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SESSÃO DE COMUNICAÇÕES
jurídico”.
Agosto de 2009
Paternalismo, intervencionismo e a função moral do ordenamento jurídico
termo “paternalismo” em si deve estar isento de valoração moral, ou seja, deve ser
neutro e não indicar uma ação essencialmente ilegítima. Somente a partir dessa
jurídicas. Nem todo exercício de paternalismo pelo Estado é jurídico, mas somente
aqueles que utilizam como meio direto de ação as normas jurídicas. Assim, quando o
semelhantemente não-jurídico.3
está apenas ligado à prevenção de danos, mas possui notável função moralizante à
1
Derecho, Ética y Política, Madrid, Centro de Estúdios Constitucionales, 1993, pp. 361- 362
2
M. A. GARCÍA, El concepto y la justificación del paternalismo, Tese (Doutorado) – Facultad de
Derecho de la Universidad de Alicante, 2005, p. 444
3
M. A. GARCÍA, Op. cit. (nota 2 supra), p. 458
4
E. GARZÓN VALDÉS, Op. cit. (nota 1 supra), p. 363
“derecho-deber”. Lo mismo ocurre con el derecho a la vida, que siempre que
se entiende como paternalista es concebido como “derecho-deber”.5
Existem diversos argumentos contra o paternalismo jurídico, entre os quais E.
portanto, podem ser mal aplicadas aos casos concretos; a humanidade sai ganhando se
pode ser derrubada pelo exemplo dos camponeses livres, na Alta Idade Média, que
vezes o indivíduo acredita que está fazendo o melhor para si, quando na verdade não
está. Outra objeção a esse argumento se dá pelo fato de que em alguns casos, “[...] el o
los sujetos sometidos a la acción paternalista parecen presentar algún tipo de déficit,
debilidad o incompetencia que justificaría una excepción al principio del daño a terceros
A última premissa das enumeradas acima soa estranha, pois é difícil imaginar
estar geral, que não pode existir nesse caso, já que alguns podem escolher viver mal.
exercício da capacidade de escolha ou, para além disso, como capacidade de escolha em
conformidade com a lei moral, o que conduziria, nesse último caso, ao paternalismo
justificável desde que a escolha do indivíduo fosse imoral. Sendo assim, seria
5
Op. cit. (nota 2 supra), p. 454
6
E. GARZÓN VALDÉS, Op. cit. (nota 1 supra), p. 365
necessário um estudo aprofundado sobre o conteúdo da moral a fim de se apontar quais
um terceiro que lhe infrinja um dano em virtude de um bem maior, ou seja, quando há o
intervenção, não se trata mais de um ato de paternalismo, que, em sua essência, exige
alteridade. A aceitação pressupõe que houve persuasão racional, que não pode conferir
supuesto, suceder que una vez pasado un tiempo después de aplicada la medida
paternalista quién fue objeto de la misma reconozca que ella fue acertada”.10
7
E. GARZÓN VALDÉS, Op. cit. (nota 1 supra), p. 367
8
E. GARZÓN VALDÉS, Op. cit. (nota 1 supra), p. 369
9
M. A. GARCÍA, Op. cit. (nota 2 supra), p. 452
10
Op. cit. (nota 1 supra), p. 370
instrumento de justificação também da imoralidade. Além disso, esse consentimento
não é fático, mas apenas hipotético baseado na suposição de que toda pessoa racional
partir do momento em que são representantes que exercem essa autonomia, não se pode
indivíduo ignora dados relevantes da situação em que se encontra; quando sua força de
vontade está tão comprometida que impede a tomada de decisões; quando suas
faculdades mentais estão reduzidas; quando atua sob compulsão; quando apresenta
11
Op. cit. (nota 2 supra), p. 456
12
Op. cit. (nota 1 supra), pp. 371-372
informados de sus miembros, Por ello, el paternalismo justificable no tiene
nada que ver com um Estado platônico governado por filósofos.13
Através da enumeração das situações nas quais há incompetência básica pode-se
incapaz. Contudo, o que se observa é que visa, justamente, eliminar essas disparidades.
Nesse sentido, é importante que aquele que aplica a medida paternalista deve assim
fazer não apenas por ser ou estar em estado superior àquele de quem sofre a
intervenção, mas visando ao interesse desse indivíduo, propriamente. Sendo assim, o ato
que motivam a ação do governante muitas vezes não se referem estritamente à intenção
morais para atingir outros objetivos não explícitos. É o caso que M. A. GARCÍA
problemas do “multiculturalismo”, que pode ser levantado como tema que impede a
legitimação das medidas paternalistas, visto que o paternalismo pode ser justificável
[...] uma ordem jurídica positiva pode muito bem corresponder – no seu
conjunto – às concepções morais de um determinado grupo, especialmente
13
Op. cit. (nota 1 supra), p. 372
14
E. GARZÓN VALDÉS, Op. cit. (nota 1 supra), pp. 373-374
15
E. GARZÓN VALDÉS, Op. cit. (nota 1 supra), p. 377
16
Op. cit. (nota 2 supra), p. 449
do grupo ou camada dominante da população que lhe está submetida – e,
efetivamente, verifica-se em regra essa correspondência – e contrariar ao
mesmo tempo as concepções morais de um outro grupo ou camada de
população.17
De forma análoga à questão do paternalismo jurídico, a busca pela justificação
morais.
Estado, e ao seu direito de regrar seus assuntos internos, por parte de outro. Através da
comparação com o paternalismo tem-se o princípio da não intervenção: “[...] así como
todo individuo tiene derecho a eligir los planes de vida que juzgue más convenientes,
así también todo Estado tiene derecho a darse la estructura política interna que
considere adecuada”.18
não são capazes de controlar os efeitos que as variáveis econômicas externas produzem
conceito que vem sendo questionado por diversos autores, seja por sua inexistência
quando um ou mais Estados deixam de transacionar com outro a fim de que esse, ao ser
17
H. KELSEN, Teoria Pura do Direito, trad. port. de J. B, Machado, 7ªed., São Paulo, Martins Fontes,
2006, p. 77
18
E. GARZÓN VALDÉS, Op. cit. (nota 1 supra), p. 380
19
Globalização, Regionalização e Soberania, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2004, pp. 255-258
atingido por isso, mude sua estrutura interna em relação a determinado assunto. Sendo
assim, conclui-se que a intervenção não se dá necessariamente por uma ação, mas por
qualquer ingerência coativa em algum Estado soberano.20 É na forma coativa que o ato
Foi adotado o princípio da não intervenção na maior parte, para não cair na
respeito à soberania dos Estados não se refere apenas à não intervenção de forças
por parte de outro Estado pode se apresentar como uma obrigação moral positiva.
fronteiras entre os Estados para que uns possam auxiliar os outros a deixarem situações
20
Op. cit. (nota 1 supra), p. 384
21
E. GARZÓN VALDÉS, Op. cit. (nota 1 supra), p. 381
22
E. GARZÓN VALDÉS, Op. cit. (nota 1 supra), p. 382
23
E. GARZÓN VALDÉS, Op. cit. (nota 1 supra), p. 382
sim para assegurá-la. Torna-se difícil, então, encontrar critérios que identifiquem quais a
intervenções justificáveis para que não se ponha em risco a soberania dos Estados no
Ainda sob a analogia entre o indivíduo e o Estado, assim como a moral, mesmo
que não seja única, apresenta um mínimo comum entre as pessoas que convivem numa
regras morais que impeçam, por um lado, a ingerência por parte de outro Estado e, por
Así como los Estados regulan las relaciones entre los ciudadanos a fin de
asegurarles alguna esfera de autonomía, así también los Estados entre sí
tienen que establecer reglas de convivencia que garanticen su autonomía y
libertad frente a posibles intervenciones.24
Em contraposição, C.R.Beitz coloca-se avesso à analogia entre pessoa e Estado,
pois o sujeito de direitos no plano internacional não é o Estado, mas sim os cidadãos
submetidos a suas instituições. Sendo assim, os únicos direitos que devem ser
autodeterminação do Estado.25
autodeterminação, como justificativa para a não intervenção. Defendem que, por ser
uma livre associação de pessoas, nenhum Estado pode interferir na liberdade individual
sobre legitimidade do Estado, verifica-se que não se pode conferir legitimidade somente
pelo fato dos cidadãos concordarem com os atos praticados em determinado Estado; se
impor quanto para prestar auxílio a um povo rebelado contra seu governo,
segundo caso, Mill defende que um povo só deve conseguir sua liberdade se conquista-
la por si mesmo, pois esse é o único modo de provar que realmente a merece. Isso
porque se um povo não conquista sua própria liberdade, está provada sua debilidade e,
com isso, não há como se garantir que sua rebeldia seja justificada.28
Por outro lado, a não intervenção, ou seja, a omissão, pode muitas vezes
podem ocorrer casos em que a intervenção seja necessária como uma obrigação moral
26
E. GARZÓN VALDÉS, Op. cit. (nota 1 supra), p. 387
27
E. GARZÓN VALDÉS, Op. cit. (nota 1 supra), p. 388
28
E. GARZÓN VALDÉS, Op. cit. (nota 1 supra), p. 389
positiva. Nesse caso, há o conflito entre dois princípios morais e sua solução deve se dar
pois reflete como a moral exerce grande influência na tomada de decisões estatais.
antropofagia, entram em questão o valor da vida, a regra técnica dele decorrente de que
desse embate tem-se que diferentes decisões podem ser tomadas, na impossibilidade de
se definir a priori uma única solução evidentemente correta. Assim, constata-se que a
deixada pela norma, ou seja, abre espaço para que o juiz aplique o conjunto de valores
mas não se busca o bem desses indivíduos destinatários do paternalismo jurídico (ainda
“hipermoralização” do Direito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PERELMAN, Chaïm, Ética e Direito, trad. port. de M. E. A. Prado Galvão, 2ªed., São
Constitucionales, 1993.
KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, trad. port. de J. B. Machado 7ªed., São Paulo,