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O Sentido Hegemônico das Políticas Culturais Identitárias na Amazônia

Contemporânea

Fabrício Santos de Mattos1


Ana Paula Nazaré de Freitas2

1- Cultura e Comunicação

A cultura tem sido percebida como um campo estratégico de relações de poder, e


é nesse âmbito que se situam as principais disputas discursivas contemporâneas. Essas
disputas são permeadas pelas crescentes intervenções dos poderes públicos e pelas
novas dinâmicas comunicacionais, que proporcionam uma maior fluidez nas trocas
simbólicas e contribuem significativamente para a produção, recriação e disseminação
de declarações identitárias, promovendo também um jogo de ocultamento e
aparecimento de minorias e lutas sociais concretas as mais diversas.
Para se pensar a sociedade contemporânea é imprescindível falar do papel que a
comunicação exerce, tanto nas dinâmicas de sociabilidade, quanto na legitimação de
discursos, na circulação de bens simbólicos como nas modificações de vivência do
espaço-tempo. Todas essas novas formas de sociabilidade e do viver contemporâneo
constituem o que RUBIM chama de “Idade Mídia”, ou seja, uma “sociedade
estruturada e ambientada pela comunicação” (RUBIM, 2000, p. 26).
Os media são capazes de alcançar amplas faixas da população, publicizar e gerar
sentidos, além de sua capacidade de persuasão e mobilização, RUBIM (2000) enumera
algumas das características da mídia na sociedade contemporânea:

“3- (...) como modo (crescente e até majoritário) de experienciar e conhecer


a vida, a realidade e o mundo (...) 4 – Presença e abrangência das culturas
midiáticas como circuito cultural, que organiza e difunde socialmente
comportamentos, percepções, sentimentos, ideários, valores, etc.
Dominância e sobrepujamento da cultura midiatizada sobre os outros
circuitos culturais existentes (...) 6 – prevalecência das mídias como esfera

1
Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Pará
(UFPA), mestrando do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Sociedade da Universidade
Estadual do Ceará (UECE), membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas Públicas de Cultura da
UECE. E-mail: fsdemattos@gmail.com
2
Graduada em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda pela Universidade
Federal do Pará (UFPA), especialista em Design de Embalagem pela Universidade Tecnológica do
Paraná (UTFPR), mestranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Sociedade da
Universidade Estadual do Ceará (UECE), e membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas
Públicas de Cultura e de Comunicação da Universidade Estadual do Ceará da UECE. E-mail:
anapaula.freitas@gmail.com
2

de publicização (hegemônica) na sociabilidade (...) dentre os diferenciados


‘espaços públicos’ socialmente existentes, articulados e concorrentes.”
(RUBIM, 2000. P.30)
Sendo assim, não se podem pensar as dinâmicas culturais contemporâneas, sem
pensar o campo midiático, e este não apenas como campo mediador, mas também como
campo estruturante das relações sociais, entendendo a comunicação como dimensão
constitutiva das culturas. Sob esta perspectiva, aqui se pretende observar o papel da
propaganda institucional3 do governo do Estado do Pará entre os anos de 1994 a 2006,
que atuaram como um mecanismo midiático difusor, gerador e legitimador de sentidos e
valores, proporcionando circularidade ao processo de formulação de uma identidade
cultural, a chamada “identidade amazônica”.

Não se trata de afirmar que a propaganda difundida foi a responsável pela


disseminação e construção do projeto da identidade amazônica, mas de observar seu
papel, como um dos vetores de afirmação, propagação, difusão e construção simbólica
das imagens e tendências culturais deste desejo identitário. Tampouco se trata de
afirmar que esta identidade foi construída por estes governos, como veremos a seguir.

2- Novas configurações identitárias e as questões amazônicas contemporâneas

A partir das novas configurações dos processos culturais da sociedade


contemporânea, com a aceleração dos processos de trocas simbólicas nas dinâmicas de
globalização, a noção de sujeito, antes percebido como unificado, desloca-se para uma
vivência mais problemática, abalando os quadros de referência que proporcionavam ao
indivíduo uma ‘ancoragem estável’ no mundo social, fragmentando este indivíduo e
fazendo surgir novas identidades e novas disputas sociais.
Estas identidades culturais ocupam uma posição estratégica no debate político e
cultural da sociedade contemporânea. As lutas identitárias reivindicam posições de
sujeito as mais variadas, podendo um mesmo indivíduo ocupar diferentes posições de
acordo com o contexto e as reivindicações empreendidas por este. Percebe-se, portanto,
a identidade enquanto um fenômeno processual, ou seja, um processo de negociação
permanente de sentido, um processo de caráter provisório e temporário que CASTRO
(2005) prefere denominar de identificações culturais.

3
Como propaganda institucional, leva-se em consideração não apenas os anúncios impressos, televisionados ou
radiofônicos do governo, como também todo e qualquer documento e mensagem institucional pública veiculada ou
publicizada, assim como os elementos da comunicação visual do governo do Estado. Neste artigo, a análise se deterá
sobre mensagens da comunicação institucional do governo.

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3

Na Amazônia brasileira contemporânea, CASTRO (2005) percebe a existência de


um desejo de uma “identidade amazônica”, e o identifica como um fenômeno social
relativamente novo no quadro social local, afirmando que esses processos não são
sempre conscientes, sendo a construção desse referencial identitário fruto da intuição de
indivíduos que não necessariamente interagem entre si, nem constituem um movimento
cultural organizado na região. pode-se dizer que o espaço simbólico/discursivo é
permeado por um fenômeno social que conflui a ação da mídia (local e, recentemente,
nacional) e as formulações e execuções de políticas públicas4, num movimento retro-
alimentado de formulação identitária. Constituído desde as últimas décadas do século
XX, esse fenômeno social é o que Castro (2005) denomina de “Moderna Tradição
Amazônica”:
“A moderna tradição amazônica, compreendida como um fenômeno de
vitalismo social e como um tecido intersubjetivo de negociação de sentidos,
surge nesse cenário, enquanto processo intelectual de referenciação de uma
‘identidade’ amazônica. Essa moderna tradição amazônica constitui uma
representação social coerente e disseminada, hoje, pelo espaço amazônico.
Ela manifesta-se, centralmente no campo artístico-intelectual da cidade,
constituindo uma representação reificada de o que seria uma “identidade”
amazônica. No entanto, pode-se ver como, progressivamente, ela vai
ganhando espaço na mídia, sendo também incorporada pelo discurso político
e, dessa maneira, vai se tornando assimilável, por uma vasta parcela do
conjunto social”. (CASTRO, 2005, p. 7)

CASTRO (2005), através da observação de produções culturais (livros, discos,


jornais, revistas) desenvolvidas e consumidas, principalmente na cidade de Belém,
desde as últimas décadas do século XX até os dias atuais, identifica este processo como:
“uma preocupação social partilhada em demarcar o espaço de o que seria
uma ‘cultura’ amazônica. Essa preocupação constitui códigos de
significação, formas de controle do discurso, comportamentos e hábitos de
consumo cultural” (Ibidem, p.1).
Aqui se demonstra como a cultura contemporânea, perpassada pela comunicação
de massa, também pode ajudar a criar e perpetuar significados, devido à potencialização
de sua característica de circularidade social. A comunicação, principalmente a
midiática, tem importante papel de mediadora nestas novas formas de sociabilidade
características da sociedade contemporânea, especificamente a publicidade e a

4
Principalmente no âmbito da cultura, da comunicação e do turismo, como áreas historicamente privilegiadas para a
propagação desta “identidade amazônica”.

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propaganda que atuam como uma das protagonistas das dinâmicas de reprodução do
capitalismo, em tempos de criação de mitos no mercado através de seus poderes de
criação e agregação de valores.
A “identidade” amazônica, conhecida pelos termos de exaltação de um modo de
ser “amazônida”, foi muito estimulada através de políticas de cultura e de comunicação,
pela intervenção da mídia local, e pelos integrantes da intelligentzia5 amazônica. Esse
estímulo pode ser identificado como um processo de criação de consenso e hegemonia,
em que as elites locais, nacionais e internacionais reafirmavam os significados
simbólicos pertinentes a essa “identidade”, como dinâmica de manutenção de poder.
Esse jogo ritualístico movimenta aparatos culturais diversificados e constroem a noção
de Modernidade na Amazônia contemporânea. Tais dinâmicas são recorrentes em
muitos países da América Latina, segundo CANCLINI(2008):
“Entender as relações indispensáveis da modernidade com o passado requer
examinar as operações de ritualização cultural. Para que as tradições sirvam
hoje de legitimação para aqueles que as construíram ou se apropriaram delas,
é necessário colocá-las em cena. O patrimônio existe como força política na
medida em que é teatralizado: em comemorações, monumentos e museus.
Na nossa América, onde o analfabetismo começou a ser minoritário a poucos
anos e não em todos os países, não é estranho que a cultura tenha sido
predominantemente visual. Ser culto, então, é apreender um conjuunto de
conhecimentos, em grande medida icônicos, sobre a própria história, e
também participar dos palcos em que os grupos hegemônicos fazem com que
a sociedade apresente para si mesma o espetáculo de sua origem”
(CANCLINI, 2008, p. 161-162)
A proposta de coerência identitária chamada de “Moderna Tradição Amazônica”
acarretou historicamente em graves conseqüências para as disputas político-culturais na
região Amazônica, podendo-se afirmar que essa dinâmica social gerou um
distanciamento, silenciamento e ocultamento6, dos vários processos de reivindicações
identitárias que se insurgiram recentemente na Amazônia e não se reconhecem, assim
como não estão reconhecidos nessa “identidade”. CASTRO (2006) cita algumas dessas
minorias que não faziam parte da coerência identitária (e do mito de Amazônia)
proposta pelos poderes instituídos nessa sociedade. A tais identidades silenciadas por
este discurso essencialista de Amazônia ela dá o nome de “identidades emergentes”:

5
Segundo MANNHEIM (1999), a intelligentzia é “um grupo social cuja tarefa específica consiste em dotar uma dada
sociedade de uma interpretação de mundo” (MANNHEIM, 1999, pg. 19, apud CASTRO, 2006, pg. 7)
6
Principalmente por parte da mídia e dos poderes públicos atrelados às elites históricas locais e ao capital
internacional, que percebe a região como grande fonte de recursos minerais e biológicos.

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“‘Novos índios’, remanescentes de quilombos, coletores dispersos na


floresta, movimentos sociais e culturais organizados nas grandes cidades da
região seriam índices de um amplo processo de reorganização das
referências e das perspectivas identitárias” (CASTRO 2006, p.1).
Sendo assim, todo processo de identidade se conforma como um fenômeno
político, nas palavras de CASTRO: “Não há identidade que se afirme não-
politicamente, porque a necessidade de enunciar o próprio, de afirmar o próprio, se dá
como uma necessidade política de dizer, por meio dessa assertiva, o não-outro.”
(CASTRO, 2006, p.6).
Ora, se a cultura é compreendida contemporaneamente como uma arena de
disputa entre as práticas sociais hegemônicas e contra-hegemônicas, cabe aqui
relembrar a questão de SANTOS (1993) a respeito do caráter de político das
declarações identitárias “quem pergunta por sua identidade questiona (...) valores
hegemônicos. (...) é crucial conhecer quem pergunta pela identidade, em que condições,
contra quem, com que propósitos e com que resultados”. (SANTOS 1993, apud
CASTRO 2006, p.9)
Estrategicamente, esta proposta de coerência identitária amazônica significou uma
histórica negligência em relação à cultura como forma de visibilidade social e afirmação
da diferença. Segundo CASTRO (2006)
“Intelectuais, artistas e tecidos mediáticos amazônicos parecem ignorar os
processos em curso de reelaboração, de reogranização, das identidades
locais. Conclui-se que as dinâmicas que movem os processos sociais em
questão não compõem com os interesses tradicionais das elites intelectuais
locais, as quais, aparentemente, reproduzem os mecanismos de representação
e de simbolização presentes no influxo colonizador, principal organizador da
ocupação da região pelo europeus e brasileiro” (CASTRO, 2006, p.7)
Trata-se aqui da negação da experiência social amazônica, de uma cultura
demarcada pela exclusão e pela violência (simbólica e social), ou seja, pelo padrão de
poder fundado na experiência colonial.

3 – Relações entre Estado e mídia

Diante da fragmentação social do mundo contemporâneo, é notório o surgimento


de grupos que reivindicam os mais diversos interesses, gerando novos conflitos sociais
que não se restringem apenas ao âmbito econômico-político, mas também, conformam-
se como conflitos de gêneros, étnicos, culturais e geográficos. Portanto, a cultura

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contemporânea além de ser marcada pelas dinâmicas midiáticas, o é também pelo


aparecimento das chamadas minorias. BARBALHO demonstra esse movimento:
“A partir dos anos 50, e de modo crescente, novos movimentos sociais
ocupam espaços importantes e colocam outras questões, ao lado das
reivindicações político-econômicas. São as minorias. (sexuais, religiosas,
étnicas etc.) que implodem o cenário social com suas bandeiras político-
culturais, exigindo do Estado não só o seguro-desemprego, assistência social
e serviços públicos, mas também o reconhecimento de suas diferenças de
suas singularidades, de suas identidades. Essas políticas da diferença exigem
novas políticas de cultura e põem em xeque o funcionamento dos Estados,
seja qual for sua orientação política.” (BARBALHO, 2005, p. 30).
Diante disso, o Estado sofre uma crise na sua relação com a sociedade civil, pois
suas instituições intermediárias clássicas (partidos e sindicatos) não conseguem abarcar
todas as formas de luta presentes no entorno social. Dessa forma, os media surgem
como uma possibilidade para recompor o “mito da totalidade”. Segundo BARBALHO
“Só elegendo os media como espaço de atuação e representação política e
transformados em imagens, os discursos da micropolítica podem ser consumidos”
(BARBALHO, 2006. p.182).
Diante do poder e da inserção na vida social que caracterizam os media estes
passam a ser amplamente utilizados pelos aparatos estatais. O Estado passa a utilizar
estratégias da esfera da publicidade e propaganda para a geração de sentidos e
conseqüentemente para a consolidação e legitimação de seu poder. Vivemos a era do
Estado espetacularizado, como define DEBORD (1997, p. 14-15) “uma relação social
entre pessoas, mediada por imagens”.
Nesse contexto é importante também frisar o papel central das políticas culturais,
no âmbito das definições identitárias. As políticas culturais podem ser definidas como
áreas estratégicas que envolvem
“o confronto de idéias, lutas institucionais e relações de poder na produção e
circulação de significados simbólicos”. [Sendo essas políticas] “criativas e
propositivas, ao produzirem discursos, e detentoras de poder simbólico
atuante no campo cultural” (MCGUIGAN 1996 apud BARBALHO, 2007, p.
39).
Na realidade da fragmentação do social, a política cultural tem um papel de
centralidade diante da sua importância na circulação simbólica, na legitimação e
silenciamento de discursos e também na elaboração, recriação e disseminação de
identidades, segundo BARBALHO:

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“O Estado procura unificar em torno de determinada construção do que


significa “Nação” os diversos segmentos que vivem em seu território. Para
atingir este objetivo, elabora políticas culturais universalizantes que
valorizam e procuram imprimir em todos os habitantes aqueles referenciais
simbólicos e materiais escolhidos por serem os mais adequados ao projeto
político hegemônico”. (BARBALHO, 2001.p.1)
Assim como o autor fala de nação, pode-se também falar de região, o que se
aplica ao contexto desde artigo, relacionado à região amazônica. Sobre o conceito de
região, BOURDIEU (2002)destaca que:
“A etimologia da palavra região (regio), tal como a descreve Emile
Benveniste, conduz ao princípio da di-visão, ato mágico, quer dizer,
propriamente social, de diacrisis que introduz por decreto uma
descontinuidade decisória na continuidade natural (não só entre as regiões do
espaço, mas também entre as idades, os sexos, etc.) Regere fines, o ato que
consiste em <<traçar as fronteiras em linhas retas>>, em separar <<o interior
do exterior, o reino do sagrado do reino do profano, o território nacional do
território estrangeiro>>, é um ato religioso realizado pela personagem
investida da mais alta autoridade, o rex, encarregado de regere sacra, de
fixar as regras que trazem à existência aquilo por elas prescrito, de falar com
autoridade, de pré-dizer no sentido de chamar ao ser, por um dizer
executório, o que se diz, de fazer sobrevir o porvir enunciado. A regio e as
suas fronteiras (fines) não passam do vestígio apagado do ato de autoridade
que consiste em circunscrever a região, o território (que também se diz
fines), em impor a definição (outro sentido de finis) legítima, conhecida e
reconhecida, das fronteiras e do território, em suma, o princípio de di-visão
legítima do mundo social” (BOURDIEU, 2002: 113,114).
No Estado do Pará, situado na Amazônia brasileira, as políticas culturais,
notadamente as executadas nos três governos de estado capitaneado pelo Partido da
Social Democracia Brasileira (PSDB) de 1994 a 2006, foram estratégicas na formulação
de um desejo de pertencimento, um desejo identitário forjado e disseminado pelos
aparatos midiáticos, principalmente através da propaganda institucional, já que esta é
uma “forma de continuação da campanha eleitoral” (CARVALHO, 2001, p. 5).
A comunicação institucional, no âmbito Estatal, tem o objetivo de publicizar as
ações, eventos e empreendimentos de um governo, além de criar uma imagem
institucional consoante com suas proposições ideológicas. Neste sentido, a propaganda
atua de forma marcante. Geralmente veiculada nos meios de massa, ela tem funções de

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prestadora de contas do governo para a população. A propaganda governamental é uma


das formas mais diretas de se obter informações sobre o Estado, diante de um anúncio
de tv ou jornal, sabe-se das ações empreendidas pelo governo em praticamente toda
extensão do estado.
Segundo ROCHA (1985, p.26), “a publicidade retrata através dos símbolos que
manipula, uma série de representações sociais sacralizando momentos do cotidiano”.
Complementando este pensamento, JACKS pergunta:
“se estas ‘representações’ conferem significados culturais à publicidade, do
mesmo modo que aos outros produtos da indústria cultural e, se estes valores
foram consagrados pela aceitação pública, por que a publicidade não poderia
desempenhar um papel importante na manipulação de símbolos que vão ao
encontro da afirmação de uma identidade cultural?” ( JACKS, 2000, p. 85)
No caso do Estado do Pará, a propaganda governamental se propôs a ser uma
vitrine das manifestações culturais do Estado, anunciadora das ditas “tradições” (em
algumas campanhas, por exemplo, anunciou recorrentemente o que é “o Pará” e quem é
“o paraense”). Pode-se perceber, nessas campanhas, o protagonismo das imagens
midiatizadas de uma “cultura amazônica”, como representações visuais de importância
vital para a construção dos sentidos e processos simbólicos que fundamentam e/ou
legitimam um desejo identitário essencialista, coeso e hegemônico.
Tais estratégias de comunicação institucional, não se restringiam apenas a peças
midiáticas, mas também abrangeram eventos culturais, influenciado em pautas e
agendas culturais do governo, ou seja, faziam parte das dinâmicas de construção
simbólica da identidade proposta pelas políticas culturais deste governo. Em uma de
suas propagandas oficiais7, o governo faz um relatório de sua gestão e também
estabelece diretrizes para os anos subseqüentes, nestes documentos percebe-se
claramente a intenção declarada do governo do estado em fazer um resgate cultural do
“paraensismo”:
“Um dos mais desafiantes compromissos da gestão Almir Gabriel foi, sem
dúvida, o de revitalizar a cultura do Estado de um patamar sacrificado pelo
alheamento da sociedade paraense em relação á memória de sua própria
história e ao respeito nos valores e manifestações que fazem sua
identidade.(...) A tarefa, portanto, consistia, antes de mais nada, em reatar
essa sintonia, tendo como chave de sua condução uma política que (...)
construísse um suporte capaz de fazer manifestar, em toda sua verdadeira

7
Mensagem à Assembléia Legislativa. Trata-se de um documento em que o governo publica seu relatório de
atividades referentes ao ano de governo, publicizando suas diretrizes e prestando contas aos vereadores.

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amplitude, o singular potencial da cultura do Pará, motivando a sociedade a


se reconhecer, com orgulho, na sua identidade cultural(...)” (Pará.
Governador 1995-1998: Almir Gabriel, p. 95)
Essa diretriz, continuou sendo seguida, mesmo com a troca do governador (porém
do mesmo partido, o PSDB), como pode-se verificar na mensagem do governador
referente ao ano de 2003, em tópico intitulado “O paraensismo”:
“Em nenhum outro setor da vida cotidiana paraense a diversidade de
elementos é tão marcante quanto no cultural. As influencias indígenas,
européias e africanas formam a pluralidade do paraensismo, característica
humana sócio-cultural que o Governo Almir Gabriel procurou resgatar desde
1995, deslanchando em todo o Estado um processo contínuo da afirmação da
auto-estima paraense e das potencialidades regionais, que haviam se perdido
ao longo da história.” (Pará. Governador 2003: Simão Jatene, p. 99, 2003)
Esta intenção declarada do resgate de uma identidade essencialista que havia sido
“esquecida” por governo anteriores, conforma um movimento que atinge várias
camadas da sociedade. Tal identidade não foi forjada por um único governo e tampouco
foi elaborada apenas pelos aparatos midiáticos. Esta identidade conforma-se como uma
construção social específica dentro das políticas culturais, e é resultante de um processo
histórico anterior e dinâmico na qual a propaganda e a publicidade governamental
atuaram como um dos vários protagonistas, alimentando os contextos sociais com
valores, imagens e percepções, ao mesmo tempo retroalimentando-se destes mesmos
contextos. Sobre esse processo, CANCLINI (1997) afirma:
“Percebo um jogo de ecos. A publicidade comercial e os lemas políticos que
vemos (...) são os que reencontramos na rua, e vice-versa: umas ressoam nas
outras. A esse circularidade do comunicacional e do urbano subordinam-se
os testemunhos da história, o sentido público construído em experiências de
longa duração” (CANCLINI, 2008, p. 290)
Neste contexto é importante considerar o que BOURDIEU (1996 apud
BARBALHO, 2004, p.159) afirma em relação ao Estado. Segundo o autor, o Estado “é
detentor de um metacapital que reúne capitais simbólico, social, econômico, político e
cultural”. Portanto, ao se analisar as políticas de comunicação e cultura engendradas
pelos governos, estaremos lidando com “discursos altamente legitimados e de grande
força legitimadora na definição identitária” ( BARBALHO, 2004, p.159).
A Moderna Tradição Amazônica, é necessário reafirmar, propõe uma coerência
cultural identitária que pretende unificar as diversidades e diferenças existentes na
região, criando uma dinâmica de silenciamento e ocultamento de conflitos existentes e

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das lutas sócio-culturais envolvidas num recente processo de reorganização identitária


na Amazônia.

4 – Relações entre Cultura e poder

Fica claro, portanto, que as relações entre cultura e poder estão presentes em toda
elaboração de identidade. A criação de uma idéia de “região” corresponde a uma
intenção de manutenção da ordem colonial histórica da Amazônia brasileira que, ao
contrário do que apresentava (ou apresenta) o senso comum, não se constitui como
região geográfica e socialmente coerente. No caso da Amazônia, paradoxalmente, essas
identidades silenciadas são exatamente aquelas reivindicadas pelas elites como
“tradicionais” e que servem de referência à formulação da “identidade amazônica”. Nas
palavras de CASTRO (2006)
“E quem, então, não se reconhece como ‘amazônida’, dentro da Amazônia?
Diríamos que o conjunto de populações ditas ‘tradicionais’. Justamente
aqueles que servem de referencia à fabulação da coerência intelectual e
identitária desejada” (CASTRO, 2006, p.7)
As relações de poder entre cultura e política aparecem nas formas de apropriação,
disseminação e oficialização desse discurso identitário, sendo nesse processo
fundamental o papel que o Estado e (principalmente) os governos exercem.
Os governos referidos (entre 1994 e 2006) se apropriaram dos significados
simbólicos da Moderna Tradição Amazônica por um longo período, proporcionando
uma maior sedimentação social destes significados. Ou seja, presenciam-se os poderes
públicos participando ativamente, inclusive através da mídia, das dinâmicas de
construção e legitimação desta identidade amazônica. Essa relação corresponde, em
larga medida, a um exemplo paraense do que Evelina Dagnino (1994) conceitua como
autoritarismo social:
“O autoritarismo social engendra formas de sociabilidade numa cultura
autoritária de exclusão que subjaz ao conjunto das práticas sociais e reproduz
a desigualdade nas relações sociais em todos os seus níveis. Nesse sentido,
sua eliminação constitui um desafio fundamental para a efetiva
democratização da sociedade. A consideração dessa dimensão implica desde
logo uma redefinição daquilo que é normalmente visto como o terreno da
política e das relações de poder a serem transformadas. E,
fundamentalmente, significa uma ampliação e aprofundamento da concepção
de democracia, de modo a incluir o conjunto das práticas sociais e culturais,

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uma concepção de democracia que transcede o nível institucional formal e se


debruça sobre o conjunto das relações sociais permeadas pelo autoritarismo
social e não apenas pela exclusão política no sentido estrito.”(DAGNINO,
1994, p.104-105)
Partindo dessas considerações, podemos pensar nesta “identidade amazônica”
como uma mostra de como reverbera no tecido social latinoamericano esse
autoritarismo social, constituído desde a colonização e baseado na experiência da
dominação e da violência. Acrescentando a essas relações sociais, no caso da
Amazônia, uma vivência de isolamento e exclusão, também consituinte das bases das
relações de poder em sua sociedade. Observa-se que, recorrentemente, tanto nas
politicas públicas quanto na lógica mídiatica e de mercado, a região é tratada
simplesmente como objeto de lucro e interesses privados.
A importância do estudo da cultura nos dias de hoje é a de possibilitar reflexões
que possibilitem compreender a complexidade dos processos culturais e da própria
sociedade contemporânea. Isso significa entender o campo cultural como um campo
dinâmico, em suas relações com o social, o econômico e o histórico. Neste aspecto
DURHAM (1997) afirma
“toda análise de fenômenos culturais é necessariamente análise da dinâmica
cultural, isto é, do processo permanente de reorganização das representações
na prática social, representações estas que são simultaneamente condição e
produto desta prática” (DURHAN, 1977, p.34).
É necessário compreender as relações entre a cultura e o campo político, para
delimitar relevâncias e posicionamentos dos projetos de cultura em relação à sua
inserção midiática e, num sentido mais amplo, social. Ou seja, perceber como o Estado
faz uso da mídia para construir estratégias culturais, políticas culturais ou, melhor ainda,
políticas de identidade8.
Compreender estes processos em suas complexidades significa entender como as
relações de poderes (hegemônicos ou contra-hegemônicos) acontecem na esfera da
política e como essas relações não podem preceder da utilização da esfera midiática. O
desenvolvimento de políticas culturais que afirmem uma especificidade através de um
discurso de coesão social delimitador, como a política empreendida pelo governo do
estado do Pará, gera um processo de exclusão e ocultação das diferenças, segundo
Barbalho:

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BARBALHO, 2001.

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“Quando uma política pública de cultura promove o discurso identitário ela


corre um grande risco de, no fim das contas, colocar em ordem, gerenciar, o
processo de diferenciação, que é um movimento de instabilidade, de
dispersão. Ela acaba por instaurando o Idêntico lá onde pulsam as
diferenças” (BARBALHO, p. 129, 2008.)

Ao analisar as políticas culturais na região amazônica, pode-se perceber a


complexidade das relações entre Estado e cultura na contemporaneidade. Pode-se
perceber, nessas políticas, que a cultura espetaculariza-se em direção da valorização de
produtos tidos como “amazônicos” e da desvalorização dos agentes sociais que
produzem a cultura de forma vivenciada. Uma política cultural que atue a favor da
democracia cultural deve priorizar as diferenças, os conflitos, lutas e embates
simbólicos. Deve possibilitar a pluralidade e a possibilidade de surgimento de lugares
de visibilidade mais democráticos. Desses pressupostos devem partir a formação de
“novas políticas culturais da diferença” (BARBALHO, 2005). As principais
características dessas políticas culturais seriam:

“quebra da homogeneidade em benefício da multiplicidade e da


heterogeneidade e a rejeição dos valores abstratos e universais em nome do
específico, do concreto, do particular. Uma nova política cultural da
diferença que historiciza, contextualiza, multiplica, orientada por valores
contingentes, variáveis, provisórios, enfim, processuais” (BARBALHO,
2005, p. 2).

5 – Políticas culturais da diferença e processos midiáticos

Se a cultura é o âmbito por excelência das novas formas de fazer política na


sociedade contemporânea, o lugar de visibilidade dessas disputas é a mídia. Para as
minorias, o campo midiático, como campo atuante nas esferas de produção,
circularidade, consumo e distribuição de bens simbólicos e práticas culturais, pode ser a
instância primeira de visibilidade, legitimidade e credibilidade dos seus discursos. Sob
esta perspectiva, acrescenta BARBALHO:
“É a mídia que nos dias de hoje detém o maior poder de dar a voz, de fazer
existir socialmente os discursos. Então, ocupá-la torna-se tarefa primordial
da política da diferença, dando vazão à luta das minorias no que ela tem de
mais radical (no sentido de raiz): poder falar e ser ouvida (BARBALHO,
2005, p. 36)

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É uma posição contraproducente pensar a comunicação apenas como um


mecanismo de reprodução das dinâmicas de domínio, controle social, consumismo etc.
Deve-se pensar a comunicação como um campo possuidor de potencialidades e
mediador das dinâmicas de sociabilidade contemporâneas. Nesse sentido a mídia é um
espaço de politização da cultura que deve ser disputado, inclusive tornando-a objeto de
políticas publicas, e com isso fazendo a intersecção entre as políticas culturais e
políticas de comunicação. Essa perspectiva pressupõe a possibilidade de dar voz, fala,
às minorias, ou seja, a comunicação pensada a partir da perspectiva da transformação, e
não apenas da reprodução social. Segundo HOPENHAYN:
“El campo decisivo de lucha en la articulacion entre cultura y política se da
cada vez más en la industria cultural, y que dicha articulación no se decide
tanto en ‘el modo de producción’ como en las ‘condiciones de circulación’.
En otras palabras, no es tanto la producción de sentido sino en su circulación
donde se juegan proyetos de vida, autoafirmación, de identidades, estéticas y
valores. Em el campo de la circulación hoy dia se desarolla uma lucha tenaz,
molecular y reticular por apropriarse de espacios comunicativos a fin de
plantear demandas, derechos, visiones de mundo y sensibilidades. En la
circulación, mucho más que en la producción, la cultura deviene política”
(HOPENHAYN, 2001, p. 72 apud BARBALHO, 2008, p. 37)
É fundamental, portanto, construir mecanismos e/ou processos articuladores entre
a esfera pública e os esforços cotidianos (ou as lutas e políticas das minorias). É nesse
sentido que as políticas de cultura e comunicação, atuantes como formas de visibilidade
social, e através da circularidade, politizam a cultura, negando a tradição liberal e
multiculturalista, e atuando a favor do interculturalismo. Segundo BOLÁN
“En concepciones multiculturales se admite la diversidad de culturas,
subrayando su diferencia y proponiendo políticas relativistas de respecto,
que a veces refuerzan la segregación. En cambio, la interculturalidad remite
a la confrontación y el entrelazamiento, a lo que sucede cuando los grupos
entran em relaciones de intercambio. Ambos términos implican dos modos
de producción de lo social: la multiculturalidad supone la aceptación de lo
heterogéneo ; la interculturalidad implica que los diferentes son lo que son
em relaciones de negociación, conflicto y prestamos recíprocos” (BÓLAN
2006, p. 98) .
O multiculturalismo reconhece que há diversidade, mas adota uma tradição
universalista e liberal de primar pela harmonia e pela de paz, partindo de um utópico
“reconhecimento” entre as culturas. O interculturalismo, no entanto, é o território da

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diferença, é o espaço da negociação e do conflito, visto como tensão produtiva, como


conhecimento e reconhecimento do outro, interferência e tensões existenciais. É o
território da política das minorias, vistas como vetores de democracia cultural, em
contraposição à visão (talvez ainda predominante) de democratização da cultura:
“La democratización de la cultura tenía como objeto uma concepción de la
cultura muy próxima a la cultura elitista y al patrimônio, de ahí su afán de
extensión al conjunto de la sociedad. (...) La democracia cultural, em
cambio, al pensar la cultura de uma manera amplia, no veia em la difusión
de las obras artísticas su razón de ser, sine em el fomento de la creatividad y
el respecto a la común dignidad de las culturas de cada pueblo” (Ibidem, p.
86)

Para que um governo democrático estabeleça uma nova política cultural das
diferenças, os gestores de políticas culturais devem, acima de tudo, permitir-se
experimentar pensar novas formas de circularidade, reflexão, diversidade e gratuidade,
pois estes são quesitos fundamentais para quem sonha com uma política cultural que
favoreça o fortalecimento da sociedade e um estado de direito plural e democrático.

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