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Sociedade e linguagem
'Colocarei meu nome onde são escritos os nomes dos homens famosos',
vangloriou-se o rei sumério Gilgamesh, cerca de 4.000 anos atrás, assinalando um dos
principais usos da linguagem na sociedade: demarcar um lugar na sociedade. As grandes
e pequenas questões da sociedade sempre são refletidas no uso linguístico. Os antigos
egípcios já avaliavam que 'a palavra é o pai do pensamento', reconhecendo que a
linguagem é tanto a fundação quanto o material de construção da casa social. A
arquitetura final da sociedade e as subseqüentes remodelações também são medidas a
partir e por meio da linguagem.
A língua dá voz à ação humana, de maneiras complexas e sutis. Níveis de
interação social múltiplos, desde relações internacionais até relacionamentos íntimos,
nascem, são permitidos e enriquecidos por meio da língua. A língua não apenas assinala
de onde viemos, o que advogamos e a quem pertencemos, mas também opera tática e
estrategicamente para investir nossa franquia individual, étnica e de gênero; para
autorizar nossa peregrinação através da ordem social; e para mostrar aos outros o que
queremos e como pretendemos alcançar o que queremos. Por intermédio da história as
pessoas julgam umas as outras — ou seja, consciente ou inconscientemente avaliam seu
lugar na sociedade humana — baseadas somente em sua língua étnica, seu dialeto
regional, e em sua própria escolha pessoal de palavras individuais. O veredicto
linguístico vem sendo definitivo e modelador de toda a história humana.
Saussure
Ao falarmos aqui sobre língua, referimo-nos a ela como um conjunto de signos, ou seja,
como algo que substitui alguma coisa para alguém. Por exemplo, se passamos em frente a um
edifício e vemos fumaça nas janelas dos apartamentos, pensamos em um incêndio, fogo. A
fumaça é significante para a idéia de fogo. Ou ainda, se damos “bom dia” a alguém, estamos
articulando sons significativos. Este enunciado é significativo e pode desencadear um
comportamento lingüístico (um sorriso) sobre quem recebeu a saudação. Desse modo, os signos
são uma forma de apreensão da realidade, e nós, enquanto falantes, criamos conceitos para as
palavras e esses conceitos organizam a realidade. 1
Segundo Saussure, o signo linguístico é a união de um conceito (significado) com uma
imagem acústica (significante), que não é o som emitido, mas a impressão psíquica do som, ou
seja, a impressão que temos quando pensamos em uma palavra, mas não a pronunciamos.
O signo linguístico é considerado uma entidade bifacial e indiissolúvel. É bifacial
porque possui duas faces (significante e significado), como em uma moeda e é indissolúvel
porque ambas as faces são necessárias, uma vez que não há significante sem significado, pois o
significante sem o significado é somente um objeto, que existe, mas não significa e o
significado sem o significante é impensável.
O signo lingüístico, segundo Saussure, apresenta duas características principais: a
linearidade e a arbitrariedade.
A linearidade diz respeito à combinação dos elementos que o compõem, isto é, estes se
apresentam sucessivamente. Por exemplo, os fonemas, as sílabas, as palavras não ocupam o
mesmo lugar no tempo e no espaço. Assim, a seqüência / K A N E T A / só pode ser realizada
nesta ordem.
Já a arbitrariedade, segundo Saussure, afirma que não há uma relação necessária entre o
conceito e a seqüência de sons de uma palavra. Por exemplo, o significado de caneta não possui
nenhuma relação intrínseca com uma seqüência de sons (significante) / K A N E T A / . Na
verdade, o significado de caneta poderia ser representado por qualquer outro significante. No
entanto, como o signo lingüístico é social, a arbitrariedade não significa que o significado
1
As línguas organizam a realidade de formas diferentes. Por exemplo, em português, a
palavra carneiro significa tanto o animal como a porção de carne do animal servida à mesa
para comer. Já em inglês, temos duas palavras para definir o que exprimimos com apenas a
palavra carneiro em português: sheep (carneiro, animal) e mutton (porção do carneiro pronta
para comer).
dependa da livre escolha do falante, pois um indivíduo não pode mudar o significado de uma
palavra.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. Rio de Janeiro, Petrópolis: Vozes, 2003.
FIORIN, José Luís. Teoria dos signos. In: FIORIN, José Luis (org.), Introdução à Lingüística. Vol.1, São Paulo:
Contexto, 2004.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, 1999.
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Por valor entendemos as diferenças existentes entre conceitos e sons. Por exemplo: em português a
palavra programa significa tanto um programa de televisão quanto o programa de um evento; em alemão,
há duas palavras: a primeira Programm, designando a programação de um evento e Sendung, o programa
de televisão. Outro exemplo: em português temos expressões de cortesia específicas, em japonês há um
morfema designativo de cortesia: -ka. Assim, o importante é considerar que o signo é o que os outros não
são.