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Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Letras e cognição n o 41, p.

199-212, 2010 199

O LÓCUS DA METÁFORA: LINGUAGEM,


PENSAMENTO E DISCURSO

Solange C. Vereza

RESUMO

O objetivo deste artigo é traçar, brevemente, a trajetória


dos estudos da metáfora a partir de uma questão que re-
mete à própria conceituação desse tropo: o lócus da me-
táfora. Como objeto de reflexão, a metáfora, dentro da
visão tradicional, é restrita ao nível da linguagem, mas
com a introdução da Teoria da Metáfora Conceptual, o
lócus da metáfora transfere-se da linguagem para o pen-
samento. Mostraremos como as pesquisas recentes da
área direcionam o seu foco para a metáfora no discurso,
buscando articulações entre as dimensões linguística e
sociocognitiva da metaforicidade.

Palavras-chave: metáfora; pensamento; discurso

Introdução

S
e usarmos a ferramenta eletrônica Google, colocando como fonte de
busca a palavra “metáfora”, a ferramenta irá nos informar que há apro-
ximadamente 559.000 páginas (em português) com o uso do termo.
Grande parte dessas páginas se refere a artigos e textos acadêmicos que tratam
da metáfora, tentando definir, conceituar e/ou problematizar o termo. Isso nos
dá uma ideia do grande interesse que o conceito vem despertando em teóricos
de várias linhas. No entanto, conhecer o significado do termo “metáfora” não
é privilégio de uma elite acadêmica. A mesma ferramenta Google irá também
nos mostrar que o conceito de metáfora faz parte do discurso metalinguístico,
200 Vereza, Solange C. O lócus da metáfora: linguagem, pensamento e discurso

não teoricamente informado, de grande parte dos usuários, com certo grau de
letramento, da língua portuguesa. Dizer que se está “falando metaforicamente”
(um termo com 66.800 entradas no Google) é algo bastante comum na lingua-
gem cotidiana. Da mesma forma, dizer que se está “falando literalmente” é algo
tão corriqueiro, que a expressão “literalmente falando” já virou um marcador
discursivo frequente1 na língua portuguesa (VEREZA, 2007) 2.
Por trás desses usos cotidianos do conceito de metáfora (e sua aparente
contraparte “literal”), parece haver uma visão do fenômeno metafórico como
o uso de um termo, ou “expressão”, que está sendo usado em lugar de outro
mais direto, mais objetivo e, portanto, mais real ou verdadeiro. Expressões
como “isso é só modo de dizer”, “isso é só maneira de falar”, “é só uma expres-
são”, “não é para ser entendido ao pé da letra”, entre outras, marcam essa visão
metadiscursiva sobre o uso da figuratividade, uma reflexão sobre a própria
linguagem usada que resultou em algum desvio. A função desse desvio, ainda
dentro da visão do senso comum, poderia ser a de embelezar, ilustrar, escla-
recer ou até mesmo “fugir do assunto” ou “esconder a ignorância” sobre algo.
De uma maneira geral, já dentro de uma perspectiva mais teórica, parece
haver um consenso entre pesquisadores, estudiosos e professores de línguas de
que a metáfora representaria, em sua essência, uma transferência de sentido de
uma termo “A” para um outro termo “B”. Essa visão consensual, que implica ne-
cessariamente “transporte de sentidos”, é assim explicitada por Mendes (2010)3:

Etimologicamente, o termo metáfora deriva da palavra grega


metaphorá através da junção de dois elementos que a compõem
- meta que significa “sobre” e pherein com a significação de
“transporte”. Neste sentido, metáfora surge enquanto sinônimo
de “transporte”, “mudança”, “transferência” e em sentido mais
1
De fato, o termo “literalmente” já teve o seu sentido estendido para marcar uma
intensificação ou hiperbolização de um dado adjetivo. Estar “literalmente” morto
de fome, “literalmente exausto”, por exemplo, expressam, paradoxalmente, um
sentido de “verdadeiramente” , “realmente muito”, sem exagero. Este uso parece
trazer à tona o sentido de literal como “verdade” e o da metáfora como “engano”.
2
VEREZA, S. C. Literalmente falando: sentido literal e metáfora na metalinguagem.
Niterói: EDUFF, 2007.
3
MENDES, P. “Metáfora”. In CEIA, C. E-dicionário de termos literários. http://
www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/M/metafora.htm. 20/04/2010.
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específico, “transporte de sentido próprio em sentido figura-


do”. De fato, e tendo como base o significado etimológico do
termo, o processo levado a cabo para a formação da metáfora
implica necessariamente um desvio do sentido literal da palavra
para o seu sentido livre; uma transposição do sentido de uma
determinada palavra para outra, cujo sentido originariamente
não lhe pertencia.

No entanto, apesar desse consenso, a natureza da transferência e de suas


possíveis funções (semânticas, retóricas, cognitivas, epistemológicas e discur-
sivas) ainda são fontes de muitas controvérsias entre estudiosos, merecendo,
portanto, uma constante perspectivação de conceitos que embasam o debate
em torno da metáfora. Debate esse que, como muitos aspectos da linguagem e
do discurso, vem atravessando séculos, para não dizer milênios, enriquecendo-
se com as novas reflexões e reconceituações propostas pelos vários estudiosos
que se ocuparam, e ainda se ocupam, de tema tão complexo.
Este artigo não pretende traçar o histórico desse rico debate. O nosso
objetivo é apenas situá-lo a partir de um único aspecto, ou recorte, que diz
respeito ao lócus da metáfora. Ou seja, a metáfora é, fundamentalmente, um
fenômeno da linguagem, do pensamento ou do discurso?
Estamos partindo da hipótese de que as principais teorias da metáfo-
ra, apesar do consenso mencionado acima, diferem entre si, primordialmen-
te, justamente em relação a esse aspecto. Procuraremos mostrar, nas seções
abaixo, de que maneira o que estamos considerando, de uma forma inevita-
velmente reducionista, devido ao escopo deste trabalho, como as principais
visões da metáfora abordam a questão do lócus dessa figura e que implicações
essas diferentes abordagens teriam para os estudos da metáfora.

A metáfora na linguagem

O que é hoje conhecido como visão tradicional da linguagem (POLLIO,


SMITH, POLLIO, 1990; KOVECSES, 2002)4 não teve, necessariamente,
4
POLLIO, H.R., SMITH, M. K e POLLIO, M. R. “Figurative Language and Cogni-
tive Psychology”. Language and Cognitive Processes, 5 (2), 1990. pp.141-167. e KOVEC-
SES, Z. Metaphor: a practical introduction. Oxford: Oxford University Press, 2002.
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sua origem, como muitos poderiam supor, na chamada visão aristotélica de


figuras. Em primeiro lugar, ecoando Leesenberg (2001), Aristóteles nunca
propôs uma conceituação clara e sistemática de metáfora que pudesse ser real-
mente chamada de “teoria da metáfora” (LEESENBERG, 2001)5. Além disso,
em apenas uma de suas quatro sub-classificações de metáfora como transporte
(1- de gênero a espécie; 2- de espécie a gênero; 3- de espécie a espécie e 4- re-
lação de analogia, envolvendo quatro elementos), somente a terceira (de espé-
cie a espécie) pode ser vista como uma transferência metafórica, enquanto as
demais são relacionadas a casos de metonímia, hiperonímia, analogia e outras
figuras semânticas e retóricas.
O que fica nítido na visão tradicional é o estatuto da metáfora como
figura de linguagem. Ou seja, dentro da perspectiva aqui traçada, podemos
dizer que, segundo a visão tradicional, o lócus da metáfora é a linguagem. Isso
implica que o uso figurado não tem um papel central na produção de sentidos,
uma vez que não estabeleceria uma relação direta entre realidade, conceito e
palavra, que seria o caso do sentido literal. Esse sentido seria, no nível da lin-
guagem, “distorcido”, ao se usar um termo no lugar de um outro, trazendo,
nesse transporte, conotações próprias do conceito “emprestado”, que interferi-
riam no sentido daquilo a que se quer referir. Uma das implicações do fato de
se abordar a metáfora como “troca” de uma palavra por outra seria ver a figura
como desvio do sentido correto, “próprio” de um termo. Como consequência,
a metáfora passa a ser vista como um recurso supérfluo da linguagem, caracte-
rístico do discurso poético ou retórico, ambos não considerados usos “sérios”
da linguagem, por não conterem sentidos “legítimos”.
Ser concebida como um elemento supérfluo não é, necessariamente,
o único aspecto que retirou da metáfora a possibilidade de compartilhar a
legitimidade das formas supostamente literais de significação. Na verdade,
a linguagem figurada foi, e ainda o é, vista como um desvio, uma anomalia,
um equívoco, como afirma Hobbes (1839, [2005], p. 8)6:

5
LEESENBERG, M. Context of metaphor. Amsterdam: Elsevier, 2001.
6
HOBBES, T.H. Elementos de filosofia. Primeira seção: sobre o corpo. Parte 1,
computação ou lógica. (Tradução e adaptação de José Oscar de A. Marques). Clás-
sicos da Filosofia: Cadernos de Tradução. Campinas: IFCH/Unicamp, 2005.
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Nomes são usualmente unívocos ou equívocos. Unívocos são


aqueles que na mesma sequência discursiva significam sempre
a mesma coisa; equívocos são aqueles que ora significam uma
coisa, ora outra. Toda metáfora é, por sua própria natureza,
equívoca7 (Hobbes (1839, [2005], p. 8).

É importante notar que a visão da metáfora como uma figura de lingua-


gem com função meramente ornamental, sem qualquer efeito cognitivo, é,
segundo Genette (1975)8, resultante do processo reducionista a que a retórica
foi submetida. Da retórica desenvolvida por Aristóteles, apenas uma das três
dimensões9 propostas pelo filósofo para caracterizá-la foi mantida na “Retórica
reduzida”. O percurso da retórica em direção ao reducionismo e ao consequen-
te “anti-retoricismo”10 (FERNANDES, 2004, p. 7)11 representou um processo
gradual de apagamento ou esvaziamento dos eixos mais diretamente relaciona-
dos aos aspectos lógico-discursivos da retórica, ou seja, a inventio e a dispositio.
Esse processo solidificou-se na Idade Média, dando centralidade à elocutio, que
é justamente aquela dimensão que abarca o uso do léxico e, principalmente,
das figuras da linguagem. Ou seja, a retórica reduzida é a retórica tropológica
(dos tropos), e é por meio dela que a metáfora também se reduz ao seu nível
puramente linguístico e decorativo (como o próprio termo “figura” parece su-
gerir). É nesse sentido que podemos concluir que a visão tradicional de metáfo-

7
Hobbes irá relativizar essa afirmação: “...esta distinção (unívoco –equívoco) diz
respeito menos aos nomes, do que aqueles que os empregam”. (HOBBES, 1839,
[2005], p. 8).
8
GENETTE, G. “A retórica restrita”. In: COHEN, J. , BREMOND, C. , KUETZ,
P. e GENETTE, G. Pesquisas de retórica (Tradução de Leda Pinto Mafra Iruzun).
Petrópolis: Editora Vozes, 1975, pp. 129-146.
9
Os três níveis da retórica propostos por Aristóteles são: inventio (formular idéias,
buscar as provas para o argumento), dispositio (a estrutura discursiva e organizacio-
nal do argumento) e a elocutio (o “por em palavras”, no eixo sintagmático e paradig-
mático) (VOLLI, H. Manual de Semiótica. São Paulo: Loyolla, 2000.pp.233-236).
10
FERNANDES (2004, p.7 ) ilustra esse anti-retoricismo com a seguinte afirmação
de Ramalho Ortigão, colocada como epígrafe em seu texto, :

Não somos dos beatos das palavras, dos gulosos de figuras e de tropos, que dão à
eloqüência –no sentido vulgar desta palavra-, uma adoração que ela não merece.
11
FERNANDES, R. M. R. “Prefácio à edição portuguesa”. In: LAUSBERG, H.
Elementos de retórica literária. Lisboa: Gulbenkian, 2004, pp. 7-11.
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ra não é aristotélica: o estatuto da metáfora acompanhou o declínio da retórica,


e como esta, consolidou-se, por um longo período, em sua versão reduzida.

A metáfora no pensamento

O que significa conceber o lócus da metáfora como sendo o pensamento?


Muitos poderiam ser levados a crer que a metáfora no pensamento significaria
apenas pensar uma coisa em termos de outra, sem necessariamente verbalizar
esse processo. Seria, talvez, um “metaforizar” introspectivo. No entanto, é im-
portante observar que o pensamento a que os teóricos da metáfora e de outros
fenômenos linguísticos se referem não é a “linguagem não falada”, aquilo que
poderia ser visto como o correspondente mental da linguagem verbalizada. É
importante ressaltar que a metáfora que é conceituada como figura que tem
seu lócus no pensamento (a figure of thought) é aquela que não só surge no
contexto da cognição, mas é, em si mesma, responsável por parte importante
dessa mesma cognição. Assim, a abordagem da metáfora como figura do pen-
samento e não de linguagem a retira de sua “insignificância” conceptual: ela
não é mais apenas um adorno supérfluo, mas um importante recurso cogniti-
vo usado, não só para se “referir” a algo por meio de outro termo mais indire-
to, mas, de fato, construir esse algo cognitivamente, a partir da interação com
um outro domínio da experiência. Dessa forma, a metáfora não seria apenas
“uma maneira de falar”, mas sim de pensar (ou até mesmo de “ver”) o real de
uma determinada forma e não de outra.
Essa virada paradigmática nos estudos da metáfora (ZANOTTO et al,
2002)12 se deu a partir da formalização de uma teoria de base cognitivista,
cujo núcleo estaria no conceito de metáfora conceptual, introduzido por Lakoff
e Johnson (1980 [2002]; 1999)13. Por essa razão a teoria é conhecida como
Teoria da Metáfora Conceptual (TMC).
A metáfora, como figura do pensamento, faria parte da linguagem ordi-
nária, e não somente da poética ou da retórica, não sendo tratada apenas como

12
ZANOTTO, M. S., MOURA; H. M. M; VEREZA, S. C. e NARDI, M. I. Apresenta-
ção à Edição Brasileira. In: LAKOFF, G. e JOHNSON, M. Metáforas da vida cotidiana.
Trad. Maria Sophia Zanotto e Vera Maluf. Campinas: Mercado de Letras, 2002.
13
Lakoff, G. e Johnson, M. Philosophy in the flesh: the embodied mind and its
challenge to western thougt. Nova Iorque: Basic Books, 1999.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Letras e cognição n o 41, p. 199-212, 2010 205

um recurso linguístico, mas, fundamentalmente, cognitivo. Como propõem


Lakoff e Johnson (1980 [2002])14:

A metáfora para a maior parte das pessoas é um mecanismo


da imaginação poética e do requinte teórico: uma questão de
linguagem “extraordinária” em vez da linguagem comum. Além
disso, a metáfora é tipicamente vista como uma característica
da linguagem: uma questão de palavras e não de pensamentos
e ações. Por essa razão, a maioria das pessoas pensa que pode
viver perfeitamente bem sem a metáfora. Nós acreditamos, no
entanto, que a metáfora faz parte da vida cotidiana, não so-
mente na linguagem, como também no pensamento e na ação.
Nosso sistema conceitual, a partir do qual pensamos e agimos,
é fundamentalmente metafórico pela sua própria natureza
(LAKOFF e JOHNSON, 1980 [2002]: 3).

A metáfora, vista dentro dessa perspectiva, estaria situada em uma dimen-


são conceitual ou cognitiva, ou seja, um processo por meio do qual experiências
são elaboradas cognitivamente, a partir de outras já existentes no nível concep-
tual. Haveria, dessa forma, uma “superposição” de uma experiência já incorpo-
rada e linguisticamente determinada a uma outra experiência a ser mapeada pelo
pensamento e pela linguagem. Poderíamos pensar nesse processo, “metaforica-
mente”, como a utilização de uma “forma de pastel” para dar forma a uma massa
disforme, sem limites, sem características próprias, sem uma linguagem e, con-
sequentemente, sem acesso a redes conceptuais que viabilizariam a consciência.
A metáfora conceptual, assim, não seria “propriedade” de um indivíduo.
Ela faria parte de um “inconsciente cognitivo coletivo”, mantendo uma rela-
ção de determinação mútua com a cultura e com a língua. Usos de linguagem
metafórica seriam, quase sempre, “licenciados” por metáforas conceptuais. O
que antes era visto como uma metáfora no nível da linguagem em uso, passou
a ser abordado como uma evidência ou marca linguística de uma metáfora
conceptual subjacente.
14
LAKOFF, G. e JOHNSON, M. Metaphors we live by. Cambridge: Cambridge
University Press, 1980. Metáforas da vida cotidiana. Tradução pelo grupo GEIM.
São Paulo: Educ/ Campinas: Mercado de Letras, 2002.
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Se, por exemplo, falássemos que “precisamos dar uma guinada em nossas
vidas”, “continuar caminhando”, “dar um novo rumo em nossos projetos”,
estaríamos usando expressões metafóricas que, mesmo sendo altamente con-
vencionalizadas, recrutariam a metáfora conceptual “A VIDA É UMA VIA-
GEM”. Da mesma forma, se disséssemos que “marcamos um gol de letra”,
para nos referirmos ao sucesso de algum projeto; “demos um drible nas di-
ficuldades”, “chutamos para escanteio aquela oportunidade” , “batemos um
bolão na entrevista” e que “temos que tirar nosso time de campo”, estaríamos,
de uma forma inconsciente, sendo respaldados pela metáfora conceptual “A
VIDA É UM JOGO DE FUTEBOL”.
O que interessa aos estudiosos cognitivistas da metáfora é a identificação,
por meio das marcas linguísticas, das metáforas conceptuais que as subjazem.
Compreender a forma pela qual o homem vê parte de sua experiência (nor-
malmente as mais abstratas) pela lente de outras mais concretas (principal-
mente aquelas relativas à corporeidade), e a relação dessas conceptualizações
metafóricas com a cultura, é o objetivo central do empreendimento dos adep-
tos da TMC. Nessa tarefa, a linguagem, lócus da metáfora na visão tradicional,
adquire um estatuto epistemológico nitidamente secundário. Aqui, o lócus da
metáfora é o pensamento, no seu sentido de construção sociocognitiva do real.

A metáfora no discurso

A Teoria da metáfora conceitual, a partir do novo arcabouço teórico e


filosófico introduzido por Lakoff e Johnson (1980 [2002]; 1999)15, serviu
como motivação para o desenvolvimento de um número surpreendente de
pesquisas sobre a metáfora, que, em seu conjunto, formou uma área de estu-
dos já conhecida como “metaforologia” (STEEN, 1994)16. Essa área, apesar
de se caracterizar por objetos de investigação de diversas naturezas, tem em
comum o pressuposto de base da TMC: as expressões metafóricas encontra-
das na linguagem são evidências de metáforas conceptuais que as licenciam.
Assim, seria de se esperar que muitas pesquisas partissem, indutivamente, em
15
Lakoff, G. e Johnson, M. Philosophy in the flesh: the embodied mind and its
challenge to western thougt. Nova Iorque: Basic Books, 1999.
16
STEEN, G. Understanding metaphor in literature: an empirical approach. London:
Longman, 1994.
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busca dessas marcas linguísticas para proporem metáforas cognitivamente am-


paradas que pudessem dar coerência ao conjunto de evidências encontrado.
Na verdade, amparando-se em Lakoff e Johnson (Ibid.), os exemplos linguís-
ticos eram “inventados”, no sentido de serem pensados fora de um contexto
ou corpus, para ilustrar, dedutivamente, metáforas conceptuais previamente
propostas. Dessa forma, quando os autores discorrem sobre a metáfora “DIS-
CUSSÃO É GUERRA”, eles apresentam uma série de exemplos, que, em
português, poderíamos traduzir, alguns deles, como “ganha-se” ou “perde-se”
uma discussão, criam-se “estratégias” argumentativas, “conquista-se” o inter-
locutor com um argumento, “defende-se uma posição” etc. para dar consis-
tência à metáfora proposta. Ou seja, os exemplos são usados como “provas
linguísticas” da metáfora em questão, que, do ponto de vista epistemológico,
não passaria de uma hipótese.
Devido à circularidade desse procedimento, ou seja, uma pesquisa que
usa evidências para reforçar uma hipótese, a priori, e não o contrário, muitas
críticas surgiram, a partir do fim da década de noventa, no universo da meta-
forologia (ver, por exemplo, DEIGNAN, 200517; CAMERON,199918 e VE-
REZA, 200819). As propostas que surgiam visavam à utilização de exemplos
retirados de usos autênticos da língua e não apenas da intuição do pesquisa-
dor. Dessa forma, passou-se a investigar a linguagem figurada em determina-
dos gêneros textuais, em corpora gerais ou específicos e, a partir desses dados,
identificar as metáforas conceptuais subjacentes (como, por exemplo, em KO-
VECSES, 2002)20. Em outras palavras, a linguagem, vista, em um primeiro
momento, como secundária por teóricos cognitivistas, recuperou seu estatuto
epistemológico. Apesar deste reenquadramento analítico, a linguagem, neste
momento de nova “virada”, era ainda considerada como fonte de dados e não
como lócus da metáfora.

17
DEIGNAN A. Metaphor and Corpus Linguistics. Amsterdam: John Benjamins, 2005.
18
CAMERON, L. “Identifying and describing metaphor in spoken discourse data”.
In: Cameron, L. e G. LOW. Researching and applying metaphor. Cambridge: Cam-
bridge University Press, 1999.
19
VEREZA, S. C. “Exploring metaphors in corpora: a study of ‘war’ in corpus gener-
ated data In: Zanotto, M. S. et al. Confronting metaphor in use: an applied linguistic
approach. Amsterdam: J. Benjamins, 2008
20
KOVECSES, Z. Metaphor: a practical introduction. Oxford: Oxford University
Press, 2002.
208 Vereza, Solange C. O lócus da metáfora: linguagem, pensamento e discurso

Foi com a constatação de que a linguagem em uso, ou o discurso, não era


apenas o universo de manifestações linguísticas de metáforas conceptuais, mas de
articulações cognitivas e pragmáticas e até mesmo de emergência de novas metáfo-
ras conceptuais (“metaforemas”, segundo Cameron e Deignan, 2006)21 que a lin-
guagem recuperou, pelo menos parcialmente, o seu estatuto de lócus da metáfora.
A pergunta que inevitavelmente surge, a partir desse movimento, é: após
tantos avanços na compreensão da metáfora, motivados pelas pesquisas ge-
radas pela TMC, volta-se agora à abordagem tradicional, em que a metáfora
era vista apenas como uma figura de linguagem, sem qualquer motivação ou
efeito cognitivo? Ou seja, para lembrarmos da metáfora “A VIDA É UMA
VIAGEM”, poderíamos dizer que “andamos, andamos para chegar de volta
ao mesmo lugar de onde partimos?”
Felizmente, o cenário atual dos estudos da metáfora, muito voltado
para a linguagem figurada no discurso, de forma alguma descarta os aspectos
cognitivos inerentes à metáfora. Ao invés disso, procura-se criar articulações
sistemáticas entre a cognição e o discurso, ressaltando a inseparabilidade des-
sas duas instâncias. A metáfora é de natureza tanto linguística quanto (sócio)
cognitiva, e o discurso promove e possibilita essa articulação e, ao mesmo
tempo, dela depende. Dessa forma, o lócus da metáfora passa ser o discurso,
se entendermos esse conceito como o espaço em que aspectos sociocognitivos
e linguísticos (se é que se pode fazer essa separação) se encontram para tecer a
figuratividade, entre outras formas de criação de sentidos.
Estudar a metáfora no discurso, a partir de sua multidimensionalida-
de, implica, para o pesquisador, enfrentar vários desafios, principalmente do
ponto de vista metodológico. A complexidade das articulações mencionadas
acima exige rigor analítico e, consequentemente, especialistas da área têm de-
senvolvido metodologias próprias para lidar com essa tarefa. Cameron (1999,
2008)22 e o Grupo Pragglejaz (2007)23 propuseram uma série de procedimen-

21
CAMERON, L. e DEIGNAN, A. “The Emergence of Metaphor in Discourse”.
Applied Linguistics 27(4), 2006. pp. 671-690.
22
CAMERON, L. “Metaphor shifting in the dynamics of talk”. In: Zanotto, M. S.
et al. Confronting metaphor in use: an applied linguistic approach. Amsterdam: J.
Benjamins, 2008.
23
PRAGGLEJAZ group: “MIP: A Method for identifying metaphorically used
words in discourse”. Metaphor and symbol, 22(1), 2007. pp. 1-39.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Letras e cognição n o 41, p. 199-212, 2010 209

tos para se identificar metáforas em textos autênticos. Com o mesmo objetivo,


Sardinha (2009)24 desenvolveu uma metodologia para a identificação eletrô-
nica de metáforas em determinados corpora (específicos ou gerais). Qualquer
que seja o procedimento escolhido para identificação de metáforas, determi-
nando o que é e o que não é metáfora (probabilisticamente ou não), é só a
partir dessa identificação criteriosa que o analista pode agrupar as metáforas
linguísticas em torno de metáforas conceptuais.
Outras unidades de base mais discursiva foram também introduzidas
na literatura da área. As metáforas sistemáticas (CAMERON, 2008), por
exemplo, seriam específicas de determinados textos, entretanto, não estariam
linguisticamente explicitadas, daí a sua caracterização como cognitivas. Um
exemplo disso seria um texto (oral ou escrito) em que o autor fizesse, hipoteti-
camente, vários paralelos entre uma aula dada e o carnaval, sem explicitar essa
metáfora nos termos clássicos A=B. Ou seja, ele não precisaria verbalizar a me-
táfora “a aula é um carnaval” para criar, cognitivamente, essa imagem. Porém,
ao fazer uso, ao longo de sua fala (ou texto escrito), de expressões metafóricas
específicas, como “só faltaram jogar confete em mim”, “no quesito harmonia,
a aula levou nota zero”, “eu era o próprio passista perdido na avenida” e “ o
tema da aula parecia mais difícil de entender do que enredo da Beija-Flor”, a
metáfora “a aula é um carnaval” estaria, do ponto de vista discursivo-cogniti-
vo, estruturando a narrativa ou avaliação, dando coerência semântica e prag-
mática à figuratividade, sendo, por isso, tratada como “sistemática”.
Uma outra unidade proposta é o nicho metafórico (VEREZA, 2007)25.
Como a metáfora sistemática, o nicho metafórico enfoca o fenômeno da fi-
guratividade como um recurso organizacional do discurso (retomando a sua
função na dispositio e não apenas na elocutio), criando, cognitivamente, redes
de sentido, com uma função primordialmente argumentativa. Ao contrário
da metáfora sistemática, o nicho metafórico não remete a uma única metáfora
cognitiva (mesmo que textualmente específica), mas a toda uma rede metafó-
rica que vai sendo tecida em uma unidade semântico-discursiva (um parágra-
fo, por exemplo) no texto. Dessa forma, as expressões metafóricas se sucedem,
24
SARDINHA, T. B. “Questões metodológicas de análise de metáfora na perspectiva
da linguística de corpus. Gragoatá, 26, 2009. pp. 81-102.
25
VEREZA, S. C. “Metáfora e argumentação: uma abordagem discursiva”. Lingua-
gem e Discurso. vol. 23, 2007. pp. 487-506.
210 Vereza, Solange C. O lócus da metáfora: linguagem, pensamento e discurso

criando não apenas coerência, como também coesão entre os vários períodos
entrelaçados. Nesse processo, podemos ter tanto uma metáfora textualmente
específica de base, como articulações com metáforas conceituais de caráter
mais universal. Vejamos o exemplo:

Eu costumo comparar esse assunto (evoluções na gastronomia) ao rock: você tem um


David Bowie, um Talking Heads, que seriam os equivalentes à cozinha clássica. Aí apa-
rece a música eletrônica, que eu comparo às espumas (comidas com pouca consistência) e
as melodias com letras passam a ser consideradas antigas, tolas. Mas chega um Radio-
head, e o que ele faz? Faz uma música que consegue ser um rock clássico, com letra, só
que mais atual e moderno do que o que era feito nos anos oitenta. Ou seja, assim como
a música eletrônica, as espumas vão desaparecer sem deixar vestígios- ou saudade.

Nesse exemplo claro de nicho metafórico, observamos um todo coerente


sendo desenvolvido, com um propósito nitidamente argumentativo, a partir
de uma metáfora : gastronomia é rock. No entanto, se autor não explicitar
que aspectos do rock estão em evidência nessa comparação, a metáfora não vai
surtir o efeito de sentido desejado. O nicho metafórico, assim, tem a função
de organizar não só o texto, como a própria argumentação. Os paralelismos
não são inerentes aos dois domínios (gastronomia e rock), mas são construídos
discursiva e cognitivamente pelo autor. Nesse processo, ele faz uso de vários
pressupostos culturais (quem é David Bowie, o que é música eletrônica etc.)
que, obviamente, precisam ser compartilhados pelo leitor para que a metáfora
seja compreendida. Pode-se especular, também, que ambos os elementos da
metáfora articulam-se a uma metáfora conceptual bem mais abrangente: cul-
tura é evolução. Nesse paradigma, entrariam os vários modismos que caracte-
rizam a vida contemporânea ocidental, vistos, no texto em questão, sob uma
perspectiva negativa, pelo autor (os modismos vão e vêm, mas o essencial fica).
Esses dois exemplos de novas abordagens para se estudar a metáfora no
discurso, por meio de novas unidades analíticas (a metáfora sistemática e o ni-
cho metafórico) apontam para o crescente interesse dos estudiosos da área em
promover articulações entre as várias dimensões da metáfora: a sociocognitiva,
a linguística e a discursiva.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Letras e cognição n o 41, p. 199-212, 2010 211

Considerações finais

Falar uma coisa em termos de outra, ou seja a transferência de signifi-


cados de um domínio da experiência para outro, pode parecer uma operação
linguística trivial. E de certo modo, podemos dizer que realmente o é. Afi-
nal, as metáforas não são apenas ferramentas sofisticadas exclusivas de poetas
(que usam domínios cuja relação é, não raro, muito inusitada); ao contrário,
ela faz parte do discurso cotidiano e dela fazemos uso, em sua forma mais
convencional (“Meu filho é a luz da minha vida”), ou pelo uso de expressões
figuradas criativas, como vimos acima no caso da transferência do domínio do
rock para o da gastronomia. No entanto, esse processo figurativo traz à tona
a imbricada rede envolvida na produção de sentidos, rede essa cuja natureza
é multiforme e não pertence a instâncias isoladas. O lócus da metáfora não é
apenas a linguagem ou o pensamento. Se pensarmos o discurso como o espaço
onde os sentidos se produzem, reverberando o que já foi sócio e linguistica-
mente reiterado, e, ao mesmo tempo, revertendo, estendendo ou até mesmo
desconstruindo essas reiterações, num jogo articulatório entre a cognição, a
língua e o uso, podemos tratar a metáfora como um fenômeno que evidencia
essa complexa teia que forma e é formada por novos (mas nunca totalmente
inéditos) e velhos (mas sempre muito vivos) sentidos.
E é nessa direção, nada fácil do ponto de vista analítico, devido à com-
plexidade do acontecimento discursivo, que muitos dos estudos da metáfora
caminham. O desafio dessa jornada é articular sem perder o objeto de vista,
pois o perigo das articulações, sob uma perspectiva epistemológica, é justa-
mente confundir o olhar do analista da metáfora com o olhar do sujeito usuá-
rio de metáforas (que estará, inevitavelmente, sempre presente).
Os estudos da metáfora, durante toda sua trajetória, contribuíram com
conceituações importantes, que podem ser relativizadas, questionadas, mas
nunca ignoradas nas pesquisas atuais. Recuperar a voz de Aristóteles, por
exemplo, não é retroceder no tempo e nos avanços analíticos; voltar-se para o
discurso não é esquecer os ganhos da teoria cognitiva, como, da mesma forma,
abraçar a metáfora conceptual não implica rejeitar, necessariamente, a lingua-
gem como espaço fundamental para a plena realização da figuratividade.
Enfim, pensar que o caminho pode estar apenas começando, mas que já
temos na bagagem reflexões preciosas, torna o desafio ainda mais estimulante.
212 Vereza, Solange C. O lócus da metáfora: linguagem, pensamento e discurso

ABSTRACT

The aim of this paper is to describe the trajectory of


metaphor studies through a basic question, which
reflects the very conceptualization of this trope: the locus
of metaphor. As an object of investigation, metaphor,
within the “traditional view”, is restricted to the level of
language, but with the introduction of The Conceptual
Metaphor Theory, the locus of metaphor is transferred
from language to thought. We will show how recent
studies in the area direct their focus to metaphor
in discourse, promoting an articulation among the
linguistic, the cognitive and the social dimensions of
metaphor.

Keywords: metaphor, thought; discourse.

Recebido em: 31/03/2010


Aprovado em: 17/06/2010

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