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Solange C. Vereza
RESUMO
Introdução
S
e usarmos a ferramenta eletrônica Google, colocando como fonte de
busca a palavra “metáfora”, a ferramenta irá nos informar que há apro-
ximadamente 559.000 páginas (em português) com o uso do termo.
Grande parte dessas páginas se refere a artigos e textos acadêmicos que tratam
da metáfora, tentando definir, conceituar e/ou problematizar o termo. Isso nos
dá uma ideia do grande interesse que o conceito vem despertando em teóricos
de várias linhas. No entanto, conhecer o significado do termo “metáfora” não
é privilégio de uma elite acadêmica. A mesma ferramenta Google irá também
nos mostrar que o conceito de metáfora faz parte do discurso metalinguístico,
200 Vereza, Solange C. O lócus da metáfora: linguagem, pensamento e discurso
não teoricamente informado, de grande parte dos usuários, com certo grau de
letramento, da língua portuguesa. Dizer que se está “falando metaforicamente”
(um termo com 66.800 entradas no Google) é algo bastante comum na lingua-
gem cotidiana. Da mesma forma, dizer que se está “falando literalmente” é algo
tão corriqueiro, que a expressão “literalmente falando” já virou um marcador
discursivo frequente1 na língua portuguesa (VEREZA, 2007) 2.
Por trás desses usos cotidianos do conceito de metáfora (e sua aparente
contraparte “literal”), parece haver uma visão do fenômeno metafórico como
o uso de um termo, ou “expressão”, que está sendo usado em lugar de outro
mais direto, mais objetivo e, portanto, mais real ou verdadeiro. Expressões
como “isso é só modo de dizer”, “isso é só maneira de falar”, “é só uma expres-
são”, “não é para ser entendido ao pé da letra”, entre outras, marcam essa visão
metadiscursiva sobre o uso da figuratividade, uma reflexão sobre a própria
linguagem usada que resultou em algum desvio. A função desse desvio, ainda
dentro da visão do senso comum, poderia ser a de embelezar, ilustrar, escla-
recer ou até mesmo “fugir do assunto” ou “esconder a ignorância” sobre algo.
De uma maneira geral, já dentro de uma perspectiva mais teórica, parece
haver um consenso entre pesquisadores, estudiosos e professores de línguas de
que a metáfora representaria, em sua essência, uma transferência de sentido de
uma termo “A” para um outro termo “B”. Essa visão consensual, que implica ne-
cessariamente “transporte de sentidos”, é assim explicitada por Mendes (2010)3:
A metáfora na linguagem
5
LEESENBERG, M. Context of metaphor. Amsterdam: Elsevier, 2001.
6
HOBBES, T.H. Elementos de filosofia. Primeira seção: sobre o corpo. Parte 1,
computação ou lógica. (Tradução e adaptação de José Oscar de A. Marques). Clás-
sicos da Filosofia: Cadernos de Tradução. Campinas: IFCH/Unicamp, 2005.
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Hobbes irá relativizar essa afirmação: “...esta distinção (unívoco –equívoco) diz
respeito menos aos nomes, do que aqueles que os empregam”. (HOBBES, 1839,
[2005], p. 8).
8
GENETTE, G. “A retórica restrita”. In: COHEN, J. , BREMOND, C. , KUETZ,
P. e GENETTE, G. Pesquisas de retórica (Tradução de Leda Pinto Mafra Iruzun).
Petrópolis: Editora Vozes, 1975, pp. 129-146.
9
Os três níveis da retórica propostos por Aristóteles são: inventio (formular idéias,
buscar as provas para o argumento), dispositio (a estrutura discursiva e organizacio-
nal do argumento) e a elocutio (o “por em palavras”, no eixo sintagmático e paradig-
mático) (VOLLI, H. Manual de Semiótica. São Paulo: Loyolla, 2000.pp.233-236).
10
FERNANDES (2004, p.7 ) ilustra esse anti-retoricismo com a seguinte afirmação
de Ramalho Ortigão, colocada como epígrafe em seu texto, :
Não somos dos beatos das palavras, dos gulosos de figuras e de tropos, que dão à
eloqüência –no sentido vulgar desta palavra-, uma adoração que ela não merece.
11
FERNANDES, R. M. R. “Prefácio à edição portuguesa”. In: LAUSBERG, H.
Elementos de retórica literária. Lisboa: Gulbenkian, 2004, pp. 7-11.
204 Vereza, Solange C. O lócus da metáfora: linguagem, pensamento e discurso
A metáfora no pensamento
12
ZANOTTO, M. S., MOURA; H. M. M; VEREZA, S. C. e NARDI, M. I. Apresenta-
ção à Edição Brasileira. In: LAKOFF, G. e JOHNSON, M. Metáforas da vida cotidiana.
Trad. Maria Sophia Zanotto e Vera Maluf. Campinas: Mercado de Letras, 2002.
13
Lakoff, G. e Johnson, M. Philosophy in the flesh: the embodied mind and its
challenge to western thougt. Nova Iorque: Basic Books, 1999.
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Se, por exemplo, falássemos que “precisamos dar uma guinada em nossas
vidas”, “continuar caminhando”, “dar um novo rumo em nossos projetos”,
estaríamos usando expressões metafóricas que, mesmo sendo altamente con-
vencionalizadas, recrutariam a metáfora conceptual “A VIDA É UMA VIA-
GEM”. Da mesma forma, se disséssemos que “marcamos um gol de letra”,
para nos referirmos ao sucesso de algum projeto; “demos um drible nas di-
ficuldades”, “chutamos para escanteio aquela oportunidade” , “batemos um
bolão na entrevista” e que “temos que tirar nosso time de campo”, estaríamos,
de uma forma inconsciente, sendo respaldados pela metáfora conceptual “A
VIDA É UM JOGO DE FUTEBOL”.
O que interessa aos estudiosos cognitivistas da metáfora é a identificação,
por meio das marcas linguísticas, das metáforas conceptuais que as subjazem.
Compreender a forma pela qual o homem vê parte de sua experiência (nor-
malmente as mais abstratas) pela lente de outras mais concretas (principal-
mente aquelas relativas à corporeidade), e a relação dessas conceptualizações
metafóricas com a cultura, é o objetivo central do empreendimento dos adep-
tos da TMC. Nessa tarefa, a linguagem, lócus da metáfora na visão tradicional,
adquire um estatuto epistemológico nitidamente secundário. Aqui, o lócus da
metáfora é o pensamento, no seu sentido de construção sociocognitiva do real.
A metáfora no discurso
17
DEIGNAN A. Metaphor and Corpus Linguistics. Amsterdam: John Benjamins, 2005.
18
CAMERON, L. “Identifying and describing metaphor in spoken discourse data”.
In: Cameron, L. e G. LOW. Researching and applying metaphor. Cambridge: Cam-
bridge University Press, 1999.
19
VEREZA, S. C. “Exploring metaphors in corpora: a study of ‘war’ in corpus gener-
ated data In: Zanotto, M. S. et al. Confronting metaphor in use: an applied linguistic
approach. Amsterdam: J. Benjamins, 2008
20
KOVECSES, Z. Metaphor: a practical introduction. Oxford: Oxford University
Press, 2002.
208 Vereza, Solange C. O lócus da metáfora: linguagem, pensamento e discurso
21
CAMERON, L. e DEIGNAN, A. “The Emergence of Metaphor in Discourse”.
Applied Linguistics 27(4), 2006. pp. 671-690.
22
CAMERON, L. “Metaphor shifting in the dynamics of talk”. In: Zanotto, M. S.
et al. Confronting metaphor in use: an applied linguistic approach. Amsterdam: J.
Benjamins, 2008.
23
PRAGGLEJAZ group: “MIP: A Method for identifying metaphorically used
words in discourse”. Metaphor and symbol, 22(1), 2007. pp. 1-39.
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criando não apenas coerência, como também coesão entre os vários períodos
entrelaçados. Nesse processo, podemos ter tanto uma metáfora textualmente
específica de base, como articulações com metáforas conceituais de caráter
mais universal. Vejamos o exemplo:
Considerações finais
ABSTRACT