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VIII Congreso Latinoamericano de Estudios del Trabajo.

3 al 5 agosto de 2016. Facultad de Ciencias Económicas de la Universidad de Bs. As.


“La recuperación de la centralidad del trabajo en América Latina. Actores, perspectivas y
desafíos”
Eje nº 8: Identidades, movilización de saberes y procesos de subjetivación en el trabajo
Grupo de trabajo N° 8.28. Trabalho imaterial-cognitivo e novas tecnologias:
configurações do trabalho e valorização do conhecimento no capitalismo
contemporâneo
Coordinador@s: Dra. Maria Aparecida Bridi (corresponsal); Dr. Pablo Miguez

Trabalho imaterial e condições de trabalho: uma análise sobre a reestruturação do


setor de telecomunicações brasileiro
Angelina Moreno (angelinalmoreno@gmail.com)
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Introdução
Este artigo1 apresenta os resultados parciais de uma pesquisa de mestrado sobre
as condições de trabalho no setor de P&D brasileiro. Trata-se de um estudo exploratório
empírico iniciado em 2014 com trabalhadores e ex-trabalhadores 2 do Centro de
Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD).3 Fundado em 1976 e
instalado fisicamente no polo tecnológico da cidade de Campinas, o CPqD é atualmente
uma fundação de parceria público-privada integrado ao conjunto de empresas incubadas
pela Companhia de desenvolvimento do Polo de Alta Tecnologia de Campinas
(CIATEC)4.
Nas últimas décadas os teóricos do trabalho imaterial5 enfatizaram a relevância
do desenvolvimento de mercadorías não-físicas e a redução significativa do tempo
necessário de produção. Exemplificados pela emergência da produção de softwares e de
avanços na tecnología da informação, o crescimento dos setores que lidam diretamente

1
Pesquisa de mestrado em andamento pelo programa de pós-graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal de São Paulo (Processo FAPESP 2014/27238-0).
2
Até o momento foram realizadas 13 entrevistas qualitativas com roteiros semiestruturados que
abordavam as condições e a organização do trabalho nesse setor.
3
A pesquisa compara as condições de trabalho do setor de P&D e de TI e o impacto após a privatização
do sistema de telecomunicações. Nesse artigo, trataremos apenas dos resultados do setor de P&D.
4
A CIATEC é uma entidade de economia mista que tem a Prefeitura Municipal de Campinas como sua
principal acionista. Ela é responsável por coordenar dois parques tecnológicos na cidade de Campinas e
selecionar empresas para "programas de incubação". As empresas selecionadas tem direito a um espaço
físico de desenvolvimento e acessoria de gestão empresarial.
5
Um leque variado de autores enfatizaram a relevância da produção de mercadorías imateriais como um
dado inovador na produção nas sociedades contemporáneas. Entre seus principais expoentes, podemos
destacar as obras de Gorz (2005 [2003]), Negri & Hardt (2005 [2004]), Lazzarato (2001 [1992]), entre
outros.

1
com esse tipo de mercadoría tornaram-se segmentos estratégicos para compreender a
configuração recente do trabalho nas sociedades contemporâneas.
Evidenciando o contraponto crítico sobre esas teses, um primeiro problema que
se apresenta na crítica da economia política do trabalho imaterial, como observa Prado,
é a existencia de uma separação rígida conceitual na definição do trabalho material,
como um trabalho dotado de características físicas, e a conceituação do trabalho
imaterial, como a de um trabalho intelectualizado e formado apenas por atividades de
concepção e não-tangível. Prado, contudo, indica que, ao contrário do argumento
elaborado pelos teóricos das teses do trabalho imaterial, as mercadorias produzidas são
também constituídas duplamente, ou seja, dependem de suas características físicas e
não-físicas para a sua reprodução (PRADO, 2004, p. 48).
Nesse sentido, partimos do pressuposto de que as mercadorías qualificadas como
não-materiais estão organizadas em uma lógica de produção que ora obedece as formas
de trabalho toyotistas, ora fordistas, indicando portanto uma esteira de produção como
componente na fábrica de software. Ainda é uma questão atual, no entanto,
compreender como se organiza o trabalho caracterizado como “imaterial”,
emblematicamente representado pela produção nos setores que lidam com tecnología e
informação como suas principais matérias-primas.
Inúmeros relatórios de base de dados como Seade, IDC, BRASCCOM,
Observatório Softex, Caged e dentre outros, já indicaram o dinamismo e o crescimento
do mercado brasileiro de TICs. Sobre a conjuntura brasileira de mercado desses setores,
Aducci e Araújo (2014) indicaram que

...em 2012, o mercado de TIC movimentou no mundo em torno de US$ 3,6


trilhões, sendo US$ 2,0 trilhões gerados pelo setor de tecnologia da
informação – TI. Com movimentação de mais de US$ 230 bilhões, o Brasil
passou a ocupar a 4ª colocação entre os maiores mercados mundiais, atrás
apenas dos EUA, China e Japão (ADDUCI; ARAÚJO, 2014, p. 5-6).

Dessa forma, trata-se de setores estratégicos para compreendermos as recentes


transformações do trabalho e do trabalho imaterial. Na primeira parte desse artigo,
analisaremos como foi estruturado o sistema de telecomunicações brasileiro desde sua
criação, ao final da década de 1960. O que pretendemos extrair dessa análise é de que
maneira configurou-se o setor e como foi reestruturado após a privatização do sistema
ao final da década de 1990, tendo por objeto a fundação público-privada CPqD. Na
segunda parte desse artigo, teremos como enfoque as condições de trabalho dentro do
CPqD nos anos seguintes a privatização e o seu impacto no setor de P&D.

A consolidação do sistema de telecomunicações brasileiro


Para fins de análise, nesse artigo, compreenderemos o sistema de
telecomunicações ora formado por empresas prestadoras de serviços na área de
telecomunicações, ora constituído por empresas que fabricam ou desenvolvem
equipamentos eletrônicos de comunicação, informática, e componentes de aparelhos de
aúdio e vídeo, ou ainda, tecnologias relacionadas a fabricação desses aparelhos. Nesse
sentido, excluímos de nossa análise, por exemplo, as centrais de teleatendimento, com a
finalidade de dar enfoque nesta pesquisa para a produção de mercadorías associadas a
produção de tecnologia. Com o intuito de elucidar quais categorías profissionais se
inserem na análise desse setor, nos utilizamos de duas versões da Classificação Nacional
de Atividades Econômicas (CNAE). Como a primeira versão da CNAE esteve vigente
entre o período de 1994 a 2001, e a segunda versão a partir do ano 2002, nos utilizamos
das duas categorías comparativamente.

Tabela 1 – Atividades econômicas da indústria e de serviços em telecomunicações


CNAE 1.0 Atividades econômicas CNAE 2.0 Atividades econômicas
Indústria
302 Fabricação de máquinas e 262 Fabricação de equipamentos
equipamentos de sistemas de informática e periféricos
para processamento de dados
321 Fabricação de material 261 Fabricação de componentes
eletrônico básico eletrônicos
322 Fabricação de aparelhos e 263 Fabricação de equipamentos
equipamentos de telefonia e de comunicação
radiotelefonia e de
transmissores de televisão e
rádio
323 Fabricação de aparelhos 264 Fabricação de aparelhos de
receptores de rádio e recepção, reprodução,
televisão e de reprodução, gravação e amplificação de
gravação ou amplificação de áudio e vídeo
som e vídeo
Serviços
642 Telecomunicações 61 Telecomunicações
Fonte: CNAE & Relatório de área Ipea (SOUSA; NASCIMENTO, 2012).
A indústria que outrora foi considerada como componente do setor de
telecomunicações em território nacional constituiu-se, em anos mais recentes, por um
complexo que engloba não somente operadoras de telefonia, mas competências
tecnológicas muito diversas para a produção de hardware, software, fornecedores de
equipamentos, internet, multimídia, fibra óptica, entre outras especialidades. Por sua
vez, quando analisamos a constituição do setor de telecomunicações, averiguamos que
este setor também apresenta particularidades significativas. Nesse sentido, faz-se
necessário realizarmos uma breve incursão sobre algumas dessas mudanças e quais as
suas principais características de formação, tema do qual iremos tratar nesse momento.
A estratégia para a formação de um sistema brasileiro de telecomunicações se
consolidou com a promulgação da lei nº 57926, criada em 11 de julho de 1972 e com a
criação da holding Telecomunicações Brasileira S/A (TELEBRÁS)7. (TELEBRASIL, 2004,
p. 14). Como produto de um amplo movimento de estatização, autonomização
tecnológica e unificação das telecomunicações e das concessionárias até então
existentes, a holding tinha entre seus objetivos a longo prazo a coordenação integradora
das telecomunicações que incorporou 27 operadoras nacionais e a Embratel. Criada pela
mesma lei nº 5792, a Embratel transformou-se em uma empresa de economia mista,
vinculada à Telebrás. Desde então, a concepção da Telebrás já expressava o teor
desenvolvimentista8 e estatista do governo militar, presente no poder desde 19649.
Após a criação da Telebrás, em 1972, a portaria 661/75 10 foi determinante para a
constituição do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em telecomunicações (CPqD),

6
No primeiro artigo dessa lei indica-se que " Os serviços de telecomunicações serão explorados pela
União, diretamente ou mediante autorização ou concessão [...] Institui política de exploração de serviços
de telecomunicações, autoriza o Poder Executivo a constituir a empresa Telecomunicações Brasileiras
S/A. - TELEBRÁS, e dá outras providências" (BRASIL. Lei 5.792, 1972, art. 1º).
7
Com esta reforma, além da Telebrás, foi criado o Ministério das Comunicações ( MINICOM), responsável
pela gestão de investimentos nesse período até meados da década de 1970. Após a década de 1970, a
Secretaria de Controle das Estatais (SEST) passou a exercer essa função. (Telebrasil, 2004).
8
Caracterizamos por “teor desenvolvimentista” porque o Estado será o principal mediador e acionista da
Telebrás, visando o desenvolvimento nacional do sistema de telecomunicações até a década de 1980 e seu
desmonte com a privatização ao final da década de 1990.
9
Ainda segundo Rocha, sobre a função do Estado nesse período: “Até a instituição da Telebrás, o papel
do governo estava restrito a estimular as fabricantes estrangeiras de telequipamentos a instalarem
unidades produtivas no Brasil. Por isso, várias subsidiárias de fabricantes internacionais, como
Ericsson, Standard Eletrônica-ITT, Siemens e Philips, já atuavam no país quando se iniciou o processo
de nacionalização do setor.” (Rocha, 2005, p. 21)
10
Em relação aos objetivos do CPqD em primeira instância, destaca-se “Segundo as diretrizes da
Portaria 661/75 foram determinados os objetivos do CPqD que se apoiavam em duas linhas de ação: (a)
Criar tecnologia própria, baseada nas necessidades do Sistema Nacional de Telecomunicações e/ou em
fatores intrínsecos ao país; (b) Criar condições à absorção e fixação de tecnologia estrangeira,
consoante com as necessidades do Sistema Telebrás” (Menardi, 2000, p. 72 apud Relatório Telebrás,
1981)
do qual originou-se a primeira central de comutação nacional a partir do projeto CPA-
T11 – TRÓPICO RA. O projeto foi encaminhado inicialmente pela inclusão de um
departamento de P&D da diretoria técnica da Telebrás, e pela contratação de um grupo
de universitários para pesquisas básicas. Por despacho do presidente Geisel, o CPqD foi
fundado em 31 de agosto de 1976 com a nova portaria. O próprio conteúdo textual da
portaria descrevia as filiais estrangeiras como uma ameaça ao desenvolvimento de
tecnologia nacional. Nesse sentido, o CPqD tornou-se elemento central para a produção
de tecnología nesse setor. Considerando a fragilidade da indústria doméstica, o Estado
realizava investimentos na área de P&D, em que, em um segundo momento, a indústria
nacional se tornava a responsável por sua produção (CROSSETTI, 1995, p. 110-116; 124-
125). Ao ser questionado sobre o momento de formação do CPqD, um dos entrevistados
que trabalharam como pesquisador em telecomunicações relata que

A Telebrás era o principal cliente, porque todas as operadoras estavam


ligadas a ela. Ela era a principal cliente na compra de equipamentos e nós
desenvolvíamos a pesquisa, a partir de uma demanda que a própria Telebrás
tinha. ‘Olha eu preciso de uma central telefônica’, por exemplo, nós
desenvolvíamos a tecnologia das centrais telefônicas, passávamos para a
indústria e a própria Telebrás comprava da indústria, ou seja, tinha um
modelo que fechava um ciclo (ENTREVISTA 1, 2015).

O modelo de demanda e compra de equipamentos desenvolvidos pelo CPqD


ficou conhecido posteriormente pelo formato “tríade”, composto pela Telebrás, o CPqD
e as indústrias nacionais. Na medida em que as indústrias nacionais eram suas principais
compradoras, e a Telebrás constituiu-se como o órgão regulador das demandas
produtivas nacionais, nos anos seguintes, o período entre os anos de 1972-1976
caracterizou-se por um momento de consolidação do CPqD, por meio dos convênios
firmados entre os laboratórios universitários, e constituído por estudantes da USP,
UNICAMP, PUC-RJ e ITA. Sua localização geográfica, na cidade de Campinas, de
certo modo facilitou a entrada desses pesquisadores instalados no estado de São Paulo.
Subseqüentemente, um modelo de parceria padrão foi constituído entre as instituições
da universidade, CPqD e indústria, assim, criou-se as primeiras firmas do complexo
industrial e os grandes projetos de P&D, como os de comutação digital, fibras ópticas e
multiplexadores (CROSSETTI, 1995, p. 124-125).
Planejado inicialmente como um centro de pesquisas de P&D estatal, o CPqD
apresentou, como uma de suas principais funções a longo prazo, a interligação do eixo

11
Controle por programa armazenado de comutação temporal.
constituído por pesquisadores dos principais polos universitários, os fabricantes de
telequipamentos, e as operadoras de serviços. Em termos práticos, contudo, a atuação do
CPqD foi desenvolvida de forma centralizada em seus primeiros anos de
funcionamento. Composto em sua maior parte por uma elite de engenheiros militares 12
que concentrou o conhecimento das telecomunicações, a sua atuação afastou-se
gradualmente do modelo planejado inicialmente13 (ERBER E AMARAL, 1993, p. 43-47).
A modernização do setor de telecomunicações a partir da década de 1970, que
até então se concentrara nas regiões sul e sudeste, conseguiu expandir uma rede de
serviços telefônicos e tecnológicos em território nacional. Mesmo que observando as
particularidades regionais de sua implantação em diversos países, os postos de trabalho
no setor de telecomunicações apresentaram forte status, com medidas de
responsabilidade pública e de políticas adotadas próximas a do Welfare State, além da
constituição de sindicatos com grande potencial social (CAVALCANTE, 2006, p. 82-84).
Seguindo parâmetros similares aos dos demais países em que se desenvolveu o setor de
telecomunicações, os postos de trabalho oferecidos na antiga Telebrás gozavam de altas
remunerações e benefícios salariais indiretos.
Um contraponto, que merece ser destacado, é que enquanto nos países
capitalistas desenvolvidos se desencadeia uma crise econômica e política de acumulação
após um período de relativo avanço das condições socioeconômicas das classes
trabalhadoras nas décadas de 1970 e 1980, em comparativo, o padrão de vida do
trabalhador da indústria nas principais capitais brasileiras (naquele período, São Paulo e
Guanabara) apresentava um cenário bem distinto, afetado por uma intensa
desvalorização de sua força de trabalho desde o final da década de 1950. Como explica
Oliveira

A pesquisa de padrão de vida da classe trabalhadora da cidade de São Paulo,


empreendida pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-
Econômicos – Dieese – em 1969, chegou à conclusão de que, entre 1958 e
1969, houve uma redução no salário real do chefe de família trabalhadora-
tipo de 39,3%, enquanto a renda total da família havia caído 10% no mesmo
período; para lograr o precário equilíbrio de uma renda real 10% abaixo do
nível de 1958, a família trabalhadora-tipo havia duplicado a força de trabalho

12
Além de resguardar elementos de uma estrutura rígida e hierárquica da época dos militares, o
investimento em P&D era considerado uma questão de segurança nacional. Um dos resquícios desse
período é a interligação física realizada por túneis subterrâneos entre diferentes áreas do CPqD, e que
permanece até os dias atuais.
13
Sobre esse período, Erber e Amaral constatam que: “...de 1973 a 1976, a Telebrás empenhou-se em
desenvolver uma capacitação científica, tecnológica e industrial através de projetos contratados,
inicialmente com as universidades e, a seguir, com as indústrias” (Erber e Amaral, 1993, p. 43).
empregada: de 1 membro ocupado em 1958 passou para 2 membros em 1969
(OLIVEIRA, 2011 [1981], p. 88).

Um argumento que é utilizado abertamente por um leque de teóricos do período


é o caráter redistributivo e paternalista do Estado nacional, comprovado pelo subsídio
direcionado aos preços dos transportes, da energia e do combustível. Contudo, há de se
destacar que esse subsídio não era redistribuído ao consumidor, mas, mediado para as
próprias empresas, não afetando, portanto, a acumulação real destas. Ao mesmo tempo,
esses mesmos subsídios também eram erodidos pela inflação. Com a constituição do
setor industrial e o crescimento da urbanização na década de 1960, as duas décadas
anteriores não foram suficientes para elevar a remuneração real dos trabalhadores
urbanos14 (excetua-se os trabalhadores rurais, os públicos e os autônomos) ( OLIVEIRA,
2011 [1981], p. 78; 86-87).
Com a crise do petróleo da OPEP em 1973, e do contexto de recesso
macroeconômico nos países capitalistas avançados, ocorreu um enxugamento das
verbas de fomento à industria, o que ocasionou uma série de cortes nas verbas
direcionadas para a Telebrás, afetando os investimentos federais para o desenvolvimento
de ciência e tecnologia (C&T) no Brasil. Em meados da década de 1980, em Campinas,
como alternativa para solucionar a fraca interação das áreas de C&T e de P&D com o de
setores produtivos da economia, foi criada uma proposta de políticas que envolveu o
poder público e membros da comunidade de pesquisa estadual, e que propiciou o
desenvolvimento de múltiplos PATs nessa região, entre eles, o Polo de Alta Tecnologia
da Ciatec15 (SILVA, 2008, p. 36-42).

14
Um dado particular do nosso contexto em relação aos demais países capitalistas centrais é o de que o
ano de 1956 é considerado um marco para a indústria nacional, pois esse é o ano em que pela primeira
vez a renda do setor industrial superaria a dos postos de trabalho na agricultura (Oliveira, 2011 [1981], p.
35).
15
Com o intuito de promover os investimentos na área de P&D regionalmente, a criação dos PATs deu-se
da seguinte forma: “O modelo dos Parques Tecnológicos foi concebido como uma área (espaço
delimitado) em que deveriam estar concentradas atividades produtivas estritamente ligadas à alta
tecnologia. Essas atividades, dado ao seu caráter inovador, promoveriam o crescimento e o
desenvolvimento das cidades e regiões em que estivessem alocadas. [...] Os Parques Tecnológicos foram
idealizados a partir de três atributos: operacional; físico; e de localização. O primeiro, o operacional,
definiria um agrupamento de instituições de pesquisas, que ofereceriam novas tecnologias aos setores
produtivos, englobando um processo seqüencial que ia da etapa do laboratório à fabricação e
comercialização do produto. O segundo, o físico, compreenderia o conjunto dos macrossistemas técnicos
(como empresas — majoritariamente pequenas e médias —, universidades, instituições de P&D,
ferrovias, sistemas de comunicação e informação) presentes em uma mesma localidade. O terceiro seria
o da localização. Os Parques Tecnológicos deveriam ser implantados em municípios com algum
potencial instalado de C&T e em áreas próximas às universidades e institutos de P&D”. Esse modelo de
Parque Tecnológico se propagou em diferentes regiões metropolitanas e grandes capitais brasileiras,
principalmente em meados das décadas de 1990 e 2000. (Silva, 2008, p. 50-51)
Cabe salientar que a utilização potencial de C&T nos países da América Latina
também fez parte de um projeto de maior magnitude da década de 1960 com a
publicação do documento intitulado Science: the Endless Frontier16. Com forte impacto
nos países da América Latina, diversas instâncias das esferas públicas brasileiras
apresentaram à comunidade de pesquisa metas ambiciosas de incentivo a longo prazo,
como a criação de institutos de P&D com a Coordenação dos Programas de Pós-
Graduação e Engenharia da COPPE-UFRJ e da UNICAMP, o estabelecimento de
múltiplos programas de pesquisas militares, a criação de políticas de mercado para as
áreas de informática e de microeletrônica, e de centros de pesquisas tecnológicas em
acordo com empresas estatais do governo federal, entre elas, a Companhia Vale do Rio
Doce, Petrobrás e Telebrás (idem, p. 40-42).

O cenário de transição política, marcado pelo fim da ditadura e o início do


Governo Sarney, também trouxe à tona, em meados da década de 80, uma
nova discussão acerca dos rumos da indústria de telequipamentos. Para
alguns, a indústria brasileira estava suficientemente madura, não mais
necessitando de um arcabouço tão intervencionista. Quando na verdade, [...]
sem contar com a participação no mercado que lhe possibilitasse maior
aproveitamento das economias de escala e maiores recursos para investir em
P&D, a empresa nacional continuava dependente, em termos tecnológicos, do
CPqD (responsável pela maioria dos seus produtos), e em termos financeiros,
da Telebrás (ROCHA, 2005, p. 27).

Em virtude das restrições orçamentárias e dos cortes de investimentos, o próprio


CPqD passou por reestruturações internas, objeto do qual iremos nos debruçar. Ao final
da década de 1980, o CPqD apresentou um processo de reconstituição de planejamento
estratégico, que objetivou a criação e a competitividade no mercado. Esta mudança
aplicou-se na medida em que o próprio centro desempenhara até aquele momento o
papel predominante de um laboratório de produtos desenvolvidos para a indústria,
menos do que o de um centro de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia voltado para
o setor de telecomunicações nacional. Afetado por restrições orçamentárias e em virtude
dos efeitos das políticas macroeconômicas de combate à inflação, o centro sofreu
limitações relacionadas aos investimentos e a contratação de pessoal especializado,
principalmente a partir do final da década de 1980. Ao passar por restrições em seus
programas de pesquisa, o centro obrigou-se a procurar novas opções de recursos e como

16
Ainda segundo Silva (2008, p. 36-42), o referido documento tornou-se popularmente conhecido como
"Relatório Bush". Elaborado por Vannevar Bush e entregue a Henry Truman após o término da Segunda
Guerra Mundial, o documento destacava, em termos práticos, o incentivo tecnológico e científico na
região dos países da América Latina, preocupação advinda principalmente da possibilidade dos países
europeus desenvolverem competências tecnológicas superiores à estadonidense.
decorrência, acabou perdendo relativamente sua capacitação tecnológica (CROSSETTI,
1995, p. 127; MENARDI, 2000, p. 79-89). Sobre esse período de transição, um
engenheiro entrevistado sintetiza esse momento do CPqD, iniciado na gestão do
presidente Collor, em que:

Nesse período começaram grandes mudanças. Até a entrada do Collor,


desenvolvíamos muito hardware e equipamento. E a partir desse momento,
mudou o foco. O cliente passou a ser as próprias operadoras. Nós começamos
a fornecer software de controle para elas. E a parte de hardware e de
desenvolvimento de equipamento foi morrendo aqui. [...] Foi um processo
gradual, ele foi reduzindo porque, as pessoas, por exemplo, iam fechando as
áreas, dedicadas ao desenvolvimento de hardware e elas eram “re-treinadas”
para trabalhar com software. Foi feito isso durante muito tempo mesmo
(ENTREVISTA 1, 2015).

No decorrer da década de 1990, segundo Menardi (2000), ao analisar a


configuração do CPqD pós-privatização, constatou-se que até antes da privatização
foram promovidas tentativas sistemáticas que visaram estabelecer autonomia e agilidade
para a tomada de decisões dentro do centro de pesquisa. Segundo entrevistas realizadas
naquele período, as falas indicavam o culto hierárquico nas relações dentro do centro de
pesquisa, em que se assumia o discurso de mudança, mas em termos práticos, as
relações de apadrinhamento foram mantidas pela manutenção de cargos, o que impedia
mudanças estruturais de fato. Nesse sentido, as alterações antes tidas como estratégicas,
que tinham por objetivo criar maior autonomia ao centro, foram instituídas de forma
burocrática e de maneira operacional. Ao final da ditadura militar, no governo Sarney,
com o inicio das políticas privatizantes e neoliberais, aumentaram-se as demandas para
uma nova reconfiguração do setor, em que resultou na privatização do centro de
pesquisa e em uma nova configuração durante o governo FHC (MENARDI, 2000, p. 93;
CAVALCANTE, 2006, p. 84). Ao final da década de 1990, o modelo planejado para o
centro de pesquisa e para os investimentos de P&D, pautados no gerenciamento de
investimentos via estatal acaba por desmoronar. Dessa forma, analisaremos no próximo
item como se deu o processo de privatização do setor e a parceria público-privada que
foi instituída no CPqD.

A reestruturação do sistema de telecomunicações e a transição para a Fundação


CPqD
Analisamos até o momento de que modo se constituiu o desenvolvimento do
setor de telecomunicações. A partir da década de 1990, o setor de telecomunicações
passou por uma reestruturação em que o CPqD foi transformado em uma fundação de
parceria público-privada. A configuração do setor nas décadas de 1970 e 1980 tinha por
objetivo a criação de tecnologia nacional, e o desenvolvimento de autonomia em relação
aos países capitalistas de economia avançada, além da integralização de demandas que
pudessem ser supridas internamente. Essas demandas se deram tanto na forma de
equipamentos, quanto na de formação pessoal, técnica e especializada com o apoio das
universidades e do desenvolvimento de produtos e mercadorias, no caso, softwares,
aplicativos e tecnologia de ponta.
Se na década de 1970 o CPqD centralizou a produção no mercado nacional,
voltado para a área de telecomunicações, após o desmonte e a privatização do sistema
ele constituiu seu mercado de atuação de forma diversificada, alternando-se entre as
áreas de comunicações sem fio, ópticas, redes elétricas inteligentes e em "soluções
tecnológicas", como a produção de computação cognitiva e segurança da informação e
comunicação.
Uma indicação importante que referenciamos é a de condições do emprego,
indicada por Mocelin (2010), que trata da percepção sobre a existência de diferentes
situações no mercado de trabalho e que são influenciadas por diversos fatores como
local de trabalho, ambiente cultural e institucional e suas alterações no decorrer do
tempo. Essas modificações afetam, por exemplo, o perfil dos trabalhadores e a
organização do trabalho, indicando situações de trabalho diversas em curtos espaços de
tempo, mesmo se tratando da mesma instituição. Nesse sentido, indicamos que quando
as formas de financiamento do Centro de pesquisa foram modificadas, alterações mais
significativas foram também desencadeadas, indicando um proceso de reestruturação
produtiva mais longo que foi dado em curso.
Comparando-se o exemplo dos países capitalistas de economia avançada sobre a
reestruturação do setor de telecomunicações, tanto nos Estados Unidos como na
Inglaterra17, que passou por uma reforma de teor neoliberal e voltada para o exterior,
foram criadas agências específicas de regulamentação, incentivou-se a concorrência na
maior parte do mercado e alterou-se elementos básicos do modelo histórico
monopolista. Já no contexto dos países latino-americanos, há dois elementos distintos a
serem considerados. O primeiro, o de países como Argentina, México, Venezuela e
Peru, que no final da década de 1980 venderam as operadoras de serviços públicas para
17
Ao final da década de 1980, a reestruturação do setor é observada nos Estados Unidos e na Inglaterra. A
partir da década de 1990 essa reestruturação torna-se uma tendência mundial, principalmente com o
avanço das políticas neoliberais (Almeida, 1994, p. 99-110).
as operadoras estrangeiras, sem abrir diretamente a concorrência em um primeiro
momento, e o caso brasileiro, que reestruturou o sistema público de telecomunicações
antes de privatizá-lo (ROCHA, 2005, p. 14-16).
A reestruturação do setor de telecomunicações se deu com base na Lei Geral das
Telecomunicações18, que em um primeiro momento não apresentava um destino para o
Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em telecomunicações da Telebrás. Conforme o
parágrafo único do artigo 190 que constava do novo projeto, o poder executivo definiria
o que seria feito com o centro, sendo que as opções apresentadas seriam ou o de
transformá-lo em uma empresa de economia mista, ou em uma fundação
governamental, pública ou privada (BRITO, 1997). Com a privatização, ocasionada pelo
governo, o centro de pesquisa foi transformado na Fundação CPqD, órgão de direito
privado e autônomo, financiado pelo Fundo para Desenvolvimento das
Telecomunicações (FUNTTEL).19
Segundo Menardi (2000), por meio de uma pesquisa realizada com membros do
centro de pesquisa e com trabalhadores da Agência Nacional de Telecomunicações
(ANATEL) no decorrer do processo de privatização ao final da década de 1990, a decisão
de transformar o Centro de pesquisa em uma fundação privada deu-se por parte da
diretoria do Centro de pesquisa, que insistiu sobre o destino da instituição mesmo após
o término das reuniões que discutia os rumos pós-privatização da Telebrás e do setor de
telecomunicações, do que devido a pauta oficial das reuniões oficiais. Esse fato deve-se
a inexistência de pontos no roteiro das reuniões que discutissem o futuro do Centro.
Como conseqüência, a maior parte dos debates sobre o Centro de pesquisa nesse
período ficavam para após as reuniões gerais centrais, pois não se sabia qual destino dar
ao mesmo. (MENARDI, 2000, p. 95-96).

18
Com a partilha do antigo sistema Telebrás, o CPqD foi o único órgão preservado pela LGT. No período
em que foi aprovada, Brito resume a situação do Centro da seguinte forma: “Sem a definição da estrutura
do CPqD, não está assegurado, como será o financiamento da pesquisa. Atualmente, o Centro é
totalmente subsidiado pela Telebrás. Nesse período o orçamento anual é de R$ 120 milhões, cerca de
90% é bancado pelo governo. O restante é recebido das empresas 'privadas e públicas’ que exploram
tecnologia desenvolvida pelo órgão a título de royalties” (Brito, 1997).
19
Sobre a natureza do FUNTTEL, o fundo apresentaria os seguintes objetivos, segundo o Ministério das
Comunicações e o BNDES: “O Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações
(FUNTTEL) é um fundo de natureza contábil com o objetivo de estimular o processo de inovação
tecnológica, incentivar a capacitação de recursos humanos, fomentar a geração de empregos e promover
o acesso de pequenas e médias empresas a recursos de capital, de modo a ampliar a competitividade da
indústria brasileira de telecomunicações, nos termos do art. 77 da Lei n° 9.472, de 16 de julho de 1997.
Instituído pela Lei nº 10.052, de 28 de novembro de 2000, o fundo tem como agentes financeiros o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Empresa Financiadora de Estudos e
Projetos (FINEP)” (Ministério das Comunicações, 2015).
Entre os locais dessas reuniões decisivas, destaca-se as sedes da Minicom e da
Anatel. Essa ausência de diálogo era acompanhada por trabalhadores em cargos
menores no Centro de pesquisa, do qual em nenhum momento foram consultados sobre
a futura configuração do local onde trabalhavam. Outra questão, salientada também por
Menardi, é a baixa participação, ou talvez, passividade dos trabalhadores nas reuniões e
assembléias convocadas pelo SinTPq. Uma hipótese desenvolvida pelo autor sobre a
passividade dos trabalhadores quanto ao futuro da instituição na década de 1990 seria a
“cultura hierárquica” enraizada no Centro de pesquisa desde a sua consolidação 20, do
qual apenas se “acata” as decisões superiores, sem um exercício de diálogo ou discussão
interna para a tomada de decisões. É relevante também que a “crise de identidade
institucional” quanto aos desígnios do Centro, transpareceu em falas dos trabalhadores
antes do período da privatização, em que os trabalhadores, já naquele período,
vislumbravam a instituição não como um local para o desenvolvimento de P&D e
direcionado às necessidades do sistema Telebrás, mas, apenas como mais uma central
prestadora de serviços21 (IDEM, 2000, p. 96-97).
Em relação ao cenário apresentado, outros atores, tais como a Federação
Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (FITTEL) e o SinTPq, também se
posicionaram ao encaminhar uma proposta alternativa para a remodelação do antigo
sistema Telebrás. A proposta, intitulada Brasil Telecom, apontou que se devia criar
mecanismos que garantissem “maior incentivo ao único centro de pesquisa e
desenvolvimento em telecomunicações da América do Sul”, indicando, portanto, uma
contra-proposta para a de privatização do centro. A proposta, contudo, carecia de
mecanismos fiscais e legais para ser colocada em vias práticas, e, devido a essa
ausência, não conseguiu ir adiante (idem, p. 97).
Uma questão relevante, ressaltada em entrevista, sobre os impactos que a
privatização ocasionou na indústria nacional nesse período, foi a de que

20
Segundo Menardi, “Esta cultura da ‘autoridade’, pode-se dizer, da ‘obediência’, e da ‘disciplina’
parece ter origem na própria criação do CPqD, em 1976, durante o Regime Militar, e que foi ‘idealizado’
e ‘criado’ pelo então Presidente da Telebrás, o General Alencastro, que imprimiu as marcas de
hierarquia militar na administração do Centro” (2000, p. 97).
21
Em entrevista, questionado como se configurava o trabalho de pesquisa na década de 1990 e se o
mesmo dava treinamentos, um dos trabalhadores responde “Aos montes. Eu andava pelo Brasil, treinando
pessoal das operadoras, mas isso degradou muito a qualidade e o nível do nosso trabalho. Porque a gente
fazia pesquisa e começamos a fazer isso. E como as operadoras queriam dar uma aplicação para o
dinheiro delas, que elas estavam colocando aqui, você dava treinamentos muito simples para as pessoas,
qualquer coisa ele nos chamava, pra ir dar treinamento. Só faltava nos pedir para fazer a parte da faxina
lá... Então chegou a ser uma grande decadência isso ai” (Entrevista 6, 2015).
Na gestão FHC, quando se iniciou as privatizações, teve um impacto muito
maior ainda, por que, nesse momento, eles privatizaram as empresas de
Telecom, e as grandes multinacionais compraram essas empresas, por
exemplo, a Telefônica, aqui no Estado de São Paulo. A Telefônica é um
conglomerado mundial, tem Telefônica em toda a América Latina, na Europa,
na Espanha. E ela não compra equipamentos, em nível local. Ela compra em
nível global. Então, vou comprar centrais telefônicas: Compro uma
quantidade que vai servir pro Chile, pro Brasil, pra Espanha, então ela faz
uma compra grande, compra no atacado. E isso inviabilizou as indústrias
nacionais na época. Então, por exemplo, as centrais telefônicas, quando entra
o Fernando Henrique e privatiza a grande maioria das centrais telefônicas,
elas eram produzidas pela TRÓPICO, uma empresa nacional, com tecnologia
nossa. Ai a TROPICO morre. Como morreu também a empresa aqui do lado,
que foi originada também de tecnologia nossa, que era a CISTALK, que
produzia fibra óptica. Ta aí, porque os caras, quando compram cabos, eles
compram cabos pro mundo inteiro, eles não iam comprar numa empresa
local, brasileira. Então isso tem um impacto em toda uma cadeia de produção
brasileira. Até o metalzinho que vai lá no poste, que pendura o cabo, que era
metalúrgica que fazia aquilo, eles começaram a comprar de fora. Então, nada
sobrou. Nada sobrou (ENTREVISTA 5, 2015).

A transição do CPqD para o mercado na década de 1990 ainda foi veiculada por
depoimentos na grande mídia pelo ex-diretor do centro de pesquisa Hélio Graciosa no
momento seguinte à privatização, com falas que referenciaram como o CPqD estava
lidando com essa “fase de transição”. Menardi (2000) qualifica esse momento como “o
CPqD de mercado”, que constitui uma mudança radical quanto as diretrizes internas do
centro, voltada agora estrategicamente para uma fase mais competitiva de vendas,
produção de tecnologias e de equipamentos para as grandes multinacionais. Esta fase
constituiu-se também por uma centralização das prioridades do centro com a venda de
equipamentos e seu posicionamento dentro do mercado, assim como pela objetivação
em angariar clientes e garantir a sua auto-sustentação enquanto centro de pesquisa.
Sobre esse momento de abertura em que o CPqD direcionou sua produção para o
mercado, as formas de produção se modificaram significativamente. Dessa forma,
explica um arquiteto de software sobre esse processo, em que

Foram vários tipos de mudanças entre todos esses anos. No caso dos
gerentes, por exemplo: os gerentes, antigamente, eles não eram tão
preocupados com a venda. Hoje eles são também preocupados com as
pessoas, afinal, são gerentes, mas, aqui no CPqD, eles também são
responsáveis pela venda, pela continuidade. Isso muda muito, porque nossa
equipe faz ela ficar ligada diretamente com o mercado (ENTREVISTA 6, 2015).

Em termos orçamentários, as verbas do centro foram garantidas até o início de


2001. Nesse período de transição22, a principal fonte de recursos para o CPqD foi obtida
22
Sobre as mudanças estratégicas adotadas pelo CPqD na partilha do Sistema Telebrás, destaca-se as
estratégias de marketing em que, segundo Rocha, se estabeleceu da seguinte forma: “Quando se tornou
legalmente uma instituição de direito privado, o centro também buscou reorientar suas estratégias de
marketing. Além de manter o laboratório central em Campinas, estabeleceu as seguintes subdivisões: A)
pelos Contratos 7000, contratos de prestação de serviços voltados para as empresas de
telefonia fixa e celular e a Embratel, além de treinamento, serviços de consultoria,
laboratoriais e de software. Incluída na concessão das operadoras no âmbito das
empresas privadas, o seu valor foi fixado em R$ 124 milhões ao ano durante os três
primeiros anos transitórios (MELO & GUTIERREZ, 2002, p. 25). Segundo os formuladores
de política aplicada, esse tempo seria o necessário para a readequação do CPqD, de
forma a angariar clientes e adequar-se ao mercado. Em meados de 2002, contudo, foi
garantido ao centro uma verba fixa, regulamentada pelo Fundo do Desenvolvimento das
Telecomunicações (FUNTTEL). Esse novo arranjo garantiu a Fundação CPqD, em termos
percentuais, 30% dos valores arrecadados pela FUNTTEL, sendo que os demais
recursos seriam captados pela própria instituição. Esse modelo de orçamento funciona
até os dias atuais (ROCHA, 2005, p. 44).
Ao longo da última década, os atrasos dos repasses da verba provisionada pela
FUNTTEL e a queda dos indicadores financeiros do CPqD indicou que uma
reestruturação produtiva no contingente de trabalhadores e uma política de “redução de
custos” estava em curso. Contudo, essa “redução de custos” já se apresentava desde a
década de 1990, incentivada de maneira não planejada pelo governo federal,
ocasionando a demissão de trabalhadores de empresas estatais de maneira generalizada.
Esses desligamentos afetaram tanto os trabalhadores menos qualificados, quanto os de
formação mais especializada, onde esse primeiro grupo foi o mais afetado por essas
políticas. Ao final da década de 1990 o CPqD contava com um quadro de funcionários
onde 70% eram detentores de formação universitária A redução do quadro de
trabalhadores foi compensada pela contratação de terceirizados ou de prestadores de
serviços externos.

Tabela 2 - Relação do número de funcionários do CPqD


Período 1990 1991 1992 1993 1998 1999
Nº de funcionários 1691 1589 1396 1174 864 949
Fonte: Relatório de área CPqD.

Tabela 3 - Relação do número de funcionários do CPqD

uma empresa de manufatura - a Trópico, fundada em 1999 em parceria com a Promon; B) uma empresa
de serviços - a Clear Tech, voltada para a prestação de serviços de clearing house, para a região da
América Latina; C) uma subsidiária nos EUA, na região do Vale do Silício, para desenvolver e vender
uma série de operações e negócios relacionados aos sistemas de software; D) uma empresa voltada para
o desenvolvimento e a industrialização de equipamentos de comunicações ópticas- a Padtec” (Rocha,
2006, p. 43).
Período
Grau de instrução 1998 1999 2012
Graduados 419 474 291
Mestres 88 85 131
Doutores 22 24 31
Total de trabalhadores* 864 849 1285
*Considerando o número de trabalhadores com todos os tipos de qualificação, ou seja, ensino básico,
médio e demais setores não-especializados do Centro de Pesquisa.
Fonte: Menardi (2000) e Relatório anual de área, CPqD.

A criação de “autônomos”, nesse período, foi considerada uma das formas mais
comuns de terceirização dentro do centro de pesquisa, que consistia na seguinte prática:
os trabalhadores demitidos eram recontratados como consultores, retirando do
trabalhador seu conhecimento daquela área ao mesmo tempo em que o afastava de seus
direitos trabalhistas. Além da alta rotatividade23 interna nas décadas de 1980 e de 1990,
o CPqD passou também por uma nova redefinição de objetivos internos, alinhando-se
para a criação de grupos de trabalhos terceirizados e de consultoria (MENARDI, 2000, p.
124; CAVALCANTE, 2006, p. 235-236). Em relação às mudanças estratégicas dentro do
CPqD e a forma que isso afetou os trabalhadores nesse período, um trabalhador ainda
explica que

Quando foi privatizado, nós tínhamos, aqui no CPqD, algo em torno de 900
pessoas. E hoje, nós temos algo em torno de 1000 e tantas pessoas. Portanto,
não variou, até aumentou um pouco da privatização, pra cá. Porém, o
trabalho a ser feito, aumentou demais, nesse ponto. Então, o que eu posso te
dizer é que os projetos são mais apertados hoje. Tanto de projetos que tem,
tanto de pessoas que tem, é bem mais apertado. Antigamente era mais... A
produtividade era menor. Hoje a produtividade é maior. É muito mais assim
agressivo (ENTREVISTA 6, 2015).

Além dos atrasos dos repasses de verbas pela FUNTTEL, somadas ao não
cumprimento de indicadores financeiros relevantes do CPqD nos últimos anos, entre
eles as receitas de empresas parceiras do mercado Telecom, como as sócias PadTec,
Cleartech, Civicom, WXBR, Trópico e CPqD EUA, e as políticas de restrição
orçamentária, esses são elementos que indicaram uma crise político-administrativa
dentro da fundação. Entre os atrasos de repasses mais emblemáticos, destaca-se a do

23
Ao analisar os dados sobre a rotatividade de trabalhadores dentro do centro, Cavalcante apontou que
“Outra tendência que atesta os problemas enfrentados pelo CPqD é a alta rotatividade existente. Segundo
dados do SinTPq, cerca de 700 empregados deixaram o centro de 1998 a 2003, uma taxa altíssima tendo
em vista que o número total de trabalhadores nessa época variou de 850 a pouco mais de 1000”
(Cavalcante, 2006, p. 235).
ano de 2015, que ocasionou a renúncia do diretor Hélio Graciosa 24, após 38 anos à
frente da direção do centro de pesquisa. Nesse sentido, a fundação continuou a adotar
políticas de reestruturação interna (QUEIROZ, 2015), mesmo em anos mais recentes, em
decorrência do processo de privatização. Em fevereiro de 2015, o SinTPq publicou em
nota na sua página oficial uma resposta às políticas de demissões 25 que vinham se
alongando desde início de 2010:

Para o SinTPq, a empresa alega que o motivo dos desligamentos são


reestruturações internas. Porém, as demissões, normalmente, atingem os
trabalhadores mais antigos, mostrando que na verdade sua intenção é trocar
os trabalhadores mais experientes - e com maiores salários - por
trabalhadores que representem um custo menor (SINTPq - Comunicação,
2015).

A relação entre o corte de custos e o enxugamento do quadro de trabalhadores


ainda é explicada pelo perfil do trabalhador atingido 26 por essas demissões, conforme
explica o SinTPq:

Nas demissões ocorridas nos últimos dias fomos alertados de que as pessoas
desligadas são justamente as que realizavam deslocamentos constantes a
trabalho. Essa situação mostra uma face da empresa que desconhecíamos, já
que estamos em processo de negociação para o pagamento de deslocamentos
fora do horário habitual de trabalho (SINTPq – Comunicação, 2015).

Embora haja elementos que apontem para uma “onda privatizante” do setor de
telecomunicações em diversos países e que demonstram uma conjuntura econômica-
política de concorrência entre as empresas de telequipamentos internacionalmente, a
privatização não ocasionou nesses países, necessariamente, o desincentivo em pesquisa
e tecnologia. Em outras palavras, os países que passaram por políticas neoliberais, com
incentivo à privatização, mantiveram ainda assim uma postura protetora quanto ao setor
e ao desenvolvimento autônomo de tecnologia. No contexto brasileiro, contudo,
verifica-se que a abertura desestimulou a consolidação do setor de forma autônoma, na

24
Após a carta de demissão assinada por Hélio Graciosa, em que acusava o governo como o principal
responsável pela crise institucional da fundação, o antigo vice-presidente de Administração e Finanças da
entidade, Sebastião Sahão Junior, assumiu seu lugar quanto a presidência da fundação.
25
Segundo dados do sindicato, enquanto os trabalhadores mais antigos da área de P&D estão enfrentando
um processo de afastamento e demissões, aproximadamente 75% da força de trabalho da fundação CPqD
é constituída plenamente ou parcialmente pelo setor de TI.
26
Em 2014, o SinTPq ainda relata que a empresa desligou uma trabalhadora em período de pré-
aposentadoria, infringindo a cláusula do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) assegurado pelo sindicato.
Outros processos de demissões foram realizados no mesmo ano, tendo por alvo trabalhadores com filhos
recém-nascidos. O descumprimento do acordo coletivo de trabalho em questão constitui-se por demissões
internas realizadas sem a tentativa de realocação do trabalhador em outros setores (SinTPq, 2015).
medida em que se aumentou a dependência externa e deu-se uma redução de
investimentos nessa área (CAVALCANTE, 2006, p. 230-236). Vemos, por exemplo, que:

A França mantém atrelado à France Telecom o CNET (Centre national


d’Études des Telecommunication). O Reino Unido, mesmo tendo privatizado
a British Telecom, manteve acoplado à operadora o BT Labs (conhecido
também como Maretlsram Labs). Em ambos os casos há investimentos
garantidos em P&D em projetos de curto, médio e longo prazo. Na Espanha e
em Portugal também existem centros vinculados às operadoras nacionais,
respectivamente, Telefónica e Portugal Telecom. O investimento forte do
Estado também está presente no Canadá (CRC – Communication Research
Centre). Caso análogo à situação na Suécia, Finlândia, Alemanha, Japão e
EUA, entre outros, que fortalecem empresas de telequipamentos na medida
em que essas se desenvolvem junto aos operadores nacionais. Essas empresas
– Ericsson, Nokia, Siemens, Lucent, etc. - passam a dominar quase a
totalidade de produtos em telecomunicações no mundo ( CAVALCANTE, 2005,
p. 232).

Comparando esse encadeamento de mudanças pelo qual passou o setor de


telecomunicações em relação ao histórico de outros setores nacionais, ao se analisar o
processo de reestruturação do setor de telecomunicações, Dantas qualifica que não
somente os déficits comerciais, mas também a perda de autonomia na produção de
tecnologia própria traria o setor de telecomunicações a um patamar de inferioridade
qualitativa. É oportuna a comparação com a industria automobilistica nacional, onde
esses problemas se apresentam em termos práticos, uma vez que a mesma é constituída
por um cenário de dependência externa e retrocesso tecnológico. ( DANTAS, 2002, p. 62-
66).

Considerações finais
No decorrer desse artigo, tratamos dos resultados parciais de uma pesquisa de
mestrado em andamento sobre as condições de trabalho no setor de P&D, tendo por
objeto a fundação de parceria público-privada, CPqD. Entre as principais conclusões
obtidas, foi o impacto da reestruturação do sistema de telecomunicações, que não se
tratou apenas de uma renúncia pontual no projeto geral de investimentos em P&D na
conjuntura nacional, mas, o descarte de um plano desenvolvido anteriormente que
objetivava a independência tecnológica desses setores internacionalmente.
Ao mesmo tempo, esse retrocesso apresenta-se em um contexto que se evidencia
a capacidade produtiva dos setores da tecnologia da informação e de P&D, além da
relevância da produção de mercadorias não-físicas. Um dos efeitos mais diretos dessas
políticas é a permanência do CPqD na atualidade, mas, com propósitos desvirtuados de
seus objetivos iniciais, além da precarização e enxugamento das áreas destinadas à
gestão de projetos a longo prazo em P&D, e à expansão de serviços voltados para o
trabalho de suporte e áreas de TI.

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