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Introdução
Este artigo1 apresenta os resultados parciais de uma pesquisa de mestrado sobre
as condições de trabalho no setor de P&D brasileiro. Trata-se de um estudo exploratório
empírico iniciado em 2014 com trabalhadores e ex-trabalhadores 2 do Centro de
Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD).3 Fundado em 1976 e
instalado fisicamente no polo tecnológico da cidade de Campinas, o CPqD é atualmente
uma fundação de parceria público-privada integrado ao conjunto de empresas incubadas
pela Companhia de desenvolvimento do Polo de Alta Tecnologia de Campinas
(CIATEC)4.
Nas últimas décadas os teóricos do trabalho imaterial5 enfatizaram a relevância
do desenvolvimento de mercadorías não-físicas e a redução significativa do tempo
necessário de produção. Exemplificados pela emergência da produção de softwares e de
avanços na tecnología da informação, o crescimento dos setores que lidam diretamente
1
Pesquisa de mestrado em andamento pelo programa de pós-graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal de São Paulo (Processo FAPESP 2014/27238-0).
2
Até o momento foram realizadas 13 entrevistas qualitativas com roteiros semiestruturados que
abordavam as condições e a organização do trabalho nesse setor.
3
A pesquisa compara as condições de trabalho do setor de P&D e de TI e o impacto após a privatização
do sistema de telecomunicações. Nesse artigo, trataremos apenas dos resultados do setor de P&D.
4
A CIATEC é uma entidade de economia mista que tem a Prefeitura Municipal de Campinas como sua
principal acionista. Ela é responsável por coordenar dois parques tecnológicos na cidade de Campinas e
selecionar empresas para "programas de incubação". As empresas selecionadas tem direito a um espaço
físico de desenvolvimento e acessoria de gestão empresarial.
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Um leque variado de autores enfatizaram a relevância da produção de mercadorías imateriais como um
dado inovador na produção nas sociedades contemporáneas. Entre seus principais expoentes, podemos
destacar as obras de Gorz (2005 [2003]), Negri & Hardt (2005 [2004]), Lazzarato (2001 [1992]), entre
outros.
1
com esse tipo de mercadoría tornaram-se segmentos estratégicos para compreender a
configuração recente do trabalho nas sociedades contemporâneas.
Evidenciando o contraponto crítico sobre esas teses, um primeiro problema que
se apresenta na crítica da economia política do trabalho imaterial, como observa Prado,
é a existencia de uma separação rígida conceitual na definição do trabalho material,
como um trabalho dotado de características físicas, e a conceituação do trabalho
imaterial, como a de um trabalho intelectualizado e formado apenas por atividades de
concepção e não-tangível. Prado, contudo, indica que, ao contrário do argumento
elaborado pelos teóricos das teses do trabalho imaterial, as mercadorias produzidas são
também constituídas duplamente, ou seja, dependem de suas características físicas e
não-físicas para a sua reprodução (PRADO, 2004, p. 48).
Nesse sentido, partimos do pressuposto de que as mercadorías qualificadas como
não-materiais estão organizadas em uma lógica de produção que ora obedece as formas
de trabalho toyotistas, ora fordistas, indicando portanto uma esteira de produção como
componente na fábrica de software. Ainda é uma questão atual, no entanto,
compreender como se organiza o trabalho caracterizado como “imaterial”,
emblematicamente representado pela produção nos setores que lidam com tecnología e
informação como suas principais matérias-primas.
Inúmeros relatórios de base de dados como Seade, IDC, BRASCCOM,
Observatório Softex, Caged e dentre outros, já indicaram o dinamismo e o crescimento
do mercado brasileiro de TICs. Sobre a conjuntura brasileira de mercado desses setores,
Aducci e Araújo (2014) indicaram que
6
No primeiro artigo dessa lei indica-se que " Os serviços de telecomunicações serão explorados pela
União, diretamente ou mediante autorização ou concessão [...] Institui política de exploração de serviços
de telecomunicações, autoriza o Poder Executivo a constituir a empresa Telecomunicações Brasileiras
S/A. - TELEBRÁS, e dá outras providências" (BRASIL. Lei 5.792, 1972, art. 1º).
7
Com esta reforma, além da Telebrás, foi criado o Ministério das Comunicações ( MINICOM), responsável
pela gestão de investimentos nesse período até meados da década de 1970. Após a década de 1970, a
Secretaria de Controle das Estatais (SEST) passou a exercer essa função. (Telebrasil, 2004).
8
Caracterizamos por “teor desenvolvimentista” porque o Estado será o principal mediador e acionista da
Telebrás, visando o desenvolvimento nacional do sistema de telecomunicações até a década de 1980 e seu
desmonte com a privatização ao final da década de 1990.
9
Ainda segundo Rocha, sobre a função do Estado nesse período: “Até a instituição da Telebrás, o papel
do governo estava restrito a estimular as fabricantes estrangeiras de telequipamentos a instalarem
unidades produtivas no Brasil. Por isso, várias subsidiárias de fabricantes internacionais, como
Ericsson, Standard Eletrônica-ITT, Siemens e Philips, já atuavam no país quando se iniciou o processo
de nacionalização do setor.” (Rocha, 2005, p. 21)
10
Em relação aos objetivos do CPqD em primeira instância, destaca-se “Segundo as diretrizes da
Portaria 661/75 foram determinados os objetivos do CPqD que se apoiavam em duas linhas de ação: (a)
Criar tecnologia própria, baseada nas necessidades do Sistema Nacional de Telecomunicações e/ou em
fatores intrínsecos ao país; (b) Criar condições à absorção e fixação de tecnologia estrangeira,
consoante com as necessidades do Sistema Telebrás” (Menardi, 2000, p. 72 apud Relatório Telebrás,
1981)
do qual originou-se a primeira central de comutação nacional a partir do projeto CPA-
T11 – TRÓPICO RA. O projeto foi encaminhado inicialmente pela inclusão de um
departamento de P&D da diretoria técnica da Telebrás, e pela contratação de um grupo
de universitários para pesquisas básicas. Por despacho do presidente Geisel, o CPqD foi
fundado em 31 de agosto de 1976 com a nova portaria. O próprio conteúdo textual da
portaria descrevia as filiais estrangeiras como uma ameaça ao desenvolvimento de
tecnologia nacional. Nesse sentido, o CPqD tornou-se elemento central para a produção
de tecnología nesse setor. Considerando a fragilidade da indústria doméstica, o Estado
realizava investimentos na área de P&D, em que, em um segundo momento, a indústria
nacional se tornava a responsável por sua produção (CROSSETTI, 1995, p. 110-116; 124-
125). Ao ser questionado sobre o momento de formação do CPqD, um dos entrevistados
que trabalharam como pesquisador em telecomunicações relata que
11
Controle por programa armazenado de comutação temporal.
constituído por pesquisadores dos principais polos universitários, os fabricantes de
telequipamentos, e as operadoras de serviços. Em termos práticos, contudo, a atuação do
CPqD foi desenvolvida de forma centralizada em seus primeiros anos de
funcionamento. Composto em sua maior parte por uma elite de engenheiros militares 12
que concentrou o conhecimento das telecomunicações, a sua atuação afastou-se
gradualmente do modelo planejado inicialmente13 (ERBER E AMARAL, 1993, p. 43-47).
A modernização do setor de telecomunicações a partir da década de 1970, que
até então se concentrara nas regiões sul e sudeste, conseguiu expandir uma rede de
serviços telefônicos e tecnológicos em território nacional. Mesmo que observando as
particularidades regionais de sua implantação em diversos países, os postos de trabalho
no setor de telecomunicações apresentaram forte status, com medidas de
responsabilidade pública e de políticas adotadas próximas a do Welfare State, além da
constituição de sindicatos com grande potencial social (CAVALCANTE, 2006, p. 82-84).
Seguindo parâmetros similares aos dos demais países em que se desenvolveu o setor de
telecomunicações, os postos de trabalho oferecidos na antiga Telebrás gozavam de altas
remunerações e benefícios salariais indiretos.
Um contraponto, que merece ser destacado, é que enquanto nos países
capitalistas desenvolvidos se desencadeia uma crise econômica e política de acumulação
após um período de relativo avanço das condições socioeconômicas das classes
trabalhadoras nas décadas de 1970 e 1980, em comparativo, o padrão de vida do
trabalhador da indústria nas principais capitais brasileiras (naquele período, São Paulo e
Guanabara) apresentava um cenário bem distinto, afetado por uma intensa
desvalorização de sua força de trabalho desde o final da década de 1950. Como explica
Oliveira
12
Além de resguardar elementos de uma estrutura rígida e hierárquica da época dos militares, o
investimento em P&D era considerado uma questão de segurança nacional. Um dos resquícios desse
período é a interligação física realizada por túneis subterrâneos entre diferentes áreas do CPqD, e que
permanece até os dias atuais.
13
Sobre esse período, Erber e Amaral constatam que: “...de 1973 a 1976, a Telebrás empenhou-se em
desenvolver uma capacitação científica, tecnológica e industrial através de projetos contratados,
inicialmente com as universidades e, a seguir, com as indústrias” (Erber e Amaral, 1993, p. 43).
empregada: de 1 membro ocupado em 1958 passou para 2 membros em 1969
(OLIVEIRA, 2011 [1981], p. 88).
14
Um dado particular do nosso contexto em relação aos demais países capitalistas centrais é o de que o
ano de 1956 é considerado um marco para a indústria nacional, pois esse é o ano em que pela primeira
vez a renda do setor industrial superaria a dos postos de trabalho na agricultura (Oliveira, 2011 [1981], p.
35).
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Com o intuito de promover os investimentos na área de P&D regionalmente, a criação dos PATs deu-se
da seguinte forma: “O modelo dos Parques Tecnológicos foi concebido como uma área (espaço
delimitado) em que deveriam estar concentradas atividades produtivas estritamente ligadas à alta
tecnologia. Essas atividades, dado ao seu caráter inovador, promoveriam o crescimento e o
desenvolvimento das cidades e regiões em que estivessem alocadas. [...] Os Parques Tecnológicos foram
idealizados a partir de três atributos: operacional; físico; e de localização. O primeiro, o operacional,
definiria um agrupamento de instituições de pesquisas, que ofereceriam novas tecnologias aos setores
produtivos, englobando um processo seqüencial que ia da etapa do laboratório à fabricação e
comercialização do produto. O segundo, o físico, compreenderia o conjunto dos macrossistemas técnicos
(como empresas — majoritariamente pequenas e médias —, universidades, instituições de P&D,
ferrovias, sistemas de comunicação e informação) presentes em uma mesma localidade. O terceiro seria
o da localização. Os Parques Tecnológicos deveriam ser implantados em municípios com algum
potencial instalado de C&T e em áreas próximas às universidades e institutos de P&D”. Esse modelo de
Parque Tecnológico se propagou em diferentes regiões metropolitanas e grandes capitais brasileiras,
principalmente em meados das décadas de 1990 e 2000. (Silva, 2008, p. 50-51)
Cabe salientar que a utilização potencial de C&T nos países da América Latina
também fez parte de um projeto de maior magnitude da década de 1960 com a
publicação do documento intitulado Science: the Endless Frontier16. Com forte impacto
nos países da América Latina, diversas instâncias das esferas públicas brasileiras
apresentaram à comunidade de pesquisa metas ambiciosas de incentivo a longo prazo,
como a criação de institutos de P&D com a Coordenação dos Programas de Pós-
Graduação e Engenharia da COPPE-UFRJ e da UNICAMP, o estabelecimento de
múltiplos programas de pesquisas militares, a criação de políticas de mercado para as
áreas de informática e de microeletrônica, e de centros de pesquisas tecnológicas em
acordo com empresas estatais do governo federal, entre elas, a Companhia Vale do Rio
Doce, Petrobrás e Telebrás (idem, p. 40-42).
16
Ainda segundo Silva (2008, p. 36-42), o referido documento tornou-se popularmente conhecido como
"Relatório Bush". Elaborado por Vannevar Bush e entregue a Henry Truman após o término da Segunda
Guerra Mundial, o documento destacava, em termos práticos, o incentivo tecnológico e científico na
região dos países da América Latina, preocupação advinda principalmente da possibilidade dos países
europeus desenvolverem competências tecnológicas superiores à estadonidense.
decorrência, acabou perdendo relativamente sua capacitação tecnológica (CROSSETTI,
1995, p. 127; MENARDI, 2000, p. 79-89). Sobre esse período de transição, um
engenheiro entrevistado sintetiza esse momento do CPqD, iniciado na gestão do
presidente Collor, em que:
18
Com a partilha do antigo sistema Telebrás, o CPqD foi o único órgão preservado pela LGT. No período
em que foi aprovada, Brito resume a situação do Centro da seguinte forma: “Sem a definição da estrutura
do CPqD, não está assegurado, como será o financiamento da pesquisa. Atualmente, o Centro é
totalmente subsidiado pela Telebrás. Nesse período o orçamento anual é de R$ 120 milhões, cerca de
90% é bancado pelo governo. O restante é recebido das empresas 'privadas e públicas’ que exploram
tecnologia desenvolvida pelo órgão a título de royalties” (Brito, 1997).
19
Sobre a natureza do FUNTTEL, o fundo apresentaria os seguintes objetivos, segundo o Ministério das
Comunicações e o BNDES: “O Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações
(FUNTTEL) é um fundo de natureza contábil com o objetivo de estimular o processo de inovação
tecnológica, incentivar a capacitação de recursos humanos, fomentar a geração de empregos e promover
o acesso de pequenas e médias empresas a recursos de capital, de modo a ampliar a competitividade da
indústria brasileira de telecomunicações, nos termos do art. 77 da Lei n° 9.472, de 16 de julho de 1997.
Instituído pela Lei nº 10.052, de 28 de novembro de 2000, o fundo tem como agentes financeiros o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Empresa Financiadora de Estudos e
Projetos (FINEP)” (Ministério das Comunicações, 2015).
Entre os locais dessas reuniões decisivas, destaca-se as sedes da Minicom e da
Anatel. Essa ausência de diálogo era acompanhada por trabalhadores em cargos
menores no Centro de pesquisa, do qual em nenhum momento foram consultados sobre
a futura configuração do local onde trabalhavam. Outra questão, salientada também por
Menardi, é a baixa participação, ou talvez, passividade dos trabalhadores nas reuniões e
assembléias convocadas pelo SinTPq. Uma hipótese desenvolvida pelo autor sobre a
passividade dos trabalhadores quanto ao futuro da instituição na década de 1990 seria a
“cultura hierárquica” enraizada no Centro de pesquisa desde a sua consolidação 20, do
qual apenas se “acata” as decisões superiores, sem um exercício de diálogo ou discussão
interna para a tomada de decisões. É relevante também que a “crise de identidade
institucional” quanto aos desígnios do Centro, transpareceu em falas dos trabalhadores
antes do período da privatização, em que os trabalhadores, já naquele período,
vislumbravam a instituição não como um local para o desenvolvimento de P&D e
direcionado às necessidades do sistema Telebrás, mas, apenas como mais uma central
prestadora de serviços21 (IDEM, 2000, p. 96-97).
Em relação ao cenário apresentado, outros atores, tais como a Federação
Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (FITTEL) e o SinTPq, também se
posicionaram ao encaminhar uma proposta alternativa para a remodelação do antigo
sistema Telebrás. A proposta, intitulada Brasil Telecom, apontou que se devia criar
mecanismos que garantissem “maior incentivo ao único centro de pesquisa e
desenvolvimento em telecomunicações da América do Sul”, indicando, portanto, uma
contra-proposta para a de privatização do centro. A proposta, contudo, carecia de
mecanismos fiscais e legais para ser colocada em vias práticas, e, devido a essa
ausência, não conseguiu ir adiante (idem, p. 97).
Uma questão relevante, ressaltada em entrevista, sobre os impactos que a
privatização ocasionou na indústria nacional nesse período, foi a de que
20
Segundo Menardi, “Esta cultura da ‘autoridade’, pode-se dizer, da ‘obediência’, e da ‘disciplina’
parece ter origem na própria criação do CPqD, em 1976, durante o Regime Militar, e que foi ‘idealizado’
e ‘criado’ pelo então Presidente da Telebrás, o General Alencastro, que imprimiu as marcas de
hierarquia militar na administração do Centro” (2000, p. 97).
21
Em entrevista, questionado como se configurava o trabalho de pesquisa na década de 1990 e se o
mesmo dava treinamentos, um dos trabalhadores responde “Aos montes. Eu andava pelo Brasil, treinando
pessoal das operadoras, mas isso degradou muito a qualidade e o nível do nosso trabalho. Porque a gente
fazia pesquisa e começamos a fazer isso. E como as operadoras queriam dar uma aplicação para o
dinheiro delas, que elas estavam colocando aqui, você dava treinamentos muito simples para as pessoas,
qualquer coisa ele nos chamava, pra ir dar treinamento. Só faltava nos pedir para fazer a parte da faxina
lá... Então chegou a ser uma grande decadência isso ai” (Entrevista 6, 2015).
Na gestão FHC, quando se iniciou as privatizações, teve um impacto muito
maior ainda, por que, nesse momento, eles privatizaram as empresas de
Telecom, e as grandes multinacionais compraram essas empresas, por
exemplo, a Telefônica, aqui no Estado de São Paulo. A Telefônica é um
conglomerado mundial, tem Telefônica em toda a América Latina, na Europa,
na Espanha. E ela não compra equipamentos, em nível local. Ela compra em
nível global. Então, vou comprar centrais telefônicas: Compro uma
quantidade que vai servir pro Chile, pro Brasil, pra Espanha, então ela faz
uma compra grande, compra no atacado. E isso inviabilizou as indústrias
nacionais na época. Então, por exemplo, as centrais telefônicas, quando entra
o Fernando Henrique e privatiza a grande maioria das centrais telefônicas,
elas eram produzidas pela TRÓPICO, uma empresa nacional, com tecnologia
nossa. Ai a TROPICO morre. Como morreu também a empresa aqui do lado,
que foi originada também de tecnologia nossa, que era a CISTALK, que
produzia fibra óptica. Ta aí, porque os caras, quando compram cabos, eles
compram cabos pro mundo inteiro, eles não iam comprar numa empresa
local, brasileira. Então isso tem um impacto em toda uma cadeia de produção
brasileira. Até o metalzinho que vai lá no poste, que pendura o cabo, que era
metalúrgica que fazia aquilo, eles começaram a comprar de fora. Então, nada
sobrou. Nada sobrou (ENTREVISTA 5, 2015).
A transição do CPqD para o mercado na década de 1990 ainda foi veiculada por
depoimentos na grande mídia pelo ex-diretor do centro de pesquisa Hélio Graciosa no
momento seguinte à privatização, com falas que referenciaram como o CPqD estava
lidando com essa “fase de transição”. Menardi (2000) qualifica esse momento como “o
CPqD de mercado”, que constitui uma mudança radical quanto as diretrizes internas do
centro, voltada agora estrategicamente para uma fase mais competitiva de vendas,
produção de tecnologias e de equipamentos para as grandes multinacionais. Esta fase
constituiu-se também por uma centralização das prioridades do centro com a venda de
equipamentos e seu posicionamento dentro do mercado, assim como pela objetivação
em angariar clientes e garantir a sua auto-sustentação enquanto centro de pesquisa.
Sobre esse momento de abertura em que o CPqD direcionou sua produção para o
mercado, as formas de produção se modificaram significativamente. Dessa forma,
explica um arquiteto de software sobre esse processo, em que
Foram vários tipos de mudanças entre todos esses anos. No caso dos
gerentes, por exemplo: os gerentes, antigamente, eles não eram tão
preocupados com a venda. Hoje eles são também preocupados com as
pessoas, afinal, são gerentes, mas, aqui no CPqD, eles também são
responsáveis pela venda, pela continuidade. Isso muda muito, porque nossa
equipe faz ela ficar ligada diretamente com o mercado (ENTREVISTA 6, 2015).
uma empresa de manufatura - a Trópico, fundada em 1999 em parceria com a Promon; B) uma empresa
de serviços - a Clear Tech, voltada para a prestação de serviços de clearing house, para a região da
América Latina; C) uma subsidiária nos EUA, na região do Vale do Silício, para desenvolver e vender
uma série de operações e negócios relacionados aos sistemas de software; D) uma empresa voltada para
o desenvolvimento e a industrialização de equipamentos de comunicações ópticas- a Padtec” (Rocha,
2006, p. 43).
Período
Grau de instrução 1998 1999 2012
Graduados 419 474 291
Mestres 88 85 131
Doutores 22 24 31
Total de trabalhadores* 864 849 1285
*Considerando o número de trabalhadores com todos os tipos de qualificação, ou seja, ensino básico,
médio e demais setores não-especializados do Centro de Pesquisa.
Fonte: Menardi (2000) e Relatório anual de área, CPqD.
A criação de “autônomos”, nesse período, foi considerada uma das formas mais
comuns de terceirização dentro do centro de pesquisa, que consistia na seguinte prática:
os trabalhadores demitidos eram recontratados como consultores, retirando do
trabalhador seu conhecimento daquela área ao mesmo tempo em que o afastava de seus
direitos trabalhistas. Além da alta rotatividade23 interna nas décadas de 1980 e de 1990,
o CPqD passou também por uma nova redefinição de objetivos internos, alinhando-se
para a criação de grupos de trabalhos terceirizados e de consultoria (MENARDI, 2000, p.
124; CAVALCANTE, 2006, p. 235-236). Em relação às mudanças estratégicas dentro do
CPqD e a forma que isso afetou os trabalhadores nesse período, um trabalhador ainda
explica que
Quando foi privatizado, nós tínhamos, aqui no CPqD, algo em torno de 900
pessoas. E hoje, nós temos algo em torno de 1000 e tantas pessoas. Portanto,
não variou, até aumentou um pouco da privatização, pra cá. Porém, o
trabalho a ser feito, aumentou demais, nesse ponto. Então, o que eu posso te
dizer é que os projetos são mais apertados hoje. Tanto de projetos que tem,
tanto de pessoas que tem, é bem mais apertado. Antigamente era mais... A
produtividade era menor. Hoje a produtividade é maior. É muito mais assim
agressivo (ENTREVISTA 6, 2015).
Além dos atrasos dos repasses de verbas pela FUNTTEL, somadas ao não
cumprimento de indicadores financeiros relevantes do CPqD nos últimos anos, entre
eles as receitas de empresas parceiras do mercado Telecom, como as sócias PadTec,
Cleartech, Civicom, WXBR, Trópico e CPqD EUA, e as políticas de restrição
orçamentária, esses são elementos que indicaram uma crise político-administrativa
dentro da fundação. Entre os atrasos de repasses mais emblemáticos, destaca-se a do
23
Ao analisar os dados sobre a rotatividade de trabalhadores dentro do centro, Cavalcante apontou que
“Outra tendência que atesta os problemas enfrentados pelo CPqD é a alta rotatividade existente. Segundo
dados do SinTPq, cerca de 700 empregados deixaram o centro de 1998 a 2003, uma taxa altíssima tendo
em vista que o número total de trabalhadores nessa época variou de 850 a pouco mais de 1000”
(Cavalcante, 2006, p. 235).
ano de 2015, que ocasionou a renúncia do diretor Hélio Graciosa 24, após 38 anos à
frente da direção do centro de pesquisa. Nesse sentido, a fundação continuou a adotar
políticas de reestruturação interna (QUEIROZ, 2015), mesmo em anos mais recentes, em
decorrência do processo de privatização. Em fevereiro de 2015, o SinTPq publicou em
nota na sua página oficial uma resposta às políticas de demissões 25 que vinham se
alongando desde início de 2010:
Nas demissões ocorridas nos últimos dias fomos alertados de que as pessoas
desligadas são justamente as que realizavam deslocamentos constantes a
trabalho. Essa situação mostra uma face da empresa que desconhecíamos, já
que estamos em processo de negociação para o pagamento de deslocamentos
fora do horário habitual de trabalho (SINTPq – Comunicação, 2015).
Embora haja elementos que apontem para uma “onda privatizante” do setor de
telecomunicações em diversos países e que demonstram uma conjuntura econômica-
política de concorrência entre as empresas de telequipamentos internacionalmente, a
privatização não ocasionou nesses países, necessariamente, o desincentivo em pesquisa
e tecnologia. Em outras palavras, os países que passaram por políticas neoliberais, com
incentivo à privatização, mantiveram ainda assim uma postura protetora quanto ao setor
e ao desenvolvimento autônomo de tecnologia. No contexto brasileiro, contudo,
verifica-se que a abertura desestimulou a consolidação do setor de forma autônoma, na
24
Após a carta de demissão assinada por Hélio Graciosa, em que acusava o governo como o principal
responsável pela crise institucional da fundação, o antigo vice-presidente de Administração e Finanças da
entidade, Sebastião Sahão Junior, assumiu seu lugar quanto a presidência da fundação.
25
Segundo dados do sindicato, enquanto os trabalhadores mais antigos da área de P&D estão enfrentando
um processo de afastamento e demissões, aproximadamente 75% da força de trabalho da fundação CPqD
é constituída plenamente ou parcialmente pelo setor de TI.
26
Em 2014, o SinTPq ainda relata que a empresa desligou uma trabalhadora em período de pré-
aposentadoria, infringindo a cláusula do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) assegurado pelo sindicato.
Outros processos de demissões foram realizados no mesmo ano, tendo por alvo trabalhadores com filhos
recém-nascidos. O descumprimento do acordo coletivo de trabalho em questão constitui-se por demissões
internas realizadas sem a tentativa de realocação do trabalhador em outros setores (SinTPq, 2015).
medida em que se aumentou a dependência externa e deu-se uma redução de
investimentos nessa área (CAVALCANTE, 2006, p. 230-236). Vemos, por exemplo, que:
Considerações finais
No decorrer desse artigo, tratamos dos resultados parciais de uma pesquisa de
mestrado em andamento sobre as condições de trabalho no setor de P&D, tendo por
objeto a fundação de parceria público-privada, CPqD. Entre as principais conclusões
obtidas, foi o impacto da reestruturação do sistema de telecomunicações, que não se
tratou apenas de uma renúncia pontual no projeto geral de investimentos em P&D na
conjuntura nacional, mas, o descarte de um plano desenvolvido anteriormente que
objetivava a independência tecnológica desses setores internacionalmente.
Ao mesmo tempo, esse retrocesso apresenta-se em um contexto que se evidencia
a capacidade produtiva dos setores da tecnologia da informação e de P&D, além da
relevância da produção de mercadorias não-físicas. Um dos efeitos mais diretos dessas
políticas é a permanência do CPqD na atualidade, mas, com propósitos desvirtuados de
seus objetivos iniciais, além da precarização e enxugamento das áreas destinadas à
gestão de projetos a longo prazo em P&D, e à expansão de serviços voltados para o
trabalho de suporte e áreas de TI.
BIBLIOGRAFIA
BRITO, Agnaldo. “Destino do CPqD está indefinido: texto da Lei Geral das
Telecomunicações, aprovado pela Câmara anteontem, não define se o órgão será
mantido após as privatizações.” Correio Popular. Campinas, 20 de jun. 1997.
GORZ, André. (2003) O Imaterial: Conhecimento, valor e capital. Ed. Annablume, São
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SINTPq – Comunicação. CPqD abre o ano com novas demissões, 2015. Disponível
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