e e parte carvão vegetal) reduziu essa p r o p o r ç ã o para cerca de 2 p o r
1. E m seguida, a p u d l a g e m reduziu-a para 1,5 p o r 1 e, c o m os n o v o s aperfeiçoa-
m e n t o s , para 0,75 p o r 1 e m m e a d o s d o século X I X . 9 4 O s ganhos f o r a m substan-
ciais, e m b o r a m e n o s importantes d o q u e na f u n d i ç ã o . C a b e lembrar, n o e n t a n -
to, q u e cada técnica q u e permitia a substituição d o combustível vegetal p o r
combustível mineral trazia u m acréscimo c o r r e s p o n d e n t e aos recursos e n e r g é t i -
cos d o h o m e m .
/(b) Economia de metal. O p r o b l e m a era especialmente grave n o refino: nos
primeiros fornos de p u d l a g e m , m e t a d e d o gusa era levado na escória. U m a série
y' f de m u d a n ç a s q u e c u l m i n o u , n o fim da década de 1830, n o c a d i n h o de J o s e p h
jj Hall, feito de cinza batida (em vez de areia, q u e absorvia m u i t o ferro), reduziu o
V desperdício a 8%, ao m e s m o t e m p o acelerando o processo de transformação. A
inovação de Hall levou a e c o n o m i a de ferro quase ao seu limite; n o fim d o sécu-
lo X I X , o desperdício ainda correspondia a cerca de
s. /(O Adaptação ao crescimento. A constante ampliação dos fornos de f u n d i ç ã o
i* visou m e n o s a e c o n o m i z a r matéria-prima d o q u e a elevar a p r o d u ç ã o e, se possí-
ve a
y' y> l> produtividade d o trabalho; ela t r o u x e consigo u m grande a u m e n t o d o n ú -
vyV/ y m e r o de fornos de pudlagem. A o m e s m o t e m p o , a m a i o r familiaridade c o m os
V
/ J:'usos ^ e r r o acarretou u m a d e m a n d a p o r peças de metal cada vez maiores.
^ f C o m esse crescimento da p r o d u ç ã o e das dimensões d o p r o d u t o , surgiram as di-

J
A Revolução Industrial na Inglaterra 89
ELSEVIER

ficuldades de m o v i m e n t a ç ã o das matérias-primas, e de manuseio e m o l d a g e m


das peças. Elas f o r a m solucionadas p o r u m a multiplicidade de recursos: platafor-
mas elevadas para carregar os altos-fornos, trilhos para o transporte d e n t r o da fa-
brica e até d e n t r o dos galpões de fundição, polias aéreas acopladas a correntes e
guindastes para erguer os lingotes e as peças acabadas. O martelo-pilão a vapor,
projetado e m 1839 p o r N a s m y t h e e m p r e g a d o pela primeira vez p o r B o u r d o n
de Le C r e u s o t (o debate e m t o r n o da prioridade assumiu o caráter de u m a dis-
puta nacional), foi, na verdade, u m a maneira de p ô r nas mãos d o f o r j a d o r u m a
energia e u m a força sem precedentes, submetidas a u m c o n t r o l e preciso; as
grandes furadeiras f o r a m u m progresso similar.
V / o d e s e n v o l v i m e n t o da siderurgia inglesa esteve d i r e t a m e n t e ligado a essas
^ considerações tecnológicas. Até meados d o século X V I I I , as limitações financei-
y .5
e materiais d o transporte de carvão vegetal o u de madeira restringiram o
crescimento e, muitas vezes, obrigaram os d o n o s de fundições a i n t e r r o m p e r o
^ ^trabalho até p o r vários meses, e n q u a n t o se recolhia combustível suficiente para
N o u t r a operação; isso elevava muitíssimo os custos fixos. A irregularidade d o f o r -
. x t * n e c i m e n t o de água para a força hidráulica, e m virtude das estiagens d o verão e,
c
y ° m m e n o s freqüência, dos congelamentos d o i n v e r n o , i m p u n h a interrupções
semelhantes.
As duas dificuldades c o m b i n a v a m - s e , ocasionalmente, n o sentido
(i , .
^ ae levar as fornalhas e as foijas para áreas rurais solitárias, o n d e a abundância de
combustível e água era praticamente anulada pelo isolamento d o m e r c a d o .
/Há
m u i t o costuma-se dizer q u e a avidez exagerada da indústria de ferro i n -
^ ^ glesa esgotara a tal p o n t o seu s u p r i m e n t o de madeira n o século X V I I I , q u e
mu
• xv* i t a s fornalhas e forjas f o r a m obrigadas a fechar as portas, q u e a p r o d u ç ã o glo-
bal caiu o u , pelo m e n o s , m a n t e v e - s e inalterada desde cerca de 1660 até 1760, e
' c ^ u e só a i n t r o d u ç ã o dos combustíveis minerais salvou a indústria de m o r r e r l e n -
y ' taniente à m í n g u a . C o n t u d o , estudos recentes modificaram esse cenário, obser-
v
] a n d o q u e a madeira e m p r e g a d a pelos proprietários dos fornos era m a d e i -
ra-branca e n ã o madeira-de-lei; q u e grande parte dela era sistematicamente c u l -
p a d a para a indústria siderúrgica, p o r t a n t o , ao m e n o s e m algumas áreas a oferta
a u m e n t o u ; e q u e u m n ú m e r o substancial de novas fornalhas e forjas e n t r o u e m
operação depois de 1660, mais d o q u e c o m p e n s a n d o as q u e tiveram de ser f e -
chadas. 9 6 Persiste o fato de q u e o carvão vegetal tornava-se cada vez mais caro
e m algumas das áreas tradicionais de f u n d i ç ã o d o ferro; f u n d o u - s e u m n ú m e r o
m u i t o m a i o r de n o v o s fornos antes de 1700 d o q u e depois; grande parte da i n -
ustria sobreviveu à c o n c o r r ê n c i a sueca e russa graças, apenas, às tarifas alfande-
gárias; e a p r o d u ç ã o , e m b o r a aumentasse, elevava-se m u i t o mais l e n t a m e n t e d o
1 u e as importações o u a p r o d u ç ã o de indústrias mais prósperas/'O sr. Flinn suge-
n u U m
a u m e n t o de "mais de 10 mil toneladas" de 1660 a 1760; isso implicaria,
90 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

n o m á x i m o , u m acréscimo de 75%. A título de comparação, as compras de ferro


da Suécia e da Rússia mais d o q u e duplicaram de 1 7 1 1 - 5 a 1751-5. 9 7
Já e m 1740, a G r ã - B r e t a n h a usava, talvez, 10 ou 11 libras de ferro f o r j a d o
p o r pessoa a cada ano. N o s 50 anos seguintes, o c o n s u m o quase duplicou. E m
c o m p a r a ç ã o , os franceses usavam cerca de 5 libras per capita nessa época mais r e -
cente, e a média d o c o n t i n e n t e c o m o u m t o d o era m u i t o mais baixa. Essas esti-
mativas aproximadas são confirmadas pelas impressões qualitativas dos observa-
dores: é o caso de A r t h u r Y o u n g , q u e nota c o m surpresa q u e "as rodas desses v a -
gões [franceses] são todas revestidas de madeira, e m vez de f e r r o " . 9 8 Q u a i s q u e r
q u e fossem as origens dessa propensão - q u e Alfred Marshall atribuiu ao " r o b u s -
to e resoluto caráter n ó r d i c o " de seus ancestrais 9 9 - , ela é ainda mais impressio-
nante p o r ter se desenvolvido apesar da crescente escassez de combustível; até
u m a época mais tardia d o século X V I I I , a Inglaterra usava o ferro p o r q u e queria,
e n ã o p o r q u e ele fosse a b u n d a n t e o u barato (é verdade q u e o substituto mais
provável, a madeira, talvez fosse ainda mais d i s p e n d i o s o ) / M e s m o assim, só nos
resta imaginar o que teria a c o n t e c i d o se o país tivesse c o n t i n u a d o a d e p e n d e r de
fontes externas, caras e inflexíveis, para o b t e r m u i t o , senão a m a i o r parte, d o
principal material estrutural da tecnologia m o d e r n a . 1 0 0
D e qualquer m o d o , o problema foi solucionado pela substituição da madeira
pelo carvão mineral. Graças à excepcional dotação de recursos da Inglaterra e às
condições favoráveis de transporte, essa substituição transformou uma indústria de
custo elevado na mais eficiente do m u n d o . / A produção de ferro-gusa a u m e n t o u
drasticamente (a década de 1780 parece haver marcado uma mudança definitiva na
curva). E m 1750, a Grã-Bretanha importava duas vezes mais ferro do que produzia,
mas e m 1814 suas exportações já somavam, sozinhas, cinco vezes suas importações.
Parte desse rápido a u m e n t o da produção refletiu as necessidades especiais dos anos
de guerra. Mas o advento da paz trouxe para o primeiro plano outras fontes de d e -
manda: a engenharia, a construção de fábricas e equipamentos, a fabricação de i m -
plementos agrícolas, ferramentas, encanamentos de água e gás e, sobretudo depois
de 1830, de trilhos. O mais importante é que as exportações de ferro subiram quase
20 vezes e m meados do século (57 toneladas e m 1814 e 1.036.000 e m 1852). N a
década de 1780, a produção inglesa de ferro era m e n o r d o que a da França; e m
1848, ela fundia quase 2 milhões de toneladas, mais d o que todo o resto d o m u n d o .
O d e s e n v o l v i m e n t o da indústria mecanizada, c o n c e n t r a d a e m grandes u n i -
dades produtoras, teria sido impossível sem u m a f o n t e de energia m a i o r d o q u e
p o d i a m oferecer as forças h u m a n a e animal, e q u e independesse dos caprichos
da natureza. A resposta foi encontrada e m u m n o v o t r a n s f o r m a d o r de energia -
a m á q u i n a a vapor - e na exploração, e m altíssima escala, de u m antigo c o m b u s -
tível: o carvão mineral.
A Revolução Industrial na Inglaterra 91
ELSEVIER

TABELA I. Produção de Ferro-Cusa da Grã-Bretanha (em toneladas longas)


1740 17.350 1830 678.417
1788 68.300 1835 940.000
1796 125.079 1839 1.248.781
1806 258.206 1848 1.998.568
1825 581.367 1852 2.701.000
FONTES: Para os anos de 1740-1830, Scrivenor, History ofthe Iron Trade, p. 136 e 302; quanto a 1835,
M. Meisner, Die Versoi$unt> der Weltwirtschajt mil Bergwerkserzeugnissen, 1,1860-1926 [in Weltmontansta-
tistik, pub. por Preussische Geologische Landersanscalt], Stuttgart, 1929, p. 84; em relação a 1839,
Mushet, Papers on Iron and Steel, p. 421; para 1848, LudwigBeck, Geschichte des Eisens in technischer und
kulturgeschichtlicher Bezielmng (5 vols., Braunschweig, 1894-1903, IV, p. 665. Observe-se que todos es-
ses números constituem pressupostos informados. Os primeiros relatórios oficiais da produção de ferro
surgiram somente em 1854. Cf. R . Hunt, "The Present State o f t h e Mining Industries o f t h e United
Kingdom",J. Royal Slatislical Soe., XIX, 1856, p. 317; Howard G. Roepke, "Movements o f t h e Bri-
tish Iron and Steel Industry - 1720 to 1951", [Illinois Studies in the Social Sciences, v. XXXVI] (Urbana,
19
56), p. 24.

t- ^ / U m atraía o o u t r o . A f o n t e mais intensa de d e m a n d a de m a i o r energia era a


mineração, s o b r e t u d o a mineração de carvão. A partir d o século X V I , c o m o já
& „ % a s s m a l a m o s , a necessidade de novas fontes de energia térmica, e m u m país quase
* sem florestas, levou os ingleses a substituírem o combustível vegetal pelo m i n e -
e m u m a ampla variedade de operações industriais q u e usavam o calor. A o
O m e s m o t e m p o , o c o n s u m o de carvão para fins domésticos teve u m a u m e n t o sis-
te
çf K m á t i c o : é possível q u e n o século X V I os ingleses recuassem diante dos vapores
^ acres e sulfurosos d o carvão e m c o m b u s t ã o , mas, n o p e r í o d o m o d e r n o , esses es-
cru
> P u l o s f o r a m superados pela familiaridade e a necessidade,
li*tf Q u a n t o mais carvão usava, mais o h o m e m aprofundava as escavações, até
n o
fim d o século X V I I , as minas de muitas áreas haviam c h e g a d o abaixo d o
en
^ Çol freático e as i n u n d a ç õ e s ameaçavam encerrar as novas extrações (as m e s -
V ^ mas dificuldades estavam c o m e ç a n d o a atingir as minas de estanho, c h u m b o e
^r cobre da C o r n u a l h a ) . P r o j e t a r a m - s e sistemas engenhosos para drenar a água,
q u a n d o possível, o u para b o m b e á - l a o u retirá-la das minas através da tração ani-
^ e n t a n t o , a tarefa estava f u g i n d o r a p i d a m e n t e ao controle: n u m a só mina
« de carvão e m W a r w i c k s h i r e , 5 0 0 cavalos e r a m e m p r e g a d o s para içar a água, bal-
^ d e a p ó s baldei
uso
\ ^ „ ° de 5 0 0 cavalos evidencia u m fato simples, mas às vezes negligenciado:
^ nao há, e m princípio, q u a l q u e r limite - a n ã o ser os n ú m e r o s - para o v o l u m e d e
tr
a b a l h o passível de ser realizado o u para a energia passível de ser gerada pela
m a o - d e - o b r a h u m a n a o u animal. Basta pensarmos, p o r e x e m p l o , na c o n s t r u ç ã o
pirâmides o u e m trabalhos equiparáveis, c o m o a r e m o ç ã o de u m obelisco de
92 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

327 toneladas de R o m a , e m 1586, pelo esforço c o n j u n t o de 800 h o m e n s e 140


cavalos, q u e a c i o n a v a m 40 cabrestantes na presença do v e r d u g o oficial. 1 0 1
/ E n t r e t a n t o , o uso de u m c o n t i n g e n t e de trabalhadores o u de verdadeiras
hordas de animais i m p õ e dificuldades logísticas q u e a u m e n t a m a c e n t u a d a m e n t e
í c o m o n ú m e r o de unidades de m ã o - d e - o b r a : há o p r o b l e m a de c o o r d e n a ç ã o ,
c. e m p r i m e i r o lugar e, associados a ele, as simples limitações de espaço e o alto
custo de u m sistema c o m p l e x o de transmissão de força. A l é m disso, h o m e n s e
' ^ ^ a n i m a i s estão sujeitos à fadiga; t ê m de ser substituídos e, q u a n t o mais o são, mais
difícil é a passagem de u m a e q u i p e para a seguinte. Essa espécie de trabalho e m
massa é razoavelmente eficaz - desde que sejam observadas certas precauções e
q u e a disciplina seja mantida - na execução de obras esporádicas que exijam u m
esforço intenso p o r curtos períodos de t e m p o . Mas n ã o é a d e q u a d o ao f o r n e c i -
m e n t o de energia constante e concentrada, exigido pela i n d ú s t r i a /
^ ^ i Nisso residia a grande v a n t a g e m da m á q u i n a a vapor. Ela era incansável e
j podia-se dirigir suas dezenas de cavalos-vapor c o m m u i t o mais eficiência d o q u e
^ y-^r c o n j u g a r os esforços de 500 cavalos vivos. A l é m disso, a l o n g o prazo essa foi a
jf chave dos efeitos revolucionários da m á q u i n a a vapor n o ritmo d o crescimento
^ "M e c o n ô m i c o : ela consumia combustível mineral e, c o m isso, tornava acessível à
indústria u m a f o n t e de energia n o v a e a p a r e n t e m e n t e ilimitada para o f o r n e c i -
m e n t o de força motriz, e m contraste c o m o simples calor^As primeiras m á q u i -
nas a vapor eram e x t r e m a m e n t e ineficazes, t r a n s f o r m a n d o e m trabalho m e n o s
de 1% da energia armazenada nos insumos térmicos. Isso estava m u i t o l o n g e d o
d e s e m p e n h o dos conversores orgânicos: tanto os animais q u a n t o o h o m e m são
capazes de transformar 10% a 20% dos insumos e m energia útil, d e p e n d e n d o das
condições. Mas n e n h u m dos dois p o d e c o m e r carvão. E, u m a vez q u e a oferta
de nutrientes orgânicos era e é limitada - c o m o t e s t e m u n h a m os limites m a l t h u -
sianos da f o m e e da doença - , o a u m e n t o de c o m b u s t í v e l disponibilizado pelas
máquinas a vapor, p o r mais desperdiçada q u e fosse sua utilização, era u m d a d o
importante.
Para esclarecer esse p o n t o , c o m p a r e m o s o c o n s u m o h u m a n o de carvão c o m
seu hipotético equivalente alimentar. E m 1800, o R e i n o U n i d o usava, talvez,
11 milhões de toneladas de carvão p o r ano; e m 1830, esse v o l u m e havia d o b r a -
do; 15 anos depois, tornara a duplicar; e, e m 1870, estava c r u z a n d o a marca dos
100 milhões de toneladas. Essa última cifra eqüivalia a 8 0 0 bilhões de calorias de
energia, o bastante para alimentar u m a p o p u l a ç ã o de 8 5 0 m i l h õ e s de h o m e n s
adultos d u r a n t e u m a n o (a população efetiva era, na época, de cerca de 31 m i -
lhões), o u para abastecer XA desse n ú m e r o de pessoas c o m os requisitos totais de
energia de u m a sociedade pré-industrial. 1 0 2

I
A Revolução Industrial na Inglaterra 93
ELSEVIER

O u então, para abordar o assunto p o r u m ângulo diferente, e m 1870 a capa-


cidade das máquinas a vapor da Grã-Bretanha era de cerca de 4 milhões de cava-
los-vapor, equivalentes à força passível de ser gerada p o r 6 milhões de cavalos o u
40 milhões de h o m e n s . 1 0 3 Se presumirmos os m e s m o s padrões de c o n s u m o de
alimentos q u e prevaleciam n o século X V I I I , esse n ú m e r o de h o m e n s teria i n g e -
rido cerca de 3 2 0 milhões de alqueires de trigo p o r a n o - mais de três vezes a
p r o d u ç ã o anual de t o d o o R e i n o U n i d o e m 1867-71. E isso n ã o considera o n ú -
m e r o ainda m a i o r de trabalhadores necessários para outras atividades q u e n ã o o
s u p r i m e n t o de energia, n e m as crianças, os velhos e outros m e m b r o s d e s e m p r e -
gados de nossa hipotética sociedade d e s c o n h e c e d o r a d o carvão.
Selecionando uma data posterior e um consumo mais elevado de energia,
seria fácil imaginar quadros mais assustadores. De 1870 a 1907, a capacidade das
máquinas motrizes, apenas na indústria inglesa, mais do que duplicou e, de 1907
a 1930, voltou a dobrar; a isso teríamos de acrescentar o aumento ainda maior
das máquinas no transporte terrestre e na navegação. Ou, em um cenário maior,
° consumo mundial de fontes comerciais de energia foi multiplicado por seis
"os 50 anos decorridos entre 1860 a 1900, e mais do que triplicou no meio sé-
culo seguinte. Pode-se imaginar um mundo industrializado que fosse compeli-
do a depender exclusivamente de motores animais para o trabalho, um mundo
fervilhando de tantos homens e animais que cada centímetro da superfície da
Terra, inclusive as montanhas, os desertos e a tundra gelada, não bastariam para
alimentá-los. Mas não é preciso persistir nessas fantasias. A questão é óbvia: esse
tl
N(r po de mundo industrializado não poderia existir. A. disponibilidade de fontes
-
.^ Animadas de energia é que facultou ao homem transcender as limitações bio-
v lógicas e aumentar sua produtividade mais de cem vezes. Não foi por acidente
v? ^ que a indústria mundial tendeu a localizar-se nas (e perto das) jazidas de carvão
Terra, ou que o aumento do capital foi proporcional ao consumo de cora-
V £ bustíveis minerais. O carvão, e m síntese, foi o pão da indústria^ 0 4
V N e s t e p o n t o , são aconselháveis algumas palavras d e advertência. Assim
V c o m o os alimentos, o carvão foi u m a causa necessária, mas n ã o imprescindível
^ para o d e s e m p e n h o industrial. N ã o se p o d e trabalhar sem c o m e r ; n o e n t a n t o , a
disponibilidade de a l i m e n t o n ã o faz n i n g u é m trabalhar. T e r e m o s várias o p o r t u -
nidades, ao l o n g o deste estudo, d e e x a m i n a r proezas de realização industrial e m
ocalidades o u países pobres e m recursos energéticos. Alguns deles b e n e f i c i a -
ram-se de vantagens compensatórias; outros transcenderam suas deficiências p o r
at
° s de criatividade empresarial. E m geral, p o r é m , esses sucessos o c o r r e r a m na
,n
dústria leve, na qual os requisitos d e energia são u m a parcela relativamente p e -
Ruena d o custo total. É (ou era) difícil fazer tijolos sem palha; o u ferro e p r o d u -
tos
da indústria química pesada sem combustível barato.
PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER
94

A l é m disso, deve-se lembrar q u e a c o m b i n a ç ã o carvão-vapor era a única


f o n t e de energia inanimada acessível às economias européias d o século X V I I I . A
força d o v e n t o fora d o m i n a d a milênios antes, primeiro p o r m e i o das velas para a
navegação e, depois, a partir da Idade Média, pelos m o i n h o s usados para b o m -
bear e m o e r . Mais i m p o r t a n t e ainda era a força hidráulica. Já c o n h e c i d o na A n t i -
güidade, o m o i n h o de água veio a ser a m p l a m e n t e utilizado, pela primeira vez,
na Idade M é d i a , talvez e m resposta à crescente escassez de trabalho escravo. Sua
i n t r o d u ç ã o na indústria lanígera inglesa para acionar os martelos de p i s o a m e n t o
d e u o r i g e m à rápida expansão da p r o d u ç ã o rural q u e o professor C a r u s - W i l s o n
descreveu c o m o " u m a revolução industrial n o século X I I I " . N o século X V I I I e
nas primeiras décadas d o século X I X , a roda de água respondia pela parcela maior,
e m b o r a decrescente, da energia usada pela indústria britânica; e n ã o há dúvida
de q u e se a Inglaterra tivesse sido mais b e m dotada de energia hidráulica pela n a -
tureza, o u fosse mais p o b r e e m carvão, o p r e d o m í n i o da roda teria se p r o l o n g a -
d o p o r m u i t o mais t e m p o . Esse fato o c o r r e u nos Estados U n i d o s , o n d e os g r a n -
des depósitos de carvão situavam-se n o que, a princípio, e r a m as terras relativa-
m e n t e inacessíveis a oeste dos Apalaches, e o n d e as encostas orientais dessa m e s -
ma cadeia de m o n t a n h a s ofereciam locais excelentes para a construção de m o i -
n h o s m o v i d o s a água. O m e s m o aplicou-se a regiões similares da E u r o p a , c o m o
toda a região alpina, p o r e x e m p l o - o Delfinado, a Suíça, B a d e n , a Bavária e o
N o r t e da Itália.
O carvão e o vapor, p o r t a n t o , n ã o f o r a m os agentes da R e v o l u ç ã o I n d u s -
trial; mas p e r m i t i r a m seu extraordinário d e s e n v o l v i m e n t o e difusão. Seu uso,
c o m p a r a d o ao das fontes de energia substitutas, foi u m a consideração de custos e
de conveniência. A v a n t a g e m da força hidráulica e d o v e n t o consistia e m q u e a
energia e m p r e g a d a era gratuita; sua grande desvantagem resumia-se que, muitas
vezes, ela n ã o era suficientemente a b u n d a n t e e estava sujeita a variações q u e f u -
g i a m ao c o n t r o l e h u m a n o . O v e n t o podia n ã o soprar, o curso de água podia se-
car o u congelar-se. E m contraste, a m á q u i n a a vapor era confiável e m todas as
estações d o ano, mas o desembolso inicial era mais alto e sua operação dispendi-
osa. C o m o disse u m autor de 1788, " o vasto c o n s u m o de c o m b u s t í v e l dessas
máquinas constitui u m a imensa d i m i n u i ç ã o da lucratividade de nossas minas,
pois cada m á q u i n a a vapor de p o r t e c o n s o m e o equivalente a £ 3 . 0 0 0 de carvão
p o r ano. Esse pesado ônus quase eqüivale a u m a p r o i b i ç ã o " . 1 0 5 Isso, e v i d e n t e -
m e n t e , era u m exagero, p o r q u e o uso d o vapor a u m e n t a v a . Ainda assim, ali-
m e n t a r os 500 cavalos de W a r w i c k s h i r e custava apenas £ 9 0 0 p o r ano. N ã o sur-
p r e e n d e q u e as primeiras máquinas fossem empregadas, e m geral, s o m e n t e o n d e
o carvão era e x t r e m a m e n t e barato, c o m o nas áreas de mineração; o u e m escava-
ções p r o f u n d a s demais para outras técnicas, c o m o na C o r n u a l h a ; o u e m circuns-

I
A Revolução Industrial na Inglaterra 95
ELSEVIER

tâncias ocasionais - no dique seco de São Petersburgo, por exemplo - em que o


custo não constituía obstáculo.
Por conseguinte, o leitmotif da tecnologia do vapor foi o esforço para au-
mentar a eficiência, ou seja, o volume de trabalho executado por insumo de
energia. Em comparação, a meta de aumentar a capacidade, ou seja, o trabalho
executado por unidade de tempo, ficava em segundo plano, embora os dois ob-
jetivos estivessem vinculados e, assim, o que contribuía para um permitia ou
produzia o outro.
/ E s s a busca de energia e e c o n o m i a de combustível, c o m o outros m o v i m e n -
tos d o progresso tecnológico, teve sua multiplicidade de p e q u e n o s aperfeiçoa-
' ^ mentos, quase sempre a n ô n i m o s : melhores materiais, níveis de tolerância mais
X restritos, a i n t r o d u ç ã o de válvulas e m e d i d o r e s de segurança, o r e c o n h e c i m e n t o
e
, adoção de u m carvão especialmente a d e q u a d o à p r o d u ç ã o de vapor, e a c o m -
X ' v
pilação de i n f o r m a ç õ e s precisas sobre o d e s e m p e n h o das máquinas e m c o n d i -
\ y Ções diferentes. Mas ela foi t a m b é m p o n t u a d a p o r alguns grandes avanços, cada
j y 9 u a l m a r c a d o p o r u m a inovação f u n d a m e n t a l q u e ampliava significativamente a
^ aplicabilidade comercial d o vapor.
O primeiro aparelho viável para a transformação da energia térmica em tra-
balho foi a "máquina de aquecer" de Thomas Savery, de 1698. Era, na verdade,
/ ^ m a combinação de máquina a vapor e bomba. Não havia nenhum pistão, nem
*y'' tampouco transmissão de força para outras máquinas. O vapor era aquecido
nu
f ^ m a caldeira e depois passado para um "receptor", no qual era condensado
ara
\«l P criar um vácuo parcial. Este puxava a água da parte inferior (ou, mais exata-
me
^ n t e , a água era suspensa até ele pela pressão atmosférica), e ela era expelida
para o alto pela injeção subseqüente de vapor, o que reiniciava o ciclo ./A perda
de energia era enorme, não apenas por causa do aquecimento e esfriamento al-
ternado do receptor, mas também porque, não havendo um pistão, o vapor en-
trava em contato direto com a água fria. O sistema tinha outra deficiência grave:
So e r a
possível aumentar a potência elevando a pressão, e algumas máquinas de
Savery chegavam a ser operadas em três atmosferas. Isso era praticamente o limi-
te de segurança de sua operação. Devido à qualidade dos materiais empregados e
da metalurgia da época, era quase certo que qualquer acréscimo resultaria numa
explosão, como descobriram vários operadores, porém tarde demais. A única al-
ternativa, na mineração profunda, por exemplo, era usar duas ou mais máquinas
dispostas uma atrás da outra, um processo dispendioso e muito vulnerável aos
.^defeitos.

^ que Thurston denomina de primeira máquina verdadeira, ou seja, um


ls
P° s itivo de geração de força e transmissão dessa força a uma máquina que
Xec
Yv Í u t a v a o trabalho desejado, foi uma contribuição de Thomas Newcomen,

V ^
96 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

u m ferrageiro e ferreiro de D a r t m o u t h , Inglaterra, e m 1705. Nesse aparelho, a


b o m b a era separada d o cilindro que recebia o vapor. O v á c u o p r o d u z i d o pela
c o n d e n s a ç ã o era usado, n ã o para puxar água, mas para acionar u m pistão c o n e c -
tado a u m a das extremidades de u m a viga transversa oscilante, cuja outra p o n t a
subia e descia e, c o m isso, acionava a haste da b o m b a de água. O vapor n ã o era
usado para m o v i m e n t a r o pistão, apenas para criar u m vácuo; a simples pressão
atmosférica produzia a força q u e empurrava o pistão para baixo contra o peso da
b o m b a localizada na outra e x t r e m i d a d e da viga. P o r isso, d e n o m i n a r a m - n a
"máquina atmosférica"./
O m é t o d o de N e w c o m e n oferecia duas vantagens e m relação à c o n c e p ç ã o
de Savery. E m primeiro lugar, eliminava a perda de calor e m virtude d o c o n t a t o
c o m a água b o m b e a d a . A e c o n o m i a n ã o era grande e quase se perdia na trans-
missão de força d o m o t o r para a b o m b a . Anos depois, q u a n d o a construção de
a m b o s os tipos já fora m u i t o aperfeiçoada, testes feitos c o m as duas máquinas
mostraram u m a capacidade de trabalho g e r a l m e n t e situada entre 5 e 6 milhões
de pés-libras p o r alqueire de carvão, o u u m r e n d i m e n t o de m e n o s de 1%. Mas
m e s m o esse p e q u e n o r e n d i m e n t o ajudava.
O uso d o pistão possibilitou a o b t e n ç ã o de mais força sem a u m e n t a r a pres-
são d o vapor; só era necessário u m a superfície m a i o r sobre a qual a atmosfera p u -
desse exercer pressão, o u seja, u m pistão maior. C o m o conseqüência, as m á q u i -
nas de N e w c o m e n eram, ao m e s m o t e m p o , mais potentes, mais seguras e mais
confiáveis. N a verdade, algumas delas c o n t i n u a r i a m e m f u n c i o n a m e n t o p o r c i n -
co décadas o u mais, ao l o n g o d o século X I X .
N ã o q u e a m á q u i n a a v a p o r de Savery tivesse desaparecido. C o n s t r u t o r e s
c o m o J o h n W r i g l e y , e m Lancashire, c o n t i n u a r a m a fabricar versões aperfeiçoa-
das dela até o fim d o século X V I I I , e u m arrojado empresário da fiação de algo-
dão c o m o J o h n K e n n e d y usava as máquinas " d e Savary" e m M a n c h e s t e r , e m
1793, para acionar seus filatórios aperfeiçoados. Seria interessante saber quantas
delas havia, o n d e e r a m utilizadas e c o m q u e finalidade. Aquelas de q u e t e m o s
c o n h e c i m e n t o e r a m pequenas, geravam p o u c o s cavalos-vapor e e r a m e m p r e g a -
das para b o m b e a r a água q u e acionava as máquinas das fabricas da indústria leve.
E m contraste, a máquina de N e w c o m e n dominava o m e r c a d o das grandes
máquinas motrizes. T h u r s t o n escreveu que, poucos anos depois de sua invenção,
"ela fora introduzida e m quase todas as grandes minas da G r ã - B r e t a n h a " , e q u e se
escavaram muitas novas minas que não poderiam ter sido exploradas anterior-
m e n t e . Essa afirmação talvez seja exagerada; não dispomos de estatísticas a esse
respeito. Mas sabemos que, e m 1767, o engenheiro Smeaton e n c o n t r o u 57 dessas
máquinas, totalizando 1.200 cavalos-vapor, apenas na bacia de N e w c a s d e , e 18
grandes máquinas nas minas da Cornualha, e m 1780. E m Midlands, a fundição
A Revolução Industrial na Inglaterra 97
ELSEVIER

Coalbrookdale, a mais famosa p o r seu pioneirismo na fundição d o coque, foi a


principal fornecedora das máquinas de N e w c o m e n às minas de carvão da região.
M e s m o depois da introdução da máquina de W a t t , o m o d e l o mais antigo conti-
n u o u sendo solicitado, p o r q u e o carvão era u m artigo barato o u até gratuito na
boca das minas (muitas caldeiras queimavam p ó de carvão invendável). O custo
inicial mais baixo do aparelho de N e w c o m e n , assim c o m o sua simplicidade de
m a n u t e n ç ã o e sua e n o r m e durabilidade, davam-lhe a preferência. 1 0 6
jy / A prevalência da máquina de N e w c o m e n n ã o nos deve levar a subestimar a
.< importância decisiva da contribuição de W a t t . A o construir u m c o n d e n s a d o r
/ s e p a r a d o (patente de 1769, primeira aplicação comercial e m 1776), ele e c o n o -
m
" V 'zou a en
e r g i a q u e era antes desperdiçada n o r e a q u e c i m e n t o d o cilindro a cada
golpe d o ê m b o l o . Esse foi o avanço decisivo para a "era d o v a p o r " , n ã o apenas
- v e m razão da e c o n o m i a imediata de combustível (o c o n s u m o p o r p r o d u ç ã o era
cerca de % d o da máquina de N e w c o m e n ) , p o r é m , ainda mais, p o r q u e esse
a
^ P e r f e i ç o a m e n t o abriu c a m i n h o para os a u m e n t o s c o n t í n u o s de eficiência que,
p o r fim, viabilizaram a máquina a vapor a todos os ramos da e c o n o m i a , e q u e a
c o n v e r t e r a m n u m a m á q u i n a m o t r i z universal.^O p r ó p r i o W a t t realizou alguns
dos mais importantes desses novos aperfeiçoamentos (patentes de 1782 e 1784):
a
máquina de dupla ação, e m q u e o vapor trabalhava alternadamente sobre cada
u
m a das extremidades d o pistão; o uso d o vapor para acionar o pistão e t a m b é m
Para criar u m vácuo; o sistema de f e c h a m e n t o da válvula de entrada d u r a n t e o
curso d o pistão, q u e tirava p r o v e i t o da força de expansão d o vapor para o b t e r
u
m a e c o n o m i a substancial de energia; e, acima de t u d o , a e n g r e n a g e m , q u e
transformava a batida alternada d o pistão e m u m m o v i m e n t o rotativo e q u e p o s -
sibilitou o a c i o n a m e n t o da maquinaria industrial.
'AVatt confiava p l e n a m e n t e nas máquinas a v a p o r de baixa pressão. A m a i o r
art
> P e da energia de sua m á q u i n a derivava, n ã o da força d o vapor, q u e r a r a m e n t e
^.Y superava 1,5 atmosfera, mas d o v á c u o f o r m a d o d o o u t r o lado d o pistão. O u t r o s
h o m e n s f o r a m m e n o s dogmáticos. E m t o r n o da virada d o século, William Buli,
T r e v i t h i c k , o n o r t e - a m e r i c a n o O l i v e r Evans e outros desenvolveram
as máquinas a v a p o r de alta pressão (duas atmosferas o u mais), q u e acabaram g e -
a n d o
^ ^ e c o n o m i a s de combustível de 1: 1,5 o u mais. N o c o m e ç o , n o e n t a n t o ,
Sua
^ ' principal v a n t a g e m residia na simplicidade e na capacidade de p r o d u z i r o
m e s m
° trabalho c o m u m pistão m e n o r ; assim, essas máquinas e r a m mais leves e
^ mais baratas d o q u e as máquinas de baixa pressão, além de usarem m u i t o m e n o s
a
gua. Essa e c o n o m i a de espaço e de matérias-primas foi f u n d a m e n t a l para a
construção de máquinas móveis. A l o c o m o t i v a e o barco a vapor teriam sido
ras
t i c a m e n t e restringidos, e m t e r m o s comerciais, se existissem apenas m á q u i -
nas de
baixa pressão.//
98 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

A l é m disso, a alta pressão possibilitou a aplicação eficaz de u m a c o m b i n a ç ã o


q u e utilizava a energia restante n o vapor depois de ele ter acionado o pistão, le-
v a n d o - a para u m s e g u n d o (e, e v e n t u a l m e n t e , u m terceiro e até u m quarto) ci-
lindro de dimensões maiores. O princípio era idêntico ao que tornara possível o
sistema de f e c h a m e n t o da válvula de entrada durante o curso d o pistão: teorica-
m e n t e n ã o há diferença entre a expansão d o vapor e m u m só cilindro o u e m
mais de u m . Mas, na prática, há u m a u m e n t o significativo de eficácia: a soma das
forças exercidas p o r mais de u m pistão varia m e n o s ao l o n g o da ação d o que a de
u m pistão ú n i c o ; e, ainda mais i m p o r t a n t e , a temperatura de cada cilindro varia
m e n o s q u a n d o a faixa de expansão do vapor é dividida d o que q u a n d o é c o n f i -
nada a u m ú n i c o recinto. O resultado disso foi u m a e n o r m e e c o n o m i a de c o m -
bustível: e m m e a d o s d o século X I X , o c o n s u m o de u m a máquina composta
m é d i a caíra para p o u c o mais de 2,5 libras de carvão p o r c a v a l o - f o r ç a / h o r a ; a
m á q u i n a de W a t t precisava de cerca de 7,5 libras e a m á q u i n a de N e w c o m e n , de
1769, consumia 30 libras. 1 0 7 E m 1781, J o n a t h a n H o r n b l o w e r construiu u m a
m á q u i n a de dois cilindros s e g u n d o essa orientação, mas usou vapor de baixa
pressão, e sua m á q u i n a m o s t r o u n ã o ser mais eficiente d o q u e a de W a t t ; além
disso, este ú l t i m o o processou p o r violação da patente e, q u a n d o H o r n b l o w e r
m o s t r o u - s e impossibilitado de pagar os royalties e a multa, foi preso. E m 1804,
A r t h u r W o o l f p r o d u z i u a primeira m á q u i n a c o m p o s t a a o b t e r sucesso c o m e r -
cial. U s o u v a p o r de alta pressão e u m c o n d e n s a d o r separado - nesse m o m e n t o , a
patente de W a t t já havia expirado. A l o n g o prazo, a c o m b i n a ç ã o foi aplicada de
f o r m a mais ampla na navegação, e m q u e a e c o n o m i a de combustível s o m o u - s e
ao espaço assim liberado para a carga e os passageiros.
/ A o contrário das máquinas de madeira para fiar e tecer o algodão o u a lã, as
^ ^ m á q u i n a s a vapor exigiram, logo de início, u m a revolução c o r r e s p o n d e n t e nos
^" #' campos da metalurgia e da construção. S m e a t o n previu q u e W a t t n ã o c o n s e g u i -
^j} ria construir sua m á q u i n a p o r q u e ela exigia mais precisão d o q u e p e r m i t i a m as
! u
J * técnicas da época; e, de fato, passaram-se uns sete anos e n t r e a concessão da p a -
e 3
^ y tente primeira realização comercial. Essa dificuldade foi p a r c i a l m e n t e s o l u -
^ ' c i o n a d a pelos engenhosos esforços de J o h n W i l k i n s o n , q u e a p r e n d e u a perfurar
r ' • cilindros c o m alguma precisão; c o m o disse W a t t , ele era capaz de " p r o m e t e r
q u e u m cilindro de 72 polegadas n ã o estaria mais distante dessa d i m e n s ã o d o que
c L
V a espessura de u m a m o e d a fina de seis vinténs [digamos, 0,05 polegadas], e m sua
parte p i o r " / M a s isso n ã o era preciso o suficiente para se conseguir u m v á c u o efi-
caz. W a t t e outros engenheiros depois dele c o n t i n u a r a m a usar c h u m a ç o s de
corda o u c â n h a m o e sebo para tapar os espaços e n t r e o pistão e o cilindro. Só
mais n o final d o século X I X , os materiais e a engenharia mecânica p r o g r e d i r a m
a p o n t o de ser possível tirar p l e n o p r o v e i t o da e n g e n h o s a c o n c e p ç ã o de W a t t .
A Revolução Industrial na Inglaterra 99
ELSEVIER

/ I s s o suscita a questão correlata, p o r é m mais ampla, da ligação entre ciência e


, tecnologia. Afirma-se c o m freqüência que a m á q u i n a de N e w c o m e n e suas p r e -
y v* y tr
cursoras teriam sido impensáveis sem as idéias teóricas de Boyle, Torricelli e o u -
° s ; e q u e W a t t extraiu grande parte de sua c o m p e t ê n c i a e imaginação técnicas
seu trabalho c o m cientistas e instrumentos científicos e m Glasgow. H á , sem
L VA dúvida, alguma verdade nisso, e m b o r a seja impossível determiná-la. C o n t u d o ,
V uma vez estabelecido o princípio d o c o n d e n s a d o r separado, os avanços subse-
qüentes d e v e r a m p o u c o ou nada à teoria. A o contrário, u m c a m p o inteiro da fí-
sica, a t e r m o d i n â m i c a , desenvolveu-se, e m parte, c o m o resultado das observa-
ções empíricas dos m é t o d o s e d o d e s e m p e n h o da engenharia. 1 0 8 T a m p o u c o foi
por acidente q u e esse trabalho teórico iniciou-se na França, o n d e u m a escola
c o m o a P o l y t e c h n i q u e esforçava-se, explicitamente, para enquadrar a técnica
e m generalizações matemáticas. Mas nada disso i m p e d i u a Inglaterra de c o n t i -
nuar,a liderar o m u n d o na prática e nas invenções da engenharia P
E m virtude de suas deficiências iniciais, a m á q u i n a a vapor adequava-se m e -
nos d o q u e a roda de água, c o m seu giro delicado, a trabalhos q u e requeressem
certa suavidade e regularidade de m o v i m e n t o s . Isso, ao lado de considerações
p u r a m e n t e econômicas, c o m o o porte relativo das empresas, contribui para e x -
plicar a adoção mais lenta d o vapor nos lanifícios d o q u e nos cotonifícios. Ainda
e m 1850,
mais de 1 / 3 da energia disponível para a fabricação de lã na Inglaterra
e
n o País de Gales p r o v i n h a da água ( 1 2 . 6 0 0 H P de vapor, 6 . 8 0 0 de água); e m
relação à indústria algodoeira de toda a Grã-Bretanha, a cifra c o r r e s p o n d e n t e era
de cerca de 1 / 8 (71.000 de vapor, 11.000 de água). O s maiores usuários da e n e r -
g!a a vapor e n t r e as demais indústrias e r a m a m i n e r a ç ã o e a metalurgia; infeliz-
mente, não dispomos de n ú m e r o s globais. P o r t a n t o , ficamos reduzidos a estima-
d a s aproximadas q u a n t o ao reino c o m o u m t o d o . Desse m o d o , sugeriu-se q u e
nao mais de mil máquinas estariam e m uso e m 1800; s u p o n d o u m t a m a n h o m é -
dio de 1 0 H P (não faria diferença para a a r g u m e n t a ç ã o se escolhêssemos u m
multiplicador duas vezes maior), chega-se a u m a capacidade global de talvez
1 0 . 0 0 0 H P . Q u i n z e anos depois, s e g u n d o o observador francês barão D u p i n ,
esse total havia se elevado, apenas n o tocante à Grã-Bretanha, para 2 1 0 . 0 0 0 H P ;
e e m
' m e a d o s d o século, a u m e n t a r a de n o v o mais de seis vezes. N o q u e c o n c e r -
ne ao R e i n o U n i d o , e m 1850, Mulhall faz u m a estimativa de 5 0 0 . 0 0 0 H P de
maquinas estacionárias e 7 9 0 . 0 0 0 0 H P de máquinas móveis, a maioria delas sob a
forma de locomotivas, q u e e r a m insignificantes u m a geração antes.
V / A J m dos mitos cultivados da história e c o n ô m i c a é a idéia de q u e teria o c o r r i -
Urtla
° passagem rápida e drástica das ferramentas manuais rudimentares para as
0Vn quinas. S e g u n d o esse m i t o , c o m e ç a m o s c o m carpinteiros e construtores de
m
^ o i n h o s q u e usavam talhadeiras e limas, c o r t a n d o e desbastando a o l h o e pelo
ELSEVIER
100 PROMETEU DESACORRENTADO

tato; e m seguida, n o espaço de duas gerações, t e m o s maquinistas e e n g e n h e i r o s


o p e r a n d o i n s t r u m e n t o s mecanizados d e precisão e trabalhando de a c o r d o c o m
especificações e projetos. N a verdade, c o m o é tão c o m u m o c o r r e r nas r e v o l u -
ções, o velho e o n o v o n ã o estavam tão distantes assim, e a m u d a n ç a foi mais

lenta d o q u e se costuma descrever.


O s artesãos d e m e a d o s d o século X V I I I , s o b r e t u d o e m áreas c o m o a r e l o j o a -
ria, estavam familiarizados c o m u m a impressionante variedade de máquinas, i n -
clusive de tornos, furadeiras, brocas e máquinas de cortar roscas e rodas. Elas
eram lentas e de precisão apenas m o d e r a d a , mas adequavam-se à indústria da
época - pré e pós-inovações - e sobrevivem até h o j e e m alguns lugares distan-
tes. 1 0 9 Das grandes i n v e n ç õ e s mecânicas desse período, s o m e n t e a máquina a va-
p o r de W a t t exigiu, c o m o já m e n c i o n a m o s , u m avanço imediato nas técnicas de
metalurgia.
A l o n g o prazo, c o n t u d o , a difusão da indústria mecanizada exigiu grandes
a p e r f e i ç o a m e n t o s n o p r o j e t o dos instrumentos. P o r u m lado, a p r o d u t i v i d a d e
das novas máquinas voltadas para a p r o d u ç ã o de bens de c o n s u m o estava direta-
m e n t e relacionada à sua velocidade de operação e à utilização eficiente da e n e r -
gia; essas, p o r sua vez, exigiam peças q u e funcionassem u n i f o r m e m e n t e . D e o u -
tro, a escassez de m ã o - d e - o b r a especializada e m madeira e metal g e r o u a neces-
sidade d e u m tipo d e e q u i p a m e n t o q u e permitisse aos operadores p r o d u z i r e m
mais e m m e n o s t e m p o e c o m o m í n i m o possível de t r e i n a m e n t o . Essas duas
considerações f o r a m reforçadas pelo crescimento de u m a indústria a u t ô n o m a e
especializada de c o n s t r u ç ã o de máquinas, na qual os artesãos criativos t i n h a m
o p o r t u n i d a d e d e m o d i f i c a r i n s t r u m e n t o s antigos e projetar novos; o m e s m o
processo d e p r o g r e s s o t e c n o l ó g i c o gradual e c u m u l a t i v o p o r m e i o d e a p e r f e i -
ç o a m e n t o s a n ô n i m o s , q u e caracterizou as indústrias de bens de c o n s u m o , foi
i g u a l m e n t e i m p o r t a n t e na fabricação d e bens de capital/'
E m razão d o a n o n i m a t o de m u i t o s desses aperfeiçoamentos e da grande d i -
versidade da prática, só é possível t e r m o s u m a idéia aproximada d o ritmo global
d o progresso. N a indústria algodoeira, p o d e m o s ao m e n o s contar os fusos e clas-
sificá-los e m categorias c o m o "fiadeiras automáticas" o u "filatórios c o n t í n u o s " ,
q u e , e m b o r a e n g l o b e m e q u i p a m e n t o s de diferentes graus de eficiência, são sufi-
c i e n t e m e n t e h o m o g ê n e a s para ter alguma importância. N a construção de m á -
quinas, n ã o d i s p o m o s de n ú m e r o s e, m e s m o que os tivéssemos, a gama de varia-
ções e n t r e i n s t r u m e n t o s d o m e s m o n o m e é tão grande q u e torna ilusória a classi-
ficação e i n c e r t o o m o m e n t o de i n t r o d u ç ã o da inovação. D o i s e x e m p l o s serão
suficientes. S a b e m o s q u e os gabaritos e r a m e m p r e g a d o s pelos construtores de
m á q u i n a s j á nas décadas d e 1770 e 1780; na realidade, o uso dessa palavra para
designar u m i n s t r u m e n t o para m e d i r dimensões r e m o n t a ao fim d o século X V I .
A Revolução Industrial na Inglaterra 101
ELSEVIER

N o entanto, parece p o u c o provável que os h o m e n s estivessem "trabalhando se-


g u n d o o gabarito" nesse p e r í o d o anterior, o u seja, u s a n d o esses dispositivos n ã o
apenas para m e d i r dimensões o u traçar linhas, mas t a m b é m para garantir a p a -
dronização. É impossível dizer o n d e e q u a n d o essa última técnica foi i n t r o d u z i -
da, e c o m q u e velocidade se disseminou. D o m e s m o m o d o , sabemos q u e o su-
porte ajustável era a m p l a m e n t e utilizado n o século X V I I I . C o n t u d o , a invenção
desse i n s t r u m e n t o f u n d a m e n t a l d o trabalho de precisão, q u e retirou a f e r r a m e n -
ta de corte das mãos falíveis do artesão e possibilitou o controle d o d i r e c i o n a -
m e n t o e da p r o f u n d i d a d e de sua ação, foi atribuída p o r N a s m y t h e o u t r o s a
Maudslay. U m mito? Talvez. E mais provável q u e os c o n t e m p o r â n e o s q u e lhe
atribuíram esse feito tivessem e m m e n t e alguma alteração n o caráter d o instru-
m e n t o o u alguma inovação e m seu uso, o u talvez, simplesmente, a insistência
em seu e m p r e g o , e n q u a n t o outros satisfaziam-se e m trabalhar à m ã o .
Mas, se não p o d e m o s avaliar o estágio da técnica n u m a dada época, p o d e m o s
falar da tendência. N o espaço de duas gerações, as técnicas metalúrgicas e de tra-
balho c o m a madeira transformaram-se, pelo m e n o s marginalmente, graças, e m
grande parte, a muitas pessoas talentosas que aprendiam umas c o m as outras e que
formaram c o m o que u m a família de fabricantes de instrumentos. 1 1 0 As f e r r a m e n -
tas tornaram-se mais pesadas e mais rígidas ( c o m o o t o r n o inteiramente metálico
de Maudslay), mais automáticas e precisas (o t o r n o auto-regulável e o mandril
central de duplo direcionamento de C l e m e n t , a fresa e limadora automática de
roscas de Nasmyth, e toda u m a sucessão de aperfeiçoamentos n o trabalho c o m a
plaina) e mais versáteis e fáceis de operar (o torno-revólver e as fresas). E m meados
do século X I X , "a maioria das máquinas-ferramenta mecânicas atualmente usadas
( - ) j á tinha sido criada", 1 1 1 e h o m e n s c o m o N a u s m y t h eram fabricantes de cons-
trutores de equipamentos, m a n t e n d o estoques de modelos padronizados e v e n -
dendo a partir de descrições e m catálogos. 1 1 2
/ O s meios d e e x e c u ç ã o vieram primeiro; os padrões de precisão, depois. A
\ m v e n ç ã o de m á q u i n a s - f e r r a m e n t a não m o d i f i c o u o caráter pessoal d o trabalho.
Cada artesão c o n t i n u a v a a ser j u i z de seu p r ó p r i o d e s e m p e n h o , trabalhando se-
g u n d o especificações aproximadas, n e m sempre uniformes, m e s m o d e n t r o da
oficina. A m o n t a g e m de q u a l q u e r e q u i p a m e n t o exigia u m ajuste dispendioso e
d e m o r a d o d e todas as peças, inseridas u m a a u m a , de m o d o a se encaixar n o
t ° d o . A r e p r o d u ç ã o o u a substituição eram similares. Cada parafuso tinha sua
Porca original.
Maudslay e C l e m e n t esforçaram-se para corrigir algumas dessas deficiências,
ln
sistindo n o uso de superfícies realmente planas e p a d r o n i z a n d o os parafusos
Produzidos e m suas oficinas. Mas, nesse sentido, a grande obra foi realizada p o r
U m seus
alunos, J o s e p h W h i t w o r t h , que, se baseando n o trabalho de seus
102 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

mestres, elaborou roscas padronizadas para pinos e parafusos de todos os t a m a -


n h o s e d e s e n v o l v e u os gabaritos q u e l e v a m seu n o m e . A difusão desses p r i n c í -
pios e técnicas seguiu u m r u m o diferente. As contribuições d e W h i t w o r t h r e -
m o n t a m à década de 1830 e seus m é t o d o s f o r a m divulgados e m 1840. E m 1856,
n o e n t a n t o , ele ainda continuava a insistir na precisão.
E m termos gerais, o trabalho de precisão padronizado, que possibilitou as peças
intercambiáveis, precedeu a adoção de normas comuns para toda a indústria. Traba-
lhar de acordo c o m gabarito ainda era u m a exceção e m 1850, mas essa prática disse-
minava-se rapidamente. Vários fabricantes de máquinas, c o m o Roberts, d o filatório
automático, vinham há m u i t o t e m p o servindo-se de moldes e matrizes para facilitar
a execução das operações repetitivas. A uniformização dos padrões da fabricação de
parafusos e pinos, p o r sua vez, só ocorreu na segunda metade d o século (tornou-se
c o m u m na indústria e m 1860) e, durante muito tempo, permaneceu afkstada; todas
as fraquezas da vaidade humana aliaram-se ao hábito e ao custo da mudança para
adiar a aceitação de padrões gerais por produtores particulares//
A c u n h a g e m foi u m c a m p o e m q u e a padronização dos p r o d u t o s foi p r e c o -
c e m e n t e obtida. O princípio o n g i n o u - s e na Antigüidade, q u a n d o se usavam
matrizes para c u n h a r moedas de d e s e n h o u n i f o r m e . N o início d o p e r í o d o m o -
d e r n o , i n t r o d u z i u - s e o p u n ç ã o , que possibilitou a normalização da f o r m a e d o
t a m a n h o . N a indústria p r o p r i a m e n t e dita, a técnica era apropriada para a fabri-
cação de botões, berloques, fivelas e outros p e q u e n o s objetos semelhantes. B i r -
n u n g h a m , se n ã o foi a primeira cidade a usá-la, foi a q u e mais se b e n e f i c i o u c o m
essa técnica d u r a n t e o p e r í o d o e m q u e as limitações energéticas restringiam sua
aphcação à indústria metalúrgica leve; n o século X I X , diversas p e q u e n a s i n d ú s -
trias - fabricação d e penas de canetas, p o r e x e m p l o - f o r a m revolucionadas p o r
adaptações desse processo.
Esses p r o d u t o s n ã o d e v e m ser comparados a peças intercambiáveis, q u e p r e -
cisam ser suficientemente precisas para se encaixar e interagir c o m outras e m u m
m e c a n i s m o maior. T a m p o u c o são - e o eram m e n o s ainda nesse p e r í o d o inicial
- peças tão fortes q u a n t o as moldadas, forjadas e polidas na seqüência tradicio-
nal. (Ainda h o j e , u m a lamina f o q a d a a martinete t e m mais valor d o q u e u m a l â -
m i n a prensada.) N ã o obstante, o princípio era tão proimssor q u a n t o a p r o d u ç ã o
c o m maquinas de precisão, q u e sempre seria mais dispendiosa, e sua aphcação
foi muitíssimo ampliada c o m a i n t r o d u ç ã o das prensas mecânicas e dos grandes
e q u i p a m e n t o s similares. E m meados d o século, o martelo-pilão a v a p o r estava
c o m e ç a n d o a ser usado na fabricação de rodas de trens. Isso era apenas o c o m e -
ço, mas foi o p r e n u n c i o de u m n o v o tipo d e construção mecânica q u e , p o r fim,
possibilitam p r o d u z i r os bens de c o n s u m o duráveis m o d e r n o s e de p r e ç o acessí-
vel d o século X X - automóveis, geladeiras, bicicletas, televisores etc
A Revolução Industrial na Inglaterra 103
ELSEVIER

Assim como a indústria mecânica e a engenharia, a indústria química ten-


deu a ser negligenciada nos livros de história da Revolução Industrial, em par-
te pelas mesmas razões: a complexidade e as características variadas e peculiares
de seu desenvolvimento, assim como a exigência de conhecimentos técnicos
que o historiador raramente possui. Entretanto, provavelmente os motivos
ainda mais importantes na promoção desse descaso foram: (I) o caráter
não-revolucionário desse desenvolvimento - a organização da mão-de-obra
permaneceu essencialmente inalterada, enquanto os aumentos de produtivi-
dade costumavam ser menores na indústria química do que nas áreas em que a
mecanização era viável - e (2) a posição secundária da indústria nesse período
inicial: seu crescimento foi, basicamente, uma resposta às necessidades de ou-
tros ramos fabris, em especial de produtos têxteis, sabão e vidro. Atualmente,
estamos acostumados a encarar a indústria química como um gigante, em parte
por sèu sucesso na criação de materiais novos e excepcionais, como o náilon
°u os plásticos, e também pelo "milagre" das drogas que jorram de seus labora-
tórios, numa torrente interminável; estamos menos cientes da imensa produ-
ção da indústria química pesada, concernente a agentes inorgânicos - ácidos e
alcalis - usados na produção de outros bens.
/^Contudo, o caráter diferenciado desse crescimento no período que estamos
^. examinando em nada diminui sua importância. A transformação da indústria
têxtil, cujas necessidades de detergentes, alvejantes e mordentes aumentavam no
X mesmo ritmo da produção, teria sido impossível sem uma transformação corres-
CT P°ndente da tecnologia química. Não havia áreas rurais baratas nem leite azedo
\ J & ) su *i c ientes, em todas as ilhas Britânicas, para branquear os tecidos de Lancashire
V depois que o filatório contínuo e a fiadeira automática substituíram a roda de
. ^ fiar; e teriam sido necessárias quantidades inimagináveis de urina humana para
tlrar
o sebo da lã bruta consumida pelas fiações de West Riding.
A solução foi encontrada com um progresso simultâneo em diversas dire-
Ç°es: (I) pel a substituição, quando possível, das fontes animais de matéria-prima
Pelas vegetais; (2) pela substituição de matérias-primas orgânicas por inorgâni-
cas; (3) pela utilização dos subprodutos de cada reação para produzir outras rea-
g e s que gerassem compostos úteis; e (4) pelo aperfeiçoamento dos instrumen-
tos e equipamentos da indústria - fornos, cubas, misturadores, tubulações e si-
milares - , de modo a permitir o processamento mais rápido de quantidades maio-
com maior segurança. As duas primeiras tiveram uma importância análoga à
a
substituição da madeira pelo carvão na metalurgia: libertaram a indústria da
escravização a suprimentos rígidos. A terceira é especialmente característica da
l
ndústria química e respondeu, em grande parte, pelo rendimento crescente que
Prevaleceu na fase heróica das primeiras inovações. A quarta talvez tenha gerado
104 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

os m e n o r e s ganhos nesse p e r í o d o , mas se tornaria cada vez mais i m p o r t a n t e c o m


a absorção das inovações e m outras áreas e à m e d i d a q u e a escala crescente d e
p r o d u ç ã o desviou a atençãp para as instalações físicas e para os problemas logísti-
cos d o fluxo de t r a b a l h o /
O curso e o caráter desse progresso transmitem-se m e l h o r pelo e x a m e das
m u d a n ç a s na p r o d u ç ã o dos c o m p o s t o s f u n d a m e n t a i s q u e c o n s t i t u e m a base da
indústria q u í m i c a pesada, e dos p r o d u t o s industriais deles derivados. O mais i m -
p o r t a n t e , já naquela época, era o ácido sulfúrico, u m a substância d e tanta versa-
tilidade (agente oxidante, agente desidratador, ácido, eletrólito), q u e sua utiliza-
ção passou a ser u m indicador a p r o x i m a d o d o d e s e n v o l v i m e n t o industrial. N a
primeira m e t a d e d o século X V I I I , o ácido sulfúrico era e m p r e g a d o para i n ú m e -
ros fins, i n c l u i n d o , ocasionalmente, o de alvejante. O m é t o d o de p r e p a r o era
l e n t o , restrito e ineficiente, e o p r e ç o era proibitivo para a maioria dos usos i n -
dustriais. E n t r e t a n t o , n o espaço de poucas décadas, a i n t r o d u ç ã o d o m é t o d o da
c a m p â n u l a i m p o r t a d o d o c o n t i n e n t e (a primeira aplicação b e m - s u c e d i d a foi fei-
ta p o r J o s h u a W a r d e J o h n W h i t e e m T w i c k e n h a m , e m 1736) e, e m seguida, a
substituição das p e q u e n a s " c a m p â n u l a s " de vidro p o r tonéis m u i t o maiores, r e -
vestidos de c h u m b o (John R o e b u c k e Samuel Garbett, e m B i r m i n g h a m , e m
1746), a u m e n t a r a m mil vezes a escala de operação e d i m i n u í r a m o custo e m
quase 50%. N o fim d o século, a Inglaterra, q u e antes completara a oferta d o m é s -
tica c o m compras feitas à H o l a n d a , estava e x p o r t a n d o até 2 mil toneladas p o r
ano.113
N a indústria química, u m c o m p o s t o leva a o u t r o . O ácido sulfúrico, e m
c o m b i n a ç ã o c o m o sal, gerou, c o m o u m de seus s u b p r o d u t o s , o ácido clorídri-
co, d o qual foi possível liberar o cloro a ser usado c o m o agente alvejante. O m é -
t o d o para se chegar a isso era dispendioso, e o cloro e m sua f o r m a pura era p e r i -
goso e tão corrosivo q u e tendia a d e c o m p o r o tecido tratado. M e s m o assim, o f e -
recia i m p o r t a n t e s vantagens e m relação a alvejantes mais antigos, c o m o a luz so-
lar, o leitelho e até o ácido sulfúrico diluído. Assim, iniciou-se a busca de c o m -
postos o u misturas de cloro q u e fossem de m a n e j o mais fácil. O s p r i m e i r o s f o -
r a m soluções, a mais i m p o r t a n t e das quais, o h i p o c l o r i t o de potássio o u água de
Javel, inventada na França e m 1796 e, desde então, usada c o m o u m p r o d u t o d o -
méstico d e limpeza. E m relação à indústria têxtil, o grande a v a n ç o foi a i n v e n -
ção d o p ó b r a n q u e a d o r de Charles T e n n a n t (patentes d e 1797 e 1799), feito pela
absorção d o cloro e m cal extinta. A p r o d u ç ã o desse p ó p o r T e n n a n t subiu de 57
toneladas n o p r i m e i r o a n o para 239 e m 1810, 9 1 0 e m 1825 e 5 . 7 1 9 toneladas
e m 1850; e m 1852, a p r o d u ç ã o da G r ã - B r e t a n h a c o m o u m t o d o era de 13.100
toneladas. Nesse ínterim, o p r e ç o caiu para 1 / 1 0 de seu nível original - d e £ 140
para , £ 1 4 p o r tonelada. 1 1 4
A Revolução Industrial na Inglaterra 105
ELSEVIER

T a m b é m os álcalis e r a m indispensáveis para a fabricação d e p r o d u t o s têxteis,


além de u m a ampla variedade de outros artigos. Utilizavam-se dois tipos: o car-
b o n a t o de potássio ( c o m u m e n t e , sob a f o r m a de potassa, o u sob a f o r m a mais
pura d o perlasso) e o carbonato de sódio (em geral, c h a m a d o de soda cáustica),
ao lado de c o m p o s t o s relacionados c o m u m o u c o m o o u t r o . O s álcalis de potás-
sio e r a m c o m b i n a d o s c o m sebo o u outra g o r d u r a animal para fazer sabão de p o -
tassa, usado s o b r e t u d o na indústria lanífera para a lavagem e feltragem da lã;
eram misturados c o m areia para produzir u m dos silicatos a q u e c h a m a m o s vi-
dro; entravam na fabricação da pólvora e d o alume; e e r a m e m p r e g a d o s para al-
vejar e lavar tecidos, e amaciar o c o u r o . Apesar de toda a sua versatilidade, n o
entanto, eles t i n h a m a desvantagem de serem derivados de matérias-primas de
oferta escassa e rígida. O carbonato de sódio era o b t i d o da cinza de madeira p r e -
parada, n u m a p r o p o r ç ã o de cerca de u m a parte de c o m p o s t o p u r o para 6 0 0 p a r -
tes de madeira, o q u e exigia u m índice de c o n s u m o absurdo e m u m país c o m o a
Inglaterra, ávida p o r madeira de lei. A E u r o p a e a América f o r a m exploradas e m
busca de s u p r i m e n t o s e, de meados até o final d o século, as importações subiram
de cerca de 1.500 para 9 mil toneladas. A l é m disso, a Inglaterra n ã o era o ú n i c o
País n o m e r c a d o ; à m e d i d a q u e a d e m a n d a suplantou a oferta, o p r e ç o a u m e n t o u
substancialmente, e duplicou n o p e r í o d o de 1780 a 1815. Só na década de 1860,
q u a n d o os alemães c o m e ç a r a m a explorar os ricos depósitos de potassa mineral
da área de Stassfurt, esse obstáculo foi superado. Nesse m o m e n t o , u m a r e v o l u -
ção na fabricação da soda cáustica alterara drasticamente a importância relativa
desses dois álcalis.
O álcali de sódio é tão versátil q u a n t o a variedade d o potássio; na verdade, os
dois p o d e m substituir-se e m muitas de suas aplicações. A principal diferença, d o
P o n t o d e vista industrial, é q u e a soda é utilizada na fabricação d e sabões d u r o s e
sabões de c o a l h o - p o r t a n t o , tanto de u m p r o d u t o d o m é s t i c o q u a n t o de u m
b e m de p r o d u ç ã o . N o século X V I I I , o álcali de sódio t a m b é m era o b t i d o das
ci
nzas das plantas: da barrilha, q u e crescia principalmente na Espanha e nas ilhas
Canárias e q u e c o n t é m u m t e o r d e 20% a 35% d e soda, e de algas marinhas secas
do
oeste da Escócia e da Irlanda, de o n d e se e x t r a e m as cinzas, c o m u m t e o r de
soda de 5% a 10%. Esse ú l t i m o era c o m p e t i t i v o p o r q u e a barrilha, apesar de mais
ric
a, pagava impostos; ademais, as importações f o r a m praticamente suspensas
durante as guerras napoleônicas.
A oferta d e álcali de sódio era mais flexível d o q u e a de potassa, mas n ã o
« e n d i a à d e m a n d a crescente. Mais u m a vez, a resposta foi e n c o n t r a d a na substi-
tuição de matérias-primas vegetais p o r minerais - n o caso, p o r u m mineral m u i -
to
abundante, o sal c o m u m . A técnica foi elaborada na França, na década de
1?
8 0 , p o r Nicolas Leblanc: a transformação d o sal e m pasta de sal (sulfato de s ó -
ELSEVIER
PROMETEU DESACORRENTADO
106

dio) p o r m e i o d o ácido sulfúrico (cuja utilidade foi assim muitas vezes multipli-
cada), e o subseqüente a q u e c i m e n t o da pasta de sal n u m a mistura c o m carvão
mineral e c a r b o n a t o de cálcio (geralmente sob a f o r m a de calcário), para p r o d u -
zir soda cáustica e resíduos.
O s p r o d u t o r e s ingleses que, sem dúvida, t i n h a m c o n h e c i m e n t o do processo
de Leblanc n o fim d o século X V I I I , d e m o r a r a m a adotá-lo; a fabricação e m lar-
ga escala só c o m e ç o u e m 1823. O s estudiosos c o s t u m a m atribuir essa d e m o r a
aos efeitos d o i m p o s t o sobre o sal; mais i m p o r t a n t e do que isso, p r o v a v e l m e n t e ,
era o acesso c o n t í n u o da Inglaterra às fontes vegetais tradicionais, associado ao
conservadorismo dos usuários de álcali, que relutaram e m substituí-lo pelo p r o -
d u t o sintético m e s m o depois que James Muspratt o t o r n o u disponível a u m p r e -
ço favorável. 1 1 5 E m contraste, a França, que ficou desprovida da barrilha espa-
n h o l a d u r a n t e as guerras napoleônicas, iniciara a fabricação comercial e m 1808
e, após u m a década, produzia 10 mil a 15 mil toneladas da soda de Leblanc p o r
ano. 1 1 6 U m a vez superada a resistência inicial, a p r o d u ç ã o britânica de álcali sin-
tético teve u m a u m e n t o espetacular, passando das poucas centenas de toneladas
de 1820 para quase 140 mil toneladas e m 1852. (A p r o d u ç ã o francesa, nessa últi-
ma data, talvez fosse de 45 mil toneladas). Esse a u m e n t o foi a c o m p a n h a d o p o r
u m a queda acentuada n o preço da soda; os cristais, p o r e x e m p l o , passaram d o
p r e ç o m á x i m o de £ 5 9 p o r tonelada durante a guerra para £ 3 6 . 1 0 p o u c o antes
d o s u r g i m e n t o de Leblanc, e para £ 5 . 1 0 e m m e a d o s d o século.
/ E m v i r t u d e da importância de grandes v o l u m e s de matérias-primas na i n -
V dústria química - e r a m necessárias dez a 12 toneladas de ingredientes para fabri-
c a r u m a tonelada de soda - , a indústria teve u m a localização b e m definida prati-
" c a m e n t e desde o início. O s três centros principais eram a área de Glasgow e as
margens d o Mersey e do T y n e . O primeiro orientou-se, a princípio, para a i n -
dústria têxtil local. Sua situação e m termos de recursos não era tão sólida q u a n t o
a dos outros dois locais, e sua importância contínua foi u m t r i b u t o à criatividade
técnica e à energia comercial da firma de T e n n a n t . Essa empresa construiu sua
f o r t u n a c o m base n o p ó b r a n q u e a d o r e, a partir dele, ramificou-se para a fabrica-
ção de ácidos, álcalis, fertilizantes e p r o d u t o s correlatos. N o c ô m p u t o geral, foi a
m a i o r p r o d u t o r a química d o m u n d o nas décadas de 1830 e 1840, e suas instala-
ções gigantescas e m St. R o l l o x , c o m sua altíssima c h a m i n é de 139 m e t r o s para
dispersar os vapores tóxicos m u i t o acima da zona rural, c o m p u n h a m a m a i o r fa-
brica química d o m u n d o .
A região de M e r s e y era favorecida pela disponibilidade de carvão, de u m
lado, e de sal, d o o u t r o , além de u m a rede de excelentes vias navegáveis e da
p r o x i m i d a d e d o m a i o r m e r c a d o têxtil d o m u n d o . Seu principal p r o d u t o era a
soda cáustica, cuja acessibilidade p r o m o v e u a m a n u f a t u r a correlata de sabão: e m
A Revolução Industrial na Inglaterra 107
ELSEVIER

1835, a p r o d u ç ã o de sabão d u r o às margens d o Mersey era de 21.500 toneladas,


comparadas a 14.800 e m Londres; a p r o d u ç ã o triplicara a partir de 1820, e m
contraste c o m o a u m e n t o de 75% na nação c o m o u m t o d o . A soda e o sulfato de
sódio baratos t a m b é m f o r a m fatores integrantes d o rápido crescimento da fabri-
cação de vidros e m Lancashire - e m b o r a m e n o s importantes d o q u e na indústria
de sabão; e n q u a n t o , e m 1832, as fabricas da área de Liverpool pagavam m e n o s
de 1 / 8 d o i m p o s t o de c o n s u m o sobre o vidro, e m 1870 essa região produzia,
provavelmente, m e t a d e d o vidro fabricado na Inglaterra. 1 1 7
O m a i o r c e n t r o de fabricação de p r o d u t o s químicos era a bacia d o T y n e ,
Af t a m b é m u m a área c o m fácil acesso ao transporte fluvial e a b u n d a n t e s u p r i m e n t o
de carvão barato. O sal, p o r sua vez, tinha de atravessar a ilha v i n d o de Cheshire,
e o m e r c a d o local de p r o d u t o s químicos era p e q u e n o , p o r q u e n ã o havia n e n h u -
ma indústria têxtil na região e a fabricação de sabão e de vidro era reduzida. A i n -
da assim, as empresas às margens d o T y n e t i n h a m ampla c o m p e n s a ç ã o e m L o n -
dres e n o exterior, s o b r e t u d o n o N o r t e da E u r o p a . P a r t i n d o de u m c o m e ç o tar-
dio - a p r o d u ç ã o de álcalis e ácidos era desprezível e m 1820 - , o N o r d e s t e d o
país passou a responder, e m meados d o século, p o r m e t a d e da indústria química,
da força de trabalho e da p r o d u ç ã o de t o d o o reino. 1 1 8
v»» / o incentivo d a d o a outros ramos industriais pela fabricação e m massa de
.^ produtos da indústria química pesada deveu-se apenas à oferta e ao p r e ç o dos
' produtos q u í m i c o s e m si. P o r u m lado, a disponibilidade de c o m p o s t o s relativa-
V m e n t e puros possibilitou a adoção de novas matérias-primas que, de o u t r o
y v ; m o d o , n ã o seriam passíveis de tratamento. Assim, o d e s e n v o l v i m e n t o de soda
cáustica mais pura viabilizou a utilização de óleo de coco, e m vez de g o r d u r a
animal na fabricação de sabão. A importância disso é evidente: a d e m a n d a de
gorduras crescia ainda mais depressa d o q u e a população, e as fontes tradicionais
de s u p r i m e n t o e r a m c o m p a r a t i v a m e n t e inelásticas; e m m e a d o s d o século, os
óleos vegetais estavam sendo usados na alimentação, nas velas, nos lubrificantes,
b e m c o m o n o sabão.

P o r sua vez, a fabricação de c o m p o s t o s sintéticos deu o r i g e m a imensas


quantidades de resíduos que, p o r u m a espécie de p a r a d o x o q u e n ã o é i n c o m u m
na
tecnologia, f o r a m u m p o d e r o s o estímulo à inovação. Havia o atrativo positi-
v
° d o lucro - o resíduo t o r n a d o útil tinha valor; e o estímulo negativo da d e s p e -
sa: os resíduos inexplorados t i n h a m de ser j o g a d o s fora. Havia duas toneladas de
e n t u l h o " para cada tonelada de soda fabricada e a terra para despejá-las custava
u
m a p e q u e n a fortuna. A l é m disso, grande parte dos resíduos era nociva e resul-
tQu
e m i n ú m e r o s processos judiciais contra os empresários químicos, a atenção
do P a r l a m e n t o e, p o r fim, inspeções e controles oficiais.fí
PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER
108

Seria impossível, aqui, acompanhar e m detalhe as várias soluções dadas a esse


problema, o u a interação dessas novas técnicas entre si e c o m os processos exter-
nos, para abrir novas possibilidades de crescimento. A história dos produtos q u í -
micos nos primeiros 2 / 3 d o século X I X consiste, e m grande parte, nesse esforço
de utilizar todos os materiais, que proveio principalmente da fabricação da soda,
mas que e m alguns casos originou-se e m outros lugares, c o m o na p r o d u ç ã o de
cloro para o alvejamento, p o r exemplo. Cada operação executada levava a outras,
e o t a m a n h o das unidades de produção foi crescendo c o m a proliferação dos p r o -
dutos. C o n t u d o , essa não era u m a indústria que empregasse grande n ú m e r o de
h o m e n s ; c o m o na metalurgia, os equipamentos e materiais eram os fatores mais
importantes da produção. E m 1851, o censo industrial indicou 9.172 operários
adultos na indústria química, e m contraste c o m 292.340 nos cotonifícios, 152.205
nos lanifícios e fábricas de estame, e cerca de 390.000 nas indústrias de constru-
ção. 1 1 9 A importância dos produtos químicos, entretanto, era claramente despro-
porcional ao n ú m e r o de empregados, o u até m e s m o a seu investimento de capital.
„ Ú m dos aspectos dessa indústria m e r e c e u m a atenção especial. Mais d o q u e
V/
e m qualquer outra, o desenvolvimento derivou da pesquisa científica. Mas isso
não eqüivale a afirmar que a pesquisa fosse sempre c o n d u z i d a d e n t r o de u m a
correta orientação teórica - havia muita improvisação e erros empíricos nos la-
y boratórios desse p e r í o d o - o u que a indústria tenha aproveitado c o m o deveria
t a n t o o c o n h e c i m e n t o científico q u a n t o os cientistas. A o contrário, m u i t o s dos
progressos obtidos f o r a m obra de " q u í m i c o s " autodidatas, e as empresas mais
b e m - s u c e d i d a s caracterizavam-se m e n o s pelas inovações n o processo q u í m i c o
d o q u e pela organização eficaz dos fatores de p r o d u ç ã o d e n t r o da estrutura c i e n -
tífica e tecnológica v i g e n t e / N o entanto, perdura a idéia de que o laboratório era
indispensável, ao m e n o s para a invenção de novos m é t o d o s , ao passo que, para
todos os propósitos, era desconhecido e m outros campos. Nesse aspecto, a pes-
quisa realmente i m p o r t a n t e da química teórica e aplicada estava sendo feita n o
exterior, o n d e a f o r m a ç ã o dos químicos já era mais sistemática e c o m p l e t a d o
q u e na Grã-Bretanha. P o r é m , a abundância de matérias-primas baratas e as e c o -
nomias de escala d e r a m à Inglaterra u m a e n o r m e v a n t a g e m competitiva: as e x -
portações de soda, p o r e x e m p l o , passaram de 75.704 quintais métricos e m 1840,
avaliados e m £ 4 4 . 5 7 5 , para 2.049.582 quintais métricos e m 1860, n o valor de
quase £ 1 . 0 0 0 . 0 0 0 . 1 2 0 Só n o ú l t i m o quarto do século é q u e as novas técnicas da
indústria de p r o d u t o s químicos leves e pesados ameaçaram essa h e g e m o n i a .

máquinas e as novas técnicas, sozinhas, n ã o c o n s t i t u e m a R e v o l u ç ã o


Industrial. Elas representaram a u m e n t o s de produtividade e u m d e s l o c a m e n t o
da importância relativa dos fatores de p r o d u ç ã o da m ã o - d e - o b r a para o capital-

1 tf
A Revolução Industrial na Inglaterra 109
ELSEVIER

Mas, e m nosso c o n t e x t o , revolução significa u m a m u d a n ç a tanto da organização


q u a n t o dos meios de p r o d u ç ã o . E m especial, r e f e r i m o - n o s ao c o n j u n t o de g r a n -
des contingentes de trabalhadores e m u m ú n i c o lugar, o n d e executariam suas
tarefas sob supervisão e disciplina; r e p o r t a m o - n o s , e m suma, ao q u e se t o r n o u
c o n h e c i d o c o m o sistema fabril.
A esse respeito, duas questões importantes exigem consideração. A primeira é
a relação entre a oferta de m ã o - d e - o b r a e a extensão d o n o v o m o d o de produção;
a segunda, o lugar d o sistema fabril n o padrão geral da transformação econômica.
A primeira - o r e c r u t a m e n t o de u m a força de trabalho fabril - t e m sido o b -
j e t o de m u i t o s debates. O s fatos estão razoavelmente claros. E m 1830, havia
centenas de milhares de h o m e n s , mulheres e crianças e m p r e g a d o s na indústria
fabril. 1 2 1 Eles haviam ingressado nas fabricas apesar de u m m e d o p r o f u n d o d o
d e s c o n h e c i d o , de u m a aversão à supervisão e à disciplina e d o r e s s e n t i m e n t o
diante das exigências incessantes das máquinas. As regras das primeiras fabricas
são a m e l h o r indicação da importância dessas questões: as multas mais pesadas fi-
cavam reservadas às faltas (o pecado capital, que muitas vezes custava o paga-
m e n t o de vários dias), aos atrasos e à distração n o trabalho.
//A interpretação desses fatos, mais u m a vez, t e m outra conotação. D u r a n t e
m u i t o t e m p o , a visão mais aceita foi a proposta p o r M a r x , reiterada e aprimorada
y ^ w P ° r gerações de historiadores socialistas e não-socialistas. Essa posição explica a
lme
V<, n s a m u d a n ç a social - a criação de u m proletariado industrial diante de u m a
resistência tenaz - pela postulação de u m ato de expropriação forçada: as terras
cf W demarcadas desarraigaram os p r o d u t o r e s domésticos e os p e q u e n o s agricultores
e
os e m p u r r a r a m para as fábricas. Pesquisas empíricas recentes invalidaram essa
hipótese; os dados indicam q u e a revolução agrícola associada às demarcações de
terras a u m e n t o u a d e m a n d a de trabalhadores agrícolas. D e fato, as áreas rurais
m
a i s atingidas p o r essas delimitações f o r a m as q u e assistiram ao m a i o r a u m e n t o
da população residente. 1 2 2 D e 1750 a 1830, a população dos c o n d a d o s agrícolas
da Inglaterra duplicou. É duvidoso, p o r é m , q u e dados objetivos desse tipo sejam
e f i c i e n t e s para eliminar o q u e se c o n v e r t e u n u m a espécie de fato inconteste.
U m a interpretação mais recente assume a posição oposta e afirma que, u m a
Vez
q u e as fábricas f o r a m d e v i d a m e n t e providas de empregados, a l o n g o prazo
nu
n c a h o u v e p r o b l e m a de r e c r u t a m e n t o ; na l i n g u a g e m capciosa d o senso c o -
m u m , não h o u v e escassez de m ã o - d e - o b r a .
Essa premissa não é passível de refutação e, portanto, não t e m significado. D o
P°nto de vista retrospectivo, para qualquer nível dado de utilização dos recursos,
ta
l recurso revela-se adequado a esse nível. A l é m disso, o economista desconhece
a
escassez; c o n h e c e apenas os preços relativos. A questão importante é a oferta de
mao-de-obra sobre a escolha das técnicas e a taxa de investimento. 1 2 3
PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER
110

T o d a v i a , v e m o s - n o s aqui c o n f r o n t a d o s c o m a aparente c o n t r a d i ç ã o dessa


relação. P o r u m lado, c o m o já m e n c i o n a d o , o custo elevado e a s c e n d e n t e da
força d e t r a b a l h o inglesa foi u m i n c e n t i v o ã m e c a n i z a ç ã o e, assim, ao c r e s c i m e n -
t o n o século X V I I I . M e s m o depois d o p e r í o d o inicial de industrialização, a taxa
^ -T' de substituição dos h o m e n s pelas m á q u i n a s refletia flutuações nos salários o u nas
d e m a n d a s salariais; então, os fabricantes têxteis i n t r o d u z i r a m os e q u i p a m e n t o s
VS. a u t o m á t i c o s de fiação e os teares m e c â n i c o s de m o d o irregular, r e s p o n d e n d o ,
e m g r a n d e parte, a greves, ameaças de greve e outras i n t i m i d a ç õ e s à a u t o r i d a d e
administrativa. O f a m o s o apologista d o sistema fabril, A n d r e w U r e , escreveu
u m capítulo entusiástico sobre a capacidade da m á q u i n a de subjugar a m ã o -
d e - o b r a . 1 2 4 E m r e s u m o , os altos salários f o r a m u m estímulo à i n o v a ç ã o e ao p r o -
gresso t e c n o l ó g i c o /
P o r sua vez, m e s m o os b o n s resultados p o d e m ser excessivos. A indústria i n -
glesa n ã o p o d e r i a ter crescido m u i t o se a m ã o - d e - o b r a fabril fosse tão mais dis-
pendiosa d o q u e o trabalho agrícola, o u tão mais cara d o q u e a m ã o - d e - o b r a de
e
o u t r o s países e, p o r t a n t o , n ã o compensasse o i n v e s t i m e n t o na fabricação. Esse
fato o c o r r e u n o fim d o século X V I I I , q u a n d o , ainda n ã o s e n d o viável o tear m e -
cânico e c o m os tecelões ingleses d e s f r u t a n d o da d e m a n d a s e m p r e c e d e n t e s q u e
d e c o r r e u da i n t r o d u ç ã o da fiação mecânica, foi p r o v e i t o s o enviar os fios ingleses
para a E u r o p a central, para q u e fossem tecidos ali p o r c a m p o n e s e s a c o s t u m a d o s a
u m p a d r ã o de vida m u i t o inferior ao dos britânicos. 1 2 5 Mais u m e x e m p l o disso é
a dificuldade e n f r e n t a d a p o r algumas fábricas interioranas isoladas para c o n s e g u i r
trabalhadores p o r salários c o m e r c i a l m e n t e viáveis, a p o n t o de s e r e m obrigadas,
v e z p o r outra, a deixar ociosos os n o v o s e q u i p a m e n t o s . 1 2 6
<: F e l i z m e n t e , a oferta de m ã o - d e - o b r a a u m e n t o u m u i t o na Inglaterra a partir
de m e a d o s d o século X V I I I - quase tanto, na v e r d a d e , q u a n t o a d e m a n d a . E m
p r i m e i r o lugar, o rápido c r e s c i m e n t o da p o p u l a ç ã o criou u m e x c e d e n t e d e t r a -
b a l h a d o r e s n o i n t e r i o r q u e , e m grande parte, e n c a m i n h a r a m - s e para os n o v o s
-> y centros u r b a n o s d o N o r t e e da região central. E, e m b o r a a Inglaterra d o século
' r X V I I I n ã o se encaixe n o m o d e l o de sociedade pré-industrializada tal c o m o des-
v
^ «y c r i t o pelos economistas, c o m u m a oferta ilimitada de m ã o - d e - o b r a , 1 2 7 duas s o -

y ciedades p r ó x i m a s e n q u a d r a v a m - s e nesse m o d e l o e estavam e m c o n d i ç õ e s de


^ enviar parte de sua p o p u l a ç ã o e x c e d e n t e para a Inglaterra - a Escócia e, mais
ainda, a Irlanda. P o r fim, e m b o r a m e n o s i m p o r t a n t e , a m e s m a indústria têxtil
\ r

rural m u i t o desenvolvida q u e havia absorvido a m ã o - d e - o b r a ociosa d o interior


da Inglaterra l i b e r o u u m n ú m e r o crescente de trabalhadores, à m e d i d a q u e a
/-V m e c a n i z a ç ã o da t e c e l a g e m p r o g r e d i u e q u e a força d e t r a b a l h o irlandesa i m i -
grante c o m e ç o u a c o m p e t i r n o m e r c a d o de trabalho. O s tecelões m a n u a i s f o r a m
' para as fabricas, r e l u t a n t e m e n t e , mas foram..
Q
A Revolução Industrial na Inglaterra 111
ELSEVIER

M e s m o assim, a tarefa teria sido muitíssimo mais difícil, se os requisitos t e c -


nológicos da fabricação, especialmente nos primeiros anos da fiadeira de fusos e
. ' v' filatório c o n t í n u o , n ã o permitissem o e m p r e g o de e l e m e n t o s marginais -
crianças, mulheres e ociosos, q u a n d o necessário - , e se as instituições sociais e
t«- políticas n ã o permitissem e m certa medida esse r e c r u t a m e n t o , explícito ou dis-
S^ farçado, s o b r e t u d o de aprendizes paroquianos. N o e n t a n t o , c o m a chegada da
y ^ ' fiadeira automática mecânica fez-se necessário u m n ú m e r o crescente de h o m e n s
adultos, e os e m p r e g a d o s f o r a m obrigados a se voltar para o m e r c a d o de
m ã o - d e - o b r a ociosa. Dessa vez, a organização familiar d o trabalho fabril facili-
•-V tou a m u d a n ç a : o e m p r e g a d o r podia contratar pais e filhos j u n t o s , o q u e n ã o
apenas aumentava o incentivo financeiro c o m o t a m b é m , m a n t e n d o os pais e m
seu papel tutelar, conciliava-os c o m m a i o r facilidade aos aspectos indesejáveis
do trabalho nas fábricas. N a época e m q u e outros avanços tecnológicos - a i n -
trodução dos filatórios longos e d o a u t o m á t i c o nas décadas de 1820 e 1830 - e as
restrições ao e m p r e g o de crianças tornaram a modificar a c o m p o s i ç ã o da força
de trabalho, u m a nova geração já havia crescido, habituada à disciplina e à p r e c i -
são das fabricas. 1 2 8 /
C o m o conciliar as vantagens da escassez e da abundância da m ã o - d e - o b r a
para explicar o d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o da Inglaterra? Ainda n ã o é possível
dar uma resposta definitiva; é preciso a p r o f u n d a r o c o n h e c i m e n t o sobre os fatos
antes de fazer generalizações. N o m o m e n t o , só se p o d e formular a hipótese de
9 u e o padrão de custo dos fatores exigido para u m progresso tecnológico é dife-
rente d o necessário para explorar as possibilidades desse avanço. A m ã o - d e - o b r a
es
cassa parece haver incentivado u m a intensificação d o capital na Inglaterra n o
Se
culo X V I I I , ao passo q u e u m a oferta mais a b u n d a n t e facilitou a ampliação nas
décadas subseqüentes.
Nossa segunda questão é o lugar da fábrica na e c o n o m i a c o m o u m t o d o . E m
determinado m o m e n t o , o s u r g i m e n t o d o sistema fabril foi retratado c o m o u m
cataclismo, q u e subverteu a antiga o r d e m e t r a n s f o r m o u a indústria britânica e m
Ut
na geração. N a verdade, essa foi a impressão dos c o n t e m p o r â n e o s , q u e e m p e -
n
:" h a d o s n u m a polêmica acirrada sobre as conseqüências sociais da m u d a n ç a t e c -
n
ológica, inevitavelmente a d o t a v a m u m a postura rígida nos debates e viam t u d o
e m
preto e b r a n c o . Alguns dos primeiros historiadores e c o n ô m i c o s aceitaram
essa v
isão, e m b o r a , na maioria, p o r diferentes razões. E n t r e outras premissas, a
tendência a v e r o sistema fabril c o m o a última de u m a seqüência ascendente de
eta
p a s da organização industrial, iniciada c o m a oficina artesanal e passando pelo
Sls
tema de p r o d u ç ã o domiciliar, implicou o caráter m u t u a m e n t e e x c l u d e n t e
dessas formas e o b s c u r e c e u as vantagens competitivas peculiares a cada u m a , q u e
Possibilitaram sua coexistência até os dias atuais. Apenas neste século, os estúdio-
112 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

sos inverteram essa interpretação, enfatizando a c o n t i n u i d a d e e m vez da m u d a n -


ça. O clássico de C l a p h a m , Economic History of Modem Britain, é u m m o n u m e n t o
a esse n o v o postulado; é, nas palavras de H e r b e r t H e a t o n , " u m estudo e m c â m e -
ra lenta". 1 2 9
A base e c o n ô m i c a da sobrevivência dos m o d o s de p r o d u ç ã o mais antigos
p o d e ser parcialmente encontrada neles próprios, e e m parte nas demandas d o
sistema fabril e n o crescimento geral c o n c o m i t a n t e ao seu d e s e n v o l v i m e n t o .
Assim, a oficina artesanal e a fábrica possibilitaram o controle d o processo de tra-
b a l h o ao revés (na oficina, o e m p r e g a d o r é t a m b é m , e m geral, u m trabalhador);
apesar de a fábrica ser capaz de produzir mais bens a u m custo mais barato, a
oficina p o d i a trabalhar de f o r m a m u i t o mais e c o n ô m i c a c o m e n c o m e n d a s es-
peciais. P o r t a n t o , e m b o r a a p r o d u ç ã o fabril significasse o fim de muitas oficinas,
ela significou t a m b é m o c o m e ç o de muitas mais. A construção e a m a n u t e n ç ã o
de e q u i p a m e n t o s , e m especial, originaram u m a profusão de p e q u e n a s empresas
artesanais; de m o d o geral, a grande indústria considerou desejável, p o r razões fi-
nanceiras racionais, subcontratar grande parte de seu trabalho.
O sistema de produção domiciliar é deficiente e m dois aspectos: o artesão d o -
méstico raramente t e m habilidade suficiente para fazer produtos acabados indivi-
duais da mais alta qualidade, e t a m p o u c o p o d e competir c o m a fabrica na p r o d u -
ção e m massa de artigos padronizados. C o n t u d o , a fragilidade desse m o d o de p r o -
dução é muitas vezes enganosa, e a capacidade de melhorar a produtividade da fa-
bricação dispersa não deve ser subestimada. Assim, a divisão d o trabalho possibili-
tou níveis notáveis de produção e m alguns ramos - na metalurgia, e m especial -
m u i t o antes d o surgimento da maquinaria. Além disso, apesar de a simplificação
do processo de trabalho, implícita nessa especialização, ser u m convite à m e c a n i -
zação, os dispositivos resultantes c o m freqüência reforçam, a princípio, a posição
d o trabalhador domiciliar: as primeiras máquinas de perfurar, cortar e estampar
eram especialmente adequadas à casa o u ao porão. Só q u a n d o se atinge u m estágio
mais elevado de construção mecânica, c o m a m o n t a g e m de grandes e q u i p a m e n -
tos, é que a p r o d u ç ã o fabril torna-se u m a melhor opção.
M e s m o nos casos e m que a especialização e a simplificação n ã o p o d e m ser
m u i t o ampliadas, c o m o na p r o d u ç ã o têxtil, p o r e x e m p l o , o trabalhador d o m é s -
tico t e m u m a grande vantagem: é barato. E m geral, é capaz de extrair parte de
seu sustento d o solo, n e m que seja de u m p e d a c i n h o de terra cultivada; e seu
apreço pela liberdade do trabalho feito e m casa é t a m a n h o q u e o leva a aceitar
r e m u n e r a ç õ e s que u m trabalhador fabril não toleraria. Para o fabricante, além
disso, ele é dispensável; a imobilização de capital e m instalações e e q u i p a m e n t o s
é m í n i m a e, nas épocas difíceis, o trabalho p o d e ser i n t e r r o m p i d o sem o m e d o
de prejuízos advindos de custos fixos pesados. 1 3 0
A Revolução Industrial na Inglaterra 113
ELSEVIER

essas razões, o sistema de p r o d u ç ã o domiciliar revelou-se mais resistente


do que se poderia esperar. P e n e t r o u sem n e n h u m i n c o v e n i e n t e nos ramos e m
que a vantagem tecnológica dos e q u i p a m e n t o s mecânicos ainda era p e q u e n a
( c o m o na tecelagem), o u e m q u e o artesão d o m é s t i c o era capaz de construir para
U m e
q u i P a m e n t o m e c â n i c o r u d i m e n t a r ( c o m o na fabricação de pregos e o u -
•^ y tros tipos de metalurgia leve). C o m freqüência, sobreviveu e m simbiose c o m a
o
V t fabrica; m u i t o s fabricantes consideravam lucrativo instalar apenas a maquinaria
que suprisse u m a d e m a n d a normal, calculada de f o r m a conservadora, c o n f i a n d o
n u m a reserva de m ã o - d e - o b r a dispersa para a p r o d u ç ã o extra e m épocas de
prosperidade.
A o m e s m o t e m p o , grande parte da perda das oficinas artesanais e da p r o d u -
ção doméstica, c o m o a d v e n t o das indústrias recém-mecanizadas, foi c o m p e n s a -
da e m outros campos. P o r u m lado, os a u m e n t o s de p r o d u t i v i d a d e e m algumas
etapas da fabricação, c o m a c o n s e q ü e n t e r e d u ç ã o d o p r e ç o e elevação da d e -
manda d o p r o d u t o final, a u m e n t a r a m as necessidades de m ã o - d e - o b r a das outras
etapas organizadas de f o r m a tradicional. Assim, os ramos da c o n f e c ç ã o b e n e f i -
ciaram-se c o m a transformação da fiação e da tecelagem; a p r o d u ç ã o de rendas e
bordados, c o m a disponibilidade de fios baratos. P o r sua vez, alguns tipos de
Progresso t e c n o l ó g i c o criaram novas indústrias artesanais e domésticas, o u as fi-
zeram estender-se m u i t o além de suas fronteiras tradicionais. A m á q u i n a de cos-
tura é u m excelente e x e m p l o : transformou mulheres c o m u n s e m costureiras e
costureiras e m modistas. Desse m o d o , apressou a transformação d o q u e antes
f°ra u m a tarefa d e todas as m u l h e r e s n u m a atividade profissional.
/. E m geral, toda a tendência da industrialização e da urbanização consistiu e m
o especializar ainda mais a m ã o - d e - o b r a e fragmentar a versatilidade da família.
Toda u m a gama de ocupações - a panificação, o abate e o corte, a m a n u f a t u r a de
tf artigos tão diversos q u a n t o velas, sabão e polidores - expandiu-se o u surgiu
c
° m o u m a reação. A o m e s m o t e m p o , o crescimento da população e da renda
, /•• real per capita - e m decorrência dos a u m e n t o s de p r o d u t i v i d a d e tanto na agricul-
tura q u a n t o na indústria - elevaram o c o n s u m o e ampliaram a parcela dedicada
aos
Produtos m a n u f a t u r a d o s e aos serviços, c o m o c o n s e q ü e n t e estímulo aos o f i -
Uos
tradicionais, b e m c o m o aos r e c é m - m e c a n i z a d o s . A mera construção de ca-
Sas
passou a exigir u m exército de carpinteiros, pedreiros, b o m b e i r o s , pintores,
Vl
draceiros, ladrilheiros e simples operários.
T o d o s esses fatos são c l a r a m e n t e evidenciados pelas estatísticas o c u p a c i o -
na
| s . Apesar d e suas incorreções, o r e c e n s e a m e n t o inglês d e 1851 mostra u m
Pais
° n d e a agricultura e o trabalho d o m é s t i c o eram, de longe, as ocupações
m
a i s importantes; e m q u e a m a i o r parte da força de trabalho estava e m p r e g a d a
Cm
mdústrias d o tipo tradicional: construção, alfaiataria, c o n f e c ç ã o de calçados e
114 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

t o d a espécie d e trabalhos não-especializados. M e s m o na indústria de algodão,


q u e t i n h a nas fabricas mais de 3 / 5 de sua força de trabalho (mais de m e i o m i l h ã o
d e e m p r e g a d o s d e u m total de quase 16 milhões), 1 3 1 quase 2 / 3 das u n i d a d e s de
p r o d u ç ã o lucrativas e m p r e g a v a m m e n o s de 50 h o m e n s ; 1 3 2 o c o t o n i f í c i o m é d i o
da Inglaterra e m p r e g a v a m e n o s de 2 0 0 , e dezenas de milhares d e teares m a n u a i s
ainda estavam f u n c i o n a n d o e m chalés rurais.
Assim c o m o seria e r r ô n e o imaginar o sistema fabril c o m o u m apelo irresistí-
vel, t a m b é m nos estaríamos i l u d i n d o se o víssemos c o m o u m desgaste suave da
o r d e m tradicional. E m p r i m e i r o lugar, havia u m a p r o p e n s ã o : n o p e r í o d o e n t r e
1834, q u a n d o os inspetores das fabricas apresentaram seus p r i m e i r o s relatórios, e
m e a d o s d o século, o n ú m e r o de operários dos cotonifícios da Inglaterra ele-
v o u - s e de 2 2 0 . 8 2 5 para 3 3 0 . 9 2 4 , apesar dos a u m e n t o s substanciais de p r o d u t i v i -
dade. E m outras indústrias - c o u r o , papel, metalurgia - o e m p r e g o nas fabricas
crescia ainda mais depressa: elas o c u p a v a m a posição q u e o algodão tivera duas
gerações antes. A l é m disso, a velocidade da passagem d o v e l h o para o n o v o esta-
va a u m e n t a n d o pari passu c o m o r i t m o da m u d a n ç a tecnológica. E m particular,
os a p e r f e i ç o a m e n t o s da técnica d e c o n s t r u ç ã o d e m á q u i n a s e q ü i v a l e r a m à rápida
t r a d u ç ã o de c o n c e i t o s e dispositivos desenvolvidos n u m a dada indústria para
o p e r a ç õ e s análogas e m outras; é c u r t o o espaço d e t e m p o d o c o r t e d e t e c i d o para
o c o r t e de c o u r o o u de metal. Eles t a m b é m significaram e q u i p a m e n t o s m a i o r e s
e mais rápidos, q u e exigiam fontes d e energia e e r a m i n c o m p a t í v e i s c o m a p r o -
d u ç ã o domiciliar.
/ / ' N u m a classe à parte, mas s e g u i n d o u m r u m o similar e m d i r e ç ã o à o r g a n i z a -
ção fabril, havia as indústrias e m q u e o trabalho s e m p r e fora separado da p r o d u -
ç ã o d o m é s t i c a e e m q u e a dispersão da m ã o - d e - o b r a era impossível. O ferro, os
p r o d u t o s q u í m i c o s , o trabalho nas prensas, a c o n s t r u ç ã o naval, t o d o s i n c l u e m - s e
nessa categoria. M u i t o antes d o s u r g i m e n t o dos cotonifícios, esses r a m o s i n d u s -
triais caracterizavam-se pelas grandes unidades de p r o d u ç ã o . U m a fornalha de
/ f e r r o a carvão vegetal d o início d o século X V I I I p o d i a e m p r e g a r o i t o o u d e z h o -
m e n s , mais u m total de até c e m cavando o m i n é r i o , c o r t a n d o e c a r b o n i z a n d o a
m a d e i r a , t r a n s p o r t a n d o materiais e servindo aos f u n d i d o r e s d e u m m o d o geral-
N a m e s m a época, o arsenal naval de C h a t h a m e m p r e g a v a mais de m i l h o m e n s ,
t o d o s c u i d a d o s a m e n t e distribuídos e supervisionados, d e m a n e i r a q u e , " e m b o r a
vejais o lugar inteiro c o m o q u e na mais e x t r e m a pressa, n ã o vedes n e n h u m a
c o n f u s ã o , cada h o m e m c o n h e c e seu o f í c i o . . . " . 1 3 3
Essas u n i d a d e s d e v e m ser designadas c o m o fabricas? D o p o n t o de vista dos
0
dois critérios vitais - c o n c e n t r a ç ã o da p r o d u ç ã o e m a n u t e n ç ã o da disciplina
t e r m o é c e r t a m e n t e a d e q u a d o . A o m e s m o t e m p o , elas diferiam e m u m i m p o r -
t a n t e aspecto das tecelagens, q u e e r a m o p r o t ó t i p o da fabrica tal c o m o a c o n h e -

j
A Revolução Industrial na Inglaterra 115
ELSEVIER

cemos: embora o trabalho nas forjas e estaleiros fosse minuciosamente supervi-


sionado, o ritmo era dado pelos homens, e não pelas máquinas. Era mais inter-
mitente do que regular. Havia momentos que exigiam grande concentração e
esforço: quando a fornalha era escoada ou o tonei esvaziado; quando se içava o
mastro ou se lançava a quilha; quando os lingotes quentes eram movidos ou vi-
rados. E havia momentos calmos, enquanto a mistura fervia ou os homens espe-
ravam que a peça seguinte ficasse pronta. Em seus momentos mais descontraídos
(sem considerar a questão da mobilidade), essas unidades de produção asseme-
lhavam-se muito à reunião de artesãos e ajudantes em u m trabalho de constru-
ção, ou à equipe de construção de um canal ou de um projeto ferroviário.
Essas empresas multiplicaram-se, e seu tamanho médio cresceu considera-
velmente em decorrência da expansão industrial. Em 1848, Dowlais, talvez a
maior usina de ferro do reino, empregava sete mil homens para operar seus 18
altos-fornos, seus fornos de pudlagem, seus laminadores, as minas e o restan-
te. 134 N o entanto, a diferença das fundições e foijas do século XVIII era mais de
grau do que de qualidade, e o impacto social desse desenvolvimento não foi tão
grande quanto o da ascensão de um proletariado disciplinado nas fabricas têxteis,
y- / l J or outro lado, o aperfeiçoamento da tecnologia levou as indústrias, cujo
"\fi ^ m o era dado pelo homem, à precisão e à regularidade típicas da fiação e da te-
yyt, celagem. Na siderurgia, o laminador, o martelo-pilão a vapor e outros equipa-
mentos mais eficazes de manuseio conduziram, todos eles, nessa direção; e, em
to
w dos os ramos metalúrgicos, o desenvolvimento de máquinas-ferramenta rae-
o^ eanicas com finalidades especiais e de peças de maior precisão foi um prenúncio
das linhas d e
V montagem do século X X i
Em segundo lugar, a contribuição da indústria fabril para a economia foi
desproporcional à sua participação na produção total. A fabrica promoveu uma
taxa de investimento e, portanto, de crescimento, mais elevada do que outras
1/ f°rmas de produção. Em parte, isso era uma simples conseqüência da intensida-
yl de do capital: o homem que vivia da máquina tinha mais probabilidade de se in-
Oí gressar por aperfeiçoamentos mecânicos e de economizar para tê-los do que o
comerciante que dependia da mão-de-obra domiciliar barata. 133 Ainda mais,
y\ 1Sso
refletiu a orientação tecnológica implícita na produção concentrada. Em
contraste com o sistema de produção domiciliar, em que o empresário era pri-
mordialmente um vendedor, um comerciante de artigos produzidos por tercei-
^0s> por meio de métodos que não se voltavam para as necessidades e oportuni-
3
do mercado, a fabrica enfatizou o produto: o dono da fabrica era, antes de
na
da, um homem de produção, capaz, dentro de limites bastante amplos,
e
alterar as técnicas e as condições de trabalho a seu critério. C o m o resultado, a
Cnica
tornou-se mais importante do que nunca para a oportunidade econômi-
PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER
116

ca As pressões favoráveis à m u d a n ç a , já inerentes à nova tecnologia - c o m seu


cálculo de eficiência, sua sistematização da investigação empírica, seus laços i m -
plícitos e crescentes c o m u m c o r p o cada vez m a i o r de teorias científicas - , f o r a m
assim e n o r m e m e n t e reforçadas. A fábrica foi u m a nova p o n t e entre a i n v e n ç ã o e
a inovação.
E m r e s u m o , n ã o se deve c o n f u n d i r aparência e realidade. O s registros censi-
tários e outros n ú m e r o s encontrados entre as capas de e m p o e i r a d o s textos parla-
mentares são, para o historiador e c o n ô m i c o , sua borboleta sob o vidro o u seu
sapo n o f o r m o l - sem a virtude da inteireza para c o m p e n s a r a falta de vida. Tal
c o m o descrita pelos dados ocupacionais, a e c o n o m i a britânica de 1851 talvez
n ã o pareça m u i t o diferente da de 1800. Mas esses n ú m e r o s apenas descrevem a
superfície da sociedade - e, m e s m o assim, e m termos q u e descartam a m u d a n ç a
pelo uso de categorias de n o m e n c l a t u r a imutáveis. Abaixo dessa superfície, os
órgãos vitais haviam se transformado; e, e m b o r a só pesassem u m a fração d o total
- q u e r fossem m e d i d o s pelas pessoas ou pela riqueza - , f o r a m eles q u e d e t e r m i -
n a r a m o m e t a b o l i s m o d o sistema inteiro. V i m o s que, na m e d i d a e m q u e as e m -
presas de p e q u e n a escala c o n t i n u a r a m a florescer, elas o fizeram, basicamente,
e m razão da d e m a n d a d e c o r r e n t e d o crescimento da fabricação concentrada; da
d e m a n d a dos próprios grandes produtores, de seus e m p r e g a d o s e das a g l o m e r a -
ções urbanas que cresceram ao r e d o r deles. P o r é m , n e m só a p e q u e n a indústria
foi assim vinculada ao setor m o d e r n o . A agricultura, o c o m é r c i o , os bancos, t o -
dos passaram a d e p e n d e r cada vez mais das necessidades, dos p r o d u t o s , das letras
de câmbio e dos investimentos de Lancashire, de Midlands e dos outros núcleos
da indústria fabril inglesa. As pessoas da época n ã o se deixavam enganar pela
aparência primitiva de grande parte da paisagem britânica. Elas sabiam q u e ti-
n h a m passado p o r u m a revolução.
A l é m disso, foi u m a revolução t o t a l m e n t e diferente de t u d o q u e já fora vi-
v e n c i a d o . As t r a n s f o r m a ç õ e s anteriores, políticas o u e c o n ô m i c a s , s e m p r e h a -
v i a m acabado p o r se estabilizar n u m a nova posição de equilíbrio. Mas essa r e v o -
lução claramente continuava e p r o m e t i a prosseguir i n d e f i n i d a m e n t e . M u i t o s
ingleses teriam detido seu curso, o u até p r o v o c a d o u m r e c u o . P o r boas o u más
razões, estavam aflitos, irritados o u ultrajados c o m suas conseqüências. C h o r a -
v a m a perda de u m a Inglaterra risonha q u e n u n c a havia existido; d e p l o r a v a m a
f u l i g e m e a feiúra das novas cidades fabris; lastimavam o crescente p o d e r político
de crassos parvenus; protestavam contra a pobreza precária de u m p r o l e t a r i a d o
desenraizado. Este n ã o é o lugar para avaliar esses j u l g a m e n t o s , q u e p e r m a n e c e m
controvertidos até os dias atuais. Mas cabe assinalar que esses pessimistas, p o r mais
vociferantes q u e fossem, e r a m u m a p e q u e n a minoria daquela parte da s o c i e d a d e
britânica q u e expressava alguma opinião sobre o assunto. As classes média e alta
ELSEVIER A Revolução Industrial na Inglaterra 117
ELSEVIER

e s t a v a m c o n v e n c i d a s , e m razão das m a r a v i l h o s a s i n v e n ç õ e s da c i ê n c i a e da t e c -
nologia, pela massa e variedade crescentes dos b e n s materiais, pela v e l o c i d a d e d e
l o c o m o ç ã o cada v e z m a i o r e p e l o c o n f o r t o das atividades cotidianas, q u e esta-
v a m v i v e n d o n o m e l h o r dos m u n d o s possíveis, e mais, e m u m m u n d o q u e m e -
l h o r a v a a c a d a d i a . P a r a esses i n g l e s e s , a c i ê n c i a e r a a n o v a r e v e l a ç ã o ; e a R e v o l u -
ção Industrial foi a prova e a justificativa da religião d o progresso,
O s " p o b r e s " e " t r a b a l h a d o r e s " , s o b r e t u d o os g r u p o s marginalizados ou
o p r i m i d o s pela indústria m e c a n i z a d a , p o u c o diziam, m a s t i n h a m s e m d ú v i d a ,
outra opinião.

NOTAS
. t
1
• O critério de adequação seria, para os propósitos deste livro, os custos marginais. A elevação
ac
e n t u a d a dos custos unitários de u m ou mais fatores da p r o d u ç ã o , sob condições de a u m e n t o
de demanda, implicaria u m a o p o r t u n i d a d e e u m incentivo para o progresso tecnológico.
2- E m sua discussão sobre a m u d a n ç a da indústria urbana para a rural, P. M a n t o u x e m The
Industrial Revolution in the Eighteenth Century (Londres, 1928), p. 6 4 - 6 , assinala q u e o sistema
de contratação era o resultado da decadência d o q u e ele descreve c o m o " m a n u f a t u r a d o -
méstica", o u seja, a indústria domiciliar dispersa, c o m o a e n c o n t r a d a e m Yorkshire. C o m
freqüência, c o m o observamos, esse fato era verdadeiro, mas ainda mais f r e q ü e n t e , p r o v a v e l -
mente, a contratação fosse o p r o d u t o da iniciativa comercial b u s c a n d o novas fontes de
m ã o - d e - o b r a e i n t r o d u z i n d o a população rural n o circuito comercial.
3
- H . L. Gray, " T h e P r o d u c t i o n and E x p o r t a t i o n o f English W o l l e n s in t h e F o u r t e e n t h
C e n t u r y " , English Historical Review, X X X I X (1924), 32.
4
- p - D e a n e , " T h e O u t p u t o f t h e British W o l l e n Industry in the E i g h t e e n t h C e n t u r y " , J .
Econ. Hist. X V I I (1957), 220. Essas cifras são derivadas de pressupostos feitos sobre i n f o r m a -
ções da época e, p o r t a n t o , são dados a p r o x i m a d o s . Mas é essa tendência q u e nos interessa
a
qui. A esse respeito, c o m p a r a r o c r e s c i m e n t o mais lento da região de V e r v i e r s - H o d i m o n t
Perto de Liège, u m dos centros de fabricação de lã mais e m p r e e n d e d o r e s d o c o n t i n e n t e . P.
Lebrun, L'industrie de la laine à Verviers pendant le XVIUe et le début du XIXe siècle (Liège,
l948
) . p. 5 1 8 - 1 9 . O b s e r v a r t a m b é m a diferença e n t r e a p r o d u ç ã o de Y o r h s h i r e (esses dados
quantitativos são citados e m : T. S. Ashton, An Economir History of England: the Eighteenth
Century (Londres, 1955), p. 2 4 9 - 5 0 ) e a região de Verviers.
^ J H . C l a p h a m , " T h e T r a n s f o m i a t i o n o f t h e W o r s t e d Industry f r o m N o r f o l k to the W e s t
R i d i n g " , Econ.J. X X (1910), 203. Eric M . Sigsworth, Black Dyke Mills: a History: with Intro-
^ct0>y Chapters on the Development ofthe World Industry in the Nineteenth Century (Liverpool:
n
»versity Press, 1958), p. 17, reitera esse p o n t o de vista.
Para u
p' m a estimativa diferente, mas de certa f o r m a c o n d i z e n t e desse c r e s c i m e n t o , ver:
yllls
b D e a n e e W . A. C o l e , British Economic Growth 1688-1959: Trends and Structure ( C a m -
2^
d
g e , 1962), p. 5, n 2 3. Nesse m e s m o p e r í o d o , a p o p u l a ç ã o da França cresceu de cerca de
Para 27,5 milhões. E. Levasseur, La Population fiançaise. 3 vols.; Paris, 1889, I, 2 0 1 - 6 ,
ELSEVIER
PROMETEU DESACORRENTADO
118

7. V e r , n o e n t a n t o , o artigo d e P. D e a n e , " T h e Implications o f E a r l y N a t i o n a l I n c o m e Esti-


mates f o r t h e M e a s u r e m e n t of L o n g - T e n n E c o n o m i c G r o w t h in the U n i t e d K i n g d o m " ,
Economic Development and Cultural Change, IV (1955), 3 - 1 8 .
8. Y o u n g , Traveis during the Years 1787, 1788 and 1789 (2 vols.; D u b l i n , 1793), 1,87 f., 93.
9. C f . D o r o t h y Marschall, The English Poorin the Eighteenth Century (Londres, 1926), p. 268.
10. Esta é a o p i n i ã o de C . F. Labrousse, Origines et aspects économiques et sociaux de la Révoluti-
onfrançaise (1774-1791) ["Le C o u r s d e S o r b o n n e " ] (Paris, s.d.), p. 5 4 - 8 .
11. [Daniel Defoe], A Plan of the English Commerce ( O x f o r d : Blackwell, 1928), p. 7 6 - 7 .
12. S e g u n d o a premissa tradicional, a desigualdade a u m e n t a a taxa de poupança. Mas, questio-
na-se se isso se aplica a u m a sociedade pré-industrial, sobretudo na qual u m p e q u e n o g r u p o
privilegiado c o m a n d a os mecanismos d o p o d e r e está apto a extrair u m a espécie de renda tri-
butária d o resto da nação. Parece provável, por exemplo, q u e a aristocracia da C o r t e da França
n o século X V I I I vivesse além d e seus rendimentos, c o n s u m i n d o livremente p o r q u e sabia q u e
sempre haveria m o d o s de obter mais da C o r o a . Cf. Milton Friedman, A Theory of the Con-
sumption Function (Princeton, 1957), p. 235 f.; o autor argumenta q u e a desigualdade " p e r m a -
n e n t e " de renda (e não a mensurável) per se não afeta a taxa de c o n s u m o versus poupança. A i n -
certeza sobre os r e n d i m e n t o s futuros é q u e f o m e n t a a p o u p a n ç a contra dias adversos.
13. S o b r e as implicações d e desigualdade de renda o u , mais precisamente, da desigualdade
de c o n s u m o e m relação à natureza e à c o m p o s i ç ã o da p r o d u ç ã o industrial, ver o sugestivo
artigo de W . Paul Strassman, " E c o n o m i c G r o w t h and I n c o m e D i s t r i b u t i o n " , QuaterlyJ. of
Economics, L X X , (1956), 4 2 5 - 4 0 ; consultar t a m b é m : S. Kuznets, " E c o n o m i c G r o w t h and
I n c o m e Inequality", Amer. Econ. Rev. X L V (1955), q u e enfoca mais a relação inversa. O
m e l h o r índice d o fator relativo dos gastos e d o padrão de c o n s u m o é a extensão e a caracte-
rística d o serviço d o m é s t i c o : o século X X , p o r vezes c h a m a d o de a era d o h o m e m c o m u m ,
foi t a m b é m a é p o c a d o desaparecimento dos criados. E, e m b o r a o c o m e r c i a n t e inglês d o sé-
c u l o X V I I I tivesse m e n o s m o t i v o s d e frustração d o q u e seus descendentes, ele t a m b é m tinha
problemas c o m seus serviçais. C f . D e f o e , Everybody's Business Is Nobody's Business, e m The
Novéis and Miscellaneous Works of Daniel Defoe ( " B o h m ' s Standard Library"; 7 vols.; Londres,
1889), II, 4 9 9 - 5 0 0 . V e r t a m b é m J . J e a n H e c h t , The Domestic Servant Class in Eighte-
enth-century England. (Londres, 1956), e m especial os capítulos I e VI.

14. Phyllis D e a n e e W . A. C o l e , British Economic Growth, 1688-1959: Trends and Structure


( C a m b r i d g e , 1962), p. 7.
15. A p o p u l a ç ã o da H o l a n d a declinava r a p i d a m e n t e tanto e m t e r m o s relativos q u a n t o e m
t e r m o s absolutos. Cf. W i l l i a m Petersen, Planned Migration: the Social Determinants of the
Dutch-Canadian Movement [University of Califórnia Publications in Sociology and Social
Institutions, vol. II] (Berkeley a n d Los Angeles, 1955), p. 2 0
16. A. P. W a d s w o r t h e Julia de L. M a n n , The Cotton Trade and Industrial Lancashire,
1600-1790 (Manchester, 1931), p. 276, n. 2.

17. G . D . R a m s a y , English Overseas Trade during the Centuries ofEmergence (Londres, 1957), p-
247.
18. J . U . N e f a r g u m e n t o u e m diversos artigos q u e a adoção d o c o m b u s t í v e l m i n e r a l d e u u m
g r a n d e i m p u l s o à p r o d u ç ã o d e " q u a n t i d a d e e utilidade, mais d o q u e a elegância". V e r , inter
A Revolução Industrial na Inglaterra 119
ELSEVIER

alia, sua obra Cultural Foundations of Industrial Civilization ( C a m b r i d g e , 1958), p. 52-3. N a


verdade, a rapidez e m adotar o carvão foi u m indicativo d e u m a racionalidade mais p r o f u n -
da; alguns países c o m o a França, c o n f r o n t a d o s c o m a m e s m a escolha, rejeitaram obstinada-
m e n t e o carvão - m e s m o q u a n d o havia grandes incentivos financeiros para u m a troca p o r
u m combustível mais barato.

19. Essas cifras baseiam-se e m Phyllis D e a n e , " T h e O u t p u t o f the British W o o l l e n Industry


in the E i g h t e e n t h C e n t u r y " J . Econ. Hist. X V I I (1957), 2 0 9 - 1 0 , 2 1 1 - 1 3 , 2 1 5 - 1 6 , 220. Esse
artigo assinala as limitações desses n ú m e r o s q u e são, essencialmente, inferências feitas a partir
de pressupostos da época.

20. Cf. K e n n e t h Berril, "International T r a d e a n d the R a t e o f E c o n o m i c G r o w t h " , Econ.


Hist. Reu. 2- série X I I (1960), 3 5 1 - 9 ; t a m b é m P. A., " T h e O r i g i n s o f the Industrial R e v o l u -
t i o n " [resumo de u m simpósio], Past and Present, n 2 17 (1960), p. 7 1 - 8 1 .

21. D è a n e e C o l e , British Economic Growth, p. 4 6 e 59.


22. D . E. C . Eversley, " T h e H o m e M a r k e t and E c o n o m i c G r o w t h in England, 1 7 5 0 - 8 0 " ,
em Land, Labour and Population in the Industrial Reuolution (Londres, 1967), p. 2 0 6 - 5 9 .
23. C f . François C r o u z e t , "La F o r m a t i o n du capital e m G r a n d e - B r e t a g n e p e n d a n t la R é v o -
lution Industrielle", Deuxième Conférence Internationale d'Histoire Economique, Aix-em-Pro-
vence 1962. [Ecole Pratique des H a u t e s Etudes, S o r b o n n e , Sixième Section: Sciences E c o -
n o m i q u e s et Sociales, " C o n g r è s et colloques", VIII] (Paris, 1965), p. 5 8 9 - 6 4 0 .

24. Para u m e x e m p l o d o papel d o e n d i v i d a m e n t o na m a n u t e n ç ã o d o v í n c u l o de u m traba-


lhador a seu e m p r e g a d o r , cf. T . S. Ashton, " T h e D o m e s t i c System in the Early Lancashire
T o o l T r a d e " , Econ. Hist. Reu. I (1926), 136.
25. Isso n ã o significa q u e houvesse u m a r e d u ç ã o das m a r g e n s d o lucro (sobre a qual n ã o t e -
n h o c o m p r o v a ç ã o ) ; s i m p l e s m e n t e os custos de distribuição e cobrança estabeleceram limites
espaciais ao m e r c a d o d e trabalho, m e s m o sob a u m e n t o da d e m a n d a . Mas e m v i r t u d e da n a -
tureza d o sistema de p r o d u ç ã o domiciliar, s o b r e t u d o a custódia temporária da m a t é -
ria-prima p e l o trabalhador, p o d e - s e pensar q u e u m a u m e n t o da d e m a n d a e d o p r e ç o d o
P r o d u t o final estimulasse a tal p o n t o o f u r t o (ver mais adiante), q u e o custo unitário da
m ã o - d e - o b r a aumentasse a c e n t u a d a m e n t e e os lucros diminuíssem - até q u e fossem t o m a -
das medidas contrárias.
26
- Cf. H . J. H a b a k k u k , " F a m i l y S t r u c t u r e a n d E c o n o m i c C h a n g e in N i n e t e e n t h C e n t u r y
E u r o p e " J . Econ. Hist. X V (1955), 1 - 1 2 ; J o a n Thirsk, "Industries in the C o u n t r y s i d e " , e m
F
-J- Fisher, e d „ Essays in the Economic and Social History o/Tudor and Stuart England in Honour
° f R . H. Tawney ( C a m b r i d g e , 1961), p. 7 0 - 8 8 .
27
• Talvez o m e l h o r e s t u d o sobre os m e c a n i s m o s s o c i o e c o n ô m i c o s e psicológicos pelos
quais a i n t r o d u ç ã o da indústria na área rural p r o m o v e u u m índice elevado de c r e s c i m e n t o
Populacional seja a pesquisa p i o n e i r a d e R u d o l f B r a u n sobre a região m o n t a n h o s a de Z u r i -
que: Industrialisierung and Volksleben: Die Verànderungen in einem làndlichen Industriegebiet uor
í8
° 0 ( E r l e n b a c h - Z u r i c h a n d Stuttgart, 1960).
28
- A d a m S m i t h (Wealth o/Nations, Livro I, cap. VIII) o b s e r v o u c o m perspicácia a ligação
entre
o trabalho i n t e n s o e o r e p o u s o p r o l o n g a d o e a r g u m e n t o u q u e o p r i m e i r o p r o v o c a v a o
Se
8 u n d o . C f . T . S. A s h t o n , An Economic History of England: the Eighteenth Century (Londres,
120 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

1955), p. 205. Essa interpretação parece p ô r o carro diante dos bois. E m v i r t u d e de o traba-
l h a d o r preferir esse tipo de lazer e p o d e r usufruí-lo trabalhando a r d u a m e n t e d u r a n t e dois ou
três dias, esse esquema esporádico foi adotado; e não p o r q u e gostasse de trabalhar até esgotar
seus limites p o r alguns dias e precisasse de u m fim de semana p r o l o n g a d o para descansar. Essa
última premissa eqüivale a dizer q u e os alunos descansam d u r a n t e os três primeiros meses d o
p e r í o d o letivo d e v i d o ao "esforço i n t e n s o " q u e precisam fazer para os exames finais.
29. Travis, Notes...ofTopmorden and District (1896), p. 56, citado p o r W a d s w o r t h e M a n n ,
Cotton Trade, p. 399.
30. A. W . Coats, " C h a n g i n g Attitudes to L a b o u r in the M i d - E i g h t e e n t h C e n t u r y " , Econ.
Hist. Rev. 2 â série XI (1958), 4 6 - 8 .
31. Esse é f a m o s o t e s t e m u n h o de A r t h u r Y o u n g extraído de seu Six Months Tour Through the
North of England (4 vols.; Londres, 1770), III, 2 4 8 - 9 . Cf. Edgar S. Furniss, Tlie Position ofthe
Laborer in a System of Nationalism ( N e w H a v e n , 1920), p. 9 8 - 1 0 5 .

32. Isso se aplica até m e s m o à m á q u i n a a vapor, q u e , c o m freqüência, é citada c o m o o e x e m -


plo primordial da inovação científica.

33. V e r a c o m p a r a ç ã o de Gabriel Jars de Sheffield, a indústria ainda era cerceada pelo sistema
das guildas e m 1 7 6 4 - 5 (embora o crescimento de determinadas indústrias tenha r o m p i d o es-
ses laços), e B i r m i n g h a m , o n d e qualquer h o m e m podia estabelecer-se e m qualquer n e g ó c i o ,
e n o m á x i m o 20% dos trabalhadores haviam realizado a d e q u a d a m e n t e seu aprendizado.
"Essa multiplicidade de negócios gerou t a m a n h a c o m p e t i ç ã o q u e cada fabricante o c u p a -
va-se sem cessar de inventar n o v o s meios de reduzir os custos da m ã o - d e - o b r a e, c o m isso,
a u m e n t a r seus lucros. Isso foi levado a tal p o n t o q u e parece impensável q u e a p r o d u ç ã o de
f e r r a g e m pudesse ser tão barata e m o u t r o lugar c o m o e m B i r m i n g h a m . " Chevalier, "La mis-
sion de Gabriel Jars", Trans. Newcomen Soe. X X V I ( 1 9 4 7 / 8 e 1 9 4 8 / 9 ) , 63.
34. É o caso de P e t e r E w a r t , filho de u m clérigo escocês; u m de seus irmãos foi ministro da
corte prussiana, o u t r o , m é d i c o , e o terceiro, sócio de J o h n Gladstone n o c o m é r c i o de Liver-
pool. D a d o seu talento e m mecânica, ele foi aprendiz de J o h n R e n n i e na construção de m o i -
n h o s . W . C . H e n r y , " A Biographical N o t e o f the Late P e t e r E w a r t , E s q . " . Memoirs ofthe
Litterary and Philosophical Society of Manchester, 2 a série, VII (1846). O u o de J a m e s W a t t , pai
d o f a m o s o i n v e n t o r : filho de u m professor de matemática, dignitário e tesoureiro da igreja
presbiteriana e m Cartsdyke (Escócia), foi aprendiz de u m m a r c e n e i r o e c o n s t r u t o r naval.
Seu i r m ã o f o r m o u - s e e m matemática e topografia. S. Smiles, Lives ofBoulton and Watt ( L o n -
dres, 1865), p. 8 1 - 3 . O u Charles T e n n a n t , filho de u m fazendeiro e " f e i t o r d o c o n d e de
G l e n c a i r n " , q u e foi aprendiz de u m tecelão. E. W . D . T e n n a n t , " T h e Early H i s t o r y o f t h e
St. R o l l o x C h e m i c a l W o r k s " , Chemistry and Industry, l 2 de n o v e m b r o de 1947, p. 667. N ã o
havia t a m b é m n e n h u m a desonra e m casar-se c o m u m artesão. V e r a genealogia da família
P i l k i n g t o n n o século X V I I I e início d o século X I X , e m T . C . Barker, Pilkington Brothers and
Glass Industry (Londres, 1960), p. 2 0 - 3 0 .

35. A. E. M u s s o n e Eric R o b i n s o n , " T h e O r i g i n s of E n g i n e e r i n g in L a n c a s h i r e " J . Econ.


Hist. X X (1960); " S c i e n c e a n d Industry in t h e Later E i g h t e e n t h C e n t u r y " , Econ. Hist.
Rev. 2 a série X I I (1960). T a m b é m G . H . T u p l i n g , " T h e Early M e t a l T r a d e s a n d t h e B e -
g i n n i n g s o f E n g i n e e r i n g in Lancashire", Trans. Lancashire and Cheshire Antiquarian Soe.
L X I (1949), p. 25.
A Revolução Industrial na Inglaterra 121
ELSEVIER

36. W m . Fairbairn, Treatise on Mills and Millwork (2 a ed.; 2 vols.; Londres, 1864).
37. Diversos autores enfatizaram o efeito i n c e n t i v a d o r das leis d e patentes, p o r é m , incli-
n o - m e a duvidar de sua importância. Esse tipo de p r o t e ç ã o n ã o era n o v o ; a base d o sistema
fora lançada pelo Estatuto dos M o n o p ó l i o s de 1624. N o p e r í o d o considerado aqui, o custo e
a dificuldade da o b t e n ç ã o de patentes a u m e n t a v a m sistematicamente. C f . W i t t B o w d e n ,
Industrial Society in England Towards the End ofthe Eighteenth Century ( N o v a Y o r k , 1925), p.
2 6 - 3 0 . A o m e s m o t e m p o , havia boas razões para d u v i d a r da eficácia das patentes contra c o n -
correntes obstinados, c o m o descobriram c o m pesar i n ú m e r o s inventores, e m u i t o s e m p r e s á -
rios confiavam mais n o sigilo d o q u e na lei.

38. Essa foi a posição d o professor T . S. A s h t o n e m sua Industrial Revolution, 1760-1830


( " H o m e University Library", Londres, N o v a Y o r k e T o r o n t o , 1949), p. 9 - 1 1 e 9 0 - 1 , mas,
desde então, ele a m o d i f i c o u consideravelmente, enfatizando n ã o o custo de capital, mas sua
disponibilidade. S e g u n d o ele, a taxa de r e n d i m e n t o s de títulos públicos foi i m p o r t a n t e e m
razão d o t e t o d e 5% sobre a taxa de j u r o s : q u a n d o as reservas caíam e o r e n d i m e n t o (inclusi-
ve a perspectiva de ganhos de capital) aumentava, o capital deslocava-se nessa direção, r e d u -
zindo a oferta para a indústria e o c o m é r c i o . An Economic History of England: the Eighteenth
Century, p. 2 6 - 9 . H á u m a excelente discussão e m L. S. Pressnell, " T h e R a t e o f Interest in
the E i g h t e e n t h C e n t u r y " , e m Pressnell (ed.), Studies in the Industrial Revolution (Londres,
1960), p. 190-7.

39. W . B . C r u m p (ed.), The Leeds Wollen Industry, 1780-1820 (Leeds: T h e T h o r e s b y S o -


ciety, 1931), p. 2 1 2 - 1 3 e 293; t a m b é m Herhert Heaton, " B e n j a m i n G o t t and the Industrial
R e v o l u t i o n in Y o r k s h i r e " , Econ. Hist. Rev. III (1931), 52. A título de c o m p a r a ç ã o , u m t e c e -
•ão de algodão talvez ganhasse 7s. 6d. p o r semana e m 1770, e u m a fiandeira m a n u a l , e n t r e
2s. e 3S. P o r t a n t o , a m á q u i n a de fiar de 4 0 fusos custava cerca de duas semanas de r e m u n e r a -
ção de 40 m u l h e r e s q u e ela substituía. Esses valores de r e m u n e r a ç ã o f o r a m obtidos e m
W a d s w o r t h e M a n n , Cotton Trade, p. 4 0 2 - 3 . U m tear m a n u a l tradicional custava mais d o
que u m a m á q u i n a de fiar; e n t r e £ 7 e £ 1 0 .
40
- A primeira aplicação da força hidráulica aos filatórios parece ter o c o r r i d o e m 1790, na fi-
ação de N e w Lanark. O a u m e n t o da potência possibilitou os "filatórios d u p l o s " de 4 0 0 fusos
e
- desse m o d o , o capital gerou capital. G e o r g e W . Daniels, The Early English Cotton Industry.
Manchester, 1920, p. 215. N ã o se sabe ao certo q u a n d o a m á q u i n a a v a p o r foi utilizada pela
Primeira vez c o m essa f u n ç ã o - talvez n o final da década de 1780 e, c o m certeza, n o início
d
a década d e 1790. G r a n d e parte desses p r i m e i r o s m o t o r e s foi utilizada, n ã o para i m p u l s i o -
nar d i r e t a m e n t e as máquinas, mas para b o m b e a r água para u m a roda; alguns deles e r a m
b
o m b a s a v a p o r d o tipo Savery (ver mais adiante), q u e e r a m preferidas às máquinas mais efi-
cientes e m v i r t u d e de seu custo inicial mais baixo. U m m o t o r q u e c o n s u m i a 2 - 4 H P podia
ser
a d q u i r i d o p o r £ 1 5 0 a £ 2 0 0 . U m m o t o r rotativo mais possante, B o u l t o n e W a t t ( 1 5 - 2 0
Hp
) custava q u a t r o o u c i n c o vezes mais. O v a p o r c h e g o u mais c e d o aos filatórios a anel: a
máquina atmosférica d e A r k w r i g h t , e m Shudehill (Lancashire), usada para b o m b e a r água
Para u m a roda, foi instalada e m 1783. A. E. M u s s o n e E. R o b i n s o n , " T h e Early G r o w t h o f
St
e a m P o w e r " , Econ. Hist. Rev., 2 a série XI (1959), 4 1 8 - 3 9 .

• N a realidade, a cifra de 6 2 cotonificios subestima o papel dos negociantes de produtos


têx
t e i s na nova indústria fabril de algodão, porque não inclui cerca de 15 fábricas fundadas
P° r Arkwright, Strutt e seus sócios, a maioria dos quais originava-se desse meio. Stanley D .
122
PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

C h a p m a n , The Early Factory Masters: The Transition to the Factory System in the Middlands Tex-
tile Industry ( N e w t o n A b b o t , 1967), p. 78.
42. C i t a d o p o r H . J. H a b a k k u k , " D a n i e l Finch, 2 n d Earl o f N o t t i n g h a m : His H o u s e and
Estate", e m J. H. Plumb (ed.), Studies in Social History: A Tribute to G. M. Trevelyan (Londres,
N o v a Y o r k e T o r o n t o , 1955), p. 156.
43. Isso dependia m u i t o da necessidade e da oportunidade. N a Escócia, a aristocracia rural era
p o b r e e tinha poucos direitos de preferência. A Igreja Anglicana lhe estava fechada; a perspec-
tiva de engajar-se nas batalhas da Inglaterra era p o u c o atraente; o comércio exterior e as colô-
nias ofereciam poucos empregos, até u m período b e m longo d o século. O s mais intelectuali-
zados p o d i a m preparar-se c o m o advogados, mas eram m u i t o poucos. Assim, muitos buscavam
seu sustento c o m o comerciantes, ou melhor, c o m o "mercadores". C o m o sublinhou H e n r y
G . G r a h a m e m seu estudo clássico, "...naquela época, o filho de u m cavaleiro julgava tão n a -
tural entrar n o c o m é r c i o q u a n t o era, para u m negociante rico, ascender socialmente além de
seus limites". The Social Life of Scotland in the Eighteenth Century, 4 a ed. (Londres, 1950), p. 33.

44. N ã o sabemos a real importância da participação empresarial, e m t e r m o s relativos ou a b -


solutos, desses filhos mais j o v e n s das famílias nobres ou da p e q u e n a aristocracia. U m levanta-
m e n t o sistemático dos empresários da R e v o l u ç ã o Industrial seria e x t r e m a m e n t e valioso,
e m b o r a as dificuldades de definição (o q u e seria a participação ativa?) p u d e s s e m c o n f u n d i r a
investigação, s o b r e t u d o q u a n t o à contribuição aristocrática. Nesse ínterim, ficamos r e d u z i -
dos a impressões isoladas. Cf. W a l t e r E. M i n c h i n t o n , " T h e M e r c h a n t s in E n g l a n d in the
E i g h t e e n t h C e n t u r y " , Explorations in Entrepeneurial History [doravante citado c o m o Explora-
tions], X , 1957, p. 62.

45. E m relação ao p e r í o d o anterior, ver L a w r e n c e Stone, " T h e N o b i l i t y in Business", ibid.


p. 5 4 - 6 1 .
46. A. H . D o d d , The Industrial Revolution in North Wales (Cardiff, 1933), p. 3 2 - 3 .
47. Cf. A d a m Smith, Wealth ofNations, Livro III cap. II; A r t h u r Y o u n g , Traveis during the
Years 1787, 1788 and 1789, 1, 90, 99, 108 e, e m especial, 198.
48. V e r o v e r b e t e de A r t h u r Livingston e m " G e n t l e m a n , T h e o r y of t h e " , na Encyclopedia of
the Social Sciences e as referências ali dadas.

49. A. G o o d w i n (ed.), The European Nobility in the Eighteenth Century (Londres, 1953), p. 4.
50. Y o u n g , Traveis, I, 207.
51. C o n r a d Gill, Merchants and Mariners ofthe Eighteenth Century. Londres, 1961, p. 138.
52. Esse c o s t u m e era c o m u m tanto n o c o n t i n e n t e q u a n t o na Inglaterra. Mas as alianças entre
as classes são c o m u n s a todas as sociedades, exceto as de castas rígidas. O teste v e r d a d e i r o não
é a u n i ã o , mas seu resultado: quantas grandes famílias, nessas circunstâncias, gostariam de c o -
n h e c e r seus n o v o s parentes após o casamento?

53. K. H . Burley, " A n Essex C l o t h i e r o f t h e E i g h t e e n t h C e n t u r y , Econ Hist Rev. 2 a série


X I (1958), 2 0 8 - 3 0 1 .

54. H e r b e r t Fox, Quaker Homespun (Londres, 1938), p. 46.


55. F o r a m os B e n y o n s , negociantes de lã de Shrewsbury. RIMMER, W . G o r d o n , Marshall's
ofLeeds, Flax-Spinners Í788-Í886 ( C a m b n d g e , 1960), p. 4 0 - 4
A Revolução Industrial na Inglaterra 123
ELSEVIER

56. Peter Mathias, " T h e E n t r e p r e n e u r in Brewing, 1 7 0 0 - 1 8 3 0 " , Explorations, X (1957), 73-6.


57. Tal c o m o B a t e m a n e Sherratt, de Salford; F e n t o n , M u r r a y e W o o d , de Leeds; H a z e l d i -
ne, Rastrick & C o . , de B r i d g n o r t h (Salop); e, u m p o u c o mais tarde, Maudslay, S o n & Field,
de Londres; N a s m y t h , Gaskell & C o . , de Manchester; Sharp, R o b e r t s & C o . da m e s m a ci-
dade; et. al.

58. N a verdade, algumas facilidades acessíveis à indústria têxtil t a m b é m estavam presentes na


metalurgia. Assim, muitas vezes, os latifundiários desejosos de a u m e n t a r sua renda dispu-
n h a m - s e a c e d e r os direitos de mineração, m e d i a n t e t e r m o s favoráveis, e a p r o m o v e r de o u -
tras formas a iniciativa empresarial e m suas propriedades; às vezes, c o m o e m Cyfarthfa e
Dowlais, a r r e n d a m e n t o s feitos c o m taxas baixíssimas d u r a v a m c e m anos. A l é m disso, era
possível c o m freqüência alugar fabricas j á construídas p o r somas moderadas. N ã o obstante,
eram necessárias mil libras ou mais para m o n t a r u m f o r n o o u u m a f u n d i ç ã o modestos; e u m a
empresa gigantesca c o m o a C a r r o n , c o m u m capital d e £ 1 2 . 0 0 0 ã é p o c a d e sua f u n d a ç ã o ,
em 1759-60, dez anos depois tinha utn valor fixo de £ 4 7 . 4 0 0 . R. H. Campbell, " T h e F i n a n -
cing o f C a r r o n C o m p a n y " , Business History, I (1958), 2 1 - 3 4 .

59. Ashton, Iroti and Steel in the Industrial Revolution (2 a ed.; M a n c h e s t e r , 1951), cap. IX:
" T h e Ironmasters."

60- David C . M c C l e l l a n d , The Achieving Society (Princeton, 1961). Essa proposição foi c u i -
dadosamente examinada p o r M . W . Flinn, "Social T h e o r y and the Industrial R e v o l u t i o n " ,
em T o m B u r n s e S.B. Saul eds., Social Tlieory and Social Change (Londres, 1967), p. 9 - 3 2 .
Flinn e n c o n t r a diferenças significativas e n t r e os hábitos d e criação dos filhos das seitas dissi-
dentes: pelos critérios de M c C l e l l a n d , algumas eram m u i t o m e n o s voltadas para o inculca-
m e n t o da "necessidade de realização" d o q u e outras. Flinn julga as práticas dos metodistas
fracas, a q u e m M c C l e l l a n d atribui muita importância, e elogia os primeiros quacres e c o n -
gregacionistas. N a análise geral, ele t e n d e a conferir u m certo peso à tese de M c C l e l l a n d .
61
• Cf. a pesquisa d e E v e r e t t H a g e n , On the Theory of Social Change ( H o m e w o o d III., 1962),
P- 3 0 5 - 8 , baseada e m h o m e n s citados n o p e q u e n o clássico de Ashton sobre a R e v o l u ç ã o
Industrial.
6
2- O hcus classicus é Earl Hamilton, " P r o f i t Inflation a n d t h e Industnal R e v o l u t i o n " , Quart.
J- Econ. LVI (1941-42), p. 2 5 7 - 7 0 . V e r t a m b é m seu artigo anterior, " A m e r i c a n T r e a s u r e
a
° d the R i s e o f Capitalism, 1 5 0 0 - 1 7 0 0 " , Economica, IX, 1929, p. 3 3 8 - 5 7 , e sua resposta às
é t i c a s de J o h n U . N e f , " P n c e s and P r o g r e s s " J . Econ. Hist., X I I (1952), 3 2 5 - 4 9 .
63
- Ver a excelente análise desse problema e m David Felix, "Profit Inflation and Industrial
G
r o w t h : the Historie R e c o r d and Contemporary Analogies", Quart. J. Econ. L X X (1956),
P- 441-63. D e v e - s e observar que a maioria da elevação de preços da segunda metade d o sé-
cu
' o XVIII ocorreu na década de 1790. Felix afirma que essa expansão dos lucros foi resul-
ta
° t e de uma produtividade maior, e não de uma combinação de inflação de preços e queda
do
nível salarial. Isso é evidente: as indústrias que promoviam os progressos tecnológicos
ma
i s rápidos foram justamente aquelas cujos preços caíram e cujos salários nominais dos tra-
t a d o r e s (ou salários reais, nesse sentido) elevaram-se durante a maior parte desse período
(1760-1830). O s operadores dos filatórios mecânicos eram u m grupo privilegiado. A l é m
disso, existem consideráveis indícios diretos de que as margens de lucro dessas indústrias não
Ementaram a l o n g o prazo, mas, sim, atingiram u m pico c o m a introdução das inovações
PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER
124

mecânicas mais i m p o r t a n t e s (os "lucros empresariais" de S c h u m p e t e r ) e depois decresce-


r a m , à m e d i d a q u e novas empresas f o r a m atraídas para esse c a m p o .
64. O b s e r v e - s e , nesse aspecto, a experiência de R o b e r t O w e n , q u e descobriu, e m 1797,
q u e os coletores d o posto de pedágio da estrada de G l a s g o w - N e w Lanark preferiam as notas
dos b a n c o s locais a m o e d a s de o u r o . The Life of Robert Owen by Himself ed. M . B e e r ( N o v a
Y o r k , 1920), p.71.
65. S e m m e n c i o n a r as letras de favor, q u e e r a m u m a maneira de o b t e r crédito, m e s m o q u e
fosse p o r períodos curtos, c o m ou sem a c o o p e r a ç ã o dos bancos. C o m a conivência dos b a n -
cos ou das casas de d e s c o n t o de títulos, as letras de favor p o d i a m constituir a base de g e n e r o -
sas linhas de crédito a m é d i o e a l o n g o prazos. S o b r e essa questão, ver W . T . C . King, History
of the London Discount Market (Londres, 1936); L.S. Pressnell, Country Banking in the Industrial
Revolution ( N o v a Y o r k , 1956); e D.S. Landes, Bankers and Pashas: International Finance and
Economic Imperialism in Egypt (Londres, 1958).
66. S. Pollard, " F i x e d Capital in t h e Industrial R e v o l u t i o n in Britain" J . Econ. Hist., XXIV
(1964), p. 2 9 9 - 3 1 4 . N a verdade, a análise de Pollard r e q u e r u m a alteração. A baixa p r o p o r -
ção de capital fixo e m relação ao capital circulante não se aplica ao início de u m a empresa,
q u a n d o não há ainda a c u m u l a ç ã o de contas a receber. V e r , p o r e x e m p l o , as contas anuais da
O l d k n o w e , C o w p e & C o . , fabricantes de algodão, cuja p r o p o r ç ã o de capital fixo caiu de
9 0 % n o p r i m e i r o a n o (1786), para 35% u m a década depois. C h a p m a n , The Early Factory
Masters, p. 126. Assim, os requisitos iniciais de capital fixo p o d i a m ser grandes e constituir
u m a barreira ao ingresso; se os bancos f o r n e c i a m p o u c o capital a l o n g o prazo, não era neces-
sariamente p o r q u e houvesse u m a d e m a n d a p e q u e n a .
67. Kazushi O h k a w a e H e n r y R o s o v s k y , " T h e R o l e of Agriculture in M o d e r r n Japanese
E c o n o m i c D e v e l o p m e n t " , Econ. Devei, and Cult. Change, IX, n 2 1, parte II ( o u t u b r o , 1960),
p. 4 3 - 6 7 ; ver t a m b é m G . R a n i s , " T h e F i n a n c i n g o f Japanese E c o n o m i c D e v e l o p m e n t " ,
Econ. Hist. Rev., 2 â série, X I (1959), p. 4 4 0 - 5 4 .
68. D e a n e e C o l e , British Economic Growth, p. 75.
69. D e a n e e C o l e , op. cit. p. 78.
70. E m relação ao custo da demarcação, cf. C o n s e l h o de Agricultura da G r ã - B r e t a n h a , Ge-
neral Report on Enclosures (Londres, 1808), p. 97. Q u a n t o às despesas posteriores de m e l h o r a -
m e n t o , ver Albert Pell, " T h e M a k i n g of the Land in England: a R e t r o s p e c t " , Journal of the
Royal Agricultural Society of England, 2i série, X X I I I (1887), p. 3 5 5 - 7 4 .
71. P o d e - s e citar diversos exemplos. Para ter u m a idéia d o vasto espectro de p e n s a m e n t o ao
l o n g o desse ú n i c o e n f o q u e , cf. W . A . Lewis, The Theory of Economic Growth (Londres, 1808),
p. 201.; W . W . R o s t o w , " T h e T a k e - o f T i n t o Self-Sustained G r o w t h " , Econ.J. L X V I (1956),
- . 2 5 - 4 8 ; e u m a resenha de O . Ehrlich sobre Gerald M . M e i e r e R o b e r t B a l d w i n , Economic
Development: Theory, History, Policy ( N o v a Y o r k , 1957), e m J . Econ. Hist., X V I I I (1958), 74.
72. Q u a n t o à capacidade de c r e s c i m e n t o dos empresários ingleses p o r m e i o d o reinvesti-
m e n t o dos lucros, ver as estatísticas compiladas p o r François C r o u z e t , "La F o r m a t i o n d u ca-
pital e m G r a n d e - B r e t a g n e " , Deuxième conférence intemationale d'histoire économique, p. 622-3-
Ele f o r n e c e u m a amostra de 15 empresas da indústria têxtil, da metalurgia e da cervejaria-
N o s dois primeiros setores, as taxas globais de c r e s c i m e n t o oscilam de 3,5% a 2 9 , 8 % p o r ano,
e algumas c o m p a n h i a s m o s t r a m , p o r várias décadas, curvas de c r e s c i m e n t o semilogarítmicas,
A Revolução Industrial na Inglaterra 125
ELSEVIER

q u e são quase linhas retas. A l é m disso, esses n ú m e r o s dão apenas u m a idéia i n c o m p l e t a da


capacidade de geração de lucros dessas empresas. N o s anos de 1 7 9 4 - 1 8 2 8 , o capital da J o h n
Marshall & C o . (fabricação d e l i n h o e m Leeds) elevou-se de £ 1 4 . 0 0 0 para £ 2 7 2 . 0 0 0 ; p o -
rém, n o p e r í o d o de 1 8 0 4 - 1 5 , o u seja, e m cerca de 1 / 3 desse prazo, Marshall e seus sócios ga-
n h a r a m a p r o x i m a d a m e n t e £ 4 4 6 . 0 0 0 . É provável q u e esses anos d e guerra t e n h a m sido p a r -
ticularmente favoráveis. Ibid., p. 619, n. 3; Gordon Rimmer, Marshalls of Leeds, Flax-Spintiers
1788-1886 ( C a m b r i d g e , 1960), p. 6 9 e 71.

73. E n c e r r a m o s a questão das hipóteses de c r e s c i m e n t o equilibrado; a experiência histórica,


e m c o n d i ç õ e s d e d e s e n v o l v i m e n t o relativamente n ã o planejado, seguiu outras linhas. V e r
J o h n H u g h e s , " F o r e i g n T r a d e and Balanced G r o w t h : the Historical F r a m e w o r k " , Amer.
2
Econ. Rev., XLIX, n 2 (maio, 1959), 3 3 0 - 3 7 ; e G o r a n O h l i n , "Balanced E c o n o m i c
G r o w t h in H i s t o r y " , ibid. p. 3 3 8 - 5 3 .

74. D e a n e , "Capital F o r m a t i o n in Britain b e f o r e the R a i l w a y A g e " , Econ. Development and


Cultural Change, IX, n 2 3 (abril, 1961), p. 3 5 2 - 6 8 ; D e a n e e C o l e , British Economic Growth,
cap. VIII.

75. M a r c z e w s k i , " T h e T a k e - O f f H y p o t h e s i s and French E x p e r i e n c e " , e m W . W . R o s t o w


ed., The Economics of Take-Off into Sustained Growth (Londres, 1963), p. 121.

76. S i m o n Kuznets, " Q u a n t i t i a t i v e Aspects o f the E c o n o m i c G r o w t h of N a t i o n s , VI:


L o n g - T e r m T r e n d s in Capital F o r m a t i o n P r o p o r t i o n s " , Econ. Development and Cultural
Change, IX, n 2 4, parte II (julho, 1961), 14. Q u a n t o ao J a p ã o , H e n r y R o s o v s k y sugere taxas
médias de 7% e 9% para as décadas entre 1887 e 1917; as taxas de f o r m a ç ã o bruta de capital
situavam-se cerca d e 5% acima. A l é m disso, g r a n d e parte dessas estimativas r e f e r e m - s e a gas-
tos militares, q u e c o n t r i b u í a m apenas parcialmente para o c r e s c i m e n t o e c o n ô m i c o . Se e x -
cluirmos as despesas militares, c h e g a r e m o s a taxas líquidas médias p o r d e c ê n i o e n t r e 4,5% e
6
-8%. Capital Formation infapan, 1868-1914 (Glencoe, III, 1961), p. 9 e 15. E m relação aos
dados anteriores, cf. R o n d o C a m e r o n , " S o m e Lessons o f History for D e v e l o p i n g N a t i o n s " ,
American Econ. Review, LVII, n 2 2 (maio, 1967), p. 3 1 3 - 4 .
7
7 . S o b r e essa questão d o resíduo - a parte d o c r e s c i m e n t o q u e n ã o p o d e ser explicada pelos
insumos de fatores c o n v e n c i o n a i s - ver S. Kuznets, Modem Economic Growth: Rate, Structure,
a
"d Spread ( N e w H a v e n e Londres, 1966), p. 7 9 - 8 5 . K u z n e t s f o r n e c e cálculos d o valor d o
""esíduo nos Estados U n i d o s e na N o r u e g a n o século X X , assim c o m o na antiga U R S S . Esses
cálculos p a r e c e m indicar u m a u m e n t o da importância da qualidade e m o p o s i ç ã o à q u a n t i d a -
de, c o m o p r o s s e g u i m e n t o da industrialização. É possível, então, q u e cálculos equiparáveis
referentes à Inglaterra na é p o c a da R e v o l u ç ã o Industrial mostrassem u m resíduo b e m m e n o r
do
q u e agora.
78
- Cifras relativas ao algodão retiradas de W a d s w o r t h e M a n n , Cotton Trade, p. 5 2 0 - 2 ; as
referentes à lã f o r a m extraídas de P. D e a n e , " T h e O u t p u t o f the Bntish W o o l l e n Industry in
th
e E i g h t e e n t h C e n t u r y " , J. Econ. Hist., X V I I (1957), p. 220.
79
• D e a n e e C o l e , British Economic Growth, p. 34. Essas cifras m o s t r a m u m a u m e n t o u m p o u -
co mais rápido na década de 1770 d o q u e os n ú m e r o s m e n c i o n a d o s p o r R a l p h David,
"English F o r e i g n T r a d e , 1 7 0 0 - 1 7 7 4 " , Econ. Hist, Rev., 2* série, X V (1962), p. 2 9 2 .
M d . , p. 291. A v e n d a " d e o u t r o s p r o d u t o s m a n u f a t u r a d o s " - p r e g o , ferramentas, artigos
de
metal, de c o u r o , c o r d a m e , o u t r o s p r o d u t o s e similares - cresceu ainda mais depressa,
ELSEVIER
126 PROMETEU DESACORRENTADO

atingindo quase n o v e vezes seu v o l u m e n o início d o p e r í o d o . P o r conseguinte, a parcela dos


artigos de lã n o total das exportações d i m i n u i u de mais de 2 / 3 para cerca de 2 7 % ao l o n g o d o
século. Mas, m e s m o n o final, ela ainda valia quase o d o b r o das exportações de algodão. D e a -
n e e C o l e , British Economic Growth, p. 3 0 - 1 . O s tecidos de algodão seguiram u m padrão d i -
v e r g e n t e : u m a grande expansão nas áreas ultramarinas, até a p r o x i m a d a m e n t e 1770, o u seja,
às vésperas da revolução tecnológica; depois, os a u m e n t o s mais rápidos o c o r r e r a m na E u r o -
pa. W a d s w o r t h e M a n n , Cotton Trade, p. 146.

81. T e c n i c a m e n t e , a família c o m p u n h a - s e de dois ramos. P o r u m lado, havia as máquinas de


fiar ( c o m e ç a n d o c o m o filatório c o n t í n u o e prosseguindo, através de diversas alterações, até
o filatório a anel e o viajante atuais), q u e primeiro estiravam a m e c h a e depois lhe aplicavam
u m a torção. P o r o u t r o , havia fiadeira de fusos e o filatório c o n t í n u o , q u e i m i t a v a m a ação d o
fiandeiro h u m a n o , estirando e t o r c e n d o simultaneamente. Visto q u e a fragilidade d o fio n ã o
t o r c i d o limitava a extensão da estiragem, as máquinas de fiar n ã o p o d i a m p r o d u z i r fios finos
e e r a m p r i m o r d i a l m e n t e usadas para a p r o d u ç ã o de urdiduras. N a fase inicial, isso foi vital,
p o r q u e a fiadeira de fusos e, mais tarde, a automática, p r o d u z i a m u m fio f r o u x o demais para
esse fim. C o m o a estiragem longa dava mais liberdade para a torção, q u e se c o n c e n t r a v a nos
p o n t o s mais finos e os encorpava, a fiadeira automática produzia u m fino mais regular d o
q u e o filatório c o n t í n u o . A l é m disso, alguns aperfeiçoamentos posteriores p e r m i t i r a m q u e a
fiadeira automática produzisse u m a torção mais f i n n e e, a partir de 1800, a m á q u i n a de fiar
t e n d e u a desaparecer. H o u v e , c o n t u d o , u m ressurgimento de interesse p o r ela nas décadas
de 1820 e 1830, c o m o d e s e n v o l v i m e n t o d o princípio d o anel e o uso crescente dos teares
mecânicos q u e , s o b r e t u d o n o início, precisavam de u m a urdidura o mais forte possível.
Apesar disso, a indústria de algodão inglesa, c o m seu d e s l o c a m e n t o sistemático para fios e t e -
cidos mais finos, n u n c a utilizou tanto as máquinas de fiar q u a n t o os países d o c o n t i n e n t e e u -
r o p e u . C f . Daniels, The Early English Cotton Industry, p. 164; ver t a m b é m Julia de L. M a n n ,
" T h e T e x t i l e Industry: M a c h i n e r y for C o t t o n , Flax, W o o l , 1 7 6 0 - 1 8 5 0 " , e m C . Singer et.
ai, A History of Technology, vol. IV: The Industrial Revolution ( O x f o r d : C l a r e n d o n , 1958), p.
2 8 3 - 9 1 e as fontes ali citadas; e ainda F. N a s m i t h , "Fathers of the m a c h i n e Cotton
I n d u s t r y " , Trans. Newcomen Soe. VI (1925-6), 1 6 7 - 8 (carta de E. J. Welffens).
82. M é d i a de importações líquidas e m 1768-72, 3.703.000 libras; e m 1798-1802, 4 7 . 2 3 3 . 0 0 0
libras.
83. C f . E d w a r d Baines, A History ofthe Cotton Manufacture in Great Britam (Londres, 1835),
p. 240, citando R . Guest, A Compendious History of the Cotton Manufacture (Manchester,
1823).
84. N ã o se sabe q u ã o c o m u m era essa prática. Mas, a partir das comparações e n t r e a prática
britânica e a d o c o n t i n e n t e , parece q u e a carga usual de trabalho e m u m c o t o n i f í c i o inglês
c o n t i n u o u a ser de dois teares até a década de 1870, q u a n d o surgiram conflitos d e v i d o à
pressão para duplicar essa tarefa.

85. O s n ú m e r o s até 1833 p r o v ê m de Baines, History of the Cotton Manufacture, p. 2 3 5 - 7 . O s


de 1850 f o r a m extraídos de relatórios fabris citados p o r T . Ellison, The Cotton Trade of Great
Britain (Londres, 1886), p. 7 6 - 7 .

86. A m e l h o r fonte sobre essa questão é Eric Sigsworth, Black Dyke Mills: a History ofthe Wool
Manufacture in Englandfrom the Earliest Times (Londres, 1857). O u t r o m o t i v o para a mecaniza-
A Revolução Industrial na Inglaterra 127
ELSEVIER

ção mais lenta na fabricação da lã, comparada à d o estame, era o custo relativamente elevado
da matéria-prima. As cifras referentes a 1772 mostram q u e a lã e m rama respondia p o r 1 / 3 d o
valor d o p r o d u t o acabado n o r a m o de tecidos e por apenas 1 / 6 n o de estame. Portanto, a par-
ticipação da m ã o - d e - o b r a era m u i t o maior nesse último, e a e c o n o m i a potencial oferecida
pelo uso de equipamentos mecânicos eqüivalia a u m a p r o p o r ç ã o correspondente maior d o
preço total. Cf. D e a n e , " T h e O u t p u t of the British W o o l e n Industry", p. 215.

87. Treatise on Mills and Millworks Industries, 2 a ed. 2 vols. (Londres, 1864-5), II, p. 187 e 195.
88. H . H e a t o n , The Yorkshire Woollen and Worsted Industries ( O x f o r d : C l a r e n d o n , 1920), p.
357; Pari. Papers, 1857, sessão I, X I V , 180. Esse ú l t i m o refere-se ao c o n d a d o de Yorkshire
c o m o u m t o d o ; a grande maioria, c o n t u d o , encontrava-se n o W e s t R i d i n g .

89. U m aspecto simples, p o r é m q u e geralmente passa despercebido. V e r J. W . N e f , " C o a l


M i n i n g a n d Utilization", e m C . Singer et. ai, A History of Technology, III, p. 7 9 .
90. H á u m a certa dúvida q u a n t o à data exata. V e r M . W . Flinn, " A b r a h a m D a r b y and the
C o k e - s m e l t i n g Process", Economica, n o v a série, X X V I (1959), p. 5 4 - 9 , e R . A . M o t t , " C o -
les": W e i g h t s and Measures, w i t h Special R e f e r e n c e to A b r a h a m D a r b y and the C o -
ke-smelting Process", ibid. p. 2 5 6 - 9 .

91. E m 1765, Jars escreveu: " A p r o d u ç ã o de u m b o m ferro f o i j a d o a partir de ferro-gusa de


carvão mineral é considerada impossível." Gabriel Jars, Voyages métallurgiques (3 vols.,
Lyons, 1774-81)), I, p. 250.
92. H . R . S h u b e r t , History ofthe British Iron and Steel Industry (Londres, 1957), p. 3 3 2 - 3 ; cf.
Gabriel Jars, Voyages, I, p. 277.
9
3 . Ashton, Iron and Steel, p. 88, sem indicação de f o n t e .
94. N o m e s m o p e r í o d o , os p r o d u t o r e s de ferro f o i j a d o a carvão vegetal lutaram t e n a z m e n t e
Para preservar seu m e r c a d o . E n t r e outras medidas, conseguiram reduzir seu p r ó p r i o c o n s u -
m o de combustível para m e n o s de 1,5 tonelada de carvão vegetal p o r tonelada de lingotes
b
rutos. E m relação a esse f e n ô m e n o de estímulo tecnológico à obsolescência, ver mais
adiante, p. 272.
9
5- D a v i d M u s h e t , Papers on Iron and Steel (Londres, 1840), p. 32. W . K . V . Gale, " A T e c h -
n
° l o g i c a l History o f t h e Black C o u n t r y - Iron T r a d e " (manuscrito datilografado), p. 58.
Agradeço ao sr. Gale t e r - m e facultado a consulta ao seu artigo e x t r e m a m e n t e esclarecedor.
96
- Ver, e m especial, M . W . Flinn, " T h e G r o w t h o f t h e English Iron Industry, 1 6 6 0 - 1 7 6 0 " ,
Ec
°n. Hist. Rev., 2 a série, X I (1958), p. 144-53; G . H a m m e r s l e y , " T h e C r o w n W o o d s and
T h e i r Exploitation in the Sixteenth and S e v e n t e e t h centuries", Buli. ofthe Institute of Histori-
ai Research, X X X (1957), 1 3 6 - 6 1 .
97
• H . Scrivenor, History ofthe Iron Trade (Londres, 1854), p. 58; K G . H i l d e b r a n d , " F o r e -
'gn Markets f o r S w e d i s h Iron in the 18 t h C e n t u r y " , Scandinavian Econ. Hist. Rev., VI (1958),
P- 14-15.
98
- Y o u n g , Traveis, I, p. 46.
"• Industry and Trade (Londres, 1919), p. 60.
l0
° - Q u a n t o à rigidez da oferta sueca depois d e 1750, cf. Eli F. H e c k s c h e r , An Economic His-
,0r
y ofSweden ( C a m b r i d g e , Massachussets: Harvard, 1954), p. 178. S o b r e a Rússia, cf. M .
PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER
128

G o l d m a n , " T h e R e l o c a t i o n and G r o w t h o f t h e P r e - R e v o l u t i o n a r y Russian Ferrous Metal


Industry"', Explorations in Entrepreneurial History, I X (1956-7), 20; R . Portal, L'Oural au
XVIUe siècle (Paris, 1950; R . Portal, " U n e r o u t e d u fer au X V I I I e siècle", Revue historique,
C C X I (1954), 1 9 - 2 9 .
101 V e r a representação pictórica de época dessa operação e m T . K . D e r r y e T r e v o r I. W i l -
liams, A Short History of Technologyfrom the Earliest Times toA.D. 1900 ( O x f o r d , 1960), f r o n -
tispício; v e r t a m b é m p. 180, 247 f.
102. O u seja, a energia requerida para gerar calor e p r o d u t o s industriais, assim c o m o para a
nutrição interna de u m organismo biológico. C . Cipolla, "Sources d ' é n e r g i e et histoire de
l ' h u m a n i t é " , Annales: E.S.C. X V I (1961), 528.
103. Essa é u m a estimativa conservadora, pois a equivalência é feita entre capacidades e m
curtos espaços de t e m p o , u m a j o r n a d a de trabalho, p o r e x e m p l o . E e m b o r a muitas dessas
m á q u i n a s a v a p o r funcionassem só parte d o t e m p o e, c o m freqüência, c o m m e n o s de sua ca-
pacidade total, parece razoável presumir q u e a m á q u i n a animal forneceria u m a fração ainda
m e n o r da capacidade. O s h o m e n s , assim c o m o os animais p o r eles utilizados, descansam a
m a i o r parte de cada dia e u m a quantidade significativa de dias d u r a n t e o ano; ao passo q u e
muitas máquinas trabalhavam 2 4 horas p o r dia, dia a dia, ano após ano. E m r e s u m o , duplicar
o n ú m e r o de h o m e n s e animais seria u m equivalente mais preciso.

104. Essas discussão é, e m grande parte, resultado das conversas c o m o professor C a r i o C i -


polla. V e r seu livro Economic History of Population (Londres, 1962), cap. II. T a m b é m Fred
Cottrell, Energy and Society ( N o v a Y o r k , 1955); E. A. Wrigley, Industrial Growth and Popula-
tion Change ( C a m b r i d g e , 1961); e idem, " T h e Supply o f R a w Materials in the Industrial
R e v o l u t i o n " , Econ. Hist. Rev. 2 â ser. X V (1962), 1 - 1 6 .
105. Price n o A p ê n d i c e de Mineralogia Cornubiensis, citado e m R o b e r t A. T h u r s t o n , A His-
tory of Growth of the Steam Engine (Edição centenária; Ithaca, N o v a Y o r k , 1939), p. 71.
106. S o b r e o uso c o n t í n u o das máquinas de Savery e N e w c o m e n , ver A. E. M u s s o n e E.
R o b i n s o n , " T h e Early G r o w t h o f Steam P o w e r " , Econ. Hist. Rev. 2- ser. X I (1959),
4 1 8 - 3 9 ; T h u r s t o n , History of the Growth, p. 68 ff.

107. Para cifras sobre o c o n s u m o de carvão e u m a discussão acerca das dificuldades estatísti-
cas envolvidas nesse processo, ver W . Stanley Jevons, The Coal Question (Londres, 1906), p-
145-9; t a m b é m C o n r a d Matschoss, Die Entwicklung der Dampfmaschine (2 vols.; B e r l i m ,
1908), I, 5 0 6 - 7 .

108. T . S. K u n h , " E n e r g y C o n s e r v a t i o n as an E x a m p l e of Simultaneous D i s c o v e r y " , e m M-


Clagett, ed., Criticai Problems in the History of Science (Madison, Wisc., 1959).

109. E m relação à c o m p e t ê n c i a técnica dos artífices de trabalhos e m madeira e metal antes da


R e v o l u ç ã o Industrial, ver e m especial M u s s o n e R o b i n s o n , " T h e O r i g i n s of E n g i n e e r i n g in
Lancashire", J. Econ. Hist. x x (1960), 2 0 9 - 3 3 . T a m b é m M . D a u m a s , "Precision M e c h a -
nics", e K. R . Gilbert, " M a c h i n e T o o l s " , e m C . Singer et. al., A History of Technology, IV:
The Industrial Revolution, c. 1750-c. 1850 ( O x f o r d ) , 3 7 9 - 4 4 1 .

110. Q u a n t o à árvore genealógica de inovações e inovadores na fabricação de m á q u i -


nas-ferramenta, v e r j o s e p h W . R o e , English and American Tool Builders ( N e w H a v e n , 1916), p-
7; Gilbert, " M a c h i n e T o o l s " , p. 418. Esse padrão de contato direto entre e m p r e g a d o e e m -

J
A Revolução Industrial na Inglaterra 129
ELSEVIER

pregador, c o m o fonte de treinamento técnico e m e i o de cultura empresarial, caracterizou


t a m b é m a indústria d o continente. E m relação à Alemanha, ver F. R e d l i c h , " T h e Leaders of
the G e r m a n Steam-engine during the First H u n d r e d Years", J. Econ. Hist. IV (1944), 146.
111. Gilbert, " M a c h i n e T o o l s " , p. 441.
112. Ver A. E. M u s s o n , "James N a s m y t h and the Early G r o w t h of Mechanical E n g i n e e -
ring", Econ. Hist. Reu. 2- série X (1957). Já e m 1836, N a s m y t h expressou sua intenção de
operar desse m o d o nas cartas enviadas ao seu f u t u r o sócio Gaskell. C i t a d o e m R . D i c k i n s o n ,
"James N a s m y t h and the Liverpool Iron T r a d e " , Trans. ofthe Historical Society ojLancashire
and Chesliire, CVIII (1956), 99.

113. A. e N . C l o w , The Chemical Reuolution: a Contribution to Social Technology (Londres,


1952), p. 132-9; P u b . R e c o r d Office, T . 6 4 / 2 4 1 : " A n A c c o u n t of the Exports o f B r i t i s h M a -
nufactúrers f r o m Scotland to Holland...". Agradeço ao dr. T . C . Barker p o r esse material.
114. Esses e outros detalhes dessa discussão f o r a m tirados de L. F. H a b e r , The Chemical
lndustry during the Nineteenth Century (Oxford, 1958), cap. II.
115. Cf. T . C . Barker, R . D i c k i n s o n e D . W . Hardie, " T h e O r i g i n s o f the Synthetic Alkali
lndustry in Britain", Economica, nova série X X I I I (1956), 158-71.
116. D a d o s baseados e m J. A. Chaptal, De /'industriefrançaise (2 vols.; Paris, 1819), II, 70,
173, q u e indica o p r e ç o de 10 francos p o r quintal m é t r i c o e u m a p r o d u ç ã o de 2 a 3 milhões
de francos.
117. T . C . Baker e J. R . Harris, A Merseyside Town in the Industrial Reuolution, St. Helens,
7 7 5 0 - 1 9 0 0 (Liverpool, 1954), p. 202, 363. Infelizmente, para c o m p r o v a ç ã o estatística, o
imposto sobre o v i d r o foi s u p r i m i d o e m 1845.
118. S o b r e u m censo parcial e m 1852, ver H a b e r , T\\e Chemical lndustry, p. 18.

119. Parliamentary Papers, 1852-3, L X X X V I I I , Parte I, Tabela X X V I I I , p. ccxl-cclxii ( h o -


m e n s e m u l h e r e s de 2 0 anos o u mais).
120. Hansard's Parliament Debates, 3 a série, vol. C L X V I , col. 1455.
121. M e s m o após a p r o m u l g a ç ã o da Lei de 1833 e a instituição de inspeções regulares, n ã o
' e m o s u m a c o n t a g e m c o m p l e t a da m ã o - d e - o b r a fabril e m u m d e t e r m i n a d o m o m e n t o . P o r
u
m lado, a definição oficial de u m a fabrica limitava o t e r m o às tecelagens mecanizadas; de
° u t r o , o e m p r e g o variava c o n s t a n t e m e n t e e os diferentes inspetores coletavam suas estatísti-
cas ao l o n g o d e p e r í o d o s d e meses. V e r i n f o n n a ç ã o relativa a 1835 e m A. U r e , Philosophy of
Manufactures (Londres, 1835), A p ê n d i c e .
122 • V e r o i m p o r t a n t e artigo de J. D . C h a m b e r s , "Enclosures and the L a b o u r Supply in the
Industrial R e v o l u t i o n " , Econ. Hist. Reu. 2Í série V (1953), 3 1 8 - 4 3 .
!23. C f , M o r r i s , " S o m e C o m m e n t s o n the Supply o f L a b o u r to the B o m b a y C o t t o n T e x t i -
J
e lndustry, 1 8 5 4 - 1 9 5 1 " , Indian EconomicJournal, I (1953), p. 138-52; e seu " R e c r u i t m e n t o f
an
Industrial L a b o u r Force in índia, w i t h British and A m e r i c a n C o m p a r i s o n s " , Comparatiue
Studies in Society and History, II (1960), p. 3 0 5 - 2 8 . Essa posição deriva, e m parte, da e x p e -
riência da industrialização da índia, o n d e a pressão de u m a reserva quase ilimitada de
m
à o - d e - o b r a e o d e s e n v o l v i m e n t o de u m a espécie de relação simbiótica e n t r e o e m p r e g o
fab
ril e a subsistência nos vilarejos facilitaram o r e c r u t a m e n t o . Forças similares facilitaram a
transição t a m b é m n o J a p ã o . Foi característico de ambas as e c o n o m i a s o e x t r e m o paternalis-
130 PROMETEU DESACORRENTADO ELSEVIER

m o d o e m p r e g a d o r industrial: " U m e m p r e g o na Tata é c o m o u m p e d a ç o de terra". N o e n -


t a n t o , seria m u i t o arriscado fazer inferências a partir da experiência asiática para a inglesa.
124. U r e , The Philosophy of Manufacturers, p. 3 6 4 - 7 0 .
125. Foi esse c o m é r c i o de fios q u e levou N a t h a n R o t s c h i l d a M a n c h e s t e r e m 1797, para
lançar as bases da dinastia inglesa dos R o t s c h i l d . T a m b é m inspirou W . R a d c l i f f e a escrever
Origins of Power Lomm Weaving (Londres, 1828).
126. C f . A. R e d f o r d , Labour Migration in England, 1800-1850 (Manchester, 1926), p. 88.
127. A excelente análise de W . A r t h u r Lewis, " E c o n o m i c D e v e l o p m e n t w i t h U n l i m i t e d
Supplies o f L a b o u r " , The Manchester School, X X I (1953), 139-91, só é aplicável à Inglaterra
c o m grandes modificações.
128. Q u a n t o ao r e c r u t a m e n t o da m ã o - e - o b r a fabril para a indústria d o algodão, ver, além d o
clássico estudo de R e d f o r d intitulado Labour Migration, G e o r g e U n w i n , Samuel Oldknow and
the Arkwrights (Manchester, 1942); R . S . Fitton e A.P. W a d s w o r t h , The Strutts and the
Arkwrights, 1758-1830 (Manchester, 1958); F. Collier, " A n Early Factory C o m m u n i t y " ,
Econ. Hist., II (1930), p. 117-24; Francês Collier, The Family Economy ofthe Working Classes
in the Cotton Industry, 1784-1833 (Manchester, 1964); Neil Smelser, Social Change in the
Industrial Revolution: An application of Theory to the Lancashire Cotton Industry, 1770-1840
(Londres, 1959). E m relação a problemas comparáveis e m outras indústrias, ver D . C . C o l e -
m a n , The British Paper Industry 1495-1860: a Study in Industrial Growth ( O x f o r d , 1958), cap.
X I ; A . H . J o h n , The Industrial Development of South Wales, 1750-1850 (Cardiff, 1950), cap.
III. E D . F . M a c d o n a l d , Scotland's Shifting Population, 1770-1850 (Glasgow, 1937), caps. III e
IV; e J . E . H a n d l e y , The Irish in Scotland, 1798-1854 ( C o r k , 1945), cap. IV.

129. H e a t o n , "Industrial R e v o l u t i o n " , Encyclopedia of the Social Sciences, s.v.


130. Para u m a análise teórica de algumas das vantagens competitivas d o sistema de p r o d u ç ã o
domiciliar, ver A. H i r s c h m a n , " I n v e s t m e n t Policies in U n d e r d e v e l o p e d C o u n t r i e s " Amer.
Econ. Rev., X L V I I (1957), 5 5 7 - 6 0 .

131. As cifras r e f e r e m - s e à p o p u l a ç ã o e à m ã o - d e - o b r a c o m dez anos de idade ou mais.


132. Essa é u m a estimativa baseada na suposição de q u e a maioria dos e m p r e g a d o r e s q u e n ã o
f o r n e c e r a m o n ú m e r o de seus empregados t i n h a m m e n o s de 50 a seu serviço. J . H . C l a p h a m ,
An Economic History of Modem Britain, (3 vols.; C a m b r i d g e , 1932-9) II 3 5

133. Daniel D e f o e , Tour thro' the Whole Island of Great Britain, ed G D H Cole- 2 vols.
(Londres, 1927), p. 108.

134. Beck, Geschichte des Eisens, IV, p. 663.


135. C f . A . O . H i r s c h m a n e G . Serkin, " I n v e s t m e n t Criteria and Capital Intensity O n c e
A g a i n " , Quaterly Journal of Economia, L X X I I (1957), p. 470, q u e cita a esse respeito o c o n -
traste entre o d o n o da hacienda de agricultura intensiva e o o p e r a d o r da plantação intensiva
e m capital. S o b r e essa questão, ver t a m b é m E . R . W o l f e S . W . M i n t z , " H a c i e n d a s and Plan-
t a t i o n s i n M i d d l e A m e r i c a and the Antilles", Social and Economic Studies VI (1957) 3 8 0 - 4 1 2 .

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