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Pierre Bourdieu argumenta que o sistema escolar na verdade perpetua as desigualdades sociais ao invés de promover a mobilidade social. Ele mostra que as crianças de classes mais altas têm vantagens culturais herdadas que as beneficiam na escola, como conhecimento sobre o sistema educacional e familiaridade com a língua valorizada na escola. Além disso, as atitudes e expectativas das famílias em relação à educação também refletem suas posições sociais. Dessa forma, o sistema escolar na verdade exclui sistematicamente as cri
Descriere originală:
Resenha do texto clássico do sociólogo francês Pierre Bourdieu
Pierre Bourdieu argumenta que o sistema escolar na verdade perpetua as desigualdades sociais ao invés de promover a mobilidade social. Ele mostra que as crianças de classes mais altas têm vantagens culturais herdadas que as beneficiam na escola, como conhecimento sobre o sistema educacional e familiaridade com a língua valorizada na escola. Além disso, as atitudes e expectativas das famílias em relação à educação também refletem suas posições sociais. Dessa forma, o sistema escolar na verdade exclui sistematicamente as cri
Pierre Bourdieu argumenta que o sistema escolar na verdade perpetua as desigualdades sociais ao invés de promover a mobilidade social. Ele mostra que as crianças de classes mais altas têm vantagens culturais herdadas que as beneficiam na escola, como conhecimento sobre o sistema educacional e familiaridade com a língua valorizada na escola. Além disso, as atitudes e expectativas das famílias em relação à educação também refletem suas posições sociais. Dessa forma, o sistema escolar na verdade exclui sistematicamente as cri
Pierre Bourdieu, A escola conservadora: As desigualdades frente à escola e à cultura
Em seu artigo A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura 1, Pierre
Bourdieu se contrapõe à concepção do sistema escolar como “fator de mobilidade social” – própria do que ele denomina “ideologia da escola libertadora” – desvelando-o como eficiente mecanismo de perpetuação e legitimação das desigualdades sociais. A seleção direta e indireta operada ao longo de todo a escolaridade, afirma o autor, “pesa com rigor desigual sobre os sujeitos das diferentes classes sociais”, eliminando sistematicamente as crianças “desfavorecidas” (p. 41). No cerne desse mecanismo, está a ação pouco percebida do privilégio cultural: a herança cultural, fortemente associada à classe social da família, que é transmitida à criança, principalmente por vias indiretas, produzindo uma desigualdade permanente desde os primórdios da experiência escolar e incidindo diretamente sobre as chances de êxito. A primeira face desta herança consiste no que o autor denomina capital cultural da família, resultante de um longo (ou inexistente) processo de aculturação familiar, que pode remontar a várias gerações. Embora a renda familiar forneça um indicativo dessa riqueza, ela não é o único fator determinante e, entre famílias de escolaridade igual, a renda não exerce influência sobre sucesso escolar das crianças. Uma análise mais precisa deve, portanto, envolver fatores como a escolaridade da família restrita e extensa, incluindo os ascendentes, seu passado escolar (que instituições frequentaram), as regiões em que a família residiu e as características do grupo familiar (tamanho, composição). Ainda assim, tal análise não seria capaz de explicitar o conteúdo de uma tal herança cultural e como se dá sua transmissão. Bourdieu divide o conteúdo mais significativo do capital cultural da famílias cultas em três componentes: as informações sobre o percurso escolar, a facilidade no manejo da língua escolar e o que ele chama de “cultura livre”. Em primeiro lugar, assim, a posse de conhecimento sobre as diferentes possibilidades de prosseguimento dos estudos, até o nível superior, sobre o significado das escolhas feitas ao longo da escolaridade e sobre a formação para cada carreira profissional é determinante na vida escolar. Igualmente “rentável” nesse percurso, é a influência do meio linguístico, a familiaridade com a norma culta e a facilidade verbal promovidas nas classes em que a língua escolar é mais próxima daquela falada em casa. “A língua não é um simples instrumento”, escreve Bourdieu, “mas fornece (…) uma sintaxe, isto é, um sistema de categorias mais ou menos complexas, de maneira que a aptidão para o deciframento e a manipulação de estruturas complexas, quer lógicas quer estéticas, parece função direta da complexidade da estrutura da língua 1 BOURDIEU, P. “A escola conservadora: As desigualdades frente à escola e à cultura”. In: ___. Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 2007. Todas as citações que se seguem se referem a este texto. inicialmente falada no meio familiar” (p. 46). Em terceiro lugar, há o repertório cultural, conjunto de saberes e gostos ligados ao contato com a arte e com a ciência que inclui também um “saber- fazer” e que, difuso, não pode ser integralmente organizado e controlado pela escola. A transmissão desses conteúdos está muito mais associada à convivência familiar em geral do que à ajuda direta dos pais nas tarefas escolares ou a um esforço metódico. Eles são adquiridos, nas palavras do autor, “de maneira osmótica”, reforçando a convicção de que constituem “dons” e não conhecimentos, aptidões e atitudes aprendidos. O segundo aspecto da herança cultural iluminado por Bourdieu é o que ele chama de “ethos de classe”, o sistema de valores implícitos que orienta as atitudes dos pais e das crianças em relação à escola, à cultura escolar e ao futuro dos estudos. A posição social da família determina diretamente tais valores e atitudes, ou melhor, eles não são mais do que “a interiorização do destino objetivamente determinado” de uma classe social, condensado, por exemplo, em afirmações como “isso não é para nós” (p. 47). As oportunidades enxergadas pelos pais e pela criança, o futuro que imaginam, os objetivos que estabelecem na vida escolar resultam da intuição de suas probabilidades reais de sucesso, determinadas por sua posição social, seu capital cultural. Suas atitudes e condutas em relação à escola e na escola refletem, pois, a probabilidade objetiva que têm de ascensão social – ou, talvez, ao menos de manutenção da posição social – por meio da escola, interiorizada em esperanças subjetivas produzidas pela experiência de sucessos e derrotas naquele meio social. A combinação do capital cultural e do ethos promove uma eliminação desigual dos estudantes de diferentes origens sociais no sistema escolar que se revela, por exemplo, no mecanismo de “superseleção”. Crianças de classe média ou baixa tem menor probabilidade de sucesso escolar; contudo, é justamente delas que se exige mais esforço e resultados excepcionais para que prossigam os estudos. Um estudante pobre, para quem certos percursos escolares já estão praticamente interditados, precisa se destacar muito mais para que sua família e seus professores pensem na possibilidade de que ele curse o ensino secundário, ou o ensino superior etc. – e tal equação paradoxal e excludente se aprofunda a cada grau da escolaridade. Por conseguinte, o crescimento do número de estudantes secundaristas não significa que aos novos estudantes estão se abrindo as mesmas possibilidades de futuro abertas para as famílias de alta renda. A igualdade formal pressuposta pelo sistema escolar é essencial a sua função de perpetuação e legitimação da desigualdade social por meio do privilégio cultural. A “igualdade de direitos e deveres” de todos os alunos diante da escola ignora as desigualdades iniciais diante da cultura da qual a escola é guardiã. Trata-se de uma ignorância funcional: a neutralidade do sistema escolar, que avalia e sanciona a todos de forma igual, oculta a exigência de uma acumulação cultural prévio e de um conjunto de valores próprios das famílias cultas. Nos critérios – conscientes ou não – que determinam as sanções da instituição escolar, estão implícitas atitudes, condutas, repertório, gostos que pertencem a uma classe social, apesar de ali serem tomados como naturais. Tal é a exigência implícita presente nos professores que agem como se houvesse entre eles e os alunos uma “comunidade linguística e de cultura, uma cumplicidade prévia de valores” (p. 55) que não são comuns a todos – sob o manto da igualdade, forja-se uma comunidade excludente, e os professores podem se poupar de um cuidado com sua linguagem e com a compreensão dos estudantes. A escola, afirma Bourdieu, se recusa a “transmitir a todos os conhecimentos que exige de todos” (p. 53) e reproduz, assim, uma cultura aristocrática. Quando recebe um número cada vez maior de crianças de classes menos favorecidas, o sistema escolar entra em crise – sua solução será segregar os alunos em diferentes instituições, da mais popular à mais elitista. A escola pode, assim, defender uma democratização formal da cultura, enquanto na realidade esta permanece reservada à classe a que pertence. Uma democratização real do ensino é impensável, portanto, nas palavras de Bourdieu, sem “um empreendimento sistemático e generalizado de aculturação” (p. 58).